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Coleção
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IM A G O
ANTONIO GOMES PENNA
Professor Emérito do Instituto de Psicologia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro

INTRODUÇÃO À
MOTIVAÇÃO E EMOÇÃO

— Coleção Introdução à Psicologia —


Capa:
Barbara Szaniecki

CIP-Brasil. Catai ogaçâo-na-fonte


Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

P459Í Penna, Antonio Gomes, 1917-


Introdução á motivação e emoção / Antonio Gomes Penna
— Rio de Janeiro: Imago Ed„ 2001.
124 pp. (Introdução â Psicologia)

Inclui bibliografia
ISBN 85-312-0745-2

1. Motivação (Psicologia). 2. Emoções. I. Titulo. 1 Série.

00-1728. CDD— 153.8


CDU — 159.947

Reservados todos os direitos. Nenhuma


parte desta obra poderá ser reproduzida
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expressa da Editora.

2001

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www.imagoeditora.com.br

Impresso no Brasil
Printed in Brazil

O I D I
Ao prezado e fraterno amigo Pedro Bloch, pioneiro e mestre da
foniatria em nosso país, com a mais justificada admiração pela sua
capacidade de se dar aos que dele se aproximam e com ele convivem.
SUMÁRIO

Prefácio 11

PRIMEIRA PARTE
MOTIVAÇÃO 13

1. Introdução 15

2. Conceito de motivação 19

3. Inatismo e empirismo em teoria da motivação 23

4. Motivação específica e motivação inespecífica 25

5. Desenvolvimento histórico daspesquisas sobre motivação 27

6. Teorias da motivação 33

A teoria do drive ou impulso 33

A teoria psicanalítica 38

A contribuição dos etologistas 43


A teoria gestaltista da motivação 45

O modelo clássico 47

Os modelos formulados por KurtLewm 49

Sobre a concepção de perspectiva de tempo 52

A teoria da dissonância cognitiva 54

A teoria da atividade intrinsecamente motivada 55

A teoria relacional de J.Nuttin 59

A teoria de Maslow 60

A teoria da autonomia funcional dos motivos de Allport 62

AteoriamotivacionaldeMurray 64

Motivação e aprendizagem 67

Sobre o altruísmo ou comportamento de ajuda 69

Acerca das contribuições de Alan Ryane Paul Ricoeur 71

Bibliografia 77

SEGUNDA PARTE
EMOÇÃO 81

Conceito de emoção 83

Evolução dos estudos sobre emoção 87

Motivação e emoção 89

Emoção e inteligência 93

Emoção e contexto cultural 95

Emoção e expressão 97
7. Teorias da emoção 103

A teoria periférica de William James 103

A teoria de Pierre Janet 104

A teoria de Lewin-Dembo 105

A teoria psicanalítica das emoções 105

A teoria de Walter Cannon 106

8. Bases neurofisiológicas da emoção 107

9. Sobre o caráter organizador ou desorganizador da emoção 111

10. Sobre a classificação das emoções 113

Sobre a ansiedade 116

Bibliografia 119
PREFÁCIO

O presente volume, Introdução à Motivação e Emoção, foi pu­


blicado em 1975. Ao mesmo tempo foi também editado o volume
Aprendizagem e Memória. Representavam ambos uma abordagem
bem resumida dos temas tratados para efeito de iniciação do estudante
nesses temas. Em 1981 foram ambos reunidos em um só volume sob
o título Aprendizagem e Motivação, e relançados por outra editora.
Muito tempo transcorreu desde essa segunda edição e muito se acres­
centou em termos de conhecimentos novos no campo da psicologia.
Ao decidirmos por nova reedição em separado, tal como acontecera
nos idos de 1975, introduzimos algumas informações novas nos dois
volumes. Breves, como a estrutura e o estilo dos textos justificavam,
e registradas especialmente em dois dos quatro temas apresentados.
No presente volume Introdução à Motivação e Emoção, o acréscimo
registra-se no tema motivação, quando buscamos resumir os argu­
mentos sobre a distinção entre motivação e causalidade. Recorre-
mos, para tanto, às contribuições registradas por Alan Ryan e Paul Ri-
coeur, o primeiro em A filosofia das ciências sociais e o segundo em
O discurso da ação. Claro que, em ambos, a preocupação centra-se
numa temática mais filosófica, valendo o registro de que, no caso de
Paul Ricoeur, suas considerações concentram-se na análise da lin­
guagem, com breves referências à fenomenologia. De qualquer
modo, partem de uma temática bem central na psicologia, não obstante
a ausência de, pelo menos, dois dos grandes psicólogos que se desta-
caram por contribuições relevantes no domínio da psicologia da
ação: Buytendijk e Kofflka. Reafirmamos que os acréscimos efetua­
dos mantiveram-se dentro dos limites que definem o volume que ago­
ra se reedita no que concerne ao seu objetivo básico de texto resumido
e puramente introdutório para os que queiram iniciar-se nesses domí­
nios.
PRIMEIRA PARTE

MOTIVAÇÃO
INTRODUÇÃO

A pesquisa da motivação é, basicamente, a pesquisa da ação. Seu


estudo cobre os diversos padrões que nela se discriminam, bem como
as condições de seu desencadeamento e de sua direção. Abrange,
ainda, a análise das emoções, definidas como pólo de um continuum
que tem, como pólo oposto, o sono profundo. A identificação da
temática motivacional com a da atividade impõe comentário sobre a
natureza desta últimajjois por ação se entendem as modificações
globais registradas em um organismo, enquanto dirigidas para certa
meta. A referência a um goal representa o elemento central paia
efeito de sua conceituação.
Dois padrões básicos podem ser discriminados no estudo da
atividade: o da ação instrumental e o da consumatória. Ambos se
correlacionam e se implicam. Não obstante, existem diferenças subs­
tanciais entre eles. Assim, enquanto os atos instrumentais antecedem
e conduzem aos atos consumatórios, iniciando uma unidade de ação,
os consumatórios encenam essa mesma unidade, sendo, por isso
mesmo, seguidos, ou por breve período de repouso, ou por atos ins­
trumentais que se revelam integrados em nova unidade de ação. Por
outro lado, enquanto os atos instrumentais processam-se em ritmo
acelerado, na medida em que conduzem o organismo à progressiva
aproximação da meta (goal-gradient), os atos consumatórios tendem
a desacelerar-se no decurso de seu processamento. N. Tinbergen
(1951) ainda assinala o fato de que os atos consumatórios mostram-se
mais estereotipados e rígidos, por oposição aos instrumentais, por ele
definidos como apetitivos, marcados por certa margem de
flexibilidade.
Ainda básica a distinção entre atividades apetitivas e aversivas.
Caracterizam-se por se produzirem em função, respectivamente, de
operações de privação ou de estimulação e visam, por isso mesmo, a
objetivos diferentes. No caso das atividades aversivas, a meta consis­
te na eliminação ou afastamento do estímulo nocivo. No caso das ati­
vidades apetitivas ou de privação, o objetivo se definirá em termos de
busca do estímulo adequado. Os apetites ainda se caracterizam pela
propriedade de redução ou satisfação. As aversões peculiarizam-se
por não admitirem redução. A maioria das privações, por outro lado,
supõe um período relativamente extenso para que seus efeitos se fa­
çam sentir através do desencadeamento da ação. Atuam, assim, a lon­
go prazo. As aversões, ao contrário, processam atividades imediatas.
Vale, ainda, assinalar-se que qualquer estímulo, desde que suficien­
temente aumentado, no que concerne à sua intensidade, estará apto a
produzir atividade aversiva. Esta, de resto, compõe contribuição vin­
culada aos nomes de J. Dollard e N. E. Miller (1950) para os quais
todo e qualquer estímulo que atinja intensidade elevada converte-se
em drive. Os estímulos teriam, assim, dupla função: (1) a discrimina­
tória e (2) a motivacional. Esta última seria tanto mais poderosa quan­
to maior a intensidade de atuação do estímulo. Uma luz fraca, por
exemplo, permite o processamento discriminatório; com intensidade
elevada desencadeia resposta orientada no sentido de sua redução ou
eliminação.
No que se refere à metodologia mobilizada na pesquisa, cabe dis­
tinção entre a expenmental e a clínica. A primeira supõe programa­
ção de laboratório, envolvendo controle rigoroso de variáveis e pro­
cessamento em níveis, tanto quanto possível, elementares. A esfera
do comportamento animal tem sido, preferentemente, o seu campo de
aplicação. Nela, inclusive, registraram-se as grandes contribuições
de Tolman e Hull, inteiramente válidas enquanto não extrapoladas
para o domínio do comportamento humano, consoante observação de
Peters (1958). A pesquisa clínica centralizou-se, obviamente, no es­
tudo da motivação humana, atuou e vem atuando em níveis de com­
portamento marcados por certo grau de desajuste. O que a caracteriza
é a despreocupação com a medida. Nela prevalece a abordagem qua-
litativa, processando-se através de procedimentos face a face. Vincu­
la-se, fimdamentalmente, ao nome de Freud. Ao lado dos dois méto­
dos citados, cabe ainda referência ao método correlacionai, de resto
predominante na atualidade, conforme observação de Salvatore R.
Maddi. Finalmente, registra-se o método etológico. Peculiar à Etolo-
gia, caracteriza-se pela sistemática e rigorosa observação da conduta
animal em suas condições naturais. Freqüentemente apresentado
como oposto ao método experimental, com ele não se antagoniza,
contudo, senão no modo de se programarem os experimentos. Estes, na
realidade, são sempre precedidos da composição de etogramas resul­
tantes de sua descrição exaustiva do repertório de respostas genetica­
mente montadas na espécie considerada. A programação experimental
visará, ora ao controle do meio físico (eto-ecologia), ora ao do meio so­
cial (eto-comunicologia), ora ao do meio interno (eto-fisiologia).
A distinção entre abordagem fisiológica e comportamental reve­
la-se, por igual, básica. No primeiro caso, a pesquisa orienta-se para a
determinação da importância de certas estruturas nervosas, como as
que integram o hipotálamo, o sistema reticular e o sistema límbico.
No nível comportamental observa-se a pesquisa centrada em pers­
pectiva operacional, definindo-se o impulso ou a motivação em ter­
mos não substanciais mas apenas relacionais. Trata-se de abordagem
perifericialista, por oposição à primeira, que se definirá como media-
cional. Vale assinalar que a diferença entre essas duas abordagens en­
volve consequências conceituais. Em função da perspectiva opera­
cional, Keller e Schoenfeld (1966) predisseram a extinção breve do
conceito de motivação ou de impulso, dado que ele nada acrescenta­
ria à pesquisa. A simples referência às relações entre operações de es­
timulação ou de privação e as modificações observadas na força das
respostas cobriria a temática motivacional. A preservação do conceito
seria, pois, antieconômica. O ponto de vista mencionado reproduz es­
tilo de crítica freqüentemente proposto contra o conceito de persona­
lidade, também dispensável diante da capacidade explicativa vincu­
lada à teoria da aprendizagem. E escusado esclarecer-se que a crítica
só poderá valer se aceitar, sem restrições, a posição empirista que lhe
serve de sustentação. Não se revela, todavia, válida, admitida a pers­
pectiva mediacional que opera com variáveis intermediárias, segun­
do o modelo S-O-R.
CONCEITO DE MOTIVAÇÃO

Em abordagem operacional, é o conjunto de relações entre as


operações de estimulação ou privação e as modificações observadas
no comportamento que se processa após as citadas operações. Ou ain­
da: uma modificação na força das respostas, atribuível a alguma ope­
ração executada natural ou experimentalmente, expressa em termos
de privação ou de exposição prolongada do organismo a estímulo
aversivo. Vale registrar que a perspectiva operacional que aqui se
menciona exprime postura epistemológica vinculada ao fenomena-
lismo de Hume e representa certa transposição do conceito empirista
de causalidade que se propôs com o citado filósofo. Também o con­
ceito de causalidade, em função da perspectiva mencionada, resultou
definido em termos de pura seqüência de eventos, sem qualquer men­
ção a um possível poder de produção ou relacionamento necessário
entre elementos envolvidos. E de se recordar que as definições opera­
cionais sistematizadas por P. W. Bridgman (1948) estão presentes em
Watson e dominam a perspectiva sobre a qual se fundamenta a Análi­
se Experimental ou Funcional do Comportamento de B. F. Skinner,
como, de resto, não poderia deixar de acontecer. Entrementes, a ade­
são à postura operacional observa-se em um número considerável de
psicólogos, sendo, então, bastante freqüentes as definições que a con­
sagram. Edward J. Murray (1967) reproduz conceituação desse tipo
quando escreve que “uma definição operacional de um impulso é
uma especificação tanto das condições em que se pode afirmai que o
impulso funciona como um dos meios para proceder à sua medição”.
Em perspectiva medi acionai, isto é, fundada na postulação de
processos mediacionais, motivação ou impulso será o fator que des­
perta, mantém e dirige o comportamento para certo goal. Não expri­
miria realidade observável, propondo-se, antes, como uma constru­
ção lógica ou variável interveniente. Sugere-se que ela será condição
explicativa das variações observadas nas respostas dadas por um or­
ganismo, sempre que estimulado pelo mesmo excitante. Epistemolo-
gicamente, tal definição reproduz as características básicas do con­
ceito racionalista de causalidade, precisamente definido por proprie­
dade de poder de produção. Na verdade, a motivação ou o impulso
produziria ou desencadearia a ação, além de responder por sua manu­
tenção e direção. Proposta por Paul Thomas Young (1936), um dos lí­
deres da perspectiva hedonista, isto é, da perspectiva segundo a qual a
ação sempre se cumpre visando ao maior ganho e ao menor preço,
dela se inferem três propriedades básicas: a de deflagração, a de ma­
nutenção e a de direção da conduta. Tais propriedades foram enfati­
zadas particularmente por A. Melton.
Em Donald Olding Hebb encontramos duas conceituações dife­
rentes e representativas de fases diversas de sua evolução doutrinária.
A primeira, ele a expõe na Organization oJBehavior{ 1949). A moti­
vação responderia apenas pelos processos de organização e direção
do comportamento, sendo seus diversos padrões caracterizados por
componentes mediacionais. Hebb exclui a função de ativação, até en­
tão a mais importante em teoria motivacional, dado que, precisamen­
te por essa altura, considera ser o sistema nervoso central essencial­
mente ativo e não reativo. Objeções que se propuseram contra essa
hipótese, fundadas em experimentos sobre privação sensorial (W. H.
Bexton, W. Heron e T. H. Scott, 1954), determinaram substanciais
modificações na perspectiva inicialmente proposta, modificações, de
resto, apresentadas em dois artigos clássicos: “Drives and the CNS
(Conceptual Nervous System)”, Psychol. Rev., 1955, vol. 62, e “Mo-
tivation et Recherche du Changement Perceptif chez le Rat et chez
THômme”, J. de Psycholgie, 1955, este em colaboração com H.
Mahut. Precisamente neste artigo é evocada a hipótese da atividade
contínua do sistema nervoso central e mencionada a correção que se
propôs no “Drives and the CNS”. Escrevem Hebb e H. Mahut: “Um
estudo anterior sobre motivação (Hebb, 1949) baseou-se essencial­
mente sobre o fato, admitido por algum tempo, de que o sistema ner­
voso era continuamente ativo. A atividade nervosa central teria um
efeito seletivo sobre o comportamento, com uma independência rela­
tiva no que se refere aos estímulos sensoriais (Beach, 1942, Morgan,
1943). Essa concepção de motivação foi estendida aos processos do
pensamento, considerando-se estes como processos organizados
temporariamente (Hebb, 1949). Foi proposta a hipótese de que, em
razão da presença de uma atividade contínua e espontânea do sistema
nervoso central, não haveria problema particular para efeito de se
considerar a atividade do comportamento. Sabemos hoje que esta hi­
pótese é falsa por duas razões. Em primeiro lugar-, parece que um seg­
mento do sistema nervoso está màisparticularmente relacionado com
a motivação: trata-se do sistema de ativação do tronco cerebral. Des­
cargas de freqüência elevada deste sistema são necessárias para man­
ter a atividade cortical que comanda o comportamento organizado
(Bremer, 1935,1938; Magoun, 1952 a, b; Lindsley, 1950). Por outro
lado, parece que o papel das aferências sensoriais é de importância
muito maior do que se supunha antes. Ainda quando seja verdade que
a sensação representa somente um dos fatores que determinam os as­
pectos específicos do comportamento, estima-se, hoje, que um fiindo
dinâmico de estimulações sensoriais é necessário para manutenção
do comportamento orientado e para o pensamento (Bexton, Heron e
Scott, 1954). Pode-se supor que este efeito é alcançado, através dasis-
tema de ativação da formação reticular do tronco cerebral. Devemos
reconhecer, assim, que as estipulações sensoriais têm duas funções:
uma, específica, de conhecimento, que orienta o comportamento; ou­
tra, não específica, de motivação, que mantém a vigilância e a possi­
bilidade de se efetuarem respostas organizadas.” No Texíbook o f
Psychology (1965) define Hebb a motivação como tendência do or­
ganismo a se ativar de modo seletivo e organizado. Ou ainda: como
tendência inerente ao organismo como um todo, para produzir ativi­
dade organizada, oscilando entre o nível mais baixo do sono profun­
do e o nível mais alto da vigília e dos estados de excitação e alerta e
variando, também, quanto ao tipo de comportamento resultante ou ao
tipo de estimulação a que o organismo responde.
H. W. Nissen, também assumindo posição mediacional, concei­
tua a motivação como fator de ativação ou de sensibilização do orga-
nismo relativamente a certo excitante. Nesse caso, a motivação seria
um estado responsável pela função de abaixamento dos limiares de
resposta diante de certos estímulos, produzindo, assim, alterações
substanciais nas reações do organismo com o meio. Finalmente, ado­
tando posição hedonista e rejeitando o caráter inatista dos impulsos
(caráter, de resto, sustentado porNissen), D. McClelland conceitua a
motivação como consistindo “nas provisões ou expectativas aprendi­
das de uma finalidade, segundo suscitem reações emocionais positi­
vas ou negativas”.
INATISMO E EMPIRISMO EM TEORIA DA
MOTIVAÇÃO

No tópico anterior se fez referência às posições inatistas e não


inatistas adotadas em teoria da motivação. Mencionou-se Nissen
como figura representativa da posição inatista e McClelland como
sendo um dos teóricos que defendem posição empirista, isto é, posi­
ção centrada na teoria da aprendizagem. J. Nuttin (1959), contudo,
entende que a oposição decorre do fato de que, enquanto os inatistas
se referem aos dinamismos fundamentais, aos aspectos ligados à ati­
vação, os empiristas se referem às formas concretas das tendências. Á
direção, por exemplo, assumida pela conduta seria aprendida. A posi­
ção intermediária predominou com a distinção entre motivos ou dri­
ves primários e secundários, estes adquiridos por processo de condi­
cionamento. A dificuldade dessa posição consistiu na fixação de cri­
tério adequado para procedimento da diferenciação entre os motivos
ou drives primários e os secundários.
MOTIVAÇÃO ESPECÍFICA E MOTIVAÇÃO
INESPECÍFICA

A conceituação revista por Hebb no “Drives and the CNS (Con­


ceptual Nervous System)”, e posteriormente enriquecida no Textbo­
ok ojPsychology, claramente sugere a distinção entre motivos ines-
pecíficos e motivos específicos. A distinção é também indicada por
JosephNuttin (1959) quando sublinha a existência de dois problemas
relacionados com o porquê da conduta: de um lado o problema refe­
rente aos fatores dinâmicos que determinam o nível de atividade geral
do organismo e, de outro lado, o problema de por que o organismo
cumpre tal ou qual ação específica.
A motivação inespecífica responde pelo nível ou grau de ativida­
de observado no organismo, com polarizações nos estados de alta ati­
vidade ou de baixa atividade, os primeiros representados pelos estados
emocionais e os últimos pelo sono profundo. Em ambos os níveis ci­
tados a conduta se revelaria pouco organizada, correspondendo as
formas organizadas às faixas intermediárias de ativação. Conforme
comentário em tópico anterior, a motivação inespecífica está relacio­
nada com as chamadas vias aferentes não específicas que atingem as
formações reticulares e garantem o processo de tonificação do córtex
sem o qual as transmissões coificais não se realizam. Responde pela
implantação das condições indispensáveis para que as mensagens
conduzidas pelas vias aferentes específicas atinjam o sistema motor e
exerçam sua influência orientadora no comportamento. Em “Motiva­
tion et Recherche du Changement Perceptif chez le Rat et chez
L’Homme”, Hebb e H. Mahut escrevem : “Lindsley (1951) foi o pri­
meiro a chamar a atenção sobre as funções do sistema de ativação do
tronco cerebral interessando a emoção e a motivação. Recentemente
Hebb (1955) ampliou esta concepção, propondo a hipótese de um nível
ótimo de ativação necessário para o comportamento organizado. Ele
supôs que acima desse nível ótimo processa-se uma perturbação
emocional, bem como situações que o animal tende a evitar-. Abaixo
desse nível, o animal tenderá, ao contrário, a buscar situações que ele­
vem o nível de ativação e, desde que os estímulos ffeqüentemente re­
petidos perdem sua capacidade de excitar o sistema de ativação, por
oposição aos estímulos novos (Sharpless, 1955), o animal colocado
em um ambiente já familiar será impelido para situações novas, ainda
quando estas situações provoquem o medo (Berlyne,1950)”. Como
se verá em tópico posterior, todo esse processo orientado no sentido
da busca de estímulos novos se relaciona com a chamada conduta ex­
ploratória ou conduta expressiva de curiosidade.
A motivação específica é aquela que se caracteriza pela busca de
estímulo adequado, distinguindo-se, fundamentalmente, pela sua in­
termitência. Os motivos ou impulsos que a exprimem revelam-se a
espaços mais ou menos longos de tempo. Serão: a fome, a sede, o
sexo, o sono, etc. Admite-se que sejam limitados em número, mas de­
les, por derivação (Dollard e Miller, 1950) secundária, muitos outros
podem ser considerados. Vale observar que, enquanto os motivos
inespecíficos não se dirigem para nenhum goal determinado, precisa­
mente essa é propriedade básica dos motivos específicos.
DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DAS
PESQUISAS SOBRE MOTIVAÇÃO

A distinção básica em função da qual surge explicitadamente


proposta a questão do impulso ou motivação coube a R. S. Wood-
worth (1918). Ao seu ver, a Psicologia teria que considerar dois pro­
blemas fundamentais: o dos mecanismos do comportamento e o de
sua ativação, ou seja, o do como se processa a conduta e o do por que o
organismo inicia tal ou qual forma de atividade. Acerca do porquê,
ainda J. Nuttin (1959) julga válida a distinção, já mencionada em tó­
pico anterior, entre os fatores que despertam o nível geral de ativação
e os que deflagram a realização de tal ou qual ação determinada. Esta
distinção, inclusive, parece-lhe relevante para efeito de caracterizar a
problemática da motivação que ele entende identificada, apenas, com
a segunda das questões discriminadas.
Apesar da lucidez com que R. S. Woodworth propõe a problemá­
tica da motivação, confrontando-a com a do exame da estrutura do
comportamento, o mérito de ter elaborado a primeira grande teoria
motivacionai cabe, indiscutivelmente, a S. Freud. Sua contribuição,
ele a apresentou no Projeto de uma Psicologia Científica (1895). Ba­
sicamente, como será analisado mais adiante, inspira-se Freud nas
concepções físicas de seu tempo e, mais intimamente, nas concep­
ções de Hermann Von Helmholtz. Metodologicamente, apóia-se em
procedimentos clínicos. Isso significa que são excluídos os instru­
mentos de medida e quantificação, valorizando-se mais os contactos
interpessoais imediatos e o conhecimento direto que deles decorre.
Em nível experimental, a pesquisa sobre motivação sistemati­
za-se com R. S. Woodworth (1918), E. C. Tolman (1932), C. L. Hull
(1943) e outros. O conceito de motivação ou de drive surge para co­
brir o fato, já assinalado, de que nem sempre o mesmo estímulo pro­
duz a mesma resposta. Os experimentos, então, se multiplicam, ex­
plorando-se, de preferência, os chamados motivos biológicos, tais
como: fome, sede, sexo, sono, etc. A referência a drives ou impulsos
revela-se presente em todas as obras dedicadas à explicação do pro­
cesso de aprendizagem, e sua introdução efetuou-se em substituição
ao conceito de instinto, levado a esvaziamento, particularmente após
o advento do behaviorismo.
A exploração dos motivos superiores começa por volta do final
da década de 20 e início da de 30. A grande contribuição, aqui, perten­
ce a Kurt Lewin (1950), com seus estudos pioneiros sobre solução de
problemas. A proposição dos impasses seria responsável pela instala­
ção de estudos de quase-necessidade, com implantação de tensões a
serem reduzidas ou escoadas através da ação adequada ou de ativida­
des substitutivas. Vale recordar que por estados de quase-neces­
sidade se entendem os sistemas de tensão que tendem a se descarre­
gar, e efetivamente se liberam, diante de certos objetos dotados de
valência, isto é, dotados da propriedade inicialmente definida em
termos de caráter de demanda (A ufforderungs-charaktere) e identifi­
cada por W. Kohler com o conceito de requiredness. Por atividades
substitutivas, por outro lado, compreendem-se todas aquelas que, em
face de certas propriedades de semelhança, possibilitam os escoa­
mentos tensionais, normalmente liberados através de ações específi­
cas. Os estudos sobre os efeitos de interrupção de tarefas, devidos a
Bluma Zeigamik, as pesquisas sobre níveis de aspiração conduzidas
pelo próprio K. Lewin e por Tamara Dembo e, ainda, as investigações
sobre formação de perspectivas de tempo e seus efeitos tonificadores
sobre a ação atual representam desenvolvimentos realizados em fun­
ção da perspectiva teórica introduzida por K. Lewin na área da moti­
vação superior.
A partir de 1953 surgem as grandes contribuições devidas a David
McClelland (1953). Centralizam-se na pesquisa dos motivos de reali­
zação e de afiliação, consolidando a aplicação de recursos de medida
e quantificação no nível da motivação superior. Vale esclarecer que
por motivos de realização se entendem os que apoiam ou sustentam
atividades centralizadas na competição bem-sucedida com padrões
de excelência aplicados aos desempenhos de um organismo, padrões
que se estruturam, tanto em função de modelos externos quanto em
função dos níveis de aspiração fixados pelo próprio sujeito no seu es­
forço de atuação adequada. Por motivos de afiliação, por outro lado,
compreendem-se os que sustentam atividades orientadas no sentido
da busca de contato físico, da comunicação interpessoal ou da redu­
ção de estados de ansiedade, admitindo-se, ainda, que se possam jus­
tificai' como derivações de incentivos sensoriais. Também podem ser
definidos como expressivos do interesse pelo estabelecimento e pre­
servação de relações positivas de afeto, bem como pelo desejo de ser
querido e aceito dentro da comunidade.
Durante os últimos anos, David McClelland e seus colaborado­
res procuraram desenvolver medidas dos motivos de realização e in­
vestigaram correlatos dessas medidas, não apenas no comportamento
individual, mas também nos sistemas sociais. A técnica da medida
fundamenta-se na análise do conteúdo das produções temáticas da
imaginação humana, envolvendo estórias, relatos, sonhos, etc., vi­
sando à comparação com um padrão de excelência. A inspiração é
claramente freudiana, na medida em que se percebe a mobilização do
processo da projeção. Conforme comentários de Salvatore R. Maddi,
verificou-se que as pessoas que tinham alto escore em motivação de
realização, quando comparadas com as que obtinham baixo escore:
(1) preocupavam-se còm tarefas incompletas, enquanto aceitavam ou
esqueciam as completas; (2) revelavam-se mais ativas nas atividades
escolares e de comunidade; (3) quando perguntadas com quem gosta­
riam de trabalhar para efeito de realização de problemas difíceis, es­
colhiam peritos no assunto, em vez de amigos; (4) revelavam-se mais
resistentes à pressão social. No que concerne à qualidade do trabalho
executado, ainda Maddi adianta que os sujeitos com maior índice de
motivo de realização apresentam rendimento maior, quando a tarefa é
qualitativamente valorizada. Em tarefas rotineiras, tais sujeitos reve­
lam índice idêntico ou até mesmo inferior, em comparação com os in­
divíduos caracterizados por baixo índice de realização. Em suma, se­
gundo as pesquisas até agora conduzidas, as pessoas altamente qualifi­
cadas no tocante aos motivos de realização revelam-se essencialmente
orientadas para o trabalho, autoconfiantes e competitivas.
David McClelland pesquisou, também, o motivo de realização
em seus efeitos sobre os sistemas sociais. O procedimento metodoló­
gico consistiu na análise dos conteúdos das leituras infantis usadas
nas escolas de vários países em 1925 e 1950. Estudou, então, a rela­
ção entre essas duas medidas e o quanto de desenvolvimento econô­
mico neles se verificou entre 1925 e 1950. Os resultados permiti-
I ram-lhe a afirmação de que, quanto mais alto o nível de realização em
1925, tanto maior o índice de desenvolvimento econômico revelado
em 1950. Entrementes, a pesquisa dos motivos de realização, no con­
cernente às suas vinculações com os sistemas sociais e culturais, re­
vela que eles são pautados por esses mesmos sistemas, no sentido de
que alguns sofrerão limitações ou restrições, por oposição a outros
que serão incentivados. De resto, os estudos de Margaret Mead sobre
como as estruturas culturais afetam o comportamento individual, os
de Ruth Benedict, explorando as influências opostas, isto é, as que
são exercidas pelos indivíduos sobre as estruturas culturais, e, final­
mente, os de A. Kardiner integrando esses estudos e edificando o con­
ceito de personalidade de base fornecem suporte teórico para essa
questão.
§ No que se refere aos motivos de afiliação, as pesquisas não foram
tão numerosas. Entretanto, demonstrou-se que os indivíduos com alta
necessidade de afiliação tendem para a busca de aprovação, além de
se revelarem, perceptivamente, muito sensíveis à percepção de fi­
sionomias. Vale, ainda, assinalar que sobre este tipo de motivação se
assentam a fidelidade e a lealdade aos grupos sociais. Por oposição
aos que se revelam tocados pelos motivos de realização, os que se or­
ganizam em tomo dos motivos de afiliação preferem, sempre, a exe­
cução de tarefas com a ajuda de amigos e nunca com a colaboração de
peritos.
Em sua análise sobre o estado presente das pesquisas conduzidas
na área da motivação, assinala Salvatore R. Maddi ênfases metodoló­
gicas e ênfases conceituais. Estas centralizam-se no estudo dos moti­
vos de realização, afiliação, ansiedade, aprovação, etc. Poder-se-ia
acrescentar o alargamento das pesquisas sobre níveis de atividade e
vigilância e, ainda, estudos sobre atividade exploratória (Berlyne,
1970). Metodologicamente registram-se maior interesse no estudo da
motivação humana e o predomínio do método correlacionai sobre o
método experimental. Na verdade, o método experimental pareceu
sempre o mais indicado, quando a preocupação dos pesquisadores
centralizou-se no estudo das relações entre a motivação e a aprendi­
zagem. A partir do momento, contudo, em que a ênfase passou a inci­
dir sobre o próprio conteúdo ou natureza específica da motivação, as­
sim como sobre o número dos motivos básicos em ação, sentiu-se que
o método experimental não era o mais fecundo. Muito mais se poderia
esperar do método correlacionai. Este, como observa Maddi, é ex­
tremamente útil para se determinar como se correlacionam várias
respostas dadas pelo mesmo sujeito. Basicamente consiste numa
observação em estilo naturalista de uma vasta gama de padrões de
respostas.
TEORIAS DA MOTIVAÇAO

Desde que se iniciaram as pesquisas, tanto clínicas quanto expe­


rimentais, sobre motivação, muitas foram as teorias que se propuse­
ram com o objetivo de cobrir e disciplinar a massa de fatos observa­
dos. Dentre as mais importantes, convém citar a do drive ou impulso,
especificamente vinculada aos behavioristas e comportando diferen­
ças de tonalidade em função dos vários sistemas que foram por eles
edificados; a psicanalítica, da qual pelo menos três versões foram
construídas; a gestaltista, que se expressou através de quatro modelos
principais (F. Heider, 1960); a teoria da atividade intrinsecamente
motivada, centrada nas atividades de exploração e curiosidade (Berl-
yne, 1960; R. S. Woodworth, 1947); e a relacional, de base fenome-
nológico-existencial, ligada ao nome de J. Nuttin (1950, 1965).

A teoria do drive ou impulso

A noção de drive ou impulso surgiu em substituição ao conceito


de instinto e como conseqüência do processo crítico que se propôs
contra esse conceito, em função do movimento behaviorista. De
qualquer modo, representa uma derivação do conceito de atividade
instintiva, como bem assinala Dalbir Bindra (1959), além de exibir
características análogas, dado que se conceitua como base inata para
todos os tipos de atividade. Beneficia-se, contudo, do fato de não se
revelar impregnado por muitas das implicações que atingiam o con­
ceito de instinto, além de cobrir fatos mais elementares. Este, particu­
larmente, representa o seu aspecto mais relevante.
A propósito da definição de drive, mostra P. T. Young (1966)
que ela se revela extremamente difícil. Assim, drive pode ser definido
como um sensibilizador químico dos mecanismos do corpo. Também
cabe considerá-lo como um ativador químico dos centros neuromus-
culares. Ainda será conceituável como fator determinante do abaixa­
mento dos limiares de resposta. Trata-se, em qualquer destes casos,
de uma condição orgânica mais do que ambiental e de efeitos persis­
tentes mais do que de duração breve. Responderia pela instigação,
sustentação, regulação e organização do comportamento. Em função
de perspectiva operacional, indica apenas a relação entre operações
de privação ou excitação do organismo e as modificações que nele,
em seguida, se registram e se medem. Tolman (1932) simplesmente o
conceitua como indicando estados de tensão que respondem pela de­
flagração da atividade. Hull, por sua vez, o identifica como uma va­
riável interveniente cuja função será a de ligar eventos observáveis,
tais como variações na força de uma resposta e número de horas de
privação de certo estímulo. Seria útil para efeito de propiciar explica­
ções sobre os processos de aquisição de hábitos e sobre a intensidade
e a seletividade dos desempenhos. R. S. Peters, finalmente, concei­
tua-o como expressão de um conúbio entre perspectivas mecanicistas
(Hull) e propositivistas (Tolman), nele se discriminando característi­
cas que decorrem de uma e de outra.
Embora se tenha mencionado a contribuição de Tolman (1932), a
grande contribuição em tomo do conceito de drive pertence a C. L.
Hull. Em sua sofisticada teoria da aprendizagem, a variável interve­
niente drive desempenha o papel de motor de propulsão dos hábitos,
dado que estes, apenas, não respondem pela atividade do organismo.
O esquema, de resto, complica-se a partir de 1943 com a introdução
de nova variável: o incentivo. O drive ou impulso e o incentivo con­
vertem-se nos dois fatores de ativação dos hábitos. No que concerne à
produção dos drives, considera Hull que eles devem sua existência às
privações biológicas e à estimulação intensa. Particularmente este se­
gundo aspecto será enfatizado por J. Dollard e N. E. Miller (1950).
Vale recordar que, no contexto geral de sua teoria, a noção de drive
representou uni conceito mecânico adicional através do qual se bus­
cou corrigir deficiência observada na teoria do condicionamento de
Pavlov e Watson (Peters, 1958).
Segundo Dalbir Bindra (1959), pode-se resumir a teoria do drive
através de dois enunciados: (1) o organismo somente age para efeito
de reduzir drives-, (2) atividades seguidas de redução de drives são re­
forçadas. Infere-se do primeiro enunciado que toda e qualquer espé­
cie de comportamento deverá ser interpretada como tentativa, direta
ou indireta, de redução de drives. Do segundo enunciado deduz-se
que a redução de drives, aumentando a probabilidade de emissão da
resposta envolvida no processamento da redução, constitui condição
para que ocorra aprendizado.
Como observa R. S. Peters (1958), inicialmente a teoria do drive
caracterizou-se por reduzida extensão. Em sua fase inicial visaria a
cobrir um número limitado de questões. Progressivamente, todavia,
foi ganhando em amplitude, sendo, neste particular, relevantes as
contribuições derivadas da obra de J. Dollard e N. E. Miller (1950). A
primeira ampliação do conceito, conforme comenta Peters, expri-
miu-se pela sua aplicação indiscriminada, quer a condições de esti­
mulação interna, quer a condições de estimulação externa. Por outro
Indo, ambos os autores citados insistiram em que qualquer estímulo
pode converter-se em drive quando suficientemente intensificado,
sendo tanto maior a sua função de drive quanto maior a sua intensidade.
A segunda ampliação do conceito expressou-se pela distinção entre
drives primários e drives secundários, estes representados pela ne­
cessidade de aprovação social, pela necessidade de afeto, pela neces­
sidade de status, etc. Embora R. S. Peters considere que essas amplia­
ções foram indevidas, elas se incorporaram definitivamente à teoria.
Objetos que reduzem os drives primários são chamados reforça-
dores primários. A impossibilidade de se explicar a totalidade da con­
duta através de cinco ou seis drives primários impôs a referência a
drives secundários. A expressão reforçamento substituiu a de recom­
pensa, evidentemente menos técnica. Sobre o seu significado, não
ohatunte, ocorrem divergências. O desacordo é evidente, por exem­
plo, quando comparamos B. F. Skinner e C. L. Hull. Skinner concei­
tu a o reforçamento como o procedimento experimental de apresenta­
do de um estimulo numa relação temporal com outro estímulo ou
tom unia resposta. Na medida em que a probabilidade de ocorrência
da resposta aumenta, diz-se que houve reforço. Em Hull reforçamen-
to sempre implica redução de drives ou impulsos. Entrementes, a
oposição entre Skinner e Hull encobre divergências epistemológicas.
De um lado, Skinner com posição empirista radical; do outro, Hull
optando por perspectiva mediacional. Skinner buscando a descrição
neutra dos eventos observáveis e rejeitando qualquer manipulação de
construtos, a seu ver, ineficazes. Hull aceitando o procedimento in-
terferencial que o levará além do dado empírico. Enfim, Skinner per­
manecendo fiel ao primeiro Watson; Hull optando pelo Watson que
fez concessões às variáveis intermediárias.
A idéia de converter a ansiedade em um drive básico vincula-se
aos nomes de O. H. Mowrer (1940) e N. E. Miller (1948). Os experi­
mentos que os conduziram a essa posição foram realizados no nível
da conduta animal. Ambos sustentaram que esse drive pode funda­
mentar aprendizado tanto quanto se aceita que outros o possam.
Admitida a teoria da redução de drives como condição essencial, para
efeito de processamento de aprendizado, propuseram que todos os
procedimentos orientados no sentido da redução de ansiedade são ap­
tos a fixar novos hábitos. Tais procedimentos (atividades ou rituais)
assumem as características de um mecanismo de defesa (Hilgard,
1952). Hilgard nada objeta contra a tese de Miller e Mowrer, mas
acrescenta que em nível humano ela se deve sofisticar com a inclusão
de referências e sentimento de culpa. A experiência do sentimento de
culpa implica, como adverte Hilgard, a apreensão do Ego como ins­
tância capaz de promover ou sustentai' atos bons ou maus. Onde quer,
pois, que se registrem ansiedade e culpabilidade, a auto-referência
enfia em jogo. Segue-se que o tema da auto-imagem ou autopercepto
aparece essencialmente vinculado ao da instalação do drive mencio­
nado como básico nas perspectivas de Mowrer e Miller. Convém re­
gistrar que as considerações de Hilgard precederam os desenvolvi­
mentos impostos por Mowrer à sua posição. Na verdade, Mowrer
precisamente enfatizará em trabalhos posteriores a presença de senti­
mentos de culpabilidade como básicos no processamento da ansieda­
de (1966).
A teoria do drive sofreu e tem sofrido restrições numerosas que
repousam tanto em processos de análise conceituai, como em pes­
quisas experimentais. As objeções de H. N. Nissen, por exemplo, si­
tuam-se no primeiro caso. Em verdade, são o resultado de um belo es­
forço de análise do caráter abrangente do conceito proposto. A idéia
central é a de que a observação de animais e pessoas em situações li­
vres ou mesmo em situações altamente estruturadas revela uma pro­
fusão de atos que parecem ter em si mesmos suas razoões de ocorrên­
cia, nenhum goal ou meta importante se podendo atribuir a eles, de
modo a justificá-los. Por outro lado, comportamentos caracterizados
pelo sentido sexual de redução da fome ou de eliminação da sede são
foimas infreqüentes e relativamente isoladas dentro do fluxo de res­
postas efetivamente desencadeadas ao longo do tempo. Estas repre­
sentam, então, desafios no sentido de esperarem explicações mais
adequadas.
As objeções de D. O. Hebb (1965) fundamentam-se em estudos
sobre o comportamento de chimpanzés diante de estímulos marcados
por alto grau de novidade. Assinala que diante de tais estímulos ob­
servam-se comportamentos de fuga, e tais comportamentos não são
explicáveis em termos de uma prévia associação desses estímulos
com uma estimulação aversiva. A amostra obtida de medo espon­
tâneo não pode ser explicada através de reforçamento secundário.
Observações convergentes, de resto, foram efetuadas por W. Kohler
(1927). Conforme comentário de Dalbir Bindra, das objeções de
Nissen e de Hebb infere-se que a variedade extrema de padrões de
resposta não se ajusta adequadamente a um quadro classificatório
simples, no qual se inclui pequeno número de drives ou impulsos.
Mas as objeções mais sistematizadas dentre as que se propuse­
ram contra a teoria da redução de drives foram as propostas por F. D.
Sheffíeld e seus colaboradores. Através de extensa programação ex­
perimental, visaram esses pesquisadores mostrar que o fator decisivo
para efeito de se fixarem e reforçarem hábitos não é a redução de dri­
ves, mas sim a atividade consumatória. Um dos experimentos básicos
incluiu, como fator de reforçamento, certa quantidade de solução de
sacarina. Não obstante não possuir essa substância qualquer valor nu­
tritivo, registraram-se reforçamentos nos atos instrumentais, fato
que, obviamente, não poderia ser atribuído a qualquer processo de re­
dução de impulso. A alternativa era explicá-los através da própria
ação consumatória. Vale assinalar que a hipótese de Sheffíeld foi tes­
tada em outras áreas de comportamento, como a sexual, com resulta­
dos também desencoraj adores para a teoria da redução de drives.
Restrições à teoria do drive ainda decorrem de experimentos condu­
zidos por M. Kohn. Consoante o comentário de J. Nuttin, nos experi­
mentos de Kohn, quando se injetam soluções nutritivas diretamente
no estômago dos animais, estes deixam de procurar alimento, muito
antes que a solução injetada chegue a modificar o estado das condi­
ções bioquímicas do organismo. Em outras palavras, muito antes que
ocorra redução do drive ativador.
Objeção típica resulta da presença de motivos que, longe de se
explicarem em teimos de redução de tensões, na verdade caracteri­
zam-se pelo empenho em elevá-los. “Somos, assim, levados a con­
cluir” — escreve G. W. Allport (1962)—“que há motivos de duas or­
dens, embora numa circunstância dada, as duas ordens possam coin­
cidir. Para nos exprimirmos nas palavras de Maslow, há motivos de
déficit e motivos de crescimento. Motivos de déficit são os que recla­
mam a redução de tensão e a restauração do equilíbrio. Motivos de
crescimento, ao contrário, mantêm a tensão no interesse de objetivos
distantes e muitas vezes inatingíveis. Como tais, eles distinguem o
desenvolvimento humano do animal, o desenvolvimento do adulto
do infantil. Por motivos de crescimento entendemos a influência que
os ideais exercem sobre o processo do desenvolvimento. Objetivos
de longo alcance, valores subjetivos, sistemas compreensivos de in­
teresse, eis alguns desses motivos. Como um exemplo de motivo de
crescimento, consideremos a dinâmica da consciência.”

A teoria psicanalítica

Conforme assinala J. Nuttin (1959), Freud, juntamente com E. L.


Thorndike e I. P. Pavlov, considerou ó reflexo como protótipo e mo­
delo do comportamento. No esquema adotado, o estímulo é concebido
como um fator de produção de energia. Dele resulta uma elevação do
potencial, com ruptura do nível ótimo em que deve permanecer o or­
ganismo. O excesso responsável pelo desequilíbrio terá que ser esco­
ado através de resposta adequada. A função da resposta será, pois, de
descarga. Produzindo o escoamento do excesso de energia, cessa o
estado de desconforto ou de desprazer (unlust), recompondo-se a
condição de equilíbrio (princípio da constância). Segundo Freud, os
estímulos responsáveis por maior acréscimo de tensão não são os que
procedem do meio externo. Antes, são os que se originam no próprio
interior do organismo, como a fome, a sede, o sexo, etc. Na circuns­
tância, uma descarga imediata, tal como ocorre no caso do reflexo, re­
vela-se impossível. Na verdade, é necessário que se discrimine, no
meio externo, certo objeto dotado da propriedade de interromper o
processo de excitação e provocar a descarga da energia acumulada.
Tal objeto estará carregado de catexia, conceito no qual, provavel­
mente, se inspirou K. Lewin para introduzir, em seu sistema, o de va­
lência ou caráter de demanda. O modelo adotado por Freud é o de tipo
psico-hidráulico.
Desenvolvida, como já foi assinalado em tópico anterior, no Pro­
jeto de uma Psicologia Cientifica (1895), a perspectiva teórica em
análise apresenta muitos pontos de contato com a teoria do drive. Por
outro lado, corrige, em pontos essenciais, a concepção hedonista, tal
como foi esboçada por Bentham, em 1789, em sua obra Hedonic Cal-
culus, na qual se afirmava que a ação emitida é sempre aquela que as­
segura maior soma de prazer e menor margem de sofrimento. Confor­
me comentam David Birch e Joseph Veroff (1970), Freud “reconhe­
ceu que o comportamento humano é dirigido por muitos processos
psicológicos inconscientes” e, “portanto, a mais forte tendência de
comportamento não é, necessariamente, para aquela que a pessoa
conscientemente decide que será a melhor para ela”. De qualquer
modo, mantém Freud a validade do principio do prazer reinterpretado
no sentido de satisfação inconsciente. Na verdade, o seu princípio bá­
sico consiste na afirmação de que o comportamento tem por finalida­
de específica a fuga do desprazer provocado pela atuação do estímulo
enquanto concebido como fator de elevação do nível de tensão inter­
na. Vale o registro de que, muito antes de falar em princípio do prazer,
Freud preferiu considerar o princípio do desprazer. Este, então, o ver­
dadeiro significado de sua posição teórica.
Um dos aspectos a se considerar na teoria freudiana é o que se re­
fere às formas superiores de comportamento. Freud explicou-as atra­
vés do mecanismo da sublimação, isto é, através do processo de des-
viação da resposta de sua meta original para outra socialmente mais
aceitável. O conceito de sublimação associa-se ao de catexia para efe­
ito de se cobrirem todas as chamadas formas sociais de resposta. Vale
recordar que o conceito de catexia relaciona-se com o princípio se­
gundo o qual certa soma de energia libidinal estaria associada (acu­
mulação catética) a qualquer objeto dotado da propriedade de gratifi-
cação. Registre-se que a crítica ao conceito de sublimação proces­
sou-se no próprio campo da psicanálise e encontra sua base na teoria
do Ego, elaborada por Hartmann et al. Conforme comenta Edward J.
Murray (1967), “a observação de crianças sugere que certas funções
do Ego—tais como a preensão, o andar, a percepção e o pensamento
— desenvolvem-se automaticamente na criança, isto é, não depen­
dem de motivos sexuais ou agressivos”.
Entrementes, o conceito de sublimação desempenha, no sistema
freudiano, papel relevante. Vincula-se a uma particularidade alta­
mente significativa que define, quer o impulso sexual, quer o agressi­
vo. Tal particularidade consiste no fato de que ambos podem ser re­
primidos, em face da existência de incentivos negativos de medo da
punição, ou seja, a existência de repressão social. J. Laplanche e J.-P.
Pontalis (1970) o definem como um processo postulado por Freud
para explicar atividades humanas sem qualquer relação aparente com
a sexualidade, mas que encontrariam seu elemento propulsor na força
da pulsão sexual. O pensamento de Freud sobre a sublimação pode
ser assim resumido: (1) ela é postulada sempre como uma vicissitude
de pulsões libidinosas, apesar de haver Freud, ocasionalmente, e já no
final de sua vida, mencionado a sublimação como ligada também à
agressividade; (2) ela é caracterizada como um desvio da finalidade
sexual para outra não sexual, permitindo, assim, livre utilização da
energia instintiva e revelando-se como condição de prevenção e defe­
sa contra a neurose; (3) é admitida, posteriormente, a necessidade de
participação do Ego em seu processamento. Emest Jones, em dois ar­
tigos clássicos, complementa e sistematiza o pensamento de Freud,
apresentando a sublimação como: (1) um processo inconsciente que
se efetua independentemente da vontade do indivíduo; (2) um pro­
cesso característico da mentalidade infantil, desde que no adulto ele
se revela como uma cópia descolorida do que se passa, em forte esca­
la, na infanda e, mais especificamente, na primeira infância; (3) um
processo que atinge mais as tendências infantis (pré-genitais) do que
o desejo sexual normal; (4) um processo que não se define como uma
substituição, mas como uma derivação, desvio ou deslocamento.
Freud não se revelou preocupado com outros motivos biológi­
cos, tais como fome ou sede. Ainda quando eventualmente passíveis
de não-realização, não se registra contra eles qualquer condição de
ameaça ao seu atendimento. Em outras palavras, podemos deixar de
beber ou de comer por falta de alimento, mas não por preconceitos so­
ciais que nos ameacem, caso se possa consumai' transgressão. De res­
to, este aspecto da teoria freudiana é posto em destaque por David
Birch e Joseph Veroff, quando escrevem: “A teoria freudiana do
comportamento foi particularmente perspicaz na compreensão de
que certos incentivos sensoriais podem ter, ligados a eles, incentivos
negativos poderosos. Toda a superestrutura da teoria motivacionai
psicanalítica baseia-se neste critério. O incentivo sensorial da água,
por exemplo, não interessa ao pensamento freudiano, porque há mui­
to poucos tabus negativos relacionados ao beber per se. Quanto ao in­
centivo beber água, o incentivo negativo da não-consecução está al­
gumas vezes ativo, mas o incentivo negativo do medo de consecução
— de interesse para o psicanalista — não está geralmente ativo.” E
mais adiante: “Os freudianos enfatizaram especificamente os incenti­
vos sexuais negativos porque, de acordo com o seu ponto de vista, em
uma sociedade organizada os incentivos sexuais precisam ser refrea­
dos. Duas observações estão de acordo com este ponto de vista: (1)
Todas as civilizações mantêm tabu de incesto e alguns tipos de regras
sexuais. (2) Toda criança deve, inevitavelmente, tentar aprender a
controlar suas funções orgânicas.”
L. Ancona (1959) resume a perspectiva freudiana, tal como ela
se apresenta em suas formulações iniciais, através de seis proposi­
ções básicas: (1) todo comportamento é motivado; (2) os motivos
persistem atuantes desde o nascimento até a morte do organismo, não
obstante os esforços exercidos pelo meio cultural para modificá-los
ou bloqueá-los; (3) os motivos são freqüentemente inconscientes; (4)
a motivação exprime-se sob a forma de estado de tensão; (5) não exis­
tem senão dois motivos aos quais se vinculam todos os padrões de
comportamento: a libido e a destrutividade; (6) a motivação tem uma
natureza essencialmente biológica e instintiva.
Nos dois tópicos anteriores ocorreu referência ao motivo destru­
tividade ou agressão. Freud o introduziu em Além do Princípio do
Prazer (1920) e o conceitua como princípio de discórdia comparável
ao Neikos de Empédocles. A pulsão de morte ( thanatos) seria um im­
pulso interno visando à autodestruição, isto é, visando a proporcionar
o retomo de todo ser vivo à condição inanimada. Conforme assinala
Georges Philippe Brabant, “a libido, assimilada à pulsação de vida,
tem por tarefa tomar inofensiva esta pulsão destrutiva, e dela desem-
baraçar-se derivando-a em grande parte para o mundo exterior, diri­
gindo-a contra os objetos do mundo exterior, logo auxiliada por um
sistema orgânico particular, a musculatura. Numa tal perspectiva,
como se vê, a agressividade aparece como a expulsão para o exterior
de uma forma destrutiva originariamente dirigida contra o próprio in­
divíduo. Essa expulsão, com finalidade protetora, se opera sob o co­
mando das pulsões de vida”.
A partir de 1923 inicia-se um processo de revisão do qual resulta
uma segunda perspectiva teórica vinculada à psicanálise. O processo
começa com o próprio Freud, conforme sublinha David Rapaport
(1960), e se expressa claramente em sua teoria do Ego exposta em
1926. Todavia, a ênfase no movimento de revisão é posta, particular-
mente, por Anna Freud e, depois, por H. Hartmann e E. Erickson. Em
1925, por exemplo, Anna Freud insistia na impossibilidade de se ex­
plicar a totalidade do comportamento com base apenas na libido e na
destmtividade. Apoiada em evidência clínica, proclamou a produção
de atividade autônoma e não derivada, na atuação do Ego. Th.
French, em 1946, também enfatizou a presença de funções sintéticas
e integradoras e H. Hartmann desenvolveu toda a teoria da neutraliza­
ção que, afinal, deflui dos próprios estudos conduzidos por Freud, em
1926 (Rapaport, 1960). De todos esses trabalhos de especulação e
pesquisa clínica ressalta a tese de que o Ego deve ser considerado não
como uma derivação do Id e apenas destinado a servi-lo diante do
mundo externo, de acordo com o princípio da realidade, mas como
fonte autônoma de energia derivada de uma organização primitiva e
indiferenciada, em condição paralela ao próprio Id.
As contribuições de Freud e de seus continuadores não se limita­
ram aos dois modelos aqui expostos. Conforme observa D. Rapaport
(1960), há ainda uma terceira perspectiva que se esboçou em tomo do
conceito de consciência. Trata-se de posição desenvolvida na Ciên­
cia dos Sonhos (1900) e retomada em alguns de seus derradeiros es­
critos. Segundo Rapaport, ela produz explicação adequada para al­
guns dos fatos cobertos hoje pelas teorias do comportamento explo­
ratório, embora, ao seu ver, não componha, rigorosamente, uma
teoria motivacional. Também alguns comentários de R. Dalbiez
(1947) sobre o Chiste e suas Relações com o Inconsciente, especial-
mente em tomo do chiste inofensivo, conduzem-no a especulações
sobre o que poderia ser uma teoria da atividade artística e, implicita­
mente, sobre uma teoria da atividade intrinsecamente motivada.

A contribuição dos etologistas

O modelo que poderíamos denominar etológico foi introduzido


por K. Lorenz em 1937 e, na verdade, revela-se profundamente pró­
ximo do que se propôs dentro da teoria psicanalítica. Para efeito, por
exemplo, de explicar-se que o animal, depois de se ter alimentado ou
copulado, é menos facilmente excitável pelo objeto apropriado (re-
leaser), Lorenz imaginou uma teoria que corresponde ao modelo
psico-hidráulico do Projeto de uma Psicologia Científica, de Freud.
Supôs Lorenz uma série de reservatórios que se podem encher de
energia específica. Cada reservatório seria regulado por um mecanis­
mo inato de descarga (IRM, innate releasing mechanism) que em
função de uma válvula se abrirá à simples percepção do releaser ou de­
tonador, isto é, de um estímulo específico do meio exterior (Nuttin,
1959).
Nikolas Tinbergen (1951) ampliou as contribuições de Karl
Lorenz, distinguindo, no nível da conduta instintiva, os aspectos ape-
titivos (instrumentais) e os consumatórios. Os primeiros referem-se à
fase da indagação, esforço, propósito, e apresentam graus de comple­
xidade que variam de espécie para espécie, de indivíduo para indiví­
duo e de situação para situação. Podem consistir em movimentos re­
flexos, movimentos condicionados ou mesmo comportamentos inte­
ligentes. O aspecto consumatório constitui a fase final da resposta e
se caracteriza por alto grau de estereotipia ou rigidez. Nele ainda cabe
a distinção de dois componentes: a taxis, representando movimentos
de orientação, e o padrão fixo, expressando a série altamente rígida de
movimentos típicos de cada espécie (K. B. Madsen, 1967). A concei-
tuação que se propõe com Tinbergen recorda a que se estrutura em
função da perspectiva freudiana. Na verdade, ao comentar a extensão
com que se revela o conceito de instinto em Freud, Dalbiez (1947) as­
sinala que nele se incluem não só os movimentos finais, mas também
as seqüências preparatórias necessárias à consumação do ato final.
Escreve a propósito: “Freud, quando adotou a concepção biológica
do instinto, foi obrigado a alargar o domínio da sexualidade. Para ele,
as sensações genitais são apenas a parte terminal dos processos se­
xuais. Elas são preparadas por outros fenômenos psicológicos que
têm por função desencadeá-las e que podemos chamai' de sexuais.” E
mais adiante: “O sexual não se identifica com o genital, mas tem com
ele uma relação essencial: o critério do sexual é a aptidão intrínseca
para desencadear o genital. Aos que lhe criticam enunciar um absur­
do ao falar de fatos sexuais que não são genitais, Freud responderia
mais ou menos nestas palavras: Vocês se esquecem do recalque e até
do condicipnamento orgânico. Um fósforo aceso é capaz de pegar
fogo a um chumaço de papel, mas será preciso que o vento não o apa­
gue e que o papel esteja bem seco.”
Entrementes, conforme observa Madsen, Tinbergen considera
que o ato instintivo, definido como ato global, é determinado por duas
espécies de fatores: os externos e os internos. Os estímulos distin­
guem-se em dois grupos: os disparadores {releasing stimulí) e os di­
retivos. Os estímulos disparadores teriam influência maior sobre a
fase consumatória, enquanto os estímulos responsáveis pela orienta­
ção ou direção operariam sobre a fase instrumental ou apetitiva, atin­
gindo, ainda, a táxis da fase consumatória. Vale assinalar que a posi­
ção de Nikolas Tinbergen, no que concerne à extensão dos atos ins­
tintivos, imo é compartilhada por Lorenz, para quem apenas os
movimentos consumatórios integram a estrutura do comportamento
instintivo. Como registra Karl Madsen, Nikolas Tinbergen define os
instintos como mecanismos nervosos hierarquicamente organizados,
suscetíveis a certos impulsos que os preparam, disparam e dirigem, e
cuja origem é interna e externa. O instinto responde a esses impulsos
com movimentos coordenados que contribuem para a conservação
do indivíduo e da espécie.
No desenvolvimento da teoria etológica dos conceitos importan­
tes foram introduzidos: (1) o de atividade vazia; e (2) o de desloca­
mento. O conceito de atividade vazia foi proposto para indicai' condu­
tas destituídas de condição de realidade. Indica a produção de com­
portamentos que decorrem da formação de níveis elevados de tensão,
todavia não liberáveis por estímulos disparadores {releasing stimulí)
presentes no meio ambiente. Ocorre, na circunstância, um escoamen­
to espontâneo, com a emissão de atividades marcadas por alto sentido
de irrealidade. O exemplo elucidativo é o de pássaro que ataca e engole
am inseto, na verdade, inexistente. No que concerne ao conceito de
deslocamento, ele define condutas funcionalmente desobjetivadas
que se deflagram sempre que o sujeito se defronta com situações for­
temente conflitivas. No homem tais padrões de conduta exprimem-se
e ilustram-se pelo ato de coçar a cabeça quando configurada a situa­
ção de impasse.
Conforme se assinalou em tópico anterior, as contribuições dos
etologistas produziram-se em função de método naturalista, centrado
na descrição da conduta animal, tal como ele se revela em seu habitat
natural. Resultam de um esforço de observação objetiva, não excluí­
da, como-assinala Nikolas Tinbergen, na fase inicial, certa dose de
subjetividade aceitável, ao seu ver, como condição capaz de favore­
cer a produção de insight sobre o significado das seqüências de res­
postas observadas. O rigor da objetividade seria maior no período
destinado à verificação das descrições efetuadas e do conhecimento
final obtido. As críticas ao método experimental frequentes nos eto­
logistas não os indispõem contra esse método, mas os condicionam
a prévio trabalho descritivo dos padrões peculiares à espécie com
base no qual se constroem os etogramas já mencionados em tópico
anterior.

A teoria gestaltista da motivação

O gestaltismo é, sobretudo, uma teoria cognitiva. Sob a influên­


cia do movimento fenomenológico, centralizou-se no estudo dos pro­
cessos perceptuais e, por extensão, no estudo das atividades de concei-
tuação e solução de problemas. Em seu desenvolvimento, contudo,
cobriu outras áreas e chegou a converter-se numa teoria geral do com­
portamento. Isso aconteceu, particularmente, após a publicação de As
Bases da Evolução Psíquica (1941) de Kurt Koffka. Koffka efetiva­
mente aplicou ao comportamento os princípios que Max Wertheimer
propusera em relação às atividades perceptivas e o conceituou como
uma gestalt, como uma estrutura não somativa na qual cada parte é
exigida pelo todo e nele se integra como as notas em uma melodia.
Convertido em um sistema altamente abrangente, não poderiam fal­
tar nele considerações acerca das variáveis motivacionais. Mas elas
imo se revelaram sistematizadas. Estão difusamente distribuídas ao
longo dos estudos sobre os diversos tópicos da Psicologia. Encontra­
mo-las presentes, embora implicitadas, nos estudos sobre percepção,
sobre pensamento, etc. O fato de parecerem parcimoniais decorre da
própria temática predominante, afinal sempre representada pela bus­
ca do eidos dos processos investigados.
Historicamente seria legítimo distinguirem-se duas fases princi­
pais no gestaltismo: a anterior ao surgimento das contribuições de
Kurt Lewin, e a posterior a essas contribuições. Claro que a divisão
não é absoluta. Não significa que a perspectiva inicial não se tenha
prolongado além do limite sugerido. Na verdade, as duas linhas per­
manecem paralelas. De qualquer modo, a obra de Kurt Lewin abre
perspectivas novas pela explícita inclusão, como temas de pesquisa
experimental e reflexão crítica, da problemática da personalidade e
da motivação. Tal fato, sem dúvida, decorre de que em Lewin a temá­
tica cognitiva que marcou o movimento se tonaliza com influências
derivadas da psicanálise.
Numa tentativa de sistematização e explicitação das contribui­
ções produzidas pelo gestaltismo na área da motivação, Fritz Heider
(1960) distinguiu quatro modelos diversificados de construção teóri­
ca. Desses, o primeiro se revela presente na obra de W. Kohler (1927,
1938); os dois seguintes refletem o trabalho de Lewin, de resto ex­
pressando-se em termos que não o distanciara muito do modelo ini­
cial; finalmente, o último propõe-se com o próprio Heider. Obvia­
mente a classificação não se mostra exaustiva. De fato, caberia refe­
rência ao ponto de vista de Leon Festinger (1957) expresso através de
sua teoria da dissonância cognitiva, bem como à perspectiva de ou­
tros teóricos que trabalharam centralmente com conceitos paralelos.
No próprio caso de Lewin, Heider exclui de sua análise as contribui­
ções centralizadas nos conceitos de nível de aspiração, de resto fonte
do conceito de motivo de realização, proposto por McClelland, e
perspectiva temporal. Ambas, não obstante, surgem exaustivamente
estudadas por J. Nuttin em Tache, Réussite eiEchec (1953). No pre­
sente texto, a teoria gestaltista será examinada em suas versões clássi­
ca, devida a M. Wertheimer, Wolfgang Kohler e Kurt Koffka, e mo­
derna, representada pela perspectiva topológica elaborada por Kurt
Lewin. Serão incluídos, contudo, os comentários necessários à com­
preensão dos conceitos de nível de aspiração e perspectiva temporal,
bem como algumas indicações acerca das posições teóricas de Heider
e Festinger, esta centrada no conceito de dissonância cognitiva.

O modelo clássico

A elaboração do modelo clássico fundamenta-se no próprio tra­


tamento dispensado ao conceito de percepção. O relevo concedido a
esse processo, no contexto da teoria gestaltista, decorre das influências
produzidas pelo movimento fenomenológico dentro do qual o tema
da presença, coberto pelo conceito de percepção, é considerado fun­
damental. Na verdade por ele se revela a forma mais perfeita da refe­
rência intencional e a ele se vinculam todos os demais processos com-
portamentais, como os da memória, por exemplo, ou os das ativida­
des conceituais. Termos tais como tendência, força, direção, meta,
tensão, surgem empregados em íntima conexão com os fenômenos
perceptivos. Tais termos tomam-se centrais na discussão da proble­
mática motivacional. O conceito básico, contudo, é o de boa forma ou
pregnância. Wertheimer o formulou ao iniciar seus estudos sobre per­
cepção visual, assinalando que as figuras perceptivas tendem a ser tão
boas quanto a estruturação dos estímulos o permita. Ou ainda, na for­
mulação de Kuit Koffka, as organizações psicológicas serão sempre
tão boas quanto o permitam as condições dominantes.
Conforme comenta Heider, o conceito de boa foima não é devi­
damente definido. Envolve, contudo, propriedades tais como regula­
ridade, simetria, simplicidade e outras. Poder-se-á dizer, então, que
uma estrutura exibe boa foima ou será pregnante quando todos os
componentes que nela se integram ocupam as posições decorrentes
de sua participação no todo e que decorrem de seus desempenhos fun­
cionais. Classicamente distribuem-se as estruturas ou gestalten em
fechadas e abertas. Conceituam-se como abertas aquelas que se reve­
lam desfalcadas de componentes, embora preenchidas todas as de­
mais posições necessárias à foimação da totalidade. São estruturas
com baixo índice de redundância. Em tais estruturas, revelar-se-ão
pressões orientadas no sentido de seu fechamento ou clausura. Serão
fechadas as que se revelam integradas de todos os seus componentes.
Neste caso terão alto índice de redundância, em face da presença de
partes não essenciais ao processo de captação adequada da estrutura.
Interferências externas capazes de produzir desequilíbrio serão redu­
zidas através de processamentos dinâmicos orientados no sentido da
recomposição do estado de equilíbrio.
O desenvolvimento da teoria clássica ou do modelo clássico se fez
através de várias contribuições a serem creditadas a Max Wertheimer,
Wolfgang Kohler e Kmt Koffka. Wertheimer, por exemplo, trans­
põe o modelo para a área conceituai, em seu célebre estudo sobre o
silogismo (1925). Haveria, aqui, também, a imposição de uma dire­
ção no processo inferencial decorrente da própria organização das
proposições básicas. A deflagração e a direção dos processos seriam
conseqüência das premissas propostas. A conclusão fecharia a estru­
tura e promoveria redução do estado tensional. No exemplo: Todos
os homens são mortais; Sócrates é homem; logo..., a conclusão se
impõe com a mesma força com que se impõe o fechamento de uma fi­
gura triangulada, na qual os três ângulos não chegam a se consumar,
mas apenas se insinuam. A explicitação da proposição conclusiva
será, neste caso, redundante. Nada acrescenta ao processo inferencial
e poderá ser dispensada. O vazio resultante de sua dispensa não será
um vazio despojado de sentido, mas um vazio marcado pela vocação
do dizer, do explicitar. Será um vazio significativo. Será um vazio do­
minado por condição de requiredness.
A Kohler vincula-se precisamente o conceito de requiredness
acima mencionado. Integrando o seu clássico The Place ojValue in a
World ofFacts (1938), significa a condição de atração ou rejeição re­
velada por certo objeto percentualizado por um sujeito. Converte-se
em fator de dinamização da conduta e justifica a afirmação de que, fe-
nomenologicamente, as respostas de um sujeito sejam decorrentes de
exigências externas.
Finalmente, Koffka estende o conceito de estrutura e dinamismo
ao campo social (1935), ao definir os grupos como gestalten (estrutu­
ras ou formas) caracterizadas como de tipo fraco. Vale recordar que a
distribuição das formas ou gestalten em fortes e fracas foi proposta
por W. Kohler (1920) em seu clássico estudo sobre as formas físicas.
Entendem-se por formas fracas as estruturas cujos componentes não
sejam rigorosamente determinados, em seus desempenhos funcionais,
pela própria estrutura global da qual façam parte. Por oposição, for­
mas fortes são todas as que tenham seus componentes funcionalmente
determinados pelo todo, por ele se explicando a totalidade de suas ca­
racterísticas e desempenhos. A esquematização do rosto humano re­
presenta uma forma forte no sentido de que os traços que a compõem
revelam propriedades definidas, funcionando cada um deles com o
desempenho da boca, nariz, etc. Os grupos sociais, obviamente, se
mostram como formas fracas pelo fato de que seus componentes não
retiram todas as suas propriedades do contexto no qual atuam e de­
sempenham papéis. Parte delas flui dos equipamentos genéticos. De
qualquer modo, os movimentos executados por um componente de
certo grupo são fundamentalmente determinados ou exigidos pela
sua posição dentro da estrutura, considerada a posição dos demais in­
tegrantes dela.
A contribuição de Koffka ainda se revelou de inestimável valor,
pois que, como ficou assinalado, coube-lhe o mérito de ter convertido
a teoria gestaltista, inicialmente definida como teoria da percepção,
em uma teoria geral do comportamento, ao publicar A s Bases da Evo­
lução Psíquica. Nesse livro, efetivamente, toda uma dimensão sintá­
tica da conduta se propõe, antecipando-se, inclusive, posição teórica
que se esboça em época bem posterior, através de Karl Lashley
(1948). Entrementes, segundo a crítica de Hei der, o modelo do equilí­
brio proposto pela Escola Gestaltista não cobre, de modo adequado,
tudo quanto se pode e se deve esperar de uma teoria da motivação.
Algumas questões, ao seu ver, não chegaram a alcançar resposta.

Os modelos formulados por Kurt Lewin

Conforme observação anterior, há em Lewin pelo menos dois


modelos de elaboração teórica. O primeiro refere-se à questão da fon­
te de energia ou condição de formação de estado tensional; o segundo
cobre o problema da direção assumida pelo comportamento. Em ou­
tras palavras, o primeiro refere-se à questão de ativação, o segundo à
questão da direção da conduta. Ambos os esquemas se assemelham
às perspectivas desenvolvidas por S. Freud. Também em Freud, na
realidade, defrontamo-nos com dois pontos de vista: o econômico e o
dinâmico.
A rigor, o primeiro trabalho de Lewin dedicado ao estudo da mo­
tivação é a sua tese de doutoramento, redigida em 1922. Nela se anali­
sa e se critica a posição assumida por N. Ach, acerca de uma oposição
entre processos simplesmente associativos e processos expressivos
da intervenção de atitudes determinantes ou voluntárias. Lewin nega
a possibilidade de irrupção de processos meramente associativos,
isto é, de processos que não tenham a lhes acionar ou ativar um fator
de detonação. Em outras palavras, os hábitos por si sós nunca pode­
riam ser fator de eclosão de processos associativos. Por mais que um
conjunto de sílabas sem sentido, assimiladas em conexão com outro,
se proponha ao sujeito, não poderá desencadear a evocação do outro.
Impor-se-á a interferência de um fator de impulso. A tese será reto­
mada por C. L. Hull, quando introduziu a variável drive para explicar
o processamento das respostas, ao percebê-lo irrealizável, na medida
em que se trabalhasse apenas com o conceito de hábito.
Vale o esclarecimento de que Lewin centralizou suas investiga­
ções no plano cognitivo, iniciando, de modo formal e em nível expe­
rimental, as pesquisas sobre motivação superior. Pois é nesse plano
que propõe, como esquema explicativo, a tese de que é a atitude que
se cria, no sujeito a que se propõe certo impasse, que constitui o fator
desencadeante da ação. Toda proposição de tarefa envolveria forma­
ção de tensões. Obviamente condicionada essa formação à aceitação
do desafio. De qualquer modo, admitida a tarefa, logo se produzirá
tensão. A persistência do estado tensional implicará desconforto, jus­
tificando-se os esforços orientados no sentido de seu escoamento.
Este poderá ocorrer através de três formas: ou adequadamente, pela
solução do impasse; ou através de condutas agressivas, revelando-se,
neste caso, forma regressiva ou mágica de resposta.
O escoamento através de condutas substitutivas constitui tema
central dentro do esquema teórico montado por Lewin e proporcio­
nou considerável contribuição experimental. Um dos primeiros estu­
dos nessa área pertenceu a Kate Lissner, que, inclusive, verificou que
o valor de substituição de uma tarefa, em relação a uma outra, condi-
cionava-se à semelhança existente entre elas. Por outro lado, desco­
briu também que o poder de escoamento da tensão era tanto maior
quanto mais difícil se revelava a tarefa utilizada com substitutiva. A
crítica ao trabalho de Lissner se centralizou na dificuldade de se defi­
nirem a priori os graus de semelhança e de dificuldade, dado que am-
bos os conceitos implicam critérios altamente subjetivos. Outro ex­
perimento relevante relaciona-se ao nome de Mahler. Sua contribui­
ção centralizou-se no conceito de nível de realidade, possibilitan-
do-se a verificação de que, quanto maior o grau de realidade da tarefa
substitutiva, tanto maior o seu poder de escoamento dos potenciais de
tensão. As restrições, aqui, referem-se ao sentido absoluto da propo­
sição. Na verdade, dependendo da situação em que se propõe uma ta­
refa, pode ocorrer que a fantasia possa satisfazer tanto quanto uma
atividade motora. Tal efeito estará condicionado, por exemplo, a um
contexto definido por certa condição lúdica. Finalmente registram-se
contribuições muito significativas ligadas ao nome de Mary Henle. O
que as peculiariza é a preocupação com a possibilidade de se predize­
rem valores de substituição para certa tarefa, possibilidade que Henle
julgou realizável mediante aproveitamento dos princípios que regu­
lam a percepção.
Entrementes, a instalação de tensões através da proposição de
problemas, com a formação do que Lewin chamou de quase-necessi-
dades, constitui explicação válida para o problema da ativação da
conduta. Não cobre, todavia, a questão da direção assumida pelo
comportamento. Para provar essa deficiência, recorre Lewin ao seu
segundo modelo teórico. Neste modelo, o conceito central será o de
aufforderungscharaktere (caráter de demanda) ou da valência. Fun­
damentalmente, afirma-se que o campo que nos envolve nunca se
compõe de objetos neutros. De fato, todos os que o integram sempre
se revelam dotados de significado. Alguns possuem valor positivo;
outros, valor negativo. Os primeiros atuarão sobre os sujeitos, des­
pertando condutas de aproximação; os últimos provocarão respostas
aversivas ou de afastamento. E escusado assinalar-se a íntima cone­
xão entre o conceito de valência e o de requiredness preferido por
Kohler. Por igual, vale a recordação de que entre valência e catexia as
semelhanças funcionais são óbvias.
Dentre os conceitos utilizados por Lewin, o de espaço ocupa pa­
pel relevante. Cabe, todavia, esclarecer que ele não é empregado no
sentido euclidiano e, portanto, com propriedades isotrópicas. Em
Lewin o conceito de espaço se define como essencialmente psicoló­
gico e caracterizado por propriedades anisotrópicas, isto é, integrado
de regiões diferenciadas quanto às condições de peimeabilidade e lo­
comoção. Nele a proximidade física pode implicar afastamento psi­
cológico, tanto quanto afastamentos podem significar movimentos
de aproximação. Conforme comenta Heider, Lewin tentou unificar
os dois modelos propostos. Não se decidiu, aparentemente, por uma
solução única. Não obstante, é de se aceitai' a idéia de que a conexão
entre o desencadeamento e a direção da conduta se faça em teimos
que poderiamos caracterizar como dinâmicos ou dialéticos. Assim, a
instalação de um estado tensional produziria condição de sensibili­
dade. Imediatamente seriam detectados alguns objetos que logo exer­
ceriam poder de atração. Mas os próprios objetos poderiam atuar so­
bre o sujeito, criando condição de sensibilidade. As relações seriam,
assim, de tipo reversível.

Sobre a concepção de perspectiva de tempo

Um outro aspecto a se considerar na construção teórica de Lewin


é o que se refere ao conceito de perspectiva de tempo. Definida como
uma das dimensões do espaço de vida, nela se incluem o passado, o
presente e o futuro. Exprime, em função da teoria da intencionalida­
de, o esforço realizado pelo sujeito para enriquecer o número de enla­
ces que possibilitam sua inserção no mundo. Refere-se a maior ou
menor capacidade de produzir projetos e atuar em função deles. Re­
duzida na criança, a perspectiva de tempo amplia-se à medida que
avança o processo do desenvolvimento individual, atingindo o seu
ponto mais alto na maturidade. Aqui, os projetos são produzidos para
execução a longo prazo e, obviamente, sua elaboração subordina-se
às seqüências de sucesso que se estruturam no passado. Estabelece
Lewin, então, que o comportamento exibido por um sujeito sempre
reflete o seu passado e o seu futuro, isto é, a maneira como ele avalia o
seu passado e como prevê o seu futuro. E essa condição que, inclusi­
ve, serve de suporte ao conceito de moral, definido como um estado
de euforia relativamente às possibilidades que o sujeito se atribui no
plano da ação organizada.
A utilização do conceito de perspectiva de tempo não se choca
com o princípio da contemporaneidade, segundo o qual o comporta­
mento depende sempre e somente do campo psicológico estruturado
em um certo momento. Na verdade Lewin nunca negou a influência
de situações anteriores sobre o comportamento atual. Apenas sempre
considerou que esses efeitos nunca se produzirão a menos que exis­
tam, no campo psicológico atual, elementos que se revelem funcional
e dinamicamente vinculados a uma situação anterior. De resto, como
se sublinhou, não é o passado que influi, mas o modo como ele é esti­
mado a partir da situação presente. A tese é comum a Freud e vemo-la
sugerida a propósito dos relatos de violências sexuais, comuns nas
pacientes que se submetiam à análise. Tais violências não se revela­
vam reais. Resultavam de fantasias. Construíram-se, pois, a partir do
presente. Não era, então, o passado que importava, mas o modo como
ele era concebido. Este é que explicava a ação a se desenrolar no pre­
sente.
O conceito de perspectiva de tempo está intimamente vinculado
ao de nível de aspiração. Trabalhado por Tamara Dembo e por F.
Hoppe, seus colaboradores, define-se como o nível de desempenho
futuro, em uma tarefa familiar que um indivíduo julga poder atingir
em face dos resultados prévios. O que se assinalou como implicação
do conceito de perspectiva de tempo vale para o de nível de aspiração.
Projetos envolvendo elevação dos níveis mencionados produ-
zir-se-ão paralelamente ao alargamento da dimensão de tempo. So­
bre o modo com se fixam os níveis de aspiração, sabemos que eles se
estimam em função das seqüências de resultados alcançados ao longo
de uma série temporal. Seqüências positivas, progressivamente as­
cendentes, produzirão aumento dos níveis de expectação, revelan-
do-se estes como conseqüências da estruturação do que F. Hoppe
chama de ick-niveau positivo (nível positivo de autopercepção ou de
percepção do Ego). Seqüências negativas vincular-se-ão a expectati­
vas inferiorizantes, igualmente decorrentes de um autopercepto des­
favorável. A compatibilidade entre a qualidade do ich-niveau ou au­
topercepto e a natureza dos níveis de aspiração é determinada pela ne­
cessidade de autoconsistência, conceito que equivale ao de equilíbrio
enfie o meio interno e a conduta que o revela.
Conforme se assinalou, J. Nuttin explora esse tema em seu clás­
sico Tache, Réussite etEchec. A idéia é a de mostrar a importância de
se dar a conhecer a um sujeito o resultado de seus desempenhos ante­
riores. Na verdade, será em função desse conhecimento que se estru­
turarão suas tentativas futuras. Desajustes entre os níveis de realiza­
ção atual e as expectativas acerca de padrões a serem alcançados po­
dem revelar-se, neste caso, exprimindo efeitos negativos de proces­
sos de intensa frustração.
A Teoria do Equilíbrio, elaborada por F. Heider, assenta-se dire­
tamente nas contribuições formuladas pelo gestaltismo clássico, no
âmbito da percepção. Opera, transpondo os princípios que se fixaram
na área da percepção de objetos, através dos trabalhos de Max
Wertheimer (pregnância, proximidade, semelhança), paru a área da
percepção de pessoas, considerando a possibilidade de serem apreen­
didas estruturas equilibradas, harmoniosas, pregnantes ou, ao inver­
so, totalidades reveladoras de desequilíbrio entre os seus componen­
tes. Obviamente, as estruturas ou totalidades aqui referidas são as que
se integram de pessoas, podendo comportar número maior ou menor
de integrantes (díade, tríade, etc.). Admite Heider que, percebida a
estrutura como irregular, desequilibrada, instala-se no perceptor esta­
do de tensão que o impele à busca de regularidade e equilíbrio, tal
como ocorre na percepção de figuras ou na evocação de formas
(Wulf). É claro que o impulso descarregado na direção da boa forma
não constitui garantia de que ela seja alcançada. De qualquer modo,
ela constitui, sempre, meta nos processos de organização perceptual.
Apresentada a teoria em 1946, em um artigo intitulado “Atitudes e
Organização Cognitiva”, foi a mesma aprimorada em 1958 quando
foram indicadas as formas através das quais se processam as conver­
sões de estruturas não pregnantes em estruturas equilibradas, dela
fornecendo Heider breve exposição em 1960. Por outro lado, muitas
contribuições se produziram visando ao seu desenvolvimento, sendo
de se destacarem as vinculadas a Caitwright e Harary, tanto em nível
crítico, indicando dificuldades obseivadas na teoria, quanto em nível
conceituai, com introdução de conceitos novos, tais como: signed
digraph, path, ciclo, semiciclo e sinal de um ciclo ou semiciclo. Ou­
tras contribuições são comentadas por A. Rodrigues (1972).

A teoria da dissonância cognitiva

No tópico destinado ao exame dos modelos produzidos pelo ges­


taltismo na área da motivação, mencionou-se o da dissonância cogni­
tiva como um dos que poderiam ser acrescentados aos quatro propos­
tos por F. Heider. Na verdade, sua exclusão pareceu injustificada es­
pecialmente se considerarmos o fato de que o próprio modelo que se
ligou ao nome de Heider (teoria do equilíbrio) foi objeto de análise.
Há, contudo, a atenuante de que o estudo crítico de Heider provavel­
mente não pretendeu ser exaustivo, mas, apenas, sistemático. De
qualquer modo, diante da importância de que se revestiu a contribui­
ção centrada no conceito de dissonância, convém breve comentário
sobre o seu significado.
Elaborada por Leon Festinger (1957), discípulo e colaborador
direto de Lewin, a teoria da dissonância cognitiva inspira-se mais no
modelo clássico. Seu escopo é a solução de problemas motivacionais
no nível dos processos de conhecimento. A idéia básica é a de que as
frações de informação que uma pessoa absorve podem não ser mutua­
mente coerentes. No caso de coerência, o sistema permanece em
equilíbrio, caracterizando-se o estado de consistência. Registrada,
contudo, a discrepância entre os elementos informativos, instala-se
condição de dissonância e, como conseqüência, desencadeia-se todo
um processo orientado no sentido de sua redução. O modelo, real­
mente, pouco acrescenta ao modelo clássico, embora introduza a
vantagem de previsão e da medida. Por outro lado, como comentam
M. Deutsch e R. M. Krauss (1970), difere de outras teorias da con­
gruência porque estabelece uma distinção entre processos de
pré-decisão e processos de pós-decisão. Festinger assim resume os
aspectos fundamentais da teoria: (1) entre os elementos cognitivos
podem existir relações desajustadas ou dissonantes; (2) a existência
de dissonância determina o surgimento de pressões para reduzi-la e
para evitai' seu aumento; (3) as manifestações da influência destas
pressões incluem mudanças no comportamento, no conhecimento e
exposição circunspecta à nova informação e a novas opiniões.

A teoria da atividade intrinsecamente motivada

Prevaleceu ao longo da pesquisa a conceituação da motivação


como processo que se reduz a partir do momento em que se discrimi-
num os incentivos adequados. Esse enforque caracteriza a teoria do
drive e, por igual, a teoria psicanalítica. Entretanto, há padrões de
comportamento que não parecem admitir esse gênero de explicação.
Entre eles, convém citai' a atividade lúdica e a exploratória, ou seja, a
atividade expressiva de curiosidade. De fato, a atividade lúdica ou
atividade de jogo é autotélica e autogratifícadora. Joga-se por jogar.
Os incentivos externos nem a sustentam. O mesmo se poderá dizer da
atividade exploratória. Também aqui a simples execução da ativida­
de de busca é suficiente como fator de reforçamento. Haveria, inclu­
sive, a possibilidade de se generalizar esse tipo de resposta para mui­
tas outras, convertendo-o em padrão explicativo. Foi o que fez E.
Claparède em seu clássico estudo comparativo entre o jogo e o traba­
lho. Em suas formas superiores, ambas as formas de comportamento
coincidiram.
De 1950 em diante, multiplicaram-se as pesquisas sobre esses
padrões de conduta, procedendo-se, particularmente em relação ao
jogo, ao que M. Duffenne chamou de reabilitação ontológica. No que
se refere à conduta exploratóna, a ênfase se deve, entre outros, a D. E.
Berlyne, M. Glanzer, R. W. Earl, W. N. Dember, etc. Vale assinalar
que por conduta exploratória, também denominada de alternância,
expressiva de curiosidade ou epistêmica, se entende aquela que se
orienta no sentido da busca de informações. Por outro lado, por infor­
mação entende-se tudo quanto possa implicar redução dos níveis de
incerteza instalados em um sujeito, níveis que se exprimem por difi­
culdades de resposta. No que concerne às formas assumidas pela con-
duta'exploratoria, D. E. Berlyne classificou-as em três categorias: as
orienting responses, as de tipo locomotor e as investigatory respon­
ses. As primeiras se exprimem em termos de mudanças a se operarem
na postura do sujeito envolvido na pesquisa e no estado momentâneo
dos órgãos receptores. A segunda categoria supõe deslocamentos
processados em tomo do objeto investigado e, realmente, implica um
devassamento dele. Já as investigatory responses caracterizam-se
pela conduta manipuladora. O objeto visado na pesquisa é tocado e
retocado pelo agente do processo e não apenas focalizado perceptiva-
mente, atingindo-se, assim, a forma que talvez se possa considerar
como a mais eficiente, para efeito de se distinguir o fim da atividade
exploratória.
Em fünção de outro critério, ainda Berlyne distingue entre a speci­
fic exploration e a diversive exploration, caracterizando-se a primeira
por se centralizar em tomo de estímulos definidos ou de situações
problemáticas já delimitadas, e peculiarizando-se a última pela preo­
cupação de busca de novas experiências. Finalmente, Berlyne distin­
gue entre a inspective e a inquisitive exploration, em que a primeira se
refere à pesquisa procedida em tomo de estímulos presentes no cam­
po perceptivo do sujeito, e em que a inquisitive se caracteriza por vi­
sar a obj etos apenas suspeitados como integrando certa área de explo­
ração. S. R. Maddi, B. Propst e I. Feldinger, citados por David Birch e
Joseph Veroff (1970), completam o quadro classificatório, propondo
a distinção entre a curiosidade interna e externa, a primeira referin­
do-se à auto-exploração e a última à exploração do mundo externo.
A pesquisa centrada nos fatores que respondem pelo desencadea­
mento da conduta exploratória destacou a novidade e a complexida­
de. Considera-se que um estímulo é novo quando o nível de expecta­
tiva em tomo de sua presença é nulo ou extremamente baixo. Estímu­
los com os quais se registra alto grau de convivência defmir-se-ão
como rotineiros. Por complexidade entende-se a propriedade de cer­
tos estímulos resistirem aos processos de categorização ou identifica­
ção. Opõem-se aos estímulos simples, caracterizados por facilitar os
citados processos de inclusão em classes ou categorias. Convém assi­
nalai' que experimentos conduzidos por D. O. Hebb, O. H. Mowrer e
S. R. Maddi demonstraram que os graus extremos de novidade não se
correlacionam com a curiosidade, antes desencadeando reações de
ansiedade e medo. Hebb obteve esse resultado ao exibir, em um com­
partimento onde se encontravam vários chimpanzés, a cabeça já de­
cepada de um macaco. A reação notada, efetivamente, foi a de pâni­
co, a ela se sucedendo, em graduação contínua, respostas expressivas
de curiosidade e, finalmente, respostas reveladoras de desinteresse e
saciedade. No caso de S. R. Maddi, os experimentos comprovando o
caráter ameaçador dos estímulos marcados por excessivo grau de no­
vidade foram conduzidos com crianças. Revelou-se que, diante de
brinquedos que se distribuíam em um continuum e se polarizavam em
absolutamente novos e extremamente familiares, os que se revela­
vam favorecidos por escolhas eram os que se situavam em faixa mais
próxima do grupo de brinquedos conhecidos.
Acerca das explicações propostas para efeito de se cobrirem os
fatos observados, duas teorias logo se propuseram: a da inibição rea­
tiva, inspirada em C. L. Hull, e a da saciação perceptual, proposta por
Montgomery e M. Glanzer. A primeira enfatiza a importância da pró-
pria resposta. Produzida certa forma de reação, logo a possibilidade
de sua repetição se prejudicaria, impondo-se a alternância. Glanzer e
Montgomery centralizam-se na maior importância dos processos
perceptivos. Glanzer, inclusive, em experimento brilhantemente pro­
gramado, utilizou-se de labirintos em T, transformáveis em labirintos
em cruz, para provar a superioridade da explicação fundada na rele­
vância da percepção. Em estudo intitulado “New Look in Motivation”
(1965), W. Dember pretendeu rejeitar as duas citadas teorias, dado
que ambas participam de um sentido negativo. No caso das explica­
ções inspiradas em Hull, o construto que justificaria a alternância se­
ria o da inibição, enquanto Glanzer, ainda que destacando a importân­
cia da atividade perceptiva, fundava sua explicação no construto pa­
ralelo da saciação. Dember opta por explicação positiva e entende
que as atividades de alternância se explicarão melhor pelo próprio va­
lor de novidade de que se pode revestir o estímulo.
Convém mencionar, ainda, duas contribuições igualmente signi­
ficativas do relevo concedido aos comportamentos definidos como
autotélicos. A referência cobre os nomes de R. S. Woodworth (1947)
e R. W. White (1960). Ambos desenvolveram abordagens que desta­
cam a primazia do comportamento e o valor do contato do organismo
com o meio. R. W. White sustentou a tese de que todos os motivos in­
trínsecos constituem aspectos ou formas de realização de um motivo
global, por ele definido como motivo de efetuação. “Este motivo” —
escreve E. J. Murray—“tem sua única origem no cérebro, imo no de­
sequilíbrio visceral; não tem uma reação consumatória específica e
não é recompensado pela redução de tensão ou estímulo. A função bio­
lógica do motivo de efetuação é granjear competência no tratar com o
meio ambiente”. No caso de R. S. Woodworth, sua contribuição cen­
tralizou-se na importância de uma necessidade que ele chamou de ne­
cessidade de percepção. Nossa vida de relação seria, efetivamente,
dominada pelo prazer de ver, de ouvir, de entender, enfim, de convi­
ver, de modo cognitivo, com o meio circundante. Há na perspectiva
de Woodworth características que a aproximam da posição sustenta­
da em linha existencial, além de revelai- convergência com as teses
centradas nos expenmentos de privação sensorial.
Uma observação final, envolvendo correlação entre a atividade
exploratória, epistêmica ou de busca de informação e os potenciais de
inteligência revelados nos indivíduos, convém que se faça neste tópi­
co. A referência, de resto, é feita por David Birch e Joseph Vero ff,
ambos destacando a existência de correlação positiva. Na verdade,
quanto maior o potencial de inteligência e maior o poder de discrimi­
nação perceptual, tanto maior será a ffeqüência de conduta expressi­
va de curiosidade.

A teoria relacional de <J. Nuttin

Trata-se de perspectiva de inspiração fenomenológico-existen-


cial. Centraliza-se, implicitamente, no conceito de relação ou refe­
rência intencional. Parte, por igual, de uma conceituação não limitada
ou fechada da personalidade. Esta não se concebe como um sistema
apenas definido pelos limites periféricos do organismo. Na verdade,
ela é uma estrutura que vai além de sua organização interna. Supõe
uma inserção ativa e progressiva no que concerne ao número de enla­
ces que a vinculam ao mundo. O contato e a interação com os objetos
que integram o meio ambiente não supõem sua presença plena e reali­
zada, mas constituem a essência mesma de sua estrutura e de sua ma­
neira própria de funcionar. Como assinala Nuttin, ela se define me­
lhor como uma estrutura dotada de dois pólos: o eu e o mundo, e as­
sim se identifica como conceito de dasein, tal como Heidegger o
formulou. No fundo, então ela terá que ser concebida como expres­
siva de uma relação de inerência com o mundo. Esse, então, o con­
ceito em função do qual convém que se considere o problema da
motivação.
A tese central a se propor em função do enfoque existencial é a de
que todo comprometimento envolvendo a correlação eu-mundo im­
plica ameaça à integridade do organismo ou da personalidade.
“Constata-se”, escreve Nuttin, “que o organismo perece ou que a per­
sonalidade se desintegra, sempre que os tipos de interação se tomam
irrealizáveis ou difíceis de se estabelecer. Assim, o indivíduo que não
consegue promover certas formas de contacto com seus semelhantes
ou situar-se no conjunto de seu mundo, tanto quanto aquele que não é
bem-sucedido na procura de alimento, experimenta perturbações,
mais ou menos profundas, no funcionamento de seu organismo psi-
cofisiológico. Propomos conceberem-se os motivos no seu aspecto
comportamental ou psicológico, como esses tipos de interação que se
revelam indispensáveis ao funcionamento do organismo e da perso­
nalidade”.
Vale assinalar que as interações referidas por Nuttin podem clas­
sificar-se em diferentes níveis, discriminando-se, então, os níveis
cognitivo, afetivo e bioquímico. Privações envolvendo suprimentos
nas várias faixas mencionadas serão, assim, desorganizadoras. De­
monstrações adequadas produziram-se através dos experimentos so­
bre privação sensorial já antes referidos e realizados na Universidade
de McGill, sob a influência de Hebb. Sobre as privações afetivas, são
eloqüentes as observações clínicas que conduziram à definição da
chamada síndrome do hospitalismo descrita por R. Spitz. Não obs­
tante, Nuttin entende que, neste caso, as privações são mais amplas,
pois não envolveriam apenas a privação da presença materna, mas
também o empobrecimento do mundo dos objetos. Em todos esses
casos, contudo, a redução do nível ótimo de contacto com o meio de-
sencadeoú distúrbios.

A teoria de Maslow

A teoria de Maslow está exposta em Motivation andPersonality,


publicado em 1954. Ele próprio a considerou vinculada à tradição
funcionalista de W. James e J. Dewey, além de revelar-se impregnada
do gestaltismo de Wertheimer e do holismo de Goldstein. Incorpora,
ainda, elementos da perspectiva freudiana e adleriana. Influências as­
sim tão diversas são combinadas, justificando-se a caracterização do
resultado final como expressando uma teoria holista-dinâmina.
Maslow trabalha com o conceito de necessidade (need) e propõe
uma lista hierarquizada que encontra nas necessidades fisiológicas
sua base de sustentação, nelas destacando a importância dos concei­
tos de homeostase (Walter Cannon) e de apetite. Este último liga-se
aos estados de carência que se poderão definir como químicos. No
que se refere à homeostase, indicam-se, com esse conceito, os meca­
nismos que mantêm constante o equilíbrio do organismo. A teoria de
Maslow sustenta que existe uma compatibilidade entre as necessida­
des dominantes e as aspirações que se formulam e em função das quais
sc vive. Conforme o exemplo que propõe, o faminto crônico concebe
o paraíso como um lugar onde é abundante o alimento. Reduzida a ne­
cessidade de alimentação, contudo, outra logo se revela, produzin­
do-se, na circunstância, uma reestruturação da filosofia de vida. Sur­
gem, assim hierarquizadas, outras necessidades básicas, que segundo
Maslow são representadas: (1) pelas necessidades de segurança; (2)
pelas necessidades de participação ou integração ( belongingness) e
amor; (3) pelas necessidades de auto-estima e respeito próprio; (4)
pelas necessidades de auto-atualização, estas últimas inspiradas no
sistema de Goldstein; (5) pelas necessidades de conhecimento e de
compreensão do mundo. Maslow assinala que a ordem das necessida­
des não é, obrigatoriamente, a mesma para todos os indivíduos. Tam­
pouco ela se revelará a mesma nas diferentes faixas de idade.
No conjunto hierarquizado de motivos propostos por Maslow,
incluem-se as necessidades cognitivas, ou seja, as necessidades de
conhecimento e compreensão. Constituem-se nas menos estudadas
dentre as que foram objeto de referência. Excetuados Wertheimer,
Solomon Asch, Mmphy e P. Schilder, poucos autores preocupa­
ram-se com elas. Possivelmente por não terem significação em face
de uma abordagem clínica. Tais necessidades mostram-se tanto
como expressão de medo quanto como manifestação de coragem. No
primeiro caso objetivam reduzir estados de ansiedade. Caracteri­
zam-se, desse modo, como de sentido negativo. Produzem-se diante
de situações ou objetos novos, ou seja, de situações ou objetos com os
quais os níveis de convivência se revelam baixos. O esforço para co­
nhecê-los visa a revelá-los como inofensivos. Nesta circunstância
produzem-se duas alternativas: (1) ocorre imediato desinteresse pelo
objeto ou pela situação já agora neutralizados; (2) inicia-se um outro
tipo de pesquisa e exploração inteiramente liberado do medo e centra­
do em um melhor conhecimento do objeto ou da situação. Maslow
entende que as duas formas de conhecimento que assim se propõem
são fenomenologicamente diferentes. Também se revelam diferentes
do ponto de vista clínico, pessoal e comportamental. Assinale-se que
a condição de coragem que move o homem na direção do saber tanto
se pode conceituar como expressiva de ausência de medo como se
pode definir como expressiva de uma superação dele.
A produção de formas puras de conhecimento, ou seja, de formas
que apenas se expnmam como decorrências do medo ou da coragem,
constitui situação rara. O que prevalece é a participação dos dois fato­
res na busca do saber. Precisamente por isso, observa Maslow que a
pergunta mais pertinente consiste na especificação do percentual tan­
to da motivação de medo quanto do impulso de coragem. O conheci­
mento será, de qualquer modo, expressivo da ação conjugada de me­
canismo de repressão da ansiedade e de mecanismos de apreensão
dos dados essenciais à resolução de um impasse. A distinção que as­
sim se propõe entre motivos de repressão e motivos de apreensão é
paralela a outra igualmente proposta por Maslow em termos de moti­
vação de deficiência e motivação de desenvolvimento. Estes são defi­
nidos como de auto-realização e de humanização. Segundo Maslow,
a distinção exprime-se por certo enunciado que se poderia explicitar
em termos de que “uma vez que temos os nossos problemas resolvi­
dos, podemos, agora, realmente interessarmo-nos pelo mundo”.
Maslow considera que a motivação de desenvolvimento nunca é uma
opção definitiva. Antes, constitui escolha a ser continuamente reno­
vada.
Conforme se adiantou em tópico anterior, uma das fontes mais ri­
cas do pensamento de Maslow é Kurt Goldstein. Das observações por
este registradas em sujeitos portadores de lesões cerebrais, Maslow
retirou muitas lições. Na verdade, conforme assinalou Goldstein, tais
sujeitos reduziam defensivamente o campo de seu interesse de modo
a evitar confronto com situações problemáticas não passíveis de solu­
ção. Eles “geometrizavam as suas pequenas realidades em um esfor­
ço para tomá-las previsíveis, controláveis e seguras”. Obviamente,
baixavam os níveis de aspiração, visando a igualmente reduzir a con­
dição de ansiedade. Maslow fala em doenças da cognição e enumera
21 formas através das quais elas se manifestam. Tais doenças têm sua
etiologia vinculada às pressões exercidas por motivos repressivos de
ansiedade.

A teoria da autonomia funcional dos motivos de Allport

Allport é um dos mais notáveis psicólogos da personalidade. Sua


posição ideográfica é fartamente conhecida. Ele se opõe, frontalmente,
aos teóricos que se incluem na perspectiva nomotética. Centrado no
problema da personalidade conceituada como única, o tema da moti­
vação não poderia deixar de tocá-lo. Também neste domínio adotou
posição própria que, classicamente, se formulou em termos de uma
teoria da autonomia funcional dos motivos. Obviamente, trata-se de
uma perspectiva emergentista. A proposição central é a de que qual­
quer modalidade de comportamento pode tomar-se um fim em si
mesma, liberando-se de seus objetivos iniciais ou históricos e susten-
tando-se, nesta condição, de um modo indefinido e sem apoio de re-
forçamento específico. A tese — insista-se — exclui a possibilidade
de um outro motivo substituir aquele em relação ao qual se operou a
liberação. Na verdade, o que se postula é uma liberação total, susten­
tando-se o padrão de comportamento sem qualquer outro apoio que
não seja o da satisfação dele diretamente derivada, ou seja, da satisfa­
ção intrínseca.
Allport admite que seu ponto de vista foi influenciado tanto por
Woodworth, quanto por W. Stem e E. C. Tolman. De Woodworth, in­
clusive, teria retirado a afirmação de que os mecanismos podem ser
transformados em impulsos. A influência de W. Stem se revela na
proposição de que os fenomoüvos podem converter-se em genomoti-
vos. Vale assinalar que, em função da teoria da autonomia funcional
dos motivos, sustenta-se a presença, no organismo, de uma tendência
à persistência em determinada conduta, mesmo quando o motivo ini­
cial que a justificava já não se revela em ação. Segundo Allport, o
comportamento já agora desvinculado de sua fonte original continua­
rá simplesmente porque foi repetido tantas vezes que se tomou um
fim em si mesmo. Convém o registro de que o princípio da autonomia
funcional dos motivos foi particularmente criticado por Bertocci, que
considerava a possibilidade de motivos se instalarem por simples re­
petição como capaz de conduzir o organismo a viver uma situação
caótica. Precisamente em função da crítica de Bertocci, evolui
Allport para uma psicologia do Ego.
Allport não considera que os motivos que operam no adulto se­
jam todos funcionalmente autônomos. Admite que existam infanti-
lismo e outras formas de motivação que mantêm suas ligações histó­
ricas com as experiências primitivas. Contudo, a extensão em que os
motivos do indivíduo são autônomos concede medida de sua maturi­
dade. Por oposição, quanto mais os motivos do adulto estejam vincu­
lados às suas origens, mais se configura sua condição de imaturidade.
Duas conseqüências são apresentadas em função da proposta: (1) o
esvaziamento da importância concedida ao passado do indivíduo
como condição de explicação do presente; (2) a importância concedi­
da à individualidade.

A teoria motivacional de Murray

O estudo das tendências que impelem o sujeito à ação e das dire­


ções por esta assumidas constitui o tema essencial da teoria de Murray.
Foi particularmente o interesse pela direeionalidade da conduta que o
conduziu a construir o que Hall e Lindzey (1966) consideram o mais
complexo e cuidadoso sistema de construtos motivacionais na Psico­
logia contemporânea. Na verdade, ao contrário dos psicólogos que
procuram trabalhar com o menor número possível de construtos,
Murray entende ser necessário operar com o maior número deles, vi­
sando a cobrir a extrema complexidade do comportamento humano.
Na perspectiva de Murray o construto central é o de necessidade,
a ele se relacionando outros como: (1) redução de tensão; (2) pressão;
(3) vetor/valor; (4) tema; (5) reinância. No que se refere ao construto
necessidade, Murray organizou uma lista propondo-as em número de
20, obviamente básicas. Tais necessidades são: (1) de humilhação;
(2) de realização; (3) de afiliação; (4) de agressão; (5) de autonomia;
(6) de contra-reação; (7) de defesa; (8) de deferência; (9) de domina­
ção; (10) de exibição; (11) de autodefesa física; (12) de autodefesa
psíquica; (13) de altruísmo; (14) de ordem; (15) de entretenimento;
(16) de rejeição; (17) de sensibilidade; (18) de sexo; (19) de apoio;
(20) de compreensão.
Para Murray, definem-se as necessidades como um construto
que representa uma força em uma região do cérebro que organiza a
percepção, a apercepção, a intelecção, a afetividade e a ação, de modo
a transformar em uma certa direção uma situação insatisfatória domi­
nante. Cada necessidade é acompanhada de um sentimento ou emo­
ção e tende a utilizar certos métodos para satisfazer sua inclinação.
Elas tanto se podem originar intemamente quanto extemamente e to­
das se podem reconhecer: (1) pelo efeito final; (2) pelo padrão de
comportamento envolvido; (3) pela atenção seletiva e resposta a uma
determinada classe de estímulos; (4) pelas expressões de uma deter­
minada emoção ou afeto; (5) pela expressão de satisfação quando se
obtém determinado efeito ou de desapontamento quando o resultado
é negativo.
Murray não se limita a enumerar as necessidades. Na verdade,
ele as classifica em função de cinco critérios. Discrimina, assim, (1)
as necessidades primárias e secundárias; (2) as necessidades conheci­
das e desconhecidas; (3) as necessidades focais e difusas; (4) as ne­
cessidades proativas e reativas; (5) as necessidades naturais, modais e
de efeito. Na classificação assim proposta, identifica Murray as ne­
cessidades primárias como viscerogênicas e as secundárias como psi-
cogênicas. No que toca às necessidades conhecidas e desconhecidas,
as primeiras são consideradas como manifestas, por oposição às ou­
tras que se definem como latentes, expressando-se através de fanta­
sias. As necessidades focais são assim designadas por se vincularem
a determinadas classes de objetos situados no meio ambiente, en­
quanto as difusas revelam-se generalizadas, aplicando-se a situações
muito variadas. As necessidades proativas originam-se no sujeito e
ativam-se espontaneamente. As necessidades reativas supõem solici­
tações do meio. No que se refere às últimas necessidades, centrali­
za-se Murray nas necessidades naturais e nas modais, ou seja, tendên­
cias a realizar algo somente pelo prazer de fazê-lo. Vale recordar que
para Murray as necessidades não operam isoladamente. Revelam-se
em processos de interação e se hierarquizam.
Além do construto necessidade, trabalha Murray com o de pres­
são, definido como a propriedade de um objeto ou pessoa facilitar ou
impedir a obtenção de um objetivo. Como observa Murray, a pressão
de um objeto é o que ele pode fazer ao sujeito ou pelo sujeito. Assim
como propôs uma lista de 20 necessidades, Murray igualmente lista
16 modalidades de pressão. Tais pressões podem ser classificadas em
dois grupos: alfa e beta. Esta última refere-se à significação dos obje­
tos tal como eles são percebidos pelo sujeito; a pressão alfa cobre as
propriedades dos objetos tal como existem na realidade ou como a
pesquisa objetiva os revela. Tal classificação, na realidade, opera
com a distinção proposta por Koffka entre o fenomenal e o físico ou
geográfico.
Absorvendo nomenclatura freudiana, Murray fala em catexia e
sentimentos, definindo as catexias como a capacidade que tem o ob-
jeto de atrair ou repelir o indivíduo. As catexias podem ser então po­
sitivas ou negativas. A noção de ambivalência aplica-se à situação vi­
vida por um sujeito diante de objetos simultaneamente atraentes e
repulsivos. O conceito de sentimento está vinculado ao de catexia.
Refere-se aos mesmos fenômenos cobertos por este último. Murray o
define como uma disposição mais ou menos duradoura em uma pes­
soa para responder de um modo positivo ou negativo a um objeto es­
pecífico. Sempre que surge uma necessidade, formam-se estados de
tensão que logo devem ser reduzidos. Redução de tensão será, pois,
outro constmto importante na teoria de Murray. Segundo Murray, o
sujeito tanto reduz a tensão como é capaz de produzi-la. Ao produ-
zi-la, contudo, logo se volta para o processo de sua redução. Entretan­
to, não é a ausência de tensão que define a melhor condição do orga­
nismo. A melhor condição, na realidade, está representada pelo pro­
cesso de redução. Digamos: é a redução em movimento que constitui
o melhor estado. A ausência de tensão, inclusive, pode ser negativa,
associando-se a estados definidos como de exclusão da curiosidade,
de inapetência, etc. Tema é a unidade molar e interativa de comporta­
mento. Inclui a situação investigadora (pressão) e a necessidade que
está operando. Reinância designa o acompanhamento fisiológico de
um processo psicológico dominante. Finalmente, os construtos ve­
tor-valor foram introduzidos para representar mais adequadamente a
interação dos vários determinantes da conduta.
MOTIVAÇAO E APRENDIZAGEM

Já se assinalou que as pesquisas conduzidas em tomo da motiva­


ção orientaram-se no sentido de estimativas acerca de sua influência
na organização de outros processos comportamentais. Experimentos
sobre motivação e percepção, por exemplo, marcaram profundamen­
te a contribuição do movimento da New Look in Perception, liderado
por J. S. Bruner, movimento que pretendeu enfocar a atividade per-
ceptiva em termos funcionais, por oposição à abordagem foimalista
que teria caracterizado o gestaltismo. Ainda quando inadequada a
conceituação da perspectiva gestaltista como formalista, indiscuti­
velmente a ênfase nas influências motivacionais no processamento
perceptual pertenceu à New Look. No que concerne à posição dos
gestaltistas, a não-relevância concedida a essas influências decorreu
do compromisso fenomenológico que os conduziu a uma preocupa­
ção centrada no eidos da atividade perceptiva.
No que se refere às relações entre motivação e aprendizagem,
destacou-se a contribuição da drive reduction theoryjá analisada em
tópico anterior. Mas a questão nunca foi totalmente resolvida e, as­
sim, permanece aberta à discussão. A rigor, as primeiras objeções
contra a dependência da aprendizagem relativamente às pressões mo­
tivacionais deveram-se a E. C. Tolman. Efetivamente, Tolman não
considerou a presença de impulso ou motivação como condição in­
dispensável de aprendizagem. Através de experimentos brilhantes,
pretendeu provar que a intervenção de fatores motivacionais somente
como egoísta, e de não se considerai a generosidade como parte da
natureza do homem, mas sim como algo imposto por meio de recom­
pensas e punições e mantido na maturidade por pressão social. Su­
põe-se que o adulto é generoso — quando é generoso — somente de­
vido ao hábito ou para ser recompensado pela aprovação social e evi­
tar punição em foima de reprovação por seu egoísmo. É difícil rebater
diretamente essa proposição, em virtude da aprendizagem variada da
criança na sociedade. Mas existem provas em contrário no comporta­
mento do animal.”
As provas aludidas por Hebb são, obviamente, exemplos de res­
postas altruístas que parecem excluir a idéia de que se produzam por
pressões sociais. Tais exemplos tanto podem ser tirados da observa­
ção da conduta animal, como do comportamento do homem. Em
chimpanzés e gorilas são abundantes os exemplos registrados. Por
igual em golfinhos. Em alguns casos observam-se demonstrações
que chegam a envolver risco de destruição ou efetivação desse risco
nos animais que as revelam. É claro que tais padrões de comporta­
mento envolvem recolocações de perspectivas. Por exemplo, envol­
vem a necessidade de se reconceituar o problema das motivações so­
ciais, não como motivações secundárias, mas como motivações pri­
márias, originais e autônomas. Essa, precisamente, a posição
assumida, entre outros, por S. Asch.
8

SOBRE O ALTRUÍSMO OU
COMPORTAMENTO DE AJUDA

Por definição, o altruísmo ou comportamento de ajuda envolve


padrões de comportamento centralizados no outro e processados sem
qualquer garantia de gratificação externa. Compreende, como assina­
la Hcbb, comportamento propositivo intrinsecamente motivado, isto
é, independente de reforçamento primário ou secundário e controla­
do por processos de mediação que excluem a cooperação reflexa
existente nos insetos sociais. Implica a aceitação de sacrifícios que
poderão assumir níveis extremos em favor do bem-estar de um outro
ou de um gnipo. Supõe, para efeito de compreensão adequada, pers
pectiva antropológica diversa da que se consagrou a partir de T.
Hobbes, distanciando-se, ainda, da posição que se formalizou com
Darwin e se expressou na tese de que cada indivíduo age, invariavel­
mente, visando à sua própria preservação, antes que a dos demais
membros da espécie. Representa, enfim, forma de comportamento
incompatível com a tese egocentralizada que funciona como base e
fundamento do sistema behaviorista. Exige, antes, que se reconheça a
presença de uma força orientada na direção e valorização do outro
como um valor a ser defendido. De resto, esse ponto de vista deflui da
perspectiva fenom enológico-existencial e, no campo estrito da Psi­
cologia, é defendido, entre outros, por Hebb. Escreve esse autor:
"Existe uma tradição de se interpretar toda motivação do homem
como egoísta, e de não se considerar a generosidade com o parte da
natureza do homem, mas sim como algo imposto por meio de recom­
pensas e punições e mantido na maturidade por pressão social. Su-
põe-se que o adulto é generoso — quando é generoso — som ente de­
vido ao hábito ou para ser recompensado pela aprovação social e evi­
tar punição em forma de reprovação por seu egoísmo. E difícil rebater
diretamente essa proposição, em virtude da aprendizagem variada da
criança na sociedade. Mas existem provas em contrário no comporta-

As provas aludidas por Hebb são, obviamente, exemplos de res­


postas altruístas que parecem excluir a idéia de que se produzam por
pressões sociais. Tais exemplos tanto podem ser tirados da observa­
ção da conduta animal, como do comportamento do homem. Em
chimpanzés e gorilas são abundantes os exemplos registrados. Por
igual em golfinhos. Em alguns casos observam-sc demonstrações
que chegam a envolver risco de destruição ou efetivação desse risco
nos animais que as revelam. É claro que tais padrões de comporta­
mento envolvem recolocações de perspectivas. Por exemplo, envol­
vem a necessidade de se reconceituar o problema das motivações so­
ciais, não como motivações secundárias, mas como motivações pri­
márias, originais e autônomas. Essa, precisamente, a posição
assumida, entre outros, por S. Asch.
í)

ACERCA DAS CONTRIBUIÇÕES DE


ALAN RYAN E PAUL RICOEUR

A ambos se pode creditai- uma significativa contribuição no sen­


tido de estabelecerem diferenças enfie os conceitos de motivação e
causalidade. A posição de Alan Ryan, ele a expõe em A Filosofia das
Ciências Sociais', a de Paul Ricoeur é apresentada em O Discurso da
Ação. Revelam-se marcadas por preocupações diferentes. Em Ryan,
efetivamente, o que interessa é marcar a diferença que separa as ciên­
cias físico-naturais das ciências sociais. Sua tese é a de que nas primei­
ras as explicações se processam em termos de relações de causalida­
de, enquanto que nas ciências sociais elas se fundamentam em termos
de razões. Existem diferenças bastante significativas entre causas e
razões.
A primeira delas é apontada por Ryan com base no clássico texto
de R. S. Peters The Concept ojMotivation. Ela se refere ao fato de que
as razões ou motivos em função dos quais o comportamento humano
se deflagra podem ser questionados e avaliados. De fato, deles se
pode dizer que são bons ou maus, aceitáveis ou não aceitáveis, próprios
ou impróprios. Tal não ocorre com as causas. As causas nem são boas
nem más. Elas não poderão ser conceituadas como aceitáveis ou ina­
ceitáveis, próprias ou impróprias. Elas simplesmente são. Em relação
a elas não cabem julgamentos de valor. A segunda diferença é a que
se centraliza no conceito de escolha. Este não tem qualquer possibili-
dade de se revelar quando em ação a causalidade. São incompatíveis,
dado que a possibilidade de escolha sempre supõe a liberdade. A ter­
ceira distinção entre as conexões causais e as conexões motivacionais
ou de sentido é a de que as primeiras ensejam um estilo de explicação
em terceira pessoa, com a óbvia exclusão de um sujeito. Em contra­
partida, a idéia de um sujeito processador de escolhas e por elas res­
ponsável recebe uma acolhida lógica em uma estrutura explicativa
que trabalhe com o conceito de razão ou motivo e que, por decorrên­
cia, trabalhe com regularidades de sentido. Esse aspecto é enfatica­
mente ressaltado por Peter Winch em The Idea o f a Social Science,
quando observa que o significado não é uma categoria aberta à análi­
se causal. A quarta diferença sustenta-se no modo diverso como con­
cebem como relevante ou irrelevante o conceito de consciência. Na
verdade, em função da primeira perspectiva, ou seja, da perspectiva
que opera com regularidades causais, o conceito de consciência reve­
la-se descartável. Por oposição, há uma clara compatibilidade entre
as explicações que operam com motivos e o conceito de consciência.
Na verdade, elas se impõem como condições indispensáveis para que
se possa falar de motivos e valores. A quinta e última diferença entre
os dois tipos de explicação revela-se no domínio da própria psicolo­
gia da motivação e se manifesta pelo modo como esta é concebida,
quer em função de uma perspectiva mecanicista, quer em função de
uma perspectiva cognitivista. Na verdade, enquanto a primeira de­
senvolveu-se centralizada na tese de que os impulsos que respondem
pela deflagração da conduta se determinam pela simples taxa de pri­
vação ou de exposição de estímulos positivos ou aversivos, insis-
te-se, na perspectiva cognitivista, que o nível do impulso depende,
efetivamente, do modo como a pessoa concebe seu estado de necessi­
dade. Prevalecem, aqui, as informações de ordem superior, ou seja, as
informações derivadas da instância cognitiva sobre as pistas produzi­
das diretamente pelas vísceras. Uma exposição resumida da teoria
cognitivista encontra-se no trabalho de Heinz Heckausen e Bemard
Weiner intitulado O Aparecimento de uma Psicologia Cognitiva da
Motivação, publicado em Novos Horizontes da Psicologia, organiza­
do por P. C. Dowell, em 1979.
A contribuição de Paul Ricoeur acerca da motivação, ele a ex­
põe, como já se registrou, em O Discurso da Ação, logo esclarecendo
que seu objetivo é o de “explorar a contribuição da linguagem à filo-
sofía da ação; digo bem, à filosofia da ação e não à ciência, porque as
ciências humanas também tratam da ação” (p. 1). Cita, a propósito da
ação, em primeiro lugar, a contribuição dos psicólogos que se detive­
ram no estudo do comportamento e que se centralizaram na investiga­
ção das relações enfie estímulo e resposta. Por igual, detém-se no re­
gistro das contribuições que se produziram no domínio da sociologia,
pondo em destaque as contribuições de Talcot Par sons e Alain Tou-
raine. Curiosamente, no exame da contribuição dos psicólogos não
cita nem Buytendijk nem Kurt Koffka, ambos com efetivas contribui­
ções, não sobre simples movimentos, mas, precisamente, sobre a
ação. No que concerne à contribuição da linguagem, especificamente
aponta para o movimento da “Análise da linguagem”, ressaltando,
em particular, as contribuições de Wittgenstein expressas em sua
“Investigações Filosóficas”, com destaque para os parágrafos 611 e
660.
Após essa breve Introdução em que não deixa de propor um con­
fronto enfie a análise lingüística e a Fenomenologia, detém-se Ricoeur
no conceito básico de ação. Escreve: “Na linguagem ordinária, a ação
não é um acontecimento, isto é, algo que acontece; enfie fazer e acon­
tecer, há a diferença de dois jogos de linguagem; o que acontece é um
movimento enquanto observável (físico ou fisiológico). Considere­
mos, efetivamente, as três proposições seguintes: os músculos do
braço contraem-se; ele levanta o braço; ao levantar o braço, fez sinal
de que vai virar. Só o primeiro enunciado se refere a um acontecimen­
to que ocorre na realidade; os outros dois designam uma ação, um no­
meando-a, o outro explicando-a pela sua intenção; o hiato é enfie o
enunciado n° 1 e o enunciado n° 2: ‘a forma lógica de uma ação não
pode derivar-se de nenhum conjunto de constatações que incidam em
acontecimentos e nas suas propriedades’ (p. 30).
No exame do conceito de ação, logo Ricoeur destaca três concei­
tos-chave: o de intenção, o de motivo e o de agente. O de intenção ga­
nha, todavia, maior destaque, dado que “melhor do que qualquer ou­
tro permite apreender a luta em duas frentes da análise lingüística: por
um lado, confia toda a abordagem metafísica (a análise lingüística
está aqui no mesmo lado que o behaviorismo)” (pp. 40/41). “Mas o
mesmo recurso ao uso da linguagem ordinária permite refutar todas
as reduções behavioristas: é para o observador externo da ação que a
intenção nada significa. Só no jogo da linguagem da pergunta e da
resposta, tal como se compreendeu numa situação de interação e de
interlocução, é que o conceito de intenção adquire sentido, isto é,
cjuando se responde a perguntas como: que vais fazer? Por que fazes?
É neste jogo em que perguntas e respostas se tomam mutuamente sig-
nificantes que a palavra intenção adquire sentido” (p. 41). É Anscombe
quem considera os três usos válidos da palavra intenção: “tenho a in­
tenção de fazer tal ou tal coisa; fiz isto intencionalmente; esta coisa
foi feita com tal ou tal intenção. As três expressões correspondem a
contextos diferentes que implicam significações diversas” (p. 41).
E no tópico IV que Ricoeur retoma o conceito de motivação e
opõe motivo e causa, considerando que entre esses dois conceitos re­
gistra-se um abismo lógico. Como escreve Ricoeur, “o argumento é
lógico em virtude de a relação de uma ação ao seu motivo ser irredutí­
vel à relação causal, cujos traços principais recordamos aqui uma vez
mais: a relação causal é uma relação contingente no sentido de que a
causa e o efeito podem identificar-se separadamente e que a causa
pode compreender-se sem que se mencione a sua capacidade de pro­
duzir tal ou tal efeito. Um motivo, pelo contrário, é um motivo de: a
íntima conexão constituída pela motivação é exclusiva da conexão
externa e contingente da causalidade. Assim, estes autores falam da
“força lógica”da “conexão motivacional”, da “incoerência lógica”
que constituiria “tratar o motivo como uma causa” (pp. 50/51).
Sobre a relevância do conceito de “agente”, Ricoeur estende-se a
partir da p. 60, detendo-se, entretanto, de modo mais aprofundado, no
cap. IV, quando escreve: “Com a relação agente-motivação, entra­
mos no próprio coração do problema da ação. Com efeito, a análise da
motivação conduzira-nos a um confronto entre motivo e causa. Eis
que agora o conceito de agente implica um poder de produzir a ação
que impugna todas as dicotomias anteriores entre motivo e causa;
com efeito, tais dicotomias fundavam-se num conceito de causa tira­
do da tradição moderna e ilustrado pela análise de Hume. A noção de
agente leva-nos para além do conceito moderno de causa num ponto
em que causar significa ainda produzir. O agente é efetivamente
aquele que não só é identificável, aquele que é responsável mas, mais
fundamentalmente ainda, aquele que faz, produz a ação, opõe os seus
atos” (p. 99). Assinale-se que a “agency” implica uma série de cinco
características que são bem apontadas por Richard Taylor em “Action
and Purpose”, das quais vale que se reproduzam duas: a) trata-se de
uma causa não necessariamente ligada à idéia de lei (este homem
ateou fogo na floresta); b) além disso, a causalidade do agente impli­
ca a idéia de um poder (enquanto oposto à passividade), portanto,
algo inteiramente diferente da sucessão constante segundo a causali­
dade humana. O tema revela-se, ainda, submetido a muitas outras for­
mas de análise, justificando a expressa recomendação de um aprofun­
dado investimento em seu estudo. As obras de Ricoeur e Taylor obvi­
amente ficam recomendadas.
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SEGUNDA PARTE

EMOÇÃO
CONCEITO DE EMOÇÃO

Segundo D. O. Hebb (1971), a emoção corresponde a ‘‘um estado


especial de vigilância acompanhado de processos de meditação que
tendem a excitar o comportamento”. ‘T al estado” — continua Hebb
— “tanto se pode revelar construtivo, tomando o comportamento
mais eficiente, como destrutivo; tanto fortalecedor, como debilita-
dor”. O que é relevante na conceituação que assim se propõe é a ênfa­
se nos seus dois componentes: (1) o nível de vigilância; e (2) o pro­
cessamento mediacional. Este, inclusive, responderia pela diversifi­
cação das respostas emocionais, com as idéias de lesão ou fuga
predominando nas reações de medo, e as representações agressivas se
revelando relevantes nos processos caracterizados pelo ódio.
A conceituação clássica de William James (1890) identifica-a
com a consciência de perturbações fisiológicas desencadeadas dire­
tamente pela percepção de certos estímulos ou situações. Tal concei­
tuação apóia-se na chamada hipótese ideomotora, de resto funda­
mental na perspectiva teórica proposta por W. James. Tal hipótese su­
gere “que todos os estados mentais, úteis, inúteis ou prejudiciais
determinam uma atividade corpórea. Eles conduzem a modificações
invisíveis na respiração, na circulação, na tensão muscular em geral,
na atividade glandular ou visceral, mesmo quando não provoquem
movimentos visíveis nos músculos da vida voluntária. Assim, não so­
mente os estados de consciência privilegiados (tais como as volições,
por exemplo), mas todos os estados de consciência, sejam puros pen-
sarnentos ou puros sentimentos, provocam movimentos. Veremos
isso mais claramente e com maiores pormenores à medida que este
estudo avance. Propomos este fato como um dos fatos fundamentais
da ciência psicológica”(1932). No que concerne à posição assumida
em relação aos processos emocionais, revela-se ela muito próxima da
que foi sustentada por Lange, dado que, para o fisiologista dinamar­
quês, a emoção se correlaciona com processos fisiológicos. Lange,
contudo, restringe-se à valorização de processos vasomotores. Por
outro lado, a perspectiva que se tomou clássica sob a denominação de
James/Lange não se distancia da que se propôs em Descartes.
Pierre Janet (1926) vincula as condutas emocionais à vivência de
situações de fracasso. Elas se produziam sempre que formas mais
adaptadas se revelassem fora do alcance do sujeito envolvido na situ­
ação a se dominai'. A perspectiva explicitamente se define e se apre­
senta como mecanicista, embora nela se possa vislumbrar posição ra­
dicalmente oposta. Referimo-nos à finalista. Nesse caso, a conduta
emocional será assumida, precisamente, para que outra, de estrutura­
ção mais difícil, não seja tentada, levando o sujeito a uma condição de
operacionalidade fora de seus limites. A interpretação mecanicista ou
ênfase com que se defende surge retomada por Henri Wallon. O sen­
tido de que se revela impregnada essa interpretação é, claramente,
jacksoniano. A conduta superior bloqueada ou inibida se substituirá,
em termos regressivos, por outra, de estruturação primitiva ou arcaica.
Esta será a conduta emocional.
J. B. Watson (1924), ainda quando reconhecendo outras formu­
lações possíveis, conceitua-a como ‘rima estrutura de respostas here­
ditárias envolvendo profundas modificações nos mecanismos do cor­
po como um todo, mais particularmente nos sistemas visceral e glan­
dular”. Watson centralizou suas contribuições não só na identifica­
ção dos estímulos que especificamente desencadeiam tais padrões de
resposta, como na pesquisa dos modos pelos quais se realiza a expan­
são da vida emocional.
Em função da perspectiva de Kurt Lewin, Tamara Dembo concei­
tua-a como solução brusca de uma situação de conflito para a qual não
se encontra forma de solução adequada. Tensões geradas por tarefas
de cumprimento difícil acabariam liberadas pela ação emocional.
Convém mencionar também as contribuições de Bluma Zeigamick.
No caso, o que se explorou foi a vinculação dos estados emocionais
aos processos de retenção e evocação.
Fenomenologicamente representa a emoção certa modalidade de
visualização do mundo. Apreendido como difícil, ameaçador, etc.,
justifica-se que se estruturem reações emocionais marcadas por sen­
tido mágico, através das quais se pretende que o significado negativo
possa ser removido ou superado. Claro que tal conduta somente ocor­
re quando da impossibilidade de uma outra mais eficaz no sentido da
dimensão da realidade.
Walter Cannon (1920), rejeitando a tese que define a emoção
como comportamento expressivo de desorganização, conceitua-a
como forma de conduta estruturada e emitida diante de situações de
emergência. A perspectiva de Cannon inscreve-se na linha de inter­
pretação que se propôs com Darwin.
Fred S. Keller e W. N. Schoenfeld (1966), em função da perspec­
tiva de B. F. Skinner, definem a emoção como “um estado inferido da
modificação na força de um certo número de reflexos como resultado
de certas operações”. Tal definição revela-se análoga à que se propõe
para o conceito de impulso ou motivação. A operação pela qual se de­
fine um estado de aversão consiste na apresentação de estímulos ne­
gativos, como choques, sons irritantes, etc. Tal operação é, afinal, a
mesma que se estrutura quando pretendemos conceituar a emoção. A
diferença residirá, apenas, no grau de intensidade dos estímulos apre­
sentados. Em nível baixo, o estímulo terá somente significado discri­
minatório. Em nível elevado, ganhará significado emocional. Os au­
tores recordam que, na realidade, os estímulos desempenham muitas
funções, tais como as de eliciação, reforçamento, etc. A identificação
dos processos emocionais com os de motivação conduz os autores
mencionados a dispensarem o conceito de emoção.
A posição de Keller e Schoenfeld não se distancia da que se pro­
pôs com Elizabeth Duffy. Essa autora sugeriu (1934,1941), efetiva­
mente, que o conceito de emoção fosse simplesmente substituído
pelo de excitação ou mobilização de energia. Tal perspectiva, de res­
to, é compartilhada por muitos dos psicólogos atuais.
EVOLUÇÃO DOS ESTUDOS SOBRE
EMOÇÃO

Considerando-se o desenvolvimento dos estudos sobre a emoção


a partir do final do século passado, a primeira grande contribuição a
se destacar é a de Darwin (1872), centrada na análise do significado
funcional das manifestações expressivas. Posteriormente proje­
tam-se as contribuições de James (1890) e Lange, evidentemente
mais ambiciosas, desde que pretendendo a construção de teoria capaz
de cobrir a natureza dos processos emocionais de forma mais adequa­
da e convincente que a proporcionada pela velha teoria cognitiva de
Nahalowski.
Logo a seguir, registra-se a contribuição de Freud. Na verdade,
Freud produziu a mais profunda e extensa tentativa de edificação de
um doutrina sobre a vida afetiva. Com ela passa-se do estudo das
grandes categorias de fenômenos afetivos ao seu estudo dinâmico,
nele se envolvendo sua gênese e funcionalidade. A contribuição cen­
traliza-se e apóia-se no emprego sistemático do método clínico e, par­
ticularmente, explora a afetividade em seus vínculos com a sexuali­
dade.
A Watson corresponde a primeira grande tentativa de elaboração
de uma perspectiva comportamentista dos processos emocionais. A
preocupação central foi a de precisar padrões inatos de resposta e in­
vestigar a influência da aprendizagem no que concerne à multiplica­
ção dos estímulos capazes de desencadear condutas emocionais.
Watson destaca-se, ainda, pelos estudos de instalação de respostas
fóbicas e sua posterior redução mediante técnicas inspiradas no con­
dicionamento. Tais estudos estão na raiz das chamadas terapias do
comportamento, dentre as quais se destaca a de Wolpe.
Dentro da linha comportamentista, mas refletindo influências
psicanalíticas, surgem, a seguir, as contribuições da chamada Teoria
da Aprendizagem Social centralizada nos trabalhos experimentais de
Dollard, Miller et cã. (1939). A tese central é a da vinculação das res­
postas de agressão a processos frustrativos. Em sua evolução posterior,
representada pelo que se poderia chamar de Segunda Teoria da
Aprendizagem Social, a contribuição a se pôr em relevo é a de A.
Bandura e R. S. Walters (1963), ainda centrada no estudo da agres­
são, mas pesquisando, particularmente, os efeitos da modelação e
acentuando, desse modo, a importância dos processos de aprendizado.
A contribuição de Lewin, Dembo, Zeigamick, etc. reflete a ten­
tativa de integração da contribuição freudiana aos esquemas concei­
tuais derivados do gestaltismo, prevalecendo, ainda, os temas centra­
dos no processamento de conflitos, frustrações, ansiedades, agres­
sões, etc. Muito próxima da perspectiva representada por Lewin é a
dos psicólogos de formação fenomenológico-existencial. A preocu­
pação com a captação do eidos dos fenômenos emocionais constitui
aqui a preocupação central, como se exemplifica no trabalho de Sar-
tre (1948).
As pesquisas neurofisiológicas, que sempre se revelaram presen­
tes em todo o desenvolvimento dos estudos sobre a afetividade, co­
brem a fase atual com as contribuições relevantes de Olds, Milner,
Delgado, Roberts, Miller e tantos outros que têm feito a pesquisa pro­
gredir, graças à utilização de técnicas avançadas. Também as contri­
buições etológicas marcam o momento atual, centralizando-se suas
investigações no modo como se revelam funcionais as manifestações
expressivas que se vinculam a processamentos emocionais. Neste
particular, situam-se os etologistas na mesma linha de investigação
que assinalou a contribuição pioneira de Darwin.
MOTIVAÇAO E EMOÇÃO

O vínculo entre a emoção e a motivação surge, historicamente,


com F. Brentano (1874). Claro que com outra linguagem. Ao propor
a classificação dos fenômenos psíquicos com base em critério de in­
tencionalidade, Brentano se referiu à categoria amor e ódio. Nela se
incluiriam os processos emocionais e volicionais, pois que, afinal,
amar é querer bem. As outras duas categorias seriam: a representação
e o juízo. A vinculação se repropõe com W. McDougall (1908), ainda
em linguagem clássica. As emoções estariam sempre relacionadas
com os instintos. A tese permanece intacta com Elizabeth Duffy, já
citada, e com Robert Leeper. Leeper (1948), opondo-se às velhas
conceituações que destacaram sentido desorganizador nos processos
emocionais, enfatiza o seu sentido organizador e adaptativo tal como
o da motivação. A linguagem aqui já se revela renovada e a emoção se
mostra como forma inequívoca de motivação. Leeper não exclui a
idéia de eventuais desordens vinculadas ao processamento emocio­
nal. Tais desordens, todavia, revelar-se-iam diante de duas circuns­
tâncias: (1) intensidade extrema do processo emocional; (2) situações
de conflito envolvendo outro motivo.
D. O. Hebb retoma a perspectiva motivacional, vinculando a
emoção ao processamento da vigilância. Esta se revelaria baixa nos
pólos de um continuwn que se estenderia desde níveis inferiores, do­
minados pelos estados de sono profundo, aos níveis superiores da
emotividade intensa. Em faixas intermediárias a vigilância seria óü-
ma, e boa em situações marcadas por respostas emocionais pouco in­
tensas. A posição de Hebb não se revela distante da que foi assumida
por Donald B. Lindsley (1951), para quem a emoção teria que ser
compreendida em função da dimensão da intensidade dos estados de
excitação ou vigilância.
É em função dos níveis elevados de atividade que se coloca o
problema do pânico. Seu desencadeamento revela-se caracterizado
por profunda desorganização da conduta, mostrando-se suas formas
de expressão muito variadas. Tanto se produzem sob a modalidade de
resposta motora desorganizada, como pela supressão total de movi­
mentos, configurando-se, no caso, estado tecnicamente definido
como de estupor. Mostra-se, ainda, peculiarizado por dimensão social,
desde que compõe forma altamente contagiosa de comportamento. O
sauve qui peut, mencionado por Joost A. M. Meerloo (1950), repre­
senta maneira típica de resposta em contextos coletivos. Não se ex­
clui, todavia, a possibilidade de que se instale em indivíduo isolado, e
esta é forma freqüente ao nível infantil. Não é exclusiva do homem,
mas é no homem que se revela mais intensa a sua articulação. Pro­
duz-se, ainda, de modo súbito, e é precisamente o inesperado da situ­
ação com a qual se correlaciona que reduz a possibilidade de se estru­
turarem recursos de defesa. Em perspectiva psicanalítica muitos o
conceituam como resposta arcaica, sendo pela sua ineficiência adap-
tativa conceituado por Goldstein (1951) como forma catastrófica de
comportamento. Desencadeado o pânico, as funções superiores se
bloqueiam, liberando-se formas tipicamente inferiores de resposta.
Hebb (1971) menciona dois estudos centrados na problemática
do pânico: o de J. S. Tyhurst e o de S. L. A. Marshall. O primeiro “des­
creve o comportamento de pessoas atingidas por incêndio num navio
em cruzeiro de férias, num edifício ou por inundação repentina. Cerca
de 15% apresentaram um comportamento realmente eficiente e orga­
nizado; mais ou menos 70% apresentaram diversos graus de desorga­
nização, mas ainda assim foram capazes de agir com alguma eficiên­
cia; mas os outros 15% (esta proporção variou entre 10 e 25% nos
diferentes casos de desastre estudados) apresentaram um comporta­
mento totalmente ineficiente: gritando ou chorando, demonstrando
confusão e incapacidade para mover-se ou levantar-se da cama, ou
apresentando movimentos inadequados ou sem propósito. Um ho­
mem, ao tomar conhecimento de que havia um incêndio no navio e de
que devia descer imediatamente ao convés, foi visto pela última vez
procurando inutilmente suas abotoaduras ou algo semelhante. S. L.
Marshall relatou situações muito semelhantes em casos de stress de
batalha: estudos realizados em diferentes exércitos demonstraram
que somente cerca de 15 a 25% dos soldados podiam disparar suas ar­
mas com ou sem pontaria, em presença do inimigo, sendo que alguns
não eram capazes de atirar nem quando incitados pelo oficial”
(p. 202).
Os estudos de Marshall e de Tyhurst demonstraram que as pessoas
não são suscetíveis de resposta de pânico no mesmo grau: há as que
logo a revelam e há as que a ela resistem prolongadamente. Níveis di­
ferenciados de maturidade e de informação explicam tais discrepân­
cias. Por outro lado, na medida em que as respostas se produzem em
situações coletivas e por contágio, a presença da liderança eficiente
pode sustá-la. De qualquer modo, a suscetibilidade para viver situa­
ções de pânico existe sempre, constituindo característica marcante de
dimensão emocional do ser humano.
A vulnerabilidade a estados emocionais está diretamente corre-
lacionada com o nível de inteligência. Tal correlação tem apoio em
dados fornecidos pela psicologia das diferenças individuais e pela
psicologia comparada. No nível da psicologia comparada, a evidên­
cia é fornecida por espécies mais próximas do homem, como a dos sí­
mios. Conforme observa Hebb (1971), a efetividade dos macacos é,
efetivamente, muito rica e diferenciada, sendo, nesse particular, mais
aparentados do homem do que sob o aspecto da inteligência. Tam­
bém Helen Mahut destaca a correlação que aqui se menciona, ao
mostrar que certas raças de cães caracteristicamente mais inteligentes
são mais emocionáveis.
A comparação envolvendo indivíduos situados em faixas dife­
rentes de idade concorre para comprovação da tese. A criança é me­
nos emocionável que o adulto. Obviamente discrimina menos. E me­
nos sensível a situações que se possam caracterizar por certa margem
de ameaça. Comporta-se mais ingenuamente diante de animais. Não
revela a mesma intensidade de aversão que se mostra no adulto em re­
lação a certos animais. Tampouco se beneficia de informação arma­
zenada como o adulto.
A afirmação de que o homem tem, normalmente, ampliada a sua
margem de resposta emocional aparentemente se choca com o que se
depreende do fato de que ele vive mais integrado nos quadros culturais.
O choque advém do fato de que a cultura institucionaliza sistemas de
proteção, concorrendo para a redução de possibilidades de agravo.
Precisamente porque se sente mais protegido, menos ameaçado, a
ocorrência de resposta emocional pode não ser tão freqüente. Mas
não se exclui a suscetibilidade, pois ela se revela refinada ao primeiro
sinal de falha nos processos de institucionalização da segurança.
O problema da expressão foi classicamente abordado por C.
Darwin. Seu livro Express ion ojEmotions inMan and Animal, publi­
cado em 1872, constituiu-se em fonte tanto para Wundt quanto para
James. A própria perspectiva sustentada por Walter Cannon nele se
inspira, ao estender a tese que nele se sustenta aos processos viscerais.
O que basicamente se deriva de Darwin é a abordagem íuncional, de
resto vinculada à teoria evolucionista. A expressão surge conceituada
como forma adequada de resposta. Teria sido útil na luta pela sobre­
vivência e perseverança, sendo vantajosa como estratégia de adapta­
ção. Três princípios foram formulados por Darwin: (1) o princípio da
utilidade; (2) o da antítese; e (3) o da ação direta do sistema nervoso.
O primeiro enfatiza a importância, com recurso de sobrevivência, das
reações expressivas. Elas se produziriam como formas de desestimu­
lo ao ataque ou à resistência ao ataque. O princípio da antítese serviria
para explicar eventuais expressões antagonizadas com certos propó­
sitos biologicamente inscritos no animal. Finalmente, o terceiro prin­
cípio recorreria à organização do sistema nervoso como responsável
por certas manifestações expressivas, não claramente vinculadas às
estratégias de sobrevivência do animal. Vale notai' que a idéia de se­
rem as expressões emocionais formas de respostas úteis à sobrevi­
vência e à adaptação representa inspiração clara, como já se assina­
lou, para a teoria da emergência que se propôs com Cannon e Bard.
Muitas questões têm sido propostas sobre as expressões emocio­
nais: (1) Serão elas inatas ou adquiridas? (2) Haverá distinção possí­
vel entre uma expressão real e uma simulada? (3) Serão as respostas
emocionais universais e imutáveis ou serão individuais? Como se ex­
plica o fato de as percebermos impregnadas de significação, isto é,
vinculadas a certas experiências internas tonalizadas positiva ou ne­
gativamente? As respostas a todas estas questões não são muito escla­
recedoras. De qualquer modo, parece que alguns padrões de respos­
tas faciais são reconhecíveis nas crianças logo após o nascimento. Se­
gundo Jones, citado por Keller (1926), “um sorriso claramente
discemível que precede e está relacionado de perto com a resposta rir
pode ser provocado depois de 15 semanas de idade”. Young (1943)
observa, ainda em citação de Keller e Schoenfeld, que ‘"tanto o sorrir
quanto o rir tendem a ocorrer: (1) quando da satisfação da fome ou
sede; (2) quando há alívio de um desconforto; (3) quando da apresen­
tação de certas cores, sons, sabores, etc.; (4) quando dos movimentos
livres do brinquedo ou dança”. O sorrir ou o rir parecem associados à
apresentação de estímulos positivos ou à remoção de estímulos aver-
sivos. Outro padrão reconhecível de expressão emocional é franzir as
sobrancelhas. A observação, ainda de Young, relaciona tal resposta
com a fome, estímulos dolorosos, frustração ou bloqueio de movi­
mentos, bem como excitações luminosas muito fortes.
Fred S. Keller e W.N. Schoenfeld (1966) consideram que há evi­
dência de que as expressões emocionais podem ser modificadas
como se fossem operantes. “A expressão facial da criança, como a ex­
pressão vocal, é modelada desta ou daquela maneira pelo reforça-
mento seletivo que sua família provê”. Ainda Keller e Schoenfeld co­
mentam que, em nível humano, as expressões faciais parecem mau
indício de estados emocionais, e fundamentam tal observação nos ex­
perimentos de Landis. Segundo Landis (1924), a distinção entre as
expressões faciais repousa, “não no padrão facial das respostas ou nas
modificações orgânicas, mas na natureza da situação estimuladora e
no grau geral de perturbações que provoca”. Seria, então, mais um
dado do contexto do que do padrão visualizado. Tal posição, entre­
tanto, não é compartilhada por H. Schlosberg (1954). Este, em seus
experimentos, obteve resultados que favorecem boa margem de dis­
criminação das expressões faciais. A técnica utilizada, no caso, foi a
da apresentação de fotografias de modelos exibindo diferentes ex­
pressões. A tarefa consistia em que um grupo de sujeitos procedesse à
classificação dessas fotografias segundo critérios que envolviam
duas dimensões: agradável/desagradável e atração/rejeição. O acor­
do verificado nas classificações propostas foi elevado. Conforme co­
menta E. J. Murray (1967), “as fotos desagradáveis e atraentes suge­
riram cólera interessada, ao passo que as classificadas como agradá­
veis, mas hostis (rejeição), sugeriram desprezo. As fotos desagradá­
veis e hostis foram classificadas como repugnantes ou aversivas.
Mais tarde, Schlosberg obteve provas de uma terceira dimensão nes­
sas expressões faciais: o nível de ativação ou intensidade”. “Entre­
mentes, o reconhecimento de expressões emocionais em figuras é
mais difícil em condições naturais ou com pessoas reais. Em tais cir­
cunstâncias, a expressão facial é dinâmica e muda constantemente; é
acompanhada por ações, gestos expressivos e mudanças na entona­
ção da voz. Por isso, é compreensível que mesmo bebês possam com­
preender as emoções de outro, sobretudo as emoções mais simples e
mais nítidas de medo e cólera.” (Vemon, M. D., 1974)
A posição de Schlosberg acima referida revela-se convergente
com a de Wemer W olff (1943), pois também este autor admite boa
margem de identificação do sentido que se exprime por certa máscara
fisionômica. Wolff foi discípulo de Wertheimer e sua perspectiva
teórica, obviamente, é gestaltista. Seus estudos remontam à década
de 20, juntamente com os de Rudolf Amheim, também colaborador
de Wertheimer. Neles se enfatiza a importância da captação globali­
zada dos padrões de conduta que possam expressar significado, pois
que a abordagem centrada na técnica da decomposição analítica se re­
vela ineficaz.
Em função da perspectiva gestaltista, os nomes de K. Koffka e
W. Kohler devem ser destacados. Koffka sustentou que a percepção
da criança se revela essencialmente expressiva. “Não nos resta” —
escreve Koffka em citação de Max Scheler (1950) — “senão admitir
que fenômenos tais como a amizade ou a inimizade são fatos essenci­
almente primitivos, mais primitivos que uma superfície azul”. No to­
cante a Kohler, devemos-lhe contribuição relevante no que se refere à
interpretação de como chegamos a detectar o significado emocional
de uma expressão. Tal contribuição, de resto, revela-se em dois níveis:
(1) o crítico e (2) o construtivo. Do ponto de vista crítico, Kohler
apresentou argumentos convincentes contra a hipótese analógica. Tal
hipótese sustentava que captávamos o significado de tal ou qual es­
trutura expressiva através de comparação com a nossa máscara facial.
A analogia externa seria isomórfica com uma analogia interna. Kohler
rejeita essa hipótese, fundando sua posição no fato de que nada sabe­
mos acerca de nossa própria mímica. Não temos nenhum acesso a ela.
Na verdade, sua tese é a de que captamos a expressão de modo imedi­
ato e não discursivo, de forma impressionista e não analítica, assimi-
lando-se o significado que está nela imbricado de modo imediato.
Vale assinalar que a posição exposta por Kohler apoiou-se em estu­
dos experimentais por ele conduzidos com macacos (1927). A posi­
ção de Kohler foi objeto de desenvolvimento por Amheim, que inclu­
sive a explorou no domínio estético (1957, 1969).
A referência ao gestaltismo de Berlim justifica breve menção à
contribuição paralela da Escola de Leipzig. Integrada no movimento
gestaltista, a Escola de Leipzig caracterizou-se pela sustentação de
teses que lhe asseguram posição original. Sua contribuição básica, to­
davia, produz-se relativamente ao problema da expressão. Toda a ati­
vidade perceptiva seria primariamente expressiva. Captaríamos, em
primeiro lugar, os significados definidos como afetivos. O aspecto ti­
picamente cognitivo seria posterior. Claro que, pelo menos no que
toca a esse ponto, sua perspectiva não se distancia da que caracterizou
a Escola Gestaltista propriamente dita, isto é, a de Berlim. Resumin­
do a posição do grupo de Leipzig, assim escreve P. Guillaume: “Assi­
nalemos aqui, ainda que ela não pertença à Escola que estudamos es­
pecialmente, mas à Escola de Kruger e Volkelt, uma concepção origi­
nal segundo a qual a foima primitiva de uma totalidade qualquer é um
sentimento; reciprocamente, todo sentimento é uma forma primitiva
de percepção de um complexo. E neste sentido que podemos conside­
rar o sentimento como uma espécie de conhecimento.” (1937)
Um dos temas centrais na área da expressão fisionômica é o da
análise das perturbações visuais5 envolvendo o reconhecimento da fi­
sionomia humana. Tais perturbações, representando foima peculiar
de agnosia, são classicamente conhecidas como prosopagnosia. Des­
crita desde Charcot, Jackson e outros neurologistas do século passa­
do, a prosopagnosia tem sido recentemente investigada. Os resulta­
dos recolhidos sugerem: (1) a existência de estruturas cerebrais espe­
cializadas na detecção e reconhecimento da fisionomia humana; (2) a
relevância da fisionomia humana entre os objetos normalmente dis­
criminados e reconhecidos através dos receptores visuais. Há evidên­
cia de que os casos de prosopagnosia se revelem associados a pertur­
bações especiais e percepção da cor. Por outro lado, os dados clínicos
parecem excluir as associações com perturbações da linguagem. A
exploração topográfica indica lesões situadas na parte posterior dos
hemisférios, próximas da cisura calcarina.
Em nível de normalidade, a discussão situa-se em tomo do cará­
ter inato ou adquirido da capacidade de apreensão e reconhecimento
do rosto humano. Um dos pesquisadores que se têm dedicado ao estu­
do dos problemas prosopagnósicos é R. K. Yiu. Seus estudos, citados
por A. Tzavaras (1972), demonstram que crianças em idade bastante
precoce revelam-se mais aptas para a detecção e reconhecimento de
fotografias de rosto do que de casas, paisagens, etc. Apresentações
em posição invertida, por outro lado, indicam maior dificuldade no
processo de reconhecimento de fisionomias. A conclusão dos estu­
dos empreendidos até agora favorece a tese de que existe uma capaci­
dade especial de reconhecimento de fisionomias, distinta da capaci­
dade de processamento da detecção de objetos.
Eliane Vurpillot (1972) observa que durante largo período pre­
valeceu, sob a influência de James e, mais recentemente, de Piaget e
Spitz, a tese da incapacidade perceptual do recém-nascido, reduzin­
do-se, a rigor, suas possibilidades à captação da luz. Spitz chega a ad­
mitir que, a se admitirem recepções perceptuais, essas se dariam
quando muito em nível subliminar. A partir da década de 60, contudo,
os estudos sobre a percepção do recém-nascido evoluíram muito, gra­
ças ao emprego de técnicas apuradas como as de eletroencefalografia
e da eletrorretmografia. Particularmente no que se refere à percepção
da fisionomia humana, houve progressos consideráveis. Tais pro­
gressos exprimem-se: (1) pela verificação de que logo ocorre prefe­
rência pela percepção do rosto humano em relação a qualquer outro
objeto; (2) pela maior rapidez e eficiência na discriminação da repre­
sentação coixeta do rosto humano, quando confrontada com a capta­
ção de representação desordenada; (3) pela não-preferência do rosto
materno senão após cinco meses de idade; (4) pela captação privilegi­
ada do olho relativamente aos demais elementos que integram o ros­
to; (5) pela capacidade de discriminação de expressões emocionais,
logo verificada a partir do quinto mês; (6) pela maior facilidade de de­
tecção dos estados emocionais expressos pela voz, de preferência aos
que se exprimem pela mímica. A pesquisa da expressão não se limita
à busca de correlações emocionais, mas abrange também correlações
caracterológicas ou expressivas de certos traços de personalidade. A
utilização de rostos esquematizados ou de figuras humanas também
esquematizadas representou, ainda, o material mais frequentemente
utilizado na pesquisa, devendo-se destacar aqui as contribuições de
Brunswik e de Wallach e Kogan.
TEORIAS DA EMOÇÃO

A teoria periférica de William James

Exposta primeiramente sob a forma de artigo na Psychological


Review, em 1884, incorporou-se depois aos Principies ofPsychology,
editados em 1890. Freqüentemente é apresentada como Teoria de Ja-
mes-Lange. Haveria convergência entre as posições sustentadas por
ambos. Na verdade, as diferenças revelam-se substanciais, como
bem demonstrou Georges Dumas (1913) na introdução que escreveu
para a edição francesa da teoria. O essencial da teoria periférica que
se propõe com James é a afirmação de que a emoção é a consciência
de perturbações fisiológicas. Estas produzir-se-iam diretamente atra­
vés da percepção de situações definidas. Assim: percebo um urso,
corro e, porque corro, tenho medo. O medo, no caso a emoção a se
considerar, não proviria diretamente da percepção do animal, mas
das modificações fisiológicas que se instalariam no organismo após a
visualização da fera.
Muitas críticas se opuseram a James. Paru muitos autores, tais
críticas não provaram o erro da perspectiva de James. O secciona­
mento das vias aferentes capazes de impedir a conscientização dos
processos orgânicos e a persistência de expressões fisionômicas nor­
malmente vinculadas às emoções não representariam prova em con­
trário. Na verdade, nenhuma evidência da ausência ou da presença
dos estados de consciência emocional se pode proporcionar' com tais
experimentos. Seria válida, contudo, a objeção fundada no princípio
da refiitabilidade de Popper. A hipótese proposta por James, neste
caso, não se revelaria científica. Bastante significativas mostram-se
as objeções que se propõem em função da perspectiva fenomenológi-
ca. J. P. Sartre (1948) se surpreende, por exemplo, com a possibilida­
de de simples perturbações fisiológicas se correlacionarem com esta­
dos de raiva ou de terror. “O terror é um estado”, escreve, “extrema­
mente penoso, insuportável mesmo e parece inconcebível que um
estado corporal apreendido pelo que ele tem de próprio apareça à
consciência com este caráter atroz”.
No que toca à teoria de Lange, o que a peculiariza é a afirmação
de que os fenômenos fisiológicos de base estão representados por
processos circulatórios. Por outro lado, configura-se muito mais
como concepção fisiológica do que psicológica, e este constitui ponto
que a distancia de James.

A teoria de Pierre Janet

O básico na perspectiva de Janet é a conceituação da emoção


como forma desadaptada de conduta, isto é, como conduite d ’échec.
Diante de situação visualizada como difícil, quando a conduta superior
falha, abre-se a possibilidade de serem liberadas formas inferiores de
resposta. Tais respostas configuram o padrão emocional, implicando
tensão psíquica de baixo nível (1926). Representariam uma opção,
uma alternativa. Conforme registra Sartre, Janet, ao propor a explica­
ção citada, reintroduz o elemento psíquico no processamento emocio­
nal, elemento que faltaria à explicação de James. “A consciência que
temos da emoção — consciência que não é aqui senão um fenômeno
secundário—não é mais o simples correlativo de perturbações fisioló­
gicas: é a consciência de um fracasso e de um comportamento fracassa­
do”. A explicação permanece mecanicista. Na verdade, a transposição
da tensão de um nível para outro processa-se automaticamente.
Sartre propõe uma alternativa de interpretação finalista para a teo­
ria de Janet. Tal alternativa estaria implícita em Janet. A conduta infe­
rior não se proporia porque a superior se revelaria difícil, mas para
que a superior não viesse a se propor ou processar. “Em muitas de
suas descrições” — escreve Sartre — “ele (Janet) deixa a entender
que o doente se lança numa conduta inferior para não se envolver com
a conduta superior. Aqui, é o próprio enfermo quem proclama o seu
fracasso antes mesmo de se lançar na luta, e a conduta emocional visa
a mascarar a impossibilidade de se estruturar conduta adaptada”. Sartre
entende que é quando se parte para uma interpretação finalista que se
converte a teoria de Janet em uma teoria psicológica. De qualquer
modo, prevalecem em Janet a perspectiva mecanicista e também a
ênfase no sentido desadaptado da emoção, pois que ela suprimiria
toda ação útil, substituindo-a por “convulsões absurdas”.

A teoria de Lewin-Dembo

Sartre considera que a teoria de Janet não chega a explicitar-se


como uma teoria psicológica da conduta emocional. Essa condição,
parece-lhe, só será atingida com a perspectiva de Lewin-Dembo. Se­
gundo Lewin e Tamara Dembo, o núcleo da teoria está representado
pelo conflito que decorre da situação proposta a um sujeito. O conflito
supõe a formação da tensão com escoamento previsto: (1) através da
solução adequada; (2) por comportamentos substitutivos; (3) por meio
de respostas emocionais. Estas últimas exprimiriam formas primitivas
de solução do impasse. Representariam maneiras de se destruir situa­
ção problematizada ante a impossibilidade de solução adequada.

A teoria psicanalítica das emoções

Em Freud o tema aparece abordado em sua dimensão mais am­


pla, centralizando-se a discussão em tomo do conceito de afeto. Con­
forme comentam J. Laplanche e J. B. Pontalis (1970), Freud o propõe
logo ao tempo de seus primeiros estudos sobre histeria (1895), quan­
do discute a instalação do sintoma histérico e o associa a um trauma­
tismo cuja descarga sofreu bloqueio. Desde logo se percebe que a
possibilidade do escoamento adequado vincula-se à da evocação do
episódio traumatizante. Freud não propõe vínculo ou relação neces­
sária entre a representação e o afeto. Admite que as cargas afetivas se
possam escoai através de três mecanismos: (1) o da conversão; (2) o
do deslocamento do afeto; (3) o da transformação do afeto. No pri­
meiro caso configura-se a histeria; no segundo, as obsessões; e, no ter­
ceiro, a neurose de angústia e a melancolia. Posteriormente a noção
de afeto — e ainda o comentário é dos autores citados — é utilizada
de duas maneiras: (1) de modo descritivo, designando a ressonância
emocional de uma experiência geralmente forte; (2) de forma quanti­
tativa, como modo de investimento. O tema surge abordado, princi­
palmente, em seus trabalhos metapsicológicos: “Repressão” e “O
Inconsciente”, ambos de 1915.0 afeto é, então, definido como a tra­
dução subjetiva da quantidade de energia pulsional ou instintiva. Dis­
tinguem-se, então, o aspecto subjetivo e o processo energético que o
condiciona. Ainda se encontra em Freud uma conceituação vinculan­
do os afetos a ura processo genético (hipótese genética). “Os afetos
seriam” — escrevem Pontalis e Laplanche — “reproduções de acon­
tecimentos de importância vital e eventualmente pré-individuais,
comparáveis a acessos histéricos universais, típicos e inatos”. Freud
inicialmente se opôs à possibilidade de aceitar a noção de afetos in­
conscientes. Só as idéias poderiam ser inconscientes. Tal ponto de
vista, contudo, retifica-se mais tarde, quando se passa a considerar
que os afetos podem assumir-se inconscientemente. Tal posição apa­
rece exposta após 1923, conforme registra Ludwig Eidelberg (1971).

A teoria de Walter Cannon

Dentro da perspectiva de Walter Cannon, a emoção pode ser de­


finida como expressão da mobilização de mecanismos apropriados
para a redução de situação de emergência. A emoção proporcionaria
suprimento adicional para a ação vigorosa. Representaria fator res­
ponsável pela instalação de um estado de prontidão fisiológico, de
modo que o coipo possa cumprir ação eficaz e intensa. Sua contribui­
ção, de resto, centraliza-se em duas afirmações: (1) enfatiza a impor­
tância do hipotálamo; (2) destaca o significado de emergência da con­
duta em análise. Por outro lado, cabe distinguirem-se nela um aspecto
crítico e um aspecto construtivo. O aspecto crítico diz respeito à rejei­
ção da teoria periférica de James. O aspecto construtivo exprèssa-se
pela teoria talâmica da emoção, também sustentada por Philip Bard.
BASES NEUROFISIOLÓGICAS DA
EMOÇÃO

As contribuições de William James, tanto quanto as de Lange, fi­


xaram a conceituação das emoções como consciência de perturba­
ções viscerais ou vasculares. A idéia, pois, excluía, de plano, a locali­
zação encefálica dos processos emocionais. Restrições a essa pers­
pectiva produziram-se através de Sherrington, Janet, Head e,
sobretudo, W. Cannon e Philip Bar d. Em De L ’A ngoisse à l ’E xtase
(1926), Janet escreveu: “O fato psicológico não é nem espiritual nem
corporal; ocorre no homem integralmente considerado, visto não ser
senão o comportamento deste homem globalmente considerado. Um
sentimento não está na alma nem no ventre; é modificação do com­
portamento global” (grifo nosso).
Bard e Cannon, em contribuições clássicas, decididamente des­
locam o centro de interesse do estudo das reações emocionais para as
regiões talâmica e hipotalâmica, ao assinalarem, por exemplo, que a
raiva nos gatos é controlada pelo hipotálamo posterior. Segundo pro­
puseram, os impulsos sensoriais recebidos passam pelo tálamo, onde
recebem carga emocional. Em condições normais, a ação inibidora
do córtex impede a produção dessa carga. Se não o fizer, descarre­
ga-se a resposta emocional. A descarga emocional é descrita em ter­
mos de duplo movimento: (1 ) no sentido do tálamo para o córtex, pro­
duzindo-se a experiência emocional e (2) no sentido do tálamo para o
corpo, produzindo-se a expressão visceral e muscular. Cannon, como
já se assinalou, por analogia com Danvin, sugeriu que as alterações
fisiológicas internas representam uma reação de emergência que pre­
para o corpo para a luta ou fuga.
Convém recordar que a ação do órgãos viscerais está sob o con­
trole do sistema nervoso autônomo: o parassimpático e o simpático.
O primeiro controla as atividades vegetativas. Atua, ainda, contro­
lando o ritmo respiratório e o ritmo cardíaco. O sistema nervoso sim­
pático coordena as atividades de emergência. Estas revelam-se vin­
culadas à glândula pituitária, mas é particularmente relevante a atua­
ção que neles se exerce através das glândulas supra-renais. A
referência direta aqui é a adrenalina, com efeitos relevantes na circu­
lação, na retenção do sal, na produção do açúcar e no controle das in­
flamações. Nos casos de ira e medo, estudos recentes mostram a rele­
vância não só da adrenalina como da noradrenalina. A primeira esta­
ria mais relacionada com o medo, enquanto a segunda com a cólera.
Ainda sob o aspecto que enfatiza a participação das estruturas
neivosas no processamento das emoções, distinguem-se como atuan­
tes o sistema límbico e o reticular. O límbico integra-se do hipotála-
mo, do hipocampo, da amígdala e da área septal, a essas estruturas se
juntando, segundo W. Nauta, a parte anterior do lobo frontal. Sua par­
ticipação nos estados emocionais foi principalmente sustentada por
Papez e por Mac Lean. Segundo Papez, ainda quando se possa atribuir
ao hipotálamo a condição de centro responsável pela integração e de­
sencadeamento das expressões emocionais, é o sistema límbico que
responde pela experiência emocional. Nele, por outro lado, James
Olds e Peter Milner localizaram a base neural do prazer. A descoberta
ocorreu em 1954, na Universidade de McGill, e representa um caso
típico de serendipity. O projeto inicial visava a verificar a correlação
possível enfie a estimulação elétrica do sistema reticular e a aptidão
do rato para aprender o percurso de um labirinto. O fato polêmico,
contudo, surgiu quando da excitação de algumas áreas e, em especial,
da área septal. Em tais circunstâncias, o rato, em vez de adquirir maior
rapidez e eficiência nos trajetos de obtenção de alimento, parava e re­
tomava pelo caminho que tinha percorrido, como se visasse a repetir
movimentos conectados com a excitação elétrica. Tal comporta­
mento levou à verificação de que as excitações nessas áreas reforça­
vam os movimentos com elas relacionados. Conforme comenta Philip
Teitelbauni (1969), “graças às investigações de Olds e outros, sa­
be-se hoje que muitas espécies (entre elas ratos, gatos, cães, macacos
e até golfinhos) farão acionar uma barra mil vezes por hora e hora
após hora, a fim de obterem a estimulação elétrica do cérebro”.
Observação básica envolve a distinção entre as reações emocio­
nais que se obtêm mediante excitação elétrica em experimentos de la­
boratório e as reações emocionais normalmente desencadeadas em
situações comuns. As primeiras, considerado o fato de revelarem ca­
racterísticas muito peculiares, são chamadas de reações simuladas.
Entre os aspectos que nos permitem distinguir os padrões simulados
dos padrões normais, convém mencionar: (1) as respostas emocionais
simuladas cessam tão logo se interrompe a excitação elétrica que as
provoca; (2) as respostas emocionais simuladas não se revelam diri­
gidas. Fisiologicamente há, ainda, distinções registráveis. Assim, a
resposta simulada persiste mesmo após a remoção do córtex, perma­
necendo presente ainda quando o tálamo e o hipotálamo anterior são
removidos. Desaparecem, contudo, se o hipotálamo é extirpado. Se­
gue-se, então, que a resposta simulada parece depender do hipotála­
mo posterior. A raiva normal, não obstante, é mais complexa, desde
que, consoante demonstrou Bard, se apenas o hipotálamo posterior é
removido, deixando-se intactos o tálamo, o hipotálamo anterior e o
córtex, a raiva normal pode ainda ser provocada no gato. Vale assina­
lai' que, segundo Delgado, Roberts e Miller, o medo revela-se quando
da excitação da região mais anterior e lateral do hipotálamo.
SOBRE O CARÁTER ORGANIZADOR OU
DESORGANIZADOR DA EMOÇÃO

Ura dos pontos em tomo dos quais maior é o debate entre os psi­
cólogos é o que se relaciona com o caráter organizador das emoções.
As duas posições têm enraizamento na história da Psicologia. Obvia­
mente, os que a conceituam como desorganizadora buscam apoio em
James. Claro que muitas outras fontes passadas poderiam ser citadas.
Mas James é a mais tradicional. No que toca à perspectiva centrada na
idéia da ordem, a fonte é Darwin. Cannon-Bard e Robert Leeper re­
presentam as figuras mais representativas desta última posição. A
chamada lei de Yerkes-Dodson, contudo, parece fornecer condições
de compreensão mais clara do problema. Segundo essa lei, dois im­
portantes fatores estão em causa: a força do motivo e a dificuldade da
tarefa. O comportamento é facilitado por um motivo — o motivo
emocional, por exemplo — até certo grau de força; depois o motivo
revela-se desorganizador. O ponto exato da mudança do efeito de­
pende de outro fator: a dificuldade da tarefa.
SOBRE A CLASSIFICAÇAO DAS EMOÇOES

O conceito de emoção recobre uma diversidade vasta de padrões


de resposta. Precisamente esse poimenor conduz muitos dos atuais
críticos a considerarem que talvez esse conceito deva ser excluído da
linguagem psicológica. De qualquer modo, em face dessa diversida­
de de padrões, muitas tentativas classifícatórias se produziram. Den­
tre as que procedem da Psicologia clássica, destaca-se a que subordi­
na a experiência emocional a uma categoria mais ampla de fenôme­
nos que se designariam como afetivos. Estes incluiriam, ainda, os
sentimentos e as paixões. A discriminação entre os três tipos de rea­
ção afetiva apoiar-se-ia no duplo critério da intensidade e da duração
do processo. Precisamente a emoção seria definida pela pouca dura­
ção e grande intensidade de processamento.
A Watson (1924) devemos a indicação de três padrões básicos e
inatos de resposta emocional: o medo, a ira e o amor. Para cada um in­
dicou estímulos próprios. O medo seria desencadeado: (1) pela perda
súbita do equilíbrio; (2) pela produção de sons intensos; (3) pela exci­
tação dolorosa. O amor, pela estimulação dos órgãos genitais. Final­
mente, a ira ou o ódio se desencadearia em função do bloqueio dos
movimentos espontâneos do recém-nascido. Obviamente por proces­
so de condicionamento, os estímulos responsáveis por esses padrões
de resposta se multiplicariam. Vale a observação de que, com base
nos estudos centrados no condicionamento emocional, partiu Watson
para o domínio da terapia, conseguindo provocar e extinguir respos­
tas fóbicas e lançando as bases da chamada condutoterapia. Sua con­
tribuição, ele a desenvolveu no estudo do chamado caso do pequeno
Albert, do qual Eysenck (1965) nos dá excelente relato, confrontan­
do, inclusive, a técnica utilizada por Watson com a que Freud empre­
gou no caso do pequeno Hans.
Robeit Plutchik admite oito reações emocionais básicas: o pres­
sentimento, a ira, a alegria, o consentimento, a surpresa, o medo, o pe­
sar e a repulsa. Tais reações encontrariam — como comenta Murray
(1967) — protótipos nos animais. Segundo Plutchik, a complexidade
das respostas emocionais no homem adulto seria decorrência dç pro­
cessos combinatórios. Ocorreria, em acréscimo, diversificação no to­
cante à intensidade dessas emoções básicas; fato que, obviamente,
concorreria para aumento do nível de complexidade das reações afe­
tivas. O medo, por exemplo, cobriria um continuum que iria desde a
timidez até o terror, com estados intermediários como o medo e o pâ­
nico. Outros autores, optando por critérios descritivos, foram levados
a considerar as emoções segundo tríplice dimensão: (1) intensidade;
(2) agradabilidade/desagradabilidade; (3) aproximação/evitação.
Hebb (1971) não propõe, propriamente, uma classificação das
respostas emocionais. Descreve, não obstante, alguns padrões e os
caracteriza, como já adiantamos, em função do entrecruzamento de
duas dimensões: (1) a do nível de vigilância e alerta; (2) a do proces­
samento mediacional. Os padrões mencionados e caracterizados são:
o medo, a raiva, o amor e a ira. No medo, a par de certa condição de
excitabilidade, estariam presentes representações (processos emocio­
nais), implicativos de ameaça e fuga. No amor o dado mediacional se
expressaria pela presença e conservação prolongada do objeto ama­
do. A raiva estaria associada à idéia de agressão e destrutividade. Fi-
nalmente, a ira comporia padrão caracterizado pelo sentido de au­
to-agressão.
Entrementes, no que concerne ao medo, Hebb acrescenta dados
relevantes acerca de seus determinantes. Em seus estudos sobre a sig­
nificação do fator novidade, registrou-se que, diante de estímulos
marcados por grau elevado de novidade e, pois, altamente discrepan­
tes no que se relaciona com as expectativas já estruturadas, a resposta
emocional se sobrepõe à da atividade exploratória. Tal resposta é, in­
clusive, conceituada como espontânea, dado que se excluem quais­
quer possibilidades de se vinculá-la a experiências anteriores. A apre-
sentação de máscaras mortuárias ou mesmo de exemplares de cabe­
ças decepadas de macacos, a reação registrada nos comportamentos
de uma colônia de símios foi de horror e medo, progressivamente
substituída pela de curiosidade e desinteresse. Vale assinalai- que os
experimentos de Hebb recordam os que foram conduzidos por Kohler
(1927) como base de seus estudos sobre a expressão. Também no
caso de Kohler, os sujeitos foram chimpanzés da estação de antropói-
des que a Universidade de Berlim mantinha em Tenerife.
Sobre a raiva, além da contribuição de Watson, convém mencio­
nar a que se produziu em função do movimento da Teoria da Aprendi­
zagem Social desencadeado na Universidade de Yale. Dollard, Miller,
et ai (1939) enfatizaram a dependência de tal reação aos processa­
mentos frustrativos. Sempre que provocados, desencadeariam res­
postas agressivas, e estas, obviamente, se correlacionam com a rea­
ção de raiva. Também significativa, dentro da mesma linha, a contri­
buição de A. Bandura e R. Walters (1963), enfatizando a importância
da aprendizagem por modelação no desencadeamento da conduta de
agressão. Sobre o tema, de resto, ainda cabe referência aos etologis-
tas, responsáveis pela tese que sustenta o inatismo das respostas
agressivas e destaca os rituais peculiares a cada espécie no seu modo
de consumá-las. Conforme assinala Karl Lorenz (1972), as respostas
agressivas preencheriam três funções básicas, todas subordinadas ao
propósito da conservação da espécie: (1) a primeira estaria relaciona­
da com a seleção do mais forte; (2) a segunda responderia pela distri­
buição uniforme dos membros de uma espécie no espaço disponível;
tal distribuição permitirá que mesmo os mais débeis sejam aquinhoa­
dos com domínio próprio; (3) a terceira se refere à formação de ordem
hierarquizada e estruturada.
Um dos aspectos mais relevantes no que se refere à conduta de
agressão é o que diz respeito ao modo como ela ocorre nos homens e
nos animais. Entre estes, raramente atinge nível de letalidade. No ho­
mem, ao contrário, prevalece a intenção de destrutividade. A esse res­
peito, descreve Eibesfeldt (1973): “As lutas entre animais da mesma
espécie quase nunca terminam em morte e raramente provocam feri­
mentos graves em qualquer combatente. Na realidade, essas lutas ffe-
qüentemente são muito ritual izadas e se assemelham mais a um tor­
neio do que a uma luta mortal. Se isso não ocorresse — se o perdedor
fosse gravemente ferido ou morto — a luta teria grande desvantagem
para a espécie”. Sobre a letalidade da conduta de agressão no homem,
também escreve Anthony Storr (1970): “Com exceção de certos roe­
dores, nenhum outro vertebrado habitualmente destrói membros de
sua própria espécie. Nenhum outro animal revela prazer no exercício
de crueldade sobre outro indivíduo de sua mesma espécie. Geralmen­
te descrevemos os mais repulsivos exemplos de crueldade como
exemplos brutais e bestiais, sugerindo-se, assim, que tal comporta­
mento seja característico de espécies inferiores. Na verdade, contu­
do, os extremos de comportamentos brutais confinam-se no homem.”

Sobre a ansiedade

A ansiedade representa resposta emocional que se deflagra dian­


te de situações caracterizadas por ameaça de punição. Distingue-se
do medo em pelo menos quatro aspectos: (1) pela condição de respos­
ta antecipada à situação de ameaça; (2) pela sua condição de resposta
prolongada; (3) pela sua vinculação a ameaças não definidas ou não
claramente especificadas; (4) pela discrepância entre o grau de inten­
sidade com que se revela e a aparente inocuidade da situação atual
com que se defronta o indivíduo.
A grande contribuição acerca da ansiedade pertence a Freud, e
duas perspectivas de explicação foram por ele propostas: (1) a que a
correlaciona com a repressão de impulsos sexuais; (2) a que se asso­
cia à repressão de descargas agressivas. Freud elaborou essa segunda
perspectiva após a reestruturação da teoria dos instintos e a desenvol­
ve em Inibição, Sintoma e Ansiedade. A propósito, lê-se na Enciclo­
pédia dei Psicoanálisis, organizada por Ludwig Eildelberg: “Com
base em seus estudos clínicos, Freud (1895) concluiu a princípio que
a libido reprimida se transformava em ansiedade. Sem embargo, de­
pois de haver introduzido a segunda teoria do instinto (1920), na qual
a agressão já não era considerada uma pulsão sexual parcial, modifi­
cou sua afirmação inicial e afirmou que a libido reprimida apenas
pode causai' ansiedade se sua repressão mobilizou, também, tendências
agressivas que não se descarregaram e se conservaram recalcadas.”
Dentro do movimento psicanalítico, duas outras contribuições
podem e devem ser mencionadas: a de O. RanJk e a de K. Homey.
Rank considera o trauma do nascimento como a situação que fixa a
resposta-padrão de ansiedade. Esta tese se justificaria: (1) pelo fato
de se caracterizar o nascimento como expressão de separação; (2)
pelo seu caráter de situação de emergência; (3) pela necessidade que
dele decorre de novos processos de ajustamento; (4) pelo extremo
grau de desamparo que marca e define o recém-nascido. No que con­
cerne a Homey, sua explicação se centraliza na relevância do proces­
so de repressão de impulsos destrutivos.
A contribuição derivada da teoria da aprendizagem deve-se a O.
H. Mowrer e se produziu em função da necessidade de se explicar a
aprendizagem por evitação. Esta, efetivamente, não parecia ajus­
tar-se à lei do efeito, dado que, como assinala Broadbent (1972), a
resposta aprendida não se revelava expressão de recompensa. A in­
trodução do conceito de ansiedade como forma de impulso secundá­
rio resolveu o impasse. A propósito, escreve Broadbent: “No caso de
aprendizagem de esquiva, um animal que realiza a resposta correta
muda a situação em que recebeu choque (sendo um determinado lu­
gar-, em certas condições, e não tendo realizado nenhuma resposta),
para outra em que ele não recebeu choque (tendo dado a resposta de
esquiva) e assim reduz o impulso secundário. Esta recompensa não é
óbvia, mas é uma redução do impulso, da mesma forma que alimentar
um animal faminto o é. Em linguagem comum, estar na gaiola em que
recebeu choque toma o gato ansioso ou nervoso e erguer a pata faz
com que sua mente fique descansada porque ele nunca recebeu cho­
que com a pata no ar.”
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