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GRUPO I
PARTE A
Educação Literária
Antes, porém, que vos vades, assim como ouvistes os vossos louvores, ouvi
também agora as vossas repreensões. Servir-vos-ão de confusão, já que não seja de
emenda. A primeira coisa que me desedifica 1, peixes, de vós, é que vos comeis uns
aos outros. Grande escândalo é este, mas a circunstância o faz ainda maior. Não só
5 vos comeis uns aos outros, senão que os grandes comem os pequenos. Se fora pelo
contrário, era menos mal. Se os pequenos comeram os grandes, bastara um grande
para muitos pequenos; mas como os grandes comem os pequenos, não bastam cem
pequenos, nem mil, para um só́ grande. Olhai como estranha isto Santo Agostinho:
Homines pravis, praeversisque cupiditatibus facti sunt, veluti piscis invicem se
1 devorantes: “Os homens com suas más e perversas cobiças, vêm a ser como os
0 peixes que se comem uns aos outros”. Tão alheia coisa é, não só da razão, mas da
mesma natureza, que, sendo todos criados no mesmo elemento, todos cidadãos da
mesma pátria, e todos finalmente irmãos, vivais de vos comer! Santo Agostinho, que
pregava aos homens, para encarecer a fealdade deste escândalo, mostrou-lho nos
peixes; e eu, que prego aos peixes, para que vejais quão feio e abominável é, quero
1 que o vejais nos homens. Olhai, peixes, lá do mar para a terra. Não, não; não é isso o
5 que vos digo. Vós virais os olhos para os matos e para o sertão? Para cá, para cá;
para a cidade é que haveis de olhar. Cuidais que só os Tapuias 2 se comem uns aos
outros? Muito maior açougue é o de cá, muito mais se comem os brancos. […] Pois
tudo aquilo é andarem buscando os homens como hão de comer, e como se hão de
comer.
2 Morreu algum deles, vereis logo tantos sobre o miserável a despedaçá-lo e comê-lo.
0 Comem-no os herdeiros, comem-no os testamenteiros, comem-no os legatários,
comem-no os acredores; comem-no os oficiais dos órfãos e os dos defuntos e
ausentes; come-o o médico, que o curou ou ajudou a morrer; come-o o sangrador
que lhe tirou o sangue; come-o a mesma mulher, que de má vontade lhe dá para
mortalha3 o lençol mais velho da casa; come-o o que lhe abre a cova, o que lhe tange
2 os sinos, e os que, cantando, o levam a enterrar; enfim, ainda o pobre defunto o não
5 comeu a terra, e já o tem comido toda a terra.
Já se os homens se comeram somente depois de mortos, parece que era menos
horror e menos matéria de sentimento.
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Padre António Vieira, Sermão de Santo António, Porto, Porto Editora, 2020, pp. 31-33 (texto com supressões)
NOTAS
1
desedifica – escandaliza.
2
Tapuias – tribo indígena do interior do Brasil que comia os seus mortos em rituais funerários.
3
mortalha – lençol ou outra cobertura que envolve o cadáver que vai ser sepultado.
1. Identifique o motivo que está na origem da primeira repreensão que o orador dirige aos peixes.
2. “Vós virais os olhos para os matos e para o sertão? Para cá, para cá; para a cidade é que haveis de
olhar.” (linhas 17 a 18).
2.1. Explicite a ordem que Vieira dá aos peixes, tendo em conta a globalidade do excerto.
Neste excerto, Vieira concretiza os objetivos da oratória: docere, através do exemplo de Santo
Agostinho, com o qual a) ; delectare, agradar e conseguir a atenção do auditório, utilizando
b) ; movere, persuadir o auditório, levando-o a alterar o seu comportamento, com, por
exemplo, o recurso a c) .
a) b) c)
PARTE B
Leitura
NOTA
1
égide – apoio, proteção (escudo de Atena).
4. Identifique a tese defendida por Jorge Sampaio, apresentando um dos argumentos para a sustentar e
dois exemplos de situações de violação dos direitos humanos.
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O autor deste tem como função principal persuadir o seu destinatário, apresentando
como tempo dominante o presente do indicativo, presente em “num tempo em que eles continuam a ser
tão gravemente violados, vale a pena lembrar” (linha 2). Através desta forma verbal, o locutor realça não
só o valor da situação denunciada, mas também a sua importância.
PARTE C
Educação Literária
6. Escreva uma breve exposição sobre o modo como se concretiza a alegoria no Sermão de Santo
António, de padre António Vieira.
GRUPO II
Leitura e Gramática
Leia o texto.
No seu livro A política, Aristóteles defendia a igualdade como princípio orientador para
promover uma sociedade mais coesa. Contudo, simultaneamente, na mesma obra,
defendia a escravatura. Ou seja, a escravatura pode ser defendida por pessoas que
apregoam a igualdade. Para Aristóteles a escravidão não ia contra o princípio da
5 igualdade porque fazia parte da “natureza” de algumas pessoas serem “escravas”, tal
como fazia parte da “natureza” de outras terem “talento para comandar” – eram diferentes,
pelo que tinham funções diferentes e, simultaneamente, essa diferença era enquadrada
como complementar.
Por que é isto importante? Para percebermos o conceito de desigualdade. O que
1 antes se conceptualizava como ‘diferença’ (senhor/escravo) e como ‘natural’ (escravatura),
0 hoje considera-se desigualdade. O que mudou? O que é preciso para que uma situação
natural passe a ser considerada desigualdade? O reconhecimento da sua injustiça!
As diferenças existentes entre ‘senhor’ e ‘escravo’ passaram a ser conceptualizadas e
reconhecidas como injustas ao nível político, institucional e simbólico. Desta forma, a
escravatura deixou de ser encarada como natural, e passou a ser considerada uma
1 situação censurável de um ponto de vista ético e, por isso, passível de intervenção por
5 parte das políticas públicas.
Reforça-se, assim, que a noção de desigualdade é uma construção histórica e política
profundamente marcada pelo contexto que se vive em determinado momento.
Vamos então à questão central deste artigo: as disparidades salariais existentes nos
dias de hoje, entre mulheres e homens, estabelecem uma diferença ‘natural’ entre os
2 sexos ou, por outro lado, constituem uma desigualdade de género? […]
0 À primeira vista seria fácil responder: as assimetrias salariais entre mulheres e
homens não constituem, por si só, uma desigualdade. Primeiro, porque de forma geral
sentimos, no nosso dia a dia, que mulheres e homens têm a mesma dignidade enquanto
pessoas e a própria lei já exige tratamento igual para ambos os sexos (nesta e noutras
matérias), depois porque este indicador apenas diz respeito a pessoas assalariadas, ou
2 seja, a um segmento da população (e não ao seu todo) e, finalmente, porque estas
5 assimetrias estão, muitas vezes, relacionadas com as escolhas (educacionais e
profissionais) que mulheres e homens fazem e que vão, em larga medida, influenciar o
seu salário. […]
Porém, as diferenças biológicas entre homens e mulheres e o discurso da sua
“complementaridade” (tal como acontecia relativamente à complementaridade entre
3 senhores e escravos) continuam a estruturar a forma como a sociedade, a família e o
0 trabalho se encontram organizados, estabelecendo-se, desta forma, um ciclo vicioso que
reproduz a divisão sexual do trabalho, com claro prejuízo para as mulheres. […]
[…] As escolhas das pessoas são balizadas por discursos e práticas enraizadas e
naturalizadas que distinguem o que mulheres e homens devem ser e fazer e que,
historicamente, têm prejudicado mais as mulheres, configurando uma situação de
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3 desigualdade.
5 Carla Bernardo, in Público, 10 de março de 2020 (texto com supressões)
5. No contexto em que ocorrem, a repetição da palavra “escravatura” (linhas 3, 9 e 14), por um lado, e o
uso de “Porém” (linha 30), por outro lado, contribuem
(A) para a coesão lexical por reiteração, em ambos os casos.
(B) para a coesão gramatical interfrásica, em ambos os casos.
(C) para a coesão lexical por reiteração, no primeiro caso, e para a coesão gramatical interfrásica, no
segundo caso.
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(D) para a coesão gramatical interfrásica, no primeiro caso, e para a coesão lexical, no segundo caso.
6. As orações “que mulheres e homens têm a mesma dignidade enquanto pessoas” (linha 24) e “que,
historicamente, têm prejudicado mais as mulheres” (linhas 36 e 37) são, respetivamente, subordinadas
(A) adjetiva relativa restritiva e adjetiva relativa explicativa.
(B) adjetiva relativa restritiva e substantiva completiva.
(C) substantiva completiva e adjetiva relativa restritiva.
(D) substantiva completiva e adjetiva relativa explicativa.
GRUPO III
Escrita
Quando se pensa no bem-estar da humanidade, a primeira ideia que ocorre a muitas pessoas é a
importância de não se repetirem as ações negativas do passado.
Num texto de opinião bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas e
cinquenta palavras, defenda uma perspetiva pessoal sobre o papel dos jovens e das escolas na luta
contra a injustiça.
No seu texto:
– explicite, de forma clara e pertinente, o seu ponto de vista, fundamentando-o em dois argumentos,
cada um deles ilustrado com um exemplo significativo;
– utilize um discurso valorativo (juízo de valor explícito ou implícito).
FIM