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SEMINÁRIO PRESBITERIANO DO SUL

FLÁVIO CARDOSO DE PÁDUA

RESENHA: A BÍBLIA E SEUS INTÉRPRETES: CAPÍTULO 11


(ESCOLÁSTICOS E PURITANOS) E CAPÍTULO 12 (A
INTERPRETAÇÃO DAS ESCRITURAS NA MODERNIDADE) –
AUGUSTUS NICODEMUS LOPES

Campinas
2022
No capítulo onze, Lopes tenta mostrar que o escolasticismo não foi todo negativo
para a hermenêutica bíblica. A princípio, o autor mostra que o teólogo Frederic Farrar
critica toda exegese feita antes do surgimento do método histórico-crítico. Então resume
quatro pontos desse pensamento: reintrodução do escolasticismo cristão da Idade Média
(promove o confessionalismo e sobrenaturalismo – até mesmo a vocalização hebraica é
inspirada); exegese controlada pela dogmática (o lado humano da Palavra foi minimizado
e apontou limites para a investigação bíblica); muitas e diferentes interpretações no meio
protestante (devido à rejeição da interpretação Romana); Bíblia como “papa de papel”
(por ela ser intérprete de si mesma – pensamento combatido com a ideia de que a Palavra
é autoridade por ser Escritura do Espírito, diferente do papa humano, portanto, falível).
De acordo com Lopes, as controvérsias entre os protestantes (devido ao livre
exame das Escrituras) fizeram com que houvesse grande sistematização do ensino bíblico,
além do surgimento de confissões e tratados teológicos. Então, se aproveitando desses
conflitos, os jesuítas foram ganhando “terreno” após a contrarreforma. Mas foi graças a
sistematização da doutrina cristã que o protestantismo sobreviveu. O objetivo era
sintetizar e harmonizar o estudo para poder ensiná-lo. Como exemplo prático, Lutero
elabora um catecismo para jovens que andavam na imoralidade (aplicado nas escolas e
nos lares).
O autor afirma que os puritanos tiveram grande influência na hermenêutica cristã.
Produziram várias obras literárias de grande valor (incluindo a Confissão de Fé de
Westminster – última confissão reformada). Os puritanos, assim chamados pelos seus
inimigos (pelo fato de buscarem um ideal de pureza), queriam sair de uma vez por todas
do romanismo católico. Então, Lopes destaca alguns pontos importantes da interpretação
puritana.
O primeiro ponto é o alto apreço pelas Escrituras. Dando continuidade à tradição
reformada, eles mantinham a Palavra como sendo divina, possuindo autoridade e
centralidade na vida da igreja e do cristão. O segundo ponto é a interpretação da Escritura
com a própria Escritura. Eles sempre entendiam uma passagem das Escrituras à luz de
outra passagem que falasse do mesmo assunto. O terceiro ponto é a predominância do
sentido literal. Focavam na compreensão do texto no sentido original, para extrair
doutrinas que pudessem ser aplicadas aos leitores atuais (mas não ignoravam as alegorias
e os sentidos figurados da Bíblia). O quarto ponto afirma que a Bíblia é sobre Cristo.
Jesus é o tema central das Escrituras. Segundo Isaac Ambrose: Ele é a verdade e a
substância de todos os tipos e símbolos do AT; Ele é a substância e o conteúdo do pacto
da graça; Ele é o centro e o ponto de encontro de todas as promessas; Todos os
sacramentos e genealogias do AT e NT apontam para Ele; As cronologias da Escritura
nos mostram as épocas e tempos dEle; As leis do AT servem como aio (pedagogo) para
nos levar a Ele; Cristo, portanto, é a própria substância, centro, escopo e alma das
Escrituras. O quinto ponto é a necessidade de conversão e iluminação do Espírito Santo.
Para os puritanos, sem conversão a Cristo, é até possível que alguém interprete
corretamente as Escrituras, mas, esse, não pode ser iluminado pela Palavra. O sexto ponto
é a intenção autoral. Para eles, o sentido da passagem é o sentido literal, natural e óbvio
(intenção do autor) e não há vários sentidos num único texto. O sétimo ponto é o desejo
de aplicar as Escrituras. Eles tinham preocupações quanto as questões pastorais e práticas
(aplicação da Palavra) para passar ao povo. O oitavo ponto mostra alguns problemas com
a interpretação puritana. Mesmo que todos sempre utilizassem a hermenêutica dos
reformadores, ainda havia divergências entre eles em assuntos polêmicos. O nono ponto
é o controle da exegese pela dogmática. Não se devia permitir que a exegese fosse
controlada por um aspecto teológico dominante (exemplo: assassinar hereges tomando
como base o AT). Por fim, o décimo ponto fala sobre inconsistência. Para eles, era um
erro ser inconsistente com o método gramático-histórico.
Segundo o autor, essa interpretação puritana influenciou muito a hermenêutica
cristã ao longo dos anos. O próprio Spurgeon advertiu seus estudantes de teologia contra
os métodos alegóricos de sua época (método histórico-crítico: oposto ao método
gramático-histórico).
Por fim, Lopes conclui que Calvino impactou diretamente (e positivamente) na
hermenêutica escolástica puritana. Além disso, ele destaca algumas lições dessa
experiência hermenêutica da Pós-Reforma. A primeira delas é que a ênfase da pureza da
igreja deveria ter sua base nas Escrituras. A segunda delas é que a Igreja deveria retornar
à doutrina de Sola Scriptura. A terceira e última, é que somente a iluminação do Espírito
na leitura não garantiria a mesma compreensão em assuntos secundários à fé. Portanto, é
necessário entender e se apegar ao que é fundamental e ser tolerante quanto aos pontos
secundários.
Já no capítulo doze, o autor destaca como o iluminismo foi uma revolta contra a
religião institucionalizada (e a religião em si). O iluminismo tinha duas grandes
pressuposições: racionalismo e empirismo (ambos deixavam Deus de lado quanto ao
conhecimento humano). Esse movimento causou grande impacto (negativo) na
hermenêutica bíblica, devido alguns desses filósofos, que não eram ateus, distorcer a
visão sobre Deus. Na fusão do racionalismo e as verdades da fé cristã, criaram o deísmo,
que é uma fé na existência de Deus que, ao mesmo tempo, nega a intervenção divina na
História humana. Muitas, mas não todas, foram as universidades, seminários e igrejas que
adotaram essa nova teologia. Essa nova hermenêutica (liberalismo teológico) tem
causado impacto até os dias de hoje.
O principal impacto iluminista na interpretação bíblica foi a negação da
intervenção divina na História. A partir daí, surgiram muitas consequências. Uma delas
foi a rejeição dos relatos miraculosos, como a criação do mundo, os milagres de Moisés
e os milagres de Jesus. Tentavam dar explicações lógicas para a fé. Houve também uma
distinção entre fé e História. Os milagres e fatos bíblicos passaram a ser vistos como
criação de israelitas e da igreja primitiva (não eram considerados como fatos históricos).
Além disso, buscaram encontrar erros nas Escrituras. Alguns estudiosos racionalistas
disseram que a “inspiração divina” precisava ser deixada de lado para uma interpretação
neutra da Bíblia (infalibilidade da Palavra foi sendo abandonada). Isso gerou a ideia de
que a Bíblia “contém a Palavra de Deus”, mas não é “a Palavra de Deus”. Outra
consequência foi uma exegese controlada pela razão. A razão passou a ser usada como
medida da verdade em questões teológicas. Houve também a ideia de Mito. Para alguns,
a Palavra passou pela “Alta Crítica” (criticar o relato bíblico e limpá-lo dos acréscimos
mitológicos), mas para outros, a Palavra era considerada uma “saga” (lendas criadas por
Israel e pela Igreja). E por fim, houve a consequência da separação dos dois Testamentos.
Alguns eram críticos da interpretação cristológica (interpretar o AT com o ponto de vista
do NT) enquanto outros diziam que não se devia interpretar o NT embasado no AT.
A partir daí, Lopes passa a mostrar as principais metodologias críticas (partindo
do método histórico-crítico). Primeiro, ele fala sobre a crítica das fontes, que busca
identificar as supostas fontes escritas para compor o texto bíblico e estudar a teologia
dessas fontes. A mais famosa forma é a “Hipótese documentária” que defende quatro
fontes (elaboradas em épocas diferentes) por detrás do Pentateuco: Javista (J), Eloísta (E),
Deuteronomista (D) e Sacerdotal (P). Depois o autor aponta a crítica da forma, que busca
reconstruir o ambiente vivencial (Sitz im Leben) em que as fontes foram escritas. Por fim,
ele trata sobre a crítica da redação, que busca encontrar a “teologia” e “princípios
teológicos” dos redatores do texto bíblico.
O autor afirma que o liberalismo teológico, que busca substituir o cristianismo
histórico por uma religião natural, possui, em geral, as seguintes perspectivas: a Bíblia
não é inspirada (portanto, não pode ser infalível), mas é apenas o livro de religião dos
judeus e cristãos; a experiência do cristão vale mais que a revelação; todas as religiões
são boas, e o cristianismo apenas é a maior religião dentre elas; o homem é bom, precisa
apenas de incentivo para fazer o bem; Cristo é Salvador porque é o exemplo de homem
perfeito (não era Deus, mas tinha a mente que agradava a Deus); Deus é Pai de todos, o
pecado não separa ninguém do amor de Deus.
Então, em sua conclusão, Lopes afirma que unir o racionalismo à exegese bíblica
não foi algo satisfatório. O método histórico-crítico até ajudou no conhecimento da
composição bíblica, mas falhou em retirar o “sobrenatural” dela. Esse método trouxe a
ideia de que a Bíblia é apenas mais um livro de religião. Esses teólogos se esqueceram
que a razão do homem está manchada pelo pecado e somente pelo Espírito se pode chegar
à verdade. Eles tentaram retirar os pressupostos dos antigos intérpretes para tornar esse
método em uma análise neutra, mas acrescentaram seus próprios pressupostos. Porém, é
preciso crer na Bíblia para poder chegar ao conhecimento de Deus. E os pressupostos
corretos são fornecidos pela própria Palavra de Deus: que reconheçamos seu caráter
divino e humildemente creiamos no que ela nos afirma.
Esses dois capítulos foram muito ricos em conhecimento, e deram bastante ênfase
na questão da importância de aprimorar nosso conhecimento quanto aos assuntos de
interpretação bíblica. Tudo o que o autor citou deve ser guardado em nossa mente e
produzir vontade e sede para nos dedicarmos no estudo da Palavra de Deus.
Indico a leitura com toda certeza, ainda mais por se tratar de um tema tão essencial
para nós, estudantes de teologia. Creio que todos deveriam se empenhar na leitura dessa
obra para compreender mais sobre a importância de combater o método histórico-crítico
e se empenhar no estudo do método histórico-gramatical, para conseguirmos um bom
trabalho exegético do texto sagrado e combater heresias em nossa caminhada de ensino.

LOPES, Augustus Nicodemus. A Bíblia e seus intérpretes: uma breve história da


interpretação. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p. 169-195

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