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y meet) by Anténio de Arruda ermitida a divulgagao dos textos contidos neste livro desde que eitadlos store fonte ; { A Afruda, Antonidide OL inguajaPCuiabanc € Otttros Escritos Antoni® de Arruda. - Cuiaba: Ed. do Autor, 1998. 284 p CDU - 869.0 (81) -94 *UNDAGAO UEM BIBLIOTECA CENT, CUBA MT indice para Catal Sistematico 1, Mato Grosso - Memérias Sul iteratur rossense 4. Instin 6. Biografia fic Grafica Print Express Walmir Leite Sérgio Carlos i Elizabeth Madureira Siqueira vém ajudando a perseverar nessa “ilusdo literdria”, que Eduay © LINGUAJAR CUIABANO. do Frieiro classificou de insensata, mas nao deixa de serg mais apreciével de nossas ilusGes Mais de uma vez ja escrevi sobre o linguajar mato-grossense especialmente 0 cuiabano. O'primeiro.des- ses escritos saiu no album “Terra e Gente”, publicado por Fernando Leite de Figueiredo. Mais tarde, o tema foi também aflorado no artigo “A Propésito’de Formidaver’, publicado no ‘excelente mensario “Ganga, que Jodo Anténio Neto, Rubens de Mendonga e Agenor Ferreira Leaomantiveram, por algum a tempo, em Cuiaba (numerode novembro de 1952). Em 1970, voltei aovaSSunto na conteréncia “Cuiaba e a Integracdo c Nacional’, agorainserta neste volume. E Em 1978, a Professora Maria Francelina Poranim Drummond escreveu um livro importante: “Do FalarCuiabano’. A Professora Maria Drummond citou a de meus trabalhos e transcreveu em seu livro um r A. de A, outro'do Professor Franklin Cassiano da Silva, “Sub- sidios Para o Estudo da Dialectologia em Mato Grosso”, frisando serem os dois Unicos que se conhecem sobre 0 assunto. Tomando por base depoimentos de pessoas de mais de quarenta anos das localidades Guarita e So Gongalo, a autora registrou o que Ihe pareceu mais caracteristico no linguajar dos habitantes dessas fegides. E um trabalho de especialista na matéria. y de méritos inegaveis, sobretudo por salvar do es- quecimento aspectos culturais preciosos que vao ) desaparecendo. Quanto ao meu intuito, foi e ainda é mais modesto. O que pretendi anteriormente e desejo i fenovar, com alguns acréscimos, néo passa de breves comentarios a respeito de particularidades do falar cuiabano. F) Particularidades que a principio eram generalizadas e que I depois se restringiram a zona rural ou, mesmo, a area urbana, Porém ao ambito de pessoas menos cultas. 1 Nos referidos trabalhos, foram apresentados alguns exemplos desse linguajar, como 0 verbo assistir ng sentido de morar, fortuna com o significado de sorte e nag apenas de riqueza, a expressao a reio como sinénima deg fio, além de outros mais. Sao falares que cairam em desusp €M outras partes do Pais e que permaneceram em Cuiabae Seus arredores, dado o relativo isolamento em que esta regiag se manteve por mais de dois séculos. Ha também diversos termos que sag frequentes na fala cuiabana e que sé raramente s¢ empregam em outros lugares. Estéo nesse caso, poh exemplo: assuntar (observar), moldide (fraco), lading (espero), encasquetar (ter idéia fica), perrengue (moldide). FORMAS INTERMEDIARIAS — Outro fendmenth interessante 6 a persisténcia, em Cuiaba, de formas interm diarias, de uso popular, que se tornaram arcaicas com evoluigdo seméntica das palavras entre nés falares como : alumear (di semelhanea do antigo adagio: o ignor ‘Si Se queima e aos outros alumeia lua e luma (lua), etc. iz-se alumeio, a rante como a eandeia, ); dereito, \despoisitruitol , Trata-se de falares lambém pelos Bandeirani tugueses ¢ t Publicado no ivr Camées), Assim, ainda’se Seal trazidos pelos por) a ORADIO EA TELEVISAO COMO INSTRUMEN- | TOS UNIFORMIZADORES — As peculiaridades lingiisticase |) outros modismos encontrados em Cuiabéle alhures vo | desaparecendo ante a influéncia do radiovevda televiséo. Da mesma forma, osmeios modernos de | comunicagao social tem congorrido para a unificagao prosddica dos brasileiros)yOs sotaques e outras particularidades regionais tendem a desaparecerh A famosa pronuncia) carioca, \por exemplo, tao caracteristica, considerada por muito tempo modelar para ovbrasileiro, j4 sesvai diluindo na babel em que se transformou a fala no Rio de Janeiro. Isso, naovha divida, resulta da imigragdo desordenada das Ultimas, décadas. Imigrantes o Rio sempre os teve, mas n40em Massa, como vem ocorrendo. Outrora, os forasteiros — quase sempre da classe média — chegavam ao Rio iam assimilando nao sé o sotaque carioca, mas também as girias e acepgoes diferentes que algumas Palavras ali adquiriram. xUltimamente, os migrantes introduzem_no_meio suas peculiaridades lingiiisticas, criando um complexo cultural ainda nao perfeitamente definido ! ALGUMAS SEMELHANCAS ENTRE FALARES, REGIONAIS — A propésito de assistir, na acepgao de Morar, que se observa em Cuiaba, cabe lembrar que esse termo também se encontra, com o mesmo significado, em alguns escritores mineiros contemporaneos. O fato se explica pela identidade de formacao histérica e pelo isolamento em que permaneceram Mato Grosso e Minas Gerais. Mas, com referéncia a esta, 0 isolamento logo desapareceu, o que faz supor que as diferencas semanticas com 0 restante do Pais também esmaeceram. Nao conheco €m pormenores o falar mineiro, mas um fato é evidente: o Sotaque mineiro sobretudo o belo-horizontino é o que mais se 13 aproxima do carioca Quanto a Golds, seu isolamento foi longs © perdurou até as primeiras décadas deste século tendo sido, portanto, pouco menos extenso que o de Mato Grosso. De qualquer modo, as duas culturas s assemelham, onde se incluem as singularidades linguisticas. No admiravel livro de poemas de Com Coralina, Dos Becos de Goias e Estérias, verifien que alguns dos termos caracteristicos do. falat culabano também o sao ao de Goiés. Assim, empalamadg, que imencionei antes, Cora Coralina 0 emprega referindo-se a si propria, em pungente poems freudiano: Eu era triste, nervosa e feia, Amarela, de rosto empalamado, De pernas moles, caindo a t6a (pai Euwestia um an De uma saia velha de minha bisavo, Euvestia um timao feio De pedacos de resto de baeta (pag. 59). tigoumandriao Outros exemplos de lates de Goiés'e Cuiaba também oe a livro:sbadulaques de apé (pag identidade entre fa Se encontram no mesmd) (Pag. 109), mulher. A aaa ler-dama (pag. 106), ALGUMAS CORRUPTELAS — Escapa aos 14 objetivos deste trabalho o registro dos chamados brasileirismos sintaticos, vulgares em todoo Pais, como: vi ele; eu Ihe vi; vou na cidade; para mim falar, etc No pretendo também mencionar falares, hoje em extingdo, do tipo: més ¢heguemo: eles tao falano; bamo simbora; pramiode (por amor de); chacra: corgo; chora e outros:que tais. Entretanto, vale a\pena aduzir algumas observagoes sobre corruptelas interessantes que se observam €m Cuiaba cuja,origem se perde nas brumas do passado, .Exemplos: Duyida: talvez. Emprega-se em frases | como:\"Serd que ele vem hoje?’ ~ “Duvida”. Suponho \ que esse duvida seja uma reducdo da frase duvidarem...” “Se Inta! (interjeigéo): toma! Qual a formagéo do termo? Derivaria de “ai esta?” ou de “ainda esta?” Murcigo: macigo (ouro murcigo). Sistrodia: por “esse outro dia” Saltaveaco: espécie de banana da terra, enorme. Segundo explicagaéo que se costuma apresentar, a palavra é corruptela de farta velhaco. Quer dizer: a banana 6 téo grande que o velhaco que a furta pode fartar-se dela Vosmecé (de vossa mercé): tratamento intermediario entre 0 senhor e vocé (nem tao Cerimonioso como o primeiro, nem tao familiar como o Segundo). Como se sabe, de vossa mercé veio também o vocé que, entre nds, as vezes, principalmente na zona rural, Se pronuncia voncé ou vancé. Cortuptelas que vigoram em todo o Pais Sao sinhé e sinha (ambos derivados de senhor). Dai 15 vieram seu e nhd, sea e nha, como formas de tratamento menos cerimonioso que os termos de que se originam, Alguns derivados semelhantes, como] sinhd, sinhoca, nhoca, nhonhé. loid, iaia, sinha funcionam como apelidos em toda parte, mas, em Cuiaba, costumam, as vezes, juntar-se a nomes designativos de familia ou de lugar de residéncia: Nhonho de Manduca, Nhonhé do Bat. Quanto ao nhé, pode deixa de ser forma de tratamento para se transformar en) apelido: Nhé Pulquério E Ha outra particularidade cuiabana ie assinalada pelo Prof. Franklin Cassiano da Silva em seu citado trabalho “Subsidios para o Estudo dé Dialectologia em Mato Grosso’. E que nha se emprege| , indiferentemente com relagéo a homem ou mulher: NI Tonho, Nha Ju, Nha Blandina, Nhaninha (neste cast aglutinando-se ao nome). No primeiro exemplo, Oonhé parece ser contracao de nhé Anténio (nha=nho + af} ESPANHOLISMO- O conffade Lenine C. voas, em seu ensaio “Influéncia do Ridkda Prata Mato Grosso”, enumera alguns:termos usados. em Cus aos quais atribui proveniéncia do espanhol platina Exemplo curioso citado por ele € o da palavra mani (mao na bola) usada no futebol, E que esse jogo, en) Mato Grosso, steve inicialmentey’como técnicos # jogadores, chilenos, \paraguaios, argentinos # uruguaios, e daivavorigem do mano. Em carta qué escrevi ao Lenine,dembrei-Ihe dois termos de large) USO, ent nds, tambem provenientes do espanhol alambrado (cerca de arame) e a interjeicd como dj: gelo (djeto), jdia (djdia). Quanto ao ch (tch), ha quem atribua Sua origem a influéncia espanhola, 0 que néo me parece fazoavel. Houve realmente em Mato Grosso influéncia do espanhol platino, conforme“demonstrou Lenine C. Povoas, mas nao de molde a atuar tao profundamente em nossa prosédia, como seria 0 Gaso. Realmente, Nossos contatos mais freqiientes com a’fala espanhola ocorreram apés a abertura da navegacao do Rio da Prata, em 1858, até avinaliguracao da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, em 1914. Sao apenas 56 anos, tempo insuficiente para uma penetragao cultu- ral. expressiva Ao que me parece, tais pronuncias, tanto No casodo che do x, como no g e j, foram trazidos pelos portugueses e Bandeirantes, que as empregavam a maneifa entao vigente, a semelhanca do que aconteceu com © cuiabanés como um todo, ou seja, aquelas Pronincias, como este, permaneceram em nossa cidade, caindo no esquecimento em outras partes. Com efeito, observa o Prof. Antenor Nas- centes, em sua Gramatica da Lingua Espanhola, que o ch espanhol se pronuncia como ch inglés da palavra child, 0 que ocorre em pontos de Sao Paulo, assim como em Tras-os-Montes, no Entre-Douro-e-Minho e Parte da Beira. De fato, a alguns conterraneos tem acontecido, quando em viagem pelo interior de Portugal, ouvirem com surpresa essa mesma pronuncia € a do nosso g (dj) Ora, se tais sons se conservaram em lugares de Portugal e de Sao Paulo (principalmente naqueles de onde Vieram os Bandeirantes), 0 mesmo deve ter ocorrido em Cuiaba, onde, além disso a imigracao portuguesa foi intensa, NOS primeiros tempos de sua formagao. Segundo ensina Joao 17 Ribeiro, em sua Historia do Brasil, a febre do ouro atraiu parg Cuiaba grandes contingentes da populagao portuguesa obrigando até 0 Governo a baixar leis proibitivas da imigrago, temendo 0 esvaziamento da Metropole. Mas a proibigdo se tornou inutil, pois a corrente imigratéria continuou, clandestinamente. Tudo leva a crer que essa gente, que permaneceu em Cuiaba, pelo menos em grande parte, unindo-se aos paulistas, concorreu para a preservagdo da pronuncia que Ihe era familiar. Todos esses falares foram desaparecen do com 0 tempo e se acham quase extintos. Em parte como ja foi salientado, em conseqiiéncia do radio € da televiséo, com seu efeito unificador de cultura Mas, no caso, 0 processo de mudanga comecou antes @ advento desses meios de comunicacaéo e obedeceu outras causas ADECADENCIA DO CUIABANES - O livroge professora Maria Francelina Ibrahim! Drummond, cit do anteriormente - Do Falar Cuiabano. — despert muito interesse nos meios intelectuais de\nossa terra Prova disso esta na pega teatral.da jornalista Gloria Albués ~ Rio Abaixo, Rio Acima= encenada com sucess, em Cuiaba e em outras eidades do Pais, cujo. Personagens se exptimem pelaS*formas peculiares aly linguajar cuiabano, enumeradas nesse livro, Também nossas cronistasisociais, sobretudo Marta de Arrudal Passaram a empregar.em suas colunas express6es He termos @aracteristicos de nosso falar reson culabano deychaoa (tchapa) e cruz; de que sera? ~# aSsim’Pordiante. Em verdade, o cuibanés praticamenél desapareceu, achando-se confinado exclusivamente em areas rurais, onde o foi surpreendl aprofessora Maria Drummond. De generalizado que era, se diluindo até ficar restrito a pequenos redtitos’ onde permanecera, sem divida, até que seja atingido pélos elementos uniformizadores da linguagem, especialmente 0 radio e a televisdo. Certamente, os mais velhos. ainda resistiro, enquanto os jovens sefao atraidos pelos novos valores. * Mas pergunta-Se: como teria ocorrido essa mudanga? Breve retrospecto histérico mostra o que aconteceu. Conforme)ja esclareci, Cuiaba herdou sua original maneira de falar dos paulistanos e Portugueses que para aqui vieram em busca do ouro e aqui ficaram. Essas formas lingijisticas se estratificaram em face do isolamento secular da Populacdo, Até 1858, data da abertura da navegacao fluvial pelo Rio’da Prata, uma viagem a Sao Paulo ou Riowde Janeiro constituia verdadeira aventura. D. AquinosCorréa, em uma de suas pastorais, dedicada ao Pai, informa que este, como comerciante, empreendeu, Quando mogo, algumas viagens até o Rio, sempre acompanhando tropas de burros através do sertéo bravio Com esse isolamento era muito escasso o intercdmbio dos cuiabanos com o resto do Pais. As elites que aqui atuavam quase sempre vinham de fora De fora provinham os dirigentes: da Metropole, nos tempos coloniais, da Corte, no Rio, apos a Independéncia. Raramente tinhamos um governante local, como 0 Barao de Melgaco — assim mesmo um “bretéo cuiabanizado”. Outras provincias 6 que nos forneciam também o juiz—O Tribunal de Relacao, hoje Tribunal de Justica, s6 foi criado em 1874 — assim como os poucos médicos, advogados, engenheiros, dentistas, que aqui trabalhavam, Com 0 inicio da navegacao fluvial, em 19 1858, a situagao foi-se modificando. Os jovens passarama freqientar as Escolas Superiores do Pais — as civis, bem como as do Exército e da Marinha. Deu-se entao o choque de culturas e 0 cuiabanés comegou a periclitar. E de se presumir 0 que teria acontecido, em contato com os novos ambientes, com os Rondons, os Dutras, os Pedros Celestinos, ‘os Murtinhos, os Estévaos Corréas, os Marios Corréas, o§ Josés de Mesquita, os Amarilios Novis, os Palmiros Pimentas, 0s Albanos de Oliveira, os Alirios de Figueiredo, os Beneditos de Campos, os Joaos Vilasboas, os Caios Corréas, of Leonidas Mendes, os Agostinhos de Figueiredo e tantos outros O Marechal Rondon relembra, em suas memorias, que na Escola Militar, os colegas 0 chamavam de bicho peludg (naturalmente com a prontincia, em tom pejorativo, de bitcho} { Nessas condigdes, o cuiabano, com seu falate seus costumes caracteristicos, sentiu-se um estranho em Novo meio. Sentiu-se diferente e o diferente se tornaldisct minado. As diferencas que geram as discriminagoes, sobs impulsos implacaveis da maldade humana, provém’ Serene das deficiéncias fisicas, da cor, das cren¢as, das ofigens também da linguagem, como no.gaso. Dai a nécessidade dé adaptagao: a fala fol-se libertando das caracteristicas herdadat dos ancestrais. Ao regressarem, esses jOvens traziam nove habitos e com estes outra linguagem que nao a dos demal Conterréneos. Casade:se, criaram novos padroes para sets} descendentes. Ea fala tipicamente cuiabana foi perdendiy” terreno. I Em termos esquematicos, pode-se este belecer “@, seguinte trajetoria em que ocorreu dl esmaeeimento do falar cuiabano: Cidade, Porto, Zon rural A diferenciagao comecou pela Cidadg) em Virtude da presenga ali de maior nimero de pessoa questiveram contato Prolongado com outras culturas 20 l ali estavam e estao quase todas as elites euiabanas~ nos diversos setores de atividades. Nem semprelfoi assim, porque, durante muito tempo, ©. Porto abrigou também representantes ilustres dessa elites. como chefes politicos de pre8tigio, comerciantes, industriais, etc. Mas, com ovdesaparecimento ou a mudanga desses moradores tradicionais do Porto, a fina flor da sociedade.passou a residir na Cidade Pelos motivos apontados, a genuina fala cuiabana foi sendo esquecida ali, concentrando-se no Porto e nas areassrurais. No fundo dessa diversificagao, ficou latente um pequeno conflito Porto-Cidade, a semeélhanga de um outro, Norte-Sul, que também existiu. Mencionarei™dois exemplos do primeiro desses Conflitos Nasci e me criei no Porto, na outra margem do rio Cuiaba, no meio de gente humilde, sobretudo de lavradores que comerciavam com meu pai Nao € de admirar, pois, que meu cuiabanés fosse. como era, dos mais carregados. Ora, a conselho da Professora Marina Brandao, amiga de nossa familia, deixei 0 Colégio Salesiano e fui matriculado no 3° ano primario da entao Escola Modelo, no antigo Palacio da Instrugao — portanto, no coragao da Cidade. Ali entre os garotos, em sua maioria citadinos, minha fala devia causar estranheza. Lembro-me do dia em que, contando a dois colegas uma pescaria de piraputangas, um deles Perguntou-me: - E vocé pegou muitas? - Disparate! Esse disparate foi enunciado com énfase, para Significar a abundancia do pescado. Mas notei uma troca de Sorrisos entre os dois, e um deles, que era muito meu amigo, 21 me aconselhou depois que nao dissesse mais disparate. “E feio’, disse ele e Nao ha duvida, 0 cuiabanés estava con. denado: era “feio". Insinuava-se ai 0 conflito Porto: Cidade, que se revela também em outro episddio. Foi 0 caso que, em 1938, alguns rapazes do Porto resolvemos fundar ali um clube a que demos © nome de Seleto: Antonio Lucas de Barros, Benedito Vaz de Figueiredo, Frederico Vaz de Figueiredo, Alberto e Francisco Claudio da Silva, meu irmag Cleofas (Cofinha) e eu. A sede era na Rua Grande (Av. 15 de Novembro), em uma casa proxima do sobradt de Gabriel Curvo, a qual mais tarde comprei e onde residi por muitos anos com minha familia. Naquele tempo, nao havia clube, na cidade, e sé dois an depois é que foi construido o Feminino, por iniciativa da administracao Julio Milller-Jodo Ponce. «No Glubs Seleto, promovemos alguns bailes com muito sucesso mas surgiu certa sabotagem contra @le por parte di muitos rapazes da Cidade, que o apelidaram dt Vitamina. Era uma alusdo aymarcha carnavalesca ¢e Braguinha, muito em vogajna época, cujoyestribilhi dizia Yes, nds temos banana Banana pata dar e vender, Banana, menina, Contémyyitamina, Banana engorda e faz crescer. ; Eramos, assim os vitaminas, comedorts) deybananas!\papa-bananas. Este era um apelido alt Se dava aos livramentenses e que, por extensao, $# aplicava aos moradores do Porto. Até ai, tudo bem como se diz hoje. Mas os da Cidade — que formavamé maioria - embora nominalmente sécios, nao pagavam & mensalidades. Cansados de bancar os prejilizos, 10 os fundadores do clube, resolvemos fecha+los Outro conflito a que me \referifoi o do Norte-Sul, que estava na base do movimento divisionista. De passagem por'Gampo Grande, mesmo nas paradas do trem, na estagao, era comum ouvirmos: Cuia! Cotxipé entcheu? Expostos.assim)ao debothe, com nosso cuiabanés, nao tivemos animo para resistir. Ficamos realmente convencidos de que nosso linguajar era feio. Adaptamo-nos a outros falares. Nao nos ocorreu. que nao podia sér feia uma pronuincia que se conservaraté hoje no espanhol e no inglés. Ademais, deixamos de seguir os nordestinos, por exemplo, que mantém, sua"pronuncia tipica, especialmente a abertura dove @ do o preténicos: Recife (ré), progresso (Pr6)eNdo pensem que eles foram poupados ao ridiculo, que nao foram. Conta Manuel Bandeira que, numa aula de Geografia, no Colégio Pedro II, o Professor, José Verissimo, perguntou a classe: - Qual 6 0 maior rio de Pernambuco? Do fundo da sala, Bandeira nao quis perder essa. Levantou-se e respondeu, como sempre ouvira no Recife: - Capibaribe! - Bem se vé que o Sr. é pernambucano, retrucou Verissimo, abrindo 0 e de pernambucano, ante a gargalhada dos alunos. Nao é Capibaribe que se diz: é Capiberibe! Bandeira calou-se e mais tarde aludiu, sem amargura, ao episédio, no poema ‘Evocagao do Recife’, onde intercalou os versos: - Capibaribe - Capiberibe La longe o sertéozinho de Caxanga Banheiros de palha. Assim, apesar de ridicularizados, os nordest Nos continuam fiéis as suas peculiaridades regionais, Nog capitulamos e capitulamos em tudo o mais. Arrasamos # velha cidade, pondo abaixo casas e sobrados coloniais, sem respeitarmos sequer a jdia arquitetonica que era o Palaciods Governo, substituindo-os pelo banal cimento armado) Demolimos nossa Catedral bicentenaria para erguermos out mais ‘moderna’, ao passo que abandonamos nossa fale tradicional para adotarmos outra mais “elegante"¢ | menos “provinciana’. Pretendemos ser requintados € $6. conseguimos ser desastrosos: destruimos nosso. mais caros valores. k Reparem que estou empregando a priméy fa pessoa do plural, pois me julgo também culpado- culpado quando nada pela omissao e pelo” siléncia) Oxala que desses destrogos possamos salvar ao ments © cuiabanés, hoje reduzido a alguns niicleos dispers Principalmente fora dos limites urbanos. Oxala Possalf Os jovens continuar 0 movimento que jatiniciaram # restaurar a linguagem quase perdida de nossos maiorés, Este trabalho, em que’ procurei consolidar and! tacdes que venho coligindo sobre o falar Quiabano, foi publ) cado incialmente em 1985 em umaisérie de artigos em 0) Estado de Mato Grosso”. No decorrer da Publicagao, rece algumas achegas de.pessoas amigas, dotrabalho, Cabe relembrar que o Visconde de Taunay pet Coneu a regiéo de Sant’Ana do Paranaiba, no Sul de Mall 24 Grosso, hoje Mato Grosso do Sul, incorporado a famosa expedi¢do que ele imortalizou em "A Retirada da Laguna’. Pouco depois, esteve algum tempo nos mesmos lugares, servindo sob a chefia do Conde D’Eu, nos uiltimos lancesida Guerra do Paraguai. Da experiéncia nessa passagem ex- traiu Taunay a matéria-prima Para compor a maior parte de sua obra, sobretudo 0 citado livro e 0 romance “/nocéncia’. Este ultimo Taunay 0 copiou de te! forma'da realidade que, apesar de situar-se na fase romantica, foi incluido no género “realismo romantico”. Nesses livros, principalmente em “Ino- céncia’, Taunay recolheu e anotou alguns termos e express6es que ouvira na regido por onde andou, cujo significado Ihe era estranho. Trata-se, nado ha duvida, do mesmo linguajar cuiabano focalizado neste ensaio. E que, naquela época, antes das migragées posteriores, a fala e outros instrumentos culturais Cuiabanos eram preponderantes no Sul mato-grossense, Conforme procurei demonstrar no citado trabalho “Cuiaba e a Integragao Nacional’ Segue-se 0 GLOSSARIO referente ao linguajar cuiabano, que engloba os verbetes referentes aos termos e expresses ja mencionados, a titulo de exemplo, Nestas consideragées introdutorias, bem como outros que venho respingando nos tiltimos anos. Obviamente, s6 foram registrados os ter- MOS e@ expressdes peculiares a Cuiaba e regides adja- Centes e também os que nestas possuem significados diversos dos que se usam em outras regides do Pais. Consignados nos dicionarios. FUNDACAO UE M+ BIBLIOTECA CENTRA CULABA MT GLOSSARIO A Abanar - Despedir-se. Diz-se: saiu sem abanar (alusdo ap). cachorro que, quando sai, abana a cauda). Achegar - Chegar. Agardecer - Agradecer. e Agregado - Aquele que se estabelece em propriedade anal com consentimento do proprietario, a quem presta servigas! eventuais mediante paga. Alambrado- Cerca de arame. Espanholismo. Alembrar - Lembrar. j Alimpar - Limpar. 4 Alfenim - Massa de acticar com améndoas doces. Pessdl sensivel, intocavel Algodoim - Algodao cru Alhada - Confusao Aloitar - Entrar em luta corporal, esportivamente, quasi sempre entre garotos. Aloito - Luta corporal f Alumear - Alumiar. h Amenha - Amanha & Amostrar - Mostrar. Apatacado - Endinheltado. Areio - Afio. “Trabalhei a reio, hoje.” Arribar - Melhorar desatide Arrieiro’- Chefe de tropeiros que, com estes, transporia Mercadoria8}em tropas de burros Arroz-doce - Sobremesa feita de arroz cozido com agua, ajuntando-se leite, acucar, sal e cravo Artoz-de-festa - Freqientador assiduo de bailes ou de oul festividades, Assistir- Morar: Permanecer por algum tempo. “Quandoélt 26 estd em Cuiaba, assiste em casa de um tio.” (pele wo recAl Assuntar - Observar. Astrever - Atrever, ser capaz. “Nao astrevo fazerisso”. Ata - Fruta de conde. Atamancar - Agir tenteando, “levando o barco”. Atapetado - Coalhado, cheio. Atarantado - Aturdido. | Badulaques - Coisas de pequeno valor. Guardados. Bagua - Corruptela de bagual, touro que se desgarra da fazenda e'se torna selvagem. Quando os vaqueiros 0 encon- tram etentam leva-lo de volta, ele resiste e empaca, mesmo lagado, e por'isso o matam para aproveitarem a carne e o couro. O poeta e compositor cuiabano, Gentil Bussiki, dedicou ao bagua um poema — cangao, concedendo-Ihe o simbolo da bravura: prefere morrer a perder a liberdade. Baita - Enorme, excelente. Baitarra - Moga muito bonita, as vezes ligada a um bairro: baitarra do Bau. Baixeiro - Sacos de estopa que se colocam sob a carona (ver) Bamburrar - Achar o garimpeiro.uma pedra de valor. Bamburro - Emaranhado de cipés ou ramos de arvore. Bandulho - Barriga » Bangiié - Muito, grande quantidade. Bangiiela - Desdentado. Bartelao - Bateldo, canoa grande. Batistério - Certidao de batismo. Beri - Fruto de cor preta, em forma de coco, nao comestivel, Produto de um arbusto, que os garotos usavam em varias Modalidades de jogos. Bingo - Pénis. Talvez derivado de binga (tabaqueira de chifre) 27 que se masculinizou. Com a vulgarizagao do uso do terme como sinénimo do jogo de vispora, 0 significado que tinhang linguajar cuiabano foi caindo no esquecimento. Boiadeiro - Comprador de gado para revender. Intermedia entre os fazendeiros e invernistas ou a¢ougueiros. Boipa - Doce de abdbora | Boi-de-piranha - Boi que, na travessia de rio em que abun. dam piranhas, é lancado para que estas se saciem, permit. doa passagem dos demais Bolacha - Bolo achatado. Bolachinha - Biscoito adquirido em padaria ou armazém, Bolo de arroz - Bolo assado, feito de fuba de arroz, mandio Ca, agticar, ovos, queijo, coco e gordura. Bolo de queijo - Bolo assado, feito de queijo ralado, ararula ou polvilho de mandioca, ovos, nata de leite e sal. Bolicho - Pequeno armazém. O Aurélio consigna o terma Porém sob a forma boliche (bodega). Sindnimo: boteco. Botica - Farmacia Brabo - Feroz, zangado. Diz-se: ‘cachorrolbrabo"é ‘eves brabo comigo’. Usa-se bravo em linguagem erudita (Melo,0 Bravo, foi um dos herdis cuiabanosida Guerra do\Paraguai) Breca (levado da) - Levado, travesso, Brecho - Sapato frouxo ou cambaio Brete (€) - Corredor estreito por onde passa a rés para’ matadouro ou 0 touro Paraas corridas! Brocoid - Bronco, tolo Bruaca - Mala ou s. em boi ou burro. Brusco - Nevoento, escuro (tempo). Bruto=Esiupido, Bugal -Bornal BuqUe - Foje (ver) Burrica® Gangorra Buséar - Procurar. ‘A000 couro cru, para transporte de cage ‘ c Cabega - Pessoa inteligente, que tem agilidade mental. “Ele tem cabega’. Cagamba - Pedacos de sola colocados nos estribos para pro- teger os pés do cavaleiro. Cacau - Bolo de rapadura, gordlura e bicarbonato ‘ Cachara - Variedade de.peixe, semelhante ao pintado. s'Cachorrada - Doce feito com leite coalhado. Caducar - Dedicar extremado afeto, especialmente as crian- as-Usase também caduquice, com significado semelhan- te. Cajazinho, - Doce feito de gemas de ovos, queijo e calda de aguicarr Cajuada- Apego demasiado, xod6. “Ele tem muita cajuada coma filha”. Camatada - Empregado de fazenda. Cambada - Porcdo de peixes, em geral, de trés a cinco, enfeixados com um cipé Canjica - Comida feita de milho (apropriado), leite e agucar, servida em pratos fundos. Caé - Comida. Talvez corruptela de caol. Canivete - Rapaz muito jovem. “Ela diz que nao danca com canivete”. Canoada - Contetido de uma canoa. “Uma canoada de peixe”. Capanga - Bolsa para carregar diamantes. Individuo que se coloca a servico de outrem. Capangueiro - O que compra e revende diamantes. Capear - Proteger. “O professor esta capeando esse aluno’, Capinha - Toureiro que, nas touradas cuiabanas, trajava Casaco encarnado e calga branca, enfrentava 0 touro a pé, armado de duas garrochas, uma com pequeno ferrdo farpado © a outra com ferrdo maior, na mao esquerda, com um pano vermelho (bandeira), que servia para atrair 0 touro e 29 eventualmente para protegao, em caso de perigo. Capita - Porcao de comida que se amassa e coloca na bocg j das criangas. ji ' Caramba! - Espanholismo. Interjeigao designativa de espan- to ou admiragao. aa Carne-de-pesco¢o - Diz-se de pessoa tenaz, briguenta, im placavel Carona - Manta, peca colocada sobre o lombo do animal, em cima do baixeiro, para evitar pisadura (ver) Caruru com angu - Prato tipico, feito com carne picadinha frita, milho verde, quiabo e outros legumes, a vontade, seni do com angu de fuba de milho. Cascar - Descascar. Cata-mamona (ficar de) - Ficar em atropelo, as voltas coma solugao de problemas. Catinga - Mau cheiro Catita - Elegante Cha - Café da manha, desjejum. Chambalé - Camisola Changador - Carregador. Chateé - Baixote. Sindnimo: catupé Chintrin - Baileco. Também: coisa insignificante. Cavalheiro-de-industria - Vigarista ) Chiriri - Pequena poreao, Chocar - Apreciar muito, desejar. “Ele choca as louras’. Chuva de caju - Chuvaem periddo de seca (julho, agosta) | que faz florescerem os cajueiros. levou em Consideragao € Voltou molhado para casa Coisa*ruim -O diabo. Comprar-porco~ Andar perdido, sem encontrar o lugara qu se destina, Constipagao - Resfriado, Chuva-de-molhar bobo - Chuva previsivel e que o“bobo'ndo Corixo - Brejo formado na beira dos rios. Corrugao - Diarréia rebelde, de espécie maligna, que grassa em Vila Bela, Norte do Estado. Coscorao - Massa de pastel que $e frita, sem recheio. Critico - Irreverente, cagoista Croché (fazer) - Permanecenia moga sentada, nos bailes. sem que algum rapaz a convide para dangar. Cha-de-cadei- ra. Cuia - Vasilha da casca da'cabaca. Cuiada ="Resposta irdniea ou grosseira que se recebe de outrem, Carao. Gurau - Sobremesa feita de milho verde, leite e acucar. Tem formaleremosa e nao se confunde com a canjica (ver). Curro - Cercado onde ficavam os touros, antes das touradas. Curtido - Cinico. 4 Cururu- Danga ao som da viola. Cutilada - Golpe de faca Cutuba - Muito bom Darno padre -Fraquejar. Dea pé- Apé. De chapae cruz - Auténtico, legitimo. De que sera! - Interjeicao exprimindo surpresa. Desapear - Apear. Dereito - Direito, Desesperado - Sem sossego. Despois - Depois Despotismo - Muito abundante. “Havia ali um despotismo de gente”. Dezasseis - Dezesseis Dezassete - Dezessete. Disparate - Muito, grande quantidade. Disque - Diz-se. f Dois-de-paus - Pessoa apagada, sempre alheia a conversa,” quando em grupo. 3 Duvida - Talvez E mato - Abundante. Emboquecado - Encolhido, encorujado Embromador - Tapeador. Empalamado - Anémico, palido. Empamonado (feijao) - Tutu Empanzinar - Empanturrar, comer demais. Emprestar - Dar por empréstimo e também tomar por en préstimo. Em temo de - Corruptela de em termos de. Com isco dey Encafuar - Esconder, afundar-se (no quarto) Encasquetar - Ter uma idéia fixa } Enfestar (no jogo) - Marcar mais pontos do que o devi: Engasga-gato - Comida mal feita Enricar - Enriquecer. Ensopado - Cozido de came picadinha, geralmente comut ou dois legumes (aipimpbanana). Entupigaitado - Desorientado. Enveja - Inveja Enterro™Dinheiro ou objeto de valor, enterrado. Entidade = Importancia demasiada. (Ela esta dando mula entidadeva esse menino). Entojado - Farto, saciado. (Nao quero mais nada: estdl entojado). Sinénimo: sopitado Entonce#Entao. Também: entonces. Enxuito - Enxuto rma - Irma Ermao - Irmao. Escaldado - Mingau de farinha, com um ovo cozido no¢en- tro. Escrava - Espécie de pulseira, geralmente deouro, oca por dentro. Escuitar - Escutar. Espeloteado - Desmiolado. Estar de lua- Estar mal humorado, Estufado - Inchado, cheio. Estuque (mao de) - Parada em)que 0 jogador arrisca o res- tante de seUeacife. Diz-se também “mao de estuca”. Estlirdio - Extravagante, esquisito. Experiente=Curandeiro, que geralmente trata pela homeopatia. F Fanehono - Homossexual ativo. Fazer de conta - Fingir, supor. “Faca de conta que no sabe". Fermoso - Formoso. Figa! - Deus me livre! Fisga - Farpao. Fiteiro - Fingido, ostentador. Flanar - Sair sem rumo certo. Foje - Corruptela de fojo. Pequeno buraco no chao, usado em jogo de beri (ver) ou de bola de ferro. Formas (6) - Pequenos sinais que revelam a existéncia de Ouro ou de outras pedras preciosas. Fortuna - Sorte. (“isto depende da fortuna’). Fruito - Fruto. ¢ Francisquito - Espécie de bolo. Friagem - Onda passageira de trio. \ Funda - Estilingue, atiradeira Furrundu - Doce de mamao com agucar ou rapadura. O Au- rélio registra furrundu e furrundum, mas como feito de cidra. 33 Fuxico - Mexerico Fuzué - Confusao, bagunga G Galinheiro - Parte inferior dos camarotes, ocupada por popu: lares, nas touradas. Gandaia (cair na) - Cairna farra, adotar atitude suspeita. Gangento - Vaidoso, cheio de si Ganza - Caracaxa \Garité - Corruptela de igarité. Barco grande. Gatanhar - Arranhar. Grulha - Tapado, bronco. Guaiaca - Cinto de couro cru com pequenos bolsos. \lmbicar - Virar. “A canoa imbicou’. Incémodo - Menstruagao Inda - Ainda. Influeza - Resfriado Inhanha - Situagao dificil Inta! - Interjeigao: toma! Inteirado -Enjoadoy6ti"'¢omo se dizihojel cheio ( “estou it teirado desse negécio’). Intendente - Prefeito Municipal Invisive - Grampo de cabelo. J Jacuba - Beberagem feita com agua, farinha de mandiog agucar 0U rapadura; Em sentido figurado: desenxabido, sem graga. Designagao também do personagem que, nas touradas: ‘Sessorava 0 toureador e que como este se apresentavaé cavalo. ganta - Jantar. Japa - Uma unidade ou mais de artigo venidido com que brindado o comprador. Ladino - Esperto, inteligente Lambanga - Trapaca, embuste Lambido - Cinico. Extraido da expressao usual, nas conten- das: cachorfo ja lambeu sua cara Langar fora - Jogar. Lavrado =U6ia de ouro macigo. Segundo Aurélio, a palavra é um brasileirismo de Mato Grosso, mas ela se encontra no livro de poemas’ “Dos Becos de Goids e Estorias Mais’, da poetisa Cora Coralina (pag. 60). Leicenga - Licenca Leva+traz - Bisbilhoteiro, intrigante Levado - Travesso. Diz-se também: levado da breca. Leviano -Leve Lobisomem - Monstro em que, segundo a crendice popular, se transforma o filho do padre. Loro - Fibra ou sola que sustenta os estribos. Lua - Lua. Também se diz luma. Lufada - Cardume de peixes que, na vazante do Pantanal, sobem 0 rio u Mal-de-Sao-Lazaro - Mal de Hansen Mambanceiro - Trapaceiro Mamparrear - Remanchar, usar de evasivas para fugir aos compromissos. Manducar - Comer. Marrua - Touro bravio. Mata-bicho - Aperitivo. Mata-burro - Ponte de tabuas espagadas para impedir a fuga de animais. Mascaras - Mascarados, participantes das touradas, que usa: vam roupas coloridas e extravagantes, que entravam em cena apés 0 toureador e os capinhas, quando 0 touro, bem cansada, ihes era entregue. Dai a expressao “entregue aos mascaras’ para designar alguém que chegou ao extremo do desanimo ou da desmoralizagao. Matula - Matalotagem, farnel Mequetrefe - Pessoa insignificante, Jodo-ninguém. Miasma - Emanagao de pantanos ou de animais em decom- posigo. Por extensdo: virus que causa doenca. Milhor - Melhor. Minador - Vertente. \Minhocdo - Monstro que se supde existir no meio dos rios. Moldide - Fraco. Molher - Mulher. Montaria - Canoa Montueira - Grande quantidade. Mula-sem-cabeca - Monstro em/qué; segundo a crendioe popular, se transforma a filha de padre: Mulher-dama - Meretriz, rapariga. Murcigo - Macigo Muxirum - Mutirao. Auxilioymutuo e gratuito, entre lavrade res, que se reunem em determinado dia, ficando por contado beneficiado a alimentagao e a bebida Muxiba - Pélanca Nhor-néo* Nao, senhor. Nhor-sim - Sim, senhor. 1 ) Obra - Fezes. Obrar - Evacuar. Ora...veja! (ficar no) - Ficar na mao. Quem da beijo em coruja Nao alcanga o que deseja, Pelo jeito que estou vendo, Vocé fica no ora... veja! (Manuel José de Campos, 0 Seu Neco, cantador do Livramento, respondendo a um contendor cuja mulher tinha ovapelido de Coruja, Apud. Roteiro Musical da Cuiabania, Caderno 1, de Dunga Rodrigues) P Pagoca - Prato feito de carne cozida socada com farinha de mandioca e cebola Padecer - Sofrer. Padre (dar no) - Fraquejar. Pagar (0 café, o almogo) - Conversar a visita, por alguns instantes, com os donos da casa, apés a hospedagem. Se estiver com pressa, dira "’ Desculpe, ndo vou pagar seu café porque tenho agora um compromisso”. Se sair imediatamen- te, sem se desculpar, atrai comentario desairoso: “Fez como cachorro magro” (come e sai). Pampero - Confissao. “Ele provocou um pampero danado, no baile”. Pandorga - Pipa, papagaio. Papa-terra - Nome dada.ao peixe curimbata. Também: so- pra-fogo, Pari-gato - Brinquedo de garotos, apertados em um banco, em que cada metade procura expulsar a outra Partido (no jogo) - Vantagem de alguns pontos que se da ao adversario mais fraco, especialmente no bilhar francés ou 37 sinuca, Passar dia - Visitar pessoa amiga, participando, em casa desta, do café-da-manha, almogo e jantar. Diz-se:- “No Do. mingo, vou passar dia em sua casa’ Pastorejar - Pastorear. Pastorejo - Pastoreio. Papo-de-peru - Baldo de soprar. Papudo - Bravateiro, jactancioso Paquete - Menstruagao. Esta acepgao vem do século passa: do, quando os paquetes faziam a viagem da Europa ao Rio de Janeiro, regularmente, uma vez por més. O significado generalizou-se no Pais, caindo em certo desuso nos tiltimos tempos, mas conservou no linguajar cuiabano. Pastinha - Franja (de cabelo). Pau-de-cabeleira - Pessoa, quase sempre mulher, que fica junto a namorados para vigia-los. Pau-rodado - Pessoa de fora que passa a residir na cidade A expressao é antiga — pejorativa no comego, perdendo depois esse carater — e foi inspirada no espetaculo comum das enchentes do rio Cuiaba em que troncos de madeira descem ao leu 4 Pé de verso, outro de cantiga (um) Diz*Seido individuo qué esta com meia ou sapato desempareeirado Pedo - Trabalhador bragal. Pé-de-anjo - Ténis. Sinonimo; neolim Peitudo - Corajoso. Peixe liso® Peixe sem Scamas. Perjuizo - Prejuizo Pernada-Desencontro. Caminhada inttl por nao se achara pessoa oualgo que se procura Perrengue - Moldide, fraco. O Aurélio consigna o termo@ tambemosverbos perrengar e perrenguear. Este ultimo ef contra-se em Guimaraes Rosa; “o mineiro perrengueia” (Mr # Patriazinha, Jornal do Brasil de 31/10/75, Cademno Especial). Quanto a origem, o Aurélio da perréngue como proveniente do espanhol, mas, em Mato Grosso, segundoia tradigao oral, 0 termo se aplicava inicialmente, antes de ge- neralizar-se, aos filiados do Partido Republicano»Mato- grossense (por causa da sigla PRMG) Perua - Caminhonete. Piao - Domador de animais. Picar-a-mula - Ir-se embora, Piché - Bolo feiro de milho torrado @socado, acucar e sal Piaveira - Ralé, raia- miuda Pilotar*Remar na popa, dirigindo a canoa ou batelao. Pinchar- Jogar fora Pingo - Cavalo Pisadura - Machucadura no ombro de animal. Pisar - Machucar-se 0 animal com o atrito da sela. Piseiro - Confuséo, tumulto. “Houve um piseiro terrivel na festa” Porco (montar no) - Ficar sem graga, desconcertado Precata - Corruptela de alpercata. Calgado rustico de couro cru Pregunta - Pergunta Prepereca - Cambalhota. Prepésito - Propésito. Pousar - Pernoitar, passara noite Primo irmao - Filho de irmao ou de irma. No Nordeste, diz- se primo legitimo. Primo segundo - Filho de primo ou de parente distante. Puxada - Construgao adicional, em prolongamento da casa. Qa Quarar - Corar. Pés a roupa ao sol para secar. Quarta-feira - Idiota, parvo. Quebra-torto - Desjejum, geralmente reforgado 39 Que nem - Tal como, semelhante. Quilo (fazer) - Fazer a digestao mediante pequena caminha- da, apés a refeigao. Quirela - Graos residuais de agucar refinado em casa. Milho quebrado que se da aos pintos ou aos passaros. Variante: quirera R Rabo-de-arraia - Rasteira, traigao. Rama - Caule de mandioqueira que, cortada aos pedagos serve para o replantio, Rapariga - Meretriz Rejume - Regime. Reposta - Resposta Ressabiado - Desconfiado. Revirado - Prado tipico, feito de carne cozida e farinha, difé: renciando da farofa por ser em forma de pirdo. Diz-se tam — bém de prato improvisado feito com sobras dalrefei¢aoante rior que se levam ao fogo Rinchar - Ranger do carro de boi Rodear-toco - Tergiversar, ser prolixoif6 falar. Rodeio - Lugar onde se retine o gado para que seja trabalhae do. Esporte competitive"de montar em, animais bravios, em dias festivos. s Sabenga - Sabedoria Saltaveaco - Espécie de banana da terra, enorme. Corruptelé de farta velhaco Salugo - Solugo Salvar =Gumprimentar. Santo Ant6nio (do arreio) - Parte da frente do arreio, onde seguram os maus cavaleiros. Sapear - Assistir a uma festa do lado de fora. Sapicua - Saco de pano, dividido por uma abertura onde se guarda a matalotagem (matula), nos dois lados. Sapo - Aquele que se poe a sapear (ver esta palavra) Seu ninguém - Ninguém. "Nao quero falar hoje’com’seu ninguém’. Sem-graceira - Desenxabimento, falta de modos. Siriri - Danga tipica, ao som de viola. Sistrodia - Outro dia Sobreano - Diz-se de rés qué ja atingiu um ano de idade. Termo comum nos testamentos. Somana- Semana Songamonga - Lerdo, tolo. Sucuti- Réptil. Variante de sucurié Supimpa - Excelente. Sustancia - Substancia, vigor. Sueto (6) - Folga, descanso. “Hoje estou de sueto”. T Tacuru - Fogao improvisado de trés pedras, onde se assen- tam as panelas. Taludo - Crescido, desenvolvido fisicamente. Tataravé - Corruptela de tetravd. Pai do trisav6 ou da trisav6, Tibi - Cheio. “O dnibus estava tibi de gente”. Tio carnal - Irmao do pai ou da mae Tirar de casa - Seduzir moga. Tombo - Pessoa que faz tudo, diligente. “A mae disse que a sua filha 6 0 tombo da casa, mas nao é nem o tropicao”. Torrada - Bolo de trigo e sal, em forma de argola. NO que os garotos dao na roupa dos companheiros, nos banhos de rios. Torradinha - Torrada de trigo e agticar. Toureador - Toureiro que, nas touradas cuiabanas, trajava sobrecasaca de seda encarnada e calga branca, Unico que at se exibia a cavalo, pois sé enfrentava, a pé, © touro quanda ste atingia seu cavalo ou o capinha que convidava pari acompanha-lo na sorte, e nesse caso ia munido de enome garrocha enfeitada, em vez da langa tomeada que usa normalmente Tralha - Objeto de uso caseiro. Trasanteontem - Dia anterior ao de ontem. Treler - Mexer. Importunar com gragolas. Trens - Objetos, coisas. Trinca - Grupo de pessoas, nao necessariamente de trés, Tristura - Tristeza. Usa-se pejorativamente para designa procedimento incorreto. Tropicao - Trope¢ao. Tundé - Saliéncia no traseiro. “Ela tem um tunda avantajado” Turuna - Valente. u Ucharia - Lugar, nas festas, onde se colocam as bebidas. yv Varanda - Franja lateral da rede Vasqueiro - Raro, escasso. Vender sorvete - Sair de roupa branca, com o tempo frig. Vender gazeta - Estar ohomem com a ponta da camisa foe da calga’ou a mulher com a laingerie aparecendo. Alusaoé antiga “Gazeta Oficial", hoje “Diario Oficial” Ventrecha -Posta de pacu correspondente ao seu dors0.é# que as espinhas sao longas e grossas, 0 que impede? engasgo, Motivo por que se costuma dar as criangas Verdolengo - Fruto ainda nao maduro. De vez: Verduleiro - Vendedor ambulante de verduras, verdurelt® Aurélio ensina que verduleiro é termo derivado do espa platino. Verter Agua - Urinar. Vertude - Virtude. Violento (advérbio) - Depressa. “Vai e volta, violento”. Voncé - Vocé. Também: vancé. Vosmecé (de vossa mercé) - Tratamento intermediario entre osenhor e vocé. Sinénimo: vassuncé Vote - Deus me livre! Usa-se também: vote, cobra! Zz Zangar-Vaguear, andar semrumo. Ja conteio caso em que ele, fiel ao cuiabanés, empregaies aula o termo dezasseis. Os alunos, em sua maiora, éstranharam e o Vicente Leite Xavier esbogou Um sons iranico. Percebendo-o, 0 professor Fernando interpeloig “Estou errado, Vicente?’ Com a interpelagao, Vicente recusy, concordando com o mestre. Outros conterraneos ainda usam, embora init malmente, nossos falares tradicionais. Ha pouco tempo,é reunio de amigos, alguém perguntou ao Dr. Edson Busske respeito de um rapaz mencionado no grupo -Ele é cuiabano? - Sim, 6 cuiabano de chapa (tchapa) e cruz! Nao sei se o cuiabanissimo Edson empregatar bém expressées semelhantes com os clientes em s# consultério ou em ocasides menos descontraidas. Eb que o faga e seja acompanhado por outros cuiabanos: 9 desse modo darao estimulo aos paus rodados (no bontseth do) que para aqui vem cooperar com nosso desenvoWimelt como o paranaense César Leite e demais patriciosde out rincdes do Pais. 4 ' ; CUIABA E A INTEGRACAO NACIONAL 1-Introdugao Cuiaba é hoje um ponte intermediarioe de apoio na ocupagao da Amazénia. Avpartir dela, 0 povoamento vai- se fazendo rapidamente, e as cidades nascem dentro da flo- resta, com 0 deslo¢amento de vastos contingentes populacionais. Sera esse um novo destino historico reservado a Cuiaba, semelhante ao outro que ela teve no passado, o da fixagao do'homem em terras que, de outro modo, hoje, nao seriam brasileiras. E este papel por ela desempenhado na integrago nacional que sera objeto deste estudo. Cuiaba esta perto de completar trés séculos de suaifundacdo e, desde as duas ultimas décadas, vem apre- sentando notavel desenvolvimento. Sao multiplas residénci- as que se constréem, edificios que se erguem, hotéis, cine- mas, escolas (inclusive quatro Universidades), estabeleci- mentos comerciais, industriais e bancarios que se fundam; bairros novos vao surgindo e a cidade se estende em todas as direcdes. Onibus e caminhdes chegam e saem diariamen- te, ligando a Capital a outras cidades do Estado, assim como a Sao Paulo, Rio, Brasilia, Norte do Pais. 2-Causas do atual desenvolvimento de Cuiaba A que se deve este surto de desenvolvimento? Em grande parte, a obra gigantesca do Marechal Rondon. Abrindo novos caminhos e propiciando as comunicagdes com outros centros do Pais, Rondon criou amplas perspectivas a Mato Grosso, em geral, e a Cuiaba em particular. Como sabemos, Cuiaba nasceu da febre do ouro, 55 que levou os bandeirantes paulistas a embrenharem-se pelo sertées (1719). Foi essa uma forte motivacao, que permit vencer 0 primeiro grande antagonismo: os indios, sobretuda os ferozes paiaguas e coxiponés. Mas, estancando oy diminuindo 0 ouro que era o atrativo principal, seria de se esperar que a cidade e toda a regiao se estiolassem desaparecessem. Foi o que aconteceu com Vila Bela, mais ao Norte, por algum tempo a Capital do Estado e que, apts breve esplendor, entrou em regime de mera sobrevivénci, em constante luta com as endemias. Quanto a Cuiaba, superou todas as dificuldades, Eram imensas as distancias, s6 venciveis em caminhadas de meses, em que 0 meio mais rapido eram as tropas de muares Mais de um século depois da fundagao da cidade éque se franqueou a navegacao através dos rios Paraguai e@uiaba Ainda assim, a viagem durava um més, ou mais, de Culabi ao Rio de Janeiro, passando por Assungao, Montevidéu® Buenos Aires Essa abertura para o Atlantico, através do Paragual representou grande esforco da nossa diplomaciay, O Estado vizinho s6 cedeu a muito custo, e, aindalassim, aS negod goes deixaram-Ihe ressentimentos. Estaria aqui, come pensam alguns hist6fiadores, uma das,¢ausas remotas da futura guerra, tanto que o primeiro ato de hostilidade de Lopes foi 0 aprisionamento,.em Assuncao, do navio brasileiro que levava para Mato Grosso o Presidente da Provincia, Camel de Campos ‘Quanto’a falta de comunicagées, basta dizer que, em 1889, a’cidade Comemorou, a 2 de dezembro, o aniversafid do Imperador: ainda nao havia chegado até 1a a noticia Proclamacao da Republica Dai, a importancia do trabalho herctileo de Rondot Jevando as linhas telegraficas até aquelas longinquas reg" 56 des. Isto ja foi coisa deste século. Também deste século (1914) foi a ligago do Estado por via férrea, ou seja’pela Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, até Porto Esperanga, e, mais tarde, até Corumba, conjugando-se com a Brasil-Bolivia, de Corumba a Santa Cruz de la Sierra, no pais vizinho. ANoroeste do Brasil trouxe enormes beneficios ao Estado de Mato Grosso, transformando-se em elemento propulsor de alguns nticleos importantes’ de povoamento. Fundaram-se algumas cidades, enquanto outras receberam notavel impulso, especialmente Campo Grande, Dourados e Aquidauana: Mas tudo isso ficou circunscrito ao Sul do Estado. Cuiaba e outros municipios do Norte pouco se beneficiaram das vantagens dessa ferrovia. Ocorre que esta dependia da interligagao com o sistema do transporte fluvial, que entrou em colapso, a seme- Ihanga do que aconteceu com as aquavias, em sua quase integralidade, em todo o Pais © Centro-Oeste 6 uma das regides mais aquinhoadas, no que concerne as vias naturais de transporte. As bacias dos rios Parana e Paraguai constituem manancial que, se aproveitado, seria suficiente para atender a todas as necessidades da regido e incrementar seu rapido desenvolvimento. Estudos tém sido feitos, mostrando como poderia ser aproveitado esse potencial, para formar uma poderosa tede de navegagao fluvial. Dentre esses estudos, destacaremos 0 que re- sultou da Conferéncia realizada na Capital paulista com 0 objetivo de solucionar os “Problemas da Bacia do Parana”, e de que participaram os Governadores dos Estados interessa- dos: Sao Paulo, Mato Grosso, Minas Gerais, Goids, Parana e Santa Catarina. Oportunas sugestées foram entao propostas, mas todas cairam no olvido, pelo menos as que 57 se referiam a navegagao fluvial, quais sejam: 1) Desenvolvimento da navegacao do alto e do baixo Parana e seus tributarios, com a conseqiente instala- go de estaleiros, construgao de portos e escola de praticos pilotos, 2) Conjugagao do plano rodoviario com 0 sistema fluvial, tendo em vista os varios pontos econdmicos da regiao. 3) Estudo sobre as possibilidades de unit a bacia do Parana a do Amazonas. A ruina da navegagao fluvial aumentou 0 isolamento do Norte do Estado e, com ele, o da Capital, que atravessou longo periodo de estagnagao econémica. Essa situagéo modificou-se com a abertura de rodovias de penetracao, iniciadas no governo do Marechal Dutra, recrudescidas apés a fundagao de Brasilia. Estabeleceu-se um ciclo de colonizagad intensiva, sob 0 estimulo de terras férteis @ dos novos meios de transportes. Partiu daly principalmente, 0 surto devdesenvolvimento que refletiu em todos os campos deyatividades 3.- O papel de Cuiaba na integragao nacional Em fa¢e de todos esses obstaculos qué assinalamos, dir-se-ia um milagre a sobrevivencia de Cuiaba.“ Mas nao houve milagre. Houve determinagao: As dificuldades enrijeceram aqueles pioneiros que para laforam, inicialmente em busca, de ouro, @ que por la ficaram, e que depois se espraiaram, fundand® outrosenticleos populacionais adjacentes. Foram surgindo, assim, cidades como Diamantino, Livrament®, Santo Anténio do Rio Abaixo (hoje Leverger), Pocon: 58 Por outro lado, aos portugueses interessava a posse daquela regido que a letra dos tratados mencionava de modo vago e impréciso.. A velha animosidade entre Portugal e Espanha ressurgiu nas terras virgens de Mato Grosso, desdobrando-se em lutas infindaveis. Foram entéo fundadas algumas cidades, com o intuito nitidamente militar. Assim ocorreu, no periodo colonial, com Caceres, Corumba e Miranda. Mais tarde, ja na fase imperial, outras cidades tiveram 0 mesmo objetivo, como Nioaque e Dourados: Mas, como Vivificar tais cidades criadas assim “tao artificialmente, por imposigao governamental? A Cuiaba caberia esta missao, que veio incorporar consideravel trato de terra a Comunidade nacional. Dela partiram os elementos destinados a garantir 0 dominio da terra. No con- flito com o Paraguai, foi de 1a que sairam os contingentes que iriam liberar 0 Sul do Estado da ocupagao inimiga. Assim, durante quase duzentos anos, Cuiaba exerceu papel de relevancia politico-militar, no plano da unidade nacional. Muito Ihe deve a doutrina do “uti possidetis”, que garantiu ao Brasil grande parte de seu territorio. Sob o aspecto psicossocial, constitui-se também Cuiaba num centro importante de influéncia para toda a comunidade mato-grossense. Grande foi sua contribuigéo na génese e desenvolvimento de outras cidades do Estado. Muitas familias de la emigraram, especialmente para o Sul, onde se estabeleceram e cujos descendentes atestam a vita- lidade de seus ancestrais. Além disso, como respon- savel pela diregao politica e administrativa, era Cuiaba que 59 provia naturalmente a maioria dos cargos, assim como de suas escolas 6 que comumente sairam os professores que levavam a alfabetizagao a toda parte. Na realidade, desde cedo, Cuiaba trans- formou-se numa concentragao urbana perfeita e sadia Foi esse um fenémeno peculiar a regido das minas, como ja observara Oliveira Viana. Em outros nucleos, a vida rural sobrepujava a cidade, ficando esta sujeita a vegetar, com uma populagao mesquinha e marginalizada. Ja nos centros de mineragao, as cidades passaram a haurir toda a seiva das riquezas concentradas na regido (Oliveira Viana, Institui- des Politicas Brasileiras, 1949, 1° vol.,pag. 143). A esse respeito, Joao Ribeiro nos ensina que: “Em duas geragées apenas, a terra do ouro realizara com maior pompa o que dois séculos de colonizagao e de lentos sacrificios haviam feito para as outras capitanias” (Historia do Brasil, 11° ed., pag. 291) Nao admira, pois, que, em plena hinterlandia, Cuiaba se tenha’ distinguido por apreciavel indice cultural. Neste™ponto, viajantes dos mais qualificados deixaram consignada sua surpresa. E muitos*por la ficaram, enfeitigados com 0s encantos da “terra agarrativa’, como Ihe chamou um deles, Augusto Leverger, depois Barao de Melgag®. Bretao cUiabanizado foi o epiteto que 4 Augusto Leverger dew" historiador Virgilio Correa Filhowseu ilustre descendente. Leverger foi um dos ofigiaisestrangeiros que serviram na Marinha do Brasil, destacando-se nas lutas do Prata, aps 4 Independéncia. Em 1829, foi para Cuiaba organizal umasflotilha para a defesa das fronteiras com 0 Paraguai. E de la nunca mais saiu. Naturalizand0- 60 se brasileiro, ocupou diversos cargos, inclusive o de Presidente da Provincia e Comandante das Armas. Foi talvez o Unico naturalizado a exercer tao altas fungées, no Brasil. Quando constou que os pataguaios, que # ocupavam 0 Sul, invadiriam Cuiaba, e ante o panico iminente, Leverger preparou uma expedicao e foi esperar o inimigo em Melgago. O seu imenso prestigio levantou o moral da populagao e conteve os paraguaios. A esse feito deyeu ele as honras de Bardo de Melgago. Outro estrangeiro famoso que manifestou fa- voraveis impress6es sobre Cuiaba foi o Dr. Karl Von Den Steinen, o primeiro explorador do rio Xingu Esteve ele em Cuiaba em 1884 e retratou a trangiillidade dos seus 18.000 habitantes daquela época - trangiiilidade s6 perturbada uma vez por més, com a chegada do vapor, mensageiro das noticias do século XIX. Descreveu Steinen o ambiente social, as fes- tas, as visitas, a hospitalidade cuiabana, os pianos (cerca de 80), 0 guarana e o cigarro de palha. © cigarro de palha ficou hoje confinado no interior, mas o guarana ainda persiste. E de impressionar como se tenha arraigado 0 habito desta bebida, vindo de tao longe - do Amazonas, até ha pouco tempo apés dar volta ao Atlantico. Desde os lares mais pobres até o Palacio dos Governadores hospedam-se as visitas com a deliciosa bebida No seu isolamento, Cuiaba péde manter a heranga cultural que recebeu dos colonizadores portugueses. A sua arte barroca, os velhos sobrados, as taipas socadas que resistiram até ha poucos anos; os santos, os méveis, a prataria, os objetos de ouro, todo um opulento manancial de valores antigos que os especuladores foram adquirindo a preco vil, tudo so 61 reliquias de um passado de que, no Brasil, quase jé nao se tem lembranga. Conforme ressaltamos, no capitulo anterior, a propria lingua guarda conotagées estranhas no falar do brasileiro de outras regides. Ao que foi entao dito acrescentaremos algumas observagoes suplementares A palavra fortuna conserva ali o sentido classico de sorte, felicidade, acaso. Sabemos que atualmente este termo passou a designar riqueza, Esta maneira de dizer, imitada dos franceses, explica- se pela concepgao moderna da vida, eminentemente hedonistica. Se fortuna significa sorte, e se a sorte, a felicidade esta no dinheiro - sorte grande nado @ 0 premio maior da loteria? - segue-se que fortuna deve também exprimir o dinheiro, a riqueza. Mas, em Cuiaba, principalmente no interior do municipio, ignora-se esta evolugao semantica. Conversando com um lavrador, perguntamos-Ihe quanto de cereal esperava colher na proxima safra. - Isso depende da fortuna Da sorte, queria dizer ele, dando a frase um colorido classico. Ocorre-nos também, a esse respeito, 0 eS panto de Roquete Pinto, em Corumba, ao indagar de uma velha onde morava 0 inspetor da alfandega, @ ouvir dela: - Conhego © inspetor, mas nao sei onde ele esta assiStindo (Rondénia, 4® ed., pagina 81). Advette, com razdo, o autor de Rondonia que aimensa maioria dos brasileiros ja nao empreg@ assistir na acepgao de morar. Realmente, pal@ encontrar essa palavra com tal significado, ° brasileiro em geral tera de ler os livros de Vieira, Camilo, 04 pelo menos de Coelho Neto. Nesse lance, citou-se Corumba, onde’ a’ situ- ago ¢ idéntica. Das cidades mato-grossenses, Corumba @ a que mais se aproxima de Cuiaba pela semelhanca de costumes. Isto se explicaypela continua corrente migratoria que tem fluido da.Capital de Mato Grosso para aquela cidade Ainda a respeito de assistir) em Cuiaba, na linguagem usual, esta palavra sugere propriamente a idéia de permanéncia rapida e designa o ato de moradorés de outros lugares que para la vao passar algum tempo.com parente ou amigo. Feigao tipica da hospitalidade cuiabana, maior outrora, visivel, porém, atualmente. Assim, uma das primeiras perguntas que se dirige ao recém-chegado 6: Onde € que vocé esta assistindo? No entanto, convém observar, alguns tragos que individualmente so virtudes, socialmente podem tornar-se negativos. A hospitalidade cuiabana esta nesse caso, pois retardou a construgdo de bons hotéis da cidade. O costume de assistir em casa de parentes ou de amigos dispensava a utilizagao dos poucos e precarios hotéis existentes. Com a subdivisao das antigas casas grandes, 0 costume vai desaparecendo, e, nas Ultimas décadas, surgiram belos e conforta- veis hotéis Outra expressao muito comum € a reio - como, na frase, trabalhar a reio (a fio) - que os cuiabanos ainda usam, como Frei Luiz de Souza. Registram-se também falares exclusivamente cuiabanos, ou de pouco uso em outras regides: chiriri (pequena porgao); inta! (interjei¢ao: toma!); violento (depressa: vai volta, violento); entojado (saciado); ucharia 63 (lugarnasfestas onde se guardam as bebidas). O cuiabano adquiriu, com predominancia, aque- les tragos que, para o brasileiro, foram devidos, especial: mente, ao isolamento e as grandes distancias. A falta de comunicagées gera no homem a conviogao de que deve contar consigo mesmo, que 0 cuiabano sempre cultivou, com suas manifestagdes mais expressivas de coragem e bravura. E essa também a origem do coronelismo, que ali predominou por muito tempo, de que ainda restam vestigios. Outra caracteristica é a hospitalidade ja menci- onada. O forasteiro ¢ sempre bem recebido, como trago de unido com outras terras, 0 portador de noticias, de que é vido quem vive em isolamento. Mas essa hospitalidade vem temperada de suspicacia. E um sentimento ambivalente. Pois se 0 desconhecido é bem-vindo, tratado com polidez, isto nao significa ter obtido, logo de inicio, como uma dadiva, 0 afeto e a confianga de todos. Isto sé se conquista com 0 tempo, mediante prova de honestidade de propésitos, Esses tracos marcaram fundamente,o culabano. Mais do que uma designagao gentilica, culabano “tomow acepcao mais ampla, para envolver quantos se the ateigoassem, a mentalidade peculiar, Gapaz de realizar ‘© milagre de conservar a flama civilizadora do recesso dos sertoes, desprovido longamente de;comunicagdes como exterior’ (Virgilio Corréa Filho - Pantanais Mato-Grossenses, pag. 162). 4 - O Mineiro e o Cuiabano As consideragées anteriores sugerem certas semelhangas entre 0 mineiro e 0 cuiabano. O mineifo tem inspirado vasta literatura e se singulariza por alguns tragos peculiares. A titulo de exemplo, lembraremos os magnificos perfis tragados por dois vultos eminentes da intelectualidade mineiraycitados por Murilo Badaré no livro “Reforma e Revolugao” (pags. 29 e 40, respectivamente) De Anibal Machado: “E homem que nunca se precipita;para‘nao passar pelo vexame de recuar, depois. Se evita fazer afirmagées é para expor-se menos as contradig6es, Nunca se espalha, silencia, concentra- se. Discreto e cautél0so, raramente diz “sim" ou “nao” categéricos; prefere\o “vamos ver" protelatorio e reflexivo. Relutante em confiar; sem reserva, quando confia” E Silvio Vasconcelos “Por isso 0 mineiro 6 duplo e antagénico. Em sua inércia da um boi para nao entrar na briga, mas suas ancestralidades o levam a doar boiadas para ndo.sair dela, quando a ela se obriga. Por isso é triste sob 0 peso da decadéncia invencivel e ensimesmado pela falta de horizontes que Ihe sao negados. De uma bondade natural, que Ihe vem das singelas aldeias lusitanas, de uma crueldade sem limite absorvida nas férreas lutas empreendidas. Rustico por origem e por acomodagao ao ruralismo a que se recolheu, quando do esgotamento das catas; polido ao extremo, e gentil, pela experiéncia urbana do século aurifero, O mineiro indefine-se em unica personalidade: ao mesmo tempo é um homem do campo e da cidade, erra na linguagem, mas conserva laivos do classicismo arcaico em suas frases. Incoerente em si mesmo, 0 mineiro se fecha, protege-se de mutismo e se nega a extroversao. Sua comunicabilidade é minima, afogada que foi com sucessivas experiéncias malsucedidas e desilusdes reiteradas. A nao ser obedecido, recusa-se a dar ordens, a nao ser compreendido, 65

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