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VITOR MANUEL DE AGUIAR E SILVA PRORISSOR DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA mer ; \y A : TEORIA DA LITERATURA 8: edigio VOLUME kal LIVRARIA ALMEDINA COIMBRA oR 1 OS CONCEITOS DE LITERATURA E LITERARIEDADE Lt, Histéria seniintica do lexema “literatura” © lexema literatura deriva historicamente, por via erudita, do lexema latino literatura, 0 qual, segundo informa Quin tii foi decalcado sobre o substantivo grego yeaiuarach. Nas principais aguas europeias, 0: lexemas derivados, por via erudita, de literatura entraram, sob formas muito seme- Ihantes— cf. castelhano: literatura; francés: littérature; italiano: lesteratura; inglés: literature —, na segunda metade do século XV, sendo um pouco mais tardio 0 seu aparecimento na lingua alema (século XVI) e na lingua russa (século XVI). Na Iingua portuguesa, encontrimos documentado o lexema literatura num texto datado de 21 de Marco de 1510(2) CE Quintliano, Inst. or, Hh 1, 4. Usiizamos lexema, de uso wario na terminologia da Linguistica con- : gm conformidade com PH. Matte logy, Cambridge, at the University Pr Lyons, Semantics, Cambridge, Cambri PP (Ct, cas dor Comelhs da Unvesidade de. 1505 41337, Public cadat por Mirio Brandio. Coimbra, PubliagSes do Arquivo da Uni. versidade, 1968, vol yp. 122 05 dites doctors ftom) deram suas Ths O lexema complexo | a, derivado do radical littera ‘a saber relativo 2 arte iano, Cassiano e S. Jerénimo, a 5 de textos seculares e pagios, contrapondo-se que designa um corpus de textos sagrados.(3) proceent por va popula, fra, jecedor da gra~ rar as letras (4) c que, ido estatuto sociocul- teratura, em regra, avangado o século XVIIL um texto sas antigo, datado mma ob mencionats (p28) and literary 1973, eratura europes y Edad Fondo de Cu i, The world and the sJstien FApos Euzin, mum dos cap ns refnaies ma edge com este significado: «Desde que ol Imperio Ro marse,focron cayendo también envuelsy empezs a des las ciencia 2 (1773). quando os beneditinos de Saint-Maur comegaram a publicar a Histoire littéraire de la France e, neste titulo, 0 signi- ficado do adjectivo littéraire torna-se bem explicito nos dizeres que a ele se seguem: ¢f...] ot rigine et du progrés, de la décadence et du rétablissement des sciences parmi Tes Ganlois et les Francais. O adjectivo referia-se, asim, a tudo quanto dissesse respeito as ciéncias e as artes, em geral.(*) vatura, lexemas e sintagmas como letras, as humanas e, a partir do século XVII, belas 0s poetas ¢ aos oradores jie tanto dizia respe Jésofos, aos matemiaticos, gramaticos, aos nte a segunda metade do século XVII quando se, pretende denominar a arte © o corpus textual que actualmente designamos por Si0 utilizados Texemas ¢ sintagmas como poesia, eloquéncia, verso ¢ prosa,(**) ete, 10 é, como sendo @ conjunto das artes ncias (cf, Francisco Diss Gomes, Obras p. graphia da Acad. R. das Sci 1799, pp. 12-1 (8) 0 sintagma fixo belas-letras é hoje usado taramente e adquitiu mesmo uma conotagio pejorativa, mais notéria em lexemas como ibrairie Droz, 1980, pp. 17 (0 snag se ¢ pi nd como denominasao ajustada para alguma frequéncia em autores. do. séu non meno negli oratoui ed € pros, mastimamente in qo Na segunda metade do século XVII, o lexema literatura apresenta uma profunda evolugio seméntica, em estecita cone x40 com as transformagSes da cultura curopeia nesse periods hist6rico.(!*) Subsistem no seu wo, por forga da tradigio lin. guistica e cultural, os significados jé mencionados, mas mani- festam-se também, em correlagio Com aquelas transformagées, novos contetidos seminticos, que divergem dos anteriormente vigentes e que divergem também entre si. A polissemia crescente do lexema, funcionalmente indis- sociével de miiltiplos contextos situacionais heterogéneos, histo- ricamente fetidas transformacées sociocultu- documentada no artigo intitulado fraturer que figura no Dictiennaire philosophigque de Vol- ) © em cujo infcio se 18: «Littéra de ces termes vagues si fréquents dans toutes les langues» Depois de recordar que equ'valia & gramitica dos gregos e latinos, Voltaire caracteriza « literatura como uma forma particular de conhecimento— une connaissance des ouvrages de godt, une teinture Phistoire, de poésie, d quence, de 1, mas no como uma atte espectfica, del contegiano. A cura di Ettore Bonora. Milano, Musia, fhe avienne percid, cke quantungue di tree gi e regole dello scrivere Pietro Bembo, Prose ¢ rine. A cura di Carl in, vide Baxter Hathaway, Ithaca —New York, Cor lugio semintica do lexema literatura, 0s estudos fandamentais, lém do jé mencionado de René Wellek. si Robert sca gris de Associ rire et le socal. Bléments pour une " Flammarion, 1970, pp. 259-272); Raffaele la leteratura, Napoli, De Simone Editore, 21974. (12) — Exe artigo fragmentirio nfo aparece nas edigées do Dion naire philosophique que reproduzem a cdicao de 1769. (13) —CE Voltaire, Dicionnaite philsophigue, Pars, chez Ménard e& Desenne, 1827, «Xp. 173 4 Este conhecimento, porém, é avaliado por Voltaire em termos depreciativos, contrapondo 0 conceito de ¢% atura ede literato, leias de saber © de actividade critica co cstatuto de subaltemidade em telagdo 3 La littérature n'est point un art particulier; cest une lumigre acquise sur les beaux-arts, lumigre souvent trompense. Homere était un génie, Zoile un liteérateur. Corneille était un génie; tun joumaliste qui rend compte de ses chefs-d’ocuvre est un horame de liteérature.(14) Por outro lado, Voltaire diferencia 0 conhecimento repre- sentado pela literatura e possuido pelo litérateur © 0 conheci- mento possuido pelo savant e representado pela filosofia ¢ pela ciéncia — conhecimento este que exige ades études plus vastes et plus approfondies» —, ilustrando tal distingio com 0 exemplo do Dictionnaire historique et critique de Bayle, obra que nio podia ser designada como am recueil de littérature, conheci~ mento representado pela literatura, quando diz respeito a objec tos caracterizados pela beleza, como a poesia, a eloquéncia, a historia bem escritar, toma’ o nome de belle lttbrature, no cabendo tal designacio, porém, a simples critica, & polimatia, A cronologia, etc., jd que tais actividades, bem como os escri- tos delas resultantes, carecem de beleza. Se a denominagio jure implica, por conseguinte, a existéncia de valores estéticos, a simples denominacio de literatura implica rela~ Ki , com a arte da expressio através da linguagem or isso mesmo Voltaire nfo considera como perten- centes 2 literatura aguelas obras que se ocupam da pintura, da arquitectura ou da midsica: «Ces atts par eux-mémes n'ont point de rapport aux lettres, & Tart d’exprimer des pensées: scenta: «On ne distingue point les ouvrages d'un historien par ce terme vague de vent Galer ne end par le mot de om, qui avaient plus de littérature que leurs critiques, seraient mal & propos appelés des gens de letres, des littérateurs; de méme Propos apy gens ne & dire que Newton et Locke sont des gens 5 ‘TooMA DA LeTmATURA ainsi le mot ouvrage de gui enseigne Parc Ia castramétation, etc.; c' Num texto de Diderot ent point & un livre musique, les fortifications, ‘un ouvrage techniques(15) em 1751, anterior portanto 20 artigo do Dictionnaire philosophique attis analisado —as Recherches philosophiques sur Forigine et la nature du beau (18) —, ocorre o emprego de littérature nos seguintes contextos verbais: que poderia ter competido semanticamente com literatura, 0 lexema poesia, passou a estar cada vez mais, do século XVIII cm diante, ou guer relativo 20 belo artis- que transcende a esfera da Por outro lado, verificou-se nas literaturas europeias, desde as primeiras décadas do século XVIII, uma acentuada valori- em prosa, desde o romance . Se © racionalismo neo- rminista desempenharam importante papel na valorizagio de uma prosa literdria apta 3 comunicagio 20 dcbate de ides, o pré-romantsmo rgou ico ¢ sociocultural iores. Esta importincia (7) CEE. D. Hirsch, Je, The ei London, The Univesity of Chieago P mi no século alargamento substancial do piblico eitor, alarga- mento que reflecte profundas alteragdes entretanto operadas nna sociedade —acesso & esfera da cultura de uma classe bur- guesa cada vez mais poderosa ¢ influente em todos os planos © caracterizivel em termos veblenianos, como uma leisure dlass—e que origina, com naturais efeitos de feedback, um vigoroso desenvolvimento da indistria ¢ do coinércio liveci~ jue possibilitam e promovem, inetes € sociedades de lei- imeira vez na hist6ria, de tura),(28) 0 apareciment escritores fruindo da possibilidade mado pelas suas obras (9) e a formacio de uma opi 1a funcio relevante nio 56 . c ‘vel impor a designagio genérica de poesia a uma produgio literéria em que avaltavam cada vez mais, quer sob o aspect quantitativo, quer sob 0 aspecto qualitativo, os textos em prosa. Poesia passou a designar prevalentemente os textos liter tavam determinadas caracterfsticas técnico-formais ey of. Frangois Furet The Hague — Paris, “A consign de om pico kitor de pecunea para adquiirviros milhares de exer ars de edo de wins obra reprsentou'o inl no Smbito da literature 9p Er das dependéncasc rites cconoaeod condiioni , Paris, Payor ‘ea funcio da, ginal: Seeker Ve 962) a sua Potica, exprime bem esta tendéni amente a poesia src sensu da prosa lterieia: «Digo.hecha pasou a designar uma categoria estitica susceptivel de quali- ficar quer obras artisticas ndo-liteirias, quer determinados aspectos ¢ manifestagSes da naturcza ou’ do set Tinha de se adoptar portanto outra designacio gi extensiva. Essa designagio foi lveraira.(°) palabras del nimero de poems y privat del nombre osss, como en costambres, sector ainda ‘mais compl aparecimento do poca em prosa. Na lingua alemd, ah ado que pode al lesema ‘como wget também a pros mente, um lexema como Jn definition de la pins le» (i toujours y faire entrer A aplicagio da categoria estética de poesia a uma paisagem, a um 10% um olbar, a om se Eee ratura rom imento, ete. tomou-se corrente com a lite” stemunho bem significative da nova fungio seman- ainbuida ao lexcma literatura € fornecido pela variagdo do titulo, imcira para a segunda edigio, da obra cm que Aurclio-Gcorgio la di Georgi dew italiano, pela primeiea vez, So, na segunda edigio, de satura alema (el, René Welle, 1B 1.3. Do conceito de literatura ao conceito de litera~ riedade © exbogo atris delineado da histéria semfntica do lexema literatura deixa logo prever as dificuldades inerentes a0 esta~ belecimento de uma definigio do respectivo conceito: o lexema & fortemente polissémico; 0 conceito de literatura é relativa- mente modemo ¢ constituit-se, apés mais de dois milénios de produgio literdria, em fungio d= um determinado circuns- tancialismo histérico-cultural; a literatura no consiste apenas numa heranga, num conjunto cerrado e estitico de textos inscrito no passado, mas apresenta-se antes como um ininter~ upto processo histérico de produgio de novos textos — pro~ cesso este que implica necessariamente a existéncia de espect- ibticos nfo aliendveis da esfera da ricidade ¢ que se objectiva num canjunto aberto de textos, os quais no sé podem” representar, no momento histérico “do seu aparecimento, uma novidade e uma ruptura impfevisiveis em relagio_aos textos j4 conhecidos, na medida em que propiciam, ou determinam, novas leituras desses_mesmos textos. Na época positivista, as dificuldades e os melindres do JJecimento do conceito da literatura foram simplista e radi~ calmente suprimidos, 20. accitar-se como liveratura, seguin talvez a sugestio ofetecida pela etimologia do vocibulo, to. as obras, manuscritas ou impressas, que representassem. a civit lizaco de qualquer época ¢ de qualquer povo, independente- mente de possuirem, ou nao, tos de ordem estética: «Considéré historiquement, le domaine de la literature est des plus vastes. I comprend dans leur suite tous les ow d'esprit qui se produisent & toutes les époques, chez tous les peuples et qui en marquent I'état intellectuel, moral, social, Ie degré de civilisation. (*) CY—CE G. Vapereau, Dicionnsite universel des Hdratures, Pats, Librairie Hacherte, 1876, p. 1259. Definigio demasiado abrangent Hi que abarca textor historiog textos juridicos, tex definigio demasiado euiteita, por outro, jf que exc Em clara e consciente reaccio contra este conceito. posi- tivista de literatura, que dominou em tantos manuais de his- téria literiria da segunda metade do século XIX e ainda das primeiras décadas do século XX, os tr mais fecundos movimentos de teoria ¢ critica metade do século actual —o formal anglo-norte-americano ¢ a estilitica ahecimento da necessidade urgente, metodologicamente prio~ ritéria, de estabelecer com rigor um conceito de literatura qua literatura, isto é enquanto fenémeno estético especifico. Técita ou explicitamente, proponham, ou nio, taxativas definigdes de literatura, 0 formalismo russo, o new criticism © a estlistica advogam 0 principio de que os textos literdrios possuem carac- t pairs que os diferencam ieguivocamente dos textos nio-literirios, dal procedendo a jee a lege timidade de uma definicio referencial de literatura. Correla- tivamente, 3 especificidade objectiva dos textos literdrios deverd corresponder a especificidade dos métodos e processos de ani- lise_desses _mesmos textos. Para designar a especificidade da literatura, criou Roman Jakobson, num dos seus primeiros ilo. literaturnost, isto &, literaredade: «Assim, 0 que faz de uma determinada obra_uma obra liverdria. (°°) ‘A conviesio de que ¢ possivel e necessério estabelecer ‘uma definigio teferencial de literatura qua literatura difundiv-se amplamente nos estudos literérios durante os dltimos anos, quer a nivel da teoria e da investigagio, quer a nivel da difusio escolar. Recentemente, por iguns investigadores contra puseram sérias reservas € objeccées a tal convicgio. Dada a jum anglo-americano Pacis, Editions se pode inferit, por exemplo, da relevircia que The concede Boris Ejchen~ baum (ves Ti giovane Telstij. La teora del metodo formale, Bats, De Donato, 1968, pp. 145-146)- 1s importincia intrinseca destas reservas e objecsSes, vamos pas- sat a analisé-las. 1.4. Objecgées a uma definigio referencial de lite- ratura As reservas e objecgdes a0 estabelecimento de uma definigio referencial de literatura so representadas fandamentalmente por duas ordens interligadas de argumentos: a) Em primeiro lugar, considera-se que «there is no trait or set of traits which all works of literature have in cominon and which could constitute the necessa tions for being a work of literature. Literature, genstein’s terminology, is a family-resemblance notion.»( A convicgio assim manifestada por John Searle encontra-se também advogada, com pequenas variagSes, por outros influen- tes autores: E. D. Hirsch, Jr., afirma que dliterature has no independent essence, aesthetic or otherwise. It is an arbitrary classification of linguistic works which do not exhibit common distinctive traits, and which’ cannot be defined as an Aristo- telian species»;(38) John M. Ellis denuncia «the error of assuming that literariness consists in textual properties, instead of the decision by the community to use the given text in a charac- teristic fashion»;(°) A. J. Greimas reconhece, de modo con- cordante, que ela littérature en tant que discours autonome comportant en Iui-méme ses propres lois et sa spécificité intrin- séque est presque unanimement constestée, et le concept de dlittérarité qui voulait la fonder est aisément interprété comme — CE. John R. Searle, «The logical status of fictional discourses, tery history, Vly 2 (1973), P. 320. WO BD. Hitch, Jer Te aime of pretation, —Cf, John M. Ellis, The theory of , Berkeley—Los Angeles—London, Uni 197 p a. Ea pga sequin, is moro penn category oof literary texts is not distinguishes os teristics bur By the charatterntic tse to which those texts are put by the community, 16 tune connotation socio-culturelle, variable selon le temps et Tavetan Todorov entende que nio é serutural” de literatura e contesta a exis ririo” homogéneo, visto que ocor- rem caracter fora da literatura e visto que se tomou igualmente dbvio que nio existe nenhum deno- minador comum para todas as produgdes "‘terdrias”, a niio ser © uso da linguagem.» (*") cea, Grcimas, ¢Pour une théorie du discours poétiques, in A.J. Greimas a lo acima transe 10 common denor igorosa das definigdes essenci Tatura aparece 6 no est ‘Tynjanov intituldo +O f (i924) (CE Jurih Tynjanov, Avanguar . 2 © métado form sophy of “308 ¢ passim. Dentre estudos mais recent Kiewicz, «The limits of ‘THORIA DA LiTERATURA 2) Se a ideia de literatura no é defensivel como ideia essencialistica, se 0 conceito de literariedade nfo se pode fin damentar em espectficas propriedades textuais, se a expresio “objecto literitio” & uma metéfora espacial a que nio légico peculiar, ter-se-d de pro itor(es) © findamento do conceito de earle escreve que literatura vis the name nudes we take toward a strecht of discours sujeito literatura. Assim, J of a set of ar in New fey history, V, 10973), duton of to gamiion LOR re’y in'J. 8 A ues intext srarmar, Dondcect— Bost, D. Ree, Jo lime, sLingsis and he theory of © Theo Venera dam Oxford New © 137-138; Paul Zumthor, «Méi . pp. 315-316; Mary Louise Pr theory of literary discourse, Blo Press, 1977, pas Toward a sped act Indiana Universey pormenorizadzinen eaegory do exter ‘way required and not used. Texts not designed forth 7 ly designed for disuse may be in signed for this use may n08 eerste? fs not the is concemed with the accep itp (p. 51). E noutro epi s this defining, we ean make a pocm not 2 pocin by so treatin a treat a poem of Goethe 25 2 lewer from him to Friedeike 08 coNCETOS DE LITEIATURA ¥ TITERARIEDADE nem sempre foram concebidas sob um prisma predominante~ mente estético, declara que sacsthetic categories are intrinsic to aesthetic inquiries, but not to the nature of literary works.»(*) Semelhantes reservas ¢ diividas sobre a possibilidade de se estabelecer uma definigio referencial de literatura encontram uma formulagio radicalista na critica que o teotizador norte -americano Earl Miner dirige ao que designa por falécia objectiva, ou scja, em seu entender, aquele vicio de raciocinio que con- siste em reificar a nogio de literatura, aceitando-se que as "obras de arte literdria” so "objectos literdrios”, entidades hiposta~ siadas as quais sio atribuidas qualidades objectivas. Segundo Earl Miner, sé como metifora ¢ por abstraccio se pode falar de um poema como sendo um objecto, uma construcio ima- ginativa, um sistema «or any of the other hypostasized entities that have figured so largely in Western criticism.o(“8) A obra literdria 56 existe através do acto cognitivo do seu leitor, con- figurando-se portinto coma um” "objecto” fental®que sb ssui existéncia fisita sob a forma de engramas, isto é, sob a Brrma dos elementos electroquitnicos da actividade do cérebro: ‘the status of literature is cognitive rather than objective or otherwise hypostatic.»(#) 1.5. Problematica de uma definigio referencial de literatura Os argumentos aduzidos contra a possibilidade de se for- mular um conceito e uma definigio referencial d expostos em 1.4., suscitam problemas fund. mologia e de ontologia, em gerzl, e de epi logia da obra literéria, em particular. Tais argumentos fundam-se sobretudo, explicita ou impli- citamente, em. ideias defendidas por Wittgenstein em escritos 1s Jt op. city p. 135. ‘objective fallacy and the real existence p27. Miner, «That iqiry, 2, 3 (1976), p. str 7 ‘TEORIA DA LimERAtURA da sua altima fase ¢, especialmente, nas suas Investigagées filo- séficas, Entre ¢ssas i "a a0 essencialismo, Witt- genstein considera como carecentes de significado perguntas do tipo "o que &?” —e. g., "o que é o tempo? conheci —e condena como «erro sobre a esséncia que c 1 isoladamente, que correspondam tragos essenci ificados por uma expres- so, no devendo as pseudoprozosigdes de esséncia ser toma- das por proposigées factuais, isto , proposig aplique 0 chamado ax! uma atitude epistems sublinhando teiteradamente que, quando se fala de esséncia, ti a por a descoberto uma contvencio Linguistica que fan ciona no imbito de um determinado "jogo de linguagem”” ca esséncia é expressa pela gramisicar, «a gramitica diz que cs cic de objecto & qualquer coisa» «para uma ampla classe ‘de —embora no para todos—em que empregamos a palavra “significado”, esta pode ser definida assim: 0 si ef. Victoria Camps, Prag Ediciones Peninsula, 1976, pp. 143 20 essencal cjase: Wolfgang porary germany PP. 436-431 philosophic. Expirinc, signification et lan es Editions de Minuit, 1976, pp. 298-302, ode er formulado do seguinte modo (cf John R. Seade, Le € referido dev ‘gege. Essei de philosophic du 2» 08 CONCEITOS DE LITERATURA © LITERAREDADE ficado de uma palavra é o seu uso na linguagem(‘) Pelo contririo, 0 conduz 3 ontologizagio dos ‘enun- ciados p dos pela gramitica, obliterando-se desse modo © reconhecimento de que « linguagem & um instrumentos ¢ de A critica witrgensteinisna ao essenci ada 20 conceito de «a Jogos de mesa aos jogos de ca jogos olimpicos, etc. Existe algo de comum a todos eles? Re ponde Wittgenstein, no seu modo to peculiar de argumen- taco: «Don't say: "There must be something common, or they would not be called "games" — but look and see wether there is anything common to al series of them at that. © que 0 exame de milti- plos jogos nos revela é uma complexa rede de semelhancas — por vezes, globais; outras veves, restritas — que se imbri- cam e se entrecruzam, mas que nio constituem fandamento suficiente para que se afirme a existéncia de um elemento comum 2 todos 0s jogos (universalia in rebus). Sendo assim, o conceito de "jogo"é incircunscrito, com ites indecisos. Mas poder-se-4 dizer que um conceito com nites indeterminados é um conceito? Wittgenstein lembra que Frege comparava um conceito com uma area ¢ que ol vava que uma drea com fronteiras vagas nio ¢ uma Arca. Se se aceitar que, na maioria dos casos, o significado de uma expresso consiste no seu uso ¢ se se tiver em conta que, na CE. Philosophical investigations, §§ 371, 373 © 43 Dbid., § 565 7 a ‘TwoRA a LITEATURA maioria dos casos, 0s denominados "conceitos” coincidem com © significado das expressdes,("*) ter-se-i entio de concluir que 08 conceitos atinentes 20 dominio empfrico—com excli- Sto, por conseguinte, dos conceitos atinentes 20 dominio mate- miitico — sero sempre conceites abertos, podendo os conceitos considerados até determinado momento como rigorosamente fixos tornarem-se subitamente vagos. E Wittgenstein sublinha © que se passa com a flutuagio das definigées cientificas: so que hoje considerado como uma concomitincia observada de um fenémeno seré amanha utilizado para o definirs.(5°) Quer dizer, um sistema conceptual perfeitamente estabi e rigorosamente estivel, a que corresponderia um, s de definig&es, no passa de uma ilusio metafisica.(* Fire, em particular, 4 busca de definigies corn aos conceitos utilizados em estética e ética, Wi gate sta palavra ("bom”, lo)? de exemplos? em que jogos de linguz- para ti ver que a palavra deve ter uma familia de significados..( A critica deWittgenstein a6 essencialismo pode ser enten- dida como a assungio de um neonominalismo que, por um lado, anula o significado c a denotagio dos lexemas e das expres- sBes(%*) sempre que estes sio considerados independentemente de um uso contextual e que, por outro lado, relativiza até 3 pulverizagio subjectivista o significado e a denotagio dos lexe- mas ¢ das expressdes utilizados numa série indefinida de actos de fala. Sob tal perspectiva, o pensamento da éiltima fase de Wittgenstein desemboca necessariamente no relativismo con- do, denatgs © expresso dz acordo com o cxabeleclo por Seman, fc ol. , §§ 7.3, 7.4 © 1.5, respectivamente. 2 08 ONCETTOS DE LITERATURA F LITEUANEDADE ceptual ¢ axiolégico e no cepticismo gnoseolégico(*), tornando aleatéria a fundamentagio de qualquer teoria cientifica. Foi assim interpretada que a filosofia deWitegenstein exer- ceu uma profunda influéncia na estética anglo-americana, em geral, © na teoria ¢ na critica literérias, em particular, condu- zindo a posigdes tedricas € metatedricas como as que expu- semos em 1.4.(#) Pensamos, todavia, que o pensamento de Wittgenstein manifestado nas igagoes filosdficas no se caracteriza por um neonominalismo radical e“que a sua critica 20 essencialismo ¢ a sua defesa dos conceitos abertos no conduzem necessaria~ mente 20 relativismo subjectivista ou pragmatista ¢ a0 cepti- cismo epistemolégico (cremos, aliés, que a rejei¢io do essen cialismo se torna obrigatéria no ambito da ligica da investi- gacdo cientifica). Efectivamente, 0 conceito de ssemelhanca de familia» no implica que um lexema signifique ¢ denote arbitrariamente, em fungio de uma atitude intencional ¢ impositiva assumida por falantes que decidem utilizar de determinado modo esse Jexema,. sem justificagio objectiva. Wittgenstein no diz que 05 jogos nada’ tém em comum a nio ser o facto de serem cha- mados jogos, mas diz que formam uma familia, porque neles existe a complexa rede de semelhangas a que atrés nos refe- rimos. Do mesmo modo, as varias parecengas entre os mem- bros de uma familia nio resultam do facto de tal familia ser chamada com um certo nome, do facto de entre os seus membros existirem semelhangas fisicas ¢ psicolégicas que se imbricam e se entrecruzam: «onformagio, cor de olhos, ma- neira de andar, temperament ctuzam-se do mesmo modo.» (°°) —Sobre 0 cepticismo deWittgenstein, cf Jeffrey Thomas Price, age and Sig 8 Watgenteis Pasopal Hague — Paris, Mouto: —Sobre a int conhecida terminologia proposta por Camap,{®) um lexema ou uma expressio € 0 correspondente conceito apresentam uma dada extensio —isto é, sGo correctamente aplicé perspectiva wittgensteiniana, a uma familia de objectos (®) —, porque € possivel conhecer e formular a intensfo desses lexema © expressio ¢ desse conceito, a qual € constituida pelos predi- cados atribuiveis aos objectos que formam tal familia, Witt genstein nio nega a existéncia de tais predicados, negando tio-s6 fou que scja possivel afirmar como existente — uma essencialidade predicativa que seria comum a todos os objectos da familia © que permititia configurar esta como uma classe rigorosa e fixamente delimitada. A. indeterminagio ou abertura dos conceitos, para que Wi “in chama repeti- damente a atengio e cuja pertinéncia e relevincia epistemoldgicas analisaremos abaixo, nfo podem, conmudo, ser ilimitadas ¢ sum dos erros deWitrgenstein, em nosso julzo, consiste exacta- mente em nfo ter reconhecido esa limita¢io, parecendo admi- tir, pelo contrério, que no & necessério haver qualquer seme- Thanga, «qualquer coisa em comumy entre os objectos a que se aplica uma palavra geral (¢ daqui resultam, como demonstrou Mundle, (#) consequéncias paradoxais e absurdas) Por outro lado, Wittgenstein confere sem ddvida uma relevincia findamental a0 comportamento linguistico, 20s actos linguisticos que se realizam na «prodigiosa diversidade dos jogos de linguagem do dia a di servindo os interesses e ing ond A study in semantics University of Chicago. Press, lexema objeto um significado ¢ uma deno- jm objecto pede ser tudo aquilo para que tenho io s6 uma pedsa, ou uma drvore, ou um cavalo, ia, uma molécola de México, Fondo ginal: A antique of as necessidades de concretos falantes ¢ adeq tos factores pragmiticos: «Todo o sinal morto. O que Ihe dé vida? No ( tificagio do significado de uma palavra com o uso na ling gem dessa palavra, afirmada num dos textos mais famos atrds citado, das Investigagdes filosdficas, encontra-se em perferta consonincia com esta valorizagio do comportamento ¢ dos actos linguisticos. ‘Mas ‘tal identificagio, que obriga a uma definicio contex- tual ou funcional do significado, conduz necessariamente, no Ambito da légica subjacente 3 argumentagio wittgensteiniana sobre a matéria, 2 rotal relativizacio pragmitica do signifi- cado—em fangio do néimero indefinido dos contextos pos- siveis—ow A sua total relativizagio subjectivista —em fungio do némero indefinido de locutores? " ‘Uma teoria radicalista do significado como uso, para além de outras dificuldades metatedricas e tedricas que suscita,(*) sbarra necessariamente num problema insolivel no quadro de 0 56 & possivel se estiver assegurada a intersubjec- icado € a intersubjectividade do significado jue transcendam a mutabilidade iversidade dos requer a existén das sisuages contingents, 2 ivas e regula le linguagem. no pode ser da de modo sriginl: The theory of mean, Devos Senilpi dell 1976. € institucionalista da linguagem, como se conclui do seguinte texto das Investigases filosdficas: «O que chamamos "obedecer 2 uma regra” é algo que seria posivel ser feito por um tinico homem e apenas uma vez na sua vida? — Isto representa decerto uma observagio sobre a gramitica da ¢ uma regra, fazer um re ma ordem, jogar um jogo de xadrez, sio costumes (us0s, instituigdes). Compreender uma proposicio significa compreender uma linguagem. Compreen- der uma linguagem significa dominar uma téenica.o(®) Estas lkimas afirmagSes revestem-se de grande impor- tineia e deverio ser relacionadas, segundo pensamos, com um conceito a0 qual, aparentemente, o pensamento deWittgenstein deveria ser refractétio, mas que desempenha nele, pelo contré~ rio, uma funcio cardeal, embore as vezes de modo implicivo € obscuro: 0 conceito de sistema e, especificament. de sistema da nam como instrumentos, em determinado contexto, porque sio sinais no Ambito de um sisteina c este , como & Sbvio, no pode ser um conjunto de factores continuamente variavei «Uma proposicio & um sinal dentro de um sistema de sinai E uma combinagio de sinais entre veis © por oposigio a outras poss gnificado como elemento de um sistema de linguagem; exac- rnte como uma expressio singular culo» (7) Aceitando esta dada a intersubjectividade fica assegurada tam guagem. Mas a intersubjectividade do significado nto apenas em relagdes © condi fanda amentos de ordem. sistémica. Os factores de ordem ;.agmitica, por exemplo, que abrangem sujeito ¢ mundo, tanto podem consolidar como anular a inter subjectividade do significado.(”?) Quer dizer, utilizando a ter- minologia difundida por Austin, poder-se-4 afirmar que, para Witigenstein, a intersubjectividade do significado deve set con siderada tanto numa perspectiva ilocuriva como numa pers pectiva pérlocutiva. Serio aqueles factores dissociiveis da natu- reza dos objectos — entendidos lato sensu —que fizem parte do contexto de um acto linguistico? Esta pergunta, que implica toda a dificil problemética das relagdes entre a linguagem ¢ a realidade, ideal ou empirica, no pensamento de Wittgenstein, no pode ter aqui resposta satisfatoriamente minudente ¢ rigo~ rosa, mas repetimos que nos parece contestével atribuir a Wittgenstein um neonominalismo extremo, segundo 0 qual as semelhangas ¢ as identidades detectiveis nos objectos pelos sujeitos nfo’ existiriam. efe rtantes de Wittgenstein poderiam ser invocados a tal propésito.("8) A luz de tal conceito, parece nfo ser infun- damentado afirmar-se que os objectos — sempre entendidos no sentido lato jé referido—que so denominados com a mesma palavra apresentam uma comum capacidade para serem utilizados do mesmo modo ou de modo similar, satisfizendo ou dando uma resposta a determiaados anscios, desejos ¢ fina- lidades do homem.("*) E tal comum capacidade nao pode ser totalmente alheia 4 constituigio dos préprios objectos. Se se aceitar, por conseguinte, que a filosofia da ilkima fase de Wittgenstein no esta dominada por um neonomina- fico, ganham nova relevancia epistemol6gica tanto a sua rejei- Gio de um essencialismo de pendor metafisico ou de cunho determinista, que ontologiza abuivamente os enunciados lin- friorté, pp. 233- ~ Cf. Haig Khatchadourian, op. cit, pp. 214-215 ZPORIA DA LITERATURA guliticos que sredita que cada cosa pos um principio ou propriedades inerentes que defixem estritamente a sua natu- Teza ea sua fungio, com exclusio de propriedades relacionais, como a sua rejeigio de um realismo primério, que defende a cexisténcia de uma relagio de tipo especular ou fotogritico entre alinguagem e 0s seus denofata, entre teoria ea realidade.("5) Pelo contrério, Wittgenstein ensina a ver ¢ a considerar a com- plexidade © a contingéncia dos fendmenos, isto é, dos fictos enquanto observados e interpretidos por um sujeito cognos- cente, donde procede a exigéncia epistémica de operar com conceitos abertos ¢ de refugir a qualquer tipo de fixismo ted- Tico. Tais orientagdes metatebricas ¢ heurfsticas, que nfo con- traditam 0 principio de que o conhecimento cientifico, como 0 concebe 0 racionalismo critico de Karl Popper, possi- bilita formular teorias universais que filam acerca das pro- priedades estruturais ¢ relacionais do mundo,»("*) ¢ que encon- tram convalidagio ficil na propria histéria da_investigagio cientifica no dominio das ciéncias da natureza,(””) assumem especial acuidade no campo das chamadas ciéncias humanas, )—CE Mario Brnge, Teoris y realidad, Barcelona, Editorial 5, em particular pp. 187-220, CE. Karl R. : iento objetivo, Madrid, Editorial 5 er a0 essencialismo ride a8 pp. 183-184 xr Paul K. Feyerabend, sp gns20 lo ‘of Minnesota Press, nico, is come formas, velocidad « mass. © sna conepal a esta terminologia supe que as propriedades so increntes aos objects ¢ que apenas mutase Hower hcreréncia com ox obese ‘mas nfo de outro modo. A tcoria da telatividade ensina-nos, pelo menos uma dessus inerpretaer, que nfo hi no mundo tis propiedades veis nem inobserviveis, e produz ‘um. sistema para a descrigio ‘no ambito do ma conceptual nao é que negue 2 6 ‘mas nem sequer nos permite formular enun- ddados que expressem ais estados de coisas (ado hd nenhuma dsposigio do diagram? de Minkowski que corresponds a uma situaio elise’) conceptual inteiramente da mecinica. Este novo 28 48 que tanto 0 objecto material como 0 objecto formal des- tas ciéneias dependem imediata © substancialmente da activi- dade criadora ¢ cognoscitiva do homem. Bastard meditar, por exemplo, nas consequéncias epistemolégicas dedutiveis da a que 0 fildsofo analitico A. C. Danto enderecou edge of the icantly limited by our ignorance of the fut suma, perante a crenca de que unum siomen, an denotatum — crenca em que se traduz a "fali~ de Wittgenstein sobre 0s jogos de linguagem, 0 como uso, as «semelhangas de familias eos conceitos abertos representaram. uma embora por vezes paradoxal, exigéncia de chamando a atengio percepcio dos actos li itos a prejuizos de viria ordem filoséfica bes forgosas, © campo roblema em discussio, se enquadra do problema em atura, como ficou exposto em 1.1. possui uma denotagio de amplo espectro, donde uma expresso em que ele figure, quer como sujeito, quer como predicado, pode apresentar uma referéncia lata ¢ imprecisa, tornando-sé entio necessério reduzir esta imprecisio © esta latitude através de uma adequada anilise contextual. Mas actualmente, quando se pretende formular uma definigio referencial ou real de literatura, delimitando ¢ caracterizando os elementos constitutivos da literariedade, o que se procura estabelecer, deixando de lado grande parte do significado e da denotagio do lexema literatura, & 0 conjunto das propriedades especificas da arte que sc designa por literatura. Em conformi- dade com as regras aristotélicas da definigio, 0 definiendum — Apud D.W. Fokkema ¢ Elud Kunne-Ibsch, Theories of the ewentieth century, London, C. Hurst & Company, 1977, p literatura) deverd ser explicado por um definiens que comporte © genus proximum (arte) ¢ a differentia specifica que distingue esta arte das outras artes. No fundo, o conceito de literariedade identifica-se com 0 de 0. Tais tentativas de definicio, para além de introduzirem, évia_dilucidacio, termos de conceituagio complexa ria — os termos de arte, de estérica ow outros equi- valentes —, descuram alguns problemas metatedricos © meto- dolégicos muito importantes, alguns dos quais sio justamente tidos em conta pelos autores mencionados cm 1.4. Em geral, as respostas 4 pergunta "o que ¢ a literatura?” no diferenciam adequadamente duas ordens de objectos que, embora sociocultural ¢ funcionalmente indissocidveis, devem todavia ser consideradas como distintas, tanto sob 0 ponto de vista ontoldgico como sob os pontos de vista epistemolégico ¢ légico. Por um lado, é necessirio considerar a literatura como sistema semidtico de significagio e de comunicagio; por outro, a literatura como conjunto ou soma de todas a5 obras ou tex- “ts liveririos. Ora, ao falar-se_de iiterariedade, tem-se_quase sempre em mente a literavura como conjunto de : ios e nao a literatura como sistema semidtico. E i alis, verificar que & pergunta "o que é a literatura?”, mui autores acabam por responder com tentativas de definiczo ‘ou de caracterizagio da obra literiria. Logicamente, torna-se sempre aleat6rio pretender-se caracterizar a literatura enten- dida como conjunto de textos sem previamente se ter ana~ lisado a literatura como sistema semistico. Examinando agora, em particular, as objecges ¢ as diivi- das referidas em 1.4., tem de se reconhecer, primeiramente, como inquestionivel 0 relativismo jo conceito de Terror seltvimo de que o ado aparecimento da desig- dora prova ¢, a0 mi impossivel, estabelecer um coiceito de literatura rigorosamente delimitado intensional ¢ extensionalmente que apresente vali- € universal e por isso mesmo é cientificamente impor dogmaticamente i heterogeneidade das. obras literérias produzidas durante cerca-de vinte cinco séculos —e este cémputo atém-se ao Ambito cronolégico do que é habitual designar por "civilizagio ocidental” — categorias ou 30 (08 CONCEITOS DB LITERATURA E LITERAR:EDADE propriedades consideradas, num .dado_momento historico, Como sendo universalmente especificas da literatura, mas que poderio apenas constituir tragos peculiares da producio ¢ da teoria literitias desse dado momento histérico. Uma das moda- lidades mais insidiosss de dogmatismo consiste, com efeito, em apresentar como verdadciro no plano teorético 0 que ape- nas é veridico no plano histérico-factual. © telativismo histérico do conceito de literatura adquire ainda uma nova perspectiva se pensarmos que a literatura, enguanto sistema, foi e continua a-ser um sistema aberto,(”?) cuja evolucio no futuro pode modificar de maneira relevante a ideia que hoje existe de literatura, e que a conjunto de textos, é tam! aberio, no sendo possivel formular quaisquer regras h camente recutsivas dotadas de capacidade preditiva em relagio aos textos que, no futuro, sc hio-de integrar nesse conjunto aberto ¢ que hio-de introduzir alterages na dindmica signi- ficativa e axiolégica de todo o conjunto. ‘A heterogencidade da literatura no se_0 tica, de modo que se torna rmiuito.aleatério,.senio_ imposs -produzida no mesmo periodo histérico mediante uma tinica rada pelo contetido de clevada encrgi re que pode s cemos adi de alguns aspec~ proceso da comunicagao 31 definir toda a literatura ¢ TEOMA DA aRERATURA ‘categoria ou_mediante_um_conjunto fixo de guralorss da hipotitiaeuonciidade doa Por exemplo, adi Zatkaewsky egorias confi- “estencialidade dessa, producio Iteraria mdo uma perspectiva scm inou 2 existéncia eo funcionamento, na cultura do século XX, de erés grandes modelos de hteratins 0 modelo de diteratura comprometdas, o modelo de dh, ratura candnicar ¢ © modelo de dliteratura nados com estruturas sociais ¢ ide: si, 05 quais propdem programas, até antagénicos, em larga medida, literénas “coner diferentes € ado das obras : as (0 que nio quer dizer que a mesma obra nfo posta realizar caracteriticas pertencentes a mais do que um model E a tese geral que Bennison Gray demonstra eficazmente, na sua obra ‘The phenomenon of lteretue (The Hague—Paris, Mouton, 197s), quer através de andhses pert a 1 a categoria se muito di © com escaso ou de vista explicativo ¢ classificativo, rica, 40 passo que catogorias do inguagem como desvio em relado how". "law gem desautomatizada versus linguagem usual quam mal, ou nio se adequam mesmo, a mt ratios de prosa narrativa. Nio obs diacrSnica ¢ sinerénica do conceito de iga a adoptar como cientifi mente correcta uma atitude tedrica de relacionismo e de rela tivismo histéricos, pensamos que as variagdes hi culturais do conceito, mesmo em épocas de profundas trans. formagdes estruturais da sociedade ¢ da cultura, nio afectam radicalmente a persisténcia © a estabilidade de alguns valores que tém de ser considerados como prdprios da literatura, Para corroborar esta hipétese, basta olhar e ver 0 seguinte, como (") —Cf, Stefan Zétkiewski, «Modeles de l ie contem= f iy la htérature contem- Recherches ut le syomes spain Te ee bee Moston ighifias, The Hag , Mouton, 197 32 aconselharia Witegenstein: se a uma obra parené obra historiogréfica pode ser reconhecido e tum estatuto litersrio, em funcio do condicionalismo histérico- cultural da comunidade em’ que sio produzidas e 4 qual se destinam imediatamente, nao h4 noticia de que, a0 longo da nha negado o estatuto exemplo, da Eucida de Virgilio, do Canzoniere de Os Lusladas de de Shakespeare nio significa que estas obras tei mente avaliadas como “excelente fica que estas obras no sejam passiveis de ser lidas e uti- fdas como textos nio-literdrios). Como reconhece Stefan Morawski em relacio 3 definigio da obra de arte, a atitude teoreticamente correcta parece set a de um relativismo his- mitigado que tem sempre em conta 0 condicionamento stSrico-cultural,, ma existincia de certas regularidades ) Em segundo lugar, objecgdes como as 3.4. pdem justificadamente em causa um realismo primério ¢ tum objectivismo de tipo positivista que admitem a existéncia plena da obra literiria—e de toda a obra de arte—como cro dado empfrico, como um factum brutum ou como fara, 2 experiéncia Pelo contrério, aos defensores da "estética da recepcio’ apresenta-se como ingu literdria s6 adquire efectiva existéncia como , quando lida e inter rmidade com determinados e. priticas institu- he literary work has and the aesthetic: cionais. Como escreve Wolfgang Iser, two poles, which we might call the ar the refers to the text aesthetic to the realization accom, op. cit, pp. 97-98, 137. x rading! proces! 2 phenomenological 170. Analisarem: 3B Julgamos, todavia, que o reconhecimento da verdade daquele principio nao implica a minimizagio e até a destruicio da obra Titeréria como ica relativamente aut6noma, pas- sando-se do extremo representado pela “filicia objectivista” denunciada por ner para o extremo da "alicia cogni- tivista” advogada pelo mesmo autor ou estatuindo-se a neces sidade de dissolver 0 text a num «uso textual» ou beitung) em que um «texto inicianter—o texto produzido pelo autor—se volve numa pluralidade de stextos res fem. miiltiplos textos interpretados (Interpret textos lidos, comentados, criticados, tradu: etc. (®) A obra literiria & sempre um_artefacto, um objecto pro- duzido_no_espaco_e no tempo —um objecto, como escreve que se_separa_do_sujcito criador, do sujeito fenome- ne como sconfiguracio formal liberta_do_ sers(™) —, possundo uma realidade material, uma textura semistica sem aS quais no seriam_possiveis nem a leitura, nem. juizo esté= ticos.(*°) Quer dizer, esta realidade material é condicio neces~ intween a: group of users of approacke: 7H: DP. 4 55. Baden-Baden, AgirVerag, 1965 Segundo le dover que cxtaceria 0 abjecto sueeeo f sitiapara_que aquele _artefacto sc realize como objecto esttico, embora nio sqja condicio suficiente, jd que a sua existéncia ‘como objecto estético exige a intervencio activa de um leitor, isto & de um peculiar sujeito cognoscente.(*) Oferecido 4 leitura de um nimero indefinids de leitores —leitores hete- rogéneos sob os pontos de vista histérico, geogrifico, socio cultural, etiri, ete. —e dada a sua propria constituigio. semis tica,(*) o artefacto que é a obra literdria realizar-se-d forgosa- mente ‘como objecto estético de modos bastante diversos. ‘Mas se a obra literdria, em virtude da sua estruara artistica € do processo comunicativo em que se realiza como objecto estético, possibilita leituras diferenciadas, nio permite leituras em niimero ilimitado ou de natureza arbitriria: as suas estru- turas semisticas, que tfm uma existincia efectiva regulada por determinados cédigos, ndo podendo ser anuladas pela subjec tividade dos leitores, impSem eo ipso um limite & variabilidade das suas leituras ¢ interpretagées ¢ nio podem ser dissociadas, do teor destas iltimas. Os leitores, a0 tomarem perante deter- minado(s) texto(s) 0 conjunto de atitudes a que cabers a desig- florescei s6 quando eu chego”)—toma-se perceptivel quando o verso en sabes plans, tedfors, sons. etc. A beleza, porém, no coincide com esta além. A beleza uleapasia 2 realidade; toda a realidade como seu ve —Referimo-nos apenas a "eitor’, porque desde hi muitos hr ea ease mt nos processos da produgio ¢ da comunicagio literdrias, No caso da lite- yna-se obviamente necessvia'a participacio de tm ouvinte sto por René Wellek ¢ AustinWarren, na sua 02, Publicagdee Europa-Américs, 1963, langue ¢ de parole, por wm Sutra bands, rexpecivamente, a obm ltrila enguanto arte ‘bea lieriria enquanto objecto extético, isto ¢, enquanto objecto de uma como ‘objocto estético, nfo tem correspon- Iho conceptual e terminolégico da linguistica saussunana. se, sobre esta matéria, o capitulo 9 desta obra. 35 nagio de cando ent prio(s) tex sive, triria — isto 6 como ocorrendo de modo imprevisivel no foro individual de’ cada leitor, no fizendo entio sequer sentido remeter 0 problema da defi como pretende Ellis, para um informe consenso comunititio, Retomando uma ideia jé atrés exposta a propdsito do conccito wit teiniano de "semelhangas de diremos que o uso que se faz seja do que for — texto, instituicio, teoria, etc. —, sobre- fa, quer diacrénica, quer’sincro- le transindividual e intersubjectiva, munca é alheio 3 natureza de que usad efeito, elementos textuais considera teratura”, no podem ass essas atitudes colo~ arénteses os elementos 8 € que noutro perfodo histérico podem vir a ser considerados como elementos textuais liters n, por exemplo, o classicismo francés excluia dos texto: € natureza folelirica el proprios do comportamen linguistico de estratos sociais infe- riores. Posteriormente, 9 préromantismo e 0 romantismo conferiram Aqueles temas exatuto literirio © 0 aquele léxico postergado pelo cddigo do cl Estas transformagées, proprias de um sistema sistema jo, no qual ocorre um ss esafdas em relagio a esfe sio originadas por alteragdes do sistema de nor ‘onhece como verdadeira e: the name of a afi and structure of the concept comanidade literdria (9°) — escritores, Ieitores, criticos, teori~ zadores, professores, etc. —, sob a acgio de mudangas opera- das historicamente nas estruturas sociais ¢ culturais, © repre~ sentam um alargamento do conceito de literatura, mas nfo propriamente a emergéncia de uma conceituagdo radicalmente nova da literatura. Nao é pelo facto de as tragédias de Racine no possuirem um Kéxico caracteristico dos estratos. sociais inferiores da Franga de Luis XIV que tais textos deixam hoje de set considerados como obras literitias, nem é pelo facto de nos romances de Faulkner ou de Jorge Amado ocorrer com frequéncia um Iéxico daquele tipo que esses textos si0 considerados como textos literirios. Se as rupturas operadas na dindmica do sistema literério pelos chamados movimentos de vanguarda podem impor — e tém imposto frequentemente — tum alargamento do conceito de literatura e uma diversificagio dos factores considerados como potenciais elementos confi- guradores da textualidade literdtia, quer no plano técnico- “formal, quer no plano semintico, nio hé noticia de que tais rupturas, mesmo as geradas pelos mais radicalistas movimentos de vanguarda, tenham alterado profunda ¢ generalizadamente 65 julzos sobre a natureza literdria dos textos até entio consi- deiados como textos liters Por outro lado, hé textos que terio sido produzidos como guer na invengio do autor, quer no juizo do yporineo, e que podem, mais tarde leural, vir a ser integrados no domi menciona como caso patadigmitico je Gibbon, Decline and fall ofthe roman rio afir- ria", vejacse Thomas mn: a ‘sociological pre~ ) Bp. 70 fe tals ropturas—pense-e, suelo —~ poderem provossr, com amps infugne ida loragio’ dos tex 4 7 mar, em casos deste teor, que um texto tenha sido produrido intencionalmente como extraliterdrio. Registe-se, depois, que sero relativamente escassos em niimero 0s textos prod como extraliteritios, recebidos como extraliteririos. pelos tores seus contemporincos ¢ redescobertos e reavaliados como textos literirios por futuros leitores.(%) Sublinhe-se, enfiin, gue, quando se redescobre ¢ se reavalia como literério um texto até entio assim no considerado, se desocultam, se iluminam, se fazem avaltar clementos, propriedades ou valores gue 0 proprio texto comporta e que no resultam de uma mera pro- Jjecgio no texto da capacidade criativa dos seus leitores. E por iss0 um texto como Decline and fall of the roman empire: pode ser lido literariamente como uma narrativa, mas ndo & pos- sivel ler literariamente um tratado de economia ou um cddigo de direito civil Pode-se admitir a existéncia de uma espécie de escala da literariedade, em perfeita consonincia com 0 conceito wittgens- teiniano de’ ”semelhangas de vatiével de um. para ‘outro contexto histérico ¢ sociocultural. Se nos ativermos, por exemplo, a0 cédigo literirio do romantismo, podemos determinat como centrais nessa escala textos como pocmas liricos, romances, novelas ¢ dramas e como tendencialmente periféricos textos como memérias,-biografias, ensaios, crénicas de viagem, discursos parlamentares, etc. Mas nessa escala no cabem — ntro, nem. na sua periferia— textos des de Hegel ou como’ as lectromagnétisme et I'dlectrodynamique de Ampere. Com efeito, em nossoventender, nio é passivel de corroboragio empirica a afirmagio de John Searle segundo a qual «the lite- ary is continuous with the nonliterary. Not only is: there no sharp boundary, but there is not much of a boundary at alls(*) Semelhante assercio, aliés, parece-nos proceder de um grave efro que examinaremos no capitulo seguinte: o erro. {que consiste em considerar 0 texto literitio como estrutural Muito mais frequente é © fenémeno de textos prosizidos cris, recbids com itersios elo pblico tor seu con- ¢ fancionalmente dependente apenas de um sistema semis tico —o sistema lingufstico. Em suma, as objecgSes eas diividas sobre a possibilidade de uma definigio referencial de literatura sio pertinentes sob vrios aspectos, obrigam a reexaminar com novo rigor solu- Ges teSricas rotineiras, mas revelam-se tam lguns pontos muito importantes, mal fundamentadas, teoricamente inconsis~ tentes ¢ empiricamente refutiveis. Se o teconhecimento da rela tiva heterogeneidade diacrénica e sinctdnica da literatura cons ude correcta sob o ponto-de vista teorético, dever= considerar como falsa ¢ metodologicamente insustentivel a posigio dos que hip im_essa heterogeneidade 20 ponto de concluirem pela impossibilidade de se caracterizar a litera tura, a nio ser através de caracterizagSes de tipo pragmitico— yminalista. Os conceitos abertos ¢ as "semelhangas de fam lia” deWittgenstein, instrumentos fecundos a0 servigo do rela do relativismo histéricos, nio podem ser nem tio “abertos” que deixem de ser conceitos, nem tio heterogéneas que se convertam em. dissemelhaneas, seno em antagonismos, Dentro do quadro epistemolégico e metatedrico de que deiximos -tragadas as linhas fundamentais, julgamos possivel ¢ necessirio dilucidar © conceito de literatura, descrevendo explicando a natureza, as propriedades d ‘© fancionamento ratura, Todavia, tal se pode alcangar atra~ igdes-FSrmulas do tipo"x & y", conferindo ao sujeito tum nico e ‘universal predicado, mas através da aplicagio a0 sujeito — aplicagZo que deve ser consistente sob 0 ponto de vvista empfrico, eoerente sob © ponto de vista tedrico ¢ fanda- ientada sob 0 ponto de vista metatedrico — de um esindroma Je atiburow(") de um conjunto de predzades gue const tuam um modelo (patters) intensional identificével mesm se modificarem, no’ decurso do processo histérico, algu alguns dos seus factores componentes. A dilucidagio do conceito de literatura implica © estudo de dois objectos ontolégica e funcionalmente distintos, em referentes designados pelo lucidacio, pelas razSes j4 expost vés de — Esa expressio € de arte, por Stefan Moraws definigio da obea 39 bora interdependentes, ¢ implica, por conseguinte, 0 estabele- cimento de dois planos analiticos diferenciados: toma-se neces- sirio analisar, primeiramente, a liveratura como sistema semiético € os mecanismos do funcionamento da semiose literéria; em seguida, toma-se necessirio analisat a literatura como texto literério, isto & como realizagio concreta e particular daquele ADDENDA 1.5. Problematica de uma definicao referencial de literatura Um dos_mais radicalistas ¢ habeis ataques a uma definigio referencial* de literatura encontra-se em diversos ensaios de Stanley Fish, coligidos no volume intitulado Is there a text_in this’ class? The authority of interpretive communities (Cambridge (Mass.)— London, Harvard University” Press, 1980). Segundo Fish, a literatura € uma categoria convencional, ndo delimitavel nem caracterizével mediante propriedades formais exis tentes em determinados textos, mas estabelecida em funcio de decisées de uma comunidade interpretativa que Ie ¢ julga como lterdrios certos textos: “What will, at any time, be recognized as literature is a function of a communal decision as to what will count as literature. All texts have the potential of so counting, in that it is possible to regard any strecht of language in such a way that it will display those properties presently understood to e literary" (cf. op. cit., p. 10). Quer dizer, & 0 leitor gue “faz” a literatura, mas um leitor configurado e, pode-se dizer, determinado por uma comunidad interpreta: iva. Com efeito, as “‘estratégias interpretativas” do leitor, que possibilitam a emergencia de significados de padrdes formais literarios, nao s4o de natureza individual © subjectiva, mas comunitiria, de modo que a comunidade Por definigio refeencial ou ralencende-se a definigao que explice a 2a do objecto definido e por defnigao nom icado de um tern interpretativa é que representa a instincia que produz esses. significados e esses padres. Um dos mais elucidativos estudos de Stanley Fish, a este respeito, intitula-se “How to recognize a poem when you see one” (ct. op. cit., pp. 322-337): com fundamento numa experiencia pedagégica (real? fingida?), Stanley Fish pretende demonstrar que € possivel a leitores instruidos com peculiares estratégias interpretativas reconhecerem € lerem como texto poético uma mera sucessio de nomes préprios escritos no quadro negro de uma sala de aula. O texto seria assim, em rigor, um significante vazio prcenchido, em adequadas,cendigdes, com um significado literario que os leitores “decidiriam” colocar dentro dele. Nos argumentos de Fisa, manifesta-se uma contra~ digo. légica. manifesta: nio haveria um significado inscrito, ‘codificado num texto, uma vez que esse significado emergiria gracas a uma estratégia interpreta- tiva, mas Fish afirma que “Interpretive communities arc made up of those who share interpretive strategies not for reading but for writing texts, for constituting their properties” (op ci, p. 14). Por conseguinte, o conceito de literatura fundamenta-se sempre em propriedades formais dos textos produzidos numa determinada comunidade interpretativa —no mesmo estadio sincrénico e na mesma comunidade interpretativa, os critérios de literariedade dos leitores coincidirao com os critérios de literariedade dos produtores de textos—, apenas se verificando uma variabilidade diacrénica ou sincrénica dessas propriedades formais (uma comunidade interpretativa projectara os seus critérios de literariedade sobre os textos produzidos noutras comunidades interpretativas precedentes ou coevas). A propria argumentacio de Stanley Fish invaliga assim a sua assergio de que todos os textos podem potencialmente ser considerados como literatura Sobre algumas interpretagGes incorrectas das Investi- ages filosdficas de Wittgenstein e os seus reflexos no jominio da teoria da literatura, veja-se John M. El ““Wittgensteinian thinking in theory of criticism”, in New literary history, XU, 3 (1981), pp. 437-452. Discordando, tal como nds, das interpretagbes radicalmente cepticistas neonominalistas do pensamento de Wittgenstein, escreve Ellis: “Such questions as the definition of literature, of criticism, or of tragedy are obviously fertile areas for a

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