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JOGANDO COM AS LINGUAGENS praticas de pesquisa no PROFLETRAS Maria Suely de Oliveira Lopes Lucirene da Silva Carvalho Shirlei Marly Alves (ORGANIZADORAS) eaceLavea a Carat oincrawacio: Telma Custédio Rewsto: Pardbola Editorial CIP-BRASIL. CATALOGAGAO NA FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ 362 Jogando com as linguagens : praticas de pesquisa no PROFLETRAS / ‘organizadoras Maria Suely de Oliveira Lopes, Lucirene da Silva Carvalho, Shirlei Marly Alves. - 1. ed, - Sio Paulo : Pa de Palavra, 2019. 224 p.; 21cm, Inclui bibliografia ISBN 978-85-68326-34-3 1. Lingua portuguesa - Estudo e ensino. 2. Lingua portuguesa - Fonologia 3. Lingua portuguesa - Morfologia. 4. Lingua portuguesa - Ortografia soletragao. 5. Mudangas linguisticas. 6. Professores de educacao infantil - Formacao. |. Lopes, Maria Suely de Oliveira. Il. Carvalho, Lucirene da Silva, II. Alves, Shitlei Marly 19-56731, cop: 469 DU: 811.1343 Vanessa Mafra Xavier Salgado - Bibliotecéria - CRB-7/6644 Direitos reservados a Maria Suety DE O. Lopes, LuciRENE Da S. CARVALHO, SHIRLEIM. ALves PA DE PALAVRA [0 selo de autopublicacao da Parabola Editorial] Rua Dr. Mario Vicente, 394 - Ipiranga (04270-000 Sao Paulo, SP pabx: [11] 5061-9262 home page: www.padepalavra.com br e-mail: producao@padepalavra.com.br Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrénico ou mecanico, incluindo fotocépia e gravag4o) ou arquivada ‘em qualquer sistema ou banco de dados sem permissio por escrito da editora ISBN: 978-85-68326-34-3 © do texto: Maria Suely de O. Lopes, Lucirene da S. Carvalho, Shirlei M. Alves, 2019. © da edicao: Pa de Palavra, Sao Paulo, junho de 2019. FT A FORMACAO DO PROFESSOR DE LINGUA MATERNA aspectos didaticos e curriculo Maria Aparecida Calado de Oliveira Dantast Linduarte Pereira Rodrigues? 1 Consideracées iniciais ensar em educacao pressupée refletir sobre a formacao docente, inicial e continuada, e as praticas pedagégicas efetivadas com qualidade na sala de aula, com vistas a construgao de sujeitos capazes de atuar ativamente no processo de ensino-aprendizagem, além de interferir criticamente e de forma auténoma no meio social em que esto inseridos. Areflexao sobre 0 processo de formacao de professores tem se constituido como um dos grandes desafios na agenda de priori dades do Estado, diante das exigéncias apresentadas 4 Educa¢ao Basica na sociedade contemporanea. Os baixos indices de aprendi- zagem, segundo estudos realizados, tém se apresentado como um reflexo das praticas de ensino pautadas numa discussao estrutu- * Mestre em Formagao de Professores pela Universidade Estadual da Paraiba. Profes- sora do Departamento de Letras e Humanidades da Universidade Estadual da Parai- ba— Campus IV. Catolé do Rocha. Grupo de Pesquisa: teorias do sentido: discursos e significacées (CNPq/UEPB). ® Doutor em Linguistica pela Universidade Federal da Paraiba. Professor do Depar- tamento de Letras e Artes e do Programa de Pés-Graduacao em Formagao de Profes- sores da Universidade Estadual da Paraiba — Campus I. Campina Grande, Grupos de Pesquisa: Mem ria eimaginario das vozes eescrituras; Linguagem, interagao, géneros textuais e ou discursivos: Teorias do sentido: discursos e significagées. 153 ralista da lingua, consequéncia de uma profissionaliza¢ao baseada em definicoes, conceitose normas; apesar dos esforcos empreendi- dos, nas tiltimas décadas, pelos organismos responsiveis pela qua- lidade do ensino no pais, no sentido de desenvolver estratégias que subsidiem a qualificacao do professor. Sobre esse aspecto, 6 importante destacar que, nos tiltimos anos, o discurso das politicas piblicas para a educagao tem dado grande énfase a profissionalizacao docente, 0 que mobilizou o Mi- nistério da Educagao a colocar a disposi¢ao dos professores do- cumentos norteadores do desenvolvimento da Educa¢ao Basica, a exemplo dos Referenciais Curriculares para o Ensino Médio da Paraiba (PARAIBA, 2006), bem como dos Parametros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998) para todos os niveis de ensino. Tais do- cumentos podem ser vistos como fontes de apoio a desafiadora ta- refa de promover transformacées nos modos de ver e agir das ins- tituigdes e dos professores quanto ao curriculo e a pratica docente. Diante disso, buscamos discutir neste texto a formacao de pro- fessores no Brasil e os contornos por ela assumidos frente aos im- perativos do mundo contemporaneo, aliada as praticas pedagégicas que permeiam aulas de lingua materna. Enfatizamos as especifici- dades do trabalho docente que tem como matéria-prima o conheci- mento e o desenvolvimento de competéncias, a partir de uma con- cepsao de linguagem compreendida como intera¢ao social: processo dinamico e interativo que possibilite aos sujeitos envolvidos no pro- cesso repensarem suas praticas e seus modos de conceber o mundo asua volta. Considerando 0 exposto, damos énfase as pesquisas sobre a formacao do professor que destacam o saber docente como sa- ber social, partilhado, utilizado e legitimado nas praticas sociais (TARDIF, 2010), considerando 0 contexto dos sujeitos envolvidos, além de discutir essa formagao a luz dos documentos oficiais que regulamentam e norteiam o fazer docente nas escolas da Educa¢ao Basica. Trata-se de uma pesquisa bibliografica e documental, com revisao da literatura sobre a formacao do professor e as praticas por ele desenvolvidas, a partir dos estudos de Tardif (2010), Morin 154 ogando com as linguagens (2007), Santiago (2006), Furlaneto et al. (2007), entre outros apor- tes que buscam entender a formacao do professor para o desenvol- vimento dos saberes que promovem 0 letramento escolar. Nesse sentido, estabelecemos um dialogo a partir dos docu- ments oficiais e outros balizadores da formagao docente, com én- fase no compromisso do professor pela aprendizagem significativa. Em seguida, discutimos a formagao do professor de lingua mater- na, considerando as abordagens propostas pelos PCN (BRASIL, 1998), no que diz respeito As concepgées de lingua e linguagem, postas como requisitos necessarios ao desenvolvimento da iden- tidade linguistica dos sujeitos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem da Educacao Basica. 2 Formagao de professores: documentos oficiais e curriculo As mudangas ocorridas no contexto mais amplo da socieda- de repercutiram de forma bastante intensa na educagao escolar e no trabalho do professor. Os novos modelos de organizacoes que surgiram das mudangas no mundo do trabalho, a intensificagao na produgao de novos conhecimentos, 0 acelerado desenvolvimento das novas tecnologias, a globalizacao trouxeram mudangas nao s6 no ambito econdmico, mas nas relacées sociais. Diante disso, é papel do Estado pensar e compreender a vida em sociedade e pro- por uma discussao sobre a nova forma de compreender a atua¢ao educativa e as novas fungdes do professor. A partir da Conferéncia Mundial de Educacao para Todos, realizada em Jontiem, Tailandia, em 1990, e da aprovacao da Lei de Diretrizes e Bases da Educa¢ao Nacional (Lei 9.394/96), a discussao ganhou notoriedade e a for- magao de professores passou a ser tema obrigatério nos debates educacionais, considerando os novos contornos pontuados por es- ses dois eventos, cujo objetivo era o redirecionamento das politicas educacionais, com prioridade sobre a Educacao Basica. Tornou-se consenso que s6 haveria mudangas e ressignificagao na Educa¢ao se houvesse forte investimento na defini¢ao de politicas piblicas que atendessem a demanda do desafio de formar bons professores. aterna 155 A formagie do professor dingy O principal objetivo para a formacao do professor passou a ser visto como o desenvolvimento de suas competéncias, de modo a permitir que no cumprimento de suas fungées ele possa demons- trar seguranga nos aspectos técnicos, sociais e politicos, assumin- do com autonomia as dimensoes de seu trabalho com o aluno. Nes- se sentido, entender a formagao de professores sob a perspectiva social é entendé-la e defendé-la como um direito e, desse modo, compée a carreira e a jornada de trabalho, que devem estar vin- culadas 4 remuneracao, elementos indispensaveis 4 formula¢ao e 4 implantacao de uma politica de valoriza¢ao profissional que, ao mesmo tempo, contemple as competéncias profissionais e a re- construcao da escola publica de qualidade. Uma politica de formagao profissional voltada para essa rea- lidade precisa ser discutida a partir da escola e voltar-se, de fato, para ela, atentando para as miltiplas dimensdes em sua formu- lagao e implementacao, o que construiria competéncias coletivas para redefinira intencionalidade da pratica educativa. Sobre esse aspecto, a LDB (BRASIL, 1997), Lei 9394/96, afirma que é impor- tante a consciéncia do professor quanto as suas incumbéncias, nao fazendo distingao entre qualquer modalidade ou nivel de en- sino, a saber: Art. 13, Os docentes incumbir-se-o de: | — participar da elaboragao da proposta pedagdgica do estabele- cimento de ensino; Il — elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pe- dagégica do estabelecimento de ensino; Ill — zelar pela aprendizagem dos alunos: IV— estabelecer estratégias de recuperagao para os alunos de me- nor rendimento; V — ministrar os dias letivos e horas estabelecidas, além de partici- par dos periodos dedicados ao planejamento, 8 avaliagdo e a0 desenvolvimento profissional; VI— colaborar com as atividades de articulagao da escola com as familias e a comunidade 156 segundo com astnguagen Corroborando esse pensamento, o Parecer de 2002 coloca 0 professor como sujeito da formagao de sua competéncia, sendo este ponto de especial importancia na orienta¢ao da formacao profissional: Atuar com profissionalismo exige do professor no s6 0 dominio dos conhecimentos especificos em torno dos quais deveré agir, mas também compreensdo das questdes envolvidas em seu trabalho, sua identificagao e resoluggo, autonomia para tomar decisdes, respon- sabilidades pelas opgées feitas. Requer ainda que o professor saiba avaliar criticamente a propria atuagdo e o contexto em que atua e que saiba, também, interagir cooperativamente com a comunidade profissional 2 que pertence e com a sociedade (BRASIL, 2002, p. 29) E importante destacar que a formacao dessas competéncias deve ser contemplada no Plano Politico Pedagégico da instituicao escolar, de modo a possibilitar uma reflexao que contribua, ao mes- mo tempo, para a superacao de limites e construcao de possibilida- des, fundamentadas em bases teéricas sélidas e epistemolégicas. Desse modo, estara sendo concebida a autonomia intelectual do professor, necessaria para o redimensionamento da sua pratica, na defesa da qualidade e da valorizacao de seu exercicio profissional. Sobre a valorizacao profissional, o Titulo VI, Art. 67, da LDB (BRASIL, 1997) estabelece: Os sistemas de ensino promoverdo a valorizagao dos profissionais da educacao, assegurando-lhes, inclusive nos termos dos estatutos e dos planos de carreira do magistério publico | — ingresso exclusivamente por concurso ptiblico de provas e titulos; Il — aperfeigoamento profissional continuado, inclusive com licen- ciamento periddico remunerado para esse fim; Ill — piso salarial profissional; IV— progressao funcional profissional baseada na titulagao ou habi- litacdo, e na avaliagdo do desempenho; Aormario d profesor delnguamaterma 157 V — perfodo reservado a estudos, planejamento e avaliagdo, inclut- do na carga horaria de trabalho, VI— condigdes adequadas de trabalho. Paragrafo Unico. A experiéncia docente é pré-requisito para 0 exerc{- cio profissional de quaisquer outras fungdes de magistério, nos ter- mos das normas de cada sistema de ensino Nesse sentido, é importante destacar que a formagao, 0 de- senvolvimento e a valorizacao dos profissionais da educagao estao articulados com as politicas educacionais. Entretanto ainda é per- ceptivel um descompasso entre a profissionaliza¢ao e a remunera- Gao. As exigéncias quanto a titula¢ao e os compromissos legalmente assegurados sao ponto de consenso entre os estados, mas nao 0 so quando se trata da remunera¢ao do trabalho, uma vez que a nossa é a categoria que recebe os mais baixos salarios, considerando a im- portancia de nosso compromisso coma construgao e ampliacao do conhecimento do pais, através da reflexao, analise e problematiza- Gao dos saberes e das solugdes criadas no fazer pedagégico. E consenso entre estudiosos do assunto (SANTIAGO, 2006; BATISTA NETO, 2006) o fato de que a legislacao é prédiga em dis- positivos que regulamentam a formacao do professor, entretanto, no mesmo ritmo se dao as incertezas com relagao a alguns aspec- tos considerados importantes para a efetivacao de politicas publi- cas que atendam em tempo real aos anseios da escola e dos profes- sores e assim possamos ter um espaco que contemple um curriculo com vistas autonomia e criticidade dos sujeitos envolvidos. Como afirma Santiago (2006, p. 75), “as discussdes tedricas reconhecem 0 crescimento, mas tecem criticas ao abstracionismo e ao distan- ciamento das praticas escolares. Isto é considera-se que ha uma menor atengao para o atendimento e a efetivacao das politicas do conhecimento na escola e na sala de aula”. Batista Neto (2006, p. 65) concorda com essa ideia ao desta- car que os ajustes em relacao ao que a legislacao tem determinado, e outras orientacdes em nivel federal, ainda nao foram incorpora- dos de forma unanime pelos estados e municipios, o que reafirma SB login comaslinguagens o descompasso entre o que predispée a lei, considerado relevante para garantir melhorias no processo de ensino e aprendizagem, e 0 que se efetivana pratica. Isso aponta para a urgéncia num processo de articulacdo mais eficaz entre Unido, estados e municipios, no sentido de assegurar uma politica de formacao de professores com objetivos claros e definidos quanto ao fazer docente e os propési- tos dele decorrentes. Para o autor, “nossa sociedade costuma valo- rizar as atividades que se profissionalizaram. E a profissionaliza- cao supée a defini¢ao do que é aquela profissao, do que a distingue de outra, portanto, do que faz um profissional”. Nessa perspectiva, é importante destacar que a competéncia docente, no quadro de um processo de desenvolvimento respon- savel e comprometido, é crucial para a melhoria na qualidade da educagao, considerando que este continua a ser 0 objetivo central a ser alcangado, seja em relacao 4 formagao de professores, seja no tocante aos niveis de formagao e informagao constituidos. Desse modo, “para que o conhecimento seja pertinente, a educagao de- vera torné-los pertinentes” (MORIN, 2007, p. 36) e aliar teoria e pratica poder indicar essa rela¢ao tao necessaria e almejada pela escola do século XXI. Considerando que os valores e interesses da sociedade se constituem na dinamica da sala de aula, torna-se preponderan- te pensar a formacao de professores na perspectiva de repensar a concepsao de curriculo com vistas ao empreendimento de uma pratica que atenda aos interesses da sociedade contemporanea, multidimensional. Dessa forma, nao se pode falar em formacao de professores e/ou no redimensionamento das praticas de sala de aula sem que antes nos debrucemos sobre as atuais politicas de discussao do curriculo, considerando que “o curriculo tem des- pertado, cada vez mais, 0 interesse como politica cultural e do conhecimento com repercussado nos estudos sobre a sala de aula” (SANTIAGO, 2006, p. 75). E a partir da definic¢ao de uma politica que contemple as es- pecificidades dos sujeitos implicados no processo de ensino-apren- dizagem e do contexto social que lhes é peculiar que a fungao so- Afermasi do professrdelinguamatersa 159 cial do sujeito professor, aquele que possivelmente ensina algo a alguém, e do sujeito aluno, entendido como “receptor’/transforma- dor das acdes que perpassam o espaco da sala de aula, (res)signi cama pratica e os conhecimentos adquiridos através das relacdes sociais estabelecidas. Nesse sentido, Morin (2007, p. 36) afirma: © conhecimento das informagdes ou dos dados isolados insufi- ciente. E preciso situar as informagées e os dados em seu contexto para que adquiram sentido. Para ter sentido, a palavra necesita do texto, que € 0 préprio contexto, e 0 texto necessita do contexto no qual se enuncia. Assim, 0 curriculo se constitui como um mecanismo através do qual o professor poder desenvolver praticas que rompam com a visdo sistematizada, escolarizada e assumam um novo paradig- ma com vistas 4 democratizagao, autonomia e criticidade. Nesse proceso, os sujeitos envolvidos sao motivados a participar, dis- cutir e questionar as praticas sociais e politicas, analisando seu contexto e percebendo sua importancia no processo de aquisi¢ao de novos saberes, Desse modo, assumirao atitudes de emancipa- Gao e libertacao e, assim, o professor possui responsabilidade, no sentido de atuar nesse processo, permitindo e instigando 0 sujeito- -aluno a participar e questionar, além de propor situacdes que o levem @ reflexao e se reconhe¢a como sujeito ativo, eminentemente dialégico e que, portanto, se constitui a partir das interacoes com o meio e com 0 outro. Na perspectiva freiriana, 0 didlogo se constitui elemento de centralidade nas relacdes tedrico-metodolégicas do curriculo e 0 desenvolvimento de praticas pedagégicas (SANTIAGO, 2006). Nes- sa abordagemesta a concepgao de curriculo com vistas a uma edu- cacao que exige que homens e mulheres estejam engajados na luta para alcangar a libertacao, que nao é algo simples, mas um proces- so incessante de conquista que se d4 na comunhao com os outros, que resulta de uma conscientizacao, onde os envolvidos compreen- dem a sua vocagao ontoldgica e histérica de ser mais. 160 sogando com astnguagens Ea negagao de uma “educacao bancaria” paraa adogao de uma “educacao problematizadora” que reafirma “o conhecimento como atitude de sujeitos, como ato de producao de sujeitos, como produ- ¢ao social com possibilidades emancipatérias” (SANTIAGO, 2006, p. 75). Para Freire (2005, p. 102), “numa visdo libertadora, [...] 0 seu contetido programitico ja nao involucra finalidades a serem impostas ao povo, mas, pelo contrario, porque parte e nasce dele, em didlogo com os educadores, reflete seus anseios e esperancas”. Nesse sentido, os saberes devem ser construidos dialogicamente como sujeito aprendiz a partir de sua visao de mundo, consideran- do os saberes preexistentes. Para tanto, é preciso problematizar a realidade concreta, desafiando o aluno a buscar respostas nao sé no nivel cognitivo, mas principalmente no nivel da a¢ao. A auséncia dessa problematizacao podera ter como conse- quéncia uma concepsao de curriculo estanque, voltada para“a anu- lagao do sujeito”, que nao se reconhece sujeito ativo no processo de ensino e aprendizagem e desatenta as relacdes dialdgicas necessa- rias as transformacées do contexto social. Sob essa perspectiva, 6 imprescindivel formar “professores preocupados com a situa¢ao atual da humanidade, atentos para que as relagdes humanas nao se deteriorem e, por isso, nao tenham como sustentaculo 0 arbitrio ou a fora” (FURLANETT0 et al. 2007, p. 21). E importante destacar que o curriculo nao deve estar mera- mente envolvido com a transmissao de fatos e conhecimentos ob- jetivos. Precisa ser entendido como um espaco onde ativamente se produzem, criam-se e recriam significados sociais, considerando que éa partir da definicao das propostas curriculares que se pode vislumbrar que escola temos e que escola desejamos construir, uma vez que essas propostas possibilitam que os sujeitos envol- vidos nesse processo efetivamente possam compreender as rela- goes sociais, culturais e histéricas que constituem a sua propria identidade e a identidade do meio social que os cercam. Sobre esse aspecto, Freire (2005, p. 93) destaca: A questo que se coloca na recriagdo da educacéo, na etapa de transigéo revolucionéria, nao é s6 apresentar aos educandos os a 161 A formagio do professor de lingua contetidos programaticos de uma forma competente, mas, compe- tentemente também, refazer esses contetidos com a participacao das classes populares, superando-se igualmente o autoritarismo no ato de ‘entregar’ os contetidos ao educando. Nesse contexto, 0 conhecimento produzido sera capaz de con- tribuir paraa constru¢ao da hegemonia popular, pois 0 ato educa- tivo permitiré a identificaao de contradicées e alternativas paraa transformagao da realidade social. Sendo assim, reconhecer a im- portancia da pratica dialégica para a construcao do contetido da agao educativa possibilita diferentes maneiras de formular e orga- nizar o curriculo numa perspectiva libertadora que tem por base a curiosidade, a autonomia, a criticidade, a praxis ea emancipacao. 3 A formacao do professor de lingua materna: desafios e perspectivas Entendemos que a formacao do professor 6 um processo evolutivo de construgao de saberes teérico-metodolégicos que se coadunam mutuamente. Eles devem ser realizados nos cursos de licenciatura e se estenderem As formagoes continuadas. Entretan- to, no cenario atual, é possivel vislumbrar um descompasso entre as propostas de construcao de sujeitos criticos e a formacao ainda fundamentada em conceitos rigidos que nao primam pelo processo interacional como uma das vias de acesso 4 aprendizagem e auto- nomia dos sujeitos envolvidos. Especificamente nas aulas de lingua materna, nao é dificil perceber praticas pautadas numa concepgao de linguagem como estrutura e/ou exteriorizacéo do pensamento para justificar um fazer pedagégico com vistas 4 sistematizacao de regras, apesar dos Parametros Curriculares Nacionais de lingua portuguesa pon- tuarem que “as situagdes didaticas tam como objetivo levar os alu- nos a pensar sobre a linguagem para poder compreendé-la e uti- liza-la apropriadamente as situacdes e aos propésitos definidos” (BRASIL, 1998, p. 19). Como consequéncia dessa pratica sistemati- 162 __sogando com as inguagens zada, pode-se relacionar o insucesso da competéncia linguistica e social dos alunos. Se a sala de aula funciona como o laboratério do professor, ele precisa ter conhecimentos teéricos e praticos para assumir seu papel nesse processo. Quando tratamos da formacao do professor e da concepcao de curriculo, focalizamos os desafios enfrentados por esse profis- sional em atender 4s demandas da sociedade contemporanea, no que diz respeito ao processo de ensino e aprendizagem com vistas A construgao de cidadaos emancipados, criticos, em consonancia aos aspectos que devem ser atribuidos as praticas de sala de aula. Assim, considerando-se que o ensino de lingua portuguesa tem sido objeto de discussao entre especialistas e outros profissionais preocupados em atribuir um novo sentido as praticas de sala de aula, compreendemos a real necessidade de um redirecionamento da pratica e um melhor encaminhamento do fazer docente nas au- las lingua materna. Nessa perspectiva, é papel do professor de lingua materna, conforme prescricao legal, primar pela sua formagao no sentido de se atualizar e de priorizar o desenvolvimento da competéncia discursiva dos usuarios da lingua, concebendo a linguagem como uma forma de interagao e 0 texto como um indicador de sentido completo para essas interacdes (TRAVAGLIA, 2009). Essa atitude revela uma ampla dimensao em que o funcionamento discursivo dos elementos da lingua chega a aportar na prépria necessidade comunicativa revelada nos usos sociais da lingua(gem). E importante destacar que esse redimensionamento s6 sera possivel a partir de uma concepgao de curriculo que dé primazia a uma compreensao de linguagem como processo interativo, em que os sentidos sao construidos a partir das relagdes dialégicas esta- belecidas com os interlocutores e o meio social, no qual os sujeitos esto inseridos. Sobre essa concepco, Bakhtin/Volochinov (2004, p. 123) afirmam: Averdadeira subst4ncia da lingua nao é constituida por um sistema abstrato de formas linguisticas, nem pela enunciagéo monoldgica Aormagio do professor detnguamaterna 163 isolada, nem pelo ato psicofisiolégico de sua produgdo, mas pelo fendmeno social da interago verbal, realizada pela enunciagao ou pelas enunciagées. A interagdo verbal constitui assim a realidade fundamental da lingua. Considerando 0 exposto, é importante destacar a relevancia da formacao do professor de lingua materna no sentido de instru- mentalizar o sujeito aprendiz no processo de ensino e aprendiza- gem para que ele possa ampliar 0 dominio ativo do discurso e as possibilidades de participacao social no exercicio da cidadania. E preciso que o professor tenha bem definido em sua formagao que 0 homem é um ser sociavel e, por esta razao, precisa estabelecer re- lagées com os outros ecomo meio em que est inserido através dos usos da linguagem oral ou escrita. Bakhtin (2000) considera que 0 homem fora de suas interagdes sociais nao tem existéncia alguma: necessita estabelecer relacdes com os outros para ser reconhecido como um ser histérico e social. Nesse sentido, torna-se fator preponderante considerar que essas aces sé se efetivam a partir de vivénciase usos da linguagem oral e escrita. Dai a importancia das praticas orais serem enfatiza- das.a partir do estabelecimento de situacées que favorecam aos su- jeitos aprendizes a condi¢ao de ampliar seus conhecimentos sobre a lingua, compreendendo seu funcionamento e usando-a de forma eficiente. Sobre essa questao, Kleiman (1992, p.3) propoea existén- cia das praticas de letramento, oriundas da intimidade dos falantes com os usos, fungées e organizacao da escrita, que irdo refletir na oralidade desses sujeitos, em que seriam aplicadas “as estratégias discursivas do falante para se referir a objetos e eventos nao dire- tamente acessiveis através dos sentidos e para organizar a sua fala’. Ainda sobre esse aspecto, os Parametros Curriculares Nacio- nais de Lingua Portuguesa (BRASIL, 1998, p. 22) destacam: O objetivo de ensino e, portanto, de aprendizagem é 0 conhecimento linguistico e discursive com o qual o sujeito opera ao participar das praticas soclais mediadas pela linguagem. Organizar situagdes de 164 sogando com astnguagens aprendizado, nessa perspectiva, supée planejar situagdes de inte- ragdo nas quais esses conhecimentos sejam construidos e/ou tema- tizados; organizar atividades que procurem na sala de aula situa- gOes de outros espagos que nao o escolar; [...] saber que a escola um espago de interagao social onde prticas sociais de linguagem acontecem e se circunstanciam, assumindo caracteristicas bastante especificas em fungao de sua funcionalidade: o ensino Desse modo, cabe aos cursos de formacao de professores de lingua criar condigées para formar, preparar, socializar a cultura e instrumentalizar mecanismos que viabilizem a execucao de ativi- dades democraticas de acesso aos bens culturais e procedimentos deacao, reflexao e compreensao linguistica dos sujeitos implicados no processo de ensino e aprendizagem. A luz dessa perspectiva, é pertinente ressaltar que a lingua nao se esgota na compreensao de sua estrutura, mas remete a exterioridade, e assim “nao deve ser tomada como um sistema fechado e imutavel, mas como um pro- cesso dinamico de intera¢ao, em que interlocutores atuam discur- sivamente sobre 0 outro” (PARAIBA, 2006, p. 22). E imprescindivel dar énfase especial ao trabalho com os géne- ros orais, uma vez que eles sdo responsaveis por inimeros proces- sos de constitui¢ao que nado aparecem na lingua escrita. 0 professor de lingua materna precisa se ocupar de situag6es que permitam ao aluno vivéncias mais realistas. As praticas sociais vinculadas 4 lei- tura e 0 acesso As diferentes modalidades linguisticas e aos usos que se faz delas devem ser experenciados pelos alunos na escola. E preciso construir para si uma identidade prépria que alie teoria e pratica, numa constante “a¢do-reflexao-a¢ao” (BRASIL, 1998) so- bre o objeto a ser aprendido e apreendido. Nao se pode conceber a ideia de qualidade de ensino de lingua materna se nao houver conhecimento econstante reflexao sobre as concepgées de lingua, linguagem e objetivos de ensino. De acordo com os PCN (BRASIL, 1998, p. 22): Ao professor cabe planejar, implementar e dirigir as atividades dida- ticas, com o objetivo de desencadear, apolar e orientar o esforgo de Aormario do professor detinguamaterna 165, ago e reflexdo do aluno, procurando garantir aprendizagem efetiva Cabe também assumir 0 papel de informante e de interlocutor pri- vilegiado, que tematiza aspectos prioritarios em fungao das necessi- dades dos alunos e de suas possibilidades de aprendizagem Desse modo, é importante que o professor de lingua materna seja sensivel 4 promogao de situagdes que propiciem aos sujeitos aprendizes a construgao de seus préprios saberes linguisticos, conhecendo na pratica a investiga¢ao e teorizacao sobre os fatos da lingua(gem) em movimento, uma vez que “[...] a maneira como o professor concebe a natureza fundamental da lingua altera em muito como se estrutura o trabalho com a lingua/linguagem em termos de ensino” (TRAVAGLIA, 2009, p. 21). Leite (2007, p. 1) corrobora essa ideia ao afirmar que “nenhu- ma técnica sera eficiente, se, entre aluno e professor, nao houver adequado entrosamento linguistico, a partir do qual a interacao entre as partes se realiza”. E preciso que aluno e professor domi- nem a mesma concep¢ao de linguagem e, desse modo, os saberes linguisticos se deem de forma harmoniosa. Esse paradigma supde que o professor seja preparado para as mudangas propostas e que as compreenda, critica e teoricamente. Entretanto, fazendo-se uma revisao na literatura sobre o desen- volvimento de projetos de pesquisa calcados na formagao docente ena pratica de ensino de lingua materna, constata-se que, seja pela auséncia do contetido na formagao inicial, seja pela qualidade dos cursos de formagao continuada e dos materiais usados para tal fim, ainda nao se implementou um processo formativo suficiente para o ensino na perspectiva discursiva, em que se fundamenta o traba- Tho com os géneros text uais com vistasao processo interacional da linguagem, o que impossibilita o professor de refletir sobre 0 seu fazer docente e as praticas sociais da linguagem. Sob esse entendimento, constitui-se matéria urgente que os cursos de formagao inicial e continuada, assegurados pela legisla- ¢4o, propiciem subsidios que instrumentalizem o professor de modo que ele possa refletir, em exercicio, sobre sua pratica, auxiliando 0 166 sogando com astnguagens sujeito aprendiz na construgao de saberes quanto ao efetivo uso da linguagem, suscitando abordagens diversas para que ele possa per- ceber quea lingua é a pratica mais significativa da vida em socieda- de. Ensinar implica refletir em prol da resolu¢ao de problemas, na tomada de decisdes e no agir/reagir em situacdes diversas. Diante disso, evidenciamos que a formacao continuada do professor de lingua devera funcionar como um mecanismo para in- terpretar a experiéncia a partir de uma pratica social constituida de significados e, sobretudo, devera dar primazia a estratégias que contemplem as lacunas deixadas pelos cursos de formacao inicial que sao direcionados aos professores de lingua materna, ressal- tando a dimensao sécio-histérica dos estudos da linguagem para, desse modo, possibilitar a percepcao de que os saberes propostos pela escola nao sao saberes estanques, mas saberes necessarios constituicao dos sujeitos fora do espaco escolar. 4 Consideragées finais Considerando as abordagens apresentadas, percebe-se que a lei é proficua quanto a elabora¢ao de documentos que regulamen- tama formacao de professores, entretanto um longo espaco de dis- cussao, reflexo e (res) significacao da pratica docente ainda preci- sa ser construido, no sentido de viabilizar uma pratica pautada nos usos sociais dos saberes instituidos. A partir dos estudos e pesquisas realizadas, fica clara a ideia de que 0 ato reflexivo no processo de formagao e no fazer pedagdgi- co constitui raz4o fundamental para a producao de conhecimento e transformagao do contexto escolar. De acordo com Freire (1996, p.39): [..]na formagao permanente dos professores, o momento fundamen- tal € 0 da reflexdo critica sobre a pratica. E pensando criticamente a pratica de hoje ou de ontem que se pode melhorar a proxima pratica O préprio discurso teérico, necessario & reflexdo critica, tem de ser de tal modo concreto que quase se confunda com a pratica Desse modo, uma politica de formagao com vistas 4 motivagao das responsabilidades e compromissos dos sujeitos envolvidos no Aormario do profesor detinguamatersa 167 processo de ensino e aprendizagem constitui matéria preponderante paraa efetivacao de uma escola pautada na autonomia e na criticidade. 0 pouco espaco dedicado as discussdes sobre curriculo pode ser um indicativo de que nao se pode pensar em transformagao dos sujeitos se nao se sabe ao certo que escola queremos e, principal- mente, que sujeitos pretendemos formar nesse espa¢o, consideran- do que “o espaco pedagégico é um texto para ser constantemente lido, interpretado, escrito e reescrito” (FREIRE, 1996, p. 97). Nesse sentido, sera indispensavel revisitar os documentos oficiais para estabelecer um constante didlogo entre teoria e pra- tica, haja vista que esse processo de ressignificacao precisa ser construfdo a partir de um comprometimento fundamentado na reflexao, compreensao e reformulacao da pratica docente. Entre- tanto, para que essas acdes se efetivem, sera necessario que 0 pro- fessor assuma uma postura de comprometimento com o seu fazer pedagégico, internalizando a ideia de que também é responsvel por sua formacao e, principalmente, que as politicas de forma¢ao de professores passem a se configurar, de fato, como mecanismos de garantia de formagao e valorizacao do fazer docente. Diante da amplitude e diversidade de temas e enfoques ares- peito da pesquisa sobre formacao de professores, reabrimos esse debate, sem a pretensao de esgotar 0 assunto, mas considerando sua importancia paraa reflexao quanto a ressignifica¢ao dos senti- dos atribuidos a profissionalizacao docente eas praticas pedagégi- cas vigentes na Educacao Basica. REFERENCIAS BAKHTIN, Mikhail (Volochinov). Marxismo e filosofia da linguagem. 11. ed. Sao Paulo: Edi- tora Hucitec, 2004, . Estética da criagdo verbal. Sao Paulo: Martins Fontes, 2000. BATISTA NETO, José; SANTIAGO, Bliete (org.). Formagdo de professores e priitica pedagd- ¢gica. Recife: Fandagao Joaquim Nabuco, Ed. Massangana, 2006. BRASIL. Lei n? 9394/96, LDB: lei de diretrizes e bases da educacao nacional. Brasilia: Sub Secretaria de Edigées técnicas, 1997. . Partimetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: lingua portuguesa. Brasilia, MEC/ SEF, 1998. 16B sogardo-com aslinguagens __ Parecer 2002. 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