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ENTREVISTA

Timothy Snyder: “A Internet se sai bem


manipulando as pessoas”
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Stefan Fuertbauer

Juan Cruz Periodista


22 OUT 2018 - 20:32 BRST
Há poucas vozes mais autorizadas a falar da Europa Central e Oriental do que a de Timothy Snyder.
Em seu novo livro, este professor de 49 anos, de Yale, faz um retrato devastador dos presidentes dos
Estados Unidos e da Rússia. Snyder diz que Donald Trump e Vladimir Putin estão absolutamente
preocupados com a sua riqueza pessoal e a de seu círculo mais próximo. E ambos encontraram uma
maneira de preservar isso: a manipulação das emoções por meio da Internet.
Object 1

TIMOTHY SNYDER nasceu em Ohio, Estados Unidos, e é um Quixote de 49 anos que luta para
resgatar a verdade para a política e o jornalismo, manipulados pela Internet e pelos Governos mais
poderosos do mundo. Professor catedrático em Yale, dá cursos e faz pesquisas em Viena, e é um
especialista na história da Europa (como seu amigo Tony Judt).

Object 2

Autor de Sobre a Tirania: Vinte Lições do Século XX para o Presente (Companhia das Letras), um
manifesto em que alerta contra as fake news que levaram Donald Trump à presidência de seu país,
agora publica na Espanha The Road to Unfreedom: Russia, Europe, America (O caminho para a
não-liberdade: Rússia, Europa, Estados Unidos), em que junta os dois demônios contemporâneos
que combate com mais afinco, o já mencionado Trump e o presidente russo, Vladimir Putin.
Este último é retratado como o sátrapa que, cavalgando a mentira, invadiu a Ucrânia para se
apropriar dela, fingindo que a invasão que ele mesmo planejou estava sendo protagonizada por
ucranianos. Como o próprio Snyder, este último livro é minucioso e está cheio de dados que não
admitem controvérsia.
Snyder é um intelectual tímido que acha difícil posar para fotos. Quando chegava para a entrevista,
tinha acabado de levar à escola seu filho de oito anos. Na primeira linha deste novo livro, aquele
menino acabara de nascer. E é por aí que começamos a conversa.
“Quando os jornalistas se vão, sobretudo os locais, cria-se uma oportunidade para que as
autoridades governem com base na desconfiança”
Você não volta a mencionar seu filho novamente no livro, mas parece que escreve suas obras
para que aqueles que agora são garotos não sejam enganados no futuro ...
Comecei com aquela cena do nascimento do meu filho sob uma sensação de choque: eu estava
começando uma nova vida, mas as pessoas que eu conhecia estavam morrendo. Foi por volta de
2010, houve muitas coisas que mudaram de uma forma muito crucial: houve a crise financeira, a
Internet se converteu nas redes sociais. A história é uma continuação de coisas que já aconteceram.
Então é assim que tem de ser entendida. Para explicar a história, você também precisa saber o que
acontece com você no momento em que escreve.
Terras de Sangue: a Europa entre Hitler e Stalin [Editora Record] trata dos assassinatos em
massa do século XX. E neste século a invasão da Ucrânia é um prolongamento daquelas
barbaridades ... Diz Mary McMillan, a historiadora, que você avisa porque conhece a
história...

Stefan Fuertbauer
É verdade, meus livros conversam entre si. Terras de Sangue mostra que esses massacres eram
ainda piores, que houve mais políticas de matanças do que nos lembramos. Eles não aconteceram
em virtude da existência de misteriosas máquinas industriais. Aconteceram porque pessoas mataram
outras pessoas. O que observo em Sobre a Tirania e agora em The Road to Unfreedom é que tudo
foi possível com indivíduos como nós. E a esse respeito a Ucrânia é um importante ponto de
conexão entre o século XX e o século XXI. Para saber o que aconteceu no século XX, temos de ir
para a Ucrânia. Ali ocorreu o grande crime de Stalin, e é um território com o qual Hitler se
importava muito. A Ucrânia está no coração das razões pelas quais a Segunda Guerra Mundial foi
travada. Muitas das coisas que compreendi quanto à verdade e a Internet ao escrever Sobre a
Tirania eu aprendi graças à Ucrânia. E aqui, em The Road to Unfreedom, eu as documento. Em
2010, já aconteceram com Putin na Ucrânia as coisas que se passaram com Trump em 2016, a
Internet já havia sido usada para enganar. E porque não compreendemos isso na primeira vez,
fomos vítimas disso pela segunda vez.
Aqui você insiste em que as vítimas têm nome próprio.
A história trabalha sobre estruturas que temos de explicar para entender como são possíveis os
assassinatos em massa. Mas sempre trata de indivíduos. Portanto, sobre a moralidade. A história nos
ajuda a diagnosticar problemas e nos lembra que cada vítima é um indivíduo. As fotos e o cinema
nos abalam, mas depois nos anestesiam, vemos massas. Os assassinatos ocorrem com pessoas que
tiveram uma vida e deixaram de tê-la.
Em seus livros você trata de conceitos que se repetem hoje: extermínio, eliminação,
perseguição, expulsão...
“Uma das formas mais fáceis de manipular as pessoas é dividir o mundo entre eles e nós. O
fascismo se fundamenta nessa dualidade”
A história do mundo moderno é uma história de imperialismo. E o imperialismo está relacionado
com esses conceitos. A história do meu país, como a do seu, é cheia de crônicas como essa. Meus
livros são sobre o que acontece quando o imperialismo ou o colonialismo retornam à própria
Europa. A coisa estranha sobre Hitler foi que ele viu outras partes da Europa como um território
colonial. Ele vê a Ucrânia como a África, e diz isso desse jeito. E depois Stalin diz: ao contrário da
Inglaterra ou da França, eu não tenho um império marítimo, então devo tratar meu próprio território
como um território colonial. Então, dois dos meus livros, Terras de Sangue e Terra Negra: o
Holocausto como História e Advertência [Companhia das Letras] são histórias imperiais da Europa.
Formas imperiais de pensar e tratar os seres humanos retornam à Europa e causam massacres
maciços muito rapidamente, porque o continente é muito povoado, e os alemães e os soviéticos
estão indo atrás dos mesmos pedaços de território. A guerra russo-ucraniana de 2014 foi um pouco
assim: um país muito grande, com um exército muito grande, ataca um país muito pequeno num
momento de fraqueza.
Nos livros anteriores você fala do passado. Cruel, violento. Cruel foi Hitler, foi Stalin, agora é
Putin. A quantidade de baixas é diferente, mas a fúria cruel se parece.
A capacidade humana para a crueldade é uma característica que se mantém ao longo do tempo. E
também se mantém a capacidade das pessoas de acreditarem que a crueldade serve a um bem maior.
É grande a habilidade de alguns desfrutarem da crueldade e de não denunciá-la nem criticá-la, e
neste item está o presidente dos Estados Unidos, que é uma pessoa muito cruel que se compraz com
a malícia por si mesma. Ele se compraz enganando os próprios seguidores, como um prazer em si
mesmo, não lhe serve para nada superior. A dor em si é o objetivo. Podemos olhar humildemente
para o passado para aprender com ele. Ou podemos escolher mentir sobre o passado. É o que Putin
faz. E ele sabe que está mentindo.
Sobre sua própria história.
Sim, sobre os crimes soviéticos. Aquilo que ele acreditava que deveria ser dito, agora decidiu que
não pode nem ser citado porque é um crime fazer isso. A política externa russa segue essa linha. Por
outro lado, assim como aconteceu com Hitler e Stalin, que desprezavam fronteiras e Estados, Putin
se apropriou da Ucrânia. Usando razões étnicas, como seus predecessores.
Trump ressuscita o supremacismo branco, levanta muros. Putin ressuscita um filósofo adepto
de Hitler. Invade a Ucrânia. Vão juntos na utilização das notícias falsas. É uma grande
coalizão, como as do passado de guerra na Europa.
É verdade. E é muito importante lembrar que, em sua época, o fascismo teve um desdobramento
internacional. Uns aprenderam com os outros. Nós tendemos a lembrar apenas a Alemanha e pensar
nos nazistas como o único inimigo. Mas não foram só os alemães que tentaram invadir a URSS,
mas também voluntários italianos, espanhóis e romenos ... Hoje acontece algo semelhante, sim. O
que está acontecendo na Hungria, na Polônia, nos Estados Unidos, na Rússia, na Itália, na Suécia ...
ameaça nessa direção. Não há apenas semelhanças, há relações. E essas relações são permitidas pela
Internet acima de todas as coisas. A Internet acabou se revelando um instrumento muito mais de
direita do que de esquerda, até agora pelo menos. Mas uma coisa que é diferente e especial,
sobretudo se olharmos para os senhores Putin e Trump, é que esse tipo de política de direita tem a
ver totalmente com a riqueza. Qualquer que seja a opinião que se tenha sobre Mussolini ou Hitler,
eles realmente não se importavam muito com a riqueza pessoal, enquanto Putin está obsessivamente
preocupado com a riqueza pessoal, a sua própria e a de seus colaboradores e parentes imediatos. E
Trump também é obcecado com a riqueza das pessoas que carregam seu sobrenome. Como se
governa a Rússia? Alguns homens que controlam a maioria dos recursos também controlam a
televisão e, dessa forma, podem controlar uma realidade alternativa muito eficaz. Como Trump é
eleito? Aqueles poucos homens russos que controlam a riqueza usam um pouquinho dessa riqueza
para influenciar o fluxo de informações dentro dos Estados Unidos. E fazem isso, infelizmente, com
muito sucesso.
Juntam-se para manipular, portanto.
Robert Mercer e Steve Bannon e a empresa Cambridge Analytica usam a riqueza de uma pessoa
para entrar na Internet e tentar influenciar as emoções e fazer com que alguns votem ou não,
dependendo dos interesses. É uma espécie de casamento entre a riqueza extrema e o desejo de
preservá-la através da manipulação de emoções na Internet, com notícias falsas ou outras coisas.
Uma das maneiras mais fáceis de manipular as pessoas, de mantê-las longe dos dados, é dividir o
mundo entre eles e nós. E nisso a Internet é fenomenal: clique neste endereço e você se sentirá
maravilhosamente bem. Isso, claro, nos leva de volta ao fascismo, que é baseado nessa ideia de eles
e nós.
Em Sobre a Tirania você alerta para o perigo que o jornalismo corre. Por que querem matar o
jornalismo?
Nós tendemos a pensar que enquanto dizemos algo no rádio, na televisão ou nos jornais, há
liberdade de expressão e, portanto, democracia. Mas isso não é verdade. O que Putin e Trump
entendem é que você pode preencher o espaço da informação inteiramente com coisas que não são
verdadeiras. Assim, pode parecer que está ocorrendo uma conversa porque alguém diz algo
diferente do que o outro diz. Essa conversa pode estar cheia de ar ruim: o ar bom são os fatos, e é
isso que o bom jornalista tem que buscar. É evidente que é mais fácil encher o ar com falsas
verdades. Putin e Trump têm medo dos jornalistas e os odeiam porque eles compreendem algo que
nós também temos que entender: que os fatos são o que temos de contar para sermos livres. Se não
contarmos os fatos, se não acreditarmos neles, somos apenas vítimas do lixo que houver por aí e nos
agradar mais.
Por que se preocupa tanto com o jornalismo?
Venho do interior, havia ali jornais locais competindo. Isso não existe mais. Quando a notícia local
morre, a democracia morre. Nesse sentido também é útil observar a Rússia. Ali as notícias locais
morrem antes que em outros países. Quando as notícias locais morrem, as pessoas começam a falar
sobre "a mídia", e quando as pessoas falam assim, as coisas saem do controle, porque ninguém
confia na "mídia". Por que, sentado em Nebraska, tenho que confiar em um repórter de Los Angeles
ou Nova York que nunca vem a Nebraska? Então, não confio. A Rússia nos ensina o que acontece
em seguida: as pessoas desconfiam do que a mídia diz a elas, então as autoridades as fazem
desconfiar de todo o mundo ao mesmo tempo. E é isso o que Trump faz, levar as pessoas à
desconfiança geral. E ele diz: desconfie da mídia, odeiem os repórteres, confie nos sentimentos. E
então ele revela quais são os seus sentimentos: medo, ódio, arrogância. Parte da razão pela qual
acho que os repórteres são tão importantes é porque vejo o que acontece quando desaparecem.
Quando os jornalistas saem, especialmente os locais, cria-se uma oportunidade para os autoritários
governarem com base na desconfiança. Graças aos repórteres, sabemos sobre a guerra global, sobre
a desigualdade global. Para combater a desigualdade global, nada melhor do que o jornalismo em
primeira mão.
Você diz em seu último livro que quando as coisas se rompem, virtudes que estavam perdidas
reaparecem...
Em The Road to Unfreedom achei necessário escrever sobre ética. Mostrar que herdamos
instituições como jornalismo ou a cooperação europeia, instituições que nos ajudam a ser mais
decentes. E quando essas instituições são desafiadas, a penumbra ética se torna mais clara, pelo
menos por um momento, antes de desaparecer por completo. As instituições que mencionei devem
permanecer, mas precisamos criar novas.
Na Europa agora há duas ameaças, o Brexit e o que acontece com a Catalunha, como você vê
isso?
Primeiro, um princípio geral: você não pode forçar as pessoas a ficarem juntas quando não querem.
Eu entendo. Outra coisa: o que aprendemos com a Segunda Guerra Mundial é que essa coisa que
chamamos de Estado-nação europeu é em grande parte inexistente, e quando existiu de fato
desmoronou e terminou em nada: Polônia, Checoslováquia, Estônia, Lituânia ... Há uma história de
impérios e da Europa ... E a função da Europa é ajudar os Estados. Onde as pessoas podem se
enganar muito, e eu falo agora do Reino Unido, é em não compreender que a Europa te ajuda a ser
um Estado. Esse é o grande erro. Quase ninguém no Reino Unido reconhece isso. E o risco aí é que,
quando as coisas desmoronam, elas continuam a desmoronar. Não é só o fato de o Reino Unido
abandonar a Europa, é que o Reino Unido deixa de existir e até a Inglaterra deixa de parecer com a
Inglaterra que as pessoas esperam que seja. É diferente quando enfrentamos a Rússia, os Estados
Unidos e a China sozinhos do que quando se é ajudado pela Europa na ideia de uma globalização
prazerosa que ela tornou possível.
E quanto à Catalunha?
Não sei o suficiente para ter uma posição clara. Acho que algo muito importante sobre o
separatismo agora, seja ele escocês ou catalão, é garantir que a discussão não esteja sob o controle
de fatores externos. Se os russos estão interessados na Catalunha, como estão interessados na
Escócia, como estão interessados em qualquer coisa que enfraqueça a Espanha ou a Europa em
geral, isso não significa que os catalães não tenham o direito de decidir por si mesmos. Mas quando
se trata de decidir, as pessoas devem estar cientes de que não há para onde ir, exceto para um lugar
maior. Ou você vai para o mundo onde estão a Rússia, os Estados Unidos e a China e a
globalização, ou você vai para a Europa. É impossível estar sozinho, isso é um sonho. Não quero
falar da Catalunha porque não moro lá, não sinto que compreendo a história, mas minha ideia geral
é que, se você sair de algum lugar, tem que saber para onde vai, porque senão alguém vai acabar
dizendo aonde você vai parar.
Recorre a Eliot e Orwell para falar das sombras do século XX. Este é também tempo de
sombras…
É por isso que os fatos são necessários, a verdade. Governar das sombras é dizer às pessoas o que
elas querem ouvir, mantê-las em um determinado lugar emocional. Enquanto a busca da verdade
amplia e aprofunda, porque a descoberta é surpreendente. E essa capacidade de ser surpreendidos
nos torna melhores cidadãos.

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