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ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING

PROJETO DE GRADUAÇÃO EM CINEMA E AUDIOVISUAL


TRABALHO DE CARÁTER MONOGRÁFICO

CONRADO ACCORSI DE ALBUQUERQUE

SOBRE CHOQUES FUTURISTAS: o maneirismo em Metrópolis e Blade Runner

SÃO PAULO
2022
CONRADO ACCORSI DE ALBUQUERQUE

SOBRE CHOQUES FUTURISTAS: o maneirismo em Metrópolis e Blade Runner

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado


como requisito para obtenção de título de Bacharel
em Cinema e Audiovisual pela Escola Superior de
Propaganda e Marketing - ESPM.

Orientador: Prof. Me. Lucas Procópio de Oliveira


Tolotti

São Paulo
2022
Albuquerque, Conrado Accorsi de
Sobre choques futuristas : o maneirismo em Metrópolis e Blade
Runner / Conrado Accorsi de Albuquerque. - São Paulo, 2022.
161 f. : il., color.

Trabalho de conclusão de curso (graduação) – Escola Superior de


Propaganda e Marketing, Curso de Cinema e Audiovisual, São Paulo,
2022.

Orientador: Lucas Procópio de Oliveira Tolotti

1. maneirismo. 2. excesso. 3. Metrópolis. 4. Blade Runner. I.


Lucas Procópio de Oliveira. II. Escola Superior de Propaganda e
Marketing. III. Título.

Ficha catalográfica elaborada pelo autor por meio do Sistema de Geração Automático da
Biblioteca ESPM
AGRADECIMENTOS

A realização deste trabalho só foi possível devido a colaboração, suporte,


orientação e amizade de uma série de pessoas queridas.
Agradeço a meus colegas na jornada de graduação, por todos os bons e maus
momentos que tivemos juntos nos inesquecíveis quatro anos do curso. As noites mal
dormidas, as madrugadas em claro, as tardes nos confins do PCA e da Biblioteca
fazendo trabalhos, as discussões e as boas risadas serão sempre eternas. Agradeço
também ao meu grande amigo, colega de sala e companheiro na empreitada
monográfica, Victor Zequi, com quem sempre pude contar com conselhos, trocas
riquíssimas de ideias e abordagens e com sua mais que verdadeira amizade.
Agradeço todos meus professores durante o curso, seria injusto não colocar
todos em pé de igualdade quando se trata da nobreza que apresentam em sua
profissão. Todos contribuíram para que o estudante que sou, e o pesquisador que
agora me torno, com os conhecimentos apresentados neste trabalho. Aos meus
coordenadores, Gisele Jordão e Luiz Fernando “Pará”, obrigado pelo suporte todos os
semestres, e por me orientarem pelos caminhos que tracei durante o curso.
Aos meus orientadores, Felipe Lopes de Faria, que deu início ao PGCAV
comigo quando esse ainda estava em fase embrionária e forneceu a bagagem
necessária que ele precisava para caminhar, e Lucas Tolotti, que me ajudou a concluir
essa difícil empreitada com sua paciência e a série de conhecimentos trazidos por ele,
que eu nunca pensei que um dia estariam ao meu dispor.
Por fim agradeço a minha família, em especial, meus pais por tudo que me
proporcionarem nessa vida, pelo apoio, e pelo amparo que deram quando necessário.
“Pois o belo nada mais é do que o início
do Terrível que ainda suportamos, e se o
admirarmos
é porque, sereno, desdenha destruir-nos.
Todo anjo é terrível.”
R.M. Rilke
RESUMO

A presente monografia pretende analisar se o maneirismo está presente e de que


forma ele está expresso na mise-en-scène dos filmes analisados, utilizando como
objetos de estudo os filmes: Metrópolis (1927, dir. Fritz Lang) e Blade Runner – O
Caçador de Androides (1982, dir. Ridley Scott). Realizando um panorama histórico por
movimentos artísticos e da ficção de gênero, identificam-se os conceitos de excesso,
sensacionalismo e espetáculo como sendo preponderantes na expressão destas
matrizes culturais, dentre as quais se destacam o melodrama, a literatura fantástica,
no decadentismo, no horror e no romance policial, e duas vanguardas artísticas — o
gótico e o futurismo. No que tange o cinema, o Expressionismo Alemão, a ficção-
científica e o cinema noir, devido às características e gêneros dos filmes analisados,
são pontos de interesse da pesquisa. Através da pesquisa bibliográfica, analisa-se os
conceitos e as definições de excesso, matriz de excesso, sensacionalismo, espetáculo
e maneirismo, na intenção de compreender como se manifestam nas obras estudadas
e nos seus respectivos movimentos; contemplando suas possibilidades, aplicações,
rupturas e contradições. A partir da análise fílmica de planos e cenas dos filmes
Metrópolis (1927) e Blade Runner - O Caçador de Andróides (1982), espera-se
entender como o excesso e o maneirismo aparecem em ambas essas obras,
realizando uma análise comparativa delas.

Palavras-chave: Maneirismo; Excesso; Metropolis; Blade Runner.


ABSTRACT

The present monographic work intends to analyze if mannerism is present, and how it
is expressed in the mise-en-scène of the analyzed films, using as objects of study the
films: Metropolis (1927, dir. Fritz Lang) and Blade Runner (1982, dir. Ridley Scott).
Carrying out a historical overview of artistic movements and genre fiction, the concepts
of excess, sensationalism and spectacle are identified as being predominant in the
expression of these cultural matrices, among which are melodrama, fantastic literature,
decadence, horror and the detective novel, and two artistic avant-gardes — Gothic and
Futurism. Regarding cinema, German Expressionism, science fiction and film noir are
also points of interest, due to the characteristics and genres of the analyzed films.
Through bibliographic research, the concepts and definitions of excess, the matrix of
excess, sensationalism, spectacle and mannerism are analyzed, with the intention of
comprehending how they are manifested in the chosen films and in their respective
movements; contemplating its possibilities, applications, ruptures and contradictions.
From the film analysis of shots and scenes from the films Metropolis (1927) and Blade
Runner (1982), it is expected to understand how excess and mannerism appear in both
these works, performing a comparative analysis of them.

Keywords: Mannerism; Excess; Metropolis; Blade Runner.


LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Pôster de Metrópolis .................................................................... 12


Figura 2 – Pôster de Blade Runner .............................................................. 14
Figura 3 – A criatura de Frankenstein........................................................... 32
Figura 4 – Drácula; O Médico e o Monstro ................................................... 34
Figura 5 – Edgar Allan Poe........................................................................... 36
Figura 6 – Capas de revistas pulp ................................................................ 39
Figura 7 – Capas de revistas pulp de gênero policial ................................... 41
Figura 8 – Capas de revistas pulp de ficção-cientifica .................................. 42
Figura 9 – A Última Ceia de Jacopo Tintoretto (1594) .................................. 46
Figura 10 – O cinema de Wim Wenders em Paris, Texas ............................ 48
Figura 11 – O cinema de Dario Argento e Nighthawks de Edward Hopper .. 50
Figura 12 – Homem Morto (1995) de Jim Jarmusch..................................... 53
Figura 13 – O excesso em Gabinete do Doutor Caligari (1920) ................... 55
Figura 14 – Iluminação em Fuga para o Passado (1947) ............................. 56
Figura 15 – Assassinato dos adolescentes em Halloween (1979) ............... 60
Figura 16 – Intricada construção dos planos em Tudo que o céu permite ... 63
Figura 17 – A presentificação do bule em Tudo que o céu permite (1956) .. 64
Figura 18 – Antecipação e excesso em Crepúsculo dos Deuses (1950)...... 66
Figura 19 – Dolly zoom em Tubarão (1975) ................................................. 68
Figura 20 – Pôster de Metrópolis (1927) ...................................................... 69
Figura 21 – O Expressionismo em Golgotha (1900), de Edvard Munch ....... 71
Figura 22 – A Noiva do Vento (1913-1914), de Oskar Kokoschka ............... 72
Figura 23 – Impressão, nascer do sol (1872) ............................................... 73
Figura 24 – A iluminação de Drácula ............................................................ 76
Figura 25 – O cine-olho de Dziga Vertov ...................................................... 79
Figura 26 – Planos da mise-en-scène de Nosferatu ..................................... 81
Figura 27 – Espelho em Profondo Rosso ..................................................... 82
Figura 28 – A cidade de Metrópolis .............................................................. 84
Figura 29 – A era Reagan ............................................................................ 88
Figura 30 – A cidade infernal de Blade Runner ............................................ 90
Figura 31 – A cidade colossal de Blade Runner .......................................... 91
Figura 32 – Os punks em Blade Runner....................................................... 91
Figura 33 – Iluminação noir em Blade Runner ............................................. 95
Figura 34 – Deckard sobe as escadas do interior do Bradbury Building ...... 97
Figura 35 – A fábrica-demônio de Metrópolis ............................................. 101
Figura 36 – A metrópole do excesso .......................................................... 102
Figura 37 – A Torre de Babel, de Pieter Bruegel (1563)............................. 102
Figura 38 – Elementos Art-Déco em Metrópolis ......................................... 103
Figura 39 – As estruturas do Jardim dos Prazeres ..................................... 104
Figura 40 – As formas opressivas da Cidade Baixa ................................... 104
Figura 41 – Catacumbas ............................................................................ 105
Figura 42 – A morte e os Sete Pecados Capitais ....................................... 107
Figura 43 – As gárgulas e a iluminação expressionista .............................. 108
Figura 44 – Rotwang persegue Maria......................................................... 109
Figura 45 – As reações de Fredersen e da população ............................... 110
Figura 46 – Duelo na Catedral .................................................................... 111
Figura 47 – A catedral, o coração de Metrópolis ........................................ 113
Figura 48 – Atmosfera cyberpunk ............................................................... 114
Figura 49 – O uso do neon em Blade Runner ............................................ 115
Figura 50 – A densidade visual na cena da morte de Zhora ...................... 116
Figura 51 – Zhora morre ............................................................................. 117
Figura 52 – A replicante Pris ...................................................................... 118
Figura 53 – Iluminação azulada .................................................................. 119
Figura 54 – Apartamento de Deckard ......................................................... 120
Figura 55 – A paisagem de fumaça ............................................................ 121
Figura 56 – As super-propagandas na Los Angeles futurista ..................... 122
Figura 57 – Exterior do Bradbury Building .................................................. 123
Figura 58 – Roy chega ao Bradbury ........................................................... 124
Figura 59 – Michael Myers da franquia Halloween ..................................... 125
Figura 60 – Roy, monstro onipresente........................................................ 126
Figura 61 – A mão e o prego ...................................................................... 127
Figura 62 – A marquise do Bradbury .......................................................... 128
Figura 63 – Plano zenital de Deckard ......................................................... 129
Figura 64 – Nos telhados do Bradbury ....................................................... 130
Figura 65 – A humanidade de Roy ............................................................. 131
Figura 66 – Iconografia cristã em Blade Runner ........................................ 132
Figura 67 – Pomba branca voa em direção aos céus................................. 133
Figura 68 – Os olhos dos replicantes ......................................................... 134
Figura 69 – O olho em Blade Runner ......................................................... 135
Figura 70 – Metrópolis e Blade Runner ...................................................... 137
Figura 71 – Os trabalhadores em Metrópolis .............................................. 140
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO........................................................................................... 11

1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO TEMA ................................................. 11

1.2 OBJETIVOS .................................................................................... 16

1.2.1 Objetivo geral .............................................................................. 16

1.2.2 Objetivos específicos .................................................................. 16

1.3 REFERENCIAL TEÓRICO E METODOLÓGICO ............................ 17

1.4 JUSTIFICATIVA .............................................................................. 21

1.5 ESTRUTURA DOS CAPÍTULOS .................................................... 24

2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .................................................. 26

3 REVISÃO DA LITERATURA ..................................................................... 31

3.1 UM MERGULHO EM DIREÇÃO AO PASSADO: AS MATRIZES


CULTURAIS DO EXCESSO .................................................................................. 31

3.2 O MANEIRISMO E A SOBRECARGA................................................. 44

3.3 A MATRIZ DO EXCESSO NO CINEMA .............................................. 54

3.4. A MISE-EN-SCÈNE E OS DISPOSITIVOS DO CINEMA ................... 66

4 METRÓPOLIS ........................................................................................... 69

4.1 O QUE É METRÓPOLIS? ................................................................... 69

4.2 UM MOMENTO NO TEMPO: O EXPRESSIONISMO ALEMÃO ......... 70

4.3 O PARADOXO DO MANEIRISMO EM METRÓPOLIS ....................... 78

5 BLADE RUNNER....................................................................................... 86

5.1 O QUE É BLADE RUNNER? .............................................................. 86

5.2 UM MOMENTO NO TEMPO: CULTURA DA MÍDIA, CYBERPUNK E


REAGONOMICS .................................................................................................... 87

5.3 O MANEIRISMO EM BLADE RUNNER .............................................. 93

6 ANÁLISE DOS RESULTADOS ENCONTRADOS ..................................... 99


6.1 ANÁLISE FÍLMICA DE METRÓPOLIS ................................................ 99

6.2 ANÁLISE FÍLMICA DE BLADE RUNNER ......................................... 113

6.3 ANÁLISE COMPARATIVA ................................................................ 135

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................... 143

8 MEMORIAL INDIVIDUAL ........................................................................ 147

9.1 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................. 149

9.2 SITES ................................................................................................ 152

9.3 FILMES ............................................................................................. 158


11

1 INTRODUÇÃO

1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO TEMA

10 de janeiro de 1927, Metrópolis é lançado na Alemanha. Dirigido por Fritz


Lang, com roteiros de Lang e Thea von Harbou, foi desenvolvido em conjunto ao
romance de 1925, Metrópolis, escrito pela própria von Harbou. Realizado durante o
período da República de Weimar, ele faz parte do movimento cinematográfico
conhecido como Expressionismo Alemão1.
Metrópolis é um filme mudo de ficção-científica, que retrata a cidade fictícia
chamada Metrópolis, dividida entre a superfície, onde fica o Jardim dos Prazeres (uma
espécie de Éden) e vivem os poderosos, e abaixo dela a Cidade dos Trabalhadores,
onde os operários vivem e trabalham em condições precárias. Uma história de amor
surge entre os dois extremos da cidade: Freder (Gustav Fröhlich), filho do homem que
comanda a cidade, e Maria (Brigitte Helm), uma operária.
A cidade é governada por Joh Fredersen (Alfred Abel) do alto da Torre de
Babel, cuja preocupação é somente com o funcionamento perfeito de todas as
engrenagens da cidade. Freder acaba vendo um operário morrer de exaustão devido
ao excesso de trabalho e, a partir disso, começa a ter posicionamentos contrários ao
pai. As tensões crescem na Cidade dos Trabalhadores devido a esse incidente.
Enquanto isso, Joh se encontra com Rotwang (Rudolf Klein-Rogge), um
cientista louco, que mostra sua nova criação: um robô que muito se assemelha a um
humano. Ele garante que, assim que concluído, ninguém conseguirá diferenciar um
robô de um ser vivo, com o objetivo de substituir os trabalhadores pelos androides.
Tanto Freder, quanto Rotwang e Joh Fredersen assistem a uma reunião em que Maria
prega aos operários que rejeitem o uso de violência, dizendo que algum dia o Salvador
virá na forma de um mediador.
Assim, Joh ordena que a aparência de Maria seja colocada no robô, e que ela
seja infiltrada entre os operários para semear a discórdia entre eles. Entretanto,

1 O Expressionismo alemão consistiu em uma série de movimentos criativos na Alemanha,


na época da Primeira Guerra Mundial, que teve seu auge em Berlim, no início do século 20. Esses
acontecimentos faziam parte de uma tendência expressionista mais ampla, que tomava conta da cultura
europeia daquele período e que, basicamente, caracterizava-se por uma rejeição das convenções
renascentistas, mostrando a realidade de maneira extremamente distorcida para causar um maior
impacto emocional. (KREUTZ, 2018)
12

Rotwang tem planos próprios, mantendo Maria refém em seu esconderijo, enquanto
o robô — disfarçado de Maria — espalha ódio entre os operários, incitando uma
revolução e a destruição de todas as máquinas. Os operários conseguem parar o
funcionamento das máquinas, iniciando uma revolta.
A grande mensagem do filme é reiterada no intertítulo inicial e no final, “O
mediador entre a cabeça e as mãos deve ser o coração”, ao mostrar Freder
conciliando os operários e Joh Fredersen por um aperto de mão após a revolta.

Figura 1 – Pôster de Metrópolis

Fonte: Boris Bilinsky, 1927

Metrópolis é considerado um dos grandes filmes do século 20, estando


presentes em muitas das mais importantes listas de melhores filmes de todos os
tempos, como a da revista Sight and Sound2, e foi considerado um patrimônio cultural
mundial, incluído no Memory of the World da UNESCO3.

2 Lista da revista Sight and Sound, do British Film Institute. Disponível em:
https://www.bfi.org.uk/sight-and-sound/greatest-films-all-time. Acesso em: 01 nov. 2022.
3 Em 2001, o filme Metropolis foi incluído no “Memory of the World” da UNESCO, por sua
relevância histórica para o cinema e a cultura. Disponível em:
https://en.unesco.org/memoryoftheworld/registry/280 Acesso em: 01 nov. 2022
13

Em especial, o filme foi revolucionário em seu uso de efeitos especiais, o mais


famoso sendo o Efeito Schüfftan4, mas também é reconhecido por sua estética
altamente distinta e influente, como o referencial expressionista na maquiagem,
vestimentas, iluminação e cenários.
Em 25 de junho de 1982 é lançado Blade Runner - O Caçador de Androides
nos Estados Unidos. Com direção de Ridley Scott e roteiro de Hampton Fancher e
David Peoples, foi baseado no romance Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?
(Do Androids Dream of Electric Sheep?) de Philip K. Dick. É um filme dos gêneros
ficção-científica e policial produzido por Michael Deeley com as empresas The Ladd
Company, Shaw Brothers e Blade Runner Partnership, e distribuído pela Warner Bros.
A história do filme se passa no século 21, em um futuro distópico onde uma
grande corporação desenvolve um novo tipo de robô chamado de replicante, que
possui aparência humana, porém é mais forte e ágil que um ser humano comum. A
corporação Tyrell têm o intuito de utilizá-los como escravos na em outros planetas,
mas, quando um grupo de replicantes provoca um violento motim em uma dessas
colônias, o governo passa a considerar a presença dos replicantes na Terra como
ilegal.
Para caçá-los, o governo instaura um grupo especial de policiais, os Blade
Runner, que tem permissão para matar os replicantes encontrados na Terra. Até que,
em novembro de 2019, em uma Los Angeles futurista, cinco replicantes do modelo
Nexus-6 chegam à Terra.
Liderados por Roy Batty (Rutger Hauer), eles buscam por seu criador, o dono
da Corporação Tyrell, e um ex-Blade Runner chamado Rick Deckard (Harrison Ford)
é encarregado de caçá-los. A trama se complica quando Deckard se apaixona por
Rachael (Sean Young), uma replicante funcionária da Tyrell que traz informações
valiosas sobre os fugitivos. Assim, se inicia uma corrida contra o tempo, tanto para
Deckard, quanto para os replicantes Nexus-6, que tem um tempo de vida limitado a 4
anos — tempo esse que está terminando.

4O efeito Schüfftan, cujo nome deriva de seu criador Eugen Schüfftan, é uma técnica que
combina o uso de espelhos e miniaturas para criar a ilusão de que os atores estão em determinados
cenários, para que estes não precisem ser construídos em tamanho real. O efeito chegou a ser utilizado
por muitos cineastas, como Alfred Hitchcock em seus filmes Chantagem e confissão (1929) e Os 39
Degraus (1935), e mais recentemente em O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei (2003), de Peter
Jackson. A técnica acabou caindo em desuso devido a outras inovações como as matte paintings e os
efeitos especiais computadorizados (CGI).
14

Dentre os elementos mais impactantes de Blade Runner, certamente o visual


do filme é o que mais se destacou ao longo dos anos. A atmosfera chuvosa, o futuro
em perpétua escuridão, onde vielas estreitas e decadentes são regadas por luzes
neon; os colossais prédios e arranha-céus onde milhões de pessoas vivem formando
blocos amontoados de apartamentos; os hologramas, luzes, carros voadores, sujeira
e lixo eletrônico, inteligências artificiais e robôs que povoam os espaços do filme.

Figura 2 – Pôster de Blade Runner

Fonte: Wikipedia

A estética criada para o filme se tornou sinônimo do cyberpunk5, tendo


inspirado uma leva de filmes, animações, quadrinhos, videogames e outros produtos
midiáticos nos anos seguintes, como Matrix (1999, Lilly Wachowski, Lana
Wachowski), Akira (1988, Katsuhiro Otomo), Ghost in the Shell (1995, Mamoru Oshii),
Cowboy Bebop (1998, Shinichiro Watanabe), o Quinto Elemento (1997, Luc Besson),

5 Segundo a Enciclopédia Britannica, cyberpunk é um subgênero da ficção-científica


caracterizado por um futuro altamente tecnológico, mas também altamente desumanizado. A palavra
tem origem na junção de “cyber” de cibernética (cybernetics) e do “punk”, movimento de contracultura
dos anos 70 e 80 que deu origem ao punk-rock. Disponível em:
https://www.britannica.com/art/cyberpunk Acesso em: 01 nov. 2022.
15

dentre outros. Em entrevista ao portal Wired,6 William Gibson (2017), o escritor


considerado o criador, em termos leigos sendo pai do cyberpunk, comentou: "Blade
Runner mudou a maneira que vemos o mundo [...] E se tornou o nosso referencial
cultural e visual para o futuro”.
Em 2022, Blade Runner - o Caçador de Androides (1982) completa 40 anos,
e em um futuro breve, no ano de 2027, Metrópolis (1927) de Fritz Lang completará
100 anos de seu lançamento. As marcas de longevidade desses dois filmes, junto ao
fato que ainda estão presentes na discussão cultural, são um sinal da relevância
dessas obras.
É possível identificar que Blade Runner e Metrópolis tem muitas similaridades:
a ideia de um ambiente urbano extremamente verticalizado, onde os ricos vivem em
cima dos trabalhadores, por exemplo, é algo que aparece em ambos os filmes; o uso
de robôs, a inspiração na vanguarda futurista, dentre outras. Entretanto, a similaridade
mais relevante para esta monografia, é que tanto Blade Runner quanto Metrópolis tem
uma proposta de hiperestilização da mise-en-scène, de proporcionar um excesso na
imagem, e no som.
No caso de Blade Runner, essa proposta de estilo passa também por revisitar
o passado do cinema, ao retrabalhar os tropos do noir7, por exemplo. Essas escolhas
de hiperestilização em Blade Runner, que escolhem revisitar o cinema do passado,
apontam para um outro fenômeno do cinema: o maneirismo.
O maneirismo é um conceito que surgiu em D’une certaine manière (1985) de
Alain Bergala, publicado na revista Cahiers du Cinéma, e que fala sobre um momento
maneirista. Esse momento maneirista ocorreu após as vanguardas estéticas do
cinema na década de 1960 e 1970, se iniciando na segunda metade dos anos 1970 e
durante toda a década de 1980, e tendo como representantes alguns cineastas como
Brian De Palma e Dario Argento, que trabalham em seus filmes uma estética
hiperestilizada.

6 Entrevista de Ridley Scott para a Wired no período próximo ao lançamento da continuação.


Disponível em: https://www.wired.com/2017/09/behind-the-scenes-blade-runner-2049-sequel/ Acesso
em: 01 nov. 2022.
7 “Então, em 1946, o crítico e cineasta Nino Frank cunhou o rótulo noir, em alusão à "Série
Noire"- coleção editada na França contendo obras da literatura hard-boiled (base para a maioria desses
filmes). Frank e seus colegas Jean-Pierre Chartier (também em 1946) e Henri-François Rey (em 1948)
frouxamente (e de forma contraditória) o empregaram para manifestar sua admiração diante dessas
obras de tons escurecidos, temática e fotograficamente, surpreendentes em sua representação crítica
e fatalista da sociedade americana e na subversão à unidade e estabilidade típicas do classicismo de
Hollywood”. (MASCARELLO, 2006, p. 179)
16

O nome maneirismo foi escolhido devido a um momento na história da


pintura, também chamado de maneirismo, que surge em reação ao perfeccionismo e
os valores clássicos prestigiados pelo humanismo renascentista, levando à procura
de efeitos de distorção da forma. Depois de um esgotamento da forma clássica, existe
uma necessidade de reinvenção, e depois de uma perfeição renascentista, os artistas
passaram a hiperestilizar seus trabalhos — o mesmo acontece no cinema no caso dos
maneiristas.
Segundo Luiz Carlos Oliveira Jr. (2014, p. 140), o maneirismo é um momento
do cinema que: “caracteriza-se pelas imagens de “segundo grau”, ou seja, imagens
que retomam outras imagens e que, por isso mesmo, muitas vezes dependem de um
conhecimento prévio da história do cinema e/ou dos seus códigos ficcionais”.
Portanto, é possível compreender que o maneirismo implica um conhecimento
da forma e estruturas preexistentes da linguagem cinematográfica, e um desejo de
reconstruir e distorcer essas imagens prévias. Uma das maneiras de retrabalhar as
imagens prévias do cinema no maneirismo é por meio da hiperestilização a partir do
excesso, ou como define Oliveira Jr. (2014, p. 145), a sobrecarga.
Portanto, tendo em vista o que foi contextualizado acima, essa monografia
utiliza como objetos de estudo os filmes: Metrópolis (1927, dir. Fritz Lang) e Blade
Runner – O Caçador de Androides (1982, dir. Ridley Scott) e pretende analisar: O
maneirismo está presente nas obras Metrópolis e Blade Runner? Se sim, como ele
está expresso na mise-en-scène desses filmes?

1.2 OBJETIVOS

1.2.1 Objetivo geral

Analisar como o maneirismo se expressa em Metrópolis (1927) e Blade


Runner (1982).

1.2.2 Objetivos específicos

a) Analisar os conceitos e as definições de excesso, matriz de excesso,


sensacionalismo, espetáculo e maneirismo, e como se manifestaram nas obras
estudadas e nos seus respectivos movimentos; contemplando suas possibilidades,
17

aplicações, rupturas e contradições, buscando entender como esses conceitos foram


expressos nos filmes escolhidos.
b) Realizar um panorama histórico por movimentos artísticos e da ficção de
gênero pertencentes à matriz cultural do excesso, com enfoque mais específico na
literatura fantástica, no decadentismo, no horror e no romance policial, e em duas
vanguardas artísticas — o gótico e o futurismo. Nesse objetivo, no que tange o cinema,
existe um destaque para o Expressionismo Alemão, a ficção-científica e o cinema noir,
devido às características e gêneros dos filmes analisados.
c) Realizar a análise fílmica de planos e cenas dos filmes Metrópolis (1927) de
Fritz Lang e Blade Runner – O Caçador de Androides (1982) de Ridley Scott, de forma
a dissertar sobre como o excesso e o maneirismo pode se manifestar em ambas essas
obras, realizando uma análise comparativa delas.

1.3 REFERENCIAL TEÓRICO E METODOLÓGICO

Para chegar aos objetivos pretendidos, a monografia utilizará a conceituação


de maneirismo e mise-en-scène como vista em A mise en scène no cinema: do
clássico ao cinema de fluxo (2014) de Luiz Carlos Oliveira Jr.
Sobre a mise-en-scène, Oliveira Jr. retorna as origens da expressão, como
um termo importado do teatro e das artes cênicas. Apesar dos diferentes fatores que
diferenciam a arte do cinema, como a liberdade da câmera de se movimentar e
enquadrar, por exemplo, “este continua a ser o local de onde devemos começar
qualquer estudo que envolva diretamente o “levar para a cena”, a cena, o espaço
cênico, o espaço representado — a mise en scène” (OLIVEIRA JR., 2014, p. 20).
O cinema herda do teatro a questão da encenação, mas os estudos sobre a
mise-en-scène no período dos anos 1950 e 1960 levam para um novo ponto de vista
— é através do enquadramento e a possibilidade de variar o ponto de vista sobre a
cena que dá à mise-en-scène cinematográfica o poder de ser mais que uma técnica.
O autor continua seu raciocínio “por meio desse quadro, a mise en scène
cinematográfica se faz não apenas uma colocação em cena, mas, acima de tudo, um
olhar sobre o mundo” (OLIVEIRA JR., 2014, p. 27).
Diante disso, o que Oliveira Jr. e os outros autores que ele aborda concluem
é que, por mais que o cinema tenha na mise-en-scène o legado do teatro, ela acaba
por constituir um conceito próprio, pois pressupõe uma série de técnicas e dispositivos
18

únicos. Para esta monografia, entenderemos a mise-en-scène como uma síntese


dessas definições, tanto como algo próximo do ato de levar para a cena, quanto esse
olhar sobre o mundo, que no cinema pressupõe a câmera e outros dispositivos
cinematográficos.
Autores como Robert Stam, David Bordwell e Kristin Thompson também são
fontes de pesquisa bibliográfica pois podem trazer a elucidação necessária a
conceitos da linguagem do cinema, como gênero, filme de gênero, dentre outros.
Acerca do cinema de gênero hollywoodiano, em Introdução à Teoria do
Cinema (2003) Stam traz a perspectiva do gênero, não só como do sintoma de uma
produção serializada em massa, mas como a consolidação de um acordo entre
cineasta e audiência, conciliando alguns efeitos da indústria (necessidade de
catalogar diferentes filmes para produção e comercialização) com o entusiasmo do
público por uma arte em evolução, como pode ser visto no seguinte trecho:

A palavra “gênero” fora empregada tradicionalmente em pelo menos dois


sentidos: (1) um sentido inclusivo no qual todos os filmes são participantes do
gênero; e (2) um sentido mais estrito do “filme de gênero” hollywoodiano, isto
é, as produções de menor prestígio e orçamento, os filmes B. O gênero neste
último sentido é um corolário do modo industrializado de produção de
Hollywood (e de seus imitadores), um instrumento a um só tempo de
estandardização e diferenciação. O gênero, nesse caso, tem força e
densidade institucional; significa uma divisão genérica de trabalho, por meio
a qual os estúdios se especializaram em gêneros específicos (a MGM e o
musical, por exemplo), enquanto, em cada estúdio, cada gênero tinha não
apenas seus próprios locais de gravação, mas também seus funcionários:
roteiristas, diretores, figurinistas. (STAM, 2003, p.148)

O comentário de Stam no trecho reforça a ideia de gênero como uma


construção que não diz respeito somente a direção do filme, mas sim algo que passa
pela produção e distribuição, pois também se concretiza em uma relação com o
público. Essa construção do gênero cinematográfico pode indicar um conflito que está
presente desde sempre no cinema como indústria cultural, sobre o controle do filme,
o conflito da visão autoral do diretor e o aparato dos grandes estúdios, contextos em
que ambos os objetos de estudo desta monografia foram realizados. Como o
maneirismo pressupõe a autoria do diretor, é importante investigar como o aparato
contraditório do sistema de estúdios permite — ou não — essa abordagem autoral
desses diretores.
Esta ideia de gênero fílmico é corroborada por Bordwell e Thompson (2013,
p.499) em A Arte do Cinema: Uma Introdução, no livro eles definem os gêneros como
uma série de “termos convenientes que se desenvolvem de maneira informal. Os
19

cineastas, chefes de indústria, os críticos e o público [...] contribuem para a formação


de um senso comum de que determinados filmes remetem a outro filme de maneira
relevante.” Portanto, o gênero cinematográfico só pode funcionar em um filme quando
é posto em relação a outros filmes. Esta relação, porém, pode se dar de várias formas.
Stam fala sobre caráter iconográfico dos gêneros, e sinaliza a existência de uma forma
exterior e outra interior:

Em “The idea of genre in American cinema”, Buscombe reclamou maior


atenção aos elementos iconográficos dos filmes. As convenções visuais, para
Buscombe, fornecem uma moldura ou cenário em cujo o interior pode ser
contada a história. A “forma exterior” de um gênero consiste em elementos
visuais - no faroeste, os chapéus de abas largas, as armas, as carroças, os
corpetes das prostitutas etc. - ao passo que a “forma interior” são os meios
por intermédio dos quais esses elementos visuais são empregados. O diretor
utiliza os recursos oferecidos pela iconografia recombinando-os em formas
que conciliam a familiaridade e a inovação. (STAM, 2003, p. 147)

Quando o autor fala sobre a forma interior e exterior, ele dá indícios de como
os filmes podem retrabalhar as convenções dos gêneros. Este ponto é de grande
importância na análise do maneirismo, em especial quando complementado com
outros conceitos como o de matriz de excesso, que será aprofundado ao longo desta
pesquisa.
No que diz respeito à hiperestilização, esse conceito pressupõe um excesso,
e para analisar esse processo utilizaremos a matriz de excesso, pautados na obra de
Mariana Baltar, em especial o artigo Moral deslizante – Releituras da matriz
melodramática em três movimentos (2006), e outros conceitos alinhados, como o
espetáculo e a dimensão do sensacional, que podem ser observados nos artigos O
sensacionalismo como processo cultural (2007) de Ana Lucia S. Enne e Spectacle,
Attractions and Visual Pleasure (2006) de Scott Bukatman, respectivamente. Em seu
artigo, Enne (2007) traz uma retrospectiva histórica sobre como o sensacional
percorreu diversas matrizes culturais, evidenciando construções parecidas no
jornalismo. Englobando o período do fim do século XVIII e o decorrer do século XIX,
as matrizes escolhidas por Anna Lúcia S. Enne no artigo são: a pornografia, o
melodrama, o folhetim, a literatura fantástica e de horror e o romance policial.
Dentre as outras referências utilizadas estão livros sobre a história do cinema,
História do Cinema - Dos clássicos mudos ao cinema moderno (2013) de Mark
Cousins, História do Cinema Mundial (2006) de Fernando Mascarello (org.), e História
do Cinema Mundial (2020) de Franthiesco Ballerini, foram fundamentais para fornecer
20

informações, dados históricos, cronologias, dentre outras coisas, que possibilitaram


uma revisão histórica mais precisa.
A Verdadeira História da Ficção-Científica: Do Preconceito à Conquista das
Massas (2019) de Adam Roberts ajuda a compreender o surgimento e
desenvolvimento da ficção-científica como um gênero na literatura e em outras mídias,
falando sobre características, movimentos, autores relevantes e contextos sociais.
Também de extrema importância para a pesquisa histórica, os livros de Giulio
Carlo Argan acerca da história da arte, principalmente a arte moderna, e seus
conceitos sobre arquitetura, urbanismo e cidade, enriquecem esse trabalho
monográfico com perspectivas acerca da forma arquitetônica e os diferentes
movimentos e vanguardas artísticas que influenciam os objetos de análise.
Com isso em vista, esse projeto monográfico se trata, primordialmente, de
uma pesquisa exploratória acerca dos temas e objetos escolhidos. A principal
metodologia da monografia é a pesquisa bibliográfica, como vista em Como elaborar
projetos de pesquisa (2002) de Antônio Carlos Gil. Tendo como base o conjunto de
referências, é a leitura em profundidade dos autores fundamentais da monografia que
deve trazer o embasamento conceitual necessário, modelos, processos, análises,
além de exemplos relevantes e referências a outros textos bibliográficos.
Ainda no que diz respeito a metodologia, Cinema como Arqueologia das
Mídias (2018) de Thomas Elsaesser fornece uma forma diferente de enxergar a
história, não como uma progressão onde todas as peças se encaixam de forma
perfeita, em uma condição de “causa e efeito”, mas como uma história que apresenta
uma série de descontinuidades, rupturas, becos sem saída (2018, p. 42), que podem
ou não influenciar uma à outra.
A história do cinema não é só uma progressão onde uma evolução encadeia
a próxima, portanto, deve-se considerar a diversidade de possibilidades que o
passado apresenta. Ele descreve esse processo no seguinte trecho:

Com isso, a história do cinema como arqueologia das mídias teve que olhar
para além das genealogias usuais para explicar o “nascimento” do cinema,
como teatro de sombras, lanterna mágica, persistência da visão e invenção
da fotografia, que, no relato convencional, convergiram todos, de alguma
forma milagrosa, para o cinematógrafo - como se fosse o destino óbvio deles,
como afluentes para formar um único rio: o cinema. Como pode-se ver, não
existia esse rio, e sim uma paisagem estriada e estendida em camadas, mais
como um campo de batalha do que como formação natural, pacificada por
tréguas e acomodações, e não por convergência harmoniosa. (ELSAESSER,
2018, p. 36)
21

Outra metodologia complementar é a análise fílmica, amparada nos autores


Francis Vanoye e Anne Goliot-Lété, mais especificamente seu livro Ensaio sobre a
análise fílmica (2012). Como visto no livro, a análise fílmica é uma importante
ferramenta para interpretação de filmes. Os autores separam a análise em duas
partes, desconstrução e reconstrução. Primeiro, deve-se desconstruir os elementos
do filme, identificar como eles atuam separadamente, para em seguida, na segunda
parte, reconstruir o filme e realizar conexões entre os elementos distintos.

1.4 JUSTIFICATIVA

Esta monografia parte do desejo de estudar o cinema em profundidade, e um


dos eixos escolhidos para a pesquisa, o maneirismo, levou-a para o conceito da matriz
de excesso. Ao estudar a matriz de excesso, iniciando-se com um panorama histórico
que envolve desde a arte maneirista até a literatura Pulp do início do século 20, e
passando por diversos movimentos literários, como a literatura gótica e o
decadentismo, ou movimentos e estilos cinematográficos, como o Expressionismo
Alemão e o cinema noir. Com esse panorama é possível observar como se deu a
consolidação de alguns gêneros — em especial, o terror, a ficção-científica e o policial
— e como eles operam em diversas mídias e linguagens.
Portanto, a pesquisa é de natureza interdisciplinar, agregando conhecimentos
da arte, literatura e especialmente do cinema, de forma a estabelecer conexões entre
essas áreas do conhecimento, fazer paralelos históricos e investigar possíveis elos
entre esses movimentos.
A pesquisa histórica é uma parte importante do projeto monográfico proposto,
e, portanto, esta monografia também tem um caráter de preservação da memória do
cinema e da cultura. Ambos os filmes têm uma história que envolve diversas versões,
a de Metrópolis é ainda mais dramática pois cerca de um quarto do filme foi
considerado perdido para sempre, até essas partes serem recuperadas na histórica
descoberta na Argentina em 2008.
Só é devido aos profissionais de preservação e restauração, e um pouco de
sorte, que Metrópolis pode ser assistido nos dias de hoje de maneira mais próxima do
que foi idealizado pelo diretor Fritz Lang. A preservação da cultura se torna algo cada
vez mais importante agora, devido aos constantes ataques à cultura, como a
22

dissolução do Ministério da Cultura, o bloqueio de editais, o veto de Leis de incentivo


à cultura8, dentre outros.
Em todo mundo, a censura9, o descaso com a cultura e com o passado
aumenta - o negacionismo histórico avança, na tentativa de reescrever o passado com
interesses escusos. Esse projeto monográfico pretende estudar duas obras do
passado que tem muito a dizer sobre o presente, os filmes Blade Runner - O Caçador
de Androides, um filme de ficção-científica do diretor Ridley Scott, e Metrópolis de Fritz
Lang, um dos filmes essenciais do Expressionismo Alemão.
Metrópolis foi realizado durante a República de Weimar10, no período entre a
Primeira e a Segunda Guerra Mundial, e retrata alguns dos sintomas de uma
Alemanha com uma economia e um espírito quebrado, em alguns poucos anos
ocorreria o Incêndio do Reichstag e alçada ao poder do Partido Nazista. Perto do fim
da República, já se apresentavam indícios de recuperação econômica e a indústria de
cinema ia bem. Sua grande representante, a UFA (Universum-Film
Aktiengesellschaft), decidiu fazer o maior investimento de sua história em um filme:
Metrópolis.
Apesar de terem se passado quase 100 anos do seu lançamento, muitos dos
seus temas ainda parecem pertinentes. O filme fornece uma leitura do mundo após a
Revolução Industrial, uma audaciosa metáfora para a industrialização e a
desigualdade. Os temas da produção em massa, de jornadas de trabalho
extenuantes11, da mecanização do trabalhador, da luta de classes, ainda permanecem
relevantes hoje em dia, com as novas relações de trabalho na era digital.
O roteiro do filme é feito por Thea von Harbou, esposa de Fritz Lang, e que
viria a integrar o partido nazista. Por um lado, odiado por trabalhar temas marxistas e
comunistas, Metrópolis era um filme admirado pelo Terceiro Reich. Em entrevistas,

8 Disponível em: https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2022/04/06/bolsonaro-veta-


verbas-aprovadas-pelo-congresso-para-recuperacao-do-setor-cultural.ghtml. Acesso em: 01 nov.
2022.
9 Disponível em: https://veja.abril.com.br/ideias/escola-dos-eua-censura-maus-hq-sobre-o-
holocausto-vencedora-do-pulitzer/. Acesso em: 01 nov. 2022.
10 “Das cinzas da guerra e do império, surgiu uma república fragilizada, numa era de grandes
dificuldades econômicas não só na Alemanha derrotada como também no mundo todo. O social-
democrata Friedrich Ebert foi encarregado de formar o primeiro governo republicano. Tendo-se
distanciado das ideias revolucionárias do passado, os social-democratas consideravam sua principal
tarefa garantir a transição ordenada para a nova forma de Estado.” Disponível em:
https://www.dw.com/pt-br/a-rep%C3%BAblica-de-weimar/a-890198. Acesso em: 01 nov. 2022
11 Disponível em: https://www.otempo.com.br/cidades/explosao-de-apps-eleva-a-
vulnerabilidade-dos-informais-1.2559688. Acesso em: 01 nov. 2022
23

Lang contou como foi contatado por Joseph Goebbels para integrar o governo
comandando o departamento de cinema do Partido Nazista, Lang fugiria da Alemanha
no dia seguinte12 13.
Blade Runner foi realizado durante o controverso governo de Ronald Reagan
como Presidente dos Estados Unidos, dois mandatos presidenciais marcados pela
globalização, pelo consumismo exagerado e por uma crescente estratificação social.
Em seu universo diegético, Blade Runner apresenta um futuro desesperançoso e
opressivo, um planeta que sofreu uma catástrofe ambiental, um mundo muito
avançado tecnologicamente, mas altamente estratificado. As grandes corporações, a
fronteira espacial e os replicantes (a máquina tomando consciência própria), que são
elementos do universo do filme, são assuntos extremamente contemporâneos,
especialmente com o lançamento de sondas, foguetes e missões espaciais lideradas
por bilionários e grandes corporações14, o desenvolvimento de inteligências artificiais
e robôs cada vez mais avançados15, além do perigo cada vez mais iminente de uma
catástrofe ambiental global irreversível16 17.
Durante a pandemia de Covid-19 houve um crescimento significativo na
desigualdade, na miséria e na concentração de renda18. Nas atuais circunstâncias, o
futuro pessimista altamente tecnológico e desigual de Blade Runner já não parece tão
distante.
Além disso, a obra trabalha algumas das obsessões da carreira do escritor
Philip K. Dick, autor do romance que inspirou o filme. Suas histórias se preocupavam
com duas questões majoritariamente “como identificar o que é real?” e “como saber o

12 Disponível em: https://thewire.in/film/ninety-years-fritz-langs-metropolis-still-power-unnerve


Acesso em: 01 nov. 2022
13 Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=wk22GME79S0&ab_channel=PauloFigueiredo. Acesso em: 16
mai. 2022
14 Disponível em:
https://economia.uol.com.br/colunas/carlos-juliano-barros/2021/07/20/bilionarios-vao-ao-espaco-e-
pobres-nem-podem-buscar-trabalho-em-outro-pais.htm. Acesso em: 16 mai. 2022.
15 Disponível em: https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2022/02/13/inteligencias-
artificiais-podem-ja-ter-consciencia-diz-pesquisador.htm. Acesso em: 16 mai. 2022.
16 Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/ciencia-e-saude/2022/04/4998213-
mundo-tem-apenas-tres-anos-para-impedir-catastrofe-climatica-diz-ipcc.html. Acesso em: 16 mai.
2022.
17 Disponível em: https://metsul.com/um-desastre-ambiental-global-silencioso/. Acesso em:
16 mai. 2022.
18 Disponível em: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2021/12/07/pandemia-aumenta-
desigualdade-no-brasil-mostra-levantamento.ghtml). Acesso em: 16 mai. 2022.
24

que é humano?”, que são extremamente pertinentes e atemporais no que tange a


condição humana.
Phillip K. Dick teve muitas obras suas que foram adaptadas ao cinema, mas
Blade Runner (1982) de Ridley Scott foi a mais relevante — inclusive recebendo uma
continuação 35 anos depois, Blade Runner 2049 (2017) de Dennis Villeneuve. Um
sinal de que as obsessões do autor continuam reverberando com as gerações futuras,
muito depois de sua morte.
Dentre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU19 com os
quais o projeto monográfico se alinha, estão inclusos o Objetivo 4 (Assegurar a
educação inclusiva e equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de
aprendizagem ao longo da vida para todas e todos), e o Objetivo 10 (Reduzir a
desigualdade dentro dos países e entre eles).
Como uma monografia, esse projeto de graduação parte do desejo de realizar
uma produção acadêmica sobre cinema, de pensar o cinema e produzir conhecimento
nessa área. Transmitir esse conhecimento de forma acessível e democrática é um dos
objetivos dessa monografia, e se possível despertar o interesse pelo cinema e o
audiovisual como algo mais que entretenimento ou uma área de trabalho.
O alinhamento desta monografia com a redução da desigualdade é
refletido na escolha dos filmes. Como visto anteriormente, ao investigar a linguagem
cinematográfica é possível ver que dentro de ambos os filmes, existe uma mensagem
sobre as condições que o desenvolvimento desenfreado da tecnologia pode causar.

1.5 ESTRUTURA DOS CAPÍTULOS

Este projeto de graduação é organizado em sete partes, e suas subdivisões,


objetivando analisar a presença do maneirismo e como ele se expressa nas obras
Metrópolis (1927) e Blade Runner (1982). Seguindo o primeiro capítulo, a introdução,
desenvolve-se um capítulo dedicado aos procedimentos metodológicos, quais foram
utilizados e como foram aplicados nesta monografia. Esse então é seguido pelo
terceiro capítulo, a revisão de literatura, com a análise dos conceitos e dos autores
escolhidos.

19 Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/sdgs. Acesso em: 16 mai. 2022.


25

Este capítulo busca analisar os conceitos e as definições de excesso, matriz


de excesso, sensacionalismo, espetáculo e maneirismo, e como se manifestaram nas
obras estudadas e nos seus respectivos movimentos; contemplando suas
possibilidades, aplicações, rupturas e contradições, buscando entender como esses
conceitos foram expressos nos filmes escolhidos.
Para isso, será realizado um panorama histórico por movimentos artísticos e
da ficção de gênero pertencentes à matriz cultural do excesso, com enfoque mais
específico na literatura fantástica, no decadentismo, no horror e no romance policial,
e em duas vanguardas artísticas — o gótico e o futurismo. Nesse objetivo, no que
tange o cinema, existe um destaque para o Expressionismo Alemão, a ficção-científica
e para o cinema noir, devido às características e gêneros dos filmes analisados.
Após a apresentação dos conceitos, dois capítulos dedicados aos filmes que
são objetos desta monografia. Os capítulos quatro e cinco abordarão,
respectivamente, Metrópolis e Blade Runner. Nestes capítulos teremos um
detalhamento maior de ambos os filmes; sendo abordados os movimentos
cinematográficos em que estão inseridos os filmes, além de seus contextos políticos,
culturais e sociais abordados com maior profundidade, para enfim finalizar com a
aplicação da análise fílmica de planos e cenas desses filmes. O próximo capítulo, o
sexto, trata-se de uma análise comparativa entre essas cenas e planos, baseada no
maneirismo e demais conceitos abordados nos capítulos anteriores.
Por fim, após a análise e cruzamento dos dados obtidos, a monografia finaliza
com uma conclusão, concatenando conceitos com as análises feitas durante a
pesquisa.
26

2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Acerca das metodologias utilizadas na concepção deste trabalho monográfico


— as quais estarão expressas e descritas neste capítulo — devido ao caráter do
trabalho, trata-se de uma pesquisa exploratória sobre cinema, mais especificamente,
sobre o maneirismo nos filmes Blade Runner e Metrópolis. Segundo Antônio Carlos
Gil (2002), as pesquisas exploratórias:

[...] têm como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, com
vistas a torná-lo mais explícito ou a constituir hipóteses. Pode-se dizer que
estas pesquisas têm como objetivo principal o aprimoramento de idéias ou a
descoberta de intuições. Seu planejamento é, portanto, bastante flexível, de
modo que possibilite a consideração dos mais variados aspectos relativos ao
fato estudado. Na maioria dos casos, essas pesquisas envolvem: (a)
levantamento bibliográfico; (b) entrevistas com pessoas que tiveram
experiências práticas com o problema pesquisado; e (c) análise de exemplos
que "estimulem a compreensão" (Selltiz et al., 1967, p. 63). Embora o
planejamento da pesquisa exploratória seja bastante flexível, na maioria dos
casos assume a forma de pesquisa bibliográfica ou de estudo de caso [...]
(GIL, 2002, p. 41)

As pesquisas exploratórias são as que entram em contato com o


problema de pesquisa através da exploração das facetas deste problema, e seus
assuntos adjacentes. Como o autor indica no trecho, dentro das pesquisas
exploratórias, a pesquisa bibliográfica é uma das formas mais comuns de aprofundar-
se nos objetos e elementos temáticos da pesquisa.
Tendo como base um conjunto de referências de material científico já
publicado sobre o assunto, a pesquisa bibliográfica é aquela que coloca o pesquisador
frente ao que já foi desenvolvido acerca dos temas da monografia. Sobre disso, Gil
comenta:

A pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em material já elaborado,


constituído principalmente de livros e artigos científicos. Embora em quase
todos os estudos seja exigido algum tipo de trabalho dessa natureza, há
pesquisas desenvolvidas exclusivamente a partir de fontes bibliográficas. Boa
parte dos estudos exploratórios pode ser definida como pesquisas
bibliográficas. As pesquisas sobre ideologias, bem como aquelas que se
propõem à análise das diversas posições acerca de um problema, também
costumam ser desenvolvidas quase exclusivamente mediante fontes
bibliográficas. (GIL, 2002, p. 44)

Dentre os materiais que podem servir como insumo para a pesquisa


bibliográfica estão “livros, revistas, publicações em periódicos e artigos científicos,
jornais, boletins, monografias, dissertações, teses, material cartográfico, internet”
(PRODANOV; FREITAS, 2013, p. 54). Assim como a pesquisa bibliográfica, a
27

pesquisa documental também é uma forma de investigação da pesquisa exploratória,


através da consulta de documentos que possam comprovar, negar ou indicar outras
hipóteses.
É preciso ressaltar que não são apenas textos escritos ou impressos que são
considerados documentos. Dentro do escopo deste conceito, há filmes, fotografias, e
demais materiais audiovisuais, mas também peças como pôsteres, anúncios ou
desenhos. Acerca da pesquisa documental:

[...] a pesquisa documental, devido a suas características, pode ser


confundida com a pesquisa bibliográfica. Gil (2008) destaca como principal
diferença entre esses tipos de pesquisa a natureza das fontes de ambas as
pesquisas. Enquanto a pesquisa bibliográfica se utiliza fundamentalmente
das contribuições de vários autores sobre determinado assunto, a pesquisa
documental baseia-se em materiais que não receberam ainda um tratamento
analítico ou que podem ser reelaborados de acordo com os objetivos da
pesquisa. (PRODANOV; FREITAS, 2013, p. 56)

Os filmes Metrópolis (1927) e Blade Runner (1982) são documentos do tempo


e espaço que foram realizados, registros dos pensamentos acerca do futuro, como
este era visualizado em suas respectivas épocas, a Alemanha do fim da década de
1920 e os Estados Unidos da década de 1980, e podem ser reinterpretados — ou
reconfigurados — a partir dos recortes propostos. Para os fins desta pesquisa, estes
objetos serão analisados através da pesquisa bibliográfica, da análise fílmica, e pela
metodologia da análise cultural.
Acerca da definição da análise cultural, o artigo A análise cultural: um método
de procedimentos em pesquisas (2016) de Ana Luiza Coiro Moraes, traz a perspectiva
dessa metodologia, que se encaixa dentro da área dos Estudos Culturais, como:
“sistema capaz de decodificar significados dados pelas pesquisas em comunicação.”
(2016, p. 1) Constitui-se nesses métodos uma combinação da prática analítica, de
dedução, indução e formulação de hipóteses, acerca da sociedade, da cultura e dos
produtos culturais, partindo de documentos e textos. A análise cultural de um tempo
passado, como é o caso desta monografia, é feito a partir dos documentos daquele
período:

[...] quando a cultura de um período já não é presente, ou seja, não é mais


uma cultura vivida, o passado sobrevive, ainda que de maneira mais restrita,
nos documentos deixados por essa e/ou acerca dessa cultura. E, através da
cultura registrada, é possível obter uma ideia razoavelmente clara sobre o
acervo cultural, os padrões gerais de atividade e os valores desse período.
(MORAES, 2006, p. 3)
28

Nesta monografia, partindo dos objetos de estudo — estes que são


documentos de seus respectivos períodos históricos — e outros documentos que
possam fornecer informações e análises valiosas, sejam eles produzidos na época ou
não, será feita uma análise dos contextos culturais nos quais Metrópolis e Blade
Runner foram realizados. Nesses contextos incluem-se textos bibliográficos, como as
obras de Thomas Elsaesser acerca da República de Weimar, do Expressionismo
Alemão e de Metrópolis, ou como as análises de Douglas Kellner acerca de Blade
Runner, do cyberpunk e da produção cultural nos anos oitenta, como visto em A
cultura da mídia - estudos culturais: identidade e cultura entre o moderno e o pós-
moderno (2001).
Já a análise fílmica, como visto no livro de Vanoye e Goliot-Lété (2012), é uma
importante ferramenta para interpretação dos filmes escolhidos. Observa-se a
linguagem cinematográfica através de seus signos, que dialogam com o momento
presente e o contexto exterior à obra, e principalmente, no que tangencia a questão
maneirista — consequentemente, metalinguística — e sua relação com o passado, e
mais especificamente, o cinema do passado. Dessa forma, “analisar um filme é
também situá-lo num contexto, numa história. E, se considerarmos o cinema como
arte, é situar o filme em uma história das formas fílmicas” (VANOYE; GOLIOT-LÉTÉ,
2012, p. 23).
A partir disso, os autores descrevem o processo da análise fílmica, partindo
de duas fases:

Analisar um filme ou um fragmento é, antes de mais nada, no sentido científico


do termo, assim como se analisa, por exemplo, a composição química da
água, decompô-lo em seus elementos constitutivos. É despedaçar,
descosturar, desunir, extrair, separar, destacar e denominar materiais que não
se percebem isoladamente a “olho nu”, pois se é tomado pela totalidade.
Parte-se, portanto, do texto fílmico para "desconstruí-lo" e obter um conjunto
de elementos distintos do próprio filme. (VANOYE; GOLIOT-LÉTÉ, 2012,
p.15)

Os autores separam a análise em duas partes, desconstrução e reconstrução.


Nessa primeira parte, deve-se identificar os elementos do filme separadamente, para
em seguida, na segunda parte, realizar conexões entre esses. “Uma segunda fase
consiste, em seguida, em estabelecer elos entre esses elementos isolados, em
compreender como eles se associam e se tornam cúmplices para fazer surgir um todo
significante: reconstruir o filme ou fragmento.” (VANOYE; GOLIOT-LÉTÉ, 2012, p.15).
29

Os autores também alertam que não se deve perder de vista o objeto da


análise: o filme. Há possibilidade de a análise enveredar para um ponto altamente
referencial (bibliográfico), onde não há de fato uma análise, ou de não existir uma
devida desconstrução e reconstrução dos elementos do filme, onde o analista passa
a exercitar uma fabulação própria, perdendo de vista o objeto da análise em si, o filme.
“O filme é, portanto, o ponto de partida e o ponto de chegada da análise” (VANOYE;
GOLIOT-LÉTÉ, 2012, p.15)
Na monografia A PAISAGEM DISTÓPICA BRASILEIRA: Um estudo sobre a
exposição da identidade nacional nos filmes Terra em Transe e Bacurau (2020) é
possível observar a aplicação da análise fílmica no filme Terra em Transe (1967) de
Glauber Rocha:

O poema então é interrompido pelos ruídos do filme, como os sons da música


e de metralhadora, que se intensificam muito nesse ponto da história.
Algumas cenas do delírio de Paulo mostra-o atirando contra Diaz durante a
sua coroação, mas os takes finais indicam que tudo faz parte da loucura do
personagem e não chegou de fato a acontecer. A história se encerra de fato
com Diaz coroado e Paulo, morto. É notório como a violência também é
transportada para o reino da narrativa e da enunciação, incorporando para si
o caos de Paulo, dos personagens e de Eldorado. Muitas vezes, os cortes
brutos, a não linearidade da estrutura e a intervenção de ruídos, muitas vezes
não sincronizados, balançam a percepção do espectador, que busca
associações mas não as encontram de prontidão. (CAMPOS GARCIA; KIM;
RYOICHI MIYAKE, 2020, p.122-123)

No trecho acima, é possível observar como a análise fílmica pode ser feita
dentro de uma cena. Primeiro, ao enumerar os tipos de planos, os elementos sonoros,
de montagem, de roteiro e direção e como cada um deles age sobre o espectador, os
autores partiram do processo de desconstrução da cena. Em seguida, ao realizar as
conexões entre esses elementos distintos, eles passam a fazer o processo de
reconstrução.
Dessa forma, a reconstrução está evidenciando como essa unidade geral é
percebida pelo espectador. Pode-se ver também se considera outras cenas e planos
do filme para reconhecer padrões e identificar como são produzidos significados no
filme. Esse exemplo da aplicação da metodologia indica como pode ser feita a análise
fílmica dos objetos desta monografia, dadas as peculiaridades de cada um deles —
como a ausência do som como elemento diegético20 em Metrópolis, um filme mudo —

20 Diegético é a característica daquilo que faz parte da diegese, o universo ficcional ou

narrativo de um filme.
30

a partir das diferentes áreas e elementos do fazer cinematográfico, como a direção,


roteiro, fotografia, som, trilha musical, figurinos, cenários e efeitos especiais.
As análises desta monografia se voltam, principalmente, a esses elementos
citados e como eles são expressos na mise-en-scène, além de aspectos ligados à
produção e seus efeitos no filme. A partir disso, produzem-se conexões e
interpretações acerca desses elementos, separados e em conjunto, em relação aos
objetos em sua totalidade, que quando organizados em uma linha de raciocínio,
constituem os resultados da análise.
No próximo capítulo, se inicia a revisão da literatura das referências teóricas
da monografia. O capítulo parte inicialmente de um breve panorama histórico de
matrizes culturais que ajudam a compreender os principais conceitos utilizados.
31

3 REVISÃO DA LITERATURA

3.1 UM MERGULHO EM DIREÇÃO AO PASSADO: AS MATRIZES CULTURAIS DO


EXCESSO

Antes de abordarmos o tempo presente, ou mesmo os objetos de pesquisa


em profundidade, é necessário um mergulho em direção ao passado. Em O
sensacionalismo como processo cultural (2007) de Ana Lucia S. Enne, a autora traz
uma construção sobre o sensacionalismo no universo midiático a partir de uma
retrospectiva histórica sobre como o sensacional percorreu diversas matrizes
culturais.
Englobando o período do fim do século XVIII e o decorrer do século XIX, as
matrizes que Enne escolhe trabalhar a partir são a pornografia, o melodrama, o
folhetim, a literatura fantástica e de horror e o romance policial. Essa escolha temporal
se justifica pelos seguintes motivos:

A escolha por essa periodização se justifica porque, cronologicamente, no


mundo ocidental, é o momento de adensamento das condições que
possibilitaram a consolidação da modernidade (Simmel, 1973; Singer, 2001).
A invenção da eletricidade permitiu o desenvolvimento de novas técnicas de
produção, transporte e comunicação. A ampliação do processo industrial
favoreceu o crescimento urbano, com a metropolização do estilo de vida, o
surgimento de novos tipos e situações sociais e psíquicas. Mudanças
políticas e econômicas, pós-Revolução Francesa, consolidam a idéia de
república, de esfera pública e de direitos igualitários, em uma sociedade de
classes na qual a burguesia concretiza sua ascensão e novos atores são
colocados em cena, em especial a classe operária em seu processo de
formação. É, portanto, um momento fundamental no processo da
Modernidade ocidental. Neste cenário, as tecnologias de comunicação, em
especial as impressas, desempenham papel proeminente. (ENNE, 2007, p.
72-73)

Foi nesse período que diversas transformações sociais, políticas e


culturais propiciaram a formação da modernidade ocidental; foi nesse zeitgeist21 que
“o fluxo ininterrupto de apropriações e reapropriações culturais permitiu o
aparecimento de diversas manifestações culturais” (ENNE, 2007, p. 72).

21 “Zeitgeist é um termo alemão cuja tradução significa espírito da época, espírito do tempo
ou sinal dos tempos. Significa, em suma, o conjunto do clima intelectual e cultural do mundo, numa
certa época, ou as características genéricas de um determinado período de tempo”. Disponível em:
https://www.meioemensagem.com.br/home/marketing/ponto_de_vista/2014/02/06/zeitgeist.html.
Acesso em: 01 nov. 2022
32

A partir disso, a autora delineia um recorte onde — assim como observado


por Linda Williams (1991) — a pornografia, o melodrama e o horror se destacam como
importantes matrizes culturais na construção do imaginário do excesso e do
sensacional. Enne (2007, p. 74) aponta algumas marcas que podem ser observadas
na transposição do melodrama para o sensacionalismo na imprensa: “algumas de
suas características fundamentais: a marca do excesso (a nosso ver, fundamental em
todas as matrizes que estamos discutindo), tanto na forma narrativa quanto na
caracterização das personagens e situações”.
O excesso visto como fundamental para o melodrama, é uma marca que está
presente em outras matrizes culturais da época. Dentre essas, Enne (2007, p. 75)
aponta como o melodrama também é fundamental para a consolidação do folhetim
como gênero, esse que também incorpora características do gótico e do fantástico.

Figura 3 – A criatura de Frankenstein

Fonte: Frankenstein (1931)

Acerca do gótico como matriz cultural, foi no período da Literatura gótica 22


(1764-1820), cujo marco zero é O Castelo de Otranto de Horace Walpole (1764), que
o gênero do horror começou a tomar forma na literatura (CARROLL, 1999, p. 16).
Apesar de muitos de seus traços poderem ser identificados em obras da Grécia

22 Segundo o Dicionário Britânico de Oxford, “Gótico” é um estilo de literatura popular entre


os séculos 18 e 19, de romances aventurosos situados em cenários misteriosos e assustadores. Com
o resgate do medieval, com os castelos pontiagudos, espectros fantasmagóricos e eventos
sobrenaturais, o Gótico veio em reação a era da Razão e o Iluminismo. (KOLOWITZ, 2003)
33

Antiga, na Bíblia, e na tradição oral do folclore ao redor do mundo — vide a influência


desses na literatura de horror, como em Frankenstein ou o Prometeu Moderno (1818)
[Figura 3] de Mary Shelley, onde há uma notável referência à mitologia grega — foi
com o início da Modernidade, a partir do Romantismo23 e sua relação com o sublime,
que o horror pode se concretizar como gênero literário (MELANI, 2003). O gótico
carrega em si uma negação do racionalismo burguês e uma valorização do sentimento
e das emoções como forma de percepção do mundo, uma tradição muito própria do
Romantismo como um todo. Em seu livro A Filosofia do Horror ou Paradoxos do
Coração (1999), o filósofo Noel Carroll comenta sobre o surgimento do horror como
gênero e sua relação com o gótico:

Seguindo o exemplo de muitos comentadores do horror, vou presumir que o


horror é, antes de tudo e sobretudo, um gênero moderno, que começa a surgir
no século XVIII. As fontes imediatas do gênero do horror foram o romance
gótico inglês, o Schauer-roman alemão e o roman noir francês. O consenso
geral, embora discutível, é que o primeiro romance gótico de relevância para
o gênero do horror foi O castelo de Otranto (1765), de Horace Walpole. [...]
Da mais alta importância para a evolução do gênero do horror propriamente
dito foi o gótico sobrenatural, no qual a existência e a ação cruel de forças não
naturais são afumadas de maneira vívida. Acerca dessa variação, J.M.S.
Tompkins escreve que "os autores trabalham com choques abruptos, e
quando lidam com o sobrenatural, seu efeito favorito consiste em levar a
mente de repente do ceticismo à crença impressionada no horror"?
(CARROLL, 1999, p.16-17)

Acerca dessa dualidade do ceticismo e a crença da qual fala Carroll, foi


a Investigação Filosófica sobre a Origem de Nossas Ideias do Sublime e da Beleza
(1757), do filósofo Edmund Burke, cujas meditações sobre a dualidade entre o prazer
e o medo, o belo e o grotesco, o divino e o profano, que serviu de base para os ideais
dos romancistas góticos, em especial, Ann Radcliffe: “Para Burke, o sublime tem uma
só causa: o terror” (MELANI, 2003, tradução nossa)24.
Ou seja, o sublime pode ser alcançado através de uma sensação de alívio, a
partir do afastamento do perigo e da dor. “Para inspirá-lo, devemos nos confrontar
com ideias aterrorizantes.” (Gale Encyclopedia, 2006, tradução nossa)25. Essa relação
com o sublime permeia a obra de Radcliffe, a exemplo de Os Mistérios de Udolpho
(1794), que combina a sensibilidade do Romantismo com a atmosfera e os cenários
do romance gótico de Horace Walpole. Radcliffe também foi fundamental no

23O Romantismo foi um movimento intelectual e artístico, que compreende o final do século
18 até meados do século 19, tendo para si valores como o subjetivo, irracional, emocional, e o
transcendental, em reação a ordem, rigidez e racionalidade do Neoclassicismo. (BRITANNICA, 2021)
24 No original: “The sublime, he asserts, has only one cause, terror”.
25 No original: “[…] in order to inspire the sublime, one must be confronted with terrifying ideas”.
34

estabelecimento de uma matriz do gótico: “com suas histórias ambientadas em


castelos medievais, repletas de torres, fossos, fantasmas, vilões perversos e virgens
sacrificadas” (ENNE, 2007, p. 76).
No seguinte trecho, Enne também traz como o gótico foi fundamental para o
surgimento dos gêneros que trabalham as sensações de horror e terror:

Do gótico, já reapropriadas de outras matrizes (como as narrativas dos contos


de fada, os pliegos espanhóis e canards franceses, os livros de morte e os
panfletos extraordinários), viriam duas das sensações fundamentais para a
constituição de diversos gêneros posteriores: o terror e o horror. O que nos
interessa realçar, neste momento, é o quanto essas duas sensações estão
associadas a uma estratégia de resistência ao modelo asséptico da burguesia
desencantada e racional, e serão exploradas por diversos nomes da literatura
do século XIX, hoje consagrados. (ENNE, 2007, p. 75)

Além das obras de Radcliffe, é notável como Frankenstein (1818) da escritora


Mary Shelley trabalha o terror a partir do mal-estar social causado pelas descobertas
científicas da época, em especial os avanços da química e da medicina, e a
descoberta da eletricidade. Em conflito com o racionalismo exacerbado do período, O
Prometeu Moderno do título reimagina o mito grego do Titã que trouxe o fogo para a
humanidade como o cientista que usa da eletricidade para trazer vida a sua criatura,
o conhecimento proibido. Esse caráter científico do romance de Shelley faz dele um
dos precursores do gênero de ficção-científica (SIMON, 2016), e um dos primeiros
indícios na literatura de horror de um passeio por outros gêneros.

Figura 4 – Drácula; O Médico e o Monstro

Fonte: Monarch Models26

26 Disponível em: https://www.facebook.com/MonarchModelCorp/photos Acesso: 01 nov.


2022
35

Outras obras britânicas como Drácula (1897, Bram Stoker) e O Médico e o


Monstro (1886, Robert Louis Stevenson) [Figura 4] recuperam o espírito gótico
aproximadamente meio século depois da publicação do romance de Mary Shelley. Já
na Era Vitoriana27, essas obras passaram a refletir sobre os novos medos e
ansiedades provocados por este período de intensa urbanização e industrialização,
deslocando assim o conflito entre o racionalismo e romantismo que caracterizava o
gótico para temas mais condizentes com a época. Sobre isso, Enne comenta:

O crescimento urbano é um de seus traços mais marcantes. As cidades


modernas, com sua concentração demográfica e crescente utilização de
novas tecnologias, serão a nova referência espacial para o medo: não mais
as florestas e castelos medievais, mas os bairros populosos, as ruas mal
iluminadas, os rostos anônimos que podem esconder assassinos perversos,
as novas e perigosas técnicas (o bonde, o trem, o automóvel, todos velozes e
furiosos) etc. Esses são os novos outros, como descreveu Sue. A
monstruosidade agora está na vida urbana, no perigo das grandes cidades,
no estilo de vida metropolitano. (ENNE, 2007, p. 77)

Enne traz, a partir de Célia Magalhães, uma associação entre a literatura


gótica e o horror no que ela chama de “ficção de paranoia” (MAGALHAES, 2003, p.
15). Se a literatura gótica — em especial as obras Radcliffe — buscava evocar a
sensação do sublime através de dispositivos narrativos de excesso, o mesmo
ocorreria no horror, que tentaria ativar a sensibilidade do leitor através de estratégias
parecidas:

A expansão industrial e urbana seria, para Magalhães, base fundamental para


a literatura de horror, que estaria procurando dar conta desse mundo em
transformação, mas oferecendo, em diálogo por vezes complementar, em
outras contrastivo, explicações diferentes daquelas dadas pelo Iluminismo e
pelo Romantismo a esse processo. Neste sentido, tanto a literatura fantástica
quanto a do horror estariam estabelecendo uma relação dialógica com o
realismo/naturalismo ratificado pela Ilustração e o romantismo literário. O
horror seria “uma forma literária de oposição às unidades clássicas da ficção
realista – tempo, espaço e personagem unificada”, o que, como aponta
Magalhães, levaria a um “excesso ornamental”, em que a utilização dos
apelos sensoriais levaria a produzir “simultaneamente medo e desejo no leitor
(idem:30). (ENNE, 2007, p. 79)

Dentre as estratégias utilizadas — os apelos sensoriais que caracterizam o


excesso — essa duplicidade entre o medo e o desejo do horror, ecoa nas dualidades
do gótico. A figura do monstro no horror carrega o dilema acerca da “dificuldade do
ser humano de lidar com o outro e consigo mesmo” (ENNE, 2007, p. 78), algo que
pode ser observado a partir do duplo. O monstro se torna uma criatura então que pode

27 A Era Vitoriana é o período do reinado da Rainha Vitória, de 1837 a 1901.


36

ser dividida em um lado belo e outro grotesco, ou um lado humano e outro monstruoso
— como as personas Dr. Jekyll e Mr. Hyde em O Médico e o Monstro.
O Conde Drácula no livro de Bram Stoker é uma figura extremamente grotesca
e, ao mesmo tempo, atraente e sedutora. Sua habilidade de assumir múltiplas formas,
incluindo a de um homem velho e outra de um homem aristocrata cheio de vitalidade,
também remete à temática da paranoia: o monstro pode estar disfarçado entre os
comuns.

Estamos partindo, portanto, da assertiva de que o horror trabalha com


representações acerca do outro, fazendo um jogo narrativo especular que
oscila entre o medo e o desejo, e que tem como construção narrativa
fundamental o monstro, o espetacular, aquele que moralmente traz o sinal de
advertência acerca do mal e da perdição. (ENNE, 2007, p. 79)

Enquanto isso, nos Estados Unidos, Edgar Allan Poe (Figura 5) produzia uma
corrente do gótico especialmente estadunidense, o Gótico americano 28 (American
gothic), com características próprias (LIMA, 2017). Também foi responsável pela
consolidação do romance policial como um gênero literário — inspirando a criação de
Sherlock Holmes por Sir Arthur Conan Doyle — mesmo que as raízes das histórias
com esse tipo de mistério podem ser encontradas em obras anteriores de
Shakespeare, e até mais antigas, como Édipo Rei e As Mil e Uma Noites (ESCHNER,
2017).
Figura 5 – Edgar Allan Poe

Fonte: The Providence Atheneum 29

28 “Já em Perverse Pilgrimage (1968), Frederick Frank havia sublinhado que uma das
diferenças principais entre o Gótico Inglês e o Americano é que, enquanto o primeiro se foca mais no
terror físico e no horror social, o segundo centra-se no terror mental e no horror moral. [...] Foi
necessário existir um grupo de escritores pioneiros que, como Edgar Allan Poe, Nathaniel Hawthorne,
Herman Melville e William Faulkner, se preocupassem igualmente em esculpir, no Gótico, uma
identidade nacional, nele deixando gravados terrores provindos de uma paisagem e carácter
especificamente americanos.” (LIMA, 2017, p.11)
29 Disponível em: https://providenceathenaeum.org/about/history/poe-whitman/ Acesso em:

01 Nov. 2022
37

Seguindo a linha de Enne e Magalhães, é possível fazer uma associação entre


os romances policiais e as matrizes góticas e do horror, a partir da temática da ficção
de paranoia. Os folhetins da época, “eróticos, exóticos, históricos, macabros, de
mulheres fatais” (MEYER, 1996, p. 95) tem as características que formam o romance
policial, esse que é segundo Enne (2007, p. 79) a “matriz fundamental para o noticiário
sensacionalista do século XX”. A paranoia com o estranho é o sentimento que
caracteriza todas essas linguagens:

Para Todorov, há algo que aproxima o romance policial e o fait divers: o


estranho. Nas palavras do autor: “(...) relatam-se acontecimentos que podem
perfeitamente ser explicados pelas leis da razão, mas que são, de uma
maneira ou de outra, incríveis, extraordinários, chocantes, singulares,
inquietantes, insólitos (...)” (Todorov, 2004:53)”. (ENNE, 2007, p. 79)

O romance policial de Allan Poe ecoaria os medos e ansiedades do ambiente


urbano, pois nesse espaço a figura do monstro, do outro, fica camuflada: o monstro
pode ser o seu vizinho, pode ser um estranho qualquer nas ruas, só que disfarçado
por uma máscara de civilidade. Isso se reflete no temor causado no público durante o
período dos assassinatos de Jack, o Estripador (1888-1891), muito devido às
estratégias sensacionalistas dos jornais britânicos durante o período, que se
utilizavam desta “monstrificação” do outro.
Assim como visto no trecho acima, os crimes dos romances policiais podem
ser explicados pela razão, mas ainda assim, causam essa sensação insólita, um
choque, no leitor.

O outro monstruoso da literatura de horror do século XIX aos poucos vai


abandonando as figuras clássicas (o vampiro, o mutante etc.) para se
concentrar na monstruosidade que pode estar ao nosso lado ou em cada um
de nós. Os plots do assassino que se esconde na multidão ou aquele que,
vivendo como um duplo (caso clássico de O médico e o monstro), é capaz de
cometer atrocidades, passam a ser usuais nas narrativas de horror. (ENNE,
2007, p. 79)

Apesar disso, os trabalhos de Poe não foram muito aclamados em vida, assim
como algumas das matrizes culturais citadas anteriormente ele foi associado ao “mau
gosto das classes inferiores” (ENNE, 2006, p. 75). Foi só no decadentismo30 que
Edgar Allan Poe foi elevado a o posto de gênio da literatura pelos autointitulados

30 Decadente, poetas e escritores do fim do século XIX, incluindo os poetas do Simbolismo


francês e seus contemporâneos na Inglaterra, que pertenciam ao Esteticismo, que aspiravam libertar a
literatura e arte de preocupações materialistas de uma sociedade recém-industrializada. (BRITANNICA,
2021)
38

decadentistas franceses — em particular, Charles Baudelaire, que traduziu algumas


das obras de Poe para o francês.
Esses mesmos autores eram vistos com certa ojeriza pelo público e pelas
altas classes, tendo suas publicações relegadas aos periódicos Le Décadent31, de
Anatole Baju e Paul Verlaine, e no The Yellow Book32, onde Oscar Wilde33 foi
publicado diversas vezes: “Não era por acaso que o pecado, a doença e a arte
moderna tinham a mesma cor: importados para a Inglaterra, os livros dos autores
decadentes franceses vinham encadernados em amarelo.” (ORSI, 2014, p.12)
A escola decadente francesa se inspirava na poesia de Charles Baudelaire,
“autor que havia sido saudado por Victor Hugo como o criador de un frisson nouveau,
uma nova emoção” (ORSI, 2014, p.12).
Assim como a literatura gótica, especialmente de Anne Radcliffe, procurava
evocar o sublime de Burke através do terror, os decadentistas recuperaram o frisson
nouveau de Baudelaire tentando estimular novas sensações, emoções e prazeres. Foi
o crítico David Punter (2014), que apontou uma união entre o gótico e o decadentismo
em quatro obras — O Médico e o Monstro (1886) de Robert Louis Stevenson, O
Retrato de Dorian Gray (1890) de Oscar Wilde, A Ilha do Dr. Moreau de H. G. Wells
(1896), and Drácula (1897) de Bram Stoker — todas essas obras abordam, de um
jeito ou de outro, o problema da decadência, e portanto, a essência do que é ser
humano. Essa investigação sobre o que se encontra no âmago do ser humano — e
como evocá-lo sensorialmente — é, portanto, uma das raízes da ficção de gênero.

31 Le Décadent, fundada por Anatole Baju, com Paul Verlaine como contribuidor. Revista que
publicava os poemas, contos e histórias dos decadentistas. (BRITANNICA, 2021)
32 The Yellow Book foi uma revista cultural em circulação nos anos de 1894 até 1897, com o
nome inspirado na encadernação de capa amarela na qual romances controversos da França eram
publicados na época. (BRITISH LIBRARY, 2021)
33 O decadentismo atingiu seu ponto alto na obra de Joris-Karl Huysmans (1848-1907),
principalmente em seu romance À Rebours (“Às Avessas”, mais conhecido em inglês como Against the
Grains, “Contra a Natureza”, publicado em 1884). Muitos críticos acreditam que o “livro amarelo” que
tanto fascinou Dorian Gray, no romance de Wilde, era exatamente esse volume de Huysmans [...] O
horror que a literatura “amarela” francesa causava ao establishment anglo-saxão pode ser visto nesta
crítica do jornal Daily Chronicle à primeira edição de O Retrato de Dorian Gray, publicada em 1890,
cinco anos antes de O Rei de Amarelo: “Trata-se de um livro gerado pela literatura leprosa dos
decadentes franceses — um livro venenoso, cuja atmosfera está carregada dos odores mefíticos da
putrefação moral e espiritual.” (ORSI, 2014)
39

Assim como Edgar Allan Poe, Oscar Wilde e os decadentistas, as revistas


chamadas de penny dreadfuls34 e a literatura pulp35 (Figura 6) foram malvistas de
início, sendo consideradas formas de entretenimento barato e apelativo. No final do
século 19, devido ao aumento das taxas de alfabetização e a diminuição dos custos
de impressão com a industrialização, criou-se um cenário propício para a publicação
de livros e revistas de ficção baratos e populares para a classe trabalhadora.
De fato, grande parte do sucesso dessas revistas se deu pelo baixo preço,
mas também pelo conteúdo. A revista The Argosy, considerada a primeira revista pulp,
foi publicada em 1896 e era feita com polpa de árvores (celulose), que possibilitou
uma diminuição brusca dos custos de produção, assim, aumentando o número de
páginas, e consequentemente, de conteúdo. Com isso, a circulação da revista
aumentou colossalmente, de 80 mil exemplares em 1986 para meio-milhão em 1907
(Illustration History, 2021).

Figura 6 – Capas de revistas pulp

Fonte: The Iluminist36

34 “Penny dreadful” era um termo pejorativo dado a revistas e livros, feitos com material
barato, para o consumo em massa. O nome penny dreadful se refere ao custo de apenas uma moeda,
o equivalente a um centavo da moeda britânica na Era Vitoriana. (SUMMERSCALE, 2016)
35 As revistas pulp eram publicações populares e baratas de ficção que eram lidas e
admiradas por milhares de leitores, tendo seu auge durante os anos de 1930. As revistas pulp foram
precedidas pelas edições semanais das periódicas “penny dreadfuls” que se popularizaram na
Inglaterra entre 1830 e 1890. (ILLUSTRATION HISTORY, 2021)
36 Disponível em: http://www.luminist.org/archives/PU/ Acesso em: 01 nov. 2022
40

Depois de The Argosy, surgiram muitas obras publicações de ficção pulp,


dentre elas algumas das revistas mais importantes foram a Adventure (1910), Black
Mask (1920), Love Story (1921), Weird Tales (1923) e a Amazing Stories (1926). Essa
diversidade possibilitou a publicação de muitos tipos de histórias, e dos mais diversos
gêneros e estilos como Aventura, Crime, Horror, Romance, Ficção-científica, Guerra
e Western. Autores como Edgar Rice Burroughs, Ray Bradbury, H.P. Lovecraft,
Raymond Chandler, H.G. Wells e Arthur C. Clarke foram alguns que tiveram histórias
e contos publicados nas revistas citadas.
Com uma publicação extensa, com diversos tipos de histórias incluídas em
suas revistas, a literatura pulp foi responsável por desenvolver muitos arquétipos,
convenções, e cenários típicos do western, do gênero policial (Figura 7) e da ficção-
científica (MYRNA, 2021).
De forma a refletir as ansiedades da vida urbana no começo do século XX, o
protagonista das histórias de detetive das revistas pulp está longe de ser o cavalheiro
europeu de Conan Doyle e Allan Poe, mas um tipo bruto, solitário e cínico, de caráter
dúbio. A cidade não é um símbolo do progresso, mas um lugar sujo, dúplice e
infestado pela criminalidade (SVITAVSKY; CHAMBLISS, 2008, p. 5-6). Surge também
o arquétipo da femme fatale (francês para “mulher fatal”), personagens femininas com
traços de sensualidade e ambiguidade moral, típicas das histórias de estilo noir, que
normalmente seduzem os protagonistas para depois trair ou enganá-los em benefício
próprio (SUTTON, 2019).
Embora nessas histórias o “detetive durão” da literatura hard-boiled37 tenha
características reprováveis, era muito comum que esses personagens tivessem um
código moral de honra e justiça inabalável, que os impedissem de abandonar um caso
ou um cliente em perigo, por exemplo, mesmo que essas possam ser vistas
meramente como teimosia. Em meio ao ambiente corrupto da cidade, o protagonista

37 “As histórias hard-boiled começaram a ser publicadas após a Primeira Guerra Mundial,
traçando um retrato realista da população urbana dos Estados Unidos. Dashiell Hammett é tido como
o mais bem-sucedido entre os autores da primeira geração desse novo tipo de literatura criminal, ao
passo que Raymond Chandler representa o melhor exemplo da geração seguinte. Os escritores de
ficção hard-boiled criaram o investigador particular e o detetive americano heroico, que tanto bate
quanto apanha, se abstém de relações pessoais e forma o seu próprio código moral, que, em geral, é
mais severo e inflexível do que o do resto da população. Sam Spade e Continental Op, de Hammett, e
Philip Marlowe, de Chandler, seguem a própria cabeça, mesmo quando ela vai contra a lei. Uma busca
inabalável pela verdade e a expulsão do indesejável são os princípios que guiam o detetive. O código
moral costuma implicar sofrimento físico, dificuldades e sacrifício para ele, ao isolá-lo de outras
pessoas, mas ele adere às suas regras ferrenhamente”. (JEHAI, 2011, p. 3)
41

carrega dentro de si características nobres, como pode ser visto nos detetives
particulares Sam Spade (Black Mask, 1930), de Dashiell Hammett, e Philip Marlowe
(Black Mask, 1939), do escritor Raymond Chandler38 (SVITAVSKY; CHAMBLISS,
2008, p.5-6).

Figura 7 – Capas de revistas pulp de gênero policial

Fonte: The Pulp39

Essa nobreza interior também pode ser encontrada em outros personagens


pulps, como Tarzan (All-Story Magazine, 1912) de Edgar Rice Burroughs e Conan, o
Bárbaro (Weird Tales, 1932) de Robert E. Howard. Apesar de serem considerados
selvagens, os personagens possuíam atributos nobres, como os encontrados nos
heróis americanos — os caubóis e detetives.
Por exemplo, Conan nunca violentou uma mulher ou matou uma criança em
suas histórias, comportamento atípico de um bárbaro, sua insistência nesse código de
honra muitas vezes é a causa do conflito em suas aventuras (SVITAVSKY;
CHAMBLISS, 2008, p.11). Foi na literatura pulp que também surgiu o “horror cósmico”
de H.P. Lovecraft (Weird Tales, 1928) e onde se desenvolveram os arquétipos para o
super-herói de quadrinhos: Gladiador (1930) e Doc Savage (1933) foram inspirações
para o Superman (Action Comics, 1938), e o Zorro (All-Story Weekly, 1919) e o
Fantasma (1936) para o Batman (Detective Comics, 1939).

38 Coincidentemente, ambos os detetives foram adaptados para o cinema com a atuação de

Humphrey Bogart, em Relíquia Macabra (1941, dir. John Huston) e A Beira do Abismo (1946, dir.
Howard Hawks).
39 Disponível em: https://thepulp.net/ Acesso em: 01 nov. 2022
42

Entretanto, de mais importante para esta monografia, foi nas páginas de


celulose das publicações pulp que o gênero da ficção-científica (Figura 8) teve uma
de suas eras mais prolíficas, iniciada em 1926, quando Hugo Gernsback fundou a
Amazing Stories, a primeira revista de ficção-científica dos Estados Unidos.

Figura 8 – Capas de revistas pulp de ficção-cientifica

Fonte: Internet Archive

Apesar de já terem sido publicadas outras histórias em outros periódicos — a


Weird Tales, por exemplo, publicava ficção-científica desde 1923 — a Amazing Stories
foi a primeira revista exclusivamente dedicada ao gênero, com uma curadoria de
novelas, contos e pequenas histórias, e republicações de histórias de H.G. Wells, Júlio
Verne e outros precursores do gênero (ROBERTS, 2018).
Esses autores são chaves para entender a matriz cultural da ficção-científica,
já que principalmente neste início do que viria a se tornar o gênero, as barreiras entre
o que é ciência e o que é magia ainda são nebulosas. Enne coloca o gênero como
sendo parte do fantástico, muito devido as tecnologias assombrosas que pendem para
algo além do natural:

Para Célia Magalhães (2003), tomando como referência o clássico estudo de


T. Todorov, o fantástico deveria ser definido “a partir do efeito de incerteza e
de hesitação provocada no leitor frente a um acontecimento possivelmente
sobrenatural” (Magalhães, 2003:15). Para a autora, o fantástico “ressurge no
final do século XVIII e durante o século XIX, com o sentido estrito de narrativa
que se desenvolve pelo rompimento da racionalidade do Século das Luzes,
questionando o discurso realista e seus preceitos de verosimilhança” (idem,
ibidem). E completa: “o fantástico constitui a hesitação por parte do leitor entre
uma explicação natural e outra sobrenatural para os eventos do qual
participa” (idem:27). É, portanto, uma poética de incerteza, de
“problematização das categorias de verdade, visão e realidade” (idem:28).
(ENNE, 2007, p. 77-78)
43

A partir do trecho acima, o sobrenatural e o fantástico buscam precipitar no


leitor uma incerteza e hesitação, como pontua a autora — alinhada aos estudos de
muitos pesquisadores da ficção-científica acerca do fenômeno do “maravilhamento”
(em inglês, sense of wonder) “um sentimento de despertar ou admiração
desencadeado por uma expansão da consciência, ou pelo confronto com a vastidão
do espaço e do tempo, como provocado pela leitura de ficção científica” (PRUCHER,
2007, tradução nossa)40.
Acerca desse fenômeno, existem também leituras como a de Robu (1988),
que associam o maravilhamento com outro fenômeno visto anteriormente na
pesquisa: o sublime de Burke e de Radcliffe. Um fator em comum a essas várias
vertentes é que existe uma busca por algo além dos limites do racional — algo que se
alinha com a matriz do fantástico, como visto no trecho abaixo:

Esse caráter de desafio ao racional atribuído à literatura fantástica no século


XIX também é abordado por Roberto Causo (2003) em suas reflexões sobre
o horror e a fantasia. Afirma o autor que, mesmo tendo suas origens em mitos
e narrativas orais, o fantástico, na modernidade, faz parte de um quadro
contextual específico, no qual desempenha o papel de oferecer outras
explicações para o mundo, não submissas ao preceito da racionalidade, mas
ao mesmo tempo flertando com as tecnologias modernas (daí, para Causo
especialmente, o quanto o fantástico irá influenciar um subgênero que seria
a ficção científica, fortemente marcada por temáticas e discussões da vida
urbana e moderna)”. (ENNE, 2007, p. 78)

Um dos escritores mais consagrados de ficção-científica, Philip K. Dick,


cresceu na Califórnia lendo revistas no estilo da Amazing Stories, como a Startling
Stories (1939), e a Fantastic Universe (1953), e depois de sair da faculdade de
Berkeley, começou a escrever para essas e outras revistas do gênero. Suas histórias
se preocupavam com duas questões majoritariamente, que se tornaram as obsessões
da carreira do escritor, “como identificar o que é real?” e “como saber o que é
humano?” (NEW YORK TIMES, 2007).
A obra mais consagrada de Dick, Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?
(1968), tem em seu cerne essas questões personificadas no protagonista Rick
Deckard, na androide Rachael, e nos antagonistas. Ao se confrontar com essas ideias
aterrorizantes, Phillip K. Dick se aproxima dos góticos e dos decadentes, em uma
busca pela essência humana para além dos limites do racional. A literatura pulp

40 No original: “A feeling of awakening or awe triggered by an expansion of one’s awareness

of what is possible or by confrontation with the vastness of space and time, as brought on by reading
science fiction.”
44

definitivamente marcou a geração que viveu a primeira metade do século 20, e as


gerações vindouras, através de histórias de terror, crime, detetives, mundos
alienígenas, caubóis, dentre outros — assim como inspirou autores como Philip K.
Dick a produzir suas próprias histórias.

Assim, percebemos, em nossas análises sobre as matrizes culturais do


século XIX citadas de forma sucinta neste artigo (a saber, a literatura
pornográfica, o melodrama, o folhetim, a literatura de horror e fantástica, o fait
divers e o romance policial), o caráter de circularidade entre os diversos
gêneros culturais, bem como a existência de claros pontos de convergência
e continuidade entre tais matrizes e as narrativas sensacionalistas que irão
povoar as páginas da imprensa do século XX. Da mesma forma, é possível
detectar pontos de ruptura em termos de formato, conteúdo e propósitos entre
as produções narrativas nos diversos contextos mapeados, o que também
temos explorado no decorrer de nossas pesquisas. (ENNE, 2007, p. 81)

Mesmo todos esses contextos e análises, existe um ponto importante a ser


considerado: se todos esses movimentos e matrizes culturais que abordamos
apresentam processos e características comuns entre si, foram tão influentes em
diferentes esferas da sociedade — como a imprensa sensacionalista, no caso do
artigo de Ana Lúcia S. Enne — por que essas matrizes de excesso foram tão
estigmatizadas e negligenciadas durante a história? Por que o sensacionalismo foi
relegado a um “instrumento de alienação, manipulação política e econômica, resquício
cultural do atraso e marca indelével da falta de gosto e distinção das camadas
subalternas?” (ENNE, 2007, p. 80)
Esta monografia não pretende responder essas perguntas, entretanto, é
importante pontuar que esse é um ponto abordado por Enne, e que vai se repetir
quando essa matriz do sensacional — e do excesso — for transportada para o cinema.

3.2 O MANEIRISMO E A SOBRECARGA

Em D’une certaine manière (1985), publicado na revista Cahiers du Cinéma,


Alain Bergala, fala sobre um momento maneirista, apresentando o conceito de
maneirismo em sua amplitude, as diferentes abordagens e sensibilidades que
possibilita, através de filmes bastante distintos um do outro. Apesar dessas diferenças
entre abordagens estéticas, Bergala enfatiza como todos esses filmes nascem de um
contexto comum41 — uma crise estética:

41 É importante ressaltar que o conceito de maneirismo é proposto após a realização de


muitos dos filmes considerados maneiristas, assim como na década de 40 ninguém se propôs a realizar
45

O que Paris, Texas (Wim Wenders, 1984), Estranhos no paraíso (Stranger


than paradise, Jim Jarmusch, 1984), O elemento do crime (Forbrydelsens
element, Lars von Trier, 1984), Boy meets girl (Leos Carax, 1984) e L’enfant
secret (Philippe Garrel, 1979) têm em comum, por mais singulares que sejam
suas propostas estéticas, é a consciência de ter chegado depois: assim como
a perfeição da forma clássica já tinha sido atingida e superada havia muito
tempo, a energia e a criatividade do cinema moderno se tinham igualmente
esgotado ao longo dos anos 1970. (OLIVEIRA JR, 2014, p. 144)

No trecho acima, retirado do livro A mise-en-scène no cinema: do clássico ao


cinema de fluxo (2014) de Luiz Carlos Oliveira Jr, é dito como o maneirismo nasce de
uma crise na mise-en-scène. Além do peso do passado cinematográfico, existe uma
crise relacionada ao surgimento das linguagens digitais e de concorrentes ao modelo
clássico da sala de cinema.
A televisão, já popularizada quase no mundo todo, se torna um importante
ator na distribuição cinematográfica, seja com os filmes para televisão ou filmes direct-
to-video — produções de menor orçamento lançadas primeiramente no mercado
televisivo e de fitas cassete. O maneirismo também age como resposta a esses
movimentos do mercado audiovisual.

Nas artes visuais, o termo maneirismo designa um estilo da pintura na


segunda metade do século XVI marcado pela incorporação estetizada de
traços de Michelangelo e Rafael como uma forma de resposta possível ao fim
de um ciclo na história da arte, o Renascimento, em que um certo ideal de
perfeição havia sido atingido. [...] Filmes maneiristas seriam, deste ponto de
vista, aqueles que, analogamente às artes visuais, ressignificam poéticas de
cineastas do passado, modificando e agrupando de outro modo as formas
plásticas. Por meio da metalinguagem, procedimento maneirista por
excelência, alguns diretores ao redor do mundo tentam repotencializar e
reafirmar o lugar do cinema, respondendo a essa crise criativa sentida com a
popularização da televisão e do vídeo. (CALHADO, 2016, p. 5)

Os contextos da revolução do cinema digital, das vanguardas estéticas das


décadas anteriores, causaram em uma geração de cineastas um sentimento de ter
“chegado tarde demais”. Essa sensação de estar próximo de um movimento artístico
de grande destaque, pode ser observada nas obras de alguns pintores em um período
pós-renascentista, como Magnasco, Parmigiano, Tintoretto e El Greco — que
receberam o nome de maneiristas, pois suas obras eram feitas à maneira dos grandes
mestres da Alta Renascença — acreditava-se que a pintura já tinha chegado a seu
ápice com os renascentistas, e para não cair em uma vertente de imitação, foi
necessária uma reinvenção da forma para lidar com esse sentimento. Esses artistas

um filme noir propriamente dito — que foi uma classificação posterior dada cunhada por Nino Frank em
1946 ao visualizar um contexto e estética comum a vários filmes hollywoodianos — o mesmo ocorre
no maneirismo, quando cunhado por Bergala no dossiê da Cahiers du Cinéma.
46

passaram a representar a realidade, não mais de maneira naturalista, harmônica e


simétrica, mas de forma estilizada.
O alongamento das figuras humanas, a deformação das formas clássicas,
composições complexas e intrincadas, pontos de vista inventivos, contraste de cores
intensas, um traço mais livre e fluido, mas mantendo o apuramento técnico e
acadêmico característico do Renascimento.

Figura 9 – A Última Ceia de Jacopo Tintoretto (1594)

Fonte: Wikipedia

A relação maneirista com a história cinematográfica segue essa mesma linha,


como visto no artigo O gesto maneirista no cinema: estudos sobre a poética de Walter
Salles (2008) de Cyntia Gomes Calhado, que traz a perspectiva do maneirismo para
o cinema brasileiro. Ao analisar a obra do diretor Walter Salles e sua relação com o
Cinema Novo42, em especial, a iconografia cinematográfica brasileira sobre a região
nordeste do país, a autora fala sobre a relação do maneirismo com o peso simbólico
do passado do cinema. No trecho, Calhado traz a seguinte perspectiva:

42 Na segunda metade dos anos 1950, o cinema brasileiro começou a se redefinir, inspirado
no Neorrealismo italiano [...] Foi partindo desse engajamento político e social que um grupo de
cineastas saiu às ruas e começou a fazer o que hoje se conhece por Cinema Novo. (BALLERINI, 2020,
p.160)
47

Verifica-se na produção brasileira realizada a partir dos anos 1990 o


surgimento de filmes que articulam questões semelhantes às maneiristas. Um
certo conjunto de filmes exibe, por meio de suas escolhas estéticas e
temáticas, uma necessidade de prestar contas ao cinema moderno, mais
especificamente ao Cinema Novo. A herança de inovação estética desse
período é um peso para alguns cineastas, críticos e pesquisadores e essa
influência, em certa medida, moldou o cinema feito no Brasil desde então.
(CALHADO, 2016. p.6)

Se a perspectiva do maneirismo no Brasil é datada a partir do período da


Retomada43 do cinema brasileiro, pois conjunturas políticas e econômicas permitiram
a volta de um maior volume das produções audiovisuais no país, o maneirismo
começa a tomar forma na Europa e nos Estados Unidos principalmente após o auge
da Nova Hollywood44.
Entretanto, apesar dessa tendência ficar mais aparente na década de 1980, o
maneirismo não pertence a um período preciso na história do cinema, ou define um
movimento estético e narrativo como o Expressionismo Alemão, Cinema Novo, dentre
outros. Oliveira Jr. (2014, p. 145) aponta como já existia um “espírito maneirista” à
espreita nos primeiros filmes de Orson Welles, de Sergei Eisenstein, na Hollywood
clássica45, ou nas décadas de 1950 e 1960 com Robert Aldrich e Arthur Penn.
Entretanto, o maneirismo pode-se concretizar como corrente estética quando o
cinema atingiu um ponto de ruptura em sua fase moderna:

A questão trazida pelo dossiê dos Cahiers, e que devemos frisar aqui, é que
o “momento maneirista”, isto é, o momento em que o maneirismo se torna a
tendência estética predominante se dá com o fim do classicismo, a partir dos
anos 1960, e se intensifica na virada da década de 1970 para a de 1980,
quando o cinema moderno também atinge um ponto de esgotamento.
(OLIVEIRA JR, 2014, p. 145-146)

Assim, na segunda metade dos anos 1970 e durante toda a década de 1980,
começa a se formar uma geração de cineastas que se encaixam nesse recorte,
cineastas como Brian De Palma, Dario Argento, Raul Ruiz, Rainer Werner Fassbinder,

43 A Retomada é um período histórico na história do cinema brasileiro “que ocorre de 1995 a


2002, quando, após um período de quase estagnação, a estruturação de um sistema de incentivos
fiscais favorece uma nova fase de fomento à produção cinematográfica.” (Enciclopédia Itaú Cultural,
2021)
44 A Nova Hollywood, caracteriza-se “em um primeiro momento, em referência ao chamado
American Art Film de final dos anos 1960 e começo dos 1970, praticado por cineastas que se afastavam
do clássico para dialogar com o modernismo europeu (Robert Altman, Arthur Penn, Francis Ford
Coppola, Martin Scorsese, entre outros).” (MASCARELLO, 2006, p. 336)
45 A era de ouro de Hollywood foi um momento de expansão e consolidação da indústria
americana de cinema durante a primeira metade do século XX, um período de prestígio e glamour para
a indústria, “começou por volta dos anos 1920, quando todos os grandes estúdios já se situavam nesse
distrito de Los Angeles, e terminou em 1948.” (BALLERINI, 2020, p.34)
48

Wim Wenders, dentre outros. Todos eles pareciam ter sido acometidos por uma
sensação de que o cinema havia se esgotado em sua forma clássica, e, portanto, que
era necessário retrabalhar a forma cinematográfica, explorar a imagem em outros
sentidos. Acerca dessas formas de retrabalhar a imagem:

No caso específico do cinema, das muitas “maneiras” que se apresentam com


mais clareza ali, no começo da década de 1980, há duas atitudes principais
a observar: a sobrecarga e o retraimento. De um lado, a tensão formal, a
hipérbole, a distorção, a anamorfose, a arte flamboyante, vertiginosa, a
narrativa em torvelinho (Von Trier, De Palma, Raúl Ruiz). Do outro, o
formalismo desafectado, a imobilidade, a duração extenuante, a lentidão, o
enredo desdramatizado, a narrativa rarefeita (Wenders, Jarmusch). Em
ambos, a “maneira”, como resposta a um sentimento misto de soberania e
precariedade em face da realidade e da consciência de que o cinema já não
é “inocente”. (OLIVEIRA JR, 2014, p. 145)

O autor nos apresenta essas duas “maneiras”, uma que distorce a imagem
através da sobrecarga, e outra que encontra na retração a maneira de retrabalhar a
imagem cinematográfica. Em ambos os casos, a forma cinematográfica é levada aos
seus limites.

Figura 10 – O cinema de Wim Wenders em Paris, Texas

Fonte: Paris Texas, 1984

No caso de Jarmusch e Wenders: narrativas rarefeitas, personagens à deriva


no mundo, planos abertos de paisagens desoladas — Wenders (Figura 10) situou
muito dos seus filmes no interior americano, no deserto, em estruturas abandonadas,
ou nos quilômetros de estradas desertas — e tomadas longas e lentas que ampliam
sentimentos como solidão e melancolia, levam a forma para um lugar de
49

contemplação, reflexão, de non-sense, de poesia, se relacionando à forma clássica


como um último suspiro de um homem moribundo.
Para explicar essa vertente, Oliveira Jr. se utiliza do cinema de Jarmusch:

Jim Jarmusch já seria herdeiro de outro momento. A saturação e o excesso,


em seu cinema, desembocam na banalidade, na falta de trama, na
perambulação vagabunda de personagens cujo único território é o próprio
corpo. Permanent vacation (1980), seu filme de estreia, é composto de longos
hiatos deambulatórios, de personagens sem espessura psicológica, de cenas
sem contorno dramático. (OLIVEIRA JR., 2014, p. 158)

No que diz respeito à sobrecarga, o excesso é chave nesse tipo de construção


da forma, que trabalha a partir da distorção ou deformação de uma imagem pregressa.
Acerca disso, Oliveira Jr. comenta:

A mise en scène maneirista – já que o maneirismo implica um vasto


conhecimento das formas preexistentes e um desejo quase maníaco de
retrabalhar o material plástico-figurativo das imagens – se notabiliza por
construções rebuscadas, enquadramentos labirínticos, referências à história
da arte, dispositivos ópticos elaborados (já era assim na pintura maneirista).
Brian De Palma, Rainer Werner Fassbinder, Raúl Ruiz, Dario Argento e
Francis Ford Coppola são alguns de seus maiores representantes. (OLIVEIRA
JR, 2014. p.141)

Como visto no trecho acima, o maneirismo implica uma metalinguagem: um


conhecimento da forma e estruturas preexistentes da linguagem cinematográfica, e,
um desejo de investigar, reconstruir e distorcer essas imagens prévias.
Essas características podem ser percebidas através dos exemplos propostos
por Bergala e Luiz Carlos Oliveira Jr., cineastas como Brian De Palma, que reencenam
imagens de outros filmes — a cena da escadaria em Os Intocáveis (1987)46 ou
Obsessão (1976), que é, basicamente, uma releitura de Um Corpo de Cai (1958, dir.
Alfred Hitchcock) — ou mesmo Dario Argento, que em Profondo Rosso (1975) traz em
toda a narrativa do filme uma conversa com as formas clássicas, com imagens
preexistentes do cinema mas também com outros tipos de imagens: esculturas,
pinturas, arquitetura, o realismo americano de Edward Hopper47 (Figura 11), e até
mesmo trabalhando a duplicação e reflexão produzida pelos espelhos. Argento vai

46 Comparação entre as duas cenas pode ser vista neste artigo. Disponível em:
https://nofilmschool.com/2014/05/shot-shot-breakdown-bloodiest-scene-brian-de-palmas-
untouchables. Acesso em: 01 nov. 2022.
47 Edward Hopper (1882 – 1967) foi um pintor americano conhecido por capturar momentos

de solidão, mistério e quietude em meio a paisagens ou ambientes tipicamente americanos, como é o


caso do diner retratado em sua obra mais famosa Nighthawks (1942). Foi considerado um pintor do
Realismo Americano, junto a outros de características semelhantes.
50

além da imagem e também traz a música clássica e o jazz, refletindo sobre a forma
através do som.

Em Profondo Rosso (1975), de Dario Argento, lidamos exatamente com a


investigação, isso se inicia na narrativa quando somos inseridos na
investigação de um crime e isso se estende à forma. De maneira a trazer uma
sensação completa de pensamento da imagem, o personagem investiga junto
ao espectador, somos guiados. [...] O personagem principal, Marcus Daly, ao
ensaiar sua banda de jazz nos diz: ''É, está muito bom. Muito bom. Talvez até
bom demais. Muito limpo, preciso, muito formal… precisa ser um pouco mais
''sujo'', entendem o que eu digo?''. E isso certamente dará o tom do resto do
filme. (SOFIA, 2020)

Figura 11 – O cinema de Dario Argento e Nighthawks de Edward Hopper

Fonte: Jornal da Unicamp48, Prelúdio para Matar (1975), Edward Hopper (1942)

Esses cineastas são só alguns exemplos de como os maneiristas podem


pensar a mise-en-scène em seus filmes. No caso de De Palma e Argento, são ambos
cineastas que se encaixam na maneira da sobrecarga, se utilizando do excesso, do
exagero, para retrabalhar o referencial cinematográfico da forma. Esse processo pode
ser visto também em Blade Runner, que retrabalha as imagens clássicas do noir a
partir do excesso, situando-se em uma ambientação futurista.
O próprio referencial futurista do filme de Ridley Scott também tem base em
imagens já vistas em filmes de ficção-científica do passado, em especial Metrópolis
— que é um filme muito anterior ao maneirismo, mas que também trabalha imagens
a partir do excesso, algo que será visto mais à frente na pesquisa.

48 Disponível em: https://www.unicamp.br/unicamp/ju/noticias/2017/08/25/quando-o-horror-

de-argento-dialoga-com-artes-visuais Acesso em: 01 Nov. 2022


51

A sobrecarga tem muito a se relacionar com a matriz de excesso, com as


matrizes culturais sensacionalistas, e com o conceito do cinema de espetáculo.

Ao contrário do que prescreve o senso comum, que tende a vê-la de modo


pejorativo, a estética maneirista não deve ser encarada apenas como
estilização gratuita, preciosismo extravagante da técnica ou jogo de
reciclagem de formas; ela constitui um traço fundamental da modernidade
tardia do cinema (quiçá de sua pós-modernidade) e ultrapassa em muito a
questão da referência, da citação ou do pastiche de gêneros mortos.
(OLIVEIRA JR, 2014. p.140)

Retomando o que foi abordado anteriormente acerca do cinema de gênero,


como a classificação genérica pressupõe uma série de códigos e convenções, e
principalmente, como elas são percebidas pelo público. Com o passar do tempo,
essas convenções vão se alterando, conforme a atuação dos cineastas, que podem
reformulá-las, e a própria percepção do público se altera (BORDWELL; THOMPSON,
2013, p. 499).
Oliveira Jr. afirma que o maneirismo se torna mais incisivo depois que o
cinema dos anos 1960-1970 se põe a recuperar certos gêneros num momento em que
eles já não dialogam com o público “inocentemente” (2014, p. 146). Como os gêneros
cinematográficos dependem desses códigos e desse senso comum entre audiência,
cineastas, estúdios e críticos, quando esses códigos começam a se exaurir, a relação
do com os gêneros também se altera:

Quando Gary Cooper saca o revólver num filme dos anos 1940 ou 1950, ele
o faz dentro de uma certa inocência”, sem consciência por trás do gesto,
“como se fosse a primeira vez (para o ator, não para a personagem)”. Se, três
décadas depois, a inocência se prova impossível, é porque, “quando Clint
Eastwood saca o revólver, ele não faz o gesto, ele o refaz, enésima repetição
de um gesto visto mais de mil vezes no cinema. (…) A cada reprodução, há
uma perda de definição do referente, que vai se tornando mais e mais
‘espectral’. Cada cena é um lugar já visitado, um lugar ‘assombrado’” (ibid.).
Surge um cinema de mortos-vivos, de fantasmas. O que assombra o cinema
maneirista não é o real (que assombrava, talvez, o cinema clássico, ficando à
espreita, nas bordas do filme, sempre ameaçando irromper de algum lugar
para quebrar o universo fechado da dramaturgia). O real já não lhe diz
respeito; o que assombra o maneirismo é o passado do próprio cinema – o
passado clássico. (OLIVEIRA JR, 2014, p.152)

A partir disso, se a relação com os gêneros já não é mais “inocente” como no


passado, o cinema maneirista, assim como a pintura, busca uma hiperestilização da
linguagem — no caso, do estilo cinematográfico — repensando concepções da forma
clássica como uma forma de lidar com uma crise na mise-en-scène: “O maneirismo
envolve, portanto, uma ideia de crise – crise de temas, motivos, formas, mas,
sobretudo, crise das articulações da mise en scène clássica, dos ligantes outrora
52

naturais, agora disfuncionais nuns casos e hipertrofiados em outros” (OLIVEIRA JR.,


2014, p.152) .
Esse sentimento compartilhado pelos cineastas maneiristas remonta ao
espírito decadentista — o frisson nouveau — e a forma como os maneiristas propõem
uma hiperestilização da mise-en-scène, também pode ser espelhada nos efeitos
buscados pelos decadentistas na escrita, seja nas temáticas abordadas ou na forma
de abordar a linguagem.

Humilhados pela derrota da França na guerra de 1870 com a Prússia,


desiludidos com o fim sangrento da Comuna de Paris de 1871, esmagados
pelo peso da geração de gigantes literários que os antecedera — Balzac,
Hugo, Flaubert —, os decadentistas viam-se como mentes velhas em corpos
jovens, os últimos filhos de uma civilização que já fizera tudo, provara tudo e,
agora, rumava para a tumba ou, já morta, decompunha-se. Seu projeto era
radicalizar o frisson nouveau de Baudelaire: descobrir, estimular e registrar
emoções inéditas, capazes de sufocar o tédio de uma existência crepuscular,
apelando para meios artificiais, como drogas, ou para tudo aquilo que a
civilização moribunda, filha da Igreja e do Iluminismo, havia banido: o absurdo,
o pecado, a misantropia, o crime, o sexo não como expressão de amor ou
para gerar filhos, mas como mero gozo e perversão. Era a busca do efeito
estético sem qualquer tipo de amarra moral, do prazer sem consequência, do
excesso sem responsabilidade. (ORSI, 2014, p.12-13)

O decadentismo ao radicalizar o frisson nouveau em uma busca por emoções


inéditas remonta o sublime de Burke, e como este foi identificado na literatura gótica.
Conceitos esses que se associam a alguns dos motivos do cinema maneirista, como
visto em Oliveira Jr. (2014, p. 150) “A nostalgia da beleza clássica o força a querer
alcançar uma beleza ainda mais bela”. Nessa mesma linha de pensamento, o autor
também compara a estética maneirista a “uma violação da imagem clássica e – por
que não dizer? – uma degradação [...] e isso engendrou menos um respeito
reverencial e solene pelo classicismo do que um impulso profano de violentá-lo” (p.
147).
53

Figura 12 – Homem Morto (1995) de Jim Jarmusch

Fonte: Homem Morto, 1995

Esses motivos apontam também para o uso do excesso como estratégia para
desencadear novas sensações no público (sejam eles leitores, ou no caso do cinema,
espectadores). Além disso, temáticas como sexo, drogas, o absurdo, o crime, por
exemplo, são motivos muito recorrentes no cinema maneirista e nas matrizes culturais
do sensacional, como visto no texto de Ana Lúcia S. Enne.
Após panorama acerca do conceito de maneirismo, da relação sua relação
com o excesso, podemos observar como o maneirismo se encaixa entre uma série de
matrizes culturais que trabalham a partir desse mesmo referencial, e como o
maneirismo foi expresso em alguns filmes da década de 1970 e 1980. Também é
importante ressaltar que, no contexto do maneirismo, uma revisão histórica de outros
processos culturais, movimentos e obras que trabalham a partir do excesso é
necessária para fazer uma análise mais profunda da relação entre uma obra e outra.
No subcapítulo a seguir, esses conceitos serão abordados a partir do
referencial cinematográfico, em algumas construções e movimentos da história do
cinema como expressão artística e indústria, contexto este que é extremamente
importante no que diz respeito aos objetos de pesquisa selecionados.
54

3.3 A MATRIZ DO EXCESSO NO CINEMA

Revisitando a história do cinema é possível visualizar que a hiperestilização


da mise-en-scène não é um processo exclusivo do cinema maneirista. A deformação
das formas clássicas do cinema não é algo inédito na tradição cinematográfica, tendo
se manifestado de diversas formas ao longo da história do cinema.
Se detendo a apenas alguns dos principais pontos de interesse desta
monografia, tanto o Expressionismo Alemão quanto os filmes noir já se propunham a
trabalhar com estilos cinematográficos de excesso, em contraste às outras formas
mais hegemônicas de fazer cinema em suas respectivas épocas.

Mas a criação da atmosfera de pesadelo que lhe daria fama duradoura só foi
possível porque a cenografia produzida em painéis pintados ao estilo
expressionista conseguiu evocar a fisionomia de um mundo tortuoso e
imprevisível. Ao evitar as formas realistas, reforçando as curvas abruptas e a
pouca profundidade, esse cenário provocava sentimentos de inquietação e
desconforto adequados à história que estava sendo contada. A isso se
somavam a interpretação dos atores - repleta de exageros e de movimentos
de grande impacto visual, reforçada pela maquiagem pesada e igualmente
deformadora - e uma narrativa que envolvia personagens lidando com
sentimentos destrutivos e de revolta contra a autoridade. Tratava-se, afinal,
de uma obra que realizava a proposta expressionista de traduzir visualmente
conflitos emocionais. (MASCARELLO, 2006, p. 67)

O trecho do livro A história do cinema mundial (2006) de Fernando Mascarello


mostra como O Gabinete do Doutor Caligari (1920, Robert Wiene) [Figura 13],
considerado como marco-zero do Expressionismo Alemão como movimento
cinematográfico, foi um choque no que diz respeito ao tratamento da mise-en-scène.
No fim, o sucesso do filme, tanto na Alemanha quanto internacionalmente, inspirou
diversos filmes do período a dar um tratamento similar a sua mise-en-scène — com
suas particularidades próprias e diferenças, é claro.
55

Figura 13 – O excesso em Gabinete do Doutor Caligari (1920)

Fonte: O Gabinete do Doutor Caligari, 1920

No entanto, como explica em detalhes o trecho do livro de Mascarello citado


a seguir, os filmes Expressionistas provavelmente não eram a maioria na produção do
período, entretanto, devido ao seu sucesso e prestígio, muitos deles foram os que
sobreviveram aos infortúnios do tempo e são mais reconhecidos atualmente do que
outras produções menos celebradas.

No entanto, é preciso aceitar que o cinema alemão dos anos 1920


apresentava diferentes construções e identidades. Nesse sentido, Elsaesser
também cita o jornalista alemão radicado nos EUA H.H. Wollenberg, que já
em 1947 questionava no livro Fifty years of german film (Cinqüenta anos de
cinema alemão) a visão generalizada de que os estúdios alemães do período
clássico preferiam usar os temas macabros: para ele, a razão mais provável
para isso era a de que apenas esses filmes eram exibidos no exterior (ibid.,
p. 22). Evidentemente, o fato de tais filmes continuarem a ser alvo de
curiosidade internacional indicava sua inegável representatividade, mas isso
não deve nos impedir de observar o fato de que esse cinema era
historicamente datado e, sobretudo, premeditado, autoconsciente e
preocupado em agradar não apenas ao público alemão, mas também ao
estrangeiro. (MASCARELLO, 2006, p. 81)

No caso do cinema noir, os filmes que se encaixam nessa “categoria”49, se


tratam de filmes com uma proposta de mise-en-scène muito distinta no que diz

49 Há inúmeras controvérsias na classificação dos filmes noir; a terminologia já foi usada


como no mesmo sentido de um gênero, um estilo, dentre outros. Segundo Mascarello: “Como
demonstra Krutnik (1991, p. 17), muitos dos próprios defensores do noir se apressam em admitir o fato,
buscando novos estatutos para a categoria: para Raymond Durgnat, por exemplo, o noir seria uma
"atmosfera"; para Paul Schrader, um "tom"; Janey Place e Robert Porfirio vêem-no como um
"movimento"; e Jon Tuska como um "estilo" e uma "perspectiva quanto à existência humana e à
sociedade". (2006, p. 184)
56

respeito a forma clássica de Hollywood na época. Dentre algumas características


consideradas basilares do noir, sejam elas temáticas, narrativas e estilísticas, estão o
crime como motivador central de muitas das tramas, traições, corrupção, mistérios,
assassinatos; uma sociedade marcada pela falência das instituições, pelo
pessimismo, fatalismo, e a brutalidade; sentimentos como paranoia e claustrofobia; a
atmosfera cruel, noturna e/ou chuvosa dos filmes; personagens moralmente ambíguos
e com questões éticas, como as femme fatales50.

Figura 14 – Iluminação em Fuga para o Passado (1947)

Fonte: Fuga para o Passado, 1947

No que diz respeito a mise-en-scène, a iluminação low-key (Figura 14), o


contraste forte de luz e sombra, a deformação da perspectiva pelas lentes grande-
angulares, o uso incisivo do close-up e do plano geral em plongée, são determinantes
para o noir (MASCARELLO, 2006, p. 181). Segundo Mascarello (2006, p. 181) essas
características são vistas por muitos comentadores sociais e estudiosos do cinema
como sendo oriundos “do mal-estar americano do pós-guerra (resultado da crise

50 A femme fatale (mulher fatal em francês) é um arquétipo feminino presente nos filmes noir.
É um elemento importante a ser observado sobre a representação feminina nesses filmes, dadas
algumas das suas características: “manipuladora, subversiva e gananciosa, personagem que faz sexo
sem remorso algum. O mundo surge como um local repleto de perigos, sendo a mulher fatal um dos
mais centrais. Ela toma de assalto os personagens masculinos dos filmes no estilo noir e promovem a
sua derrocada de maneira predatória.” (CAMPOS, 2019)
57

econômica e da inevitável necessidade de reordenamento social ao fim do esforço


militar)”.
Embora as definições sejam contraditórias, ou pouco elucidativas, o noir como
termo e classificação acabou conquistando o imaginário popular e cinéfilo. Inclusive,
levando a classificações futuras, como neo-noir ou neon-noir, para filmes inspirados
nestes que foram lançados nos anos 1940 e 1950, e foram considerados como filmes
noir.
Aliado ao que já sabemos sobre como os gêneros atuam também através de
um consenso entre público, produtores e cineastas, o noir como classificação acabou
adquirindo “vida própria''. Acerca disso, Mascarello enumera alguns dos termos
usados nos títulos dos filmes — que acabaram por contribuir para essa vida própria
do termo na cultura popular, por um processo de associação dos termos ao noir — e
como eles refletem as temáticas e elementos dos filmes:

E ainda a série de motivos iconográficos como espelhos, janelas (o quadro


dentro do quadro), escadas, relógios etc — além, é claro, da ambientação na
cidade à noite (noite americana, em geral), em ruas escuras e desertas. Num
levantamento estatístico, possivelmente mais da metade dos noirs traria no
título original menção a essa iconografia — night, cíty, street, dark, lonely,
mirror, window — ou aos motivos temáticos — killing, kiss, death,panic,fear,
cry etc. (MASCARELLO, 2006, p. 182)

Mesmo que seja uma classificação um tanto incerta e moldada pela percepção
do público, ao analisar esse cânone eleito de filmes, é possível identificar que os filmes
noir utilizam estratégias comuns da matriz do excesso em sua mise-en-scène ou tem
momentos em que o espetáculo se sobressai à coerência narrativa.
No caso dos objetos desta monografia — Blade Runner e Metrópolis — são
filmes de ficção-científica, um gênero que já pressupõe uma quebra de realidade. As
duas obras têm uma proposta de mostrar uma realidade fantástica, que parte de uma
distorção da realidade como ela era na época em que foram produzidos.
Mais que uma narrativa complexa e profunda, ambos os filmes apontam para
o espetáculo, com novas imagens e sons nunca antes vistos ou ouvidos, assim como
era o trem chegando na estação em L'Arrivée d'un train à La Ciotat (1895) dos irmãos
Lumière. Com suas propostas estéticas e seus desenhos de produção, filmes estão
forçando a linguagem cinematográfica através do desenvolvimento de técnicas novas
(o efeito Schüfftan, por exemplo) e a produção de imagens nunca vistas antes.
Esses processos retomam o fato de que a matriz de excesso só passa a ser
reconhecida no cinema, quando os estudos do cinema passam a reconhecer algo
58

“além” do que era proposto na teoria narrativa — algo que não se encaixava nos
padrões propostos por essa linha de pensamento. Esse reconhecimento passa por
uma revisão tanto do pré-cinema, ou o “cinema de atrações”, quanto dos filmes da
Hollywood clássica que pendiam mais para o espetáculo, com o excesso manifestado
na forma desses filmes.
Em Spectacle, Attractions and Visual Pleasure (2006), Scott Bukatman
recupera uma questão que autores como Elsaesser e Gunning também abordaram
sobre a história do cinema: a hegemonia do cinema narrativo. Análises e estudos
sobre o cinema, pelo menos até o momento presente das publicações desses autores,
privilegiaram o cinema narrativo, em detrimento a filmes mais “espetaculares”.

“A história dos primeiros anos do cinema,” ele escreve, “assim como a história
do cinema em geral, tem sido escrita e teorizada under da hegemonia dos
filmes narrativos” o trabalho de Gunning, dentre outras coisas, tinha a
intenção de relembrar o mundo acadêmico sobre a história – a história
contínua – da prática alternativa. (BUKATMAN, 2006, p. 78, tradução nossa) 51

Para explicar esses fenômenos, Bukatman contrapõe as ideias de Tom


Gunning com as de Laura Mulvey. Enquanto Mulvey concentrou-se no cinema
narrativo de Hollywood e na passividade do espectador, os estudos de Gunning
enfatizaram o cinema experimental e pré-narrativo, com um espectador
desempenhando um papel de “participante sofisticado” (BUKATMAN, 2006, p. 71):

O modelo de Mulvey remete a suspeita generalizada do excesso que


permeou a crítica do espetáculo ao longo de sua história. Aristóteles rejeitou
o espetáculo encenado como um substituto barato para a verdadeira arte do
poeta, ao fornecer efeitos que eram desnecessários ao já eficaz drama. Essa
linha de crítica continua até a atual rejeição dos blockbusters de Hollywood
como espetáculos (ou atrações) vazios, nada mais do que efeitos especiais
[...] Mulvey vai mais longe do que Aristóteles, no entanto; em seu modelo, o
espetáculo (“prazer visual”) torna-se mais do que um complemento
desnecessário à narrativa (“a arte do poeta”). (BUKATMAN, 2006, p. 75, livre
tradução nossa)52

Se para Mulvey o prazer visual é um suplemento desnecessário, o espetáculo


ao suprimir a coerência narrativa, acaba por desestabilizar o sistema narrativo. A

51 No original: “The history of early cinema,” he writes, “like the history of cinema generally,

has been written and theorized under the hegemony of narrative films.” Gunning’s work, among other
things, intended to remind the academy of the history – the continuing history – of alternative practice.”
52 No original: “Mulvey’s model recalls the more pervasive suspicion of excess which has

suffused the critique of spectacle throughout its history. Aristotle famously dismissed staged spectacle
as a cheap substitute for the true art of the poet, supplying effects that were unnecessary to effective
drama. This line of critique continues through to the present dismissal of Hollywood blockbusters as
empty spectacles (or attractions), nothing more than special effects, etcetera etcetera. Mulvey goes
further than Aristotle, however; in her model, spectacle (“visual pleasure”) becomes more than an
unnecessary supplement to narrative (“the poet’s art”).”
59

autora então mostra algumas das maneiras como a narrativa pode conter o espetáculo
pelo fim do filme, porém, a consequência desse tipo de análise é que a prioridade do
sistema narrativo acima do excesso e do espetáculo não é questionada.
Acerca disso, o que Bukatman afirma é que ao reconhecer a disrupção do
sistema narrativo, Mulvey está na verdade sinalizando os limites da teoria narrativa na
leitura da forma cinematográfica: “ela reconhece algo a mais, mas ainda vê esse algo
a mais como uma ameaça” (BUKATMAN, 2006, p. 76, tradução nossa)53.
Em Film Bodies: Gender, Genre, and Excess (1991) Linda Williams aborda a
matriz de excesso a partir dos estudos de gênero. Assim como Mulvey reconhecia em
sua obra algo além do sistema narrativo clássico, Williams aponta para um sistema —
uma matriz — que ordena o espetáculo e os excessos. Ela faz isso através de um
recorte que traz o horror, o melodrama e a pornografia, os quais ela chama de body
genres (gêneros do corpo, ou corporais, em uma tradução literal).
Esse nome se dá tanto por como o corpo (feminino, majoritariamente) é
exposto em tela, através dessa lente do excesso, quanto pelo fato que esses gêneros
podem ser capazes de provocar uma reação fisiológica nos corpos dos espectadores:
na pornografia, o gozo e o êxtase; no terror, o aumento dos batimentos cardíacos ou
o arrepio nos pelos do corpo; no melodrama, as lágrimas, o “nó na garganta”, dentre
outros efeitos fisiológicos possíveis.

Altman escreve: "Acontecimentos desmotivados, montagem rítmica, um


destaque para o paralelismo, espetáculos excessivamente longos - esses são
os excessos no sistema narrativo clássico que nos alertam para a existência
de uma lógica concorrente, uma segunda voz". (345-6) Altman, cujo próprio
trabalho sobre o filme musical se baseou necessariamente em análises de
espetáculos aparentemente "excessivos" e construções paralelas, defende
fortemente a necessidade de reconhecer a possibilidade de que o próprio
excesso possa ser organizado como um sistema (347) No entanto, as
análises de sistemas de excesso têm sido muito mais lentas para surgir nos
gêneros cujos espetáculos não lineares se centraram mais diretamente na
exibição grosseira do corpo humano. A pornografia e os filmes de terror são
dois desses sistemas de excesso. (WILLIAMS, 1991, p.3, tradução nossa)54

53 No original: “It recognizes but still sees that something else as a threat.”
54 No original: “Altman writes: "Unmotivated events, rhythmic montage, highlighted parallelism,
overlong spectacles- these are the excesses in the classical narrative system that alert us to the
existence of a competing logic, a second voice." (345-6) Altman, whose own work on the movie musical
has necessarily relied upon analyses of seemingly "excessive" spectacles and parallel constructions,
thus makes a strong case for the need to recognize the possibility that excess may itself be organized
as a system (347) Yet analyses of systems of excess have been much slower to emerge in the genres
whose non-linear spectacles have centered more directly upon the gross display of the human body.
Pornography and horror films are two such systems of excess. Pornography is the lowest in cultural
esteem, gross-out horror is next to lowest.”
60

Apesar de que, de fato, a pornografia está associada às matrizes culturais do


horror e do melodrama, como pode ser confirmado no artigo de Ana Lúcia S. Enne:
“há uma intrínseca relação entre o gótico e suas dimensões de horror e terror com os
domínios da morte e do sexo, o que, em certo sentido, aproxima o gótico do
pornográfico.” (2007, p. 6-7).
Dentre os gêneros abordados por Williams, o melodrama e o horror são
aqueles de maior interesse para essa pesquisa, pois as matrizes do horror e do
melodrama, suas representações e características, podem dar pistas de como o
excesso pode operar no contexto do cinema de estúdios, de Hollywood (Figura 15) e
da UFA, e do cinema de gênero industrial.
Como visto em Enne (2007, p. 6-7), o gótico se associa ao horror através da
matriz excesso “De forma genérica, estão lá: as marcas do excesso, a utilização da
personificação e das descrições sensoriais, a estrutura maniqueísta e o apelo ao
escatológico, ao sexual e ao grotesco”.

Figura 15 – Assassinato dos adolescentes em Halloween (1979)

Fonte: Halloween, 1979


61

Acerca da matriz do horror, A Filosofia do Horror ou Paradoxos do Coração


(1999) do filósofo Noel Carroll propõe investigar e delinear uma filosofia do horror,
partindo de um modelo aristotélico, para compreender como o gênero pode
proporcionar os efeitos emocionais que ele causa no público.

Tomando Aristóteles para propor um paradigma do que a filosofia de um


gênero artístico possa ser, oferecerei uma explicação do horror em razão dos
efeitos emocionais que ele é destinado a causar no público. Isso implicará
tanto a caracterização da natureza desse efeito emocional quanto um exame
e uma análise das figuras recorrentes e das estruturas de enredo usadas pelo
gênero para suscitar os efeitos emocionais que lhe são apropriados. Ou seja,
no espírito de Aristóteles, presumirei que o gênero é destinado a produzir um
efeito emocional; tentarei isolar esse efeito; e tentarei mostrar como as
estruturas características, as imagens e as figuras do gênero são arranjadas
para causar a que chamarei de horror-artístico (art-horror). (CARROLL, 1999,
p. 16)

Além de Aristóteles, Carroll compara o projeto do livro aos dos teóricos como
Francis Hutcheson e Edmund Burke, que “procuraram definir coisas como o belo e o
sublime e quiseram isolar os desencadeantes causais que davam origem a esses
sentimentos” (CARROLL, 1999, p. 17).
No livro, o autor diz que ao analisar o horror se deparou com dois paradoxos.
Os paradoxos do coração de Carroll são intrinsecamente ligados à recepção do
público ao gênero e “podem ser resumidos nas duas perguntas seguintes: 1) como
pode alguém ficar apavorado com o que sabe não existir, e 2) por que alguém se
interessaria pelo horror, uma vez que ficar horrorizado é tão desagradável?”
(CARROLL, 1999, p. 16).
Durante o decorrer do livro Carroll formula hipóteses para responder essas
duas perguntas, mas nesse percurso, ele traz outras contribuições, como a forma que
o horror opera como gênero. Sobre isso:

Planejo analisar o horror como um gênero. Todavia, não se deve supor que
todos os gêneros possam ser analisados da mesma maneira. Os faroestes,
por exemplo, identificam-se em primeiro lugar por seus cenários. Os
romances, os filmes, as peças, as pinturas e outras obras classificadas com
o rótulo de "horror" são identificados de acordo com um tipo diferente de
critério. Como os romances de suspense ou de mistério, os romances são
chamados de horror de acordo com sua deliberada capacidade de provocar
certo afeto (affect). De fato, os gêneros do suspense, mistério e horror
derivam seus próprios nomes dos afetos (affects) que pretendem provocar -
um sentimento do suspense, um sentimento do mistério e um sentimento do
horror. O gênero do horror, que atravessa muitas formas de arte e muitas
mídias, recebe seu nome da emoção que provoca de modo característico ou,
antes, de modo ideal; essa emoção constitui a marca de identidade do horror.
(CARROLL, 1999, p. 29-30)
62

O que Carroll faz é propor uma separação entre os gêneros, principalmente


para a análise. Nessa análise, interessa a ele os gêneros que provocam os afetos
(affects) — os quais podemos associar aos gêneros corporais (body genres) de Linda
Williams — enquanto outros gêneros, como o faroeste, podem ter mais a ver com
ambientação e atmosfera do que uma resposta corporal do público. Entretanto, um
dos aspectos mais importantes que é delineado por Carroll é que, nesses gêneros dos
afetos, as respostas emocionais do público acabam por refletir as emoções dos
personagens (CARROLL, 1999, p. 32).
No artigo Moral deslizante – Releituras da matriz melodramática em três
movimentos (2006), Mariana Baltar traz as obras de Rainer Werner Fassbinder e Todd
Haynes em comparação a Douglas Sirk — uma relação entre obras que poderia se
caracterizar como maneirista, apesar da autora não abordar essa relação a partir
desse eixo. A abordagem da autora passa por analisar as releituras da matriz
melodramática nos filmes O medo corrói a alma (1973) de Fassbinder e Longe do
Paraíso (2002) de Haynes, partindo do referencial do filme Tudo que o céu permite
(1956) [Figura 16] de Sirk. No artigo, Baltar aproxima o melodrama de outras formas
narrativas — o terror e o fantástico, por exemplo — a partir do excesso:

O melodrama não é a única narrativa pautada na matriz popular do excesso


– ao lado dele, bem pode-se encontrar o grotesco, o terror, o fantástico, o
erótico – e cada um desempenha papel importante na afetação do público.
Recorrências estratégicas os alinham à mesma matriz cultural, como indica a
expressão de Martin-Barbero (2001), que nestes casos se organizam em
torno do excesso como estratégico para a ativação de um universo, e um
saber, sensório-sentimental. (BALTAR, 2006, p. 2)

No trecho, Baltar traz uma visão parecida com a de Carroll e Williams sobre
como operam os gêneros sensacionais, utilizando expressões como uma “afetação
do público” e um “saber sensório-sentimental”. O excesso trabalha no melodrama e
em outras matrizes culturais semelhantes de forma a sobrecarregar a linguagem
audiovisual com signos que ativem as sensações e os sentimentos do espectador; um
exemplo que Baltar (2006, p. 5) usa é a trilha musical, que é usada no melodrama de
forma a reiterar constantemente os sentidos da imagem, ou também, o primeiro plano
para ilustrar os momentos máximos de tensão emocional. Sobre esses usos:

Acredito que três categorias são importantes para entender os procedimentos


do excesso nas narrativas, especialmente as audiovisuais, que se vinculam
ao melodramático: a obviedade como estratégia, o que se apresenta como
uma narrativa em superfície; uma superutilização de metáforas visuais,
através da simbolização exacerbada, para amarrar o engajamento dos
63

espectadores; e, por fim, os mecanismos de antecipação como instrumentos


de arrebatamento do público com relação à narrativa. (BALTAR, 2006, p. 5)

Essas três categorias que Baltar enumera são importantes, pois elas
“atuam em conjunto tomando formas de excesso na narrativa, seja porque são
reiteradas, e sobreutilizadas, seja porque tomam corpo na narrativa de maneira
excessiva em termos de expressividade.” (BALTAR, 2006, p. 5)

Figura 16 – Intricada construção dos planos em Tudo que o céu permite (1956)

Fonte: Tudo que o céu permite, 1956

Essa expressão do excesso pode se dar através de vários aspectos


cinematográficos: as atuações, a iluminação, a trilha sonora, no cenário, figurinos e
objetos de cena. E é comum que todos esses elementos da mise-en-scène
combinados trabalhem para reforçar uma única ideia em cena.
Em matrizes culturais de excesso, e mais especificamente na melodramática,
esses elementos se reiteram constantemente em cena “A expressão clara e a
reiteração são as chaves do excesso, são as linhas que amarram as três categorias
da expressão do excessivo no melodrama” (BALTAR, 2006, p. 9)
Além da obviedade como estratégia, a simbolização é uma das estratégias de
excesso mais interessantes de ser analisada, pois também é uma que se apresenta
em outros gêneros da matriz do excesso. Uma das formas que essa simbolização se
apresenta é o que Baltar chama de “presentificação” (2006, p. 7). Acerca desse
fenômeno:
64

Estes objetos tornam-se símbolos porque a narrativa os expressa – através


de uma detalhista encenação – como presentificações dos caminhos do
enredo. Procedimentos de simbolização fazem parte de uma estrutura
comum a diversos outros filmes da chamada ficção clássico-narrativa, mas o
que diferencia o nível do uso que tal sistema de simbolizações terá no
melodrama canônico é seu caráter exacerbado, seja recuperando
exageradamente um mesmo símbolo (ele, portanto, aparecendo muitas
vezes ao longo do filme), seja fazendo todos os momentos da ação serem
marcados por uma metáfora visual. Na maioria das ocasiões, a simbolização
irá lidar com um repertório imagético de poucas ambigüidades, deixando claro
visualmente como estão corporificadas as polaridades morais. (BALTAR,
2006, p. 7)

Esse processo de presentificação é uma forma de representar alguma ideia


ou fato através de uma estrutura física, como um objeto de cena por exemplo. No filme
de Douglas Sirk, Tudo que o céu permite (1956), o exemplo que a autora identificou
como pertencente a esse processo é um bule, que simboliza o amor dos protagonistas
do filme (Figura 17).
Sirk indica o fim do relacionamento quando o bule se quebra, e reforça essa
ideia na sua mise-en-scène através de um plano de detalhe nos cacos do bule e na
subsequente troca de olhares do casal legam àquele objeto o estatuto de símbolo do
amor” (BALTAR, 2006, p. 7)

Figura 17 – A presentificação do bule em Tudo que o céu permite (1956)

Fonte: Tudo que o céu permite, 1956

Em alguns casos esses símbolos também acabam por representar algum fato
que ainda virá a acontecer na narrativa do filme, e acaba desencadeando em outra
das categorias propostas por Baltar que é “a antecipação”: “Os mecanismos de
65

antecipação levam à sensação de suspensão, pois nos colocam à espera do que está
para acontecer, como em uma crônica de uma morte anunciada; facilitando assim, a
comoção” (BALTAR, 2006, p. 7).
Acerca desse processo:

Steve Neale (1986), amparado nas reflexões de Franco Moretti, argumenta


que a antecipação é um dos mecanismos que geram as lágrimas no
melodrama. A antecipação funciona quando o público detém um saber em
relação aos caminhos do enredo que os personagens não detêm. Esta
discrepância faz os espectadores anteciparem o que está por vir, projetando
algo que ainda não está expresso totalmente, mas que está indicado. As
lágrimas são o desaguar final de um sentimento que vem sendo construído
em pequenas doses ao longo da narrativa através das pequenas pistas que
nos fornecem antecipações. As lágrimas, ou ao menos a comoção (esta
reação na ordem do sentimental), são como a gota d’água. (BALTAR, 2006,
p. 8)

Como visto no trecho acima, a antecipação funciona no melodrama porque


esse momento final é uma culminação de toda uma construção presente na narrativa
visual do filme — sua mise-en-scène.
Todos esses processos funcionam em conjunto no melodrama para capturar
o engajamento da audiência. Colocam o espectador em um modo de suspensão,
ativando o “saber sensório-sentimental”, e isso só é possível por causa das estratégias
utilizadas durante o filme: “O engajamento é uma possibilidade de resposta emocional
(empática) à narrativa, resposta mobilizada pela materialidade da narrativa, por suas
estratégias” (BALTAR, 2006, p. 9).
Outras formas semelhantes de engajar a audiência também podem ser
observadas em outros filmes que operam através da matriz do excesso, como é o
caso dos filmes noir. Um exemplo que trabalha a partir de um processo similar, se
não for de fato uma antecipação, é O Crepúsculo dos Deuses (1950) [Figura 19] do
diretor Billy Wilder. O começo do filme já nos indica o final trágico, ao colocar o
protagonista Joe Gillis (William Holden) morto em uma piscina enquanto jornalistas e
policiais se reúnem ao seu redor.
Ao mesmo tempo, Gillis começa uma narração sobre sua trajetória até aquele
momento. Retornando ao passado, o filme nos leva aos poucos até esse momento
final, passando por várias cenas que reforçam os caminhos para o fim da narrativa.
Na cena final ocorre de fato o “arrebatamento” e nos lembramos do destino trágico
anunciado de ambos os personagens, Joe Gillis e Norma Desmond

.
66

Figura 18 – Antecipação e excesso em Crepúsculo dos Deuses (1950)

Fonte: Crespúsculo dos Deuses, 1950

A partir disso, é possível compreender que essas três categorias do


melodrama podem fornecer alguns indícios das estratégias do excesso que são
utilizadas pelos cineastas em filmes de outros gêneros, estilos e cenários.

3.4. A MISE-EN-SCÈNE E OS DISPOSITIVOS DO CINEMA

Ainda sobre a mise-en-scène, cabe relembrar que nas origens da expressão


esta era um termo importado do teatro e das artes cênicas. Apesar de fatores que as
diferenciam, como a liberdade da câmera de se movimentar e enquadrar, por exemplo,
“este continua a ser o local de onde devemos começar qualquer estudo que envolva
diretamente o “levar para a cena”, a cena, o espaço cênico, o espaço representado –
a mise en scène” (OLIVEIRA JR., 2014, p. 20).
A mise-en-scène no cinema herdou do teatro popular e melodramático uma
nova atitude em relação à técnica: “Dá-se a união, nesse “grande espetáculo”, dos
ingredientes tradicionalmente considerados superiores ou artísticos – a saber, o texto
e os atores – aos de ordem inferior, em particular aqueles enraizados na técnica.”
(OLIVEIRA JR., 2014, p. 26)

Herdeiro desse paradigma artístico, o cinema exige que a técnica seja


abordada, desde o início, de um ângulo criador. A técnica cinematográfica
não se reduz a uma ferramenta: ela é aquilo que torna o espetáculo possível.
O elemento técnico não apenas incrementa a ficção, não apenas agrega
67

atrativos ao espetáculo, está na base de sua concepção mesma e implica


uma coordenação premeditada, um processo de feitura que deverá ser
respeitado até o resultado final (a projeção em sala). (OLIVEIRA JR, 2014, p.
26)

Os dispositivos do cinema impactam a concepção da mise-en-scène oriunda


do teatro, além dos aspectos cênicos, como a encenação, há de se levar em
consideração os enquadramentos e os movimentos de câmera, por exemplo. As
técnicas não só fazem parte do espetáculo, elas são o espetáculo. Inovações
tecnológicas como o efeito Schüfftan, o Dolly zoom55 (Figura 19), e as imagens
geradas por computador (CGI) são justamente as ferramentas que possibilitam o
espetáculo no cinema. “Se a técnica, no cinema, está intimamente ligada ao processo
criativo, as novidades que a câmera e todo o dispositivo envolvido na
filmagem/revelação/projeção trazem, logicamente, serão determinantes” (OLIVEIRA
JR., 2014, p. 26).

A câmera e sua mobilidade ampliam os recursos expressivos,


potencializando a dramaticidade dos fatos e dos gestos. O potencial de efeito
de cada movimento, de cada olhar, de cada palpitação do corpo, que, no
teatro, precisava do excesso e da mímica para se amplificar, tem a seu
serviço, no cinema, o quadro – e o plano, em sentido mais vasto (que leva
em conta duração, movimento, foco, reconfiguração permanente do
enquadramento etc.). Entra em jogo uma explicitação de sentido pela
imagem, a tela funcionando como um local para o qual os significados e as
emoções se canalizam em formato intensificado. (OLIVEIRA JR., 2014, p. 26-
27)

O autor continua seu raciocínio, é através do enquadramento e a possibilidade


de variar o ponto de vista sobre a cena que dá a mise-en-scène cinematográfica o
poder de ser mais que uma técnica: “por meio desse quadro, a mise en scène
cinematográfica se faz não apenas uma colocação em cena, mas, acima de tudo, um
olhar sobre o mundo.” (OLIVEIRA JR., 2014, p. 27)

O que Rivette percebe – ao importar do teatro a expressão mise en scène e


torná-la a abreviação da essência de uma arte dedicada à captação da
aparência viva e concreta das coisas – é, na verdade, muito simples: o cinema
estende ao universo o jogo dramático que o teatro restringia ao palco. A
afirmação contém, a um só tempo, a determinação histórica do cinema –
técnica de reprodução do real rapidamente integrada ao filão das principais
modalidades cênicas do século XIX – e sua dimensão fenomenológica –
possibilidade de oferecer a própria textura da realidade sensível à encenação
das ações e das paixões humanas. (OLIVEIRA JR., 2014, p. 36)

55 Dolly zoom, ou efeito Vertigo/Hitchcock, é uma técnica que combina o uso do zoom com o
movimento de um dolly (para frente ou para trás) para gerar um efeito de distorção de perspectiva. O
efeito foi criado para o filme Um Corpo que Cai (1958) de Alfred Hitchcock, e desde então foi utilizado
em vários filmes. A técnica pode ser vista no vídeo do canal Now You See Me. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=u5JBlwlnJX0. Acesso em: 16 de maio de 2022.
68

Figura 19 – Dolly zoom em Tubarão (1975)

Fonte: Tubarão, 1975

A encenação não está mais presa ao que era o espaço cênico no teatro até
então (o palco), mas sim para todo o universo que pode ser capturado pela câmera.
A mise-en-scène seria então esse olhar sobre o mundo. Oliveira Jr. pontua como o
cinema continua uma série de tradições do teatro popular como o fator do espetáculo
e do excesso. Havia no teatro melodramático uma “preocupação com o lado
propriamente espetacular da representação” (OLIVEIRA JR., 2014, p. 22). O ponto de
ruptura que causou essa preocupação foi o fato de que os teatros populares, onde o
melodrama fazia sucesso, eram restritos ao drama “mudo”.
Em Paris e Londres, poucos teatros legitimados pelo governo podiam realizar
o espetáculo falado, e foi dessa limitação que surgiram diversos dispositivos cênicos
a serem explorados pelos teatros populares, especialmente no melodrama.

Por conta dessa restrição, e também da natureza iletrada da maior parte de


seu público, esses teatros populares davam especial atenção aos aspectos
“pictóricos” do drama, aos seus signos visíveis: cenário, maquinaria de palco,
gestos, ação. Dirigindo-se a uma plateia inculta, o melodrama desenvolveu
um vasto espectro de alternativas semânticas para expressar o mundo da
paixão e dos sentimentos. Pixérécourt, um dos pais do melodrama, dizia que
escrevia suas peças para pessoas que não sabiam ler. A mensagem, então,
devia ser veiculada por signos visuais e efeitos cênicos, por ações,
expressões e música, em suma, por uma linguagem acessível a quem
desconhece os grandes textos clássicos e ignora o valor da elevação poética
da palavra. (OLIVEIRA JR., 2014, p. 23)

Através dessa construção, é possível compreender como a matriz


melodramática foi parte da construção do conceito de mise-en-scène no teatro, e
posteriormente no cinema. Não só isso, mas como o conceito de cinema de atrações
abordado por Bukatman, se associa com a mise-en-scène através do papel
fundamental das técnicas e dispositivos para o cinema como espetáculo.
Por isso a análise e estudos além da teoria narrativa são extremamente
necessários para esta monografia. O espetáculo, o sensacionalismo, o papel de
atração do cinema, são fenômenos presentes desde a formação do que se entende
como cinema, e até muito antes, em outras manifestações no universo midiático.
69

4 METRÓPOLIS

Neste capítulo abordaremos um dos objetos de análise desta monografia, o


filme Metrópolis (1927) [Figura 20] dirigido por Fritz Lang. Nos seguintes subcapítulos
abordaremos, respectivamente, o que é Metrópolis e qual a versão escolhida para
esta análise; o contexto histórico, cultural e sociopolítico no qual o filme foi produzido
e de que forma isso se transmite na produção e na mise-en-scène do filme; e por fim,
qual a relação que o objeto tem com o maneirismo e com a matriz de excesso.

Figura 20 – Pôster de Metrópolis (1927)

Fonte: Heinz Schulz-Neudamm, 1927

4.1 O QUE É METRÓPOLIS?

Metrópolis (1927) é um longa-metragem dirigido por Fritz Lang, estrelando


Alfred Abel como Joh Fredersen, Brigitte Helm como Maria, Gustav Fröhlich como
Freder, Rudolf Klein-Rogge como Rotwang, dentre outros, com a direção de fotografia
70

de Karl Freund e Günther Rittau, e a trilha musical composta por Gottfried Huppertz.
O filme foi produzido por Erich Pommer com a produtora UFA, e distribuído pela
Parufamet — empresa formada em conjunto pela Paramount, UFA e Metro-Goldwyn-
Mayer para a distribuição de filmes em território alemão.
Com um orçamento estimado de 5 milhões de Reichsmark (moeda vigente em
território alemão na época), o filme foi um fracasso de bilheteria e quase levou a UFA
à falência. Os distribuidores americanos tinham controle sobre o corte do filme que
seria exibido nos Estados Unidos, e a versão de aproximadamente 154 minutos, que
fora exibida na estreia, foi recortada e reorganizada para o lançamento em solo
americano. Essa versão, montada por Channing Pollock, tem duração de
aproximadamente 116 minutos, apesar de uma divergência de relatos. Com o passar
dos anos, esporádicas aparições de cópias perdidas acabavam trazendo uma ou duas
novas cenas. Uma das mais famosas foi a versão lançada em 1984, organizada pelo
produtor musical Giorgio Moroder.
Em 2010, Metrópolis foi relançado, em sua versão mais completa desde o
lançamento inicial na Alemanha, com sequências inteiras recuperadas através da
restauração de cópias do filme que foram encontradas na Argentina e Nova Zelândia.
Essa versão é a mais próxima da original de Fritz Lang, entretanto, alguns dos
pedaços de filme que foram achados estavam além da restauração. Estas lacunas
são preenchidas com pequenas descrições elaboradas pelos restauradores, que
tiveram acesso ao registro de filmagem das cenas e aos pedaços do filme que não
puderam ser recuperados.
Por isso, essa última versão é a escolhida como objeto da análise, pois se
trata daquela que mais se aproxima da versão ideal de Fritz Lang para o lançamento
original, respeitando o autorismo do diretor e dos profissionais envolvidos.

4.2 UM MOMENTO NO TEMPO: O EXPRESSIONISMO ALEMÃO

O cinema no século 20 teve muitas vanguardas e movimentos importantes, mas


talvez o mais importante e influente deles, no contexto do cinema de gênero, seja o
Cinema Expressionista Alemão. Esta vanguarda faz parte de uma tendência maior das
artes visuais — o Expressionismo — que valorizava, acima de tudo, a expressão
subjetiva do ser humano, como observado na Figura 21.
71

Como movimento artístico, existe uma dificuldade em definir o Expressionismo,


em parte porque sua história se confunde e entrelaça com outras vanguardas da arte
moderna, como o Futurismo, Surrealismo e o Dadaísmo56. O movimento
expressionista, pode ser dividido em dois, o francês dos fauves (feras) — cuja trajetória
desemboca no Cubismo57 — e o dos alemães, Die Brucke (a ponte), esse que é o
mais relevante para esta monografia.

Figura 21 – O Expressionismo em Golgotha (1900), de Edvard Munch

Fonte: Wikipedia

Em Arte Moderna: Do Iluminismo aos movimentos contemporâneos (2006) de


Giulio Carlo Argan, o autor aponta como a vertente alemã carrega um ideal específico
acerca das noções de belo: “é a primeira poética do feio: o feio, porém, não é senão o
belo decaído e degradado [...] a condição humana, para os expressionistas, é a do
anjo decaído” (p. 240). A tragédia e a dualidade angelical-demoníaca, ou dionisíaca-

56 Junto ao Expressionismo, o Futurismo, Dadaísmo, Surrealismo e Cubismo são


consideradas as vanguardas artísticas européias mais importantes do início do século XX.
57 O Cubismo foi uma das vanguardas artísticas europeias do início do século XX e segundo
Giulio Argan: “é a primeira pesquisa analítica sobre a estrutura funcional da obra de arte [...] A finalidade
era transformar o quadro numa forma-objeto que possuísse realidade própria e autônoma e uma função
específica própria [...] não é mais necessário perguntar o que ele representa, mas como funciona”
(ARGAN, 2006, p. 302) Dentre os principais representantes e pioneiros, encontram-se Picasso e
Braque, cuja colaboração durante o período de 1908 a 1914 gerou obras de ambos os artistas que
experimentaram as questões plásticas e cromáticas, respectivamente. O Cubismo também quebrou
barreiras no que diz respeito da separação entre pintura e escultura: “A distinção do quadro como plano
plástico elimina a distinção, também técnica, entre pintura e escultura: o Cubismo teve grande adesão
entre os escultores [...] e os próprios Picasso e Braque fizeram esculturas” (ARGAN, 2006, p. 305)
72

apolínea, desse ideal retoma algumas das questões do sublime, e também um


anticlassicismo: a deformação do objeto e a distorção da forma, como vista nos
maneiristas. Para falar desse aspecto maneirista, Argan fala da desconstrução da
realidade na obra de Oskar Kokoschka (2006, p. 242) [Figura 22], que versa que “já
não existe o problema da forma ou imagem: o primeiro problema a ser colocado por
Kokoschka é o do signo, com transição imediata de um estado sensorial e afetivo.”

Figura 22 – A Noiva do Vento (1913-1914), de Oskar Kokoschka

Fonte: Wikipedia

Essa combinação sensorial e afetiva, como nos retratos de locais específicos


da vida do artista, combina a impressão acerca do mundo com a expressão do sujeito.
Kokoschka, então, acaba servindo como ponte entre o Expressionismo e o
Impressionismo — movimentos estes que são considerados opostos em sua
abordagem artística.
Ballerini (2020) comenta acerca do surgimento do Expressionismo e da
relação de oposição do movimento com o Impressionismo:

O termo “Expressionismo alemão” foi popularizado pelo crítico alemão


Herwarth Walden na revista Der Sturm, que, em 1911, o usou na abertura de
uma exposição em Berlim, opondo-o ao Impressionismo. Este era visto por
Walden como a impressão pessoal do artista diante da luz que incidia sobre
objetos e a natureza; o Expressionismo queria mergulhar fundo, captar o
invisível quase divino de objetos, pessoas, e em menor tom, da natureza. No
entanto, as raízes do Expressionismo remontam ao século anterior, sobretudo
73

com a valorização do subjetivo pessoal no Pré-Romantismo alemão no final


do século 18 e, mais tarde, com ecos da pintura romântica e suas paisagens
misteriosas do século seguinte. (BALLERINI, 2020, p.120)

Dessa forma, o Expressionismo foi posto como contraponto ao


Impressionismo58, cujo mote eram as impressões do artista sobre o mundo. Para
Argan (2005, p. 227): “A impressão é um movimento do exterior para o interior: é a
realidade (objeto) que se imprime na consciência (sujeito). A expressão é um
movimento inverso, do interior para o exterior: é o sujeito que por si imprime o objeto.”
Neste sentido, a expressão é o oposto completo da impressão, e consequentemente,
o Expressionismo e o Impressionismo seriam a antítese um do outro. Entretanto, as
raízes dos dois movimentos se encontram na busca por uma imagem essencialmente
pictórica, dado o advento da fotografia e sua precisão na reprodução da realidade;
aqui se forma uma crise similar à dos pintores maneiristas.

Figura 23 – Impressão, nascer do sol (1872)

Fonte: Wikipedia

58 O movimento impressionista foi uma vanguarda artística que surgiu em Paris, na França,
entre os anos 1860 e 1870, que desafiava convenções clássicas ao captar as impressões visuais
imediatas da luz na realidade sensível (Figura 23). O advento da fotografia foi fundamental para essa
mudança de paradigma, como comenta Giulio Carlo Argan: “[...] o que é certo, em todo caso, é que um
dos móveis da reformulação pictórica foi a necessidade de redefinir sua essência e finalidades frente
ao novo instrumento de apreensão mecânica da realidade” (2006, p. 75). O Impressionismo
caracterizou-se pelo seu uso das cores para representar a diferença da incidência de luz, pelas
paisagens pictóricas e por levar a pintura para fora do estúdio.
74

Esta crise foi algo essencial para o surgimento das demais vanguardas
artísticas europeias deste início de século XX, onde se questionam as formas e o
papel da arte, além da própria definição do que de fato é arte.
Assim como a literatura gótica foi uma reação à era da racionalidade, o
Expressionismo retoma a tradição romântica, centrado na experiência subjetiva e com
um forte apelo às emoções — à expressão — em contraste aos ideais extremamente
racionais e mecânicos do Iluminismo. A exemplo disso, a frase “o coração deve ser o
mediador entre o cérebro e as mãos” presente em Metrópolis carrega o que é o
principal tema narrativo do filme. Essa frase é um apelo a um ideal mais próximo do
romântico, que é contraposto ao racionalismo impessoal que causa os conflitos do
filme. Praticamente concomitante ao surgimento do Impressionismo francês no
cinema59, a forma expressionista passa a figurar nas produções cinematográficas
alemãs.
Dessa forma, os primeiros filmes do Expressionismo Alemão buscavam
temáticas com uma perspectiva além da razão, como as tramas sobrenaturais,
mágicas e folclóricas — a exemplo disso, Der Golem (1920, dir. Paul Wegener),
Nosferatu (1921, dir. F.W. Murnau) e A Morte Cansada (1921, dir. Fritz Lang) — ou
narrativas centradas em personagens com complexidades psicológicas e moralidade
duvidosa, como O Gabinete do Dr. Caligari (1920, dir. Robert Wiene) Dr. Mabuse
(1922, dir. Fritz Lang).
Em geral, com um estilo visual extremamente característico, o
Expressionismo Alemão transferiu essas complexidades para a interpretação dos
atores, para os cenários, iluminação, maquiagem, e demais aspectos da linguagem
cinematográfica. Essa complexidade pode ser vista em um dos filmes mais
importantes do movimento, O Gabinete do Dr. Caligari, cuja narrativa está
intimamente ligada ao psicológico de seu protagonista.
Também existe uma atmosfera de pessimismo, intrinsecamente ligada à
situação da Alemanha no período entreguerras (a República de Weimar) e que

59
Acerca do Impressionismo francês, uma das vanguardas estéticas do cinema, Mascarello
comenta: “Com o fim da Primeira Guerra, assiste-se na França ao surgimento de uma vanguarda
cinematográfica que é acima de tudo visual [...] agrupam-se Mareei L'Herbier, Abel Gance, Germaine
Dulac e Jean Epstein, ou seja, os cineastas formadores da escola impressionista francesa”
(MASCARELLO, 2006, p. 90). Os filmes impressionistas se caracterizaram por inovações técnicas no
uso da câmera e da montagem, como sobreposição de imagens, superexposição, deformações ópticas
e planos subjetivos, além de um foco maior dado aos cenários, objetos e paisagens em relação aos
personagens e a narrativa.
75

também pode ser observada no arrojado filme de ficção-científica de Fritz Lang — as


narrativas dos filmes do período, como observou Ballerini (2020, p. 122), eram
carregadas de uma “crença no desastre da razão, no otimismo expansionista da
Revolução Industrial que levou a Europa a uma guerra mundial”
Fundada em 1917, a UFA foi essencial para a produção e distribuição em
larga escala desses filmes. Sob comando do produtor Erich Pommer, ela ajudou
também a consolidar a estética expressionista e a carreira de muitos diretores e atores
do movimento. Entretanto, o baque financeiro de duas produções, o épico Os
Nibelungos (1926, dir. Fritz Lang) e Metrópolis, fez com que a empresa passasse por
dificuldades financeiras. Aliado a um acordo malfeito no consórcio Parufamet, essa
instabilidade financeira fez com que a atuação da empresa, e a distribuição dos filmes
alemães fosse prejudicada no período subsequente.
Em 1927, quando Metrópolis foi lançado, O Expressionismo Alemão se
metamorfoseava aos poucos. Depois de um período de admiração e novidade, as
temáticas e estética expressionista começaram a sofrer críticas por sua repetição,
entretanto o movimento continuava apresentando inovações, novas características e
abordagens, mesmo depois de quase uma década trabalhando com temas e estéticas
similares.
Em 1933, o movimento teve um destino trágico:

O expressionismo alemão foi um dos únicos movimentos cinematográficos


interrompidos de forma brusca. Isso ocorreu quando da ascencão do Partido
Nazista ao poder, em 1933. A estética expressionista foi proibida e os
diretores fugiram imediatamente para o exílio. A maioria foi trabalhar em
Hollywood - caso de Robert Siodmak, da atriz Marlene Dietrich, dos diretores
Fritz Lang, F.W. Murnau, Georg Pabst, Paul Leni, etc. Nos Estados Unidos,
influenciaram fortemente o cinema de gangsters dos anos 1930, ajudando,
posteriormente, a construir o que foi denominado cinema noir. (BALLERINI,
2020, p.125)

Como visto no trecho acima, a derrocada do Expressionismo Alemão


contribuiu de forma direta para o cinema de gênero nos Estados Unidos. A fuga dos
diretores, atores e outros profissionais do audiovisual, devido a perseguição do Partido
Nazista, fez com que muitos deles ingressassem no mercado americano, se tornando
parte da indústria em Hollywood (MASCARELLO, 2006, p. 83).
Os filmes de terror da década de 30 produzidos pela Universal Studios tiveram
forte influência do Expressionismo Alemão, a partir de algumas figuras-chave, como
o diretor de fotografia alemão Karl Freund, que trabalhou em Drácula (1931) de Tod
Browning (Figura 24). O filme de Browning carregava um estilo e atmosfera que
76

passaria a ser observado nos filmes de monstros feitos pelo estúdio a partir de então.
Mais do que se inspirar na obra original de Bram Stoker, o filme de Drácula se inspirou
principalmente no Nosferatu (1922) de Murnau. Freund ainda iria dirigir o filme A
Múmia (1932), parte da primeira leva de filmes de monstros da Universal, dessa
maneira, influenciando a linguagem do gênero de terror nos anos que seguiram
(MILLIKAN, 2021).

Figura 24 – A iluminação de Drácula

Fonte: Drácula, 1931

O gênero policial americano e os filmes noir das décadas seguintes devem


muito ao Expressionismo Alemão, sendo o próprio Fritz Lang um dos cineastas
alemães exilados trabalhando com filmes do gênero policial60 no período. Acerca das
influências estéticas do Expressionismo alemão no cinema noir, Mascarello (2006, p.
181) afirma que “já do ponto de vista narrativo e estilístico, é possível afirmar (grosso
modo) que as fontes do noir na literatura policial e no Expressionismo cinematográfico
alemão contribuíram, respectivamente, com boa parte dos elementos cruciais.”
Além de Lang, outros diretores alemães de estilo não-expressionista, como o
dinamarquês-alemão Douglas Sirk e Robert Siodmak, também transitaram pelo
cinema de gênero americano. Sirk foi o grande autor do cinema melodramático

60Os Corruptos (Big Heat, 1953) Almas Perversas (Scarlet Street, 1945), Retrato de Mulher
(The Woman in the Window, 1944), Fúria (Fury, 1936), são alguns dos filmes mais relevantes de Lang
no gênero policial e no cinema noir.
77

hollywoodiano nos anos 195061, já Siodmak dirigiu alguns filmes noir cultuados como
Os Assassinos (The Killers, 1946) e Baixeza (Criss Cross, 1949) mas foi um cineasta
de filmes B na maior parte do tempo, sendo chamado pelos estúdios para “consertar”
filmes que passavam por problemas de produção.
Acerca da influência dos alemães no cinema noir, Thomas Elsaesser e Paul
Schrader apresentam visões distintas. Em Notes on film noir (1972), o diretor e
roteirista Paul Schrader retoma e ressignifica o noir, não como um gênero, mas como
um tom, focando sua análise e definição em aspectos culturais e, especialmente,
estilísticos e estéticos. Nesse quesito estilístico, portanto, a influência alemã é vital na
definição de Schrader, como pode ser visto no trecho a seguir:

Quando, no final dos anos 40, Hollywood decidiu pintá-la de preto, não havia
maiores mestres do claro-escuro do que os alemães. A influência da
iluminação expressionista sempre esteve logo abaixo da superfície dos filmes
de Hollywood, e não é surpreendente, no film noir, encontrá-la explodindo em
plena floração. [...] Na superfície, a influência expressionista alemã, com sua
dependência de iluminação artificial de estúdio, parece incompatível com o
realismo do pós-guerra, com seus exteriores rudes e sem adornos; mas é a
qualidade única do filme noir que foi capaz de soldar elementos
aparentemente contraditórios em um estilo uniforme. (SCHRADER, 1972, p.
3, tradução nossa)62

Por outro lado, Elsaesser pontua em seu livro Weimar cinema and after:
Germany's historical imaginary (2000) como essa ligação entre as duas histórias — a
do cinema expressionista alemão e a do cinema noir — pode ser no máximo
circunstancial, ou até “imaginária” (p. 420). O que o autor pontua é que, de fato, houve
um grande êxodo dos profissionais cinematográficos alemães e europeus para a
indústria americana, e existem temas narrativos (as femme fatales) e códigos estéticos
que se repetem: o chiaroscuro, as sombras longas e anguladas, o uso da iluminação
para criação de um ambiente subjetivo.
Entretanto, esses dois fatores não necessariamente implicam uma herança
tipicamente alemã no cinema noir. Os filmes expressionistas alemães foram sucesso
na Alemanha, mas foi a reação positiva das exibições em Paris que fez de O Gabinete

61 O filme Tudo que o céu permite (1956) de Douglas Sirk foi analisado em profundidade no
artigo de Mariana Baltar, Moral deslizante – Releituras da matriz melodramática em três movimentos
(2006), citado anteriormente nesta monografia.
62 No original: When, in the late forties, Hollywood decided to paint it black, there were no
greater masters of chiaroscuro than the Germans. The influence of expressionist lighting has always
been just beneath the surface of Hollywood films, and it is not surprising, in film noir, to find it bursting
out into full bloom. [...] On the surface the German expressionist influence, with its reliance on artificial
studio lighting, seems incompatible with postwar realism, with its harsh unadorned exteriors; but it is the
unique quality of film noir that it was able to weld seemingly contradictory elements into a uniform style.
78

do Dr. Caligari e do movimento como um todo um sucesso internacional


(ELSAESSER, 2000, p. 422). A própria definição de noir surgiu na França, pelas mãos
do crítico Nino Frank, que identifica muitas das características citadas consideradas
basilares do noir. Então, o que Elsaesser aponta é que a influência francesa é um fator
relevante de se levar em conta nessa análise da história do cinema.
A proeminência dos profissionais do mercado alemão, especialmente aqueles
oriundos da UFA, deve-se muito mais ao profissionalismo, ética de trabalho e
capacidade de adaptação aos moldes de Hollywood, como é o caso de Siodmak, que
resultou numa série de profissionais de diversas áreas que podiam trabalhar em
diferentes gêneros e formatos. Entretanto, segundo Elsaesser (2000, p. 431), isso não
significa que o resultado artístico dessa invasão alemã era uma questão de convicções
pessoais, seu desejo de autoexpressão ou de traços tipicamente germânicos que eles
transportavam para seus filmes.
A concreticidade dessa ligação seja difícil de mensurar, como é visto em
Elsaesser, embora seja inegável que de fato a vinda dos profissionais que operaram
na UFA durante o período expressionista trouxeram um know-how desse período para
seus trabalhos em Hollywood, mesmo que isso não signifique uma ligação direta entre
o cinema expressionista e o noir.
Com tudo isso em vista, o cinema expressionista alemão claramente deixou
marcas profundas na cultura alemã e mundial, e deixou um legado substancial para o
cinema, sendo essa influência cinematográfica sentida mais profundamente na
produção do cinema de gênero. Sua trajetória pode dizer muita coisa sobre a produção
de cinema e sua relação com o tempo e espaço em que se encontra.

4.3 O PARADOXO DO MANEIRISMO EM METRÓPOLIS

Nos outros itens deste capítulo, foi apresentado o filme Metrópolis e sua
trajetória, o Expressionismo Alemão e o contexto histórico e social em que o filme foi
produzido, além de algumas repercussões possíveis da obra e do movimento que ela
pertence. Neste subcapítulo será abordado a relação da obra com o maneirismo no
cinema.
Dado as características do maneirismo como vistas nos capítulos anteriores
desta monografia, Metrópolis não poderia se enquadrar no conceito como proposto
por Bergala (1985) em seu texto para a Cahiers du Cinéma, por que os filmes
79

maneiristas pertencem a um contexto específico do cinema a partir da década de 1970


— contexto esse que pressupunha uma história pregressa do cinema e uma
maturidade da forma cinematográfica.
Quando Metrópolis foi lançado, o cinema se encontrava em um período de
maturação estética, de construção e ampliação das possibilidades da forma. Após a
revolução estética de O Nascimento de Uma Nação (1915) de D.W. Griffith e seu filme
subsequente, Intolerância (1916) — feito como uma carta de desculpa pelo racismo
presente no filme anterior — a década de 1920 é um período de efervescência para o
cinema, em diversos países vanguardas estéticas se formavam: na Rússia, o cinema
revolucionário de Sergei Eisenstein, Lev Kuleshov, dentre outros cineastas, e o cine-
olho de Dziga Vertov (Figura 25); o Impressionismo e o Surrealismo, mais
proeminentes na França.

Figura 25 – O cine-olho de Dziga Vertov

Fonte: Homem com uma câmera, 1929

Se o cinema ainda estava desenvolvendo possibilidades, não poderia ter


atingido o ponto de esgotamento formal que pressupõe o maneirismo. Entretanto,
quando aborda o maneirismo em profundidade, Luiz Carlos Oliveira traz uma
possibilidade — levando em conta que o maneirismo não define necessariamente um
movimento estético — a de se considerar o maneirismo como uma “tendência estética
trans-histórica, como pulsão formal que pode se manifestar em qualquer época e em
80

qualquer contexto no qual um cineasta invista nas maneiras” (OLIVEIRA JR., 2014, p.
145).
Mesmo que não desenvolva esse ponto de estresse do conceito, Oliveira Jr.
abre a possibilidade de analisar obras do passado pela perspectiva maneirista, citando
Arthur Penn, Robert Aldrich, os primeiros filmes de Orson Welles, a Hollywood
Clássica, e até algumas obras de Eisenstein — este que temporalmente se encontra
mais próximo de Metrópolis.
Essa possibilidade de tendência trans-histórica, pode ser validada pela
abordagem de Thomas Elsaesser em Cinema como Arqueologia das Mídias (2018),
onde a história — e mais especificamente para este trabalho: a história do cinema —
não é medida de forma estritamente contínua, mas sim a partir de uma série de
rupturas, descontinuidades e becos sem saída (2018, p. 42).
Uma estética, no caso maneirista, pode ser trabalhada em uma obra, mas
naquele momento específico, não ocasionar necessariamente o surgimento de uma
série de obras parecidas ou de um movimento maneirista (OLIVEIRA JR., 2014, p.
145-146). É possível que este ideal seja retomado de forma mais madura anos depois,
devido a outras causas, como é o caso do momento maneirista de Alain Bergala. A
partir dessa ótica, pode-se considerar então que Metrópolis seja um filme maneirista,
mas como o maneirismo se manifesta e opera na mise-en-scène do filme?
Os filmes do Expressionismo Alemão em geral tinham uma preocupação
muito grande com o décor: “aquilo que decora” – a decoração, a direção de arte dos
filmes. Eles se apoiaram, principalmente, em um décor gótico e medieval. Segundo
Mascarello, isto tem uma causa:

Afinal, o isolamento político e cultural alemão durante a guerra levaria a uma


procura pela identidade nacional, aproximando os expressionistas do estilo
gótico medieval, defendido com fervor pelo influente historiador da arte
Wilhelm Worringer como a raiz da arte germânica e da sua suposta
"tendência à abstração" - tão identificada com os princípios da arte moderna
de maneira geral. (MASCARELLO, 2006, p. 59)

Nosferatu de F.W. Murnau é um desses filmes: o castelo do Conde Orlok é


um cenário como tipicamente descrito nos romances góticos, com sua arquitetura
angulada, a localização praticamente inacessível, em meio à névoa, montanhas e
penhascos, como observado na Figura 26; Murnau filmava os exteriores e capturava
a natureza, remetendo as paisagens dos pintores do Romantismo como Caspar David
Friedrich, e potencializando a sensação do sublime que tanto caracterizava o gótico.
81

Figura 26 – Planos da mise-en-scène de Nosferatu

Fonte: Nosferatu, 1922

O diretor também foi reconhecido pela forma como filmava o vampiro nos
interiores do castelo através de portas e aberturas de luz que, anguladas como foram,
lembram o formato de um caixão (ELSAESSER, 2000, p. 227-228). Outro exemplo
desse detalhamento do décor, A Morte Cansada de Fritz Lang apresenta cenários
góticos e medievais; para o filme, Walter Schulze Mittendorf desenvolveu esculturas
que desempenham um papel importante na mise-en-scène63, se atentando a fazer
dos elementos plásticos mais que apenas decorativos, de forma a atuarem em cena.
O décor apresentado nos filmes expressionistas é dos mais detalhistas e construídos,
extremamente preocupado acerca da ornamentação.
Segundo Pevsner (2002, p. 1), a preocupação com a ornamentação é uma
importante característica da arquitetura gótica, complementando a verticalidade e
monumentalidade das construções do estilo. Por exemplo, as igrejas góticas, com
suas torres pontiagudas sustentadas por arcos e abóbadas, eram ornamentadas com
florões, vitrais, rosáceas, gárgulas, esculturas, etc. De fato, o retorno ao ideal
romântico do gótico nesse período fragilizado da Alemanha é uma das causas dessa
estética ter sido preponderante em muitos filmes, mas não é a única: a própria
classificação de muitos desses filmes tem caráter muito mais comercial que
necessariamente estético, a priori — como vimos anteriormente um dos grandes

63 O site dedicado ao escultor Walter Mittendorff, figura importante do Expressionismo


Alemão, conta essa história na seção de A Morte Cansada (1921). Disponível em: http://www.walter-
schulze-mittendorff.com/EN/destiny1.html. Acesso em: 23 set. 2022.
82

fatores que elevaram o prestígio do Expressionismo Alemão foi o sucesso fora do


país.
Nenhum movimento ao redor do mundo parecia ter uma ideia tão única de
direção de arte, de mise-en-scène e dos aspectos técnicos por trás desses processos
inovadores: “em meio a operetas, comédias, dramas, aventuras e filmes eróticos, eles
constituíam uma experiência cinematográfica autoral e sofisticada” (MASCARELLO,
2006, p. 69).
Foi assim que Erich Pommer e a UFA organizaram então um aparato de
produção e distribuição dos filmes de caráter expressionista, promovendo nos filmes
uma equipe regular de diretores, roteiristas, técnicos de câmera, iluminação, cenários,
maquiagem, que buscavam entregar ao espectador uma experiência cinematográfica
única no mercado, artisticamente elevada em comparação aos demais filmes
disponíveis no mercado (ELSAESSER, 2000, p .18).
Mas para além disso, muitos dos filmes do Expressionismo Alemão traziam o
gótico em meio a cenários vanguardistas da época, como era o caso de Metrópolis. É
no décor, principalmente, que se revela o maneirismo do filme. Assim como outro
exemplo abordado nesta monografia, Profondo Rosso (1975, dir. Dario Argento)
[Figura 27], o filme ressignifica as imagens referentes às outras artes, além do cinema,
em principal a arquitetura, a escultura e as artes plásticas.

Figura 27 – Espelho em Profondo Rosso

Fonte: Prelúdio para Matar, 1975

O longa de Argento, por exemplo, trabalha o maneirismo a partir das formas


clássicas de diversas formas de arte, desde a pintura, escultura e arquitetura, até a
música, e de dispositivos ópticos como os reflexos em vidros e espelhos. No caso de
Metrópolis, essa relação maneirista com a arte passa pelo contexto das vanguardas
83

artísticas do início do século 20 e alguns outros movimentos estéticos das artes


visuais.
A direção de arte de Metrópolis, idealizada por Otto Hunte, Erich Kettelhut e
Karl Vollbrecht sob a direção de Fritz Lang, combina a arquitetura Art Déco64, a
influência do Futurismo65 (principalmente os desenhos de Antonio Sant’Elia), a
Bauhaus66 e o Cubismo, com a influência gótica e expressionista (MCGILLIGAN,
1997, p. 111). O filme apresenta esse conflito entre os dois tipos de arquitetura: a
ornamentada, presente na parte expressionista e gótica dos cenários; enquanto a
arquitetura futurista, cubista67 e da Bauhaus, presente na grande cidade de Joh
Fredersen (Alfred Abel), são de uma tradição funcionalista, isto é, uma arquitetura
onde forma e função são harmônicas.
Com Metrópolis, Fritz Lang não só trabalha a partir da forma cinematográfica,
mas também pela forma arquitetônica, do design, e da arte em geral, o que é
observado na Figura 28. A cidade pulsa como um organismo vivo, em todas suas
formas e construções. Ao desconstruir etimologicamente a palavra metrópole, do

64O Art-Déco foi um movimento artístico mais associado à arquitetura, design, artes gráficas
e decoração. Com suas raízes na Art Nouveau, no Futurismo e Cubismo. Foi caracterizado pelo uso
das formas geométricas, de cores vivas, dos detalhes e ornamentação, e de novos materiais de
construção como o alumínio, aço inoxidável, dentre outros. O estilo se tornou sinônimo com a Nova
York dos anos 1920-1940, principalmente pelos edifícios Empire State Building, Chrysler Building e
Rockefeller Plaza, tornando- se símbolo de luxo e progresso (DORMAN, 2016).
65 O Futurismo foi uma vanguarda artística italiana, inaugurada com o Manifesto Futurista
assinado por Filippo Marinetti em 1909. O movimento exaltava ciência, técnica, velocidade, dinamismo,
guerra e a violência, com uma ideologia altamente iconoclasta, assim, os futuristas foram influenciados
pelo desenvolvimento tecnológico dos automóveis, aviões e máquinas; naquele período, as indústrias
se fortaleceu na Itália, vide a construção da fábrica da FIAT em Turim. Dessa forma, Argan relata: “Nos
manifestos futuristas, pede-se a destruição de cidades históricas (por exemplo, Veneza) e dos museus;
exalta-se a cidade nova, concebida como imensa máquina em movimento” (2006, p. 313). Dois de seus
grandes representantes, o arquiteto Antonio Sant’Elia e Umberto Boccioni, morrem na Primeira Guerra.
Em 1914, Sant'Elia produziu uma série de desenhos arquitetônicos chamados Città Nuova (italiano
para “Cidade Nova”) que foram expostos na mostra do grupo Nuove Tendenze (italiano para “Novas
Tendências”) no mesmo ano. Mais tarde, Marinetti se filiaria ao fascismo, o movimento se tornaria
associado ao ultranacionalismo e às políticas de Benito Mussolini.
66 A Bauhaus (“casa de construção” em alemão) foi uma escola de design e arquitetura que
operou de 1919 a 1933, quando foi interrompida por pressão do nazismo. Fundada pelo arquiteto Walter
Gropius na Alemanha, a Bauhaus seguiu a tradição de William Morris e foi caracterizada pela ausência
de ornamentação, pela harmonia entre forma e função. Reuniu-se na escola um grupo de talentos de
design, da pintura e da arquitetura que inclui Wassily Kandinsky, Paul Klee e László Moholy-Nagy;
segundo Argan, Gropius: “obtém a colaboração deles, convence-os de que o lugar do artista é a escola,
sua tarefa social o ensino.” (2006, p. 269) Na Bauhaus houve grande intercâmbio entre alunos e
professores: “foi uma escola democrática no sentido pleno do termo [...] Fundava-se sobre o princípio
da colaboração, da pesquisa conjunta entre mestres e alunos, muitos dos quais logo se tornaram
docentes” (ARGAN, 2006, p. 269).
67 Acerca do Cubismo como parte da arquitetura funcionalista, Argan (2006, p. 305) comenta:
“O espaço cubista se tornará viável e habitável na arquitetura, contribuindo para a formação do princípio
estrutural do funcionalismo arquitetônico".
84

grego, obtemos, metro (deriva de metér, metrós) significa mãe, e polis significa cidade;
portanto, metrópole seria a “cidade-mãe”, a cidade para todas as cidades.

Figura 28 – A cidade de Metrópolis

Fonte: Metrópolis, 1927

Esse organismo passa por uma transformação no período moderno, como


relata Argan (1998) em História da arte como história da cidade ao falar sobre a crise
do objeto na cidade moderna: “a raiz do problema de Metrópolis: a metrópole não é
mais cidade, mas um sistema de circuitos de informação e de comunicação; o objeto
é substituído pela imagem, pela escrita luminosa” (ARGAN, 1998, p. 8)68.
O filme apresenta esse processo de ressignificação da cidade como
organismo de informação e comunicação; um dos grandes conflitos do longa de Fritz
Lang é como esse o alinhamento entre forma e função dos espaços, da indústria,
também se aplica aos trabalhadores no regime da cidade futurista. Em um esforço de
natureza maneirista, ele reinterpreta e distorce as imagens arquitetônicas: foi em uma

68 Argan (2006, p. 271) já identifica na arquitetura da Bauhaus a concepção moderna da


cidade para o urbanismo: “A concepção da cidade como sistema de comunicação, que hoje está na
base de qualquer estudo urbanístico sério, já se encontra presente, ainda que apenas como instituição,
na teoria e na didática da Bauhaus".
85

viagem para Nova York em 1924 que o horizonte de arranha-céus da cidade e suas
luzes inspiraram Fritz Lang quando ainda concebia Metrópolis (MCGILLIGAN, 1997,
p. 108). O diretor conceberia uma metrópole que seria a imagem em excesso dessa
Nova York — se os arranha-céus novaiorquinos eram grandes, altos e numerosos, os
de Metrópolis seriam ainda mais.
É dessa forma que se apresenta o maneirismo no filme Metrópolis: pela
linguagem do excesso, através da distorção das formas cinematográficas, e da
ressignificação hiperbólica da forma arquitetônica. No próximo capítulo examinaremos
o outro objeto da pesquisa, o filme Blade Runner - O Caçador de Andróides (1982) a
partir dos mesmos parâmetros, realizando uma avaliação do contexto social e
histórico em que o filme foi feito, além de questões estéticas e narrativas relacionadas
a matriz de excesso e ao maneirismo no filme.
86

5 BLADE RUNNER

Neste capítulo abordaremos o outro objeto de análise da monografia, o filme


Blade Runner - O Caçador de Androides (1982) dirigido por Ridley Scott. Nos
seguintes subcapítulos abordaremos, respectivamente, o que é Blade Runner e qual
a versão escolhida para esta análise; o contexto histórico, cultural e sociopolítico no
qual o filme foi produzido e de que forma isso se transmite na produção e na mise-en-
scène do filme; e por fim, qual a relação que o objeto tem com o maneirismo e com a
matriz de excesso.

5.1 O QUE É BLADE RUNNER?

Blade Runner (1982) é um longa-metragem dirigido por Ridley Scott.


Estrelando Harrison Ford como Rick Deckard, Rutger Hauer como Roy Batty, Sean
Young como Rachael, Edward James Olmos como Gaff, dentre outros. O filme conta
com Jordan Cronenweth como Diretor de Fotografia, Terry Rawlings e Marsha
Nakashima na parte de Edição e Montagem, e uma trilha musical composta pelo
músico grego Vangelis. É uma adaptação do livro Androides Sonham com Ovelhas
Elétricas? (1968) de Phillip K. Dick.
Com um orçamento de 30 milhões de dólares na época,69 Blade Runner não
rendeu como esperado na bilheteria. Apesar de estrear com cerca de 6 milhões de
dólares no primeiro fim de semana70, sua trajetória nos cinemas foi atrapalhada por
uma sequência de lançamentos de outros filmes: E.T, o Extraterrestre (1982, dir.
Steven Spielberg), o Enigma de Outro Mundo (1982, dir. John Carpenter), Star Trek 2
(1982, dir. Nicholas Meyer) e Conan, o Bárbaro (1982, dir. John Milius). A versão
lançada nos cinemas sofreu alterações do que fora inicialmente pensado por Ridley
Scott, porém em 1992 foi lançada uma nova versão para DVD, o Director's Cut,
comandada por Michael Arick, com notas e direcionamentos enviados por Scott. Em
2007 foi lançado o Final Cut para os formatos de mídia física (DVD, Blu Ray,
primariamente) e um lançamento limitado nos cinemas. Dessa vez organizado por

69 Informações do site da revista Variety. Disponível em:


https://variety.com/2017/film/news/blade-runner-1982-unloved-classic-1202476755/. Acesso em: 29
agost. 2022.
70 Informação do site Box Office Mojo. Disponível em:
https://www.boxofficemojo.com/title/tt0083658/ Acesso em: 29 agost. 2022.
87

Scott e Charles de Lauzirika, o Final Cut é considerado a versão definitiva do diretor.


Portanto, essa versão é a escolhida como objeto da análise, pois se trata daquela que
é considerada a versão ideal do diretor Ridley Scott.

5.2 UM MOMENTO NO TEMPO: CULTURA DA MÍDIA, CYBERPUNK E


REAGONOMICS

O longa-metragem Blade Runner - o Caçador de Androides foi lançado em


1982. Os primeiros roteiros do filme datam da primeira metade da década de 1970,
mas a pré-produção do filme de fato só se inicia em 1980 (BUKATMAN, 1997, p. 15).
O livro, por outro lado, foi lançado em 1968. Todos esses objetos: o livro, os primeiros
roteiros e o filme que é produzido, refletem ansiedades e percepções acerca dos
Estados Unidos da América, e do mundo como um todo, durante a Guerra Fria. A
escalada da ameaça nuclear, o crescimento exponencial da população e das cidades,
o aumento da poluição no modo de produção capitalista, o processo da globalização,
são alguns dos pontos de reflexão em comum entre todos eles.
Em um recorte a partir da década de 1980, o fenômeno que vai ser
caracterizado por Douglas Kellner, terceira geração da escola de Frankfurt, como a
cultura da mídia, é de suma importância para a análise cultural do objeto. O que
Kellner (2001) evidencia é que existe uma cultura, um ambiente, no qual a população
está imersa, onde ela é constantemente bombardeada e influenciada por produtos
culturais e midiáticos.
Não necessariamente uma indústria cultural que fabrica produtos culturais
alienantes para a população, como entendiam Adorno e Horkheimer, mas sim, uma
lógica não-vertical, onde existe uma relação bilateral de troca e influência entre
sociedade e cultura — destaca-se o processo de cooptação descrito por Kellner, onde
movimentos contraculturais como o Punk e o Rap passam a ser integrados à cultura
de massa.
Ao analisar a década de 1980, especificamente, destaca-se a consolidação
da televisão como principal veículo midiático de massa em quase todo o mundo, o
surgimento da MTV, o Rap, o Punk, dentre outros fenômenos culturais. Além disso, é
importante perceber a ascensão de governos conservadores, também caracterizados
como neoliberais, de Ronald Reagan nos Estados Unidos e Margaret Thatcher na
Inglaterra. Acerca das políticas do governo Reagan:
88

Reagan, por sua vez, redefiniu o “senso comum”, reproduzindo uma retórica
política que ainda vigora durante a era Clinton: o governo deve ser limitado,
e os impostos devem ser reduzidos; os negócios devem ser fortalecidos para
criarem empregos e aumentarem a riqueza nacional; a burocracia
governamental (portanto, a política reguladora) deve ser eliminada; a
iniciativa privada é o melhor caminho para o sucesso e para a produção de
uma sociedade forte, e por isso o governo deve fazer tudo o que for possível
para incentivar esse tipo de empresa; a vida é dura, e só os mais preparados
sobrevivem e prosperam. (KELLNER, 2001, p. 80)

A era Reagan (Figura 29) foi caracterizada pela desregulação da economia,


diminuição de impostos, valorização da iniciativa privada, e por uma recuperação da
moral dos americanos após as crises econômicas dos anos 70, e uma revalorização
da figura masculina após a derrota no Vietnã (KELLNER, 2001, p. 88). Reagan foi
reconhecido por seus discursos otimistas e pelo uso da televisão como forma de
comunicação direta com a população, apelando para o trabalhador ao rememorar um
passado glorioso e o sonho americano. A escalada conservadora já vinha de muito
tempo antes de seus dois mandatos (1981 - 1989) e os de seu sucessor, e vice-
presidente, George H.W. Bush (1989 - 1993). Depois da morte de John e Robert
Kennedy, as disputas entre liberais e conservadores71 se intensificaram (KELLNER,
2001, p. 80), e o governo pouco popular de Jimmy Carter (1976 - 1980) ajudou a
consolidar Reagan finalmente, após ele perder as eleições primárias do partido
Republicano de 1976 para Gerald Ford.

Figura 29 – A era Reagan

Fonte: History72

71 Vale notar que os termos “liberais” e “conservadores” são comumente usados nos EUA
para definir, respectivamente, os Democratas (ou pessoas de ideologia mais à esquerda no espectro
político) e os Republicanos (ou pessoas que se identificavam mais com a direita), independentemente
de como esses termos são usados em outros países.
72 Disponível em: https://www.history.com/topics/us-presidents/ronald-reagan. Acesso em: 01

nov. 2022
89

Os dois mandatos de Ronald Reagan foram fundamentais para a globalização


da economia e para o crescimento dos conglomerados multinacionais, acarretando
também numa maior disparidade de renda e no aumento do consumismo (e da
publicidade) em massa.
As distopias desse período refletiam as ansiedades com relação a esses
aspectos. As ficções distópicas de caráter mais conservador abordaram a
desestabilização da lei e da ordem, a desintegração da família tradicional e limitações
das liberdades individuais em governos, como, respectivamente, Fuga de Nova York
(1981, dir. John Carpenter), THX 1138 (1971, dir. George Lucas) e Fuga do Século 23
(1976, dir. Michael Anderson). É possível identificar uma valorização do passado e
uma rejeição dos ideais futuristas apresentados, no que diz respeito a família,
instituições e organização social (KELLNER, LEIBOWITZ, RYAN, 1984, p. 6).
Enquanto isso, as distopias liberais apontam para outros temores sociais:

Em contraste, filmes distópicos liberais e radicais focam nos perigos da


crescente poluição, da guerra nuclear e da exploração econômica. Algumas
contém alegorias críticas veladas sobre o avanço do capitalismo (e.g. ALIEN,
OUTLAND, BLADE RUNNER). Eles, portanto, fazem um comentário crítico
nas atuais formas de vida e organização social pelas imagens do que a
intensificação do capitalismo corporativista, repressão política e das formas
de desumanização contemporâneas podem produzir no futuro. (KELLNER,
LEIBOWITZ, RYAN, 1984, p. 6)

As distopias cyberpunk, como Blade Runner, seguem uma linha mais liberal
nas suas críticas à sociedade, apresentando um futuro em que a economia e o modo
de governo regentes produziram uma sociedade decadente. O crescimento expansivo
do capitalismo e da tecnologia não foram benéficos, apenas produziram novas formas
de exploração e opressão. Essas distopias da época transformam pela linguagem do
excesso os principais indicadores sociais e econômicos da Era Reagan.
Na sequência de abertura de Blade Runner (Figura 30) vemos um mundo
totalmente industrializado: fumaça, camadas de poluição, labaredas de fogo e as luzes
néon vermelhas fazem com que a cidade remeta ao Inferno (KELLNER, LEIBOWITZ,
RYAN, 1984, p. 6).
90

Figura 30 – A cidade infernal de Blade Runner

Fonte: Blade Runner, 1982

O texto inicial que introduz o universo do filme indica que a industrialização do


capitalismo sem freios destruiu a natureza (plantas e animais), que a humanidade se
expandiu para o espaço na busca de recursos e para a criação de colônias destinadas
à elite econômica e política, deixando as ruínas do planeta Terra às pessoas sem
recursos financeiros.
Gigantescos letreiros, painéis de propagandas, hologramas — como uma
Times Square mil vezes maior — são apresentados em contraste com a dura realidade
das ruas abandonadas, sujas e escuras que remetem ao sonho americano, tanto
prometido, mas raramente alcançado. Os signos japoneses nos letreiros ou
propagandas (Figura 31) apontam para o fenômeno da globalização – porém com a
realidade do filme trazendo o lado mais “sujo” dessa globalização: na cidade
superpopulosa, dentre a massa de pessoas se encontram muitos estrangeiros — a
maioria que parecem ser europeus e oriundos do leste-asiático — evocando o medo
da Grande Substituição73. Ainda assim, apenas comerciantes de rua asiáticos são
vistos no filme, enquanto nas grandes corporações, os executivos são todos norte-
americanos brancos, indicando ainda o domínio político e econômico dos EUA
(KELLNER, LEIBOWITZ, RYAN, 1984, p. 7).

73 Grande Substituição (great replacement) é uma teoria da conspiração ultranacionalista e


de caráter supremacista branco popularizada pelo francês Renaud Camus, que fala de um projeto de
substituição da população branca por imigrantes, em maioria negros e muçulmanos.
91

Figura 31 – A cidade colossal de Blade Runner

Fonte: Blade Runner, 1982

Projeta-se então uma atmosfera opressora do que seria um mundo dominado


pelas megacorporações, seguindo as políticas econômicas dos governos
conservadores daquele período.
O desenvolvimento tecnológico dos computadores nesse período foi um
importante motivador para as incursões filosóficas e ficcionais do cyberpunk. Ao
analisar a etimologia da palavra: cyber é uma palavra cuja raiz vem do grego, e um
dos seus significados é “controle”; já o punk (Figura 32), deriva do movimento de
mesmo nome, este que segundo Kellner (2001, p. 383): “indica a rispidez e a atitude
da dura vida urbana em aspectos como o sexo, as drogas, a violência e a rebeldia
contra o autoritarismo no modo de viver”.

Figura 32 – Os punks em Blade Runner

Fonte: Blade Runner, 1982


92

O termo foi derivado da palavra “ciberespaço” (cyberspace), criada por William


Gibson em um de seus contos. Ele e os demais autores do cyberpunk refletiram sobre
o desenvolvimento tecnológico crescente que deu origem aos computadores, a
internet, aos videogames, e criaram cenários ficcionais explorando a questões éticas,
filosóficas e políticas como a alienação proveniente da tecnologia e as barreiras cada
vez mais tênues entre a realidade e o virtual. O cyberpunk seria, para Kellner (2001,
p. 380), baseado “nas perspectivas pós-modernas de Baudrillard”.
Jean Baudrillard (1929 - 2007) foi um filósofo e sociólogo francês cujos
estudos tratavam da simulação, hiper-realidade, mídia e os impactos das novas
tecnologias. Kellner (2001, p. 377) conclama que: “Jean Baudrillard foi sem dúvida o
teórico mais provocante da cultura da mídia na década de 1970 e início da década de
1980.” Acerca das ideias de Baudrillard:

Baudrillard descreveu o surgimento de uma nova sociedade pós-moderna


organizada em torno da simulação, cuja ruptura radical com as sociedades
modernas tem como demiurgos os modelos, os códigos, a comunicação, as
informações e a mídia. Nesse delirante circo pós-moderno, as subjetividades
estão fragmentadas e perdidas, enquanto surge um novo domínio da
experiência, tornando obsoletas e irrelevantes as teorias sociais e a política
anteriores. O mundo de Baudrillard é uma implosão dramática, neles as
classes, os sexos, as diferenças políticas e os reinos outrora autônomos da
sociedade e cultura implodem uns sobre os outros, apagando as fronteiras e
as diferenças em um caleidoscópio pós-moderno. (KELLNER, 2001, p. 377)

É possível identificar, nas ideias de Baudrillard, muitos pontos que são


abordados no cyberpunk. Em principal, o potencial das novas tecnologias
(computadores) de alterar a percepção humana da realidade, e até alterar a própria
realidade, como quando há uma implosão das barreiras entre biologia e tecnologia:
"[...] os órgãos do corpo são facilmente substituíveis por próteses tecnológicas, as
personalidades são programáveis, a neuroquímica modifica a inteligência e a
personalidade, há interação e implosão entre cérebros e computadores” (KELLNER,
2001, p. 387).
Se em Matrix (1999, Lana e Lilly Wachowski) essa relação fica mais evidente
ao abordar um mundo-simulacro, no caso de Blade Runner, isso se materializa na
discussão proposta durante o filme sobre a vida e a “humanidade” dos replicantes, se
estas seriam reais ou uma simulação da vida humana e suas emoções74.

74 Naquela época, Baudrillard e o cyberpunk eram vanguardistas. Entretanto, na visão de


Kellner (2001, p. 378-380), Baudrillard se torna um teórico cada vez mais retrógrado e irrelevante com
o passar dos anos. O cyberpunk nasce como parte da contracultura, mas, assim como outras
vanguardas, é eventualmente cooptado pela cultura da mídia. Logo após seu surgimento, diversas
93

No próximo capítulo abordaremos como o maneirismo se manifesta em Blade


Runner, e evidenciar como certos aspectos da mise-en-scène operam a partir do
excesso.

5.3 O MANEIRISMO EM BLADE RUNNER

Como visto anteriormente, o contexto social e histórico em que o filme Blade


Runner - O Caçador de Androides foi realizado foi determinante para as concepções
narrativas e visuais que o filme pretendia explorar. Mais do que isso, ele pertence ao
recorte que Alain Bergala (1985) traz sobre como o “momento maneirista” — após a
ascensão e queda da Nova Hollywood estão postas as condições para que o
maneirismo se torne uma corrente estética sólida: o cinema já teria atingido uma
maturidade para que possa existir uma crise formal.
Há uma geração inteira de diretores, cinéfilos ou formados em universidades
e escolas de cinema, para qual a sombra dos grandes mestres do passado se torna
um peso gigantesco — mas também uma possibilidade. No cinema maneirista, a
relação com o cinema e com os gêneros já não é mais “inocente” como no passado,
portanto, busca-se uma hiperestilização do estilo cinematográfico.
Se um diretor maneirista como Brian De Palma iria reencenar e distorcer
alguns dos momentos triunfais do cinema de Alfred Hitchcock, Ridley Scott buscaria
outras fontes para estruturar o mundo futurista em seu longa-metragem. Neste
subcapítulo analisaremos quais são os referenciais maneiristas de Blade Runner e
como estes operam na mise-en-scène do filme.
A hiperestilização de Blade Runner é muito própria do período em que o filme
foi realizado, mas também se inspira no passado. Os dois grandes referenciais
maneiristas essenciais para esta monografia, no que tange o longa-metragem de
Ridley Scott, são o gênero de ficção-científica — especialmente Metrópolis, cujo
referencial visual e conceitual é determinante em Blade Runner — e o cinema noir.

produções começaram a se apropriar da estética e das narrativas do cyberpunk; no fim dos anos 1980
e durante toda a década de 1990 e 2000, foram lançados diversos filmes, animações e videogames,
como Robocop (1987, dir. Paul Verhoeven), Akira (1988, dir. Katsuhiro Otomo), Johnny Mnemonic
(1995, dir. Robert Longo), Ghost in the Shell (1995, dir. Mamoru Oshii), Cowboy Bebop (1997-1998,
Shinichirō Watanabe), New Rose Hotel (1998, dir. Abel Ferrara), , Minority Report - A Nova Lei (2002,
dir. Steven Spielberg) e na trilogia Matrix, Matrix Reloaded e Matrix Revolutions (1999, 2003, 2003, dir.
Lana e Lilly Wachowski).
94

Scott e a equipe do filme misturam essa reverência ao passado com uma estética
propriamente oitentista, trabalhando principalmente a partir do excesso.
Em diversos elementos da mise-en-scène, existe um esforço da equipe
criativa para atualizar ou distorcer de alguma maneira a forma do noir: “Você tem um
filme de um gênero futurista, ficção-científica, entrecruzado com um [gênero] histórico,
o film noir [...]. Existem alguns tropos específicos do noir dos anos 40 que são
retrabalhados em um cenário futurista” (BROOKES, 201775, tradução nossa)76. Certa
vez, Dennis Hopper referiu-se ao cinema noir como o “gênero favorito de todo diretor”,
e acerca disso, Elsaesser (2000, p. 425) afirma que essa noção evidencia o noir como
um metacinema, o cinema feito do próprio cinema.
Quando se leva em conta como o noir nunca foi definido de forma
contundente, algo que pode ser percebido já nas raízes do termo, é que se trata de
uma classificação que parte muito mais da esfera da cinefilia do que de uma esfera
funcional e prática. O uso do termo é muito instável, se apoiando muito em um cânone
de filmes que seriam considerados noir. Com isso em vista, este seria um dos
“gêneros” a serem retrabalhados pelos diretores pós-modernos, e certamente, pelos
maneiristas.
O filme de Ridley Scott é produzido em um momento em que diversos outros
longas-metragens estavam revisitando as convenções do noir, em atmosfera e estilo
– elementos como os anti-heróis, detetives particulares, as femme fatales, cenas
noturnas e chuvosas com iluminação contrastada (iluminação low-key, ou
chiaroscuro) [Figura 33], os cenários urbanos decadentes, carregados do pessimismo
pós-Depressão77, foram reutilizados e transformados para se encaixarem nesse novo
momento, as décadas de 1970 e 1980.

75 Entrevista de Ian Brookes para a Dazed Digital. Disponível em:


https://www.dazeddigital.com/film-tv/article/37550/1/how-film-noir-influenced-blade-runners-darkness.
Acesso em 01 nov. 2022
76 No original: “You have a futuristic, science fiction genre spliced with an historical one, film

noir […] are sometimes specific reworkings of some of the tropes from 1940s noir projected onto a future
setting.”
77 A Grande Depressão, ou o crash de 1929, foi quando a bolsa dos Estados Unidos quebrou
e desencadeou uma crise econômica sem precedentes, que deixou milhares de americanos
desempregados.
95

Figura 33 – Iluminação noir em Blade Runner

Fonte: Blade Runner, 1982

Essa tendência ficou conhecida como neo-noir (CONARD, 2007, p. 2)78, ou


em alguns casos neon-noir, devido ao forte uso de neon como fonte de luz nas cenas.
A exemplo disso está o filme Profissão: Ladrão (título original Thief, 1981) do diretor
Michael Mann também atualiza a estética do noir, com um uso muito inventivo do neon
na mise-en-scène79. O cinema noir figurava no imaginário plástico desses diretores,
seja por preferência pessoal ou meramente como referência estética.
Em Blade Runner: A diagnostic critique (1984), Douglas Kellner, Flo Leibowitz
e Michael Ryan analisam a primeira versão de Blade Runner, lançada nos cinemas, e
nela identificam alguns dos principais tropos do noir. Além do voiceover em primeira
pessoa do personagem principal – um detetive – recurso esse que era muito utilizado
nos filmes da categoria, eles notam outros elementos estilísticos e narrativos do noir
como a sociedade corrompida, a atmosfera pessimista, uma postura mais amoral e

78 Em um artigo publicado na revista Film Comment ‘Life Après Noir’, Larry Gross (1976)
identifica uma série de filmes, dentre eles Alphaville (1965, dir. Jean Luc Godard), Point Blank (1967,
dir. John Boorman), The Long Goodbye (1973, dir. Robert Altman) e Chinatown (1974, dir. Roman
Polanski), como representantes de uma nova onda de filmes noir, chamando-os de filmes neo-noir (neo
significando “novo”).
79 Além de “Profissão: Ladrão” (1981), “Caçador de Assassinos” (1986) também de Michael
Mann, “Blow Out - Um Tiro na Noite” (1981) e “Dublê de Corpo” (1984) de Brian DePalma, “Veludo
Azul” (1986) de David Lynch, “A Morte de um Bookmaker Chinês” (1976) de John Cassavetes, “O Amigo
Americano” (1977) de Wim Wenders, "Gigolô Americano” (1980) de Paul Schrader e “Caçador de
Morte” (1978) de Walter Hill são alguns filmes desse período que apresentam ou revitalizam
características do noir clássico.
96

cínica perante o mundo, além é claro, da femme fatale (p. 7) — as personagens


femininas do filme, Rachael, Pris e Zhora encarnam diferentes facetas desse
arquétipo.
Os autores também notam que, além do noir, o filme apresenta algumas
características do Expressionismo. A iluminação que ressalta sombras escuras, os
ângulos de câmera incomuns (planos holandeses, ou angulados), as técnicas de
distorção e exagero, não só o ambiente físico, mas dos traços e comportamentos dos
personagens. Além das claras alusões a Metrópolis, os autores falam de momentos
específicos, como o confronto com Zhora no bar, que remete à festa do filme Rua de
Lágrimas (1925, dir. Georg W. Pabst) ou a silhueta de Deckard na parede, que remete
a uma cena similar de Nosferatu. A atmosfera geral de uma cidade degradada e
alienante relembra os expressionistas (KELLNER, LEIBOWITZ, RYAN, p. 7).
Entretanto, o que os autores veem como herança expressionista no filme, são
aspectos do filme que também se confundem com as referências noir, ou que
trabalham a partir da linguagem do excesso. Como visto anteriormente, o
Expressionismo foi um movimento que trabalhou suas ideias a partir da expressão e
do excesso, mas não foi o único. Tanto o noir, quanto o Expressionismo, falam de uma
desilusão com o mundo e o tempo presente, porém, enquanto os expressionistas
fazem um apelo romântico e são carregados de um idealismo, o noir apresenta uma
visão mais cínica e menos esperançosa do mundo (KELLNER, LEIBOWITZ, RYAN,
p. 7).
Alguns desses aspectos expressionistas são reforçados pelo final alternativo
do filme, presente somente nessa primeira versão lançada nos cinemas e removida
das versões subsequentes. Neste final, Deckard e Rachael fugiram juntos da cidade
futurista para um ambiente bucólico em um movimento de retorno à natureza
(remetendo as paisagens expressionistas e ao fugere urbem do arcadismo80). Como
este final foi realizado em uma mudança de última hora, foram usadas filmagens da
floresta do início de O Iluminado (1980), filme dirigido por Stanley Kubrick (SAMMON,
2016, p. 352). Este fim, de fato, tem um subtexto de herança romântica, gótica e
expressionista muito grande. Como apontam os autores, a iluminação é bem clara e

80 Fugere urbem é o lema adotado pelos poetas no Arcadismo, significa “fugir da cidade” e
representa a fuga do poeta em direção ao ambiente bucólico, o campo. (ELEUTÉRIO, 2020)
97

natural, com o casal heterossexual retornando a um passado imaculado pela


tecnologia e pelo capitalismo (KELLNER, LEIBOWITZ, RYAN, p. 7).
O filme como um todo mira o passado para falar do futuro, em diversas partes
da produção trabalhando a partir de uma estética retrô. Se a caracterização dos
personagens remete a dos personagens noir — Deckard com seu sobretudo e
Rachael com suas roupas feitas de veludo e ternos masculinos com ombreiras, seu
cabelo ao estilo da década de quarenta, seu batom vermelho e ar misterioso — os
enquadramentos irão remeter às obras do pintor Edward Hopper (BUKATMAN, 1997,
p. 20) e sua visão realista e melancólica da América dos anos 1940.
No que diz respeito ao décor, os espaços e a cidade futurista de Blade Runner
apresentam esses ecos do passado, assim também, como a arquitetura funcionalista
da vanguarda Futurista. Um dos principais recursos utilizados pela direção de arte foi
o retrofitting, que é o processo de modernização ou de sobreposição de tecnologias
antigas por novas, ou mais avançadas (BUKATMAN, 1997, p. 21).
No caso do filme, este ocorre quando estruturas antigas (principalmente
aquelas de estilo Art-Déco) são sobrepostas por cabos, tubos e as tecnologias
futuristas apresentadas no filme, isso ocorre também com alguns carros de cena, é
possível ver modelos de carros que remetem a Cadillacs ou Bel-Airs, mas que
apresentam uma camada de novas tecnologias por cima. A estrutura da Tyrell, a
corporação responsável pelos replicantes, tem o formato de um templo Maya ou de
uma pirâmide egípcia, com interiores brilhantes, dourados, que refletem o esplendor,
decorados com itens vintage — quadros, candelabros e abajures ornados, camas
coloniais. O filme trabalha a partir desses ícones do passado para trabalhar suas
ideias visuais, ou para violá-los, como é o caso do Bradbury Building (Figura 34).

Figura 34 – Deckard sobe as escadas do interior do Bradbury Building

Fonte: Blade Runner, 1982


98

Nesse esforço maneirista de um retorno distorcido ao passado, Blade Runner


faz diversas alusões a Metrópolis, desde o uso de frames do filme de Fritz Lang como
referência para os efeitos especiais, quanto na própria concepção da cidade. Embora
se passe em Los Angeles, o décor do filme lembra muito mais as caracterizações da
cidade de Nova York no cinema — inclusive como esta foi caracterizada em outras
distopias futuristas (BUKATMAN, 1997, p. 61–63). A visão de Scott, de Syd Mead, e
do resto da equipe perpassou muito mais a visão de Metrópolis e de outras
referências, onde a inspiração nova-iorquina é muito mais proeminente, do que a
cidade de Los Angeles propriamente.
Em linhas gerais, Blade Runner, assim como Metrópolis, projeta uma cidade
futurista a partir do excesso — superpopulação, megacorporações, edifícios e
estruturas gigantescas, extrema pobreza e desigualdade social, autoritarismo, super-
propagandas. A divisão vertical entre cidade alta e cidade baixa, onde os prédios
gigantescos são inacessíveis a não ser por carros e dispositivos voadores; as
estruturas que extrapolam a divisão de classes dos filmes, filmados de forma a
ultrapassar a imponência e monumentalidade acima dos humanos, que parecem
insignificantes; o aspecto divino dos cenários das classes altas em comparação aos
das massas; o Jardim do Éden e os interiores opulentos da corporação Tyrell. Existem
outros paralelos entre os dois filmes, como a semelhança entre os personagens Joh
Fredersen e o magnata Tyrell, e as cenas de clímax de ambos os filmes, os confrontos
entre Roy e Deckard em Blade Runner, e entre Rotwang e Freder em Metrópolis.
Dessa forma, é possível observar como Blade Runner recorre às formas
fílmicas do passado para trabalhar sua mise-en-scène, no décor existe também uma
recuperação de formas arquitetônicas do passado através do retrofitting, evidenciando
a relação com a matriz de excesso e com o maneirismo. No próximo capítulo será
feita uma análise comparativa de alguns planos dos filmes, objetos desta monografia,
de forma a salientar aspectos gerais de excesso e da forma arquitetônica que são
similares em ambos os filmes.
99

6 ANÁLISE DOS RESULTADOS ENCONTRADOS

Neste capítulo, será realizada uma análise de alguns planos dos objetos dos
objetos de pesquisa, os filmes Metrópolis e Blade Runner. Tendo em vista as
conceituações apresentadas anteriormente acerca do maneirismo e da matriz de
excesso e suas aplicações nos objetos, os planos e algumas cenas serão examinadas
através da metodologia da análise fílmica, como vista em Vanoye e Goliot-Lété (2012),
e de uma análise comparativa entre o que for observado em ambos os objetos.
Nestes processos, será dada atenção a alguns aspectos, por exemplo como
o excesso é evidenciado na construção da mise-en-scène dessas cenas, observando
a direção, fotografia, iluminação, os cenários e efeitos especiais, a trilha musical e o
som — exceto no caso de Metrópolis, que é um filme mudo — e como as cidades são
construídas e como se expressam nesses dois filmes.
Em A Babel do Futuro: Por uma tradução da architecture parlante de
Metropolis e Blade Runner (2012), Alfredo Suppia (2012, p. 355) fala sobre como a
arquitetura é fator preponderante para a mise-en-scène em ambos os filmes: “a cidade
abandona o caráter de mero palco da ação, tornando-se um componente
preponderante da narrativa. Tanto em Metropolis quanto em Blade Runner, a cidade
reclama o status de protagonista e personagem onipresente.”
Portanto, uma breve análise da forma arquitetônica dos filmes estará presente
neste pedaço, para observar de maneira mais concreta como estas formas expressam
o excesso e a relação maneirista, pois como também observa Suppia: “[...] as formas
e estilos que alimentam o design de Metropolis e Blade Runner podem ser tratados
como signos suplementares inscritos na diegese, sendo, portanto, passíveis de uma
leitura e interpretação mais detalhadas [...]” (2012, p. 336). Será abordada as relações
do décor dos filmes-objetos com as formas e características de alguns movimentos da
arquitetura.

6.1 ANÁLISE FÍLMICA DE METRÓPOLIS

Em Metrópolis, com exceção do som — afinal, se trata de um filme mudo —


os diversos elementos diegéticos e de mise-en-scène articulam a ideia do excesso. A
fotografia parte de um forte contraste entre claro e escuro para criar um universo
diegético que lembre um pesadelo, as fontes de luz formam padrões incongruentes e
100

sombras que intensificam a estranheza, as estruturas exibem formatos não-naturais e


transpõem a experiência subjetiva do personagem principal na tela.
A iluminação em chiaroscuro é usada, por exemplo, para intensificar as
emoções dos personagens, dos pesadelos de Freder, e para diferenciar o ambiente
na cidade alta e seus cidadãos abastados, da cidade subterrânea e os trabalhadores.
Ela também aumenta a dramaticidade das atuações, essas que já são bem
expressivas, com ajuda da maquiagem que ressalta certas partes do rosto para
superar a barreira da falta de som.
Essas diferentes áreas do fazer cinematográfico estão ali para reforçar e
reiterar uma ideia — esse exagero de sinais apontando para uma mesma ideia, é
como atua a matriz do excesso. A montagem de Metrópolis também opera dessa
maneira — ela é extremamente dinâmica — já na sequência inicial, o filme começa
sobrepondo imagens de máquinas, pistões e engrenagens em movimento, para
depois mostrar as fileiras de trabalhadores se movendo em fileiras sincronizadas.
Essa mesma movimentação sincrônica se repete logo depois, na cena em que Freder
presencia a morte dos trabalhadores nas fábricas.
Os operários trabalham em movimentos ritmados, como as máquinas, em
uma disposição em cena que lembra as coreografias de um musical. Eles também são
parte do organismo vivo que é a cidade: “[...] grupamentos de trabalhadores formam
verdadeiros “organismos” em movimento, geometricamente alinhados e
plasticamente transbordantes de significado. Mesmo isoladamente, o homem integra
organicamente o cenário” (SUPPIA, 2012, p. 3).
Como caracteriza o montador Noel Burch, os close-ups onde os olhos do
personagem estão direcionados a tela, fazendo contato visual com o espectador —
como é o caso de alguns planos de Freder nessa cena — são um elemento disruptivo
no que diz respeito à narrativa clássica, apresentando um caráter propriamente
espetacular — isto é, pertencente à vertente do cinema espetáculo (BUKATMAN,
2006, p. 79). Ainda nessa cena, a sobreposição de imagens e o efeito Schüfftan
transformam a fábrica no demônio Moloch (Figura 35), entrecortados por planos de
um expressivo Freder (Gustav Fröhlich) gritando e se contorcendo dramaticamente.
101

Figura 35 – A fábrica-demônio de Metrópolis

Fonte: Metrópolis, 1927

Os trabalhadores são as engrenagens que fazem a cidade funcionar, mas


estão vivendo em condições de trabalho insalubres, tendo suas vidas consumidas por
esse organismo vivo, esse demônio, que é a própria cidade. A partir desse aspecto,
pode se retomar a concepção de Giulio Carlo Argan acerca da crise da cidade
moderna:

Que também são abstrações necessárias, porque levam a considerar a


cidade, não mais como um lugar onde se mora, mas como uma máquina que
deve realizar uma função, que, naturalmente, é sempre uma função
produtiva, retrocedendo todas as outras atividades a atividades
complementares a principal. (ARGAN, 1998, p. 230)

No filme, o excesso e exagero também se mostram nos cenários; na


sequência, Freder sai da fábrica e pede ao motorista para se dirigir a Nova Torre de
Babel, onde são mostrados os enormes prédios da cidade. Esta é a visão hiper
estilizada que Fritz Lang trás das grandes metrópoles; retomando o que foi dito
anteriormente, é a partir de um esforço maneirista que o diretor reinterpreta a forma
arquitetônica: ele concebe uma metrópole que seria a imagem em excesso de Nova
York (Figura 36).
Além disso, ele preenche esses espaços com outras versões hiperbólicas de
todos os elementos que compõem uma cidade: uma massa incontável de pessoas
indo trabalhar, uma enorme quantidade de veículos, trens, plataformas elevadas,
passarelas, holofotes luminosos apontados para o céu, letreiros, grandes avenidas e
vias expressas, e até traz uma dezena ou mais de aviões voando em volta dos prédios.
Tudo parece colossal, e essa é a ideia.
102

Figura 36 – A metrópole do excesso

Fonte: Metrópolis, 1927

Depois, temos um enfoque na Torre, inspirada no quadro da Torre de Babel


(1563) de Pieter Brueghel (Figura 37), uma construção gigantesca no centro de toda
a cidade (BUKATMAN, 1997, p. 63). É ali no centro, onde todas essas estruturas e
corpos convergem, que a Torre se ergue imponente. Toda a cidade funciona a partir
de e por causa dela, nos planos onde vemos a Torre de cima é possível observar
como a cidade provavelmente foi construída ao redor dela.

Figura 37 – A Torre de Babel, de Pieter Bruegel (1563)

Fonte: Wikipedia
103

Portanto, é possível dizer que Metrópolis é uma cidade funcionalista, seguindo


a concepção de Argan (1998) e a tradição da Bauhaus81 e do Futurismo, onde forma
e função se complementam. Essa é a tendência presente nos interiores dos edifícios
da cidade alta, como os escritórios e o quarto de Freder, que tem elementos ligados
ao design Art-Déco: relógios, luminárias, poltronas, janelas, e demais apetrechos
(Figura 38).
Figura 38 – Elementos Art-Déco em Metrópolis

Fonte: Metrópolis, 1927

Dessa mesma forma, o Jardim dos Prazeres (Figura 39) apresenta uma
combinação de algumas características Art-Déco com a arquitetura neoclássica, a
pista de corrida e as estátuas sendo óbvias indicações de uma ligação com o ideal
grego de beleza, estética e corpo. As formas harmônicas, a beleza quase asséptica e
a natureza idílica, como um Jardim do Éden privado.

81 A conexão de Metrópolis com a Bauhaus é maior do que apenas na concepção de uma


cidade formalista. O artista plástico Paul Citroen, professor da Bauhaus, tem uma série de obras feitas
com colagens e fotografias que foi intitulada Metropolis (1923), estas obras foram realizadas um pouco
antes da produção do filme. No mesmo período, os trabalhos de Schlemmer, um dos mestres da
Bauhaus, com pessoas, máscaras e formas geométricas apontam para uma estética que refletia acerca
da relação humano-máquina. Em sua obra Balé Triádico (1922), e nas máscaras produzidas para a
Bauhaus, é possível observar essa reflexão, e a semelhança com a forma da robô Maria, criada pelo
escultor Walter Schulze-Mittendorff através de um molde da atriz Brigitte Helm (ELSAESSER, 2000,
p.19-21). O design do robô se tornou tão marcante na cultura popular mundial, servindo de inspiração
para os primeiros designs do andróide C-3PO de Star Wars e aparecendo em um clipe da banda Queen.
O Maschinenmensch de Lang se tornou uma peça a ser reproduzida, mas encontra muitas
semelhanças com os designs de Oskar Schlemmer.
104

Figura 39 – As estruturas do Jardim dos Prazeres

Fonte: Metrópolis, 1927

Em contraste, as formas utilizadas dos edifícios da cidade baixa são mais


retangulares e brutalistas, os interiores das fábricas possuem algumas formas e
ângulos mais agudos, criando um ambiente opressivo, de escravidão, e que parece
violento para o trabalhador — o que pode ser observado na Figura 40.
Foi dito anteriormente que existe um conflito entre dois tipos de arquitetura: a
ornamentada e a funcionalista. Entre esses dois tipos de arquitetura, Metrópolis
trabalha um contraste entre dois tipos de excesso: 1) O excesso presente na
ornamentação, da sobrecarga dos detalhes, das formas esguias e angulações não-
ortodoxas das construções góticas; 2) o excesso grandioso dos arranha-céus, das
colossais construções futuristas, e do retraimento dos detalhes nas formas.

Figura 40 – As formas opressivas da Cidade Baixa

Fonte: Metrópolis, 1927


105

Se na maior parte dos prédios da cidade é predominante a arquitetura


funcionalista, a arquitetura expressionista e a gótica estão presentes em alguns
poucos cenários de Metrópolis, como nas catacumbas, na casa do cientista Rotwang,
e na Catedral, onde se passa o clímax e conclusão do filme. Esses cenários são
cobertos e escondidos pela grande cidade na diegese, feitos para provocar uma
disrupção da forma arquitetônica vigente no filme e estão ali representando o que foi
suprimido pelo desenvolvimento da cidade.
Por exemplo, a casa de Rotwang — de arquitetura expressionista, remetendo
aos trabalhos de Hans Poelzig (1869-1936) — é um cenário que evoca o místico, a
expressão e a emoção, valores que foram suplantados pelo progresso tecnológico. A
começar pelos pentagramas dispostos na casa, tanto na porta de entrada quanto no
laboratório — as bobinas de Tesla e demais peças de laboratório apontam para uma
mistura de alquimia e eletricidade, junto a isso, o assistente e a criatura (o robô)
referenciam Frankenstein de Mary Shelley — depois na gigantesca estátua de Hel,
um monumento à memória da falecida esposa de Fredersen.
As catacumbas (Figura 41), onde os trabalhadores se reúnem secretamente,
estão literalmente cobertas pela grande cidade. Pode-se entender isso como uma
metáfora visual de um passado enterrado em nome do progresso. A reunião às
escuras dos trabalhadores ganha um caráter messiânico — as cruzes dispostas de
maneira a formar uma série de linhas irregulares apontando para o topo, contrastando
a geometria da cidade, e a forma como é iluminada e filmada a personagem Maria.

Figura 41 – Catacumbas

Fonte: Metrópolis, 1927


106

A iluminação mais clara nela direcionada; seus gestos, principalmente com as


mãos, evocam poses da simbologia cristã; seja em planos médios, ou através de
plongées e contra-plongées, eles reforçam a imagem angelical e profética de Maria
enquanto ela faz um apelo aos trabalhadores: “o mediador entre a cabeça e as mãos
deve ser o coração”.
Nesse momento, é se utilizando estratégias comuns à matriz de excesso,
como a expressão clara e a reiteração, que a mensagem é passada de forma mais
clara. Freder é iluminado por uma luz anti-naturalista mas que evidencia seu papel,
na última cena do filme, ele será revelado como o mediador.
Nos primeiros rascunhos de Kettelhut, a Catedral ocupava o papel da Nova
Torre de Babel como edifício central e mais imponente da cidade, no que Suppia
caracteriza como uma: “numa alusão à resistência do antigo em meio ao progresso
tecnológico” (SUPPIA, 2012, p. 8). Lang removeu a catedral primeiramente,
substituindo-a pela Torre de Babel, mas depois voltou atrás e trouxe a Catedral de
forma predominante no clímax do filme.
A catedral é representativa da arquitetura gótica, bastante ornamentada, com
esculturas de Maria e outros personagens bíblicos na fachada e ao redor da porta de
entrada. Já na porta temos também um arco ogival com algumas pequenas estruturas
em alto relevo, dentro dela também temos largas colunas sustentando mais arcos
ogivais, vitrais e rosáceas. Algumas colunas interiores apresentam esculturas, se
destacando uma específica que é rodeada por candelabros, cuja circunferência é
ornamentada por um círculo de estátuas de homens rezando e cobertos por um
pequeno telhado triangular.
Há também uma sala com estátuas personificando os Sete Pecados Capitais
e a Morte (Figura 42). Essas são estátuas bem expressionistas, com poses e faces
bastante exageradas que apontam para os pecados: a raiva, por exemplo, se trata de
uma figura masculina de rosto severo e feio, com suas mãos levantadas e contorcidas
como se estivessem prestes a enforcar alguém.
107

Figura 42 – A morte e os Sete Pecados Capitais

Fonte: Metrópolis, 1927

A estátua da Morte apresenta uma característica quase contraditória, apesar


de manter a personificação mais comum da morte, de um esqueleto usando um robe
com a foice em suas costas, ela segura uma flauta como se tocasse uma música, com
suas duas mãos esqueléticas em poses delicadas. Essa estátua não indica apenas
um lado sinistro e sombrio acerca da morte, mas também um lado poético e sublime.
Esse caráter sublime, emotivo e poderoso da Catedral será revelado no final
do filme, o momento de maior tensão do filme, e sua resolução. É ali que ocorre o
confronto final entre Freder e Rotwang, disputando a vida de Maria. A doppelgänger
robótica de Maria incita uma guerra civil, uma revolução, que causa a inundação da
cidade baixa. Ao descobrirem que suas crianças estavam presas na inundação, a
revolta vira-se contra Maria e colocam-a numa fogueira. Em meio a essas cenas de
caos e desordem, a verdadeira Maria é perseguida por um insano Rotwang dentro do
edifício.
Nessa cena da perseguição e luta entre Freder e Rotwang, o excesso e o
exagero são a tônica principal. Depois que é revelado que a Maria que estava sendo
queimada na fogueira se trata de um robô, Freder vê a verdadeira Maria sendo
perseguida por Rotwang no topo da catedral. O plano os enquadra de longe, de forma
108

que estão pequenos em relação tanto ao edifício no quadro quanto aos vitrais nas
paredes abaixo deles.

Figura 43 – As gárgulas e a iluminação expressionista

Fonte: Metrópolis, 1927

No telhado da Catedral, as gárgulas (Figura 43), imponentes itens da


arquitetura gótica, são como testemunhas dos próximos eventos. Além da função
prática que elas possuem com relação ao escoamento da chuva, seu grande
simbolismo no Catolicismo foi estético e moral, elas muitas vezes funcionavam como
uma personificação do mal ou de crenças pagãs para os fiéis. Suas sombras são
projetadas nas telhas e paredes do telhado logo atrás. Sua presença nessas cenas
não é meramente para corresponder ao que se espera da estética de uma construção
gótica, elas indicam, de maneira maniqueísta, que ali se encontra a personificação do
mal.
Freder sai correndo em direção a eles, rapidamente passando pelos arcos
ogivais que separam os diferentes cenários da Catedral, antes de chegar ao topo. Seu
movimento é acelerado para intensificar a urgência e a dinâmica da cena, até quando
Freder finalmente alcança Rotwang. O cientista, com feições maníacas exageradas
pela maquiagem, segura Maria, enquanto as sombras projetadas pelas gárgulas os
obscurecem (Figura 44) — naquele momento, ele é a maldade encarnada. Ele solta
Maria contra a parede, em um plano fechado ela atinge a parede e cai desacordada.
109

Figura 44 – Rotwang persegue Maria

Fonte: Metrópolis, 1927

Enquanto isso, Joh Fredersen (Alfred Abel) e seu mão direita (Fritz Rasp)
recebem de Josaphat (Theodor Loos) uma notícia urgente — Freder está em perigo.
Os atores gesticulam de maneira efusiva e suas reações são exageradas, como por
exemplo, o desespero de Joh na conversa, os olhos arregalados de Rasp, e a forma
como os personagens correm para fora do plano, em direção a Catedral. Os rostos
são iluminados de forma suave pela frente e com uma luz dura por trás, criando um
halo luminoso em volta dos atores e aumentando a dramaticidade das reações dos
personagens.
Em um plano aberto de um pedaço do topo da Catedral, Freder e Rotwang se
rodeiam, testando um ao outro. Eles lutam, se empurrando e agarrando, com as
gárgulas e o parapeito ao lado. Enquanto no pátio e avenida em frente à catedral, a
multidão assiste a luta enquanto a fogueira continua a queimar. A iluminação desse
cenário provém da fogueira, manifestando a população em forma de silhuetas
escuras. Rotwang coloca Freder contra o parapeito.
Rotwang, a gárgula e um pedaço do parapeito quebrado ficam de frente para
a câmera, enquanto Freder está de costas. As sombras fortes são projetadas contra
a parede atrás de Rotwang. São intercalados dois planos da população, que assiste
a luta entre os dois (Figura 45). No segundo, eles abrem caminho para um
desesperado Fredersen, que toma o centro do plano, chegando para observar a luta.
Freder consegue se desvencilhar, e Rotwang é jogado contra a parede. Os dois lutam
110

em um plano enquanto as fortes sombras os cobrem, seguido de um plano das


sombras dos dois lutando sendo projetadas em Maria caída no chão.
Fredersen coloca as mãos na cabeça e se ajoelha, um plongée mostra ele
ajoelhado e a multidão à sua volta. A iluminação fica se movimentando de maneira
que as formas nos rostos dos personagens sempre se alteram de forma a ilustrar o
caos e desespero — principalmente em Joh Fredersen, que assiste seu filho se
digladiar com Rotwang.

Figura 45 – As reações de Fredersen e da população

Fonte: Metrópolis, 1927

Enquanto isso, a população, que havia aberto espaço para eles se aproxima
de Fredersen de maneira ensandecida. Há um plano lateral de Josaphat onde ele
informa ao líder dos trabalhadores, Grot (Heinrich George), que as crianças estão
salvas. A população comemora, entrando em júbilos de alegria expressivos.
Antecedido por um primeiro plano de Fredersen com as mãos na cabeça, Freder é
derrubado por Rotwang e se contorce de maneira exagerada até conseguir se
levantar.
Quando vê que Rotwang está subindo uma escada e carregando Maria mais
para cima, ele dá um salto e sai em escalada atrás dos dois. Enquanto escalam, o
rosto de Maria é iluminado suavemente e o de Rotwang é obscurecido. A cena é
filmada de um ângulo agudo, indicando o perigo da situação. Chegando na cumeira
do telhado, Rotwang solta Maria para continuar a lutar. Esta fica pendurada por uma
111

barra de ferro. O duelo ocorre em um plano aberto contra-plongée do telhado da


Catedral, simulando a visão da massa que assiste o evento.
O figurino muito escuro de Rotwang e o muito branco de Freder contrastam
entre si, e na parte direita do plano, uma cruz se posiciona na mesma altura que eles,
indicando o único fim possível daquela situação, a morte (Figura 46). Entrecortados
por dois planos, o primeiro plano de Joh, e um plongée geral seu e de um grande
grupo de trabalhadores assistindo a cena, Freder e Rotwang rolam no telhado até
ficarem novamente contra o parapeito.

Figura 46 – Duelo na Catedral

Fonte: Metrópolis, 1927

Em um plano lateral, a queda deles desloca uma camada de poeira, e Freder


chuta Rotwang. Fredersen assiste incrédulo, paralisado, enquanto Rotwang acaba
caindo para sua morte pela parte do parapeito que estava quebrada. O magnata
continua congelado, Josaphat e Thin Man ao seu lado, enquanto o resto da população
corre na direção do local da queda. Ele permanece imóvel, processando o choque
mesmo depois que todos se foram, as luzes trêmulas continuam iluminando-o aos
poucos, diminuindo a intensidade desses movimentos. Por fim, um primeiro plano
revela seus cabelos, agora brancos. A intensidade de tudo aquilo envelheceu
112

Fredersen. Esse pequeno detalhe do fim da cena é mais uma das várias
demonstrações da ação do excesso na narrativa visual do filme.
Acerca dessa cena em geral, quando Eisenstein escreveu sobre a “montagem
de atrações” (the montage of attractions) em 1924, ele fala de uma atração que se
foca em capturar a atenção e que não pode ser naturalizada pela narrativa, mas que
tem um caráter tipicamente espetacular (BUKATMAN, 2006, p. 81). É assim que opera
a montagem de Metrópolis, através da atração.
Pela criação de imagens tipicamente espetaculares, ela funciona com gatilhos
de atração para o espectador, dispositivos de superexcitação dos sentidos. Nessa
cena, a aceleração da velocidade dos movimentos, os cortes rápidos que trocam entre
os dois espaços cênicos — o topo e o pátio da Catedral — a diminuição da quantidade
de letreiros de diálogos para não interromper a dinâmica caótica e tensa do conflito
são algumas das estratégias utilizadas para maximizar as atrações na cena.
Segue-se a resolução final do filme, onde Freder assume seu papel como
mediador, unindo Grot, líder dos trabalhadores, e Joh Fredersen, criador da cidade,
em um aperto de mão. Essa cena reitera a sensibilidade romântica de Metrópolis ao
fazer um apelo às emoções — o mediador é, afinal, o coração. A luta que acontece
nos telhados da Catedral não se trata apenas de uma luta pela vida de Maria, mas
também uma luta pela alma de Metrópolis:

Do mesmo modo, que não surpreende que na luta final, o badalar dos sinos
da Catedral venha cumprir o seu papel de advertência que leva à salvação
da boa Maria das mãos de Rotwang e à vitória do Bem. Esta, não por acaso,
é celebrada na praça que condensa os resíduos da ordem espiritual da Idade
Média na cidade-máquina do futuro, ponto final da fábula que traz a Catedral
ao centro e redime Metropolis de sua vocação ao desastre. (XAVIER, 2007,
p. 21)

A Catedral (Figura 47) representa a alma da cidade, é simbólica para o ethos


romântico da narrativa, e como no cinema a forma e conteúdo são indissociáveis,
Metrópolis é um filme que constantemente sinaliza em sua mise-en-scène as
preocupações com um futuro demasiadamente enraizado na razão e dessensibilizado
da emoção. Essas preocupações são formalizadas primariamente na relação
maneirista com a arquitetura e através do excesso — esse que é intrinsecamente
ligado ao gótico, ao expressionismo, e outros movimentos artísticos que tiveram uma
preocupação com o sensível e a emoção.
113

Figura 47 – A catedral, o coração de Metrópolis

Fonte: Metrópolis, 1927

6.2 ANÁLISE FÍLMICA DE BLADE RUNNER

O excesso se manifesta visualmente em Blade Runner a partir de uma


intrincada plasticidade em tela, um jogo de técnicas que produzem uma densidade
visual capaz de maravilhar, mas também de desconcertar o espectador. Algo que
Ridley Scott já trazia na direção de Alien - O Oitavo Passageiro (1979) é a produção
de diversas camadas na visualidade do filme, através do processo de layering,
preenchendo o quadro com uma densidade visual excessiva.
No caso de Alien, temos uma incessante camada de fumaça e os interiores
decadentes das naves — oriundos da impressionante direção visual de H.R. Giger,
Moebius e Chris Foss, que criam maquinários e naves altamente texturizadas e
tecnologicamente complicadas — complexificando os cenários e os planos do filme.
Blade Runner também é um filme com uma textura visual complexa, nele há uma
infinidade de detalhes em tela em cada plano e cena (BUKATMAN, 1997, p. 8).
Nesses momentos se configura o que nas teorias sobre o maneirismo é chamado de
plano-tableau:

Uma figura de estilo recorrente no maneirismo é o que Pascal Bonitzer


chamou de “plano-tableau”, um plano que se aproxima da pintura seja pela
114

citação direta a um quadro de um pintor, seja por um arranjo meticuloso dos


elementos plásticos, assemelhando-se menos a um plano de cinema rodado
em determinado momento e lugar do que a um quadro pintado ao longo de
meses. O maneirismo, como disse Bonitzer (1985, p. 17), é esse cinema de
“imagens lustradas, desenhadas, hiperconstruídas”. (OLIVEIRA JR, 2014, p.
149)

A criação dessa atmosfera foi resultado dos esforços combinados da equipe


criativa do filme, dos artistas conceituais, como Syd Mead, da equipe de efeitos
especiais e sonoros liderada por Douglas Trumbull, e do diretor de fotografia Jordan
Cronenweth. Cada uma dessas áreas traz sua contribuição para criar uma densidade
visual excessiva nos planos-tableau do filme.

Figura 48 – Atmosfera cyberpunk

Fonte: Blade Runner, 1982

No que diz respeito à cinematografia, Blade Runner traz o noir para o futuro,
mas o futuro como era imaginado em 1982 (Figura 48). As fontes de luz dura se tornam
faróis de xênon e lâmpadas neon, criando composições muito distintas, mas que ainda
remetem a iluminação contrastada do noir clássico. As ruas e vielas estreitas e
escuras da cidade baixa são regadas por diferentes cores de néon — muito parecido
com os distritos comerciais de Hong Kong, Coréia do Sul e Japão na década de 1980
— que ajudam a criar composições de luz únicas e complexas, como observado na
Figura 49.
115

Figura 49 – O uso do neon em Blade Runner

Fonte: Blade Runner, 1982

As cenas de rua foram filmadas com câmera na mão, utilizando-se


majoritariamente da iluminação de neon já presente no set (apelidado de Ridleyville),
portanto, trata-se de imagens mais ásperas, granuladas e texturizadas. Adicionando-
se também outras duas camadas que são constantes no filme, chuva e fumaça, há a
produção de imagens extremamente carregadas de informação e textura. A exemplo
disso, na cena em que a replicante Zhora morre por um tiro de Deckard, o excesso
fica muito evidente a partir de todas essas camadas, possibilitadas por variadas
técnicas.
A cena trata-se de uma perseguição nas ruas chuvosas de Los Angeles, onde
Deckard persegue Zhora em meio a uma rua movimentada com uma multidão de
pessoas dos mais diversos tipos e características. Comércios, veículos e luzes neon
completam a ambientação (Figura 50). A replicante veste uma espécie de capa de
chuva transparente, feita de material reflexivo que lembra o plástico.
116

Figura 50 – A densidade visual na cena da morte de Zhora

Fonte: Blade Runner, 1982

Esta capa cobre sua roupa de dançarina, entretanto, devido a enorme


quantidade de elementos visuais (pessoas, luzes, fumaça, chuva, dentre outros), ela
consegue se camuflar em meio à confusão. No momento de sua morte temos um
perfeito exemplo do excesso e de uma mistura de técnicas e elementos que são
usados para amplificar as tensões e o impacto em cena.
Quando Deckard consegue uma abertura para atirar na replicante, ela adentra
um corredor rodeado de vidros que refletem rastros da iluminação colorida, algo que
a capa de chuva também faz devido ao material. No momento do tiro e após, é
utilizada a câmera lenta ao mesmo tempo em que se inicia um som análogo ao de
batimentos cardíacos. Acrescenta-se à esta propulsão sonora um tema musical de
sintetizadores, no momento em que a replicante quebra os vidros de uma vitrine de
manequins. Zhora titubeia e cai no chão sangrando. Chega a se recompor, mas leva
outro tiro e acaba caindo morta ao atravessar uma vitrine natalina (Figura 51).
O ensanguentado corpo de Zhora cai ao chão em meio a pedaços de vidro,
partículas de neve da vitrine natalina, os reflexos de luz e as pessoas caminhando
117

pelas calçadas. Essa junção produz uma cena impactante carregada de informação,
que ajuda a amplificar a superexcitação dos sentidos e o caráter espetacular que a
cena quer atingir. Scott, como maneirista, ressignifica a atmosfera noir a partir da
distorção e do excesso.
Figura 51 – Zhora morre

Fonte: Blade Runner, 1982

Nesta cena um detalhe importante fica bastante evidente, o uso do som para
amplificar o excesso. O tema Blade Runner Blues é tocado em cena, adicionando um
tom trágico e fatalista para o momento e, combinado com a câmera lenta e aos sons
ritmados que lembram batimentos cardíacos, complementa a sensação de que o
tempo foi congelado para capturar aquele momento em que a vida de Zhora se esvai.
Em geral, a trilha musical de Vangelis mistura sintetizadores — instrumento que era
sua marca e de outros músicos e bandas de música eletrônica ou new wave — e
instrumentos tradicionais do Oriente-médio com o jazz de filmes noir em uma trilha
etérea, futurista e misteriosa.
Em One More Kiss Dear e Love’s Theme fica mais evidente essa referência
ao passado: a primeira é uma música com vocais de Don Percival que remete a
118

músicas típicas das rádios americanas na década de 1940, enquanto a segunda já se


trata de uma música que relembra uma trilha de um filme noir clássico. É um tema
romântico e sensual, com instrumentos de sopro e de cordas, como saxofone e
contrabaixo muito proeminentes, relembrando as trilhas de filmes como Ascensor para
o Cadafalso (1958, dir. Louis Malle) e Anatomia de um Crime (1959, dir. Otto
Preminger).
Mais perto do clímax do filme, durante a morte da replicante Pris (Figura 52),
temos uma outra demonstração plena do excesso. Após levar um tiro de Deckard, a
personagem se contorce e treme de maneira violenta, em um movimento tão forte e
rápido, que lembra uma versão exagerada de uma convulsão. Ao mesmo tempo que
isso acontece com a personagem, raios de iluminação disparam em cena. A
personagem é iluminada de forma estroboscópica, com flashes rápidos que logo se
apagam.

Figura 52 – A replicante Pris

Fonte: Blade Runner, 1982

Em meio aos gritos estridentes da replicante, que ecoam no espaço, a trilha


musical reproduz batidas profundas. Essas batidas acompanham os passos da
replicante antes dela ser abatida, depois se repetem com os tiros de Deckard, e
acabam preenchendo a tensão durante o tremor violento de Pris. Esses elementos
combinados produzem um efeito poderoso no espectador, engajam-no, através desse
excesso de elementos que atingem nossos sentidos.
Nessa cena existem alguns outros elementos que apontam para essa
linguagem: o som é preenchido com risadas e pequenos barulhos de sinos; na
119

fotografia temos as luzes de xênon invadindo o espaço através das janelas; uma breve
câmera lenta no momento do primeiro tiro de Deckard; na cenografia, temos um
espaço decadente, lotado de bugigangas velhas e sinistras; e na atuação, as
expressões exageradas de dor (Deckard) e raiva (Pris) durante sua briga.
Sobre a iluminação dessa cena, Bukatman (1997, p. 29) conta como
Cronemweth se inspirou nas luzes de prisão para criar os raios de luz que
constantemente invadem os apartamentos e as ruas durante as cenas do filme (Figura
53).

Figura 53 – Iluminação azulada

Fonte: Blade Runner, 1982

Essas luzes, utilizando faróis poderosos, criam a sensação panóptica de


constante vigilância por uma força desconhecida, assim como no sistema prisional, e
aumenta as sensações de incerteza, paranoia e controle no futuro distópico.
Cronenweth aproveita essas luzes externas que invadem os ambientes para criar
composições de luz, como as marcas das sombras das persianas nos rostos dos
personagens.
120

Para filmar os personagens, a direção de fotografia combinava uma luz frontal


suave, com uma luz de preenchimento dura, criando silhuetas intensas e halos
luminosos em volta dos atores. Isso pode ser observado mais claramente nas cenas
que se passam em ambientes fechados, como no apartamento de Deckard (Figura
54). Assim, com a ajuda da fumaça e outros efeitos, o espaço ao redor dos
personagens se abstraía ainda mais (BUKATMAN, 1997, p. 29).

Figura 54 – Apartamento de Deckard

Fonte: Blade Runner, 1982

Para filmar os ambientes internos e externos, o tom azul nas luzes e na


coloração geral do filme é predominante em muitas cenas, ajudando a passar essa
sensação de mistério e frieza generalizada. Esse tom azulado também produz um
contraste com os neons — em sua maioria vermelhos, laranjas, roxos e rosas — e
com algumas outras luzes cênicas de tonalidade amarelada ou verde, criando
composições complexas de iluminação, paisagens infernais ou maravilhosas na
cidade.
A fumaça (Figura 55) foi utilizada para amplificar o clima de mistério e
desconfiança, e para rememorar a atmosfera noir clássica, mas também tinha função
prática. O departamento de efeitos especiais criou uma sala especial com uma
máquina de fumaça específica para o filme (BUKATMAN, 1997, p. 26-27), devido à
utilização constante nos sets e seus diversos usos práticos - como camuflar os efeitos
especiais, atender necessidades da iluminação, dentre outros. Douglas Trumbull —
esse que também havia sido responsável pelos efeitos de 2001: Uma Odisséia no
Espaço (1968, dir. Stanley Kubrick) — foi coordenador desse departamento que deu
vida às estruturas futuristas do filme. Os efeitos impressionaram Philip K. Dick, que
121

ainda estava relutante em relação ao filme, mas a forma como sua visão do futuro foi
transposta visualmente encorajaram-no a participar mais dos bastidores da
produção82.
Figura 55 – A paisagem de fumaça

Fonte: Blade Runner, 1982

Quando Deckard e Gaff usam o veículo voador, o spinner, para ir até a


delegacia, eles passam pelos blocos massivos de prédios, com pequenos minúsculas
luzes que representam os pequenos apartamentos e indicam a superpopulação; é
possível ver nesses prédios hologramas e propagandas gigantescas, da Pan-Am e da
Coca Cola em japonês, que por sua vez, indicam a era das super-propagandas (Figura
56). Essas construções e seu caráter de infinitude dentro do plano, ao mesmo tempo
maravilhosas e assustadoras, são testamento do aspecto sublime da tecnologia
(BUKATMAN, 1997, p. 25).
Em sua natureza espetacular, Blade Runner recria o maravilhamento
proporcionado pela vista das grandes metrópoles no passado — como o caso de Fritz
Lang com Nova York — a partir de um retorno nostálgico à cidade, como um:

82 Entrevista com um relato de Philip K. Dick, antes dele vir a falecer, sobre esse momento.
Disponível em:
https://web.archive.org/web/20130528112644/http://www.philipkdick.com/media_twilightzone.html
Acesso em: 15 out. 2022.
122

“ambiente cinematográfico, um espaço industrial poetizado e narrado pela câmera”


(BUKATMAN, p. 63, tradução nossa)83.

Figura 56 – As super-propagandas na Los Angeles futurista

Fonte: Blade Runner, 1982

As imagens proporcionadas pelo filme são inerentemente cinematográficas,


não podendo ser produzidas se não pela técnica e dispositivos do cinema. Assim, é
possível observar a importância dos efeitos especiais na construção de um mundo
futurista baseado no excesso. A cidade foi concebida pelo artista visual Syd Mead que
se inspirou nos quadrinhos de ficção-científica da revista francesa Métal Hurlant e do
quadrinista “Moebius” Jean Giraud ao criar seus conceitos para o filme. Mead traz um
aspecto funcionalista para suas estruturas, mas as referências em Giraud e outros
artistas da revista mostram complexas construções baseadas no excesso de detalhes.
O funcionalismo acaba sendo aplicado no exterior dos grandes edifícios, como
a sede da Corporação Tyrell. Já nas partes mais baixas da cidade, os edifícios Art-
Deco estão encobertos pelo processo de retrofitting, ou pela presença proeminente
da sujeira e lixo eletrônico. Os espaços se tornam complexos labirintos de parafernália
tecnológica nova ou antiga, e se complexifica ainda mais a densidade visual dos
planos. Tudo isso colaborando para compor o décor e a mise-en-scène hiper-
estilizados do mundo de Blade Runner.

83 No original: “[...] but to the city as cinematic environment, an industrial space poeticized and

narrated by cinema”.
123

Figura 57 – Exterior do Bradbury Building

Fonte: Blade Runner, 1982

Como dito anteriormente, os espaços e as formas arquitetônicas também têm


uma função de ressignificar alguns espaços: É através da aparição do Bradbury
Building — um prédio que já foi locação de alguns filmes noir — como um dos cenários
que mostra a intencionalidade e autoconsciência na hiper-estilização.

Acima de tudo, Blade Runner mostra uma cidade com história, com edifícios
que têm estado ali por muito tempo e têm sobrevivido sob modernos arranha-
céus gargantuescos. [...] Na Los Angeles decadente do futuro, encontramos
o Yukon Hotel, a Union Station (1931-39), o Bradburry Building (1893) e a
Ennis Brown House (1923), de Frank Lloyd Wright. (SUPPIA, 2012, p. 10)

A aparição mais famosa do Bradbury é no filme Pacto de Sangue (1944, dir.


Billy Wilder), onde ele é usado como cenário para o escritório da empresa de seguros.
Mesmo sendo inicialmente criticado por usar o prédio como cenário para o
apartamento do personagem J.F. Sebastian no clímax do filme, Scott e a equipe do
filme fazem uma escolha deliberada de retornar a esse local, e alterá-lo: inserindo no
exterior do prédio uma marquise, colunas retorcidas e paredes de isopor, iluminando
o interior do apartamento com holofotes giratórios e enchendo-o de fumaça e lixo
(SAMMON, p. 232). As pinturas das paredes estão desgastadas, as janelas estão
cobertas por placas de madeira, arames ou outros objetos obstrutivos que, quando
associados a iluminação, produzirão sombras expressionistas fortes nos
personagens.
124

No clímax de Blade Runner, Roy chega no Bradbury Building iluminado pelos


faróis de xênon azulados (Figura 58), essa que será a tonalidade predominante da luz
em toda a sequência. Em certo momento, é possível enxergar apenas a silhueta do
personagem, sua figura escurecida sendo um presságio negativo do perigo a vir em
direção ao protagonista.

Figura 58 – Roy chega ao Bradbury

Fonte: Blade Runner, 1982

Após ver o corpo de Pris — esta que se encontra numa posição


exageradamente sexualizada, usando uma maquiagem que a faz parecer uma
boneca, e com o abdome ensanguentado e aberto pelos tiros de Deckard — ele beija
seus lábios em um plano fechado, e esfrega a maquiagem e o sangue da personagem
em seu rosto ao chorar, acompanhado de uma trilha musical delicada feita no
sintetizador. Como caracterizou Linda Williams (1991, p. 3), o excesso se manifesta
em elementos considerados gratuitos, como o sexo, a violência e a emoção em
demasia — sejam eles separados ou combinados entre si. Essa cena apresenta
combinação de todos esses aspectos: o cadáver sexualizado de Pris, a violência
exagerada que o corpo dela sofreu pelos tiros de Deckard, e a sensibilidade de Roy,
demonstrada pelas expressões faciais e gestos (o beijo em Pris).
Em contraste, no prosseguimento da cena, Ridley Scott transforma Roy Batty
em um monstro mítico, invencível e sádico, como os assassinos do slasher84 —

84 Slasher é um subgênero do horror, que se inicia formalmente na década de 1970, mas que
se consolida como fenômeno cultural durante a década seguinte. As histórias muitas vezes envolvem
um assassino monstruoso em uma comunidade suburbana (PETRIDIS, 2014, p. 1).
125

Michael Myers (Figura 59), Jason Voorhees, Leatherface, dentre outros — que
passam a sensação de onipresença, de serem impossíveis de matar independente
dos esforços dos personagens, e que gostam de torturar as vítimas física e
psicologicamente ao invés de matá-las diretamente. Uma mudança brusca na trilha,
acompanhada de um uivo do replicante que ecoa pelo ambiente da cena, indica que
ali se inicia um jogo de gato e rato entre os dois.

Figura 59 – Michael Myers da franquia Halloween

Fonte: Halloween, 1978

A chuva aumenta, e invade o interior do prédio, escorrendo pelas paredes.


Mais um sinal da intensificação da ação é que começa a trovejar, indicado pelo som
e pela iluminação repentina no rosto escuro de Deckard. Nesse momento, Ridley Scott
emprega diversas técnicas do cinema de horror e suspense. Nos planos do detetive
se escondendo de Roy, os flashes de luz vindos das janelas e mudanças no foco da
câmera handheld (câmera na mão) intensificam o terror e a confusão do personagem
em cena — e consequentemente do espectador, pois como visto anteriormente em
Carroll (1999, p. 32) espera-se nos gêneros dos afetos uma reação empática por parte
da audiência.
Quando Deckard se refugia contra uma parede, em um plano mais fechado o
foco se encontra no seu rosto e em sua pistola, até que a parede ao seu lado se rompe
e o replicante puxa o braço e a mão dele para o outro lado. O foco concentrado em
Deckard e o silêncio criam o suspense necessário para que o acontecimento seja mais
impactante, e em seguida, Roy emascula o detetive ao mostrar quão inútil sua pistola
é naquele momento: primeiro ao remover a arma de suas mãos, depois ao quebrar os
dedos de Deckard. Se no slasher, a remoção da faca ou da arma fálica é simbólica da
126

castração desse monstro (WILLIAMS, 1991, p. 6-7), em um processo inverso, a


remoção da arma de Deckard é como uma metáfora para sua castração, e da
impotência dele que é amplificada por Roy ficando seminu e demonstrando seu físico
superior, como um Übermensch ariano.
Ao quebrar seus dedos, remover sua arma, mas deixá-lo viver, Roy aponta
para a tortura de um Michael Myers do filme Halloween (1978, dir. John Carpenter).
Suas ações seguintes, entretanto, apontam mais para um sadismo lúdico beirando a
zombaria, típico de Leatherface de O Massacre da Serra Elétrica (1974, dir. Tobe
Hooper), do assassino de Noite do Terror (1974, dir. Bob Clark) e Freddy Krueger de
A Hora do Pesadelo (1984, dir. Wes Craven). Nos planos, é possível ver Roy seminu
saltitando através das aberturas das portas, e provocando Deckard em seus diálogos,
ou quando a silhueta de Roy aparece fora do prédio, em um plano recortado das
grades na janela — demonstrações dessa aparente onipresença de Roy, como
observado na Figura 60.

Figura 60 – Roy, monstro onipresente

Fonte: Blade Runner, 1982

Quando Deckard observa o teto, ele está se desfazendo, a estante que ele
escala para chegar ao andar superior é uma que está decaindo. Deckard se refugia
em um banheiro sujo, decrépito e inundado pela água que escorre incessantemente
pelos azulejos branco e pretos do banheiro.
127

Apesar da degradação, é possível observar que as torneiras, banheiras, porta


toalhas e espelhos antigos apresentam ornamentações. A estética do Bradbury é a
da degradação, da decadência, um espaço vazio com canos estourados, água
invadindo as paredes, sujeira, e móveis em decomposição (BUKATMAN, p. 60). Essa
degradação de uma imagem clássica como o Bradbury Building parte de um impulso
propriamente maneirista:

Stéphane Delorme enxerga o maneirismo como um trabalho essencialmente


figurativo, que visa à distorção, à saturação ou à deformação de uma imagem
original (não uma imagem qualquer, mas, de preferência, aquela que obceca
o artista maneirista). A estética maneirista é uma violação da imagem clássica
e – por que não dizer? – uma degradação. (OLIVEIRA JR., 2014, p. 147)

Os faróis azuis invadem o ambiente constantemente através das janelas


obstruídas, criando composições de luz e sombra com esses obstáculos. Quando
Deckard procura uma saída nas janelas só vemos sua silhueta e as luzes que vêm de
fora. A água da chuva, junto da iluminação, deixa as texturas muito evidentes. Essa
combinação da iluminação com a degradação cria um tom ansioso carregado de
vigilância, alucinatório e aterrorizante.
Enquanto isso, a mão de Roy começa a se contorcer involuntariamente, sinais
da aproximação da morte. Roy desesperado busca um prego no chão, perfurando sua
mão com o prego para estimular uma reação, e se contorce quando a sensação de
dor traz ele de volta para a realidade (Figura 61). Nesse momento, as expressões do
ator Rutger Hauer são bem exageradas, lembrando as atuações expressionistas. Já
as expressões de Harrison Ford enquanto Deckard olha para os lados transmitem dor,
desespero e confusão.

Figura 61 – A mão e o prego

Fonte: Blade Runner, 1982


128

A iluminação se movimenta dentro do cenário e a trilha ecoa até que a cabeça


de Roy irrompe da parede. Esse é um exemplo de Blade Runner demonstrando sua
predisposição à linguagem do excesso. A cena, como relata Rutger Hauer em
entrevista para Paul Sammon (2017, p. 235), foi problemática para o ator, por achar
ela exagerada (“over the top”), transformando Roy em uma espécie de super-homem.
A disrupção da estrutura, a extravagância que existe por existir, a resistência contra a
lógica estritamente narrativa, são elementos típicos do espetáculo e do excesso
(BUKATMAN, 2006, p. 76).
Em sequência, Roy adentra o banheiro iluminado pela luz dos trovões vinda
das janelas ao lado, uma luz que se movimenta muito no rosto do ator — similar a
forma como Joh Fredersen é iluminado no clímax de Metrópolis. Deckard acerta Roy
com um cano da tubulação, quebrando o vidro da janela ao ser atingido. Sangrando,
Roy consegue tomar o cano de Deckard, que foge para o outro quarto e quebra as
janelas para fugir. Ao remover as placas da janela com um chute, ele se coloca na
parte exterior, pelo parapeito.
Em um plano aberto temos dimensão do resto da cidade, do pouco espaço
para que ele possa se segurar, indica a profundidade do precipício que ele se encontra
ao mesmo tempo em que dá detalhes da arquitetura do prédio – retrofitting com
pequenos apetrechos, tubos e cabos colocados por cima dos tijolos. A marquise
construída para o cenário da cena é extremamente ornamentada (Figura 62), diferente
do Bradbury Building verdadeiro.

Figura 62 – A marquise do Bradbury

Fonte: Blade Runner, 1982


129

Roy uiva como um lobo, um predador, enquanto Deckard quase tropeça, se


segurando nas paredes do prédio. Quando ele alcança uma janela, o replicante
quebra as barreiras e sai por esta mesma janela. Roy se delicia com o esforço de
Deckard em escalar o prédio, deixando a água da chuva escorrer em seu rosto de
olhos fechados. Quando pensa ter escapado, Roy aparece no telhado para persegui-
lo novamente. Assim, Deckard salta para o outro telhado, mas fica pendurado por uma
viga de metal. Em um plano plongée, ele tenta não cair, mas não consegue subir.
Em oposição, Ridley Scott usa um contra-plongée de Roy se projetando para
cima, em uma pose imponente, enquanto segura uma pomba branca. Ele está
inicialmente iluminado frontalmente, mas alterna entre essa configuração e a
escuridão com iluminação de silhueta. Roy salta para o outro telhado, se posicionando
frente a Deckard.
Depois desse momento, se inicia um jogo de plano e contraplano dos dois
personagens, com Roy em posição superior e Deckard inferior. Destacam-se os olhos
azuis de Roy em um primeiríssimo plano de seu rosto, o sangue escorrendo pelo lado
esquerdo de sua face, trovões e os holofotes iluminando o lado direito. Deckard está
pendurado, a chuva faz seus dedos escorregarem aos poucos e ele se esforça para
se manter firme.
Um plano detalhe da sua mão escorregando, com a iluminação em neon ao
fundo, seguido de um plano zenital (Figura 63) que mostra o abismo abaixo de
Deckard, indicam o perigo iminente.

Figura 63 – Plano zenital de Deckard

Fonte: Blade Runner, 1982


130

A trilha sonora nesse momento fica bem aguda, ríspida, gritante, contribuindo
para essa sensação. Roy sorri enquanto o humano se esforça para se manter vivo, e
salva Deckard quando esse está prestes a cair, segurando seu braço em um rápido
reflexo. O braço de Deckard treme e o esforço de Roy para levantá-lo faz seu rosto
também tremer. O replicante o coloca no telhado e Deckard se arrasta até um apoio,
cansado e assustado. Ele encosta nesse apoio enquanto Roy se aproxima e se
ajoelha em frente a ele em um plano aberto. A chuva inunda o telhado e os neons
iluminam o fundo dos planos (Figura 64).
Essa sequência de cenas é longa e mostra como os esforços monumentais
de Deckard para sobreviver parecem sempre inúteis frente à inevitabilidade e
onipresença de Roy Batty, este que é sempre filmado como alguém imponente, que
age como um predador ou um antagonista de slasher.

Figura 64 – Nos telhados do Bradbury

Fonte: Blade Runner, 1982

É importante notar que a vontade e as ações de Roy para prolongar sua vida
ao máximo também parecem inúteis frente a inevitabilidade e onipresença da Morte.
Ambos parecem estar lutando contra o impossível, seus esforços parecem fúteis,
como no mito grego de Sísifo: “Os deuses condenaram Sísifo a rolar incessantemente
uma rocha até o alto de uma montanha, de onde tornava a cair por seu próprio peso.
Pensaram, com certa razão, que não há castigo mais terrível que o trabalho inútil e
sem esperança” (CAMUS, 2018, p.137).
No trecho, presente em O Mito de Sísifo (2018), Albert Camus traz o mito
grego do homem que foi condenado a rolar uma rocha até o alto de uma montanha
apenas para que quando essa chegue ao topo, ela role até o sopé da montanha
131

novamente. Embora esse esforço pareça inútil, uma condenação infinita sem sentido,
é a própria vida que dá sentido a ela mesma, como diz Camus:

Sísifo é o herói absurdo. Tanto por causa de suas paixões como por seu
tormento. Seu desprezo pelos deuses, seu ódio à morte e sua paixão pela
vida lhe valeram esse suplício indizível no qual todo ser se empenha em não
terminar coisa alguma. É o preço que se paga pelas paixões dessa terra.
(CAMUS, 2018, p.138)

No monólogo do replicante, seus olhos passeiam pelo nada como se ele


tentasse relembrar aqueles belos momentos que vivenciou antes do fim de sua vida.
A iluminação de neon vinda de trás cria o preenchimento necessário para fazê-lo saltar
no plano, e outra ilumina suavemente o lado direito de seu rosto (Figura 65). O som
ilustra a beleza do momento, desde a maneira suave com que Roy fala até o barulho
da chuva ao fundo e a trilha suave de Vangelis.

Figura 65 – A humanidade de Roy

Fonte: Blade Runner, 1982

No fim, Roy sorri e diz “Hora de morrer” (time to die), e abaixa a cabeça, como
se tivesse sido desligado. Embora sua morte seja inevitável e tudo pareça ter sido
132

inútil, no final, Roy Batty relembra os momentos que viveu, e como ter vivido esses
momentos valeu a pena.
Em uma câmera lenta, a chuva escorre em seu rosto, camuflando as lágrimas,
e a pomba branca voa de sua mão, em direção aos céus chuvosos e escuros. A trilha
musical nesse momento, intitulada “Tears in Rain", combina um delicado piano com
os sintetizadores para produzir uma sensação empática para com Roy e sua morte.
Aqui ela adquire um tom de sacrifício santificado, principalmente junto da pomba
branca e do prego na mão de Roy, elementos que fazem parte da iconografia cristã
(Figura 66).

Figura 66 – Iconografia cristã em Blade Runner

Fonte: Blade Runner, 1982

Ao salvar Deckard e soltar a pomba (Figura 67), um símbolo da libertação e


da paz, o filme reforça a ideia da humanidade adquirida pelos replicantes a partir do
amor e da compaixão. Esse reforço, junto da frase que Roy diz antes de salvar
Deckard: “Viver com medo é uma experiência e tanto, não é? Isso é o que significa
ser um escravo”, fazem referência a condição de escravidão que os replicantes, os
cidadãos dessa Los Angeles futurista e até o próprio Deckard, vivem. Roy, antes
apresentado como um poeta-guerreiro Nietzschiano, renuncia sua programação
violenta através da compaixão com Deckard. Ali ele se torna, de fato, humano
(KELLNER, LEIBOWITZ, RYAN, 1984, p. 6).
133

Figura 67 – Pomba branca voa em direção aos céus

Fonte: Blade Runner, 1982

Nos seus momentos finais, Blade Runner rejeita a violência e visualiza com
esperança a relação entre replicantes e humanos. Roy e Deckard rejeitam seus papéis
como instrumentos de violência, Roy poupa a vida de Deckard, e ele, por outro lado,
empatiza com os replicantes, decidindo não entregar a vida de Rachael, abandonando
seu cargo e fugindo com ela. Assim como em Metrópolis, a emoção humana acaba
por superar a frieza do capitalismo e da tecnologia.
Também pode ser identificada uma relação especial entre os replicantes e o
visual. Para os espectadores, os replicantes são identificados pelo brilho dos olhos. É
através da iluminação nos olhos dos replicantes – que possuem um brilho especial
alaranjado em certos momentos – que os espectadores os identificam no filme, algo
que já é indicado pelos olhos da coruja artificial de Tyrell no início da película (Figura
68).
No filme, muitas cenas são filmadas com primeiríssimos planos focando nos
olhos dos replicantes, seja para dar essa indicação visual ou para que os atores
possam usá-los para transmitir as emoções da cena. Além disso, para chegar até J.F.
Sebastian e, depois, a Eldon Tyrell, primeiro os replicantes vão atrás do homem
responsável pelos olhos dos replicantes.
Quando Roy Batty faz seu icônico discurso sobre as lágrimas na chuva, ele
faz um destaque especial para suas memórias visuais e espetáculos espaciais que
ele vivenciou. Os replicantes, especialmente Leon e Rachael, possuem um apego
especial às fotografias, já que elas são as chaves de seus passados e memórias
(implantadas).
134

Figura 68 – Os olhos dos replicantes

Fonte: Blade Runner, 1982

É a partir principalmente desse aspecto que eles formam laços uns com os
outros: uma das fotografias que Leon guardava era da replicante Zhora. Essas
fotografias, e a noção de um passado, também são algo que lhes dá a sensação de
possuírem humanidade. Juntamente a isso, o medo da morte e da finitude são
mostrados como traços dessa humanidade (KELLNER, RYAN, LEIBOWITZ, 1984, p
7). Após descobrir que não é possível reverter o processo que causa a morte dos
replicantes em quatro anos, Roy passa a agir de forma impulsiva e irracional. Primeiro
assassinando seu criador (Tyrell) e J.F. Sebastian, e depois ao descobrir o corpo de
Pris, é possível ver nele sentimentos humanos como amor, perda e raiva. A visão é
um dos aspectos que humaniza os androides do filme.
135

Figura 69 – O olho em Blade Runner

Fonte: Blade Runner, 1982

Não é coincidência que uma das primeiras imagens do filme é a de um olho


refletindo a cidade e todo seu esplendor luminoso (Figura 69). Blade Runner é,
portanto, uma obra onde o aspecto visual é expresso através do excesso e do
espetáculo.

6.3 ANÁLISE COMPARATIVA

Tendo sido feito uma análise tanto de Metrópolis quanto de Blade Runner,
pelo aspecto da matriz de excesso e do maneirismo, inicia-se neste subcapítulo uma
análise comparativa desses filmes.
Os dois filmes são, primariamente, espetáculos visuais. Complexas
construções de mise-en-scène que promovem uma experiência de espetáculo. Vale
lembrar que: “ambos são essencialmente filmes de estúdio” (SUPPIA, 2012, p. 4), que
só poderiam ser produzidos em um esquema industrial pois requerem a criação de
cenários reais, cenários miniaturizados, e sua junção com o aparato dos efeitos
especiais — elementos esses que requerem um custo alto de investimento ou uma
inovação tecnológica custosa — que ajudam a produzir uma realidade além do
possível pelo próprio real.
A partir das ideias de Baudrillard em seu livro Simulacros e Simulação (1991),
existem perspectivas interessantes pelo qual pode-se analisar a relação do real com
o cinema, principalmente a partir de uma perspectiva maneirista:

Simultaneamente a esta tentativa de coincidência absoluta com o real, o


cinema aproxima-se também de uma coincidência absoluta consigo próprio
136

— e isto não é contraditório: é mesmo a definição de hiper-real. Hipotipose e


especularidade. O cinema plagia-se, recopia-se, refaz os seus clássicos,
retroactiva os mitos originais, refaz o mudo mais perfeito que o mudo de
origem, etc.: tudo isto é lógico, o cinema está fascinado consigo próprio como
objeto perdido tal como está· (e nós) estamos fascinados pelo real como real
em dissipação. O cinema e o imaginário (romanesco, mítico, irrealidade
incluindo o uso delirante da sua própria técnica) tinham outrora uma relação
viva, dialéctica, plena, dramática. A relação que se estabelece hoje em dia
entre o cinema e o real é uma relação inversa, negativa: resulta da perda de
especificidade de um e de outro. Colagem a frio, promiscuidade cool, bodas
assexuadas de dois media frios que evoluem em linha assimptótica um em
direcção ao outro: o cinema tentando abolir-se no absoluto do real, real desde
há muito absorvido no hiper-real cinematográfico (ou televisionado).
(BAUDRILLARD, 1991, 64-65)

O maneirismo, assim como os estudos de Baudrillard, são de natureza pós-


moderna. Assim, o esforço maneirista, junto à natureza do cinema-espetáculo,
pressupõe uma deformação do próprio cinema, a produção de imagens novas e
espetaculares, que fazem com que se afaste cada vez mais do referencial do real,
produzindo-se uma hiper-realidade: “O cinema pode hoje colocar todo o seu talento,
toda a sua técnica ao serviço da reanimação daquilo que ele próprio contribuiu para
liquidar. Apenas ressuscita fantasmas e aí se perde ele próprio.” (BAUDRILLARD,
1991, p. 65).
Para Baudrillard, o cinema moderno então seria um cinema de fantasmas, um
cinema de imagens que retomam imagens, mas que perderam o referencial da
realidade: “A cada reprodução, há uma perda de definição do referente, que vai se
tornando mais e mais ‘espectral’. Cada cena é um lugar já visitado, um lugar
‘assombrado’” (CHEVRIE, 1985, p. 30). Entretanto, o que assombra o cinema
maneirista não é o real, “o real já não lhe diz respeito” (OLIVEIRA JR, 2014, p. 152),
e sim, o cinema clássico.
As imagens em Blade Runner são assombradas pelo cinema noir clássico,
mas também pelo inovador filme de ficção-científica que é Metrópolis. Se as imagens
criadas neste filme se tornaram muito referenciáveis, ao mesmo tempo que Ridley
Scott e a equipe do filme buscam recuperar esse passado cinematográfico também
precisam distorcê-los, ou então, promover uma nova experiência espetacular através
deles. Dessa forma, temos uma série de planos hiperdetalhistas e construídos através
da densidade visual excessiva citada anteriormente.
Muito já foi falado nesta monografia acerca da complexificação da estética
noir em Blade Runner. Sobre a relação entre Metrópolis e Blade Runner, deve se
destacar primariamente dois planos deste filme que foram criados por David Dryer,
137

um dos membros da equipe de efeitos especiais de Blade Runner, usando stills de


Metrópolis como referência (BUKATMAN, 1997, p. 61–63); planos utilizando-se de
miniaturas que lembram a Torre de Babel85, e outros edifícios de Metrópolis86 (Figura
70). Não existia referência futurista melhor para o que Ridley Scott queria atingir com
a cidade de Los Angeles. Por isso são reencenados esses momentos magistrais de
Metrópolis mas, como planos-tableau, adiciona-se uma série de camadas de
detalhismo excessivo no plano.

Figura 70 – Metrópolis e Blade Runner

Fonte: Blade Runner, 1982; Metrópolis, 1927

Outro plano que reencena os dispositivos de Metrópolis é aquele com o olho


do policial Holden, na sequência inicial de Blade Runner. Ele foi feito através do efeito
Schüfftan, desenvolvido em Metrópolis, utilizado um vidro espelhado que é montado
na câmera em um ângulo de 45 graus para rebater luz nos olhos do ator, como contam
o diretor Ridley Scott e o diretor de fotografia Jordan Cronenweth (SAMMON, 1996, p.
111).
Quando Metrópolis foi realizado, por exemplo, ainda existia um ineditismo de
imagens de robôs e cidades futuristas. Além disso, foi um filme responsável por
desenvolver e difundir uma série de técnicas cinematográficas — dois aspectos que
são intrinsecamente ligados um ao outro, já que essas técnicas só foram criadas ou

85 A Torre de Babel — cuja referência é mais explícita em Metrópolis — é outro desses


símbolos do passado que se configura em Blade Runner também: “A Los Angeles high tech é uma
referência bastante explícita à Babel mítica: a acirrada diversidade cultural, a incomunicabilidade, a
monumentalidade, o apogeu tecnológico, húbris e ruína” (SUPPIA, 2012, p. 9)
86 Essa comparação entre os dois filmes foi compilada em um vídeo pelo próprio David Dryer
em seu canal do youtube. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=MbzuQjzOGNk Acessp
em: 01 nov. 2022.
138

empreendidas para criar a atmosfera futurista que se desprende do real. Acerca de


Blade Runner:

A estética do cyberpunk foi quase definida em Blade Runner, embora tenham


sido antecedidos pelos quadrinhos da Heavy Metal. Eles tinham referências
em comum, incluindo a influência do autor de Andróides Sonham com
Ovelhas Elétricas. Blade Runner estimulou a redescoberta de Philip K. Dick -
talvez esse tenha sido seu efeito mais significativo. (BUKATMAN, 1997, p.
41)

Como visto no trecho acima, foi o filme que ditou o rumo do visual de ficção-
científica e, mais especificamente, cyberpunk, por anos. Sua estética pode ser vista
em uma série de produções da década de 1980, de 1990, e em produções recentes
como a sequência Blade Runner 2049 (2017, dir. Denis Villeneuve), a série Altered
Carbon (2018) ou o video-game Cyberpunk 2077 (2020). Dessa forma, é possível
dizer que os filmes acabaram sendo bem-sucedidos na criação de um imaginário
visual e estético, mais do que narrativo. Segundo o próprio Fritz Lang, a história de
Metropolis é ingênua, politicamente falando, e tem um caráter mais fabular:

O argumento central foi da sra. Von Harbou, mas sou ao menos 50%
responsável, porque rodei o filme. Não se pode fazer um filme socialmente
consciente dizendo que o mediador entre a mão e o cérebro é o coração -
quero dizer, esta é uma fábula, na verdade. Mas eu me interessava por
máquinas… (Editora Aleph, 2019)

Os filmes não se explicam constantemente. Se o aspecto narrativo não


necessariamente é o foco em ambos os filmes, o aspecto visual em ambos é muito
poderoso. Com um ideal tecnicista, minimizando o que não é imagético, Blade Runner
foca na visualidade para transmitir as informações; Metrópolis, como filme mudo, tem
na visualidade sua maneira de transmitir emoções, sensações, de forma que as
atuações e toda a plasticidade do filme são carregadas de excesso e exagero.
Nesse aspecto, as cidades se destacam como representações de metáforas,
simbolismos e outros aspectos importantes da narrativa, que ao invés de serem ditos,
são mostrados visualmente. Em ambos os filmes as cidades funcionam como um
sistema de comunicação e representação. Acerca disso:

Na cidade todos os edifícios, sem exclusão de nenhum, são representativos


e, com frequência, representam as malformações, as contradições, as
vergonhas da comunidade. É o caso das montanhas de refúgos
arquitetônicos que a especulação acumulou nas cidades [...] são arquiteturas
de uma infeliz realidade social e política. (ARGAN, 1998, p. 243)

Na visão de Argan, a arquitetura é sempre representativa de algo. Nestes


filmes, ela é representativa de um futuro distópico de extensa desigualdade social, do
139

avanço tecnológico, da catástrofe ambiental, da vigilância constante, da falta de


liberdade e da opressão. E como a arquitetura desses dois filmes passa essas ideias?
Primariamente, através do excesso, da hiperbolização das formas em contraste aos
indivíduos: “Nos projetos para o futuro [...] a cidade é concebida infinitamente grande;
mas ao infinitamente grande para a massa corresponde o infinitamente pequeno, o
mínimo para o indivíduo.” (ARGAN, 1998, p. 215).
Essas magníficas e gigantescas construções formam um gigantesco labirinto,
sem começo, sem meio e sem fim, que deixam insignificantes os humanos e seus
problemas. A concepção de cidade como sistema de comunicação é subvertida
quando esta comunicação é diluída em uma cacofonia de sensações: “A arte, que
produz objetos-que-têm-valor, é substituída por uma experiência estética, cuja
finalidade não pode ser outra que a criação de imagens-choque, de sinais, de notícias
— elementos urbanísticos" (ARGAN, 1998, p. 8).
Tanto partindo da concepção de Argan, quanto na interpretação de Suppia
(2012), pode-se empreender que os dois filmes criam cidades com uma abundância
de signos visuais e arquitetônicos que são capazes de docilizar a população e
minimizar a força das massas:

E o caráter labiríntico das cidades de ambos os filmes é também acirrado pela


poluição visual proveniente da abundância de signos arquitetônicos e de
massa. Tanto em Metropolis quanto em Blade Runner a publicidade se faz
presente em diversos espaços urbanos e, no filme de Scott, isso é ainda mais
acentuado. (SUPPIA, 2012, p. 6)

A cidade é tão gigantesca, os elementos visuais são tão numerosos, que se


perde qualquer referencial da realidade. Eis que se materializa a opressão na cidade
futurista, através do excesso: “A cidade que, no passado, era o lugar fechado e seguro
por antonomásia, o seio materno, torna-se o lugar de insegurança, da inevitável luta
pela sobrevivência, do medo, da angústia, do desespero” (ARGAN, 1998, p. 214).
Ambos os filmes mostram a realidade dos cidadãos como desesperadora. Em
Blade Runner, a cidade baixa é um local escuro e sujo, onde milhares lutam entre si
para sobreviver ou trabalham em condições insalubres. Seja no planeta Terra ou fora
dele, humanos e replicantes vivem na condição de escravos, como denuncia Roy
Batty. Já os trabalhadores de Metrópolis são confinados na cidade subterrânea,
trabalhando até a exaustão, enquadrados junto a formas que lembram grades de uma
prisão, nas cenas que se deslocam para o serviço se movimentam como prisioneiros
(Figura 71).
140

Figura 71 – Os trabalhadores em Metrópolis

Fonte: Metrópolis, 1927

De forma prática, a desigualdade nesses filmes é representada através da


verticalidade: uma cidade alta, dedicada aos super ricos, e uma cidade baixa para a
maioria das pessoas, os trabalhadores e os marginalizados. Nos projetos urbanistas
que planejam futuro — projetos esses que, como o Futurismo, inspiraram os dois
filmes — a cidade, segundo Argan (1998, p. 215): “precipita-se nas entranhas da terra
ou eleva-se a alturas vertiginosas, suspensa e como que trama no ar”.
Nas cidades verticais, o futuro é construído por cima do passado, literalmente.
A Los Angeles futurista e Metrópolis são projetadas por cima das antigas cidades, seja
cobrindo as construções com novas tecnologias e parafernálias — o retrofitting no
Bradbury — ou escondendo-as por baixos dessas novas estruturas — as catacumbas
e a Catedral. Assim, concentram-se nesses espaços uma discussão: o embate entre
arcaísmo e o desenvolvimento tecnológico (SUPPIA, 2012, p. 11), personificado no
conflito urbanista da conservação.
Acerca dessa perspectiva de projeto urbanista, Argan (1998, p. 227) define o
ato de projetar como conservar e transmitir: “Conserva o que tem valor [...] valor
estético ou valor histórico, ou um e outro juntos [...] Começamos por dizer que, quando
falamos de valor histórico e estético, não aludimos a dois valores, mas a um só”
(ARGAN. 1998, p. 227). Quando falamos desses dois valores, não só eles são
indissociáveis, quando muitas vezes significam a mesma coisa. Tomemos como
exemplo a cidade de Roma e seu monumento histórico mais famoso:
141

O Coliseu, por exemplo, é um lugar, um topos, e é um anel de muros com


características arquitetônicas determinantes. Do ponto de vista puramente
histórico, tem valor: a) pela história do cristianismo primitivo; b) pela história
social do império romano; c) pela história da arquitetura antiga. Do ponto de
vista estético, se é que ele pode ser separado do ponto de vista histórico, o
Coliseu não tem mais nenhum valor: ele está para o que foi sua forma artística
assim como o esqueleto de um animal está para o animal vivo. Entretanto, o
Coliseu não é apenas um elemento do valor ou do significado urbano de
Roma: foi seu símbolo, desde a Idade Média. Às vezes, para representar
Roma, tem se figurado apenas o Coliseu (ARGAN, 1998, p. 227-228)

A partir da conceituação apresentada no trecho acima, o Coliseu seria o


coração e alma de Roma, mesmo sendo apenas um “esqueleto” de sua antiga forma
arquitetônica. Assim, tanto a Catedral de Metrópolis, quanto o Bradbury Building em
Blade Runner seriam as almas soterradas das cidades. Portanto, a importância
desses espaços é inegável. Não é coincidência que seja no topo dessas duas
edificações do passado que se desenrole o clímax dos dois filmes (SUPPIA, 2012, p.
5) — a Catedral gótica, inclusive, é símbolo do ethos romântico do filme de Fritz Lang,
sendo responsável por revelar o mediador (ou coração) no momento mais crítico da
história da cidade.
Ambos os filmes apontam a tecnologia e o capitalismo como uma força de
criação e manutenção das desigualdades e da opressão, de apagamento do passado,
e disruptiva da ordem natural da sociedade e das cidades — Argan (1998) faz uma
crítica similar, colocando a especulação imobiliária como inimiga dos projetos
urbanísticos sérios.
Nesse processo se instaura uma contradição, quando os personagens com
uma conexão mais profunda com o passado são justamente aqueles que também são
responsáveis por criar os androides — Rotwang em Metrópolis, J.F. Sebastian em
Blade Runner. Ambos vivem em prédios antigos, são obcecados por objetos, rituais
arcaicos e pelo misticismo que não é condizente com a tecnologia. Dessa mesma
forma, os dois filmes constantemente referenciam formas e mitos do passado, seja
através da mise-en-scène, da arquitetura ou da narrativa, ao mesmo tempo que
projetam uma visão acerca do futuro.
Tanto Metrópolis, quanto Blade Runner, são filmes nostálgicos, feitos por
diretores obcecados com conceitos do passado, e que a partir dos temores do
presente — uma Alemanha quebrada moral e economicamente depois da Primeira
Guerra Mundial, e os Estados Unidos da América se tornando mais globalizado,
corporativista e conservador — produzem visões distópicas acerca do futuro. Ambos
142

os filmes expressam na mise-en-scène esse apego ao passado através de um impulso


maneirista, distorcendo as formas clássicas por meio do excesso.
143

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Concluindo as análises propostas nesta monografia, pode-se observar o


trajeto realizado até aqui com maior compreensão das etapas e objetivos que foram
contemplados durante toda a construção da argumentação proposta.
A monografia começou com um objetivo geral, que era analisar se o
maneirismo está presente nas obras Metrópolis e Blade Runner e, se sim, como ele
está expresso na mise-en-scène desses filmes.
Como foi apontado ao decorrer da revisão de literatura, o conceito de
maneirismo não é completamento concreto, mas utilizando-se da bibliografia
escolhida sobre o assunto, em especial Luiz Carlos Oliveira Jr, foi possível identificar
que ambos os filmes são maneiristas — se Blade Runner foi realizado em pleno
momento maneirista, como define Alain Bergala (1985), e esta associação é mais
clara, Metrópolis exigiu uma investigação mais profunda acerca do tema, de forma
que entende-se como o excesso está intrinsicamente ligado ao conceito de
maneirismo.
A partir disso, viu-se necessário uma pesquisa profunda acerca das matrizes
culturais do excesso. Traçou-se um dos objetivos específicos, que foi analisar os
conceitos e as definições de excesso, matriz de excesso, sensacional e espetáculo, e
como se manifestaram nas obras estudadas e nos seus respectivos movimentos;
contemplando suas possibilidades, aplicações, rupturas e contradições, buscando
entender como esses conceitos foram expressos nos filmes escolhidos.
Nesta parte, através da leitura de Anna Lúcia S. Enne (2007), identificou-se
estes conceitos desde os primórdios da ficção de gênero com a literatura gótica e o
horror até a conexão entre a imprensa sensacionalista e outras linguagens e mídias,
em que se forma um intricado jogo entre diversas expressões culturais onde o excesso
é a tônica principal. Entende-se por isso, um sistema onde essas matrizes culturais se
expressam através de uma linguagem de excesso, com um apelo sensorial ao corpo
humano.
A forma como opera a matriz de excesso pôde ser delineada com maior
precisão através da leitura de Linda Williams (1991) e sua definição sobre os body
genres, Noel Carroll (1999) e sua sistematização do horror como uma filosofia em A
Filosofia do Horror ou os Paradoxos do Coração, e os estudos de Scott Bukatman
(2006) acerca do cinema-espetáculo operando como um sistema próprio, nas bordas
144

do sistema narrativo. Identificou-se também como essas matrizes possuem


estratégias próprias para sensibilizar os sentidos do espectador/leitor, através da
leitura de Moral deslizante – Releituras da matriz melodramática em três movimentos
(2006) de Mariana Baltar.
Outro dos objetivos específicos foi realizar um panorama histórico por
movimentos artísticos e da ficção de gênero pertencentes à matriz cultural do excesso,
com enfoque mais específico na literatura fantástica, no decadentismo, no horror e no
romance policial. Isso pôde ser realizado através da estruturação proposta por Enne
(2007) ao analisar a imprensa sensacionalista no século XX e como essas estratégias
utilizadas se relacionam com as matrizes culturais em questão.
Nesse objetivo, no que tange o cinema, existe um destaque para o
Expressionismo Alemão, a ficção-científica e o cinema noir, devido às características
e gêneros dos filmes analisados. Partindo do pré-cinema, a partir os estudos do
cinema espetáculo de Bukatman (2006), analisou-se a tradição do excesso no cinema,
que incluí o cinema expressionista e o film noir.
Adentrando com profundidade os objetos de estudo da monografia foi possível
observar nos contextos históricos e nos movimentos artísticos em que estavam
inseridos, as formas como o maneirismo e o excesso se manifestavam. Através da
metodologia de análise cultural, estudou-se o contexto da República de Weimar e do
Expressionismo Alemão, no caso de Metrópolis — com a contribuição das obras de
Thomas Elsaesser (2000) e Fernando Mascarello (2006) — e o contexto do governo
Reagan, do cyberpunk e do neo-noir, no caso de Blade Runner — com significativa
contribuição de Kellner (2001) e Bukatman (1997).
No que diz respeito aos movimentos artísticos e a arquitetura, que se tornaram
partes importantes deste trabalho, a leitura de Arte moderna (2006) e História da arte
como história da cidade (1998) de Argan, ajudaram a traçar a presença do excesso
como presente através da sobrecarga na ornamentação, ou do retraimento da forma
arquitetônica funcionalista, porém colossal, das estruturas em ambos os filmes.
Por fim, em confluência o último objetivo específico desta monografia, foi
realizada a análise fílmica de planos e cenas dos filmes Metrópolis (1927) de Fritz
Lang e Blade Runner – O Caçador de Androides (1982) de Ridley Scott. Neste
momento, foi possível identificar como o excesso e o maneirismo se manifestavam
nessas obras.
145

Em Metrópolis, o excesso aparece em todas as partes da mise-en-scène: as


atuações expressivas, a montagem, a maquiagem, mas principalmente através do
décor. Se o lema do filme é pautado no retorno a um ideal romântico, ele é ilustrado
através da arquitetura de maneira mais expressiva. Assim, o gótico se destaca como
uma parte importante do filme de Lang, principalmente a Igreja, onde se desenrola o
clímax e conclusão do filme.
No filme de Ridley Scott, o maneirismo reencena a forma do cinema noir através
do prisma do cyberpunk, com a criação de planos carregados de detalhes e
informação. O maneirismo de Blade Runner também reencena a forma arquitetônica
proposta por Metrópolis no começo do século 20: a verticalidade, o conceito de cidade
alta e cidade baixa, o excesso transposto nas edificações e o apego a arquitetura do
passado — personificado na decadente figura do Bradbury Building.
Em uma análise comparativa, delineou-se características compartilhados entre
os filmes, como o caráter espetacular e a valorização do aspecto visual sobre o
narrativo. O excesso, transportado para as formas verticais e colossais das cidades,
remete ao passado mesmo quando discute o futuro — por isso, o desenlace de ambos
os filmes se desenvolve no terraço de edificações do passado.
Após todo o percurso da monografia, foi possível verificar os objetivos
específicos propostos na construção do embasamento e da argumentação dos
capítulos, e responde-se o problema de pesquisa, o objetivo geral, proposto na
monografia ao identificar como o maneirismo opera nos filmes que são os objetos de
estudo.
Conclui-se aqui, tendo os aspectos analisados em vista, que a monografia além
de propor um percurso interdisciplinar, conectando conhecimentos de cinema, arte,
literatura e arquitetura – esta última, uma adição vista como necessária durante a
análise, trazendo a descoberta de valiosas novas informações, ajudando a compor o
complexo quadro de conhecimentos que formam o percurso analítico do trabalho.
Outro aspecto importante a ser delineado foi a pesquisa histórica, parte
importante da monografia, que anuncia um caráter de preservação da memória do
cinema e da cultura. Só é devido aos profissionais de preservação e restauração, e
um pouco de sorte, que Metrópolis pode ser assistido nos dias de hoje de maneira
mais próxima do que foi idealizado pelo diretor Fritz Lang. A preservação da cultura
se torna algo cada vez mais importante agora, devido aos constantes ataques à
146

cultura em todo mundo, ao crescimento da censura e do descaso com a preservação


do passado.
Por fim, trata-se de um trabalho que não se restringe ao que foi discutido e
analisado nos capítulos. O tema abre uma diversidade de assuntos correlacionados e
diferentes abordagens que podem ser apreciados em outras formas de produção
acadêmica, como artigos e livros. A exemplo disso, a questão da representação
feminina nas narrativas de excesso, temática não abordada no corpo do trabalho, mas
que esteve sempre permeando as margens dos assuntos discutidos e das referências
escolhidas.
147

8 MEMORIAL INDIVIDUAL

O projeto monográfico Sobre choques futuristas: O maneirismo em Metrópolis


e Blade Runner é uma exploração da relação entre Blade Runner, Metrópolis e o
maneirismo. Através dos filmes supracitados, essa pesquisa buscou analisar uma
relação entre esses dois filmes através do prisma do maneirismo, um fenômeno onde
a linguagem cinematográfica se utiliza do exagero e da hiperestilização para
retrabalhar e repensar questões da forma. Portanto, procurou-se descobrir se esses
filmes podem ser considerados maneiristas, usando os conceitos de matriz de
excesso, espetáculo e sensacional para investigar essa pergunta. Revisitando o
cinema noir, o gênero de ficção-científica no cinema, mas também “invadindo” as
esferas da arte, da arquitetura, da literatura e de outros processos culturais para
cristalizar essa relação do maneirismo com os filmes esse projeto monográfico agrega
os conhecimentos de diversas áreas do conhecimento, além do cinema propriamente,
de forma a tornar essa pesquisa em uma de caráter multidisciplinar.
A monografia nasceu de um desejo de trazer uma contribuição acadêmica
científica para a área do cinema durante a graduação, de realizar uma produção
acadêmica sobre cinema, pensar o cinema, e produzir algum conhecimento nessa
área. Transmitir esse conhecimento de forma acessível e também democrática é um
dos objetivos deste trabalho. Com o passar da minha trajetória acadêmica, as
disciplinas que abordavam a história e a linguagem do cinema foram catalisadoras
para afunilar um dos eixos dessa monografia, que é estudar os chamados gêneros
fantásticos do cinema: terror, fantasia e ficção-científica. A escolha dos filmes é
extremamente pessoal, Blade Runner é um dos meus filmes favoritos, e assistir
Metrópolis foi uma das experiências cinematográficas mais impressionantes que eu já
tive. Ler os romances de ambos os filmes, em especial o livro de Phillip K. Dick,
também acentuou o desejo de falar de literatura que está expresso nesta monografia.
Essa monografia também tem um caráter de preservação da memória do
cinema e da cultura, dado o histórico dos filmes escolhidos como objeto de estudo.
Metrópolis, por exemplo, é um filme que teve cerca de um quarto de sua duração
perdido por um longo período após seu lançamento, devido a uma série de cortes
realizados para o seu lançamento em outros países, e também graças a uma recepção
mista na época. Nessa linha de pensamento, o projeto monográfico aborda também o
conflito entre produtores, diretores e estúdios pelo controle dos cortes dos filmes, das
148

versões que serão lançadas, assim como o paradoxo sobre o cinema de autor dentro
dos grandes estúdios. A partir disso é possível discutir sobre a questão do autor no
cinema, e sobre a preservação dessa visão em um ambiente altamente industrializado
e voltado para o mercado como o cinema de estúdios e Hollywood. É evidente também
como a preservação da cultura se torna algo cada vez mais importante no momento
atual, em tempos de extremismo religioso, político e social, e com a ascensão de
políticas públicas que visam sufocar a cultura, como a dissolução do Ministério da
Cultura, o bloqueio de editais, o veto de leis de incentivo à cultura, dentre outros.
Durante o processo de pesquisa e escrita para o oitavo semestre, muitas novas
perspectivas foram atreladas ao emaranhado de conhecimentos que já constituíam a
monografia. Através do orientador Prof. Lucas Procópio de Oliveira Tolotti, o trabalho
adquiriu uma nova dimensão: a inclusão da arquitetura e arte moderna como pontos
de interesse na análise dos filmes. Como os diferentes movimentos da arte moderna
integram a história em que os filmes estão inseridos, e quais os efeitos que esses
movimentos imprimem nessas obras, como as cidades são fundamentais e como a
arquitetura é expressa no décor em ambos os filmes. Nesses aspectos, Giulio Carlo
Argan foi um autor proposto pelo orientador que se tornou fundamental na monografia.
Ademais, as metodologias da análise cultural e fílmica que foram utilizadas na
monografia se tratam de atividades árduas e complexas, demandando muito tempo,
esforço e paciência para serem realizadas corretamente. Exigiram muita pesquisa,
uma decupagem extremamente detalhista dos filmes, e uma escrita que consiga
transmitir todas as informações e os resultados da análise de forma efetiva. Para isso,
a leitura de outros projetos monográficos ajudou a entender como utilizar e aplicar
essas metodologias de análise, dentre a qual a monografia A PAISAGEM DISTÓPICA
BRASILEIRA: Um estudo sobre a exposição da identidade nacional nos filmes Terra
em Transe e Bacurau (2020) foi a mais influente. Acerca da análise cultural, Kellner e
Elsaesser foram autores fundamentais no que tange a esfera social, econômica e
política que envolve os filmes, elucidando complexas trocas culturais entre diferentes
movimentos e as conexões desses com outros conceitos e autores, como a análise
de Kellner acerca de Baudrillard e cyberpunk.
Com a monografia finalizada, resta agradecer a todos que colaboraram com
o processo de realização dela: os coordenadores e professores do curso,
orientadores, meus amigos e família.
149

9 REFERÊNCIAS

9.1 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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9.3 FILMES, SÉRIES E JOGOS

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A HORA DO PESADELO. Direção de Wes Craven. New Line Cinema, 1984. DVD, 91
min.

AKIRA. Direção de Katsuhiro Otomo. TMS Entertainment, 1988. DVD, 124 min.

ALIEN, O OITAVO PASSAGEIRO. 20th Century Fox, 1979. DVD, 116 min.

ALTERED CARBON. Direção de Laeta Kalogridis. Skydance Television, 2018. Netflix,


60 min.

A MORTE CANSADA. Direção de Fritz Lang. Decla-Bioscop AG, 1921. DVD, 99 min.

A MÚMIA. Direção de Karl Freund. Universal Pictures, 1923. DVD, 79 min.

ANATOMIA DE UM CRIME. Direção de Otto Preminger. Carlyle Productions, 1959.


DVD, 160 min.

ASCENSOR PARA O CADAFALSO. Direção de Louis Malle. Lux Compagnie


Cinématographique de France, 1958. DVD, 91 min.

BACURAU. Direção de Kléber Mendonça Filho. CinemaScópio Produções, 2019. Blu-


Ray, 132 min.

BAIXEZA. Direção de Robert Siodmak. Universal Pictures, 1949. DVD, 88 min.

BLADE RUNNER, O CAÇADOR DE ANDROIDES. Direção de Ridley Scott. S.i.: The


Ladd Company, 1982. HBO Max, 117 min.

BLADE RUNNER 2049. Direção de Denis Villeneuve. Alcon Media Group, 2017. Blu-
Ray, 163 min.

CONAN, O BÁRBARO. Direção de John Milius. Dino De Laurentiis Corporation, 1982.


DVD, 129 min.

COWBOY BEBOP. Direção de Shinichirō Watanabe. Sunrise, 1998. Netflix, 30 min.


159

CREPÚSCULO DOS DEUSES. Direção de Billy Wilder. Paramount Pictures, 1950.


DVD, 110 min.

CYBERPUNK 2077. Direção de Adam Badowski. CD Projekt Red, 2022. Playstation


4.

DER GOLEM. Direção de Paul Wegener. PAGU, 1920. DVD, 86 min.

DR. MABUSE. Direção de Fritz Lang. Uco-Film GmbH, 1922. DVD, 154 min.

DRÁCULA. Direção de Tod Browning. Universal Pictures, 1931. DVD, 75 min.

DUBLÊ DE CORPO. Direção de Brian de Palma. Delphi II Productions, 1984. DVD,


114 min.

ENIGMA DE OUTRO MUNDO. Direção de John Carpenter. The Turman-Foster


Company, 1982. DVD, 109 min.

ESTRANHOS NO PARAÍSO. Direção de Jim Jarmusch. Cinesthesia Productions Inc,


1984. DVD, 89 min.

ET, O EXTRATERRESTRE. Direção de Steven Spielberg. Amblin Entertainment,


1982. DVD, 114 min.

FÉRIAS PERMANENTES. Direção de Jim Jarmusch. Cinesthesia, 1981. DVD, 75 min.

FUGA DE NOVA YORK. Direção de John Carpenter. AVCO Embassy Pictures, 1981.
DVD, 99 min.

FUGA PARA O PASSADO. Direção de Jacques Torneur. RKO Radio Pictures, 1947.
DVD, 97 min.

FUGA PARA O SÉCULO 23. Direção de Michael Anderson. Metro-Goldwyn-Mayer,


1976. DVD, 118 min.

FÚRIA. Direção de Fritz Lang. Metro-Goldwyn-Mayer, 1936. DVD, 92 min.

GHOST IN THE SHELL. Direção de Mamoru Oshii. Bandai Visual, 1995. DVD, 82 min.

HALLOWEEN. Direção de John Carpenter. Compass International Pictures, 1978.


DVD. 91 min

HOMEM MORTO. Direção de Jim Jarmusch. Miramax Films, 1995. DVD, 120 min.

INTOLERÂNCIA. Direção de D.W. Griffith. Triangle Distributing Corporation, 1918.


DVD, 197 min

LONGE DO PARAÍSO. Direção de Todd Haynes. TF1 Cinema, 2002. DVD, 107 min

JANELA INDISCRETA. Direção de Alfred Hitchcock. Patron Inc, 1954. DVD, 112 min.
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M, O VAMPIRO DE DUSSELDORF. Direção de Fritz Lang. Nero-Film A.G, 1931. DVD,


111 min.

MASSACRE DA SERRA ELÉTRICA. Direção de Tobe Hopper. Vortex, 1974. DVD, 83


min.

MATRIX. Direção de Lily Wachowski e Lana Wachowski. Warner Bros, 1999. Blu-Ray,
136 min.

MEDO CORRÓI A ALMA. Direção de Rainer Werner Fassbinder. Tango-Film, 1974.


DVD, 93 min.

METRÓPOLIS. Direção de Fritz Lang. UFA, 1927. Blu-Ray, 148 min.

MEU ÓDIO SERÁ TUA HERANÇA. Direção de Sam Peckinpah. Warner Bros.-Seven
Arts, 1969. DVD, 145 min.

NOITE DE TERROR. Direção de Bob Clark. Canadian Film Development Corporation,


1974. DVD, 98 min.

NOSFERATU. Direção de F.W. Murnau. Prana Film, 1922. DVD, 94 min.

O GABINETE DO DOUTOR CALIGARI. Direção de Robert Wiene. Decla-Film, 1920.


DVD, 74 min.

O QUINTO ELEMENTO. Direção de Luc Besson, Gaumont, 1997. DVD, 126 min.

OS ASSASSINOS. Direção de Robert Siodmak. Mark Hellinger Productions, 1946.


DVD, 103 min.

OS CORRUPTOS. Direção de Fritz Lang. Columbia Pictures, 1953. DVD, 90 min.

O ILUMINADO. Direção de Stanley Kubrick. The Producer Circle Company, 1980. Blu-
Ray, 144 min.

OS INTOCAVEIS. Direção de Brian De Palma. Paramount Pictures, 1987. DVD, 119


min.

O NASCIMENTO DE UMA NAÇÃO. Direção de D.W. Griffith. David W. Griffith Corp,


1915. DVD, 193 min.

OS NIBELUNGOS. Direção de Fritz Lang. Decla-Bioscop, 1924. DVD, 143 min.

PARIS, TEXAS. Direção de Wim Wenders, 1984. Road Movies, 1984. DVD, 147 min.

PRELÚDIO PARA MATAR. Direção de Dario Argento. Rizzoli Film, 1975. DVD, 126
min.

PROFISSÃO LADRÃO. Direção de Michael Mann. United Artists, 1981. DVD, 123 min.
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PSICOSE. Direção de Alfred Hitchcock. Shamley Productions, 1960. DVD, 109 min.

STAR TREK 2. Direção de Nicholas Meyer. Paramount Pictures, 1982. DVD, 113 min.

TERRA EM TRANSE. Direção de Glauber Rocha. Mapa Filmes, 1967. DVD, 106 min.

THX 1138. Direção de George Lucas. American Zoetrope, 1971. DVD, 86 min.

TRÁGICA OBSESSÃO. Direção de Brian de Palma. Yellowbird Productions, 1976.


DVD, 98 min.

TUBARÃO. Direção de Steven Spielberg. Zanuck/Brown Company, 1975. DVD, 124


min.

TUDO QUE O CÉU PERMITE. Direção de Douglas Sirk. Universal-International, 1955.


DVD, 89 min.

UM CORPO QUE CAI. Direção de Alfred Hitchcock. Alfred J. Hitchcock Productions,


1958. DVD, 128 min.

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