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= = = La = »~ qi , ¥. Zé f) IFEP av ¥ 8 M60 smtye0 we” Instituto de Filosofia e Educagio pata o Pensar A EDUCAGAO FILOSOFICA DE CRIANGAS E JOVENS: FUNDAMENTOS E METODOLOGIA Darcisio N. Muraro www. philosletera.org.br e-mail: fsm.ifep@philosletera.org.br Fones: (41) 3323-3313 / 3016-7340 Curitiba / PR - 2011 1 Parte: Concepgées - A Educaciio Filoséfica A educacao 6 um campo fértl para a prética filosdfica. A origem da preocupacéo humana com educagao como formagao esta baseada em questionamentos de cardter filos6fico. O filésofo |. Kant formulou mais explicitamente algumas dessas quesiées, aquelas perguntas mais importantes para serem respondidas pelo campo da filosofia, como ele mesmo diz na introdugao do livro da Logica: “o que posso conhecer?", “o que devo fazer?”, “o que me é licito esperar?" Para ele, essas questées esto contidas numa Pergunta mais abrangente: “O que é 0 homem?” Dessa pergunta podemos levantar outras indagacdes como, por exemplo, 0 que é a sociedade? O que é a cultura? O que é 0 pensar ou 0 conhecer? E se estivermos realmente convencidos da imporiancia de investigar estas questies, especialmente se estivermos sensiveis &s mudangas da realidade que atingem os individuos ¢ a sociedade de cada tempo e lugar, devemos ainda questioner: 0 que é a educacao? @ o que é a flosofia? As perguntas que iniciam nossa reflexéo abrem o problema da educagao filoséfica que queremos tratar nese texto, Para melhor orientar nossa investigacao vamos abordar trés dimensdes desse problema, concebidas de forma articuladas @ interdependentes, ou seja, as quesiées que nos levam a pensar a educagao, as questées que nos levam a pensar a filosofia e as quest6es que nos levam a pensar 0 aprender a filosofar. A educacao no contexto da cultura alual € um campo onde transitam diferentes areas de Conhecimentos. Isto nos leva a problematizar o fundo filoséfico desse campo, o que podemos fazer erguntando as areas de conhecimento: € possivel uma educacao na lingua portuguesa, educacao matematica, educacao cientifica, educagao artistica, educagao lteraria, educacao fisica, educagao religiosa, educagao ecolégica, etc. sem explicitar um conceito de educacao, os fundamentos, os pressuposios @ argumentos que Ihe server de apoio? O trabalho sobre o concsito de educagéo é uma obra que envolve pensar a propria vida do individuo @ sua coletividade. E uma atividade nao s6 de certos profissionais como aqueles que trabalham na escola, universidade ou gestdo publica ou privada dessa area, mas de cada pessoa, cada crianca. A formalidade da escola com seus programas curriculares, burocracias administrativa e rotinas e regimentos diarios ndo everia inibir 0 trabalho de pensar a educacao. Deveria tematizé-lo diariamente para que assumisse a ignidade de ser algo ‘vital’ para cada um e para a prépria sociedade. Nos tempos em que vivemos e para que nao amorteceu a sensibilidade que provoca a indignac&o, a tarefa de construir um conceito de educagao comega com um conjunto de questionamentos que incomodam 2 poem em risco qualquer esforgo neste sentido. Vamos mencionar alguns destas questées: Podemos romper com a infivéncia cienticista do positivismo e com ensino tradicional que valorizam 0 saber baseado na certeza, previamente problematizado e respondido pelos especialistas, podendo, assim, ser dosado, aplicado, testado? Como potencializar um espfrito critico e transformador diante da ideologia neoliberal que dé base de sustentacao para o capitalismo globalizado que faz da educagéo um mecanismo de reprodugao das estruturgs deste sistema? Como romper com a concepgao de educagio com uma mercadoria? E possivel um enfrentamento da “indistria cultural’, da alienagdo provocada pelos meios de comunigacéo e dos apelos 2o consumismo? E possivel educar sem tutelar 0 pensamento, evitando o pensar & custédia, criando condigées para um pensar com liberdade que questione ¢ submeta a reflexdo as crencas hegeménicas, fortalega o aprender a pensar com autonomia e criatividade? Como fazer a educagao ser um processo autenticamente construtivo, permitindo ao aluno usar de sua liberdade e originalidade, assumindo a responsabilidade pelas conseqiiéncias de suas escolhas? Como trabalhar os conteddos curriculares de forma que os estudantes possam pensar reflexivamente sobre eles ¢ transformar o aprendido para solucionar novos problemas e, assim, continuar aprendendo © nao apenas memorizar formulas para provas, vestibulares e exames preocupados em avalar ameméria? E desejavel e possfvel transformar a escola num ambiente propicio a cultura do pensar empenhado no desenvolvimento amplo da inteligéncia, das emogées, dos valores da ética e da cidadania? E desejavel e possivel a educagao ser uma experidncia de aprendizagem capaz de despertar 2 consciéncia relacional dos alunos desenvolvendo a capacidade de se pensar como parte de um todo ‘complexo, integrando a sua cimensao subjetiva, social, cieniffica, tecnolégica, filoséfica, ecolégica, dentre outras? Enfim, desejavel e possivel construir uma educacéo que se guia pelo questionamento e pela teflexéo critica, criativa e conlextualizada sobre os conesitos, fundamentos @ pressupostos que do sustentacao te6rica e orientacao pratica ao fazer pedagégico? PPR PPR DORR RHRHRARAKRARARAAAHRAAAAALAALAARAAMRALHADAM 7 Nesse sentido, em tempos de crise de pensamento, crise da possibilidade de metanarrativas, da fragmentagao do conhecimento ¢ da cultura testa ainda um papel para a filosofia? Tem sentido falar de erspectivas dialéticas como totalidade e particularidade; macro e micro, global e local, unidade e diversidade do conhecimento? No centro dessas indagacdes estd o questionamento sobre o ser humano: o que 6 o homem? O que 6a mulher? O que é a natureza humana? O'ser humano 6 um ser dotado de capacidades e aptidées que constituem um potencial natural para © desenvolvimento. Esse potencial humano natural significa poderes, forgas que Ihe dao possibilidades de modificagao e crescimento, tornado-o capaz de lidar com os desafos @ confltos impostos pela vida de forma a garantir a sua continuidade natural, social e cultural. Para isso, 0 ser humano criou instrumentos como a linguagem que Ihe permite pensar e comunicar solugdes pata seus problemas. O uso da linguagem permite ‘que estas soluges continuem disponiveis em sua experiéncia e possam ser submetidas a revisbes, bem ‘como, transmitidas para os outros. Desta forma, o ser humano foi construindo um conjunto de crengas que orientam a sua vida @ dao significados ou motives mais profundos a sua existéncia. A educacdo ndo é so a transmisséo do que foi aprencido que constitui a heranga acumulada historicamiente, ou a transmissao do chamado tesouro cultural da humanidade. Antes de tudo, a educacao 6 aprender a lidar com os desafios ¢ contitos impostos pela vida. Pode-se dizer, entao, que toda educacdo tern um aspecto iloséfico insubstituivel que é 0 de por em questo 0s confitos mais profundos da existéncia humana e buscar formas altemativas de respondé-los. Se 0 questionamento filoséfico & necessérrio para pensar diferentemente dos padres estabelecidos, aqueles padides que nao respondem mais aos novos contltos, fica mais evidente 0 papel fundamental da filosofia numa educagao que tenha 0 propésito de formacdo integral do ser humano, especialmente porque a flosofia permite a construgdo das referéncias mais ampias que orientam a vida. Assim, vemos que a educagao filosdfica tem potencial fértil de ser um eixo integrador no campo das “educagies’. Um dos papeis que compete a filosofia desempenhar é a de potencializar as capacidades do pensamento auténomo @ autocorretivo pela pratica do questionamento, reflexao, investigacao, critica © criagao de conceitos e argumentos. Outro papel diz respeito ao aprimoramento do pensar cuidadoso, empatico e solidério que contribui para a formagao ética e para o exercicio da cidadania e da democracia, Um caminho para a educacdo filoséfica se concretizar & a criagan da comunicade do flasofar nas escolas em dois sentidos: uma comunidade dos educadores para pensar seus problemas e, uma comunidade que 6 a sala de aula envolvendo professores e alunos na investigagao dos problemas que sao colocados pelo grupo. Neste caso, no poderia faltar 0 momento especifico para o cultivo do aprendizado do filosofar com 0s alunos no curriculo escolar. Apresentamos a seguir, de maneira introdutéria, alguns aspectos que nos parecem fundamentais para a educagao filoséfica. 1. Apergunta. ‘A forga que move 0 pensamento € pergunta. Essa forca interrogante do pensamento a base do filosofar. A origem da dviéa e da indagacéo esta na curiosidade, no espanto com 0 mundo, na experiéncia de perplexidade e de insatisfagéio com 0 estado de coisas que circundam a vid. A pergunta é a alma ou a forca motriz da atividade do pensamento em busca da construcao reflexiva dos sentidos da experiéncia. Assim, a pergunta constitui a mais original fonte do interesse porque se liga a necessidade de interpretar 0 mundo e dar sentido a experiéncia. Além disso, o ato de perguntar é um ato coragem no uso da liberdade. Ela faz com que a pessoa tome consciéncia do seu direito de indager e exerca seu poder de decicir rever as erengas em fungéo das mudangas da realidade, suspeitar das certezas estabelecidas em busca de explicagies mais satisfatérias para os problemas que surgem na vida. Assim, a liberdade de perguntar vai se ampliando na medida em que se desperta a sensibilidade para os aspectos problemdlicos da experiéncia criando também a responsabilidade para desenvolver um projeto de inquirigo como forma de transformar a realidade de insalislagdo diante dos desafios, ou seja, buscar novas explicagies, definir e clarificar os conceitos, resolver os problemas. Um questionamento realmente intrigante, prenhe de um problema vital, exige todos os esforgos na busca dos sentidos mais e mais verdadeiros. Um espirito problematizador que incorpora 0 habito de perguntar vé os sentidos encontrados pela investigago como provisérios e sujeltos a novas indagagées. Cria-se, assim, a atitude reflexiva e investigativa, expressa no processo de perguntar- responder-perguntar. A reflexéo filoséfica se ancora no questionamento aberto, continuo e cada vez mais aprotundado de modo a constituir um proceso de investigacéo acumulativo, coerente, consistente e conseatonte. Para o desenvolvimento da capacidade de perguntar é necessério criar uma pedagogia da pergunta, 8 2. Os conceitos e problemas. A indagacao llosofica se ocupa de investigar conceitos ou problemas que dizem respeito as referéncias mais fundamentals da vida das pessoas. Investigar conceitos ou problemas 6 uma necessidade humana para dar significagao & experiéncia de vida que se realiza na interacao do individual com 0 seu contexto histérico © sociocultural. A pratica do filosofar se desenvolve na reflexéo sobre a linguagem que usamos para dar significados ao mundo, inclusive sobre o prépto filosofar. Pensamos com conceitos, mas, sobretudo, pensamos quando questionamos os conceltos com os quais pensamos e nos colocamos na investigagao profunda, radical, abrangente © autocorretiva que estabelece conoxdes, nexos, redes de sentidos, dentro das exigéncies colocadas pela vida na sua multiplcidade de relagdes. Com os concettos 0 Pensamento pode abstrair, distanciar-se da viséo aparente para captar a realidade em sua profundidade, Abrangéncia e racicalidade. Com os conceitos construimos razées, criterios e argumentos que nos permitem fazer escolhas mais razoaveis. Para um argumento ser razoavel 6 necessario que passe pelo crivo do Gialogo, isto é, deve se submeter A aprova dos argumentos discordantes € ao apcio e ampliagao dos argumentos concordantes de uma comunidade. Assim sendo, os conceites passam a ser Vistos como entidades histéricas, complexas, controversas sempre reconstruidos no forum ptiblico da coletividade na ‘qual so engendrados e engendradores. 3. Opensamento. A reflexdo flloséfica é uma atividade que se ocupa de pensar a problematicidade da construcao dos Conhecimentos, ideias ou conceitos. Nessa perspectiva ela se ocupa de examinar 0 préprio processo do Pensar, percebendo a sua faliblidade e avaliando a pertinéncia dos raciocinios, interpretacdes e julgamentos feitos. A fllosofia como pensamento do pensar, desenvolve uma cultura do pensar, promovendo a constante critica, autocorregao e inovacao do pensar. Neste processo, aprimora as habliidades de pensar que passam 4 ser instrumentas auxiiares no processo de investigagao futures. Constréi-se, assim, uma relagao dialétioa No proceso investigative entre © processo ¢ o produto, meios e fins do penser. O filosofar pode contribuir ara a potencializagao das capacidades de pensar, tornando possivel 0 aprender a pensar por si mesmo. Aprende-se a transformar ¢ usar 0 aprendido para a vida, ndo para a mera erudigdo. Este aprender a Pensar, além de articular conhecimentos oriundos de diversas areas, faz do aprendido bases para langar-se além dele, para explorar horizonte desconhecido e intrigante da condicao humana. Isto s6 6 possivel quando s¢ fonnant as capacidades de articulacao, tlexibilidade e autonomia do pensar ¢ agi. Se uma caracteristica do filosofar € 0 cuidaclo com o aprimoramento do pensar e o pensar é um direito da pessoa, endo se faz necesséirio garantir 0 acesso ao filosofar em todos os niveis e modalidades de educacao. 4, A comunidade e 0 didlogo. Apratica do filosofar se desenvolve no dilogo entre pessoas dispostas a se engajar na investigagao daqueles problemas que sao comuns na experiéncia de vida. Pressupée interesse e envolvimento profundo no processo deliberativo de busca de solugées a esses problemas que afigem os seres humanos. O diélogo € gerado ¢ se movimenta no confito de pontos de vista. E preciso reconhecer que cada ponto de vista é também um ponto de cegueira. Por isso, dialogar pressupde “erergar’ com os olhos do outro aquilo que ‘nao se conseguiu ver com os préprios olhos. Ter um ponto de vista diferente nao significa que os que dialogam sejam desiguais. Nao ¢ possivel didlogo numa relacao autoritéria em que um lado se acha dono da verdade. Por isso, 0 didlogo exige compromisso com’ procedimentos reciorocos no proceso da investigagao para potencializar as diferengas e, ao mesmo tempo, regular a igualdade de condigoes de Parlicipagéo. Esses procedimentos que podem ser chamado de habilidades sociais - ouvir atentamente, falar na sua vez, respeitar opiniées, ser tolerante, etc. - devem ser criados no exercicio do préprio cidlogo, Portando de forma cooperativa. Esses procedimentos séio necessaries para que o filosofar se constitua num Gidlogo que se exercita em base a uma razoabilidade que é guiada por consideracées légicas ¢ metacognitivas necessérias no processo de busca da verdade e pelos valores éticos que proporcionam a interagao social como coopera¢ao, honestidade, respeito, empatia, humildade, autocorrecdo, consensos Jissensos. Se estes aspectos sao importantes para o crescimento da autonomia de pensar, so importantes também para a construgao do carder, uma vez que vao tecendo a vida moral, politica e cientifica da crianga. 5. Os fildsofos. Pela pratica do filosofar foram criados conceitos e elaboradas solugdes para certos problemas reconhecidos de grande importancia para compreender a experiéncia humana. O actimulo de reflexdo dos flésofos nas mais diferentes culturas tem sempre algo a nos cizer quando nos defrontamos com tais Conceitos ou problemas. Tem poder de iluminar a caminhada, mas nao podem tomar lugar e fazer 2 caminhada de quem esta a caminho. Dialogar com a experincia dos flésotos, lendo e relendo seus texios 6 uma parte importante do processo de filosofar para repensar os conceitos no processo de sua apropriaczo © usar 0 aprendido para conduzir a vida. Podemos assim aprender com as experiéncias dos outros. Este RRA AAMADABMEamDaaenannnanaunnn« poe eedenyay pOSETETL o 8 esforgo potencializa o pensamento e amplia as possibilidades de interpretar as novas exigéncias socials. Por outro lado, as condi¢des sob as quais acontece a experincia presente, pelas mudancas histéricas novos desatios colocados para o ser humano, exigem também pensar novos conceitos e solucdes buscando adequar as crengas as novas condigées da existéncia. A pratica do filosofar se d4 numa aproximagao critica da tradigéo cultural, numa postura ciativa de melhores caminhos para direclonar a experiéncia presente e numa atitude ética de continuidade da vida. 6. Ofilosofar. A pratica do filosofar s6 & possivel no exercicio das liberdades humanas: liberdade de pensar, expressar, escolher e agit. Ninguéim é live A custédia. Ha muitas restrigdes A liberdade de filosofar: a caréncia das necessidades baisicas da vida, os processos de aprendizagem dominados pela memorizacao, pela primazia da transmissao do contetido ou de um saber enciclopédico; a restrigdo a vida pela rotina ou la repetigzio mecanica de habilidades, o império de um pensamento hegemdnico que coloca nas maos da cia, da religido ou da ideologia como o neoliberalismio as perguntas e as respostas acabadas da curiosidade humana. Querer filosofar de maneira abstrata e ilhada é uma grande iluséo. Melhor seria falar em libertagao para filosofar. Nao se trata de um trabalho que s6 se pode fazer em ceria idade, mas de uma atividade perene na vida. A qualidade do filosofar depende das mediagbes. O filosotar se da a partir de um lugar, ou seja, da experiéncia em um contexto hist6rico, social e cultural que tem que ser levado em conta sem se deixar conformar pelas concigdes dadas. O filosofar, ao por em diivida certas crencas, busca fugir da limitagao do grupo social e proporcioner contato com ambiente mais amplo. Aceita 0 desafio de romper com as limitagdes impostas pelas circunstancias que pretendem naturalizar todas as relagdes humanas abrir horizonte. Questiona os conhecimentos estabelecidos, busca transcende-los, imagina inventivamente novos signiticados, noves lugares, novas altemativas. A lberdade de pensar implica em compreender e ‘ransformar 0 conhecimento gerando a possibiidades de ser ciferonte. A possibllidade de modificacao de si @ da sociedade exige também responsabilidade pela construcdo da nova realidade @ pelas consequéncia das ages. Filosofar como prética da liberdade pressupde o compromisso com a consirugéo da realidade pensada, assumindo a responsabilidade de trazer ao forum da raz4o as consequéncias. 7. Acidadania. Filosotar é a condigdo primeira para 0 exercicio do diteito de ter direitos. Ser cidadio no mundo atual exige 0 desenvolvimento da capacidade de pensar ¢ agit de forma critica, oriteriosa, crialiva e responsavel. Ha que se pensar o sentido da justia, do bem comum, dos direitos e dos deveres. O exercicio consciente da cidadania nao & compativel com a alienacdo dos problemas da vida social e profissional. Daf que 0 exercicio da cidadania passa necessariamente pela investigago rigorosa, partcipativa e publica dos signiticados e referéncias da comunidade, constituindo-se uma dimenséo politica e pedagégica da pratica do filosofar. Cidadania ¢ muito mais do que a reivindicacao de direitos ¢ cumprimento de deveres é um paradigma de conhecimento e de vida democratica alicercado no didlogo, na reflexdo o na investigagio Cooperativa. © que esté em jogo & o desenvolvimento da consciéncia do individuo como personagem social capaz de se inserir e intervir em seu meio. A cidadania s6 se realiza na partcipacdo democratica que torna poss'vel 0 acesso aos bens sociais, culturais e naturais. A democracia pode ser vista aqui como a condigzio de possibilidade da vida compartilhada que proporciona vastas oportunidades de tornar possivel a solugaio de problemas pela retlexdo cooperativa. Cidadania e democracia sao também conceitos que necessitam ser continuamente reinventados pela reflexao floséfica. 8. Aética. O filosofar é em si uma experiéneia ética na medida em que esta pratica esta permeada por valores como os mencionados no item do didlogo e comunidade. Mais do que isso, essa pratica investiga 0 sentido dos valores morais, das regras, dos costumes, dos habitos que orientam o agir das pessoas. Indaga-se pelos conceilos e razdes que as pessoas usam para dizer que as coisas sao certas, justas, boas, etc. A Pratica moralizante que incute valores, normas ¢ leis pela forca da autoridade para serem seguidos como verdades absolutas forma pessoas heterénomas, dependentes e com medo da punigao. A investigagao 4tica,refletindo sobre os valores da cultura, busca ressignificé-los ou mesmo criar novos valores dertro das exigéncias do convivio social. A investigacao ética exercita o pensamento e a imaginagao na busca das melhores oportunidades para construir um mundo mais habitavel, humano e solidario onde seja possivel realizar o bem maior que ¢ a felicidade. A ética pressupde a construcdo da identidade, do carater, ou seja, 0 desenvolvimento integral da pessoa. Este processo se dé numa relacao intersubjetiva. E no didlogo com os outros que se da a descoberta das proprias capacidades. Aprende-se a lidar com as qualidades e potencialidades, desenvolve-se um estilo de pensar e agir, apura-se a dimensao do gosto e da vontade, sobretudo, cria’ condiges de possibiidade de decidir 0 destino pessoal e coletivo. Assim, adquire-se consciéncia da singularidade de si mesmo, aprendendo a se valorizar, a ter respeito proprio e responsabilidace pela condugdo de sua vida. Aprende-se também a tralar com respeito os outros. Estes so 10 alguns aprendizados que criam condigées para o pensar e o agir éticos de forma auténoma. A autonomia implica ter auto-estima e se autogovernar levando em conta 0 outro nestas mesmas condigées. Autonomia pode ser entendida como 0 exercicio do autogoverno na relagdo com os membros de ura comunidade. Implica respeito ao outro como diferente. E conhecendo e convivendo com essas diferengas que se compreende a si mesmo. Uma diferenga no grupo deve fazer diferenga para cada um. Por isso, 0 filosofar ético pode estimular as diferencas enriquecedoras dentro da comunidade e prevenir discriminagdes que produzem desigualdade, intoleréncia, violéncia e 0 empobrecimento das relacdes socials. A investigacao ética pressupse um pensar e recriar constantemente o ambiente democratico. Por um lado, reilete sobre os valores ja vigentes e necessdrios para a convivéncia entre os seus membros. Neste sentido, ¢ nacessario chegar a um consenso minimo, sobre valores e regras sociais que permitem a convivéncia com o diferente, com a expresso da diversidade de idéias e valores, enim com a pluralidade. Por outro lado, d& condigdes de exercicio da liberdade. Pelo filosofar ético desenvolve-se a consciéncia moral que é a mais completa e ampla de todas. 9. Aeducacao. A pratica do filosofar é uma forma de educagio do pensamento. © pressuposto da educacdo é a crenga na possibilidade do pensamenio poder ser modificado, desenvolvido, aperteicoado. O filosotar cutiva a ‘exceléncia do pensar, tomando-o 0 eixo em toro do qual gravita a educagao. Rompe-se, portanto, com as concepodes que se centram no aprender contetidos ou habilidades estanques e, desta forma, sobrecarregam a importancia da memorizagao ¢ exercicios como forma de resolver os problemas das provas e exames escolares. A filosofia lida com a experiéncia de pensamento, refleindo sobre o desenvolvimento e crescimento dos conceitos que orientam a vida das pessoas. E um trabalho que pensa a forma formadora das formas @ modelos. A (des)consirugao das miiplas formas — a que pensa a formagao de formas ~ 6 0 que di a vitalidade no sentido de se encontrar a unidade na diversidade. O filosofar pode ser visto como um procasso continuo e permanente de fazer-se a si mesmo, empoderando-se dos sentidos do humano, através do questionamento e da reflexdo criadores das referéncias que orientam a vida. Filosofar é uma prética que se ocupa da formagao das formas de ser ativo, protagonista do fazer-se humano, pela atividade da imaginagao, criatividade e investigacao. Trata-se de um esforgo para desentranhar as proprias potencialidades do ser e dar forma a si mesmo na abertura de seu espirto em direedo a vida social, onde so da a sua mais plena reaizagdo. A fiosofia 6 uma forramenta fundamental para 0 processo de emancipacao que 6 necessariamente questionador da exist®ncia @ criador de rnovas realidades. Por isso, afilosofia é a vida no continuo processo de ressignficar a experiéncia. O filosofar é a propria educacao do pensament, fazendo com que cada um seja 0 autor da sua propria historia. 10. O curriculo inter e transdisciplinar. Na pratica do filosotar 0 pensamento volta-se sobre sua pratica. Interroga sobre seus caminhos, seus critérios, seus procedimentos, seus resultados e os meios para saber o que é verdadeito e como alcangé-lo no processo da investigagao. Busca educar a si mesmo através dos processos de andlise, de critica e de ‘autocorregio. do comportament investigative, aprimorando 0 préprio processo. A filosofia se preocupa com os aspecios légicos do pensamento e aspectos epistemolégicos do conhecimento. Além disso, a filosofia se preocupa com oultras areas de relevante valor para a experiéncia como a ética, a estética, a politica, antropologia, dentre outras. Estas areas tratam de conceitos © procedimentes metodol6gicos que se interponetram com todas as demais reas de conhecimento. A flosofia tematiza conceitos que estéo subjacentes &s demais disciptinas. A pratica do cientista ou do professor nao deve ser isolada, nem neutra. Ela est ancorada em conceitos e pressupostos légicos, epistemolégicos, estéticos, politicos, antropolégicos. Neste sentido, a interdisciplinaridade & © esforgo, intencional © planejado, de encontrar as telages entre a filosofia © as demais dscipinas estabelecendo um didlogo que amplia os horizontes, faz perceber a unidade numa diversidade de abordagens € evita. um pensar reducionista, provinciano, fragmentado. A crise do pensamento atual, da tragmentagdo @ dispersao dos saberes do curriculo escolar @ da propria cultura se deve em parte a falta da retlexao filosofica profunda, racical, abrangente capaz de articular cialeticamente as dimensdes de parte-iodo, meios e fins, teoria pratica, contetido e método, sujeito e objeto. Assim, filosofar pode ser visto como um lugar é um instrumento da articulagao curricular e cultural, como gestadora de um didlogo intra, inter ¢ tranedisciplinar capaz de favoracer a ‘compreensao através de um pensar complexo, holistco, totaizante. Estas reflexées so um convite para um dialogo mais profundo sobre o significado do ‘ilosofar, que assim sendo, se constitul como um direito fundamental do ser humano na medida em que permite pensar e guiar a prépria vida. A palavra flosofa foi criada pela unigo das palavras amor ou amizade e sabedoria. A forca do amor ou da amizade deveria mover cada um a se envolver numa luta pela democratizago do aoesso a filosofia em todas as idades, em todos os momentos da educagéo que se proponha formadora das pessoas, em todos os espagos da vida. O amor 6 um sentimento contagiante, E 0 sentimento que nos permite atingir a plenitude da experiéncia de ser humano. A filosofia se alimenta deste sentimento ¢ o transforma em significados duradouros para a experiéncia humana. RAAB KEARAAMAAAMBRABAHRAAALAAHRAAAAAAARAMRAHRAAAABAARAAAAAAA

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