You are on page 1of 3
Principe bom e virtuoso As influéncias de Platao e Aristételes no ter- =ne da reflexdo politica foram marcantes tanto na Antiguidade como na Idade Média. A ideia de que 2 politica tem como objetivo o bem comum, que em Plato seria a justica e em Aristételes a vida boa e feliz, orientaria grande parte da refle- x0 politica Entre os filésofos da Roma antiga (como Cicero © Sénecal, a teoria politica passou a privilegiar a formacao do bom principe, educado de acordo com as virtudes necessérias ao bom desempenho da funcao administrativa. Na pratica, porém, essa tendéncia revelou-se muitas vezes catastréfica, predominando até o periado medieval. Direito divino de governar Na Idade Média, com 0 desenvalvimento do cristianismo e o esfacelamento do império roma- No, a Igreja consolidou-se primeiramente como um poder extrapolitico, Santo Agostinho [354-430], por exemplo, separava a Cidade de Deus - a co- munidade crista - da cidade dos homens - a co- munidade politica Depois, ao longo da Idade Média e em parte da Idade Moderna, ocorreu uma alianca entre o poder eclesidstico e 0 poder politico, E como a Igreja Ca- télica entendia que todo poder pertencia a Deus, surgiu a ideia de que os governantes seriam re- presentantes de Deus na Terra. 0 rei passou, en- to, a ter o direito divino de governar. Assim, embora a relacao entre o poder tem- poral dos reis e o poder espiritual da Igreja te- nha sido um grande problema durante a Idade Média, de forma geral persistiu a ideia do go- vernante como representante de Deus, bem como a concep¢ao de monarquia como a forma politica mais natural e adequada a realizacao do bem comum, No entanto, as principais farmulacdes teéricas =m defesa do direito divino dos reis surgiriam so- mente na época moderna, propostas por Jacques Bossuet (1627-1704) e Jean Bodin (cujas ideias veremos adiante], Maquiavel: a logica do poder © filésofo italiano Nicolau Maquiavel (1469- 7) é considerado o fundador do pensamento maderno, uma vez que desenvolveu sua 2 politica em um quadro tedrico completa- diferente do que se tinha até entao. age 352 Unidade 4 Grandes éreas do filosofar IMAGES/LAFISTOCK SANT OITTO/ERIEDRICH WILHEL MAK ‘Nicolau Maqui F.W. Bolling baseado em diTito, Por tratar 2 politica “como ela é", Maquiavel exerceu cargos importantes na vida publica da Repablica de Florenca, de 1498 a 1512. Como vimos, no pensamento antigo a politics estava relacionada com a ética e, na Idade Média essa ideia permaneceu, acrescida dos valores cristéos. Ou seja, 0 bom governante seria aquel= que possuisse as virtudes cristas e as implemen tasse no exercicio do poder politico Maquiavel observou, porém, que havia uma distancia entre o ideal de politica e a realidade politica de sua época, Escreveu entao o livro 0 principe (1813-1515), com o propésito de tratar da politica tal como ela se dd, isto 6, sem pre- tender fazer uma teoria da politica ideal, mas, a0 contrario, compreendendo e esclarecendo 2 politica real. Dessa forma, 0 filésofo afastou-se da concep- go idealizada de politica. Centrou sua reflexao na constatacao de que o poder politico tem como fun- Ao regular as lutas e tensdes entre os grupos sociais, 0S quais, em seu entendimento, eram ba- sicamente dois: 0 grupo dos poderosos e o povo. Essas lutas e tensdes existiriam sempre, de tal forma que seria iluséo buscar um bem comum para todos. Mas se a politica ndo tem como objetivo o bem comum, qual seria entao seu objetivo? Maquiavel respondeu: a politica tem como objetivo a manutencao do poder do Estado. E, para manter o poder, o governante deve lutar com todas as armas possiveis, sempre atento as correlagdes de forcas que se mostram a cada instante. Isso significa que a acao politica no cabe nos limites do juizo moral. 0 gover- nante deve fazer aquilo que, a cada momento, se mostra interessante para conservar seu po- der. Nao se trata, portanto, de uma decisio moral, mas sim de uma decisao que atende logica do poder. Dentre essas leis naturais, Bodin destacava 0 respeito que o Estado deve ter em relacao ao di- reito a liberdade dos stiditos as suas proprieda- des materiais Questao da criacado do Estado Outra questdo que ocupou bastante os filésofos dos séculos XVII e XVIll foi a justificagao racional para a exist€ncia das sociedades humanas e para a criagao do Estado. De modo geral, essa preocu- pa¢do apresentou-se da seguinte forma: * Qual é a natureza do ser humano? Qual é o seu estado natural? - em suas diversas conjeturas, esses filésofos chegaram, em geral, conclu- 580 basica de que os seres humanos séo, por natureza, livres e iguais. * Como explicar entao a existéncia do Estado e como legitimar seu poder? - com base na tese de que todos sao naturalmente livres e iguais, deduziram que em dado momento, por um con- junto de circunstancias e necessidades, os in- dividuos se viram obrigados a abandonar essa liberdade e estabelecer entre si um acordo, um pacto ou contrato social, o qual teria dado ori- gem ao Estado. Por esse motivo, essas explicacées ficaram co- nhecidas como teorias contratualistas Hobbes: o Estado soberano 0 primeiro grande contratualista fol o filésofo inglés Thomas Hobbes (1588-1679). Em sua in- vestigacao, concluiu que 0 ser humano, embora vivendo em sociedade, no possui o instinto natu- ral de sociabilidade, como afirmou Aristételes. Para Hobbes, cada individuo sempre encara seu semethante como um concorrente que precisa ser dominado. Segundo o filésofo, onde nao houve o dominio de um individuo sobre outro, existiré sem- pre uma competicao intensa até que esse dominio seja alcancado.Tal tese esté vinculada & concepco materialista e mecanicista da realidade proposta por Hobbes (como estudamos no capitulo 15] @ Guerra de todos contra todos A consequéncia ébvia dessa disputa infinddvel entre os seres humanos em estado de natureza teria sido 0 surgimento de um estado de guerra e de matanga permanente nas comunidades primi- tes. Por isso, nas palavras de Hobbes, “o homem lobo do préprio homem” (da expressio latina homini lupus) P54 Unidate 4 Grandes dreas do filosofar Sé havia uma so de primitiva: a criaeao artificial da socie tica, administrada pelo Estado. Para is viduos tiveram de firmar um contrato © (contrato social), pelo qual cada um tran: poder de governar a si priprio a um terceira - = Estado -, para que este governasse a tod pondo ordem, seguranca e direcdo & conturbsse vida em estado de natureza Hobbes apresentou essas ideias primei sua obra Do cidado e depois em Leviat3. Nes: tima, compara o Estado a uma criacao monstrus sa do ser humane, destinada a pér fim & anarque € ao caos das relacdes humanas. 0 nome Levists refere-se 20 monstro biblico citado no Livro (40-41), onde é assim descrito: O seu corpo é como escudos de bronze fundido Em volta de seus dentes esté o terror [..] 0 seu c 0 6 duro como a pedra, e apertado como ab do ferreiro. No seu pescoco esta a forca, e diante: vai a fome [... Nao hé poder sobre a terra que seh compare, pois fo feito para nao ter medo de nad o para dar fim on Tiaua Monee? Frontispicio da primeira edieao de Leviata, Londres, 1651 Nessa obra, Hobbes defende a legitimidade do poder politico absoluto, baseando-se na concepeao de uma natureza humana competitiva e destrutiva 8 qual semente um poder forte do Estado teria condi¢des de fazer frente. Outro pensador que formulou uma teoria con tratualista, assim como Hobbes e Locke, foi o filé sofo de origem franco-suica Jean-Jacques Rous- seau (1712-1778). Em sua obra Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens, ele glorifi ca os valores da vida natural e ataca a corrupsao, aavareza e 0s vicios da sociedade civilizada, Exalta a liberdade que o selvagem teria desfrutado na pureza do seu estado natural, contrapondo-o a falsidade e ao artificialismo da vida civilizada Jé em outra obra, Do contrato social, Rousseau foi mais além: procurou investigar no sé a origem do poder politico e a existéncia ou nao de uma jus- tificativa valida para os individuos, originalmente livres, terem submetido sua liberdade a0 poder politico do Estado, mas também a condicao ne- cessaria para que o poder politico seja legitimo 0 homem nasceu livre e, ndo obstante, esta acorrentado em toda parte. Julga-se senhor dos demais seres sem deixar de ser to escravo como eles. Como se tem realizado esta mutacao? Ignoro- -0. Que pode legitimd-la? Creio poder responder a esta questo. [p. 37.) EDSON SATO/PULSAR IMAGENS, Criangas ianomamis no rio Auaris fronteira do Brasil com a Venezuela, em 2010. Na literatura dos séculos XVIll e XIX, 0 mito do bom selvagem esta vinculado a uma atitude critica em relaeao & sociedade europeia e 4 uma idealizaco de outros modos de ser e viver, coma o das comunidades indigenas americanas, donas de uma sabedoria sem livros € de uma vida considerada paradisiaca, Rousseau defende a tese de que o nico funda- mento legitimo do poder politico é o pacto social ~ pelo qual cada cidadao, como membro de um povo, concorda em submeter sua vontade particu- lar 8 vontade geral. Isso significa que cada indivi- duo, como cidadao, somente deve obediéncia ao poder politico se esse poder representar a vontade 356 —Unidade 4 Grandes dreas do filosofar geral do povo ao qual pertence. 0 cada cidadao é com o seu povo. E 6a fonte legitima da soberania do Essencialmente, em Do contra seau define o pacta social nos sea Cada um de nés pée sua pesso: uma suprema direcdo da vontade gens be ainda cada membro como parte todo. [p. 49) Assim, cada cidadao passa a as: gdes em relaco 8 comunidade politi submetido a vontade particular de u 08, Unindo-se a todos, s6 deve obe que, por sua vez, devem exprimir a vo Desse modo, respeitar as leis é 0 mesmo decer & vontade geral e, a0 mesmo tema= peitar a si mesmo, sua prépria vontade co dao, cujo interesse deve ser o bem comum E de autoria do pensador francés Che Secondat, mais conhecido como barlo de tesquieu (1689-1755), a teoria a respeito a= das caracteristicas mais interessantes do & moderno: a divisao funcional dos trés p. Ao refletir sobre a possibilidade de abuse poder nas monarquias, Montesquieu props se estabelecesse a divisdo do poder politics trés instancias: poder Legislativo (que els aprova as leis, poder Executivo (que exec: normas e decises relativas 8 administrac: blical e poder Judicidrio [que aplica as leis = tribui a protecao jurisdicional pedida aos jules) Em sua obra 0 espirite das leis (1748], Mons quieu assim escreve sobre a questo dos poder== Quando os poderes legislative e executive © cam reunidos numa mesma pessoa ou institue 80 do Estado, a liberdade desaparece [...] Nae havera também liberdade se o poder judicigne se unisse ao executivo, o juiz poderia ter a force de um opressor. E tudo estaria perdido se ums mesma pessoa ou instituicio do Estado exe— cesse os trés poderes: o de fazer as leis, 0 de ordenar a sua execucao e o de julgar os conflites entre os cidadaos. [p. 168.) Embora ja houvesse na época uma divisio de poderes préxima da proposta por Montesquieu: significativa em sua obra a énfase atribuida 4 ne cessidade de separacdo desses poderes, que de- vem ser exercidos por pessoas diferentes, e & ne- cessidade de equilibrio entre eles.

You might also like