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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS


DEPARTAMENTO DE DIREITO PÚBLICO
CURSO DE DIREITO - DIREITO PENAL II
PROFESSOR MS. ANDREO ALEKSANDRO NOBRE MARQUES

Ponto 8 – Concurso de crimes

8.1. Conceito: verifica-se quando o agente, mediante uma ou mais condutas, pratica duas ou mais
infrações penais. MAYER, lembrado por PRADO (p. 479) dizia que o concurso de crimes era “a
arte de contar os delitos”. O concurso de crimes não se confunde com o concurso aparente de leis
ou de normas.

8.2. Sistemas de aplicação de pena: a) cúmulo material, no qual há soma integral das penas de
cada um dos delitos cometidos; b) absorção, pelo qual se aplica a pena do delito mais grave e se dá
a absorção da pena do(s) delito(s) menos grave(s); c) cúmulo jurídico, através do qual se aplica
uma pena superior à cominada para cada delito, mas se afasta a soma integral das penas; d)
exasperação, por meio do qual se aplica a pena do crime mais grave, entre os concorrentes,
aumentada de uma determinada quantidade.

8.3. Concurso material ou real: quando dois ou mais crimes são praticados por meio de mais de
uma conduta (pluralidade de condutas e de resultados criminosos). Ver o art. 69, do Código Penal.
O concurso material pode ser homogêneo, quando os crimes resultantes são idênticos, ou
heterogêneo, quando diversos. Mesmo que os fatos não guardem relação (não tenham sido
praticados no mesmo contexto fático, com algum liame entre os mesmos), somam-se as penas de
todos os delitos cometidos. É possível a cumulação de pena privativa de liberdade com
restritiva de direitos, desde que tenha sido concedido o sursis, de acordo com o que prescreve o §
1º do art. 69 do CP. O § 2º do art. 69 do CP trata do cumprimento sucessivo ou simultâneo de
restritivas de direitos, conforme haja ou não compatibilidade entre as restritivas de direitos. Por
fim, é possível a suspensão condicional do processo em caso de concurso material de infrações
penais, desde que a soma das penas mínimas seja igual ou inferior a 1 (um) ano.

8.4. Concurso formal ou ideal: tem lugar quando dois ou mais crimes, idênticos (homogêneo) ou
não (heterogêneo), são cometidos através de uma só conduta (unidade de conduta e pluralidade de
resultados). Conduta não é sinônimo de ato. Uma conduta pode ser composta por vários atos. Na
hipótese de roubo de pertences de duas vítimas, no mesmo contexto temporal e espacial, o caso é de
concurso formal e não de um único crime. (STF, HC 91.615/RS, rel. Min. Carmen Lúcia, 1ª Turma,
j. 11-09-2007). Fala-se em concurso formal próprio ou perfeito quando há unidade de
comportamento e unidade interna de vontade (sem desígnios autônomos), enquanto denomina-se
concurso formal impróprio ou imperfeito quando há unidade de comportamento e multiplicidade
de vontades (desígnios autônomos). No caso do concurso formal impróprio, as penas das infrações
penais resultantes devem ser somadas (aplicadas cumulativamente). Teorias sobre o concurso
formal: teoria subjetiva (exige-se unidade de desígnios na conduta do agente para configuração do
concurso formal); teoria objetiva (basta a unidade de conduta e pluralidade de resultados para a
caracterização do concurso formal). Nosso ordenamento jurídico adotou a teoria objetiva, já que
aceita, embora distinga as consequências, o concurso formal próprio e impróprio. Para o concurso
formal próprio, adotou-se o sistema da exasperação. Quanto maior a quantidade de crimes, maior o
aumento ou exasperação: 2 (¼); 3 (1/5); 4 (¼); 5 (1/3); 6 ou mais (½). Concurso material benéfico
ou favorável: no concurso formal perfeito ou próprio, a aplicação do critério da exasperação cede
quando o quantum da pena restar superior ao que seria resultante da soma das penas das infrações
penais (parágrafo único do art. 70 do CP).

8.5. Crime continuado ou continuidade delitiva: de acordo com PRADO1 (p. 486-487), tem-se o
crime continuado quando o agente, por meio de mais de uma ação ou omissão, comete dois ou mais
crimes da mesma espécie (que viola o mesmo bem jurídico) e, em razão de determinadas
circunstâncias (relacionadas ao tempo, lugar, modo de execução e outras semelhantes) devam os
delitos subsequentes ser tidos como continuação do primeiro, isto é, como uma unidade. Acrescenta
o referido autor que o crime continuado baseia-se em uma ficção jurídica destinada a impedir, em
certos casos, a aplicação das regras do concurso material.

8.5.1. Natureza jurídica: existem três teorias acerca da natureza jurídica do crime continuado. a)
teoria realista ou da unidade real: para esta, a unidade de lesão é resultado da unidade de
intenção, de modo que os vários comportamentos delitivos constituiriam, em verdade, uma única
infração penal; b) teoria da ficção jurídica: adotada no Código Penal pátrio, sustenta que a
continuidade delitiva é mera criação do direito, uma fictio juris, pois existiriam vários delitos, e, se
não fosse assim, é dizer, se as várias condutas constituíssem um único delito, não haveria motivo
para a exasperação da pena; c) teoria da unidade jurídica ou mista: teoria eclética que prega que
o crime continuado não seria uma unidade real, tampouco uma ficção jurídica, mas sim uma
realidade jurídica própria, uma espécie de “terceiro crime”, o crime de concurso, unificado por
consequência da unidade do aspecto subjetivo.

8.5.2. Teorias acerca do crime continuado. Também são três as teorias que tentam explicar os
requisitos do crime continuado, sendo elas: a) teoria subjetiva, que considera a unidade de
propósito ou desígnio (elemento subjetivo) como fator primordial; b) teoria objetivo-subjetiva,
que exige certos requisitos objetivos, além da unidade de desígnios, e que seria, para PRADO (p.
488), “(…) a mais consentânea com a diretriz que arranca de um conceito finalista de injusto(...)”;
c) teoria objetiva (pura ou realístico-objetiva), que se satisfaz unicamente com a presença dos
requisitos objetivos, desprezado o elemento subjetivo do agente, e que foi adotada pelo Código
Penal, como é possível ver no item 59 de sua Exposição de Motivos.

8.5.3. Crime continuado comum. Art. 71, caput, do CP. Requisitos: a) pluralidade de condutas; b)
crimes da mesma espécie2; c) circunstâncias semelhantes (de tempo3, lugar4, modo de execução e
outras semelhantes). Para os que entendem que a unidade de desígnios é necessária (teoria objetivo-
subjetiva), este seria o quarto requisito5, embora a maioria da doutrina se incline a desprezar a

1 Segundo informa PRADO (p. 487), a origem remota estaria no trabalho dos glosadores e pós-glosadores, como
Bártolo de Sassoferrato e Baldo de Ubaldi, sendo que os práticos italianos, em especial Júlio Claro e Farinácio, que
teriam sido s responsáveis pela sistematização do instituto, como forma de evitar a condenação à pena de morte para o
agente que fosse condenado por um terceiro furto.
2 Por crimes da mesma espécie é possível entender aqueles que ofendem o mesmo bem jurídico, mesmo que estejam
descritos em diferentes tipos penais (como seria o caso de um furto e um estelionato, por exemplo), ou, numa visão
mais restritiva, apenas as condutas que se circunscrevam a um mesmo tipo penal, seja em sua forma simples ou
qualificada (furto simples e furto qualificado, por exemplo, seriam crimes da mesma espécie). Esta segunda corrente é
amplamente majoritária na jurisprudência (crimes tipificados no mesmo dispositivo legal, consumados ou tentados, na
forma simples, qualificada ou privilegiada, desde que os bens jurídicos tutelados sejam idênticos).
3 Para a jurisprudência, cometidos num intervalo de tempo não superior a 30 dias, como regra.
4 No que se refere à condição espacial, admitem-se os crimes cometidos na mesma cidade, em cidades vizinhas ou, no
máximo, situadas na mesma região metropolitana, pela facilidade de acesso.
5 Esse seria, supostamente, o entendimento sufragado no STF, segundo afirmado por MASSON: RHC 93.144/SP, rel.
Min. Menezes Direito, 1.ª Turma, j. 18.03.2008. Em igual sentido: STF: HC 109.730/RS, rel. Min. Rosa Weber, 1.ª
Turma, j. 02.10.2012, noticiado no Informativo 682). Cf., no STJ, o seguinte julgado: “Para a caracterização da
continuidade delitiva é imprescindível o preenchimento de requisitos de ordem objetiva – mesmas condições de tempo,
lugar e forma de execução – e de ordem subjetiva – unidade de desígnios ou vínculo subjetivo entre os eventos (Teoria
Mista ou Objetivo-subjetiva). (RHC 43.601/DF, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6.ª Turma, j. 03.06.2014).”
unidade de desígnio, contentando-se apenas com os elementos constitutivos exteriores para o
reconhecimento do nexo de continuidade delitiva, tal qual frisado por MIRABETE (p. 335). Para
essa espécie de continuidade delitiva, aplica-se a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais
grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto até dois terços. O raciocínio da
gradação é o mesmo do concurso formal perfeito: quanto mais crimes, maior a exasperação. Crime
continuado específico. Exige o concurso de mais 3 (três) requisitos próprios, além daqueles que já
foram listados, sendo eles: a) que os crimes sejam dolosos; b) pluralidade de vítimas (vítimas
diversas, pois sendo uma única vítima de todos os crimes em continuidade, o crime continuado será
comum); c) emprego de violência ou grave ameaça à pessoa. Não há, portanto, nenhuma vedação ao
reconhecimento da continuidade delitiva nos delitos que ofendam bens personalíssimos (vida,
integridade corporal, honra, liberdade sexual etc.). Ver o artigo 71, parágrafo único, Código Penal,
com a redação dada pela Reforma da Parte Geral, de 1984, que afastou a aplicabilidade da Súmula
605, do STF, que proibia o reconhecimento da continuidade delitiva em crimes contra a vida. A
aplicação da pena aqui não leva em conta somente o número de infrações penais cometidas, mas
também a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, assim como
os motivos e as circunstâncias, o que autorizará o juiz aumentar a pena de um só dos crimes, se
idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, devendo obedecer ao aumento mínimo
consignado no caput do art. 70 do CP, ou seja, um sexto. Também como no concurso formal próprio
ou perfeito, o resultado da exasperação será desprezado se atingir quantum maior do que o que
resultaria da soma das penas dos delitos (concurso material benéfico), assim como não pode
acarretar uma pena superior ao limite previsto no art. 75 do CP, de 40 (quarenta) anos (ver parágrafo
único do art. 71 do CP), isso apenas quanto ao cumprimento da pena de prisão, é dizer, o resultado
obtido com a exasperação pode superior, mas o agente tem o direito de cumprir no máximo 40
(quarenta) anos de pena privativa de liberdade, pelo menos a princípio. A isso parte da doutrina
denomina concurso de crimes moderado ou limitado.

8.6. Concurso de concurso de crimes ou concorrência de concursos. É possível que vários


comportamentos delituosos, uns espaçados no tempo de outros, possam dar causa a aplicação de
mais de um tipo de concurso de crimes. Seria o caso de dois homicídios dolosos, por exemplo, em
continuidade delitiva, seguidos de três homicídios culposos no trânsito, praticados através da
mesma conduta (concurso formal).

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