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A reinvencao das formas artisticas Inferir das caracteristicas classicas e naturalistas da pintura e da escultura renascentistas A pintura e a escultura do Renascimento obedeciam a duas caracteristicas fundamentais: 0 classicismo e o naturalismo. Classicismo - inspiracao nos artistas da Antiguidade Classica. Foi acompanhado de um ele- vado interesse arqueolégico pelos vestigios da Roma Antiga, preservados em colecg6es priva- das ou em museus (importantissimos, a este nivel, so ao museus do Vaticano) Esta influéncia pode estar presente, nomeadamente: na utilizagao dos elementos arquitectonicos greco-romanos (valorizades, ainda mais, depois da descoberta do Tratado do arquitecto romano Vitrivio); —na evocago de elementos classicos (colunas, 4guias romanas) em ttimulos catélicos cons- truidos por escultores do Renascimento (como 0 de Leonardo Bruni, da autoria de Bernardo Rosselino); —nos temas retratados: mitologia e historia classicas (por exemplo, os deuses romanos mar- cam uma forte presenga na pintura de Botticelli); —na representagéo do corpo humane, glorificando-o (a escultura David, de Donatello, foi o primeiro nu realizado desde o Império Romano); —na valorizagdo da proporgo, da simetria, da harmonia (a escultura David, de Miguel Ange- lo, € 0 exemplo cabal da proporeéo harmoniosa das partes do corpo entre si). Naturalismo — admiragao pela Natureza, a qual se tenta transpor para a arte. O naturalismo levou os pintores em busca da representago verosimil dos rostos, da anatomia, do movimento € de todo 0 tipo de paisagens (Leonardo da Vinci, nomeadamente, realizou desenhos de embrises humanos, na tentativa de melhor compreender a anatomia). Na esoultura, a estdtua equestre, de extremo realismo (por exemplo, Gattamelata, de Donatello, ou Bartolomeo Colleoni, do escultor Andrea del Verrochio) foi a area onde melhor se verificou a aplicagao do naturalismo. Neste processo de descoberta da Natureza na arte, os artistas desenvolveram técnicas de aproximagao ao real através d = aplicagao das regras da perspectiva (para dar a ilusdo da terceira dimensao numa superfi- cie plana); foi utilizada com sucesso, além da pintura, na obra escultérica de Lorenzo Ghi- berti, Portas do Paraiso, na qual os painéis das portas se assemelham a quadros de trés dimensdes; =pintura a 6leo (técnica cuja invengao ¢ atribufda ao pintor Jan van Eyck, que permite um maior detalhe, gradagéo de cores e secagem mais rapida do que a tempera). Mostrar a superacao do legado antigo na pintura renascentista No Renascimento, 0 artista adquiriu merecidamente um estatuto de prestigio pois, nao se limitando a reproduzir as obras dos antigos, demonstrou a sua originalidade, de que ¢ prova 0 facto de muitas das obras de arte do Renascimento serem, desde entao, e até a actualidade, consideradas obras-primas. Artistas como Miguel Angelo ou Leonardo da Vinci foram, e ainda 8&0, considerados génios artisticos, pela mestria técnica e inventividade com que dedicaram a sua vida a arte. No entanto, devemos ressalvar que mesmo os génios tiveram os seus mestres; na pintura euro- peia do Renascimento, os pintores que prepararam o caminho para a revolugao artistica foram ~ Giotto: viveu nos séculos séculos XiIll e XIV, e j4 entéo dominava a pintura da paisagem (embora 0 fundo tradicional das pinturas, na arte gética, fosse 0 dourado), a recriagéo dos volumes e a representagao de sentimentos. ~Masaccio: nos inicios do século XV, trabalhou (seguindo as peugadas de Giotto) a tridimen- sionalidade e o realismo nas suas pinturas. Serviu de inspiragao aos artistas do Quattrocen- to italiano (fase inicial do Renascimento ou Proto-Renascimento que se desenvolveu entre 1420 e 1500, sobretudo em Flofenga). ~ Jan van Eyck: originério da Flandres, servia-se ja da técnica da pintura a dleo, caracterizan- do-se as suas obras pelo naturalismo e luminosidade. Essa mesma revolugao artistica apoiou-se em técnicas novas e fundamentos tedricos que perpassam pela obra dos mais variados pintores ¢ escultores do Renascimento: ~a pintura a dleo: consiste na mistura de dleos com pigmentos, substituindo a témpera utili zada anteriormente; permitiu novos efeitos de pormenor, luz e sombra; ~a perspectiva: estudada matematicamente pelos arquitectos Brunelleschi e Alberti ¢ pelo pintor Piero della Francesca, consiste na criagao de um espago tridimensional. Este pode ser obtide de duas maneiras: através da perspectiva linear (criagao de um espago geomé- trico em que as linhas convergem para 0 ponto de fuga e as figuras mais afastadas so representadas com menor dimenséo) ou através da perspectiva aérea, muito utilizada por Leonardo da Vinci (grada¢ao da luz ou sfumato, que transmite a sensagao de afastamento); ~ a geometrizagao: adopgao de formas geométricas em pinturas (como as de Rafae)! e tam- bém em esculturas (como na Pieta, de Miguel Angelo). As cenas representadas desenha- vam uma piramide, enquanto na arquitectura alguns edificios poderiam inscrever-se num cubo ou num paralelepipedo; ~.a proporgao: embora fosse j4 uma preocupagao dos antigos, o Renascimento depurou-a, gragas ao rigor matematico. Leonardo da Vinci realizou estudos sobre as propor¢ées do corpo humana; os arquitectos adaptaram as proporgées dos edificios a do Homem e, em cada edificio, estudaram matematicamente a melhor forma de adequar as proporgdes dos elementos do edificio entre si: —as representagées naturalists: eram demonstradas no realismo e na expressao de senti- mentos dos rostos, no pormenor das representagGes anatémicas e na valorizagao do fundo paisagistico (0 qual se torna um elemento fundamental da pintura) Identificar as caracteristicas da nova estrutura arquitecténica e da respecti- va gramatica decorativa Anova estrutura arquitectonica adoptou as seguintes caracteristicas: 1. Proporgao: a arquitectura ere regida por relagdes proporcionais entre as partes do edificio, calculadas matematicamente a partir de uma unidade-padrao. Se a obra arquitectonica estivesse bem idealizada, poderia inscrever-se num cubo ou num paralelepipedo. 2. Simetria: para a atingir plenamente, privilegiava-se a planta centrada (de forma circular ou derivada do circulo, pois representava a perfeicao divina). A titulo de exemplo, Bramante projectou, com base na planta centrada, 0 Tempietto de S. Pedro em Roma. Também nas fachadas, optava-se pela simetria das portas ¢ das janelas. 3. Perspectiva linear: consistia em conceber 0 edificio como uma pirdmide visual, na qual o olhar do observador converge para 0, ponto de fuga (Brunelleschi, a quem se deve a maior reflexdo sobre este tema, projectou a igreja de Sdo Lourengo, em Florenga, com base no principio da perspectiva). 4. Linhas e angulos rectos; horizontalidade dos edificios. 5. Abobadas de berco e de arestas: mais simples visualmente e de execugao técnica mais facil do que a abébada de cruzaria ogival. 6. Cupula: atingiu, no Renascimento, 0 auge da realizagao técnica, tornando-se presenga quase obrigat6ria nas igrejas renascentistas. A primeira ctipula deste periodo foi a da Cate- dral de Santa Maria das Flores, em Florenga: 0 seu autor, Brunelleschi, superou as conven- ‘g6es construtivas da época ao prescindir da habitual armagao de madeira (repartindo o peso entre duas cUpulas) e ao substituir as rampas para os materiais construtivos por maquinas para os igar. Para a Catedral de Sao Pedro do Vaticano, Miguel Angelo projectou uma cUpula ainda mais alta do que a inicialmente prevista por Bramante. A cupula de Miguel Angelo tornar-se-ia, para sempre, na referéncia visual, por exceléncia, do Vaticano 7. Arco de volta perfeita: mais simples, foi escolhido pela ligagao que estabelece com o edificio, 8. Gramatica decorativa inspirada na arquitectura classica: as colunas das ordens arquitecto- nicas cléssicas juntou-se, no Renascimento, a ordem colossal, assim designada devido as suas dimensdes elevadas. No final da Renascenga, encontramos difundido 0 estilo maneirista, recuperagao exacerbada do ideal classic, onde abundam os elementos arquitecténicos greco-romanos (por exemplo, na profusao de frontdes e colunas da /greja de Cristo Redentor, en Veneza, da autoria de Palla- dio). Na escuitura, 0 Maneirismo evidencia-se, por exemplo, nas obras da segunda fase de Miguel Angelo, de forte cunho dramatico, como 0 Escravo Moribundo. Relacionar tais caracteristicas com a oposicao ao estilo Gético e com a inspi- racdo na Antiguidade Classica A arquitectura renascentista rompeu com a tradigo gética medieval, elegendo como modelo a arquitectura classica. Esta op¢dio de fundo evidenciou-se em varias caracteristicas, tais como a preferéncia pela planta centrada, a qual jé era usada pelos classicos (por exemplo, no Pante- 0 de Roma), a horizontalidade das linhas dos edificios, por contraposigao com a elevagéo Qética; 0 gosto pelas cupulas, inspiradas na do Pantedo de Roma ou a preferéncia pelo arco de volta perieita em detrimento do arco de cruzamento de ogivas do estilo gotico e pelas abo- badas de bergo, ao invés das de cruzaria ogival. Também na decoragao dos edificios foi seguida a inspiragao classica pela aplicagéo das ordens arquitectonicas (dorica ou toscana, jénica e corintia), dos frontées e dos grotescos (decoragao das paredes - em fresco ou em alto-relevo — inspirada na de monumentos romanos) Sublinhar a matematizacao das formas arquitecténicas A estética renascentista levou a reflexo sobre as formas arquitectonicas a um grau nunca antes imaginado: 0 projecto de um edificio implicava estudos prévios de perspectiva, propor- 40 e simetria que nao podiam dispensar célculos rigorosos. ‘A proporgao enite as partes do edificio estabelecia-se a partir de uma unidade-padréo, repeti da ou multiplicada sucessivamente; numa igreja, por exemplo, todas as medidas (da nave cen- tral, naves laterais, capela-mor, capelas laterais, etc.) eram rigorosamente calculadas de manei- ra a inscrever 0 edificio numa forma geométrica (de preferéncia um cubo ou um paralelepipedo). © objectivo de simetria absoluta levou os arquitectos a escolherem o circulo (forma perteita, divina, sem principio nem fim), para a planta dos templos que projectavam. Nas fachadas, a distancia entre as janelas, e entre estas e as portas, era rigorosamente caiculada. As ordens arquitecténicas classicas foram reanalisadas, estabelecendo-se uma nova teoria das regras de proporcao entre os componentes da ordem, segundo a qual as partes da coluna eram miltiplos de uma medida base: 0 médulo Relacionar o Manuelino com a persisténcia e a renovacao do Gético 0 estilo gético-manuelino caracterizou a arquitectura portuguesa entre a ultima década do século XV e o primeiro quartel do século XVI. Trata-se de um estilo hibrido, isto 6, uma mistura de elementos géticos (na estrutura dos edificios) com uma decoracao exuberante baseada em motivos naturalistas (terrestres e marinhos) e com uma simbdlica heterogénea, onde cabem, nomeadamente, os motivos da herdldica régia e elementos cristéos. A presenga de troncos, ramagens, conchas, bias, cordas e corais fez com que este estilo fosse analisado, sobretudo, luz do contexto portugués dos Descobrimentos. No entanto, deve reforgar-se a ideia de que 0 Q6tico-manuelino reinterpretou o estilo gético, por exemplo através do uso de miltiplos arcos (e no s6 dos arcos quebrados) e da abébada rebaixada e Unica para as trés naves (originando a igreja-salao). ‘S40 exemplos fundamentais deste estilo: ~a Janela da Sala do Capitulo no Convento de Cristo (Tomar) 0 portico das Capelas Imperteitas, no Mosteiro da Batalha; a Sé de Viseu; ~a lgreja do Mosteiro dos Jerénimos. Caracterizar a pintura e a escultura portuguesas do Renascimento Escultura — fortemente ligada a arquitectura (nomeadamente a igrejas), registou um surto entre finais do século XV e a primeira metade do século XVI. Na realizagao de tumulos, portais, esté- tuas de santos, estétuas jacentes e outros elementos religiosos, encontramos associados os esti- los gético, manuelino e cléssico. Para além dos escultores portugueses (Diogo Pires, © Velho, seu filho Diogo Pires, 0 Mogo, Jodo de Castilho e Diogo de Arruda) o patriménio escultorico é devedor da presenca dos franceses Nicolau Chanterenne, Joao de Rudo e Filipe Hodarte. Pintura — a aproximagao ao Renascimento efectuou-se entre meados do século XV e a primei- ra metade do século XVI, em virtude da presenga de artistas estrangeiros (em especial, do Norte da Europa) no territério portugués. Destacaram-se os seguintes pintores portugueses: Nuno Gongalves ~ a quem se atribui a realizagéo dos Painéis de S. Vicente, onde, ao inte- resse pictorico manifestado no dominio técnico, na inovago e nas influéncias flamenga e italiana, se acrescenta o valor histérico documental, pela representagao dos diferentes gru- pos da sociedade portuguesa do século XV, = Vasco Fernandes (Grao Vasco) ~ autor que reuniu influéncias flamengas, italianas e da arte de Darer, notabilizando-se pela obras realizadas no ambito da escola de Viseu (por exem: plo, os retébulos das capelas da Sé de Viseu).

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