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AS VELHAS-Lourdes Ramalho - Teatro PB
AS VELHAS-Lourdes Ramalho - Teatro PB
Lourdes Ramalho
AS VELHAS
SUMÁRIO
PERSONAGENS
Da quentura a labareda
Vem do do chão – desce do ar
Cadê o atalho ou vereda
Que nos leve a um bom lugar
-Bate o pé comendo estrada
Na esperança de chegar...
CHICÓ – Mãe, vamo parar com essas andança e ficar aqui até chegar po
inverno. A senhora já viu que todo lugar, nesse tempo, é como cantiga de
perua – de pior a pior.
CHICÓ – Tá certo que eu nunca fui flagelado, mas chega tempo em que
a situação dá para isso – e quem é homem tem que enfrentar toda
versidade de trabalho.
CHICÓ – Ora, mãe, aos mãos é minha... E a senhora, por que num
dorme?
MARIANA – Acha que posso pregar os olho vendo você num serviço que
só satanás aguenta? – Aquilo tira a sustança de qualquer cristão.
CHICÓ – Besteira, Mãe – com esse cabra aqui ninguém pode não.
(RETIRANDO DUM SACO UM GANZÁ QUE SEGURA CARINHOSAMENTE,
COMEÇA A SACUDI-LO CANTANDO) Pode chover canivete/ quem ta
falando é Chicó/ fio de dona Mariana; macho nascido nas brenha/ do
sertão do Piancó.
BRANCA – Ora, a gente sempre teve onde morar, com que passar,
sempre foi considerado – e agora deu pra correr mundo... Podia ter
ficado em casa, como gente decente...
MARIANA – Mas isso foi das outras vez. – Mas dessa feita – num tem
jeito que dê jeito. (VEEMENTE) – Será que você num via a urubuzada
nas carniça dos bicho morto, as ossada coarando no sol, nem a
derradeira rês, que, pra num morrer de fome – tive que vender por
pouco mais que nada?
BRANCA – Mas a gente é que paga o pato. Por que foi que se saiu do
Juazeiro?
MARIANA – Ali foi aquele desgraçado que começou com zonzeira com
seu irmão. Duro com duro num dá bom muro... Vivia se jurando um ao
outro. Se a gente ficasse lá eles acabavam se esfaqueando.
MARIANA – Inventa? Minha filha, eu num tou caduca, num sou doida e
nem bebo cachaça pra num saber do que se passa. – Você quer dizer
agora que nunca deu cabimento aquele pilantra?
MARIANA – Se num era pra você, era pra mim ou pra Chicó, pois só
tinha nós três em casa.
MARIANA – É sua irmã que pega com as animação dela com qualquer
catraia – e ainda vem com pilerinha, como se eu fosse qualquer troço
que num merecesse respeito...
CHICÓ – Mãe, já que ninguém quer ajeitar nada – vou na cacimba ver
água... pode ser que assim esse comer saia... (pega o pote) – E façam
logo o fogo, já quero sair pro serviço armoçado! (Sai dizendo coisas)
BRANCA – (ASSUSTADA) – Taí, Chicó afobou-se. Vamo logo botar as
coisas no canto, mãe. (CONCILIATÓRIA) – Eu faço a cozinha desse lado
porque ali tem galha boa de armar rede, num é?
MARIANA – Eu toda vida fui injicada com cigano. Parece até que
advinhava a desgraça que uma tinha pra me trazer. Quando era
pequena, que avistava uma bicha daquelas, as saiona arrastando, chega
me dava um baticum no coração. Quando moça, nunca dei a mão pra
lêr – mesmo assim uma me disse: “Ganjona, deixe eu cortar o mal que
uma do meu sangue tem pra lhe fazer”. Se eu tivesse acreditado... Mas,
nesse tempo era muito pegada com o meu padim Ciço e ele
excomungava quem andasse com essa qualidade de gente...
BRANCA – (PARA SI) – Isso é sina que a gente traz e tem de cumprir...
MARIANA – E isso era motivo pro senhor embocar sem mais nem menos
nos canto, confiado como se já fosse amigo do peito?
TOMÁS – Num ignore, dona, é que por volta de dez légua todo mundo
me conhece e eu penseil...
MARIANA – Pois todo penso é tordo e num lhe conheço e nem o senhor
a mim, do contrário já tava sabendo que num sou mulher de prosa nem
de braço no pescoço – e mais – pra ter minha confiança a pessoa tem
que, primeiro, comer uma sada de sal mais eu...
TOMÁS – Por falar nisso, a senhora num tome por desfeita – tenho aqui
uma mucutinha de feijão e até um taquinho de jabá – tinha comprado
pra uma comadre me fazer o almoço, mas tou avexado pra voltar pra
rua... (ESTENDE O PACOTE A MARIANA, QUE FICA IMÓVEL).
CHICÓ – Ora, rapaz, caiu a sopa no mel. É misturar tudo e fazer uma
panela só. Pronto, mãe, deixe de apocamento e vá preparar a bóia.
Largue de besteira, o rapaz num deu com tanto gosto? Pegue duma vez,
eu sei que a senhora ta qurendo...
CHICÓ (A SÓS COM TOMÁS) – Viu? Pra viver com mãe é preciso jeito.
Ela é arisca por vida, e muito desconfiada com desconhecido. Mas,
enquanto a gororoba apronta, vamo nós conversando – eu calço esse
enxadreco e você me conta as coisas daqui... me dá umas informação...
Me diga – tem muita moça bonita nesse lugar?
TOMÁS – Nessa terra tem de tudo. Aqui vive toda nação de gente. Mas
rapaz, você parece que é meio terra-quente, heim?
CHICÓ – A gente tem que viver – quem passa a semana toda no eito
tem que ter seu refrigério. Mas, venha cá e fique lá mesmo – esse
negócio de mulher aqui... mulher pra... você entende, né?
TOMÁS – Os homem? Bom, tem os que se vira por eles mesmo... Outros
procura nos campo... e os mais luxento vai nas rapariga da rua, se bem
que na outra semana já teja nas garrafada de Maria Roxinha – ou no
Cibazol, que trago aqui comigo...
CHICÓ – Votes! E por perto num se arranja nem uma neguinha pra um
namoro achambregado?
CHICÓ – Chegou em boa hora. Dê a mãe e você vai ver do que essa
mão dela é capaz... A gente inda vai fazer muita bóia junto e var ver
que mulher como essa aí só nascendo, porque num existe outra...
Vamos comer que já dando uma biloura de fome... (CANTA COM O
GANZÁ) – Minha mãe me dê comida/ já num agüento a fome/ tripa seca
faz mofino/ O mais valente dos home/ faz chorar que nem menino/ todo
e qualquer cangaceiro, até galo bate o pino vira capão de terreiro.
CENA 2
TOMÁS – Que é isso, menino? Ali é gente pobre, mas carrega o seu
rócio. Uma família cheia de precato...
CENA 3
VINA E TOMÁS
VINA – Num vou bem como você que tem uma vida boa...
VINA – Rita de Oleriana dá uma ajuda, mas ali, você conhece, é “olho
viu – mão andou”... A raça toda é rato puro – ta no sangue...
VINA – Ah, é os retirante que você anda parido por eles. Pois lhe
informaram mal, Melado num sai de redor de casa. Eu num digo – só
terá de bode nessa terra ele?
VINA – Pois é num deixar. Quem lavar seus pano que fique pastorando.
TOMÁS – Ele arranca até dos couro da pessoa. Num viu Maroca? Saiu de
casa vestida e voltou com as vergonha de fora.
VINA (DIVERTIDA) – Ali foi bem feito. Numa seca dessa, vestir roupa
verde é pra quem quer ficar nu mesmo...
TOMÁS – Você pra desculpar o que é seu é na hora, mas pra julgar mal
os outros...
VINA – Mal visto por quem? – Pelo grande que ta enchendo o rabo às
custas dos miseráveis? – A gente tem que rasgar a safadagem, se num
quiser morrer de fome. Eu Já descobri cada coisa – (EM TOM DE
CONFIDÊNCIA) – Se lembra de Pirrita, o jumento de Zé Catota? Ta de
nome assentado na lista dos cassaco, ganhando dinheiro.
VINA – Na do meu filho num tem disso não, ta com a gregena pra
pensar uma coisa dessa? – José é carne-de-galo, por isso tão danado
com ele. Outro dia colocaram nome de um magote de menino-de-cueiro
– mas ele cortou na hora. Tenho até medo de uma traição, do jeito que
aqui, por qualquer besteira, mandam um pra cidade-de-pé-junto...
CENA 4
JOSÉ – Você num conhece o dito: “falou do mau, prepare o pau”? – Pois
assim que nós se deixemo, eu fui logo dando de cara com o rapaz – aí
entremo no assunto da mudança de turma, e o resultado é que amanhã
mesmo ele vem pra cá.
JOSÉ – Foi bem ter encontrado Chico – o que eu faltava saber, descobri
agora...
TOMÁS – Vocês tão sabendo de tudo, mas é bom ficar na moita. Cabra
falador aqui, entra logo nas leis de Chico-de-Brito – metem a macaca
pra cima.
VINA – E você acha que ainda se deve cobrir o sol com uma peneira? O
causo dos caminhão de mantimento...
CHICÓ – VocÊs tão falando dos mantimento que o governo manda pros
flagelados e os políticos desvia pro barracão? – Eu já me escondi e
peguei... À meia-noite chegou um caminhão, eles descarregaram – era
leite em pó, jabá, feijão, farinha e rapadura. Enquanto, no escuro, eles
botavam pra dentro, eu entrei na boléia e surrupiei as notas. Ta tudo na
minha mão, nota fiscal do que veio pra ser dado de graça e os
desgraçado tão vendendo. Só tou esperando a hora pra denunciar...
TOMÁS – O que foi que eu lhe disse, José? – Esse era o rapaz que você
procurava. Mas tenha cuidado – seguro morreu de velho...
CHICÓ – Pode contar comigo pro que der e vier. Quero ver como vai
ficar a cara desses grandão... Calçada de vergonha, se
tiverem...(LEMBRANDO-SE) – Ah, é essa a casa do bondinho? – Mas ele
fez uma amizade tão grande com minha irmã... Mãe é que implica,
porque o bichinho caga por todo canto, se atrepa pra comer os caco de
verdura, e ela, ave Maria, num sabe fazer comer sem as folhinha de
coentro e cebola, pra dar gosto...
VINA – Mãe, irmã – mas pai, que é o chefe da família – por certo o gato
comeu...
TOMÁS – Vina, você é ferina demais – esse povo tem terra, tem gado, é
porque a seca quando vem num pede licença – desembandeira ricos e
pobres. – Que mulher mais perigosa...