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E D I TO R I A L

O agronegócio tem sido, nos últimos anos, o sustentáculo e o gran-


de suporte da balança econômica do país. Ele gera cerca de 37% de em-
pregos no Brasil, movimentando quase 500 bilhões de reais, o equiva-
lente a um terço do PIB, além de ser responsável por 42% das nossas
exportações. Nesse contexto, as universidades e institutos de pesqui-
sa tiveram e têm papel fundamental, pois houve um grande aumento
de produtividade sem que houvesse praticamente aumento da área
plantada no país. Portanto, foram os avanços científicos e tecnológi-
cos que permitiram ao agronegócio atingir esse nível de excelência que
hoje vivenciamos.
A ESALQ teve um papel fundamental nesse processo, pois foi aqui que
se formaram 70% dos mestres e doutores em Ciências Agrárias do país.
O Brasil, com esse avanço científico e tecnológico, passou a ter inser-
ção internacional, facilitada pelos avanços recentes da genômica em
nosso país. Essa inserção internacional fez com que a comunicação ci-
entífica brasileira se intensificasse na língua predominante no mundo
da ciência, o inglês. Dessa forma, a revista científica da ESALQ, Scientia
Agricola, hoje reconhecida nacional e internacionalmente, passou a ser
publicada unicamente em inglês, a partir de 2003.
Portanto, num momento em que se populariza o agronegócio, atra-
vés dos diversos veículos de comunicação, torna-se necessária a cria-
ção de uma revista em português, de alto nível capaz de atingir os dife-
rentes segmentos da sociedade, incluindo técnicos, pesquisadores, do-
centes, agricultores, estudantes e demais interessados. Assim, com o
esforço de um grupo de professores da ESALQ e com o apoio da comu-
nidade esalqueana, criou-se esta Visão Agrícola, que inicialmente será
publicada duas vezes ao ano, reunindo assuntos atuais e de interesse
para as Ciências Agrárias. O conteúdo editorial proposto para a nossa
publicação, que se inicia tendo como tema a cadeia produtiva da cana-
de-açúcar, pretende que cada exemplar seja lido e preservado, origi-
nando uma coleção perene de abordagens que refletem o estado atual
da arte nos assuntos referidos.
Trata-se de uma iniciativa corajosa e compatível com nossa realida-
de atual. Esperamos que ela possa preencher a lacuna existente na nos-
sa instituição, de uma publicação em língua portuguesa com caráter téc-
nico, para atender a um público diferenciado. Parabéns a todos que tra-
balharam para a concretização do sonho que se torna realidade com o
lançamento deste primeiro número sobre a cana-de-açúcar, cultura de
tanta importância para a região de Piracicaba e para o Brasil.

José Roberto Postali Parra


Diretor da ESALQ

VISÃO AGRÍCOLA Nº 1 JAN | JUN 2004 1


EXPEDIENTE

R. ROSSETTO/APTA
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Reitor
Adolpho José Melfi
Vice-Reitor
Hélio Nogueira da Cruz
Pró-Reitor de Cultura e Extensão Universitária
Adilson Avansi de Abreu

ESCOLA SUPERIOR DE AGRICULTURA


“LUIZ DE QUEIROZ”
Diretor
José Roberto Postali Parra
Vice-Diretor
Raul Machado Neto
Prefeito do Campus “Luiz de Queiroz”
Marcos Vinicius Folegatti
Presidente da Comissão de Cultura e Extensão Universitária
José Otávio Brito

VISÃO AGRÍCOLA
Editor responsável
SEÇÕES
Luiz Gustavo Nussio
Conselho editorial
Ederaldo José Chiavegato
José Djair Vendramim
1 E D I TO R I A L
José Baldin Pinheiro
Luís Reynaldo Ferracciú Alleoni 4 FÓRUM
Marta Helena Fillet Spoto
Coordenador técnico (edição nº 1) Século XXI, o novo tempo da agroenergia renovável
Edgar Gomes Ferreira de Beauclair
Roberto Rodrigues
Apoio editorial
Luciana Joia de Lima
Colaboradores (edição nº 1) R E P O R TA G E M
Antonio Roberto Formaggio
Carlos Antonio Gamero 60 Modernizada, cultura da cana é líder em produção
Daniella Macedo
Edgar Gomes Ferreira de Beauclair
Jorge Horii
63 O açúcar brasileiro nas mesas do mundo
José Luiz Ioriatti Demattê
Márcia Azanha Ferraz Dias de Moraes 64 Transgênicas resistem à pior praga dos canaviais
Marco Lorenzzo Cunali Ripoli
Marcos Guimarães de Andrade Landell
Marcelo de Almeida Silva
66 Cinco séculos de ativa participação histórica
Mirian Rumenos Piedade Bacchi
Newton Macedo
Oscar Antonio Braunbeck
110 I N O VA Ç Õ E S T E C N O LÓ G I C A S
Paulo Sérgio Graziano Magalhães
Pedro Jacob Christoffoleti
Raffaella Rossetto
Ricardo Victória Filho
Roberto Rodrigues
Tomaz Caetano Cannavan Ripoli
Edição geral
Pyxis Editorial e Comunicação
Tels. (11) 3875-3434; 3875-7432
www.pyxisnet.com.br
Jornalista responsável:
Luís André do Prado (MTb 2212)
Reportagem central: Cristiano Tsonis
e André Larcher de Moraes
Revisão de textos: Francisca P. Evrard
Projeto gráfico e editoração eletrônica
Fonte Design
Tels. (11) 3081.5892; 3082.1944
www.fontedesign.com.br
Características da publicação
Número de páginas: 112
Tiragem: 7 mil exemplares
Impressão: Prol Gráfica
Foto capa: Vista de canavial em Sertãozinho, SP;
2001 (Sílvio Ferreira/Acervo Unica)
Agradecimentos
Arnaldo Machado Camargo Filho, José Carlos de Moura,
Marcio de Castro Silva Filho, Margarete Boteon,
Ruth S. Tarasantchi, Serviço de Produções Gráficas da REVISTA DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA
USP ESALQ, Sonia Carmela Falci Dechen e União da
Agroindústria Canavieira de São Paulo (Unica). uma publicação da USP ESALQ
USP ESALQ ISSN 1806-6402
Av. Pádua Dias, nº 11 CP9, Cep 13418.900
Piracicaba SP CNPJ 63.025.530/0025-81
PABX: (19) 3429.4100 fax: (19) 3429.4468 www.esalq.usp.br/visaoagricola
www.esalq.usp.br
diretor@esalq.usp.br visaoagricola@esalq.usp.br
TEMAS

S O LO S
8 Manejo e conservação de solos, na cultura da cana
José Luiz Ioriatti Demattê

M E L H O R A M E N TO G E N É T I CO
18 As estratégias de seleção da cana em desenvolvimento no Brasil
Marcos Guimarães de Andrade Landell e Marcelo de Almeida Silva

P R O D U Ç Ã O V E G E TA L
24 Planejamento e estimativa na produção de cana
Edgar Gomes Ferreira de Beauclair
28 Sensoriamento remoto: um olhar espacial sobre os canaviais
Antônio Roberto Formaggio
32 Manejo de plantas daninhas e produtividade da cana
Ricardo Victoria Filho e Pedro Jacob Christoffoleti
38 As pragas de maior incidência nos canaviais e seus controles
Newton Macedo e Daniella Macedo

A D U B O S E CO R R E T I V OS
48 Recuperação e manutenção da fertilidade dos solos
José Luiz Ioriatti Demattê

ENGENHARIA RURAL
68 Palhiço de cana, fonte de energia renovável
Marco Lorenzzo Cunali Ripoli, Tomaz Caetano Cannavan Ripoli e Carlos Antonio Gamero
72 Colheita sustentável, com aproveitamento integral da cana
Oscar Antonio Braunbeck e Paulo Sérgio Graziano Magalhães
79 Cultura é fonte sustentável de empregos
Oscar Antonio Braunbeck e Paulo Sérgio Graziano Magalhães

I M PAC TO A M B I E N TA L
80 A cultura da cana, da degradação à conservação
Raffaella Rossetto
86 O sistema de cultivo orgânico
Raffaella Rossetto

T E C N O LO G I A
88 A cana-de-açúcar como matéria-prima
Jorge Horii
91 A qualidade da matéria-prima, na visão industrial
Jorge Horii

AGRONEGÓCIO
94 A cadeia produtiva da cana, em mercado desregulamentado
Márcia Azanha Ferraz Dias de Moraes
100 A variabilidade dos preços do açúcar e do álcool em São Paulo
Mirian Rumenos Piedade Bacchi
FÓRUM

Século XXI,
o novo tempo da
agroenergia renovável
Roberto Rodrigues *

“Doce ou etílico,
o mel da cana brota,
sem abelhas...”
(autor desconhecido)

Ensacado, engarrafado, jorrado das A cada safra, tem-se a batalha do mer-


RAFAEL NEDDERMEYER/AE

bombas de etanol ou gasolina, matéria- cado “corrompido” pelas medidas prote-


prima da indústria de alimentos, com- cionistas dos países que, de forma gro-
bustível ou da indústria química, a cana- tesca, acusam o Brasil de “fazedor de bai-
de-açúcar é a fonte da, talvez, mais rica xo custo”. Assim, o que é doce e etílico,
cadeia produtiva que se tem desenhada. torna-se amargo e pesado, criando ci-
Das fábricas de arados às de moendas, ao clos viciosos, negativos e desestimula-
mesmo tempo, às formulações de insu- dores. Ou seja, as crises de superprodu-
mos agrícolas e fermentos, o consumidor ção ou de baixos preços são um tormen-
conversa nas cidades com vendedores to e um desencontro. É bem verdade que
de veículos movidos a álcool ou gasohol esse não é o único setor que sofre as
e abastece o seu em bombas verde-ama- conseqüências dos motivos citados. Nos
relas, de onde brota o combustível eta- últimos 50 anos, as commodities agríco-
O ministro da Agricultura Roberto
nol. O doce da cana escorre das bocas las tiveram perdas reais em seus preços
Rodrigues; Brasília, DF; 2004
das crianças e a sua energia arranca os de 2% ao ano! Claramente, em função de
sorrisos que movem o mundo. A cacha- excedentes originados pelas proteções
ça aquece o peito e aguça a graça. dos países ricos, com as terríveis conse-
No país tropical, do sol, da brisa e da qüências da baixa renda rural, do aban-
chuva torrencial, montou-se a maior e a dono do campo e das inchadas periferi-
melhor agroindústria de açúcar e de ál- as problemáticas das cidades.
cool do mundo. Uma agroindústria que Quais as opções ao Brasil e à cadeia
gera, em produto final, US$ 10 bilhões/ produtiva da cana? Além da boa briga
ano, com 1 milhão de empregos diretos e que o país realiza nos foros internacio-
seqüestro de 20% das emissões de carbo- nais, na luta pela queda ou redução dos
no que o setor de combustíveis fósseis mecanismos protecionistas, o caminho
emite no Brasil. O Brasil tem, nesse setor, do Brasil, graças à sua longa e positiva
o menor custo de produção do planeta, experiência com a produção e ao uso
mas, mesmo assim, ainda se descobre, em em larga escala do etanol, é a extensão,
cada nova área, resultados que mostram em nível global, da diversificação da
novas virtudes e maior potencial. agricultura. Os atuais excedentes da

4
SÍLVIO FERREIRA/UNICA

VISÃO AGRÍCOLA
Vista Nº 1
de canavial; Sertãozinho, JAN
SP;| novembro
JUN 2004 2001 5
FÓRUM

agricultura de alimentos, que trazem


transtornos, da China ao Paraguai, se
transformariam na agricultura energé-
tica, base da fantástica transformação
que ocorrerá no século XXI, em função
do interesse ambiental e do esgota-
mento do petróleo.
Há uma longa história que justifica
plenamente nosso foco. Desde Otto, na
Alemanha do século XVIII, descobriu-se
o famoso ciclo de combustão interna
para veículos. Encontrado o seu cami-
nho pelas mãos de Henry Ford, com a Quando desenhava o Modelo T no início da década de 1900, Henry Ford falou
produção em série dos famosos carros em “construir um veículo colocado à família que trabalha e que seja movido
Modelo T (veja quadro ao lado), o álcool por um combustível que poderia alavancar a economia rural”. Em 1930, mais
que os alimentava, no início do século de 2000 postos de combustíveis vendiam “gasohol” (com 6 a 12% de etanol).

XX, era, no entanto, de grãos. Ao mesmo


tempo, naquele mesmo país, outro so-
brenome de peso – Rockefeller – desco- TABELA 2 | POLÍTICAS DE MISTURA DO ÁLCOOL NA GASOLINA NO SÉCULO XX
bria no petróleo as possibilidades da ga- PAÍS ANO MISTURA USADA (ETANOL)
solina. Naquele momento, a sombra dos EUA 1920 20 a 25%
baixos preços do petróleo caiu sobre o França 1923 25% (excedentes agrícolas)
álcool combustível norte-americano, Itália 1926 30%
com o século XX se tornando um tempo Alemanha 1930 25%
de reinado do petróleo. É interessante Itália 1931 20%
comentar que, em uma série de países
Hungria 1929 20%
europeus, asiáticos e latinos, o mesmo
Argentina 1931 30%
ocorreu, entre 1920 e 1950.
Austrália 1930 15% a 35%
Ao se voltar para um período que vai
Áustria 1931 25%
do século XIX ao século XX, alguns as-
Brasil 1931 10% a 25%
pectos das políticas públicas daquela
época saltam aos olhos (Tabela 1). Letônia 1931 25%

Pode-se notar o estímulo ao etanol na Checoslováquia 1932 20%

Europa e nos EUA, no início do século Reino Unido 1932 10% + 15% benzeno + 75% gasolina
XX. Isso trouxe, provavelmente, inspira- Iugoslávia 1932 20%
ções para a terra do Brasil, graças à Fonte: O Petróleo, Daniel Yergin
cana-de-açúcar e ao sucesso conhecido
de sua destilação. E com carros, etanol
FIGURA 1 | CÍRCULO VIRTUOSO AGROINDUSTRIAL
e produção excedente, o Brasil passou a
usar o álcool em mistura com a gasolina,
desde a 2ª década do século XX. Mas foi

TABELA 1 | ETANOL PARA USO INDUSTRIAL LI-


VRE DE IMPOSTOS

ANO PAÍS
1855 Inglaterra
1865 Holanda
1872 França
1879 Alemanha
1906 EUA

6
FIGURA 2 | A COMPLEXA CADEIA AGROINDUSTRIAL DA CANA-DE-AÇÚCAR

isso uma criatividade só nossa? Não! vem se juntar as forças dos óleos vege- que se abrem aos combustíveis renová-
Basta ver a relação das políticas de mis- tais, da madeira, enfim, dos complexos veis, tanto no setor de bens de capital,
tura do álcool na gasolina, no início do agroindustriais todos. Esse “círculo virtu- como no dos produtores de etanol.
século XX (Tabela 2). oso”, a substituir o vicioso tão desgasta- E qual é o cenário em que acredita-
Ao final da década de 1930, todos, ex- do (Figura 1, na página anterior). O impor- mos? 1) O mercado internacional se abri-
ceto o Brasil, suspenderam o uso do eta- tante, no caso, é a ação conjunta e coor- rá, tanto para açúcar, como para o álco-
nol. Por quê? Três foram as principais denada de todos os atores que participam ol: é uma questão de tempo; 2) no cam-
causas: a instabilidade da oferta de eta- das cadeias produtivas. No caso da cana, po de atuação, para abreviar esse tem-
nol, os preços e a força do petróleo. Ou trata-se de uma estruturação complexa po ao menor possível, o governo federal
seja: não fosse a cana competitiva no (Figura 2). O modelo instalado no Minis- atuará de uma forma pró-ativa; 3) no
Brasil, talvez não houvesse hoje um mo- tério da Agricultura, Pecuária e Abasteci- mercado interno, o veículo flexível cres-
vimento mundial de tamanha intensida- mento é o da Câmara Setorial da Cadeia cerá em vendas e abrirá espaço de de-
de! Mas, o que se aprendeu nessa evo- Produtiva do Açúcar e do Álcool. manda, juntamente com o álcool anidro
lução? Quais os fatores principais que Na lógica do esquema mostrado nes- e outros usos, como matéria-prima para
movem os interesses na direção do eta- se artigo, a Câmara atua visando ao o biodiesel; 4) como ação institucional,
nol? É importante, aqui, lembrar o bri- constante suporte de todos os agentes vale ressaltar a criação do Pólo Nacional
lhantismo de Barbosa Lima Sobrinho na da cadeia produtiva. Trabalha focada de Biocombustíveis, com sede na USP/
criação de uma verdadeira lógica de nas questões-chave que movimentam o ESALQ, como base para uma atuação co-
agroindústria, quando da criação do “Es- setor: a) vantagem competitiva – fato- ordenada nesse campo. Enfim, se o sécu-
tatuto da Lavoura Canavieira” e do Insti- res; b) relações na produção; c) balanços lo XX foi caracterizado como o reinado
tuto do Açúcar e do Álcool (IAA), na dé- de oferta e demanda; c) infra-estrutura do petróleo, o século XXI será, sem dú-
cada de 1930. Foi o primeiro grande e logística; c) mercado externo – prote- vida, o reinado da agroenergia, renová-
exemplo de atuação de uma cadeia pro- ção/expansão. Ao governo, no processo, vel, ambientalmente limpa, geradora de
dutiva completa. cabe a função fundamental da coordena- empregos permanentes, de renda e de
Encarar a mudança, com a liderança ção e da implementação das políticas pú- riqueza para o Brasil.
que o Brasil quer imprimir, requer exem- blicas para o setor. Ao setor privado, bus-
* Roberto Rodrigues é Ministro da
plo próprio, pró-ativo. Assim, à cana de- car maior ação nos mercados externos Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

VISÃO AGRÍCOLA Nº 1 JAN | JUN 2004 7


S O LO S

Métodos

Manejo e conservação de solos,


na cultura da cana
José Luiz Ioriatti Demattê *

Entende-se como manejo de solo toda atividade aplicada ao sistema solo-planta, com
o intuito de aumentar a produtividade agrícola e provocando a menor degradação
ambiental possível. Todavia, as práticas de manejo dependem de níveis tecnológi-
cos resultantes de conhecimento e de investimento. Neste trabalho, será emprega-
do o nível mais elevado de manejo (intensivo), no qual há elevado emprego de capi-
tal e de tecnologia e a importância relativa do fator terra é menor. Nesse caso, a ca-
pacidade gerencial assume grande importância, tendo em vista o equilíbrio e a har-
monia no emprego de todos os fatores de produção (capital, terra e mão-de-obra).
Além do mais, agricultor nenhum irá se utilizar de práticas de manejo se a relação
custo/benefício lhe for desfavorável.

SÍLVIO FERREIRA/UNICA

8 Sulcação e adubação de plantio na Usina da Barra; Barra Bonita, SP; 2001


Apesar de o tema ser especificamen- Solos com gradiente textural – o que altera todo o regime hídrico do
te relacionado ao solo, para manejar Nesta categoria são incluídos os solos solo. Nas depressões, há formação dos
adequadamente uma área, são necessá- de textura contrastante entre a cama- podzóis hidromórficos, solos extre-
rios conhecimentos da cultura e do cli- da superficial (mais arenosa) e a de mamente arenosos.
ma. Como exemplo, pode-se considerar subsuperfície (mais argilosa); de dre-
que o plantio em solo arenoso, de baixa nagem moderada a lenta; de ocorrên- AMBIENTES DE PRODUÇÃO
reserva de umidade, em janeiro, em re- cia em relevo suave ondulado a ondu- Entende-se por “ambiente de produção”
gião de elevado déficit hídrico, irá pro- lado; de fertilidade variável; com mi- a junção de uma ou mais unidades de
duzir menos cana do que o plantio em neralogia caulinítica de baixa mapeamento de solo (ex: Latossolo
abril, nesse mesmo solo. Por outro lado, atividade (Tb) ou mineralogia 2:1, de Roxo, Latossolo Vermelho-Escuro, Terra
e especificamente em relação ao mane- alta atividade (Ta). São incluídos os Roxa Estruturada, Podzólico Vermelho-
jo dos solos, é necessário observar os fa- Podzólicos Vermelhos-Amarelos Tb Escuro, todos eutróficos) e variedade de
tores que influem no desenvolvimento (Argissolos Vermelhos-Amarelos), os cana, num dado estágio de desenvolvi-
radicular da planta. Em uma agricultura Podzólicos Vermelhos-Amarelos eu- mento, sob um determinado regime hí-
sem irrigação artificial, há uma correla- tróficos Ta (Luvissolo Crômico), os Po- drico (precipitação, distribuição de chu-
ção direta entre o desenvolvimento ra- dzólicos Vermelhos-Amarelos Ta álicos vas, déficit hídrico e outros), cujas capa-
dicular e a produtividade. Portanto, é (Alissolo Crômico). Os planossolos di- cidades de produção sejam semelhan-
imperativo que se faça uma avaliação ferem dos solos podzolizados Ta por tes. Portanto, o “ambiente de produção”
dos fatores limitantes que atuam no de- apresentarem um horizonte B plânico, nada mais é do que a interação entre
senvolvimento radicular, assim como a mais coeso do que o horizonte B textu- planta, solo e clima, associada ao mane-
escolha das melhores opções de mane- ral dos podzolizados e, por isso, ofere- jo agrícola, cujos resultados são utiliza-
jo, que possibilitem eliminar ou atenuar cerem maior dificuldade no manejo. dos para as indicações mais favoráveis
tais fatores. Solos arenosos profundos – Nes- dos clones e/ou variedades.
Em resumo, os principais solos cultiva- ta categoria, são incluídas as Areias O manejo pode ser aplicado a cada
dos com cana-de-açúcar, na região Cen- Quartzosas (Neossolos), sendo solos um dos três componentes, porém aque-
tro-Sul, são os seguintes (nomes entre pa- de textura arenosa a muito arenosa le com resposta mais imediata é o solo.
rênteses se referem à classificação atual): até 2 m de profundidade, de ocorrên- Assim, ao submeter um solo a um dado
Latossolos – Caracterizados por se- cia em relevo plano, bem drenados. nível de manejo, sua capacidade produ-
rem profundos, bem drenados; locali- Normalmente são álicas ou distróficas. tiva pode ser alterada para mais ou para
zados em relevo de plano a suave on- Solos argilosos de drenagem len- menos, dependendo da intensidade da
dulado, de mineralogia caulinítica e ta – São os Vertissolos, solos de mi- aplicação desses processos. Com isso, o
oxídica; ácricos ou não; de fertilidade neralogia 2:1, argila de alta atividade potencial de um solo, sob um determi-
variável, indo desde os eutróficos aos e geralmente eutróficos. Podem ter nado nível de manejo, pode ser deslo-
álicos; de textura muito argilosa a mé- concentração de sódio. cado para cima ou para baixo, enquan-
dio-arenosa. Aqui se incluem o Latos- Solos da região nordestina – Na to permanecerem as condições de ma-
solo Roxo (Latossolo Vermelho férrico, região Nordeste, há dominância dos nejo. Um exemplo seria a associação
teor de ferro maior que 18%); Latossolo Latossolos Vermelhos-Amarelos e dos latossolos com os solos podzoliza-
Vermelho-Escuro (teor de ferro menor Amarelos e dos solos podzolizados, dos, ambos de textura média-arenosa e
que 18%); Latossolo Vermelho-Amare- apresentando a mesma mineralogia álicos, pertencentes ao ambiente C.
lo e Latossolo Amarelo. da fração argila dos solos do Centro- Com o uso de vinhaça, a produtividade
Terra Roxa Estrutura (Nitossolo Sul, assim como a variação na fertili- pode ser aumentada, passando para
Vermelho férrico) e Podzólicos dade e na textura. Apresentam, entre- ambiente B.
Vermelhos-Escuros (Nitossolo tanto, algumas particularidades, a sa- Por outro lado, os solos argilosos de
Vermelho) – São solos vermelhos, ber: podem ser coesos (muito duros boa drenagem e de elevada fertilidade
semelhantes ao Latossolo Roxo em quando secos), o que pode dificultar o da região canavieira de São Paulo, se es-
cor, profundidade, textura e minera- manejo no período seco; há bloquea- tiverem enquadrados no ambiente C,
logia, porém, com presença de hori- mento de poros abaixo dos 30 a 40 cm, por exemplo, devem ter sido manejados
zonte B textural. Podem ser de fertili- o que pode ocasionar encharcamento de maneira incorreta. Esse grupo de so-
dade variável, indo desde os eutrófi- temporário; podem ocorrer forma- los deveria apresentar produtividade
cos aos álicos. ções especiais, como fragipã e duripã, compatível com o ambiente A.

VISÃO AGRÍCOLA Nº 1 JAN | JUN 2004 9


S O LO S

TABELA 1 | CLASSIFICAÇÃO DOS AMBIENTES DE PRODUÇÃO NA CULTURA DE CANA-DE-AÇÚCAR tio e de colheita; o sistema de preparo;
AMBIENTES DE PRODUÇÃO o tipo de traçado (se em nível ou reto); a
Ambiente Potencial de produção Produtividade (t/ha) cobertura do solo com outras culturas
A Muito alto > 95 ou com palha, e o tamanho dos talhões.
B Alto 90-95 As práticas de preparo de solo devem
C Médio/Alto 85-89
levar em consideração a atenuação ou a
eliminação dos fatores limitantes ao
D Médio 80-84
bom desenvolvimento da cultura, tais
E Baixo 70-79
como: as restrições ao desenvolvimen-
F Muito baixo < 70
to radicular, entre elas as físicas (com-
pactação, adensamento e encharcamen-
to), as químicas (baixo teor de nutrien-
tes em profundidade, elevado teor de Al
Com as unidades de mapeamento de- GRUPOS DE MANEJO DE SOLOS e Mn, sais de Na) e biológicas (nematói-
vidamente unificadas, assim como as Os grupos de manejo de solos são iden- des, cupim, Migdolus, Sphenophorus),
análises climáticas e de produção de cada tificados de acordo com uma série de ca- como infestação com ervas daninhas e a
região, pela média dos últimos quatro racterísticas comuns aos solos e que própria seqüência de erradicação das
cortes, podem-se sugerir os ambientes de permitem aplicar práticas de manejo se- socas. Quanto ao sistema de preparo a
produção relacionados na Tabela 1. melhantes. Tais agrupamentos se fazem ser utilizado, convencional, reduzido ou
O conhecimento das limitações de necessários devido ao grande número plantio direto, deverá ser feita uma ade-
cada local permite traçar estratégias de de unidades de mapeamento identifica- quada avaliação global do sistema . As-
aplicação de práticas agrícolas mais ade- das nos levantamento de solos, o que sim, por exemplo, em áreas com eleva-
quadas, maximizando o retorno econô- tende a dificultar em muito as opções de da infestação com Migdolus, o preparo,
mico. Tome-se, por exemplo, o plantio manejo. Entretanto, são necessários al- por ocasião das reformas, deve ser feito
de “cana de ano”. Para a produção de 1 t guns esclarecimentos a respeito desses no sistema convencional e no período
de cana-de-açúcar, a demanda por eva- grupos: seco, quando as larvas estão mais pró-
po-transpiração é de 10 a 12 mm de água. Procuram reunir unidades de mapea- ximas da superfície.
Assim, para a produção de 100 t de cana, mento de solos que, teoricamente, Da mesma maneira, uma área que ne-
são necessários, no mínimo, 1.000 a 1.200 responderiam às mesmas atividades cessita de recuperação química em pro-
mm de precipitação, descontadas as per- de manejo. fundidade (ou área de pastagem) deve-
das de água no sistema. A alocação vari- Apresentam dinamismo, podendo ser rá ser preparada no sistema convencio-
etal para “cana de ano” deve ser, obriga- reajustados ao longo dos anos agríco- nal, usando principalmente o arado,
toriamente, em “ambientes” de alta ca- las, através da experiência acumulada para possibilitar a incorporação profun-
pacidade de fornecimento/armaze- pela equipe técnica e do avanço da da dos corretivos e das sementes. O uso
namento de água – ou seja, acima de tecnologia. do subsolador é indicado para áreas em
1.000 mm por ano. Em tal caso, são indi- Podem conter subdivisões (subgrupos), que a recuperação química em profun-
cadas variedades de crescimento rápi- dependendo da atividade agrícola. didade já foi efetuada. Áreas devida-
do, sem possibilidade de florescimento, Distribuem-se em grupos, como: (1) mente recuperadas quimicamente e sem
e alocadas em solo de boa fertilidade. preparo dos solos; (2) época de plantio; maiores inconvenientes (como pragas
Por ocasião do planejamento agrícola (3) época de colheita; (4) fins de fertili- de solos, por exemplo) podem ser dire-
de plantio, a liberação das variedades dade; (5) alocação de variedades; (6) cionadas ao preparo reduzido ou ao
será feita de acordo com os ambientes de planejamento conservacionista etc. plantio direto.
produção e opções de manejo. Com base Portanto, o sistema de preparo a ser
nas “cartas de solos”, são produzidas as CONSERVAÇÃO E PREPARO escolhido será realizado após criteriosa
“cartas de ambientes de produção”, para A conservação do solo na cultura de avaliação das condições existentes.
o plantio e exploração da cultura. Tais cana-de-açúcar envolve diversos fato- Num sistema convencional de preparo,
cartas são compostas de um conjunto de res que devem ser devidamente analisa- o manejo envolve três fases: a primeira
mapas georeferenciados das fazendas, dos, antes de sua implantação, entre coincide com o período seco, que será
nos quais são destacadas a área e os so- eles: o tipo de solo, o tipo de corte (se utilizado para controle de ervas dani-
los que compõem cada ambiente. mecânico ou manual); a época de plan- nhas de difícil erradicação (como grama

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seda), o que poderá ser feito com a as- vamente a outras leguminosas, teores química da soqueira; plantio de soja na
sociação mecânica (grades no período esses que podem ser deduzidos da neces- entrelinha da soqueira; colheita da soja;
seco) e, posteriormente, química (glifo- sidade de adubação da cana. Além disso, sulcação e plantio da cana. Para o êxito
sato, no período úmido). Nesse período, seu uso pode proporcionar acréscimo de desse sistema de manejo, é necessário
é feita a instalação do sistema viário e produtividade à cana-de-açúcar (Cáceres que o solo tenha razoável fertilidade,
conservacionista, assim como a aplica- e Alcarde, 1995). assim como níveis não comprometedo-
ção de corretivos, tais como calcário e O plantio da crotalária é feito em ou- res de compactação.
gesso. Na segunda fase, quando se inici- tubro-novembro, após o preparo con-
am as chuvas, é feita a operação profun- vencional do solo, usando 20 a 25 kg/ha TERRAÇOS E TRAÇADO EM NÍVEL
da, ou seja, subsolagem (a 40-45 cm de de semente. A partir de fevereiro, o ma- Os tipos de terraços usados, assim como
profundidade) ou aração (profundidade nejo dessa leguminosa consiste em não as vantagens e as desvantagens, são as
mínima de 35 cm). Na terceira fase, é fei- incorporá-la ao solo, mas sim mantê-la seguintes:
ta a fosfatagem (se for o caso, em solo na superfície, usando rolo-faca, em caso Embutido: são considerados os mais
com menos de 10 ppm de P2O5) e gradea- de solo arenoso, ou apenas derrubando- resistentes, em relação à erosão, e mui-
ção de pré-plantio e plantio. a com o trator, por ocasião da sulcação, to usados, também, em áreas de corte
Após a segunda fase, não é recomen- em caso de solo argiloso. Tal procedi- mecanizado. Não permite o cruzamen-
dado o uso de gradeações pesadas, pois mento permite que o solo fique coberto to de máquinas e equipamentos.
o solo poderá se compactar novamente. por ocasião do plantio da cana, reduzin- Embutido invertido: usado em área
Se for o caso de brotação de remanes- do o processo erosivo e de compactação. declivosa, entre 8 e 12%, para o caso de
centes ou de ervas daninhas, deve-se Além disso, o sistema radicular pivotan- corte mecanizado, ou em maior decli-
usar o glifosato. Resultados prelimina- te dessa leguminosa age como descom- vidade em corte manual. Tem as se-
res sobre o preparo convencional de pactador do solo. Dentro desse contex- guintes vantagens: maior captação de
solo argiloso usando grade pesada, ara- to, tem sido usado, por algumas usinas, água; permite o corte mecanizado em
do e subsolador (Bellinaso, 1997) indica- o plantio direto da soja na soqueira de toda a sua área; facilita o carregamen-
ram maior produtividade com o uso de cana. O esquema tem sido o seguinte: li- to no corte manual, pois a carregadei-
arado e do subsolador, em relação à gra- beração da área para reforma; instala- ra trabalha dentro do canal do terra-
de pesada. Em casos em que “não há res- ção do sistema viário e conservacionis- ço e não nas costas, como no embuti-
trição física e química” ao desenvolvi- ta; aplicação dos corretivos; erradicação do convencional.
mento radicular e/ou problemas sérios
com ervas daninhas, assim como de pra-
gas de solo, pode-se optar pelo preparo
reduzido ou plantio direto. Havendo ne-
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cessidade de aplicação de calcário, nes-


ses dois casos pode-se aplicar 2/3 da
dose em área total e 1/3 dentro do sulco.
A associação de culturas secundárias
no sistema de preparo do solo (tais como
soja, amendoim, crotalária) é de funda-
mental importância no manejo. Além de
manter o solo coberto no período de mai-
or precipitação, reduzindo os perigos de
erosão, a cultura secundária permite ate-
nuação do custo de plantio, como no caso
da soja e do amendoim (redução de até
30%), assim o plantio em épocas inade-
quadas, como no caso da crotalária jun-
cea, em solos podzolizados arenosos.
Essa leguminosa pode extrair considerá-
vel quantidade de nutrientes comparati-
Terraço com retenção de água em área recém-plantada; Macatuba, SP; 1986

VISÃO AGRÍCOLA Nº 1 JAN | JUN 2004 11


S O LO S

Base larga: usado até a declividade de para solos de boa fertilidade, e de 15 a 20 Com o advento do corte de cana crua,
6%. Vantagens: permite o corte meca- ha, para solos de baixa fertilidade. Não em sulcação reta ou convencional, tem
nizado em toda a sua largura e o cruza- são aconselháveis sulcos muito longos, sido aplicado em muitas usinas o adubo
mento de máquinas e equipamentos. como de 800 a 900 m, pois podem favo- na superfície do solo, sem incorporação.
Desvantagem: terraço mais fraco do recer a compactação e dificultar os traba- Com chuvas, parte desse fertilizante
que o embutido. lhos de manutenção de máquinas e equi- pode ser removido do talhão (Tabela 2),
Canal: usado em solos com deficiência pamentos. O comprimento deve ficar na podendo contaminar o ambiente.
de drenagem. Desvantagem: maior faixa de 400 a 500 m, em solos argilosos, As perdas de nutrientes pela água das
risco de assoreamento, necessitando e 500 a 600 m, em solos arenosos. Porém, chuvas são consideráveis, tanto na apli-
de mais manutenção; perigo durante a sulcação deve ser contínua entre os ta- cação dos 500 kg/ha da fórmula NK, como
as operações noturnas, quando pode lhões, para permitir rendimento melhor na aplicação da vinhaça, como na Fazen-
provocar acidentes. das operações mecanizadas. da São Pedro (Tabela 2). Nesse caso, após
A sulcação em nível, associada ou não as três chuvas, houve perda de potássio,
a terraços, tem sido o sistema conserva- TRAÇADO PARA CORTE na faixa de 33,1 mg/l de K. Sendo assim, é
cionista mais comum usado pela maioria MECANIZADO preciso rever a questão da aplicação do
das usinas.A distância vertical (DV) mais Para uma grande eficiência no corte me- adubo sem incorporação, principalmen-
usual entre terraços tem sido de 5 m, ha- canizado, o sistema de traçado tem que te em sistema de sulcação reta. O plane-
vendo casos de distância menor, de 2,5 m, ser reto e longo (acima de 800 m). Num jamento da sulcação reta deve ser feito
como em certos solos podzolizados are- sistema como esse, a presença de terra- com muito critério e cuidado. O sistema
nosos. O tamanho de talhões é um dos ços é um empecilho, e muitos técnicos de traçado em nível, para os dois tipos de
fatores que envolve o sistema conserva- têm evitado a sua construção. A questão corte, ainda é o mais indicado e mais se-
cionista, sendo dependente de uma série que fica pendente é a seguinte: e a con- guro, apesar de reduzir a eficiência do
de parâmetros (entre eles a quantidade servação do solo, como fica? A sulcação corte mecanizado. Para o caso do corte
de cana a ser cortada no dia; o tipo de reta, sem muito critério, pode ocasionar mecanizado, a seqüência de traçado mais
solo; a declividade do terreno). Áreas in- sérios riscos de erosão, assim como ris- comum tem sido a seguinte: carreador
clinadas e argilosas apresentam maior cos para a área ambiental. É inevitável paralelo ao terraço 1 – terraço 1 em nível
quantidade de carreadores e, com isso, que, numa região tropical úmida, sujei- – carreador paralelo ao terraço 2 – ter-
menor tamanho de talhões. Em áreas de ta a chuvas intensas em curto período de raço 2 em nível. A alegação, neste caso, é
boa topografia, o tamanho médio dos ta- tempo, haja erosão, inclusive, num tra- a de que o carreador paralelo ao terraço
lhões é de aproximadamente 12 a 15 ha, çado em nível. auxilia as operações do corte mecaniza-
do. Nessa opção, haverá linhas mortas so-
mente de um lado do terraço e o EV (ter-
raço a terraço) será de 10 m. Haverá, en-
TABELA 2 | PERDAS DE NUTRIENTES PELA ÁGUA DAS CHUVAS, EM ÁREAS DE SOQUEIRAS, COM tretanto, perda de área.
ADUBO E VINHAÇA APLICADO NA SUPERFÍCIE
Outra opção mais segura em termos
NUTRIENTES CHUVA 8/10/1998 CHUVA 16/10 CHUVA 26/10 de erosão seria: carreador construído
25mm 4mm 18mm em nível – terraço em nível – carreador
Fazenda São Francisco (500 kg/ha 18-00-27) erguido em nível. Nesse esquema, há li-
N (mg/L) 1,4 0,4 0,1 nhas mortas dos dois lados e o EV tam-
K (mg/L) 2,5 1,2 1,8 bém será de 10 m. Continuará havendo
Ca (mg/L) 3,0 4,0 1,0 perda de área. Atualmente, em algumas
Mg (mg/L) 0,7 0,8 1,0 usinas, tem sido questionada a necessi-
Fazenda São Pedro (150 m3/ha vinhaça+245 kg/ha NH4NO3) dade do carreador paralelo ao terraço,
como no primeiro exemplo anterior,
22mm 53mm 23mm
para o auxílio nas operações do corte
N (mg/L) 1,4 0,4 0,12
mecanizado. Há casos de perdas de área
K (mg/L) 17,0 8,4 7,7
em carreadores acima de 7,5%. Sendo as-
Ca (mg/L) 16,0 12,0 4,0
sim, tais unidades têm eliminado esse
Mg (mg/L) 4,7 4,0 1,2
carreador, fazendo em sua posição a fi-
S (mg/L) 5,0 4,0 14,5
nalização da sulcação.
Fonte: Usina da Barra, safra 1998/1999

12
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ÉPOCA DO PLANTIO comendado deixar os solos arenosos e
CONSERVACIONISTA os podzolizados para o período final,
Dependendo do tipo de solo, a época de março e abril. No caso dos solos podzo-
plantio é de fundamental importância na lizados, o plantio em pleno período chu-
redução do processo erosivo. Assim é voso é arriscado, devido aos perigos de
que, das épocas tradicionais de plantio, erosão, assoreamento e encharcamento
como “cana de ano” ou “de ano e meio”, do sulco, enquanto, no final do período,
surge o plantio de maio a outubro (ou a intensidade e a quantidade de chuva é
plantio de outono/inverno) como uma menor, assim como os riscos de perdas.
das melhores opções de manejo para so- Quanto aos latossolos arenosos, é indi-
los com problemas de erosão, entre eles cado também o período final de plantio,
os solos podzolizados e latossolos areno- pois, sendo solos de baixa retenção de
sos, apesar de ser indicado para qualquer água, num plantio de janeiro, o déficit hí-
tipo de solo. Os inconvenientes da ero- drico irá coincidir com a cana já com col-
são, encharcamento de sulcos e assorea- mos, o que pode reduzir a produtivida-
mento de plantio deixam de ocorrer. de. Os solos de boa fertilidade, argilosos
Eventualmente, haverá necessidade de e bem drenados, devem ser plantados
irrigação, se o plantio for em solo argilo- durante o período chuvoso.
so. O uso da torta de filtro dentro do sul-
co de plantio é recomendado, principal- DESENVOLVIMENTO RADICULAR
mente para o período mais frio. Em ter- Dentre as restrições físicas ao desenvol-
mos estratégicos, plantam-se as canas vimento radicular, estão as relacionadas
nos solos arenosos até fins de agosto e, ao decréscimo da macroporosidade do
posteriormente, nos argilosos. Quanto às solo (entre elas a compactação, em seus
variedades, são sugeridas as precoces no mais diversos aspectos), o adensamen-
Sulcação em plantio intercalar; Rio das Pedras, SP; 1986
plantio de maio-junho, as médias até fins to no horizonte B textural, típico de so-
de agosto e, finalmente, as tardias. los podzolizados, com ou sem fragipã ou
Em relação à produtividade da cana, duripã, e os bloqueamentos de poros,
nesse período são necessários alguns es- caracterizado pelos solos do Nordeste, fundidade), cortando duas ruas de cana
clarecimentos relacionados ao valor do entre eles os podzolizados. Tanto a com- e avaliando visualmente o desenvolvi-
déficit hídrico e do período em que esse pactação como os adensamentos gené- mento radicular, assim como a profun-
déficit ocorre, durante o ciclo da cultu- ticos dos solos citados tendem a reduzir didade e o grau de compactação. Amos-
ra. De maneira geral, um déficit hídrico a produtividade. tras de anel volumétrico podem ser re-
no início do plantio tem menor efeito tiradas, para a determinação da densi-
negativo na produtividade que no meio DIAGNÓSTICO DA COMPACTAÇÃO dade do solo. Mediante as observações
ou na parte final de crescimento da cul- A avaliação do estado de compacta- de campo, é sugerido o sistema de pre-
tura. A produtividade de cana cortada ção do solo se faz necessária para otimi- paro do solo, assim como a profundida-
com 12 meses, com épocas de plantio de zar as operações agrícolas de preparo ou de de descompactação.
maio a novembro de 2000 e corte de de cultivo. Em relação aos penetrôme- Visando a ilustrar a queda de produ-
maio a novembro de 2001, na Usina da tros de impacto ou aos penetrógrafos, a tividade devido à compactação, a Co-
Barra-SP, tendeu a decrescer de maio vantagem se refere à rapidez de obten- persucar instalou um experimento em
(com 110 t/ha) a novembro (com 70 t/ha). ção dos resultados. A principal desvan- solo argiloso e induziu a compactação,
No caso do plantio de maio, o déficit hí- tagem se refere à necessidade de se ob- usando um caminhão de 27 t de peso to-
drico coincide com o estágio inicial da terem curvas de calibração entre o teor tal, trafegando na entrelinha, em solo
cultura, enquanto o déficit no plantio de de umidade do solo além do nível críti- seco e solo úmido (Tabela 3). A redução
novembro coincide com o terço final de co da compactação. Caso contrário, da produtividade foi verificada, à medi-
crescimento da cultura, o que tende a pode-se chegar a resultados irreais. Ou- da que se trafegou com o solo úmido. A
causar queda de produtividade. tra maneira mais segura de se avaliar a pior situação ocorreu com o tráfego so-
Por outro lado, num plantio de “cana compactação é a abertura de pequenas bre a linha da cana, com o solo úmido.
de ano e meio”, de janeiro a abril, é re- trincheiras (faixa de 60 a 70cm de pro- A perda de produtividade nesse caso,

VISÃO AGRÍCOLA Nº 1 JAN | JUN 2004 13


S O LO S

comparada com uma passada em solo nual. Nesse caso, os níveis da maioria dos ção, e as mais fortes, mais compactação.
seco, foi de 14 t/ha. Em cinco cortes, nutrientes concentrados na folha da Após o corte da cana, a área foi prepa-
esse valor pode subir a 70 t/ha, ou pra- planta, provenientes da área de corte rada somente com grade de 28”, e não se
ticamente perda de um corte no ciclo. manual, são geralmente maiores que da- fez preparo profundo na ocasião. A va-
queles das áreas de corte mecanizado. riabilidade espacial da camada 0-15 cm
ASPECTOS DA COMPACTAÇÃO Em relação à influência da compacta- indica pouca compactação, com tons
DO SOLO ção na redução da produtividade da cana mais claros de verde. Por outro lado, a
Um dos fatores limitantes para o aumen- e na infiltração da água em solo argiloso, camada intermediária é a mais compac-
to da produtividade da cana se refere à os valores são da ordem de 43% de redu- tada, enquanto que a terceira camada
compactação do solo, que altera uma sé- ção da produtividade, de um corte para indica menor compactação.
rie de características do solo, entre elas outro, e de 16,6% de redução na infiltra- Como a compactação não pode ser
a sensível redução da macroporosidade, ção (Bellinaso, 2000). A redução da infil- evitada, mas pode ser atenuada, é neces-
chegando a 42% na camada superficial, e tração da água no solo é um dos aspec- sário o conhecimento de alguns parâme-
58% na subsuperfície. A alteração na po- tos mais graves, além da perda de produ- tros que podem auxiliar nas tomadas de
rosidade reduz a quantidade de água dis- tividade da cana. Com a compactação do decisão, em relação ao manejo. Uma
ponível em mais de 100%, podendo redu- solo, praticamente 50% da água da chuva questão que deve ser considerada e es-
zir a produtividade em mais de 30% (Be- não penetra no solo, e essa umidade pode clarecida se refere ao nível suportável
llinaso, 2000). fazer falta no ciclo da cultura. da compactação, no qual a produtivida-
Essa alteração na porosidade tem re- de da cana seja satisfatória. Em relação
flexo direto em outras propriedades do VARIABILIDADE ESPACIAL DA a esse tópico, os trabalhos de Bellinaso
solo, reduzindo a velocidade de troca COMPACTAÇÃO (2000) têm apresentado alguns indícios,
gasosa entre o solo e a atmosfera, favo- De maneira geral, na cultura de cana, a relacionando a produtividade com os va-
recendo o encharcamento temporário, profundidade de compactação tem fica- lores da densidade limite, em solo argilo-
alterando a distribuição de umidade, re- do na faixa de 40-50 cm, como observa- so de baixa atividade (Tabela 4). Nota-se
duzindo a infiltração, alterando a absor- do em trincheiras. A manifestação da que, no valor da densidade, na faixa de
ção de nutrientes e, mais importante, compactação nos solos é irregular e va- até 1,35 g/cm3, a produtividade ainda é
restringindo o crescimento radicular.Em ria de acordo com a profundidade e as alta. Quando o valor da densidade do solo
solo compactado, a distribuição de umi- atividades sobre a superfície do solo. aumenta, a produtividade cai drastica-
dade é totalmente alterada. Trabalhando em área de reforma, em mente, chegando a 41,7% de queda.
A compactação interfere na quantida- solo argiloso da região de Araras, Cape- Com base nessas informações, foi de-
de de nutrientes absorvida pela planta. lli (2002) obteve a variabilidade espaci- senvolvida a Tabela 5, que indica os ní-
Como exemplo, em área com corte meca- al da compactação nas profundidades de veis de compactação, em função da den-
nizado, pode ocorrer maior compactação 0-15, 15-30 e 30-50, nas quais as cores sidade e do teor de argila.
do solo, em relação a área com corte ma- mais claras indicam menor compacta-
MANEJO PARA ATENUAR
COMPACTAÇÃO
As opções de manejo para atenuar os ní-
TABELA 3 | INFLUÊNCIA DA UMIDADE NA COMPACTAÇÃO E NA PRODUTIVIDADE DA CANA-DE-
veis de compactação passam por uma
AÇÚCAR, EM SOLO ARGILOSO
série de medidas preventivas, desde a li-
DENSIDADE UMIDADE PRODUTIVIDADE REDUÇÃO
beração das áreas para reforma, envol-
3
g/cm mm t/ha %
vendo as operações de preparo e plan-
1,32 0 105 0 tio, assim como as operações de safra e
1,34 14,3 103 3 de cultivo. Como foi visto anteriormen-
1,38 21,4 100 6 te, após o preparo profundo do solo e
1,42 32,1 90 15 antes do plantio, é necessário mantê-lo
Fonte: Bellinaso (2000) coberto com culturas secundárias, ou
mesmo com ervas daninhas. Previamen-
te ao plantio, deve-se proceder a grade-
ação leve de pré-plantio, se for o caso,

14
TABELA 4 | VARIAÇÕES DA PRODUTIVIDADE DA CANA-DE-AÇÚCAR, EM FUNÇÃO DO AUMENTO entrelinha da cana apresenta níveis de
DA DENSIDADE DO SOLO queda de produtividade diferentes, ha-
PRODUTIVIDADE DENSIDADE DO SOLO vendo redução de 2,1% na produtividade
t/ha Variação % g/cm3 Variação % de um corte para outro (usando equipa-
Máximo 102,68 29,7 Mínimo 1,26 16,6 mento de transbordo e trafegando na
Mínimo 72,15 Máximo 1,47 entrelinha da cana) e de 6% com tráfego
Máximo 126,26 41,7 Mínimo 1,27 15,0 na linha de cultivo da cana.
Mínimo 73,54 Máximo 1,46 Com caminhão, as quedas foram mais
Máximo 145,69 33,3 Mínimo 1,38 11,6
sensíveis: 6,7% quando trafegou na en-
trelinha e 11,5% na linha de cana, com um
Mínimo 97,13 Máximo 1,54
total de redução de 16% na produtivida-
Fonte: Bellinaso, 2000.
de, o correspondente a 20 t/ha de cana,
TABELA 5 | NÍVEIS DE COMPACTAÇÃO, EM FUNÇÃO DO TEOR DE ARGILA E DA DENSIDADE em um único corte. A umidade, assim
como o tipo de atividade sobre o solo,
TEOR DE ARGILA NÍVEIS DE COMPACTAÇÃO (DENSIDADE)
pode causar diferentes níveis de rebai-
Ausente Moderada Severa Muito severa
xamento, em relação à superfície do
% g/cm3
solo. O caminhão, trafegando em solo
Maior 60 1,00 1,20 1,40 1,70 ou >
úmido, poderá rebaixar a superfície do
35-60 1,10 1,30 1,50 1,70 ou >
solo em 20,6 cm (contra 18,5 cm em solo
25-34 1,30 1,40 1,50 1,70 ou >
seco), enquanto o transbordo dotado de
15-24 1,50 1,55 1,60 1,70 ou > Telleborg, em 13,2 cm (ou 11,6 cm em solo
Até 15 1,60 1,65 1,70 1,75 ou > seco).
A umidade altera sensivelmente o ní-
vel de compactação e, em conseqüência,
a produtividade. Simulando a precipita-
ção, Bellinaso (2000) observou queda,
na faixa de até 15% na produtividade,
quando comparou a retirada da cana no
talhão com o solo seco e com chuva de
ou usar glifosato. Durante e após o plan- Durante o período seco, deve-se tra- 32 mm. A densidade passou de 1,32 para
tio, é necessário levar-se em considera- balhar nos solos argilosos. Em regiões 1,42 g/cm3 e a produtividade decresceu
ção que operações com o solo úmido onde predominam 100% de solos argilo- de 105 para 90 t/ha (Tabela 3).
tendem a compactar. sos, deve-se trabalhar nos solos eutró- Como se verifica, o fator umidade do
O grande incremento da compactação ficos, durante o período seco, e nos ácri- solo é de fundamental importância no
se dá durante o primeiro corte. Nesse cos, no período úmido. Por outro lado, manejo da compactação. Por outro lado,
caso, todo cuidado é válido para preser- os equipamentos de colheita podem fa- é possível também atenuar a compacta-
var o preparo do solo; um tráfego leve zer a diferença nos níveis de compacta- ção, usando adequadamente a pressão
tende a reduzir a compactação. O impor- ção. Tanto o transbordo quanto a colhe- dos pneus. Em solo úmido com umidade
tante é preservar o solo da compactação dora de esteira compactam menos que na faixa de 11% a 22%, a densidade pode
pelo tempo mais longo possível, obser- os equipamentos com pneus. variar de 1,3 a 1,62 g/cm3, dependendo da
vando a umidade e reduzindo a pressão O uso de transbordo ou de caminhão pressão dos pneus, com a mesma densi-
de contato com o solo. Além dos cuida- na remoção da cana do talhão pode al- dade de carga.
dos relacionados ao trabalho sobre o terar sensivelmente os níveis de produ- A palha, em regiões onde a produtivi-
solo úmido, um planejamento adequado tividade. Bellinaso (2000) observou re- dade não é afetada, é uma excelente op-
de safra pode atenuar o problema da dução de produtividade no segundo ção para se atenuarem os efeitos maléfi-
compactação. No planejamento de sa- corte de 3,8% (comparado com o teste- cos da compactação. Além de agir como
fra, havendo possibilidade de se traba- munha, quando usou transbordo com amortecedor, mantém a umidade, favore-
lhar com diferentes texturas de solo, pneu de baixa pressão), e redução de cendo o desenvolvimento no solo de or-
deve-se iniciar e terminar a safra em 11,4%, quando usou caminhão com pneu ganismos que auxiliam na melhoria da in-
solo mais arenoso. convencional. O tráfego na linha ou na filtração da água e no desenvolvimento

VISÃO AGRÍCOLA Nº 1 JAN | JUN 2004 15


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Área erodida; Macatuba, SP; 1986

radicular. Após o corte da cana e a libe- TABELA 6 | PESO DE RAIZ E TONELAGEM DE CANA EM EXPERIMENTO COM TIPO DE SULCADOR
ração da área, pode-se proceder à opera- EM SOLO ARENOSO*

ção de cultivo, quando as condições de SULCADOR SULCADOR


umidade permitirem. Essa operação tem VARIED ADE
VARIEDADE
ADESS Convencional Subsolador Convencional Subsolador
diversos objetivos, entre eles nivelar o Peso raízes (0-65 cm) t cana/ha
terreno, dar condições para maior efici- (t/ha)
ência dos herbicidas, incorporar o adubo SP70-1143 7,7 9,8 126 143
quando necessário e, o mais importante, SP71-1406 6,7 7,0 117 189
aumentar a infiltração da água no solo. SP71-799 7,5 8,1 175 201
O cultivo durante o período seco não SP71-6163 6,5 8,2 173 202
é indicado, pois tende a eliminar a umi- *Plantio: abril 1984; 1º corte: julho 1985
dade remanescente do solo e reduzir a
produtividade. Em tais situações, suge-
re-se aguardar umidade – ainda a me- dade do solo. Em relação à colheita, e COMPACTAÇÃO EM SOLO
lhor opção – ou aplicar o adubo sobre levando-se em consideração que não se ARENOSO
a linha da cana, usando como fonte ni- consegue nível zero de compactação, Os solos arenosos podem ser compacta-
trogenada o nitrato ou sulfato de amô- deve-se insistir para que haja adequa- dos, em certas situações. Resultados a
nio. Finalmente, é necessário discipli- do controle de tráfego sobre os talhões. respeito de tipos de sulcadores para o
nar os operadores quanto a iniciarem Tal prática implica tentar, da melhor plantio indicaram queda de produtivida-
ou pararem as operações de plantio, de maneira possível, o tráfego na entreli- de, quando se compararam o sulcador
colheita e de cultivo, em função da umi- nha da cana. convencional com o sulcador subsola-

16
dor (Tabela 6), em solo arenoso, na re- adubo foi o melhor tratamento, quando vencional. Posteriormente, pode-se
gião de Quatá. A explicação para esse comparado com a testemunha. optar pelo plantio direto ou preparo
fato se deve à compactação nas laterais reduzido.
e fundo do sulco, ocasionada pelo sulca- OS SOLOS COESOS DO NORDESTE Na presença de camadas endurecidas
dor convencional. A maioria dos solos da região Nordeste próximas à superfície, a subsolagem
é originada de material da “formação profunda pode auxiliar a melhorar a
RECUPERAÇÃO DE ÁREAS Barreiras”. Independentemente de sua infiltração. Em casos extremos, é ne-
ERODIDAS formação – se Latossolos, solos podzo- cessária a drenagem.
Um dos grandes desafios, na área de ma- lizados ou Cambissolos – têm caracterís- Devido à extrema coesão no período
nejo de solos, refere-se à recuperação ticas especiais: são, quando secos, extre- seco, não se recomenda o cultivo. Nes-
de solos erodidos, principalmente por mamente duros (coesos) e friáveis, se caso, a aplicação de adubo deve ser
erosão laminar. Dependendo do grau de quando úmidos, além de serem, na mai- feita sobre a linha de cana.
erosão e do tipo de solo, a recuperação oria dos casos, distróficos ou mesmo áli- Uma alternativa para se evitar o estres-
pode ser feita rapidamente (dois a três cos, sob mata. Devido à falta de Ca e Mg, se de seca no plantio de inverno é ro-
anos). Em situações em que a erosão a fração argila é facilmente dispersa em çar a cana entre novembro e dezembro.
atingiu as camadas mais profundas do água, com as seguintes conseqüências: O plantio de verão (setembro a janei-
solo, o tempo de recuperação pode ser aumento da erosão; translocação da ar- ro), associado com irrigação, tem
maior. De maneira geral, uma erosão la- gila em profundidade, entupindo parci- sido excelente opção de manejo para
minar da mesma intensidade, num solo al ou totalmente os poros e causando re- esses solos. Cuidados devem ser to-
com baixo gradiente textural, é mais fá- dução na infiltração; encharcamento mados para que essa atividade não
cil de recuperar do que num solo podzo- temporário no sulco de plantio, mortan- aumente as pragas do solo, assim
lizado, com exposição do horizonte B. Da dade de raízes e aumento na densidade; como a compactação, em caso de ir-
mesma maneira, um solo eutrófico é alteração da estrutura, quando os solos rigação suplementar para aumento
mais fácil de ser recuperado do que um são mobilizados com umidade. Sendo da produtividade.
solo de baixa fertilidade. assim, pode-se considerar que tais solos
Com o objetivo de estudar tal aspecto, são coesos, densos e, por isso mesmo, * José Luiz Ioriatti Demattê é professor
foi simulada erosão laminar, através de especiais. A presença de camadas den- aposentado do Departamento de Solos e
Nutrição de Plantas USP/ESALQ,
raspagens em solo podzolizado arenoso, sas em profundidade variável, tais como (jlid@terra.com.br).
na região de Quatá- SP. A área foi raspa- fragipã e duripã, pode dificultar em mui-
da em 15 e 30 cm e, nesses patamares, fo- to seu manejo. As principais opções de
ram instalados tratamentos para recupe- manejo são:
ração da fertilidade e produtividade, em A sulcação nos tabuleiros pode ser
comparação com a área sem raspagem reta, desde que sejam tomados cuida- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
(testemunha). Foi plantada cana-de-açú- dos, em relação aos abusos na decli- BELLINASO, I. F. Compactação do solo. In: SEMI-
NÁRIO DE TECNOLOGIA AGRONÔMICA, 8.
car em 1996, e colhidos três cortes. Os tra- vidade do sulco.
Anais... Piracicaba: Copersucar, 2000.
tamentos constaram de adubação nor- Introdução de eletrólitos, o que pode
BELLINASO, I. F. A compactação e o preparo do
mal de plantio (40-130-130 kg/ha de ser feito com o uso do calcário. Nesse solo para o plantio da cana-de-açucar. In:
N-P2O5-K2O) e de soqueira (90-0-120 kg/ caso, Ca e Mg tendem a flocular as ar- SEMINÁRIO DE TECNOLOGIA AGRONÔMICA,
ha de N-K2O), assim como do uso de 8, 16 gilas, mantendo-as mais estáveis. 7. Piracicaba: Copersucar, 1997.
e 24 t/ha de torta de filtro, aplicadas no Uso do gesso como alternativa para CÁCERES, N. T.; ALCARDE, J. C. Adubação verde
com leguminosas em rotação com cana-de-
sulco e em área total, e subparcelas com melhorar a infiltração nesses solos co-
açúcar. STAB, Açúcar, Álcool e Subprodutos,
e sem nematicida (Furadan, 8 l/ha). Todos esos. Trabalhos têm indicado (Sum- v. 13.
os tratamentos receberam adubações mer, 1992) que o uso do gesso, em so- CAPPELLI, F. Compactação do solo. In: SEMINÁ-
normais de plantio e de soqueira. Os re- los coesos e com bloqueamento de RIO DE MECANIZAÇÃO AGRÍCOLA. Perda de
sultados indicaram que, após os três cor- poros em profundidade, melhora sen- Produtividade. Ribeirão Preto: STAB, 2002.

tes, a produtividade das áreas raspadas sivelmente a infiltração. COPERSUCAR. Potencial de compactação do
solo. Piracicaba: 1995.(Informe Agrícola, 37).
não atingiu os valores de produtividade Recuperação química, tanto na su-
SUMMER, M.E. Uso atual do gesso no mundo em
da testemunha sem raspagem, apesar de perfície como na subsuperfície, se faz
solos ácidos. In: SEMINÁRIO SOBRE USO DO
todos os esforços feitos. Por outro lado, necessária, associada ao uso de cul- GESSO NA AGRICULTURA, 2. Uberaba, MG,
a ação da matéria orgânica associada ao turas secundárias e ao preparo con- Ibratos/Potatos, 1992.

VISÃO AGRÍCOLA Nº 1 JAN | JUN 2004 17


M E L H O R A M E N TO G E N É T I CO

Procedimentos

As estratégias de seleção da cana


em desenvolvimento no Brasil
Marcos Guimarães de Andrade Landell e Marcelo de Almeida Silva *

A história da cana-de-açúcar, ao longo centros de origem, destinada, princi- fibra e caldo mais açucarado. Em 1493,
dos últimos sete séculos, está associa- palmente, à alimentação e/ou orna- supostamente, Cristóvão Colombo, in-
da principalmente à produção do açú- mentação. Naquele período, os nativos troduziu no “Novo Mundo” a variedade
car. No entanto, desde tempos remotos, asiáticos propagavam as formas de Sac- Crioula, resultado de uma hibridação
há registros da propagação vegetativa charum que apresentassem cores mais natural entre Saccharum officinarum
desse vegetal, inicialmente em seus atraentes, associadas ao baixo teor de e Saccharum barberi (Bremer, 1932).

SÍLVIO FERREIRA/UNICA

Ponteiros da cana-de-açúcar; Pontal, SP; 2001

18
Durante aproximadamente 250 anos, de-açúcar inicia-se com a obtenção de Na cana-de-açúcar, o genótipo de cada
manteve-se em cultivo, sendo substituí- populações com ampla variabilidade ge- planta pode ser transmitido integralmen-
da, posteriormente, por formas de cana nética. Para a obtenção dessa variabili- te através das gerações, e multiplicados
“nobre” (Saccharum officinarum), as- dade, utiliza-se o processo de hibrida- via clonagem, através dos colmos (Bres-
sim conhecida devido às suas qualidades ção, para geração de populações segre- siani, 2001). Dessa forma, a nova varieda-
distinguidas. gantes. Isso pode ser obtido, convenci- de de cana estará disponível na popula-
Como vemos, é bastante antiga a bus- onalmente, pelos seguintes tipos de hi- ção na primeira fase de seleção (veja Ta-
ca por formas “varietais” que apresen- bridações: a) cruzamentos biparentais: bela 1), ou seja, teoricamente, se tivésse-
tem maior teor de sacarose, destacan- cruzamento simples utilizando-se dois mos instrumentos de discernimento efi-
do-se, nessa contribuição, a espécie parentais conhecidos; b) policruzamen- cazes, a variedade seria obtida logo após
Saccharum officinarum que, até o iní- tos: quando é utilizado um grupo de pa- o processo de hibridação. No entanto,
cio do século XX, era responsável por rentais selecionados, que é intercruza- isso é normalmente atingido após dez
grande parte da matéria-prima mundi- do. Nesse caso, conhece-se somente o anos de avaliações contínuas. Nesse pe-
al, através de variedades como a Bour- parental feminino, pois dele serão cole- ríodo, amplia-se a área experimental, as
bon. À doença do sereh e, posterior- tadas as panículas fecundadas por diver- observações são repetidas em diferentes
mente, ao mosaico e à gomose, pode ser sos machos. No Brasil, a atividade de hi- condições edafoclimáticas e distintos
creditada a grande importância que as- bridação tem sido desenvolvida em áre- anos e, assim, os melhores materiais se
sumiu a técnica do melhoramento ge- as litorâneas da Bahia e Alagoas, que ofe- distinguem. O eficaz progresso genético
nético, a partir de 1880. Inicialmente, recem condições climáticas bastante fa- decorre da habilidade do “melhorista” em
objetivou-se a resistência às principais voráveis ao florescimento e à viabilidade conduzir eficientemente todas as etapas
doenças conhecidas, utilizando-se dos grãos de pólen. Muitos programas de desse longo processo, desde o planeja-
como “ferramenta” o cruzamento inte- melhoramento de cana no mundo utili- mento da hibridação, até os ensaios de
respecífico, envolvendo Saccharum zam-se de “casa de fotoperíodo”, ou seja, competição em diferentes locais e épocas
officinarum, S. spontaneum, S. barbe- aplicam condições artificiais para induzir de colheita, passando por etapas de sele-
ri e S. sinense. A exploração dessas ou- o florescimento da cana. ção, em que o componente tácito é bas-
tras espécies proporcionou uma signi- O planejamento dos cruzamentos é re- tante exercitado. Diversos trabalhos des-
ficativa alteração no ideótipo varietal. alizado adotando-se como critérios prin- tacam a base comum na árvore genealó-
Plantas, antes sem capacidade de per- cipais: grau de endogamia entre paren- gica dos principais programas de melho-
filhamento, passaram a apresentar, a tais; teor de açúcar; produtividade agrí- ramento de cana do mundo (Tai; Miller,
partir de então, não apenas tal caracte- cola; resistência às principais doenças 1978; Pommer; Bastos, 1984; Pires, 1993).
rística, como também grande habilidade (carvão, mosaico, ferrugem, amarelinho Esse estreitamento da base genética é
de brotação após o seu corte. Colmos e escaldadura); capacidade de brotação um aspecto crítico em relação à endoga-
que apresentavam diâmetro excessivo e da soqueira; e hábito ereto de crescimen- mia, afetando a variabilidade genética
baixíssimo teor de fibra agora eram de to da touceira dos genitores. O grau de su- das populações. Na prática, porém, o
média grossura, com valores médios/al- cesso nessa etapa correlaciona-se com a que ocorre é a constatação de variabili-
tos de fibra (Edgerton, 1955). Desde o ad- qualidade da coleção de genótipos man- dade em níveis que ensejam uma seleção
vento de hibridações manipuladas, o tida para o fim de hibridação. Ela deve re- satisfatória e ganhos genéticos significa-
perfil “varietal” se distinguiu, oferecen- ceber, de maneira contínua, germoplas- tivos, principalmente para o caráter
do à indústria uma nova concepção de ma de diversas origens e, principalmen- “produção agrícola”. O fato de a cana-
matéria-prima. Os programas de melho- te, conter uma estratégia para incorpora- de-açúcar ser multiplicada via propaga-
ramento genético da cana conduzidos ção de indivíduos oriundos do processo ção vegetativa perpetua formas que po-
em dezenas de países têm sido respon- de seleção recorrente, que tem como dem apresentar alto grau de heterose.
sáveis por essa mudança essencial, principal objetivo alterar a média popu- Os componentes de produção determi-
usando para tanto estratégias de hibri- lacional dos caracteres, no sentido de nantes para o potencial agrícola são: a)
dação e seleção diferenciadas. São eles uma melhor adequação aos interesses altura de colmo (h); b) número de perfi-
que, atentos às novas demandas, se lan- agrícolas (Vencovsky; Barriga, 1992). O lhos (C); c) diâmetro de colmos (d). Con-
çam ao exercício de construir os cenári- conhecimento da herdabilidade dos ca- siderando a densidade do colmo igual a
os de médio e longo prazo, equivalentes racteres de maior importância econômi- um, o valor de tonelada de cana/ha pode
ao seu ciclo de produção tecnológica. ca também tem um grau de grande impor- ser estimada pela fórmula: TCH =
O melhoramento genético da cana- tância na eficácia do processo seletivo. (0,007854 x d2 x h x C)/E (Figura 1).

VISÃO AGRÍCOLA Nº 1 JAN | JUN 2004 19


M E L H O R A M E N TO G E N É T I CO

FIGURA 1 | COMPONENTES DE PRODUÇÃO EM CANA-DE-AÇÚCAR E O CÁLCULO DO TCH avaliação são: Piracicaba, Ribeirão Pre-
VOLUMÉTRICO
to, Jaú, Mococa, Pindorama, Assis e Ada-
mantina, no Estado de São Paulo; e Goi-
anésia, no Estado de Goiás (Figura 2).
Na Tabela 1, são apresentadas todas as
fases de seleção que integram o progra-
ma de melhoramento desenvolvido pelo
IAC. Para avaliação das fases descritas,
as características serão quantificadas
pelas escalas conceituais apresentadas
na Tabela 2. Essa escala conceitual é
aplicada, principalmente, nas fases ini-
SELEÇÃO, FASES INICIAIS ciais de seleção, com intuito de aprimo-
Para exemplificar o processo de seleção, Unidade de Pesquisa e Desenvolvimento rar a percepção tácita do “melhorista”.
estaremos nos reportando ao que é exe- de Jaú/APTA. Posteriormente, os seedlin- A escala de conceito 1 é utilizada para
cutado no programa de melhoramento gs produzidos serão distribuídos em oito características como: altura, perfilha-
de cana do Instituto Agronômico de regiões, com características edafoclimá- mento, diâmetro de colmo, germinação
Campinas (IAC). Após a obtenção das se- ticas distintas, abrangendo algumas das e brotação de soqueiras. A escala 2 pres-
mentes, elas serão germinadas no Núcleo mais importantes áreas canavieiras do ta-se para avaliações fitopatológicas,
de Produção de Seedlings instalado na Centro-Sul do Brasil. Esses pontos de principalmente relacionadas à ferrugem

TABELA 1 | CRONOGRAMA DAS FASES DE SELEÇÃO NO PROGRAMA DE MELHORAMENTO DE CANA IAC

FASES PLANTIO(MÊS/ANO) SELEÇÃO E COLHEITA(MÊS/ANO) TIPO DE AVALIAÇÃO


Hibridação realizada em maio/Ano 0. A germinação das sementes em agosto/Ano 0.
FS1 t Seedlings nov./Ano 0 jun./Ano 1 • Levantamento de doenças nas progênies
planta individual, com as mar./Ano 2 em cana-planta de FS1 aspecto fitossanitário
touceiras espaçadas 0,50 m • Seleção fenotípica em soca de FS1 através da
na linha e 1,50 m na avaliação de diâmetro de colmo, altura, perfilhos,
entrelinha Brix refratométrico e aspecto fitossanitário
FS2 t Clones mar./Ano 2 dez./Ano 2 • Seleção fenotípica
duas linhas de mar./Ano 3 • Seleção fenotípica e quantificação biométrica
3 m, abr., maio e ago./Ano 3 para plantio de FS3
espaçadas em 1,50m jun.-ago./ Ano3 • Análise tecnológica; avaliação de outros
nas entrelinhas jun.-ago./ Ano3 caracteres (florescimento, isoporização e
mar./ Ano4 hábito de touceira, etc); seleção na soca de FS2
FS3 t Clones mar./Ano 4 fev./Ano 5 Escolha de clones para serem estudados em ensaios
oito linhas de 5 m, regionais, com base nas informações simultâneas
espaçadas em dos campos FS2 e FS3
1,50m nas entrelinhas
Ensaios regionais mar./Ano 5 1ocorte = Ano 6 • TCH, PCC, TPH, curva de maturação, caracterização
parcela de cinco linhas 2ocorte = Ano 7 biométrica (altura, diâmetro e número de colmos)
de 8 m, espaçadas 3ocorte = Ano 8 • Em fevereiro/Ano 7, faz-se a eleição dos melhores
em 1,50m, utilizando-se o 4ocorte = Ano 9 clones, os quais deverão ser multiplicados, visando
delineamento em blocos ao ao teste estadual, no Ano 8
acaso, com quatro repetições
Ensaios estaduais mar./Ano 8 1ºcorte = Ano 9 • TCH, PCC, TPH, curva de maturação, caracterização
competição e épocas de 2ºcorte = Ano 10 biométrica (altura, diâmetro e número de colmos)
colheita 3ºcorte = Ano 11 • Ano 10 = criação de viveiros estratégicos, incluindo
4ºcorte = Ano 12 os clones que provavelmente serão considerados
variedades
Liberação da variedade Ano 11-12

20
(Amorin et al., 1987), utilizando-se para TABELA 2 | ESCALA CONCEITUAL DE NOTAS PARA AVALIAÇÃO DE CLONES, EM FASES DE SELE-
ÇÃO, NO PROGRAMA CANA IAC
tanto de diagrama com a intensidade de
sintomas foliares. Conceitua-se, ainda, o NOTAS CONCEITO 1 CONCEITO 2

florescimento e hábito de crescimento Grupo 1 Excepcional Muito resistente


de touceiras. Adota-se, para a varieda- Superior 2 Ótimo Resistente
de padrão, a nota 4, no caso das carac- 3 Muito bom Moderadamente resistente
terísticas relacionadas à produção, tais 4 Bom Intermediária +
como altura e diâmetro de colmos e per- Grupo 5 Médio Intermediária -
filhamento. Na primeira fase de seleção Médio 6 Abaixo da média Moderadamente susceptível
(FS1), instala-se o campo de seedlings 7 Inferior Susceptível
com as plantas individualizadas em tou- Grupo 8 Ruim Muito susceptível
ceiras, adotando-se o espaçamento de
Inferior 9 Péssimo Extremamente susceptível
1,50m entre as linhas e 0,50m entre plan-
Fonte: Landell (1995); Amorin et al. (1987)
tas. São realizadas observações ao lon-
go dos ciclos de cana planta e soca,
quantificando índices de doenças nas
progênies. A seleção final é feita em cana
soca, aproximadamente nove meses são mantidos os campos de seleção das CARACTERIZAÇÃO DOS AMBIENTES
após o primeiro corte, com critérios vi- fases FS2 e FS3, permitindo as observa- DE PRODUÇÃO
suais e pelo uso do refratômetro de cam- ções, no mesmo período, dos parâme- Como vimos, cabe ao “melhorista” seleci-
po, para avaliação do ºBrix. Atualmen- tros de produção e da longevidade de onar os indivíduos superiores, tarefa mui-
te, adota-se a seleção massal, com taxas produção. A avaliação tecnológica é re- tas vezes dificultada, quando se trabalha
de seleção diferenciadas em função da alizada coletando-se amostras na soca em diferentes ambientes, indistintamen-
qualidade da família. de FS2, em três épocas distintas, para te, sem a preocupação de caracterizá-los
Na fase FS2, instala-se o campo de se- caracterizar a curva de maturação de em relação ao seu potencial edafoclimá-
leção com a multiplicação de duas linhas cada genótipo. tico. Uma estratégia que pode ser adota-
de três metros por clone (2 x 3). Nessa se- da é o desenvolvimento de pequenos pro-
gunda fase, é feita uma pré-avaliação, ENSAIOS DE COMPETIÇÃO gramas regionais, reduzindo a diversida-
utilizando-se as escalas conceituais para VARIETAL de ambiental e suas interações na popu-
características morfológicas e condi- Os clones que se destacarem na fase FS3 lação introduzida. Essa estratégia não im-
ções fitossanitárias, além do ºBrix e, participarão dos ensaios de seleção nas pede a seleção de genótipos de adaptação
posteriormente à identificação dos me- empresas sucroalcooleiras colaborado- ampla, baseada na média dos diversos lo-
lhores genótipos, é realizada a biome- ras do programa. Na atualidade, são con- cais. Mas a opção por uma seleção espe-
tria, conforme a seguinte metodologia: duzidos, juntamente com usinas e coope- cífica, para cada local considerado, deve-
altura do colmo: medido da base à in- rativas, aproximadamente 200 ensaios rá proporcionar ganhos superiores, como
serção da folha +3, amostrando-se cin- de competição “varietal” (ensaios regio- constatado por Bressiani (2001).
co colmos seguidos na linha; nais e estaduais). Foi criado um instru- O programa de melhoramento de cana
diâmetro do colmo: estimado nos mes- mento gestor, que é o software Caiana, desenvolvido pelo IAC adota, inicialmen-
mos cinco colmos, mensurado no meio que oferece grande dinamismo na reali- te, uma estratégia de seleção regional, na
do internódio, na altura dada por um zação dos relatórios estatísticos desses qual indivíduos adaptados a cada uma
terço de comprimento do colmo; ensaios. Integram esse esforço conjunto das regiões (destacadas na Figura 2) são
número de colmos: estimado com a 37 empresas; a essa rede, denominamos eleitos. Teoricamente, no final desse pro-
contagem dos colmos de todas as li- projeto Procana IAC. A geração de tais cesso de seleção regional, temos uma
nhas da parcela. dados, em parceria com tais empresas, “variedade regional”, em um curto espa-
A fase FS3 consiste de um campo de se- coloca-as em contato precoce com a tec- ço de tempo (6 a 7 anos). Para tanto, a
leção em que cada clone está numa par- nologia “variedade” que, posteriormen- acumulação de observações em anos su-
cela de oito linhas de cinco metros (8 x 5). te, será lançada pelo IAC. Essa estratégia cessivos, abrangendo ciclos distintos das
Nessa fase, são realizadas as mesmas ava- aumenta a eficácia da difusão de tecno- plantas (cana planta, soca e ressoca), in-
liações da fase anterior e em épocas tam- logias IAC no setor sucroalcooleiro, per- teragindo com anos agrícolas subse-
bém semelhantes. Concomitantemente, mitindo uma adoção mais efetiva. qüentes, é a principal ferramenta para o

VISÃO AGRÍCOLA Nº 1 JAN | JUN 2004 21


M E L H O R A M E N TO G E N É T I CO

exercício de discernimento do “melho- Observa-se que regiões como Ribeirão apresente grande eficiência no apro-
rista”. Estratégias semelhantes são utili- Preto, Assis e Piracicaba diferem acen- veitamento da água disponível no pe-
zadas nos programas de melhoramento tuadamente nos parâmetros climáticos. ríodo, o que, normalmente, ocorre nos
de cana da Austrália (Cox et al., 2000), Assim, na Região 2, existe um maior ex- clones de maior tolerância ao alumínio.
África do Sul (SASA, 2004) e do Caribe cedente hídrico no período de cresci- Na Região 2, por exemplo, que se des-
(Kennedy; Rao, 2000). mento vegetativo, em relação às demais, taca pelo grande déficit hídrico no pe-
o que, associado às elevadas tempe- ríodo de maturação, agravado pela alta
FIGURA 2 | REGIÕES DE ESTUDO: INTRODU- raturas, justifica as altas produtividades freqüência de solos ácricos, buscamos
ÇÃO E SELEÇÃO DE SEEDLINGS E DE CLONES aí alcançadas. A região de Assis, dentre genótipos que se sobressaem na brota-
DE CANA-DE-AÇÚCAR PELO PROGRAMA todas as estudadas, é a única que não ção no período de seca e, posterior-
CANA IAC
apresenta déficit hídrico histórico, no mente, no crescimento das touceiras. O
período de maturação, prejudicando oposto ocorre na região de Assis, onde
esse processo fisiológico. Destaca-se uma grande ênfase é dada para o po-
também a grande diferença das Regiões tencial de maturação, pois esse consis-
1 e 7, em relação às médias de tempera- te na principal limitação para a produ-
turas nos períodos de crescimento vege- tividade agroindustrial competitiva.
tativo e maturação, com diferenças mé- Na Tabela 4, são apresentados os di-
dias de 2,2 e 3º C, respectivamente. versos ambientes de produção de cana-
Na Tabela 3, relacionamos as caracte- de-açúcar, segundo Prado et al. (2002).
rísticas inerentes às regiões de estudo A classificação de solos usada particu-
que, no processo de seleção, são metas larmente pelo projeto Ambicana, coor-
peculiares a serem agregadas às outras denado pelo Programa Cana do IAC, faz
características “varietais” prioritárias. uma subdivisão nos solos tradicional-
Como ilustração, destacamos a Re- mente distróficos, considerando solos
gião 1, onde existe um esforço no senti- como “mesotróficos”, quando a satura-
do de identificar genótipos com maior ção por bases é relativamente alta no
potencial de desenvolvimento no pe- horizonte B, e como “mesoálicos”, quan-
ríodo de setembro a abril, ou seja, que do a saturação por alumínio é relativa-

TABELA 3 | CARACTERÍSTICAS PECULIARES OBJETIVADAS NO PROCESSO DE SELEÇÃO, EM CADA UMA DAS REGIÕES DE ESTUDO

REGIÕES CARACTERÍSTICAS PECULIARES PRIORIZADAS PROBLEMAS FITOSSANITÁRIOS PRIORIZADOS POR REGIÃO


Região 1 Aumento do potencial de produção agrícola e Ferrugem
Piracicaba tolerância ao alumínio em subsuperfície
Região 2 Maior capacidade de brotar em período Mosaico, escaldadura
Ribeirão Preto de estresse hídrico
Região 3 Maior resistência às doenças fúngicas, maior Ferrugem, carvão escaldadura
Jaú capacidade de produção em solos de baixa fertilidade
Região 4 Maior potencial de maturação em condições de baixo Ferrugem
Mococa estresse hídrico
Região 5 Maior capacidade de brotação em período Escaldadura, nematóides
Pindorama de estresse hídrico
Região 6 Maior potencial de maturação em condições Mosaico, estrias de folhas, ferrugem
Assis de baixo estresse hídrico
Região 7 Capacidade de realizar grande acúmulo de massa verde Carvão
Adamantina no período de crescimento vegetativo
Região 8 Capacidade de suportar período Carvão
Goianésia de estresse hídrico e ausência de florescimento

22
TABELA 4 | AMBIENTES DE PRODUÇÃO DE CANA-DE-AÇÚCAR DA REGIÃO CENTRO-SUL DO BRASIL

AMBIENTES PRODUTIVIDADE TCH5 ATRIBUTOS/SÍMBOLOS SOLOS


A1 > 100 ADA/ADMA, eutr, CTC alta PVe2, PEe2
A2 96– 100 ADM, eutr, CTC méd/alta PVe2, PEe2, TRe, LRe, LEe, LVe
B1 92 – 96 ADA, mesotr, CTC méd/alta LRe, PEm2, PVm2
ADB, eutr, CTC méd/alta LRe, LEe, LVe
B2 88– 92 ADM, mesotr, CTC méd/alta PVm2, PEm2, TRm, LRm, LEm, LVm
ADM, distr, CTC méd/alta PEd2, PVd2
C1 84 – 88 ADMB, eutr, CTC baixa LEe, Lve
ADB, distr, CTC méd/alta PEd2, PVd2
C2 80 – 84 ADB, distr, CTC méd/alta LRd, LEd, LVd
D1 76 – 80 ADB, acr, CTCmed/alta LRac, LEac, LVac
ADM, malic, CTCmed/alta Pemesoalic, PVmesoalic
D2 72 – 76 ADB, malic, CTCméd/baixa LEmesoalic, LVmesoalic
ADB, alic, CTC méd PEa2, PVa2
E1 68 – 72 ADMB, alic, CTC méd PEa3, PVa3
E2 < 68 ADMB, alic, CTC baixa PEa3, PVa3, PVe4, AQd, AQa, LEa, LVa

LR: Latossolo Roxo; LE: Latossolo Vermelho-Escuro; LV: Latossolo Vermelho-Amarelo; PV: Podzólico Vermelho-Amarelo; AQ: Areia Quartzosa. Eutr:
eutrófico; mesotr: mesotrófico; distr: distrófico; acr: ácrico; malic: mesoálico; alic: álico. (1) Horizonte B iniciando-se na superfície;(2) Horizonte B
iniciando-se de 20 a 60 cm de profundidade; (3) Horizonte B iniciando-se de 60 a 100 cm de profundidade; (4) Horizonte B iniciando-se a mais de
100 cm de profundidade e textura arenosa no horizonte A. Fonte: Prado et al.(2000)

mente alta nesse horizonte. Os termos saios de competição em cana-de-açúcar. In:


* Marcos Guimarães de Andrade Landell
MARTINS , A. L. M.; LANDELL, M. G. de A. Con-
mesotrófico e mesoálico são apresenta- e Marcelo de Almeida Silva são pesquisa-
ceitos e critérios para avaliação experi-
dos entre aspas, por ser um conceito par- dores do Instituto Agronômico de Campinas
mental em cana-de-açúcar utilizados no
(IAC/Apta)(mlandell@iac.sp.gov.br).
ticular do projeto Ambicana IAC. Apesar Programa Cana IAC. Pindorama: Instituto
de não ser oficialmente adotada, essa no- Agronômico, 1995. p. 2-14.
menclatura proposta tem-se mostrado
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS PIRES, C. E. L. S. Diversidade genética de varie-
AMORIN, L.; BERGAMIN FILHO, A.; SANGUINO, dades de cana-de-açúcar (Saccharum spp)
muito útil para diferenciar solos conside- A.; CARDOSO, C. O. N.; MORAES, V. A.; FER- cultivadas no Brasil. 1993. Tese (Doutorado)
rados distróficos, mas com soma e satu- NANDES, C. R. Metodologia de avaliação da USP/ESALQ, Piracicaba, 1993. 120p.
ração por bases no limite para os solos ferrugem da cana-de-açúcar (Puccinia me-
POMMER, C. V.; BASTOS, C. R. Genealogia de va-
eutróficos, ou distinguir solos distróficos lanocephala). Boletim Técnico Copersucar,
ridades IAC de cana-de-açúcar: vulnerabili-
São Paulo, v. 39, p. 13-16, 1987.
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BREMER, G. On the somatic chromosome num- básicos de melhoramento. Pesq. Agropec.
atingem valores superiores a 50% da sa- bers of sugarcane forms of endogenous Bras., v. 19, n. 5, p. 623-629, 1984.
turação em alumínio. Dessa forma, os so- cane. Proc. ISSCT, v. 4, p. 30, 1932.
PRADO, H.; LANDELL, M.G.A; ROSSETTO, R. A im-
los “mesotróficos” apresentam potenci- BRESSIANI, J. A. Seleção seqüencial em cana- portância do conhecimento pedológico nos
al químico pouco inferior ao dos eutró- de-açúcar. 2001. 133p. Tese (Doutorado) – ambientes de produção de cana-de-açúcar.
ESALQ/USP, Piracicaba, 2001. In: REUNIÃO BRASILEIRA DE MANEJO DE
ficos e neles devem ser alocadas varieda-
COX, M.; HOGARTH, M.; SMITH, G. Cane bree- SOLO E ÁGUA, Cuiabá,MT, 2002.
des de média/alta exigência. Tradicional-
ding and improvement. In: HOGARTH, M.; SOUTH AFRICAN SUGAR ASSOCIATION (SASA).
mente, os solos distróficos incluem os ALLSOPP, P. (Eds.). Manual of canegrowing. Plant breeding crossing and selection pro-
“mesotróficos” e os “mesoálicos”. Porém, 3. ed. Brisbane: PK Editorial Services Pty, grammes. Disponível em: <www.sugar.org.za>.
ocorre que constatamos que, nos meso- 2000. chap. 5, 91-110. Acesso em: 10/mar./2004.
tróficos, os níveis de cálcio são superio- EDGERTON, C. W. Sugarcane and its disease. TAY, P. Y. P.; MILLER, J. D. The pedigree of selec-
Baton Rouge: Lousiana State University ted Canal Point (CP) varieties of sugarcane.
res a 0,7 cmol/kg, enquanto, nos mesoá-
Press, 1955. 290p. Proc. Cong. Am. Soc. Sugarcane Techs., v. 8,
licos, são abaixo de 0,4 cmol/kg. Essa in-
KENNEDY, A. J.; RAO, S. Handbook 2000. Geor- p. 34-39, 1978.
formação é de grande utilidade na aloca- ge, Barbados: West Indies Central Sugar VENCOVSKY, R.; BARRIGA, P. Genética biométri-
ção das variedades de cana-de-açúcar Cane Breeding Station, 2000. 66p. ca no fitomelhoramento. Ribeirão Preto:
quanto à exigência nutricional. LANDELL, M. G.de A. Método experimental: en- Revista Brasileira de Genética, 1992. 496p.

VISÃO AGRÍCOLA Nº 1 JAN | JUN 2004 23


P R O D U Ç Ã O V E G E TA L

Estratégias

SÍLVIO FERREIRA/UNICA
Tolete de cana-de acúcar colhida mecanicamente na Usina Equipav; Promissão, SP; 2001

Planejamento e estimativa
na produção de cana
Edgar Gomes Ferreira de Beauclair *

A produção de cana-de-açúcar visando à sua industrialização é um enorme desafio,


ante os inúmeros fatores de produção, de ambiente e de mercado, em que o setor
está inserido. Os tempos em que somente a simples intuição e a experiência dos res-
ponsáveis pela condução da lavoura eram suficientes, chegaram ao fim. Hoje, é im-
prescindível que os responsáveis pelas decisões que norteiam o empreendimento
tenham acesso a modernas ferramentas de gestão para, com o auxílio de estimati-
vas confiáveis, criar os cenários possíveis a uma tomada de decisão mais eficaz. Atu-
almente, existe a certeza de que a interação entre os fatores é mais importante do

24
que cada fator em si. Como são muitos os otimização capazes de considerar esse planejamento operacional da colheita,
fatores envolvidos e suas interações, problema, é comum haver dificuldade na pois define a forma de utilização dos re-
torna-se praticamente impossível deter- elaboração das curvas de produção, em cursos necessários, cuja quantificação
minar as melhores alternativas, a cada função do número de cortes, e há neces- depende da acuidade das estimativas, e
momento, sem a elaboração de cenári- sidade de mais estudos para elaboração são muitos os meios atuais para a sua
os bem fundamentados, que devem ser de um modelo capaz de prever de forma elaboração. Muitos investimentos têm
analisados por meio de modernas ferra- consistente esse fenômeno. sido feitos no uso e aprimoramento de
mentas de gestão. Como pode ser observado na Figura 1, ferramentas de sensoriamento remoto.
Na condução do empreendimento, é espera-se um decréscimo na produtivi- Apesar de elas ainda não terem produ-
mais importante “fazer o certo” do que dade decorrente do número de cortes, e zido os resultados esperados, têm de-
fazer “bem feito”. Claro que “fazer o cer- esse efeito é influenciado pelo ambien- monstrado que seu potencial de uso
to, bem feito” é o ideal, mas a definição te de produção. Porém, a existência de não está superestimado. A partir de ca-
da política de condução da lavoura é diversos fatores de produção envolvidos librações e formação de parâmetros de
fundamental para que os esforços, numa torna essa projeção extremamente teó- comparação, esse recurso vem sendo
produção bem conduzida, resultem no rica. A simples alteração da época de apontado como uma grande esperança
retorno econômico que dela se espera. corte tem grandes efeitos na brotação na elaboração de estimativas de produ-
Nenhuma política de produção pode ser da soqueira da maioria das variedades, ção, realizadas com antecedência e com
realizada sem um planejamento estraté- nos diferentes ambientes de produção. alto grau de acerto. Porém, até que to-
gico, e a elaboração de um planejamen- Além desse aspecto, ações como aplica- das essas metodologias estejam sufici-
to estratégico deve envolver os diferen- ção de vinhaça, tipo de colheita, tratos entemente claras e definidas, a maioria
tes setores da empresa. Sendo assim, ele culturais etc. podem tornar essa proje- das estimativas de produção nas unida-
deve integrar as áreas agrícola, industri- ção um simples exercício acadêmico, des produtoras é realizada por meio de
al, comercial e financeira, além de con- sem nenhum sentido prático para a ela- medidas de crescimento (biometrias),
siderar a base física e a financeira (flu- boração de um planejamento operacio- como no sistema Copi (Rodrigues et al.,
xo de caixa). A complexidade do proble- nal e financeiro da área agrícola e, por- 1983), e de avaliações visuais, realiza-
ma torna sua solução dependente de tanto, do empreendimento. Isso não in- das diretamente pelos administradores
modernos recursos de pesquisa opera- valida, por outro lado, trabalhos de si- das lavouras.
cional, mas que, como todo modelo de mulação da produção, utilizando as mé-
gestão, é extremamente dependente da dias gerais da empresa, para cada está-
capacidade de elaboração de estimati- gio (corte), na definição das áreas de
vas e de cenários confiáveis. Essa depen- plantio a serem realizadas a cada ano- FIGURA 1. CURVAS TEÓRICAS DE PRODUTIVI-
dência é notada mesmo com o uso de safra, para se obter uma projeção confi- DADE, EM FUNÇÃO DO NÚMERO DE CORTES,
ferramentas mais simples de planeja- ável da produção futura. EM DIFERENTES AMBIENTES DE PRODUÇÃO
mento e programação apenas da produ- Se a elaboração de estimativas de pro-
ção agrícola. dutividade para fins de planejamento
Para projeções das áreas da lavoura, ainda carece de resultados conclusivos,
visando à quantificação da produção ao a formação de estimativas de produção
longo de um horizonte de cinco a dez para a safra corrente já apresenta gran-
anos, planilhas eletrônicas de simulação des avanços. A modelagem da produção
de produção – um recurso computacio- agrícola vem sendo aprimorada no Bra-
nal relativamente simples – são utiliza- sil e em outros países produtores de cana.
das e dependem sobremaneira das esti- Alguns sistemas de previsão podem ser
mativas de produção de cada variedade, encontrados, inclusive, na Internet
ao longo de seu ciclo. Dessa forma, é pre- (Apsim, Canegro, DSSAT). A maioria dos
ciso estimar a produtividade em cada modelos de estimativa da produção agrí-
estágio de corte, dentro de cada ambien- cola envolve o estudo do metabolismo fi-
te de produção, assim como sua evolu- siológico e sua resposta aos estímulos do
ção ao longo dos anos, e qual o número ambiente (fatores edafoclimáticos).
de cortes economicamente viável, em A formação das estimativas de pro-
cada caso. Para obtenção de modelos de dução para a safra é tarefa inerente ao

VISÃO AGRÍCOLA Nº 1 JAN | JUN 2004 25


P R O D U Ç Ã O V E G E TA L

FIGURA 2 | CURVAS DE MATURAÇÃO DE DUAS


VARIEDADES HIPOTÉTICAS

R. ROSSETTO / APTA
Vista de canavial; Piracicaba, SP; 1996

Desde que o primeiro modelo de otimi- cimento do processo de colheita da cana- e 140 kg de açúcar por tonelada, para a
zação da colheita para as condições bra- de-açúcar permitem que tais sistemas variedade A, e 110 e 165 kg de açúcar por
sileiras foi publicado por Beauclair e Pen- nem precisem ser utilizados, bastando, na tonelada, para a variedade B.
teado, em 1984, muitos modelos desse maioria dos casos, a presença de especi- Um procedimento comum nessa situa-
tipo surgiram no mercado, com pequenas alistas e a disponibilidade de aplicativos. ção é a escolha para corte da variedade B
variações no modelo matemático, com Sistemas especializados costumam ter no mês 5, sobrando a variedade A no mês
maior ou menor inclusão dos fatores, re- uma interface mais “amigável” com o usu- 8. Mais uma vez, simplificando o proble-
cursos e restrições envolvidos no proces- ário, além de uma apresentação mais cla- ma e considerando apenas uma tonelada
so. Atualmente, a disponibilidade de apli- ra e definida. Mas, os recursos de otimi- de cana de cada variedade, teríamos nes-
cativos de programação linear e o conhe- zação e de programação linear hoje dis- sa situação a produção total de 250 kg de
poníveis tornam muitas vezes desneces- açúcar ao longo da safra. Por outro lado,
sária a construção de um sistema especí- a escolha que maximizaria o resultado em
fico para a solução desse problema. produção de açúcar seria a escolha da
FIGURA 3| CURVAS ESTIMADAS E OBTIDAS
Embora existam muitos sistemas es- variedade A, no início da safra (mês 5),
PARA O ANO-SAFRA 2003/2004, VARIEDADE
RB72454, SOCA, CORTADA NO FIM DA SAFRA. pecializados na otimização da colheita produzindo 100 kg/t e o corte da varieda-
da cana-de-açúcar, permanece ainda o de B no mês 8, com 165 kg/t. Dessa forma,
grande problema, que é a realização das seriam produzidos 265 kg de açúcar ao
estimativas da qualidade da matéria-pri- longo da safra, 15 kg a mais do que a pri-
ma – ou seja, da evolução futura da ma- meira alternativa. Logicamente, o proble-
turação. Observando-se a Figura 2, ma real é muito mais complexo, envol-
pode-se exemplificar de forma bastan- vendo as capacidades industrial, de cor-
te simples o problema envolvido na oti- te, carregamento e transporte; logística e
mização da colheita. Supondo-se apenas deslocamento das frentes; características
duas épocas possíveis de colheita – por varietais de brotação e época de corte,
exemplo, os meses de maio (5) e agosto fluxo de caixa etc. Mas o processo de oti-
(8) –, teremos, de acordo com a hipóte- mização sempre será baseado na decisão
se mostrada na Figura 2, os teores de 100 exemplificada anteriormente.

26
Nesse ponto surge a principal ques- pari, 2002), tem evidenciado que a utili- Por outro lado, a utilização conjunta
tão: como realizar essa estimativa do zação das médias pode induzir a falsas desses recursos tende a fornecer, expli-
comportamento futuro da maturação da análises e, assim, prejudicar a otimização citamente, melhores alternativas para a
variedade? O conhecimento da fisiolo- da colheita. Um exemplo das estimativas condução de uma empresa produtora de
gia da maturação da cana-de-açúcar das curvas de maturação realizadas pelo cana, açúcar, álcool, aguardente e seus
permite algumas inferências, através da sistema Predpol, em comparação com a subprodutos.
análise de alguns parâmetros ligados à média de cinco safras, pode ser visualiza-
qualidade da matéria-prima (como pu- do na Figura 3, com a curva média obtida * Edgar Gomes Ferreira de Beauclair
reza, teor de açúcares redutores etc.), na safra estudada. Nessa figura, pode-se é professor do Departamento de Produção
Vegetal, USP/ESALQ (egfbeauc@esalq.usp.br)
mas esses fatores são extremamente de- inferir que o uso da média das análises re-
pendentes do ambiente. Além disso, o alizadas ao longo de cinco anos não re-
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
teor de açúcar nos colmos é resultado presentou com fidelidade o comporta-
BEAUCLAIR, E. G. F. de; PENTEADO, C. R. Cronogra-
principalmente pelo estresse vegetativo mento da variedade RB72454, cana soca, ma de corte da cana-de-açúcar através da pro-
provocado por déficits hídricos e pela cortada no fim da safra, para o ano-safra gramação linear. In: SEMINÁRIO DE TECNOLO-
queda de temperatura (Dillewijn, 1952; 2003/2004, ao passo que as estimativas GIA AGRONÔMICA, 2., 1984, Piracicaba. Anais...
São Paulo: Copersucar, 1984. p. 424-434.
Scarpari, 2002). Assim, independente- utilizadas pelo sistema Predpol, que ins-
BEAUCLAIR, E. G. F. de; SCARPARI, M. S. Modelo
mente do sistema de otimização da co- titui o uso de parâmetros como “horas-
de previsão de acúmulo de sacarose para a
lheita empregado, surge a necessidade frio” e balanço hídrico, propiciaram re- cana-de-açúcar (Saccharum spp.) através
urgente de se determinar, por ocasião do sultados extremamente próximos do que de parâmetros climáticos. In: CONGRESSO
início da safra, qual o comportamento e foi observado no período. Vale ressaltar NACIONAL DOS TÉCNICOS AÇUCAREIROS E
ALCOOLEIROS DO BRASIL, 8., 2002, Recife.
a evolução da maturação de cada varie- que tais resultados só são possíveis a par-
Anais... Recife: STAB, 2002. p. 561-565.
dade, em cada estágio, dentro de cada tir da análise de um número grande de
DILLEWIJN, C. van. Botany of sugarcane. Wal-
ambiente de produção. dados, o que ainda torna o sistema extre- tham, Mass.: The Chronica Botanica, 1952.
Por falta de informação e de alternati- mamente particular para cada condição 371 p.
vas mais viáveis, muitos técnicos têm uti- estudada, não sendo possível a extrapo- RODRIGUES, J. C. S.; BEAUCLAIR, E. G. F. DE; RO-
lizado a média histórica do comporta- lação dos resultados de uma determina- DRIGUES, A. L. C. Integrated control of pro-
duction applied to sugarcane: the COPI sys-
mento da maturação dentro da proprie- da condição para as condições gerais das
tem. In: ISSCT CONGRESS, 18, 1983, Cuba. Pro-
dade. Estudos recentes, no entanto, já demais lavouras. ceedings. Cuba: ISSCT, 1983. Agricultural
demonstraram que esse procedimento O uso de modernas ferramentas de Commission 1. p. 397-421.
pode induzir a erros grosseiros na forma- gestão, por si só, não é suficiente para SCARPARI, M. S. Modelos para a previsão da pro-
ção das estimativas de acúmulo de saca- garantir o sucesso do empreendimento, dutividade da cana-de-açúcar (Saccharum
spp.) através de parâmetros climáticos. 2002.
rose. A utilização de um sistema de pre- pois seu sucesso está intimamente ligado
79p. Dissertação (Mestrado) – Escola Supe-
visão do teor de açúcar por tonelada de a sistemas de previsão de rendimentos e rior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Univer-
cana, chamado Predpol (Beauclair e Scar- à acuidade na formação dos cenários. sidade de São Paulo, Piracicaba, 2002.

E.G.F. BEAUCLAIR/USP ESALQ

Cultivo mecânico em experimento de épocas de plantio e corte, mostrando diferenças de desenvolvimento; Estação Experimental de Piracicaba
(CTEP-CTC); Piracicaba, SP; 1985

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P R O D U Ç Ã O V E G E TA L

Previsões e estatísticas

Sensoriamento
remoto:
um olhar espacial
sobre os canaviais
Antônio Roberto Formaggio *

Um país de dimensões continentais, agronegócios que movimentam expressivas so-


mas, a partir de uma ampla e complexa cadeia produtiva, propiciando significativos
saldos positivos no comércio internacional: esse pode ser considerado o cenário da
vibrante agricultura brasileira do início do século XXI. Nesse rico panorama agríco-
la, a cana-de-açúcar, gramínea cultivada no país desde meados do século XVI, de-
sempenha papel de destaque, por sua versátil e estratégica funcionalidade de ser ma-
téria-prima tanto para a produção do açúcar, como para a do álcool, alimento e ener-
gia, fontes de divisas de primeira grandeza para o Brasil.
Por outro lado, os preços agrícolas variam por inúmeros fatores contextuais como,
nos dias atuais, as instabilidades no Golfo Pérsico e as conseqüentes pressões nas
cotações do petróleo; as valorizações e desvalorizações do dólar, influindo nas ex-
portações/importações, aquecimentos e desaquecimentos do mercado. Tudo isso
converge para a estratégica decisão de se possuir um eficiente, rápido e confiável
sistema de previsões de safras e de estatísticas agrícolas. De fato, os países que pre-
tendem se inserir no contexto mundial de uma economia globalizada e de fortes blo-
cos econômicos precisam contar com excelentes sistemas de informações agríco-
las, não somente sobre eles mesmos, mas também sobre os demais países do pró-
prio bloco, e de fora dele. Devem contar, acima de tudo, com previsões eficazes, bem
como capacidade de rápida percepção das mudanças, por mais sutis que possam ser.
Estimativas de produção precisas e oportunas, em nível regional ou municipal, são
essenciais para as decisões gerenciais relacionadas à economia agrícola de um país.

28
As estimativas de produção feitas na tato com os objetos sensoriados (em ge- anos, a atmosfera, os continentes, as ge-
fase de pré-colheita constituem infor- ral, esses objetos estão na superfície ter- leiras), a fim de se entenderem as mudan-
mação essencial para o governo e, tam- restre), sendo a energia eletromagnética ças globais, as naturais e as causadas pelo
bém, para as agroindústrias, no sentido o principal elo de ligação entre os referi- homem, que vêm ocorrendo na Terra.
de se determinarem fatores econômi- dos objetos e os sensores considerados. Tanto o satélite Terra como o Aqua
cos, tais como preços, excedentes ex- Os satélites artificiais, colocados a carregam múltiplos sensores para a ob-
portáveis etc. Do ponto de vista da inser- centenas de quilômetros de altitude, servação dos fenômenos e sistemas pla-
ção no negócio agrícola, os interessados constituem-se, então, em plataformas netários. Um desses sensores, presente
nas informações agrícolas podem ser espaciais privilegiadas, transportando em ambos, é o Modis – Moderate Reso-
produtores, exportadores, importado- os sensores orbitais, que observam, com lution Imaging Spectroradiometer.
res, cooperativas, indústrias de benefi- suas poderosas óticas, os processos, fe- Cada imagem Modis recobre uma área
ciamento, consumidores, fornecedores nômenos e mudanças da superfície da de 2.330 km x 2.330 km, em 36 bandas es-
de insumos, investidores etc. terra. O grande pioneiro do sensoria- pectrais, sendo que esse sensor possibi-
As mercadorias agrícolas negociadas mento remoto orbital para observação lita a insubstituível capacidade de reco-
hoje nas bolsas de todo o mundo – como da superfície terrestre foi o satélite Lan- brimento de todos os pontos da super-
o café, a soja, o cacau, o milho, o trigo, o dsat, inicialmente com o sensor MSS e, fície terrestre “com freqüência diária”.
suco de laranja, o açúcar, o álcool – mo- depois, com os sensores TM e ETM+. Atu- Para se ter uma idéia da ordem de gran-
vimentam cifras de vários algarismos almente, novas tecnologias vêm sendo deza e da quantidade de dados do sen-
(em bilhões de dólares) e, por isso mes- desenvolvidas (sensores mais leves, de sor Modis, coletados e retrabalhados
mo, têm seus preços determinados mui- menores volumes, mais poderosos, com para gerar diversos tipos de índices dia-
to mais pelo “mercado global” do que menores custos de lançamento, como, riamente, os computadores da Nasa pro-
por qualquer lógica referente ao custo por exemplo, o ALI – Advanced Land cessam, aproximadamente, 380 tera-
de produção ou à eficiência produtiva Imager, presente no satélite norte-ame- bytes de informações sobre a superfície
local. Sabe-se que o principal fator a de- ricano Earth Observer-1) para substituir terrestre por dia (Justice et al., 2002).
terminar as oscilações nessas bolsas, a atual geração de sensores orbitais. Para possibilitar a aquisição diária de
que trabalham com o mercado futuro, Para se ter uma idéia das capacidades uma “fotografia” da superfície terrestre,
são as expectativas de oferta e de de- e da amplitude de cobertura das ima- são necessárias resoluções geométricas
manda mundiais dos produtos. Então, a gens orbitais, cada cena ETM+/Landsat intermediárias e, então, o sensor Modis
empresa ou nação que conseguir prever cobre uma área correspondente a um apresenta a capacidade de discernir ape-
com maior antecedência e acerto a sua quadrado de 185 km x 185 km (ou 34.225 nas objetos de tamanhos intermediários
safra e as dos seus concorrentes poderá km2) e são necessárias apenas dezoito (da ordem de 250 m, 500 m ou 1000 m),
influir no preço de uma mercadoria es- dessas imagens para cobrir, por exem- conforme os objetivos que estejam sen-
tratégica e fazer os melhores negócios. plo, todo o Estado de São Paulo; ao pas- do estudados (Nasa, 2003a). O Brasil, por
Nesse amplo contexto, fica clara a im- so que, para recobrir uma área corres- sua vez, ao lado dos Estados Unidos, dos
portância do sensoriamento remoto, pondente a uma imagem ETM+ somente, países europeus, da Índia e da China, tam-
pois as mais eficientes, rápidas e econô- seriam necessárias milhares de fotogra- bém tem marcado expressiva presença
micas maneiras de se realizarem previ- fias aéreas de média escala (p.ex., no cenário da pesquisa espacial mundi-
sões de safras, já utilizadas por diversos 1:50.000), com a conseqüente multiplica- al, desde o final da década de 1960. O Ins-
países, se apóiam, invariavelmente, em ção de custos e de trabalho para gerar tituto Nacional de Pesquisas Espaciais
dados obtidos remotamente por senso- um determinado conjunto de informa- (Inpe), órgão do Ministério da Ciência e
res orbitais (FAO, 1998). Na realidade, o ções. Além do Landsat, outros sistemas Tecnologia, desponta como produtor de
uso do sensoriamento remoto é uma das (como o europeu Spot-5 e o indiano IRS- significativos desenvolvimentos na área
únicas maneiras de um país atualizar as P6) vêm sendo postos em órbita, caben- do sensoriamento remoto e das geotec-
estimativas sobre a sua produção e, do um destaque aos gigantescos satéli- nologias associadas.
principalmente, sobre a dos concorren- tes de objetivos múltiplos, como o Ter- Em parceria tecnocientífica com a Chi-
tes, com antecedência suficiente para ra, o Aqua e o Envisat, que se destinam a na, dois satélites Cbers (China-Brazil
auxiliar na tomada de decisões. O senso- estudos ambientais globais – ou seja, o Earth Remote Sensing Satellite), ambos
riamento remoto pode ser definido planeta sendo observado como um situados entre os de mais moderna tec-
como o uso de dados coletados por sis- grande e complexo sistema composto nologia, já foram colocados em órbita: o
temas sensores que não entram em con- por seus principais subsistemas (os oce- Cbers 1, lançado em 14 de outubro de

VISÃO AGRÍCOLA Nº 1 JAN | JUN 2004 29


P R O D U Ç Ã O V E G E TA L

TABELA 1 | PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DOS SISTEMAS SENSORES A BORDO DOS SATÉLITES SINO-BRASILEIROS CBERS 1 E 2

CARACTERÍSTICAS CCD IR-MSS WFI


Bandas espectrais 0,51–0,73 µm (pan) 0,50–1,10 µm (pan) 0,63–0,69 µm (vermelho)
0,45–0,52 µm (azul) 1,55–1,75 µm (IV médio) 0,77–0,89 µm (IV próximo)
0,52–0,59 µm (verde) 2,08–2,35 µm (IV médio)
0,63–0,69 µm (vermelho) 10,40–12,50 µm (IV termal)
0,77–0,89 µm (IV próx.)
Campo de Visada 8,3 o 8,8o 60o
Largura de faixa imageada 113 km 120 km 890 km
Capacidade de apontamento ± 32o – –
Resolução espacial 20 m × 20 m 80 m × 80 m160 m × 160 m 260 m × 260 m
(banda termal)
Resolução temporal (repetitividade) 26 dias (visada vertical) 26 dias 5 dias
3 dias (visada lateral)

1999 (e já desativado por término de finalidades agrícolas. A equação que en- mas feições canavieiras com excelente
vida útil), e o Cbers 2, lançado em 21 de volve as previsões de safras baseia-se interpretabilidade. Em relação à produ-
setembro de 2003, este com vida útil pre- em duas variáveis principais: a “área tividade, modelos agrometeorológicos,
vista para três anos. A Tabela 1 mostra plantada” e a “produtividade” das lavou- modelos espectrais e modelos de cres-
um resumo das principais característi- ras agrícolas de interesse. cimento vêm sendo desenvolvidos e tes-
cas dos sensores do satélite Cbers 2, evi- No que se refere à determinação das tados conjugadamente, potencializando
denciando sua versatilidade e suas mul- áreas canavieiras, as imagens orbitais para um futuro próximo a capacidade de
ticapacidades: a) multissensores: esse sa- atuais (por suas características de per- geração de informações objetivas, com
télite sino-brasileiro carrega uma câma- mitirem visão sinóptica, adequada reso- antecedência e qualidade, para as esta-
ra CCD (High Resolution CCD Camera), lução geométrica, multitemporalidade e tísticas e previsões das safras canaviei-
uma câmara WFI (Wide Field Imager) e multiespectralidade) podem proporcio- ras e das principais culturas agrícolas
um imageador IR-MSS (InfraRed Multis- nar um levantamento e uma espacializa- brasileiras (Rudorff, 1985; Melo et al.,
pectral Scanner); b) multirresoluções; c) ção das lavouras com excelente desem- 2003).
multiespectralidade; d) multivisadas e e) penho e precisão. Como ilustração, a Fi- Como avanço em relação aos sensores
multitemporalidade (= repetitividade). A gura 2 mostra um trecho de uma imagem multiespectrais (cuja resolução espectral
Figura 1 apresenta uma ilustração de al- Cbers 2 obtida sobre a região de Pradó- é da ordem de centenas de nanômetros),
guns aspectos geométricos de aquisição polis-SP, na qual podem ser vistas algu- sensores remotos hiperespectrais (ou
de dados pelos sensores dos satélites
sino-brasileiros Cbers.
Como perspectiva, é oportuno citar FIGURA 1 | A) ILUSTRAÇÃO DAS FAIXAS E FORMAS DE COBERTURAS DOS SEN-
que Brasil e China já assinaram protoco- SORES CCD, IR-MSS E WFI DOS SATÉLITES SINO-BRASILEIROS (CBERS 1 E CBERS
2); B) CAPACIDADE DE VISADAS OBLÍQUAS DA CÂMARA CCD
los de intenção para a continuidade do
programa de observação da Terra e para
a construção e a operação de mais dois
satélites Cbers (os Cbers 3 e 4), para os
próximos anos, com o desenvolvimen-
to de sensores ainda mais sofisticados
que os atuais. Todos os avanços, em
franco desenvolvimento na área de sen-
soriamento remoto orbital, deverão
propiciar, sem dúvida, incrementos cres-
centes nas potencialidades aplicáveis às Fonte: (Inpe, 2003)

30
FIGURA 2 | TRECHO DE UMA IMAGEM/COMPO- 2003b) e o europeu Proba (ESA, 2003). resse pelas valiosas informações sobre
SIÇÃO COLORIDA DA CÂMARA CCD/CBERS 2;
Nessa linha hiperespectral, vislumbra-se a superfície terrestre que podem ser ge-
REGIÃO DE RIBEIRÃO PRETO, SP
que, em breve, será possível quantificar radas pelos sensores colocados em sa-
componentes das folhas da vegetação télites. O Brasil vem conseguindo acom-
agrícola, tais como clorofila a, clorofila b, panhar esses desenvolvimentos e tem
carotenóides, lignina, celulose e teor de apresentado expressiva contribuição ci-
umidade, por exemplo. Isso abrirá um po- entífica e tecnológica, procurando man-
tencial de disponibilização de informa- ter-se entre os dez países mais avança-
ções de incomparável valia para o senso- dos nesse importante campo tecnológi-
riamento remoto em agricultura. co e, quanto maior for o número de ins-
Alguns grupos de pesquisa já vêm de- tituições e de usuários do sistema espa-
Obs.: Canaviais em matizes de verde, em fun- senvolvendo essa linha de pesquisa nos cial brasileiro, maiores e melhores serão
ção de vigor e de estágio vegetativo; áreas de Estados Unidos, na Europa e na Austrá- os benefícios e os desenvolvimentos
solos expostas aparecendo em matizes aver- lia. No Brasil, dada a grande importân- para o país, com o uso das informações
melhados; áreas brancas referem-se à presen-
ça de palha seca de cana na superfície. cia dessa linha de trabalho, pesquisas provenientes dos sensores colocados a
com sensores hiperespectrais vêm sen- bordo de satélites de sensoriamento re-
do realizadas (Ferri, 2002; Formaggio et moto terrestre.
seja, sensores que captam a energia ele- al., 2002), de modo a assimilar o que há
tromagnética com um detalhamento es- de mais moderno e potencial nesse as-
pectral da ordem de dez nanômetros) sunto de ponta do sensoriamento remo-
vêm sendo desenvolvidos desde meados to mundial. Enfim, os avanços na área do
* Antônio R. Formaggio é pesquisador do
da década de 1980 e, atualmente, já estão sensoriamento remoto orbital têm sido
Inpe – Instituto Nacional de Pesquisas
sendo testados em satélites, como o nor- muito rápidos e tendem a continuar em Espaciais, órgão do Ministério da Ciência e
te-americano Earth Observer 1 (Nasa, ritmo forte, em função do grande inte- Tecnologia (formag@ltid.inpe.br).

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VISÃO AGRÍCOLA Nº 1 JAN | JUN 2004 31


P R O D U Ç Ã O V E G E TA L

Controle

SÍLVIO FERREIRA/UNICA
Vista de canavial; Jaboticabal, SP; 2001

Manejo de plantas daninhas


e produtividade da cana
Ricardo Victoria Filho e Pedro Jacob Christoffoleti *

A ocorrência de plantas daninhas na cultura de cana-de-açúcar provoca perdas sérias na produtividade, quan-
do não controladas adequadamente. Diversos trabalhos de pesquisa mostram esses danos, atribuindo ao ma-
nejo dessas plantas uma porcentagem importante do custo de produção. A cana, apesar de usar de maneira
altamente eficiente (fisiologia C4) os recursos disponíveis para o seu crescimento, é afetada nas fases iniciais
de crescimento pelas plantas daninhas, que também utilizam os recursos disponíveis de forma eficiente, por
muitas delas também apresentarem fisiologia C4.

32
Em cada fase do crescimento inicial, a plantio, a variedade, a época de plantio e venção da interferência (PTPI) e perío-
cana-de-açúcar pode responder diferen- a adubação. do crítico de prevenção da interferência
temente a um herbicida em particular, ou Portanto, na cultura da cana-de-açú- (PCPI). É importante salientar que os va-
mesmo tolerar a competição com as even- car, as plantas daninhas irão interferir no lores apresentados são médias que de-
tuais plantas daninhas presentes na área. plantio, assim como na soqueira, após a pendem de fatores já relatados, que ocor-
É bem conhecido em outras culturas, prin- colheita. O plantio de cana-de-açúcar é rem nas regiões de plantio.
cipalmente as de cereais, que, em determi- realizado em períodos bem distintos, de-
nados estádios fenológicos, as plantas são pendendo da região – Centro-Sul ou Nor- MANEJO DE PLANTAS DANINHAS
mais sensíveis que em outros, em relação deste. As condições climáticas de plantio É importante, inicialmente, conhecer o
ao momento de aplicação do herbicida. irão interferir nas espécies daninhas pre- conceito de manejo ou manejo integra-
Porém, na cultura da cana, as informações dominantes e no período de interferên- do. Manejo seria a utilização dos dife-
relativas à tolerância aos herbicidas não cia com a cultura. As principais plantas rentes métodos de controle disponíveis,
se encontram ainda pesquisadas de forma daninhas que interferem na cultura da como os preventivos, os culturais, os bi-
clara e conclusiva. cana de açúcar encontra-se na Tabela 1. ológicos e os químicos, de uma forma ra-
No caso da cana-planta, podem ser Na Tabela 2, é apresentado um resu- cional, preservando o meio ambiente e
definidos quatro estádios fenológicos mo indicando os períodos anteriores à a saúde do consumidor. Portanto, para
iniciais: esporão; duas a três folhas; tran- interferência (PAI), período total de pre- a utilização adequada de um manejo, há
sição do sistema radicular em três a qua-
tro meses (Rochecouste, 1967), os quais
têm relação direta com a capacidade
TABELA 1 | PRINCIPAIS PLANTAS DANINHAS QUE INTERFEREM COM A CULTURA DA CANA-DE-
competitiva da cultura e com a susceti- AÇÚCAR
bilidade aos herbicidas. Para as soquei-
NOME COMUM NOME CIENTÍFICO CICLO DE VIDA*
ras, são definidos dois estádios princi-
Capim-marmelada Brachiaria plantaginea A
pais, quais sejam: estádio de brotação
Capim-colchão Digitaria horizontalis A
inicial das soqueiras e estádio de perfi-
Capim-carrapicho Cenchrus echinatus A
lhamento e formação do sistema radicu-
Capim-de-pé-de-galinha Eleusine indica A
lar definitivo.
Grama-seda Cynodon dactylon P
Capim-colonião Panicum maximum P
COMPETIÇÃO E ALELOPATIA
Um dos pontos básicos para o manejo Braquiaria Brachiaria decumbens P

adequado das plantas daninhas, na cul- Capim-fino Brachiaria mutica P

tura da cana-de-açúcar, é o conhecimen- Capim-massambará Sorghum halepense P


to dessas plantas, com informações sobre Capim-gengibre Paspalum maritimum P
a biologia, dinâmica das populações e Corda-de-viola Ipomoea sp. A
danos provocados à cultura, quando não Caruru Amaranthus sp. A
controladas. As plantas daninhas compe- Beldroega Portulaca oleraceae A
tem com a cana-de-açúcar em água, luz e Picão-preto Bidens pilosa A
nutrientes. Além disso, pode ocorrer a Carrapicho-de-carneiro Acanthospermum hispidum A
ação de compostos químicos liberados no Amendoim-bravo Euphorbia heterophylla A
ambiente pelas plantas daninhas, que in-
Serralha-mirim Emilia sonchifolia A
terferem com a cana-de-açúcar (alelopa-
Trapoeraba Commelina sp. A
tia). A ação conjunta da competição mais
Serralha Sonchus oleraceus A
a alelopatia é denominada “interferên-
Mentrasto Ageratum conysoides A
cia”. A “interferência” de plantas dani-
Poaia-branca Richarchia brasiliensis A
nhas depende de uma série de fatores re-
lacionados a essas plantas, como a den- Erva-de-rola Cróton lobatus A

sidade de ocorrência, o ciclo de vida, a fe- Burra-leiteira Chamaesyce hirta A

nologia e os aspectos alelopáticos. Tam- Guanxuma Sida sp. A/P


bém influenciam fatores fitotécnicos, Tiririca, capim-alho Cyperus rotundus P
como o espaçamento, a densidade de * A = anual, P = perene

VISÃO AGRÍCOLA Nº 1 JAN | JUN 2004 33


P R O D U Ç Ã O V E G E TA L

TABELA 2 | PERÍODO ANTERIOR À INTERFERÊNCIA (PAI); PERÍODO TOTAL DE PREVENÇÃO DA antes do fechamento da cana. A cultu-
INTERFERÊNCIA (PTPI) E PERÍODO CRITICO DE PREVENÇÃO DA INTERFERÊNCIA (PCPI), EM FUN-
ra de feijão tem sido a mais utilizada.
ÇÃO DA MODALIDADE DE CULTIVO E PERÍODO DE CORTE
Graciano e Victoria Filho (1990), estu-
ÉPOCA DE PLANTIO PAI (DIAS) PTPI (DIAS) PCPI (DIAS)
dando a produção de cana-de-açúcar
Cana - planta de ano 20 - 30 90 - 120 20 - 120
intercalada com a cultura do feijão,
Cana - planta de ano e meio 20 - 30 90 - 150 20 - 150
verificaram que a cultura intercalar
Cana - soca 20 - 40 70 - 90 20 - 90 do feijão reduziu a densidade das
plantas daninhas.
3. Manejo da palha – Com a aplicação
a necessidade de um monitoramento, e exige conhecimentos com relação ao da legislação que proíbe a queima da
envolvendo conhecimentos multidisci- perfilhamento, fertilização do solo, bro- palhada da cana-de-açúcar, ocorrerá
plinares nas áreas de biologia das plan- tação, arquitetura foliar, resistência a uma mudança significativa na dinâmi-
tas daninhas, fitotecnia da cana-de-açú- pragas e doenças, adubação, espaça- ca de população das plantas daninhas
car, física e química de solos, máquinas mento e sensibilidade aos herbicidas. nas áreas, de acordo com o manejo a
agrícolas, mecanismos de ação dos her- 2. Rotação, sucessão e culturas in- ser executado com a palha que fica na
bicidas, tecnologia de aplicação e avali- tercalares – Essas associações, de superfície. As alternativas seriam as se-
ação do impacto ambiental. um modo geral, evitam a predominân- guintes: enleiramento, quando a quan-
cia de determinadas plantas daninhas. tidade de palha não é significativa; re-
MEDIDAS PREVENTIVAS Quanto maiores as diferenças fisioló- colhimento da palha com máquinas
Medidas preventivas são usadas para evi- gicas das culturas utilizadas, na rota- apropriadas, para uso como fonte
tar a introdução, na área de plantio, prin- ção ou sucessão, menor será a possi- energética, ou abandono da palha na
cipalmente de plantas daninhas como a bilidade de predominância de uma es- superfície do solo. Alguns benefícios da
tiririca, grama-seda, capim-colonião, ca- pécie daninha. A sucessão de culturas presença da palha na superfície são:
pim-massambara e capim-camalote. Al- tem sido utilizada na renovação do ca- aumento no teor de matéria orgânica;
gumas delas seriam: utilização de mudas navial, após a eliminação da soqueira. maior reciclagem de nutrientes; pro-
livres de disseminulos das plantas dani- As culturas utilizadas têm sido: amen- priedades físicas e químicas do solo
nhas; manutenção de canais de vinhaça doim, feijão, soja, girassol, crotalaria, mais adequadas; melhor controle da
ou de irrigação livres de plantas dani- mucuna preta e lab-lab. Cuidados de- erosão; maior atividade microbiana e
nhas; limpeza de equipamentos agrícolas; vem ser tomados em áreas com utili- diminuição na infestação das plantas
utilização de torta de filtro ou composto zação de herbicidas residuais, como o daninhas. Como desvantagens, temos:
orgânico livre de plantas daninhas; lim- tebuthiuron. Nesse caso, recomenda- menor brotação da soqueira, aumento
peza de áreas adjacentes que possam se não aplicá-lo nas duas últimas so- da incidência de pragas (como a cigar-
produzir sementes. cas. Na Tabela 3, são apresentados da- rinha), necessidade de maior quantida-
dos de tolerância de tebuthiuron por de de adubos nitrogenados, problemas
MEDIDAS CULTURAIS algumas culturas. O uso de cultura in- com excesso de umidade, em áreas de
Crescendo num mesmo ambiente, os sis- tercalar ou consorciação de culturas menor altitude. A palha presente na su-
temas radiculares das plantas daninhas também pode ser feito com a cana-de- perfície, dependendo da quantidade
e das plantas cultivadas ocupam um açúcar. A cultura utilizada deve ter um (que pode variar de 5 a 20 t/ha), dificul-
mesmo espaço, requerendo um supri- ciclo curto, para possibilitar a colheita ta a emergência de plantas daninhas,
mento adequado de nutrientes e água.
Podem-se utilizar medidas que modifi-
quem essa relação planta daninha-cul-
TABELA 3 | NÍVEIS DE TEBUTHIURON NO SOLO (ppm) ACIMA DOS QUAIS NÃO SE DEVE PLAN-
tura, favorecendo as plantas cultivadas,
TAR AS CULTURAS DE AMENDOIM, SOJA E FEIJÃO
no aspecto competitivo. Essas medidas
SOLO CONCENTRAÇÕES MÁXIMAS DE TEBUTHIURON (ppm)
culturais são as seguintes:
Amendoim Soja Feijão
1. Manejo varietal – Escolha de varie-
dades adaptadas às condições locais, Argiloso 0,08 0,08 0,08

proporcionando rápido crescimento e Barrento 0,05 0,05 0,05

ocupação do espaço. O manejo varietal Arenoso 0,03 0,04 0,03


da cana-de-açúcar é muito importante Fonte: Centro de Tecnologia Copersucar (1988)

34
pois reduz a variação de temperatura TABELA 4 | EFEITO RESIDUAL MÉDIO DOS PRINCIPAIS HERBICIDAS UTILIZADOS NA CULTURA
no solo. Portanto, os efeitos da ampli- DA CANA-DE-AÇÚCAR

tude térmica, da penetração de luz e os 1 MÊS 1 A 3 MESES 5 A 12 MESES MAIS QUE 12 MESES
possíveis efeitos alelopáticos de lixivi- 2,4- D Alachlor Ametrina Tebuthiuron
ados da palha diminuem a incidência Metolachlor Diuron
das plantas daninhas. As que se adap- Cyamazine Simazina
tam a essas condições de palha na su- Metribuzin Atrazina
perfície são: Cyperus rotundus (tiriri- EPTC Hexazinone
ca), Cynodon dactylon (grama-seda), Halosulfuron Sulfentrazone
Digitaria insularis (capim amargoso), Isoxafrutole
Ipomoea sp (corda de viola), Euphor- Clomazone
bia heterophyla (amendoim bravo),
Rottboelia exaltata (capim camalote),
Coniza bonariensis (buva), Pirostegia adicionar um adjuvante à calda. A sele- geral, os herbicidas aplicados em pós-
venusta (cipó de São João) e Sida sp tividade ocorre devido a aspectos de ab- emergência, dependendo da dose e das
(guanxuma). sorção foliar e à degradação do herbici- condições climáticas, podem causar in-
da absorvido pela planta cultivada. júrias leves ou moderadas nas folhas,
CONTROLE MECÂNICO Outra modalidade é a aplicação de com reflexos na produtividade. Ramalho
O controle mecânico é realizado com a herbicidas em pré-plantio incorporado, e Victoria Filho (1996) verificaram os
utilização de diferentes tipos de equipa- de uso restrito em cana-de-açúcar. Tam- efeitos de quatro herbicidas, em três po-
mentos, desde simples grades e arados, a bém, herbicidas como o glifosate podem sicionamentos no solo, na emergência
sofisticados cultivadores. É muito impor- ser considerados de aplicação em pré- da variedade NA 56-79. Quando posicio-
tante o momento da aplicação do cultivo, plantio de cana e em pós-emergência de nadas diferentemente, em contato com
aguardando o máximo de emergência das plantas daninhas. Para uso adequado de o sistema radicular, provocaram redu-
plantas daninhas, todavia evitando está- herbicidas em culturas de cana-de-açú- ção no desenvolvimento inicial, depen-
dios de desenvolvimento acima de 15 cm car, são necessários conhecimentos pro- dendo do herbicida utilizado. Portanto,
de altura. Também se deve levar em con- fundos a respeito da absorção e do é recomendado, se possível, que a apli-
sideração o aspecto da umidade do solo, transporte, no caso dos herbicidas apli- cação na cultura da cana seja em pré-
para evitar compactação e disseminação cados em pós-emergência, assim como emergência. Caso não seja possível, a
de partes vegetativas. O cultivo na época dos aspectos de interação no solo dos fase mais tolerante à aplicação em pós-
seca é uma importante medida, que pode herbicidas aplicados em pré-emergên- emergência é a de esporão, quando há
ser utilizada no manejo de plantas dani- cia. No solo, diversos fatores influenci- maior dificuldade de absorção foliar.
nhas perenes. am o comportamento do herbicida,
como a adsorção das partículas do solo, MECANISMOS DE AÇÃO DOS
CONTROLE QUÍMICO fotodecomposição, lixiviação, volatili- HERBICIDAS
Para o sucesso do controle químico, é dade, decomposição química, decompo- O mecanismo de ação dos herbicidas é
necessário o conhecimento profundo da sição microbiana e absorção pelas plan- definido como a primeira reação quími-
fisiologia dos herbicidas na planta, dos tas. A interação de todos esses fatores ca ou física que é afetada no interior da
fatores envolvidos na seletividade e do faz com que um determinado herbicida célula e que resulta na alteração de cres-
comportamento dos herbicidas no solo. tenha efeito residual no solo, que pode cimento da planta. Na Tabela 5, encontra-
Os herbicidas utilizados na cultura da ser observado na Tabela 4. se a relação dos principais herbicidas uti-
cana são, de um modo geral, aplicados A seletividade dos herbicidas utiliza- lizados na cultura da cana-de-açúcar. Os
na pré-emergência ou na pós-emergên- dos na cultura da cana-de-açúcar de- principais mecanismos de ação desses
cia da planta. Em pré-emergência, são pende de fatores ligados ao posiciona- herbicidas são os seguintes:
aplicados na superfície do solo, após o mento do herbicida no solo, à absorção
plantio, e na pré-emergência das plan- foliar e à degradação do herbicida pela HERBICIDAS REGULADORES DE CRESCI-
tas daninhas. Os aplicados em pós-emer- cultura. As variedades comerciais de MENTO OU MIMETIZADORES DE AUXINA
gência são utilizados após a emergência cana comportam-se diferentemente, em Apresentam maior ação sobre plantas
da cultura e das plantas daninhas. Em relação a um herbicida aplicado na su- daninhas dicotiledôneas; provocam uma
algumas situações, há necessidade de se perfície foliar ou ao solo. De um modo desorganização no crescimento das

VISÃO AGRÍCOLA Nº 1 JAN | JUN 2004 35


P R O D U Ç Ã O V E G E TA L

plantas, agindo nos tecidos meristemá- controla plantas daninhas perenes; atua normalmente é aplicado em pré-emer-
ticos; apresentam translocação predo- inibindo a divisão celular. Os principais gência; é absorvido por caulículos e ra-
minantemente pelo simplasto; geral- herbicidas desse grupo são: trifluralina e dículas; não controla plantas perenes;
mente são aplicados em pós-emergên- pendimethalin. O grupo das acetanilidas persistência de um a três meses; trans-
cia. O principal herbicida deste grupo é apresenta as seguintes características: locação apoplástica; é mais eficaz sobre
o 2,4-D, que pode ser utilizado isolada-
mente ou em mistura com diversos ou-
tros do grupo das triazinas e uréias subs- TABELA 5 | PRINCIPAIS HERBICIDAS REGISTRADOS PARA USO NA CULTURA DA CANA-DE-AÇÚ-
tituídas. Outros herbicidas deste grupo CAR NO BRASIL
são MCPA, picloram e dicamba. HERBICIDA ÉPOCA MARCAS PLANTAS DANINHAS
DE APLICAÇÃO COMERCIAIS CONTROLADAS
Reguladores de crescimento
HERBICIDAS INIBIDORES DO
FOTOSSISTEMA 11 2,4- D Pós e pré DMA BR e outras D1 e algumas G2

Nesse grupo, estão as triazinas, as tria- Dicamba Pós e pré Banvel 480 D e algumas G

zinonas, as uréias substituídas e as ura- Picloram + 2,4-D Pós e pré Dontor D e algumas G
cilas. As principais características das Inibidores de fotossíntese
triazinas são: normalmente, são usados Ametrina pós e pré Gesapax e outras DeG
em pré-emergência ou pós-emergência Atrazina pós e pré Gesaprim e outras DeG
inicial; são eficazes para as plantas da- Diuron pré e pós Karmex e outras DeG
ninhas dicotoledôneas e algumas gramí- Isouron pré Isouron DeG
neas; são de translocação apoplástica; a Simazina pré Gesatop e outras DeG
seletividade depende de fatores, como Cyanazina pré e pós Bladex DeG
posicionamento no solo e degradação
Metribuzin pré e pós Sencor D
pela planta; a persistência varia de 5 a 12
Tebuthiuron pré Combine DeG
meses; a degradação microbiana é um
Atrazina + simazina pré Triamex DeG
fator importante na dissipação no solo.
Ametrina + diuron pré e pós Ametron DeG
Os principais herbicidas desse grupo
Hexazinone + diuron pré e pós Velpar K e Advance DeG
são: triazinas – atrazina, simazina, ame-
trina, cyanazina; triazinonas: hexazino- Inibidores de mitose e crescimento inicial

na, metribuzin. As principais caracterís- Trifluralina pré Treflan e outras G

ticas das uréias substituídas são: geral- Pendimethalin pré Herbadox G


mente são de baixa solubilidade; contro- Alachlor pré Laço e outras G
lam mais dicotiledôneas; são usadas em Inibidores da síntese de aminoácidos
pré-emergência ou pós-inicial; normal- Halosulfuron pós Sempra D e Cy3
mente não controlam plantas perenes; Flazasulfuron pré e pré Katana D e Cy
são de translocação apoplástica; a sele- Trifloxysulfuron sodium + ametrina pós Krismar D, G e Cy
tividade é mais devida ao posicionamen- Imazapyr pré Contain D,G e Cy
to no solo; efeito residual de meses a Imazapic pré Plateau D,G e Cy
mais de um ano; o principal fator de de-
Glyphosate pós Roundup e outras G,D e Cy
gradação no solo é a população micro-
Sulfosate pós Zapp D,D e Cy
biana. Os principais herbicidas desse
Inibidores de pigmentos
grupo são: diuron, isouron, tebuthiuron.
Isoxafrutole pré Provence GeD
Clomazone pré Gamit GeD
HERBICIDAS INIBIDORES DE MITOSE E DO
Destruidores de membranas
CRESCIMENTO INICIAL
Sulfentrazone pré Boral GeD
O grupo das dinitroanilinas apresenta as
seguintes características: controlam mais Oxyfluorfen pré Goal GeD

gramíneas; não tem atividade em pós- Inibidores da respiração

emergência; é absorvido por caulículos e MSMA Pós Daconate e outras GeD


radículas; não tem translocação; não 1 - D = dicotiledôneas; 2 - G = gramíneas; 3 - Cy = cyperaceas

36
gramíneas; o mecanismo de ação está HERBICIDAS INIBIDORES DA RESPIRAÇÃO Pode ser utilizado herbicida isolada-
mais relacionado à inibição de síntese de Principais características: apresentam mente ou em mistura, que se posicio-
proteínas e à divisão celular. Os princi- translocação restrita pelo simplasto; são ne na camada superficial do solo, com
pais herbicidas desse grupo são: alachlor, usados em pós-emergência; controlam controle maior de gramíneas.
metolachlor, acetochlor. mais gramíneas; temperaturas altas e lu-
minosidade aumentam sua eficácia; a * Ricardo Victoria Filho é professor do
Departamento de Produção Vegetal, USP/
HERBICIDAS INIBIDORES DA SÍNTESE DE absorção é lenta, necessitando de oito
ESALQ (rvictori@esalq.usp.br).
AMINOÁCIDOS horas sem chuva. 0 principal herbicida Pedro Jacob Christoffoleti é professor do
1. Inibidores da enzima ALS – Princi- do grupo é o MSMA. Departamento de Produção Vegetal, USP/
pais características: não utilizados em As recomendações no uso de herbici- ESALQ (pjchrist@esalq.usp.br).
pré ou pós-emergência inicial; persis- das são as seguintes:
tência moderada a longa no solo; con- a. Cana “planta de ano” – Plantio re-
trolam mais dicotiledôneas e algumas alizado com temperatura elevada e
gramíneas, como também algumas cipe- com umidade disponível no solo e alta
ráceas; translocação apo-simplástica. infestação de plantas daninhas anu-
Os principais herbicidas desse grupo ais, com predominância de gramíneas.
são: halosulfuron, flazasulfuron, triflo- Herbicidas podem ser utilizados, iso-
xysulfuron sodium, imazapyr, imazapic. ladamente ou em mistura, com maior
2. Inibidores da enzima EPSPS – Prin- ação sobre gramíneas em pré ou pós- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
cipais características: inibem a sínte- emergência inicial. O período residu- CARVALHO, L. C. C. Cenário sucroalcooleiro –
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controlam dicotiledôneas e gramíne- b.Cana “planta de ano e meio” – tos da aplicação de vinhaça sobre população
as; translocação simplástica; são for- Plantio realizado de janeiro a abril, e controle químico de plantas daninhas em
temente adsorvidos pelo solo. Os com temperatura elevada e umidade cultura de cana-de-açúcar. Planta Daninha,
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Principais características: atuam na bi- maior de dicotiledôneas. Também no cia de plantas daninhas em áreas de cana-de-
ossíntese de carotenóides, produzindo final do período, os herbicidas devem açúcar (Saccharum spp) intercalada com os
feijões Phaseolus vulgaris L e Vigna ungui-
tecidos albinos; a perda da clorofila se ser menos exigentes em umidade do
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deve à oxidação pela luz (fotoxidação), solo. CIACIÓN LATINOAMERICANA DE MALEZAS,
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tox); os sintomas são manchas verdes
bro a novembro) – Nesse período, SILVA, A. A.; VICTORIA FILHO, R., Bioatividade do
escuras nas folhas, que evoluem para
metribuzin sob diferentes manejos de água
necroses; são de pouca translocação as condições de temperatura e preci-
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apoplástica. O principal herbicida desse pitação pluviométrica são bastante fa- BICIDAS E PLANTAS DANINHAS, 18., Brasília,
grupo é o sulfentrazone. voráveis à comunidade infestante. 1991. Anais... Brasília: 1991.

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P R O D U Ç Ã O V E G E TA L

Painel

As pragas
de maior incidência nos
canaviais e seus controles
Newton Macedo e
Daniella Macedo *
MÁRCIO CASTRO SILVA F. / USP ESALQ

Broca de cana-de-açúcar de
quarto ínstar; coração morto
e podridão vermelha;
38 USP/ESALQ, Piracicaba, SP; 2004
BROCA-DA-CANA-DE-AÇÚCAR apresenta entrenós formados; os danos intensidade vegetativa da lavoura, ou
A espécie de broca-da-cana-de-açúcar aumentam com o crescimento da plan- seja, de novembro a abril. As fases de de-
que predomina nos canaviais do Brasil é ta. Esse comportamento, contudo, pode senvolvimento da lavoura e a colheita
Diatraea saccharalis. O adulto é de co- variar em função da época do ano e da da cana, que se inicia entre abril e maio,
loração amarelo-palha, com manchas variedade. Em São Paulo, em áreas plan- na região Centro-Sul, e se estende até
escuras nas asas anteriores, sendo a fê- tadas nos primeiros meses do ano (cana novembro, também influenciam a ocor-
mea maior que o macho. A postura é fei- de ano e meio), a ocorrência de lagartas rência dessa praga.
ta nas folhas e, ocasionalmente, na bai- é mais freqüente no início da primavera
nha. Após a eclosão, as lagartas migram (setembro-outubro), atingindo os mais TIPOS DE DANOS
para a região do cartucho da planta, altos índices no começo do ano seguin- A broca-da-cana pode causar danos di-
onde permanecem de uma a duas sema- te, coincidente com o verão nessa re- retos e indiretos. O dano direto decorre
nas, raspando a folha ou a casca do en- gião. Nas canas plantadas nos meses de da alimentação da lagarta e se caracte-
trenó em formação. Após esse período, setembro-outubro (cana de ano), os pro- riza por: perda de peso (pela abertura de
o inseto inicia a perfuração da casca do blemas se acentuam no início do ano se- galerias no entrenó); morte da gema api-
colmo, geralmente próximo à base do guinte e são crescentes até o começo do cal da planta (“coração morto”); encur-
entrenó, porção mais mole, abrindo ga- inverno (junho-julho). Em certas varie- tamento de entrenó; quebra da cana; en-
leria no sentido ascendente na região do dades, regiões ou anos, porém, o ataque raizamento aéreo e germinação das ge-
palmito da planta. Às vezes, a galeria é é quase constante ao longo do ano, com mas laterais. O dano indireto é causado
aberta de forma circular, o que reduz a ligeira queda no inverno e aumento nos por microrganismos que invadem o en-
resistência do colmo à ação de ventos. períodos quentes e úmidos (final e co- trenó, através do orifício aberto na cas-
Quando o ataque atinge a região de cres- meço de ano, na região Centro-Oeste). ca pela lagarta. Esses microrganismos,
cimento da planta, pode ocorrer a mor- Nas soqueiras, o ataque geralmente se predominantemente fungos (Fusarium
te da gema apical, com sintoma de ama- concentra quase que exclusivamente moniliforme e/ou Colletotrichum fal-
relecimento das folhas mais novas, de- nos meses quentes e úmidos. A ocorrên- catum), invertem a sacarose armazena-
nominado “coração morto”. Tendo pene- cia de ataques mais severos nas canas- da na planta, causando perdas pelo con-
trado no colmo da cana, a lagarta passa plantas do que nas socas é atribuída ao sumo de energia no metabolismo de in-
toda essa fase ali, protegida, podendo, maior vigor vegetativo e à maior expo- versão, porque os açúcares resultantes
principalmente devido à inundação de sição ao ataque da praga naquele ciclo, desse desdobramento (glicose e levulo-
sua galeria por água da chuva, abrir ori- ao mesmo tempo que, nas áreas com ca- se) não se cristalizam no processo indus-
fício na casca e sair, vindo a penetrar nas-plantas, a atuação dos inimigos na- trial. Mesmo quando a matéria-prima se
num outro buraco que abre no entrenó turais é menor, pois a grande maioria destina à produção de álcool, o proble-
mais abaixo. Nas condições do Estado de teve o seu habitat desestruturado pelas ma não é menos grave, pois os micror-
São Paulo, o período larval completo práticas culturais realizadas com vistas ganismos que penetram no entrenó
dura cerca de 70 dias. A lagarta apresen- à instalação da lavoura. aberto contaminam o caldo e concorrem
ta coloração branco-leitosa, com peque- A população de adultos pode ser mo- com as leveduras na fermentação alco-
nas manchas marrom-claras, ao longo nitorada com o uso de armadilhas lumi- ólica, o que provoca redução na eficiên-
do corpo. Mede cerca de 25 mm, quando nosas, que coletam fêmeas e machos, ou cia de produção de álcool.
completamente desenvolvida. Próximo de feromônio, que coleta somente ma-
à pupação, a lagarta abre um orifício na chos. No Estado de São Paulo, há dois LEVANTAMENTOS E ESTIMATIVAS
casca e o fecha parcialmente com fios de picos populacionais de adultos, um em DE DANOS
seda e restos de alimento e, assim pro- fevereiro-março e outro em setembro. A Por serem diversas as variáveis que in-
tegida, passa à fase de pupa, cuja dura- população de lagartas nos primeiros ins- fluenciam a flutuação populacional de D.
ção média é de dez dias. O adulto vive em tares é de difícil monitoramento, já que saccharalis, somente por meio de le-
média cinco dias e a fêmea põe, em mé- os insetos se localizam externamente, vantamentos específicos, nas épocas
dia, 300 ovos. nas bainhas das folhas mais novas. Por adequadas, se consegue conhecer o ní-
outro lado, a população de lagartas que vel da praga, a partir do qual se podem
ÉPOCA DE OCORRÊNCIA penetraram nos colmos pode ser avali- estimar os danos ou preconizar medidas
O ataque dessa praga ocorre durante ada com relativa facilidade e está corre- de controle. O controle de um inseto é
todo o ciclo da cana-de-açúcar, sendo lacionada com os danos na produção, uma decisão técnico-econômica que en-
menor quando a planta é jovem e não concentrando-se no período de maior volve informações quanto aos prejuízos

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ocasionados pelo mesmo, no momento o total de entrenós e os entrenós com à ação desses controladores, que agem
e/ou no futuro, o método de controle a ataque do complexo broca/podridão- principalmente até a penetração desta no
ser utilizado e os respectivos custos. vermelha, anotando-se os dados em fi- entrenó (uma a duas semanas). Uma vez
Com essas informações, é possível esti- chas apropriadas. De posse dos dados de no interior do entrenó, a lagarta estará
mar-se a relação custo/benefício que campo, calcula-se a I. I. % pela fórmula: I. mais protegida, sendo, no entanto, ataca-
define a viabilidade de controle e iden- I. % = [(número de entrenós brocados/nú- da por parasitóides (principalmente Co-
tifica o momento de agir. mero total de entrenós) x 100] para cada tesia flavipes, Paratheresia claripalpis
Embora os sintomas de ataque da bro- zona, setor, fazenda ou talhão. Os resul- e Lydella minense), predadores e pató-
ca sejam facilmente visíveis em um ca- tados deverão ser ponderados individu- genos. O controle natural nessa fase gira
navial, assim como as perdas que acar- almente, em função da área plantada ou em torno de 20%. Finalmente, sobre as
retam sejam sobejamente conhecidas, é produção em t/ha, para cada variedade fases de pupa e adulto, atuam os preda-
conveniente que o produtor, ao implan- de mesma idade e local. Para tanto, utili- dores e patógenos que auxiliam no con-
tar um programa de controle dessa pra- za-se a área ou a produção correspon- trole, embora de forma muito mais mo-
ga, faça, inicialmente, uma estimativa das dente ao local de origem das diferentes desta do que nas outras fases do ciclo.
possíveis perdas que estão ocorrendo na amostras, multiplicando-se esse dado No processo que envolve o ciclo da
lavoura, pois o dano pode diferir com a pelo valor médio de suas respectivas I. I.% praga e seu controle, dois outros pontos
variedade, a época do ano, o ciclo da cul- e dividindo-se pelo somatório de todas as são importantes. O primeiro é que as va-
tura, entre outros fatores. Por ser a cana- áreas ou produções. No final da safra, de riedades de cana-de-açúcar apresentam
de-açúcar uma cultura de renda líquida posse dessas informações, pode-se deci- diferentes graus de resistência à broca,
baixa, todo investimento deve ser mui- dir pelo controle no próximo ciclo da cul- existindo tendência de aquelas mais
to bem analisado, sob o ponto de vista tura. Considera-se 3% de I. I. como o nível precoces, produtivas e ricas em açúcar,
econômico. de dano econômico. sofrerem ataques mais severos. O segun-
Admitindo uma linearidade entre a In- Como a cana-de-açúcar é uma planta do ponto se refere à ação das práticas
tensidade de Infestação da broca (I. I. %) semiperene, considera-se a composição que envolvem a colheita da cana e o cul-
(Gallo et al., 2002) e as perdas, na quan- da lavoura em termos de variedades tivo da lavoura, logo após o corte, ten-
tidade e qualidade da matéria-prima, re- mais suscetíveis, as áreas em diferentes do em vista a próxima safra e o controle
sultando em uma menor extração de açú- cortes e as que recebem sistematica- biológico.
car e/ou álcool pela indústria, será feita mente fertirrigação, a idade do canavial A princípio, julga-se que essa sucessão
a estimativa das perdas devido ao ataque e as áreas que se destinam à produção de de eventos (queima, corte e requeima
da broca, considerando-se que para cada mudas. A partir daí, é estabelecida uma dos restos culturais) prejudica a ação
1% de I. I., há uma perda de 0,77% em peso estratégia de ação no programa de con- dos controladores naturais da broca. Na
de cana no campo e 0,25% de perda no trole, na qual, prioritariamente, as áre- realidade, todas essas práticas, ao con-
açúcar recuperável na indústria (Coper- as de cana-planta e as que recebem al- trário, auxiliam no controle da praga, re-
sucar). Os levantamentos de I. I. % são re- gum tipo de irrigação devem ter atenção duzindo em mais de 95% a sua popula-
alizados nas frentes de corte ou quando especial, por serem mais sujeitas ao ata- ção, enquanto que uma parcela signifi-
a cana chega ao pátio da indústria, duran- que da broca. cativa de parasitóides e, principalmen-
te o período de safra. Nos levantamentos te, predadores sobrevivem durante es-
no pátio, deve ser retirado o equivalente MÉTODOS DE CONTROLE BIOLÓGICO ses eventos (Macedo et al., 1983). Porém,
a cinco canas por carga, tomadas casual- Os artrópodes exercem importante papel uma significativa área com cana-de-açú-
mente nos veículos de transporte que no controle natural da broca, agindo so- car, especialmente no Estado de São
chegam ao pátio da indústria. Quando fei- bre todas as fases de desenvolvimento. Paulo, vem sendo cortada mecanica-
tos nas frentes de corte (área de colheita No entanto, a participação mais significa- mente e sem a queima, aumentando a
mecanizada), amostram-se cinco pontos tiva ocorre na fase de ovo. Nesse caso, os matéria orgânica, devido a uma espessa
casualizados de 25 canas (em pé ou cor- predadores, parasitóides e patógenos camada de palha remanescente sobre o
tadas na leira), tomadas: [5 canas (5 pas- efetuam um eficiente controle, muitas solo, ao final de cada colheita. Como
sos) + 5 canas (5 passos) + 5 canas (5 pas- vezes superior a 80%. Além da ação dos conseqüência, há propensão, no primei-
sos) + 5 canas (5 passos) + 5 canas], totali- inimigos naturais, certas condições de ro ano, de aumento da população da
zando 125 canas, representando até 50 ha. clima podem também contribuir para re- broca nessas áreas. Nos anos subse-
Em ambos os métodos, as canas são duzir o número de ovos viáveis. Logo após qüentes, porém, em função do restabe-
abertas longitudinalmente, contando-se a eclosão, a lagarta também está sujeita lecimento do equilíbrio populacional, a

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praga volta a ser controlada natural- exemplo), fazer as liberações circun- a aplicação do inseticida, quando são
mente, em novo patamar de eficiência. dando os mesmos e penetrando cerca encontradas 3% de canas com lagartas
de 25 metros dos carreadores. Canavi- vivas, independentemente da quantida-
LEVANTAMENTO PARA CONTROLE ais em maturação e a 30 dias ou menos de de lagartas/colmo (lagartas peque-
BIOLÓGICO da colheita da colheita não devem re- nas de até 1 cm, que ainda não tenham
O controle biológico baseado na libera- ceber liberações. O desempenho do pa- penetrado na cana). Atingido esse índi-
ção massal de C. flavipes, para ser bem rasitóide é avaliado, também, por meio ce, fazer a pulverização dentro de uma
sucedido, passa, inicialmente, por levan- da coleta de formas biológicas 15 a 20 semana a dez dias. O produto utilizado
tamentos de lagartas infestantes, que dias após as liberações, coletando-se tem sido o Triflumuron 480 SC, 50 ml/ha,
consiste no método de amostragem no mínimo 30 formas biológicas, por em pulverização aérea. Outros produ-
hora-homem de coleta de formas bioló- área de liberação. As liberações são re- tos, como o metoxifenozide e o lufenu-
gicas, para definir os locais e momento petidas nas áreas que apresentarem ron, também podem ser usados. Depois
das liberações, cujo procedimento é o baixo parasitismo (menos que 20 %) e de 30 dias, voltar a fazer monitoramen-
seguinte: a partir de novembro, fazer, populações de lagartas ainda elevadas. to da área, para uma eventual nova pul-
quinzenalmente, vistoria geral na lavou- O parasitismo é dado pela fórmula: %P verização ou liberação de parasitóide.
ra, conforme a composição – variedades = [lagartas parasitadas/total de lagartas
mais suscetíveis; primeiros cortes; áre- (parasitadas + sadias) x 100]. CIGARRINHA-DA-RAIZ
as fertirrigadas e onde aparecerem sin- O sistema de colheita de cana “crua” (ca-
tomas de ataque da praga. Fazer a cole- CONTROLE QUÍMICO naviais colhidos sem a queima prévia do
ta de lagartas entrando na lavoura, ale- O monitoramento da população da pra- palhiço), que vem sendo imposto aos pro-
atoriamente, buscando os colmos ataca- ga, com vistas à aplicação de inseticida, dutores paulistas de cana-de-açúcar, se
dos (“coração morto” e canas brocadas). leva em conta, dentre outros parâme- por um lado traz benefícios ambientais,
O momento ideal de liberação é quando tros, a idade do canavial (canas com en- por outro cria novos desafios técnicos e
as lagartas estão fazendo galerias no trenós formados e com cerca de 1,5 m de econômicos para que se mantenha viável
colmo, com presença de dejetos exter- altura). Nesses locais, examinam-se, em essa importante cultura para o Estado de
nos e apresentam tamanho de 1,5 a 2,0 áreas homogêneas de até 50 ha, cinco São Paulo. A ocorrência de altas popula-
cm. Quando não há muitas áreas infes- pontos amostrais, constituídos de cinco ções de cigarrinha-da-raiz (Mahanarva
tadas e existe disponibilidade de C. fla- lotes de cinco canas cada, tomadas de fimbriolata) em áreas de colheita de
vipes, as liberações devem ser feitas nas forma espaçada, cerca de cinco metros cana “crua” é um exemplo de problema
áreas que apresentarem os maiores ín- entre si, numa mesma linha de cana (25 sério a ser equacionado nesse novo sis-
dices de coleta. Quando há muitas áreas canas examinadas). Nesse trabalho, são tema de colheita de cana-de-açúcar: pe-
infestadas e quantidade limitada de C. observadas geralmente a terceira ou los danos econômicos que ocasiona, se
flavipes, as liberações devem ser feitas quarta bainha do palmito, contando-se não controladas, e pelas limitadas infor-
em áreas cujas coletas médias são supe- de cima para baixo, sendo recomendada mações disponíveis sobre as alternativas
riores a 10 lagartas/hora-homem, co-
brindo-se todas as áreas-problema. As
liberações devem ser feitas, preferenci-
almente, no final da tarde, à razão de QUADRO RESUMO DAS RECOMENDAÇÕES DE CONTROLE
6.000 indivíduos/ha, quando 70 a 80% AMOSTRAGEM/NÍVEIS OBJETIVO
dos indivíduos já tiverem emergido nos Controle Avaliação Dano (I. I.%)
copos de acondicionamento, conforme Químico Biológico Cana
segue: entrar no talhão no sentido das (pulverização) (liberação de parasitóides) Pátio Em Pé Cortada
linhas de cana, caminhando com o copo Pontos/até 50 ha 5 Variável (hora-homem) – 5 5
aberto e, a cada 70 passos (cerca de 50 Canas/ponto 25 canas1 Variável 5/carga 25 25
metros), depositá-lo aberto, na bainha ND 5% 5% 5% 5% 5%
da cana, em posição horizontal. Cobrir
NC ³ 3 % de canas ³ 10 lagartas2/ – – –
toda a área problema, talhão ou quadra, com lagartas2 hora-homem
antes de transferir o trabalho para outro
(1) Tomadas de cinco em cinco distanciadas de 5 m
local. Em talhões onde o caminhamento (2) Controle químico (lagartas< 1 cm); Controle biológico (lagartas< 1,5 cm)
interno é difícil (em canas deitadas, por I. I.% = Intensidade de Infestação (complexo broca/podridão)

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de controle. As formas jovens desse inse- indiretos pela redução da quantidade e constatando-se, de modo geral, que:
to, conhecidas por ninfas, atacam as raí- qualidade do açúcar recuperável, causa- Canaviais em solos argilosos e com alta
zes superficiais da cana, liberando uma da por aumento no teor de fibra, aumen- capacidade de retenção de umidade
espuma branca que se acumula na parte to de impurezas (trash), redução do PCC, estão sujeitos a maiores infestações,
inferior das plantas, no nível do solo. M. redução na pureza do caldo e aumento enquanto que os arenosos, com baixa
fimbriolata ocorre principalmente em de contaminantes no caldo. capacidade de retenção de umidade
cana-de-açúcar e capim napiê e não deve (Latossolos arenosos e Areias Quartzo-
ser confundida com a cigarrinha-da-fo- CICLO BIOLÓGICO DO INSETO sas) estão livres de severos ataques.
lha, Mahanarva posticata, que ocorre Este inseto, que está presente de forma Canaviais colhidos no início da safra
nos canaviais do Nordeste, e nem com as endêmica em praticamente todos os ca- (maio/junho) estão sujeitos a infes-
várias espécies que atacam as pastagens naviais da região Centro-Sul, passou a tações mais elevadas, precocemen-
(Zulia entreriana, Deois flavopicta e D. manifestar-se de forma epidêmica, por te (depois do aparecimento de con-
schach), as quais não causam danos à ter encontrado na palha residual da co- dições favoráveis), do que aqueles
cana-de-açúcar. lheita mecanizada da cana “crua” um am- colhidos tardiamente (setembro/
As ninfas, ao se alimentarem, ocasio- biente altamente favorável ao seu de- novembro).
nam uma “desordem fisiológica” em de- senvolvimento, proporcionado pelo au- Canaviais atacados precocemente e
corrência de suas picadas que, ao atin- mento na retenção da umidade na su- que estão na fase inicial de desenvol-
girem os vasos lenhosos da raiz, o dete- perfície do solo e pela proteção da ação vimento são os que sofrem as maiores
rioram, impedindo ou dificultando o flu- direta dos raios solares. Em conseqüên- perdas, especialmente pela morte e ou
xo de água e de nutrientes. A morte de cia, tem havido uma explosão na popu- menor desenvolvimento dos colmos.
raízes ocasiona desequilíbrios na fisio- lação de cigarrinhas, a partir de uma se- Canaviais que sofrem ataques severos
logia da planta, provocando desidrata- qüência de gerações que ocorre com o mais tardiamente ou que estão mais
ção do floema e do xilema, e “chocha- início das chuvas de primavera/verão. A desenvolvidos vegetativa e fisiologi-
mento” e afinamento do colmo, levando primeira geração se dá de forma discre- camente (colmos bem desenvolvidos)
posteriormente ao aparecimento de ra- ta e geralmente passa despercebida. A sofrem perda em tonelagem mas,
chaduras e rugas na superfície externa população aumenta exponencialmente principalmente, na qualidade.
deste. Os adultos, ao injetarem toxinas, já na segunda geração, que pode se dar
produzem pequenas manchas amarelas de novembro a janeiro, variando de ano NÍVEIS DE INFESTAÇÃO E CONTROLE
nas folhas que, com o passar do tempo, para ano, conforme o regime de precipi- Embora haja poucas informações sobre
tornam-se avermelhadas e, finalmente, tação pluvial, dependendo também do níveis de infestações e danos econômicos
opacas, reduzindo sensivelmente a ca- estágio de desenvolvimento da lavoura. que, evidentemente, variam conforme a
pacidade de fotossíntese das folhas e o Em geral, são observadas de três a variedade e o estágio de desenvolvimen-
conteúdo de sacarose do colmo. quatro gerações ao ano, no período que to da lavoura, há indicações de que o ní-
As perfurações dos tecidos pelos esti- vai de setembro/outubro a fevereiro/ vel de dano e o nível de controle estejam
letes infectados provocam contamina- março. Originária da última geração, por ao redor de 8-10 e 3-5 ninfas/metro line-
ções por microorganismos no líquido falta de umidade e redução na tempera- ar de touceiras de cana, respectivamen-
nutritivo, causando deterioração de te- tura, uma grande quantidade de ovos te. No controle desta praga, uma série de
cidos nos pontos de crescimento do col- permanece na base das touceiras duran- medidas pode ser preconizada, como:
mo e, gradualmente, dos entrenós infe- te o outono/inverno, vindo a eclodir no- método físico; método cultural (emprego
riores até as raízes subterrâneas. As de- vas ninfas (primeira geração) nas chuvas de variedades resistentes); método bio-
teriorações aquosas apresentam cores da primavera/verão, reiniciando o ciclo lógico (inseticidas microbianos); e méto-
escuras, começando pela ponta da cana da praga. A experiência de convívio com do químico. Como métodos físicos, pode-
e podem causar a morte do colmo. Os a cigarrinha da raiz, até o momento, in- se fazer o afastamento mecânico da pa-
danos decorrentes podem ser classifica- dica que essa praga não ataca necessa- lha da linha de cana ou a retirada da pa-
dos em diretos e indiretos. Os danos di- riamente nas mesmas áreas, em anos lha da área. Essas medidas propiciam
retos se caracterizam pela redução na consecutivos. Ocorre uma migração das menor infestação, quando comparadas à
produtividade (t cana/ha), causada por altas infestações de um local (fazenda ou situação normal de palha, mas não evi-
morte precoce de perfilhos, morte, en- bloco) para outro. tam totalmente a ocorrência da praga.
curtamento, rachadura, brotações late- Há diversos fatores que influenciam a O emprego de variedades resistentes
rais e murchamento de colmos, e os época e a duração da ocorrência da praga, é praticamente inviável porque, embora

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tenham sido observadas variações signi- status de praga, comprometendo a pro- FIGURA 1 | HETEROTERMES TENUIS
ficativas nos níveis de infestação e de dutividade da lavoura. Não raro, depa- A) CASAL REAL
danos, conforme as variedades, na prá- ra-se com canaviais de baixa produtivi-
tica todas as variedades cultivadas co- dade já nos primeiros cortes e com mor-
mercialmente sofrem ataques e estão te prematura das soqueiras, ainda que
sujeitas a perdas expressivas, quando a tenham sido feitos o preparo, a correção
pressão de população na área é elevada. e a adubação do solo, conforme as me-
O máximo que pode ser feito é reduzir a lhores recomendações técnicas. Essa si-
participação de variedades altamente tuação é particularmente comum em so-
suscetíveis, no contingente de varieda- los de baixa fertilidade natural, como os
des plantadas. O controle biológico mais cerrados, e tende a ser acentuada nos B) SOLDADO
promissor é baseado no emprego do períodos de déficit hídrico prolongado.
fungo Metarhizium anisopliae, mas Ao diagnosticar o problema, as suspei-
trata-se, ainda, de um método em fase de tas recaem sobre a ocorrência de pragas
pesquisa, porque os produtos disponí- e, dentre essas, assumem papel impor-
veis no mercado têm apresentado baixa tante os cupins subterrâneos.
eficiência. Pesquisas recentes têm de- A ocorrência dessa praga tem sido res-
monstrado avanços. ponsável, também, pela redução da pro-
O controle químico, por meio da apli- dutividade e longevidade de canaviais,
cação de produtos de ação sistêmica em áreas que adotam o sistema de plan- C) OPERÁRIO
(como aldicarb, carbofuran e thiametho- tio direto (comparativamente ao plantio
xam), tem se mostrado, até o momento, convencional), por mais de um ciclo con-
a alternativa mais eficiente e, quanto ao secutivo da cultura. Na prática, o envol-
aspecto econômico, é indispensável vimento das diferentes pragas subterrâ-
agregar ao conhecimento dos produtos neas na redução da produtividade se dá
o número e a época de aplicação mais in- na forma de um complexo, variando em
dicada. As pesquisas recentes têm indi- importância conforme a espécie, forma
cado que os melhores resultados, em de distribuição, nível de ocorrência,
termos de controle e ganho de produti- época do ano, tipo de solo e variedade
vidade, têm sido obtidos com uma única – para se citar apenas os fatores mais
aplicação do produto, nos intervalos en- evidentes –, o que torna praticamente
tre a 1ª e a 2ª geração da praga, assim que impossível o seu dimensionamento es-
se atingir o nível de controle. A estraté- pecífico preciso, mas facilmente detec-
gia mais prática para o monitoramento da tável pelo fracasso na produtividade. A
população da praga é a colocação de ar- presença de cupins não está necessari-
madilhas atrativas nas áreas de colheita amente relacionada ao tipo de solo, mas Pizano e Fontes (1986), quando também
de cana crua, para a captura de adultos os sintomas de ataque sim. Plantas com encontraram a espécie H. longiceps, que
da primeira geração. Coletados os primei- estresse nutricional ou hídrico não têm é morfologicamente semelhante a H. te-
ros adultos, iniciam-se os levantamentos capacidade para reagir aos danos, expli- nuis, que possui ampla distribuição nos
de populações médias de ninfas por me- citando mais facilmente os sintomas. Em Estados do Pará, Minas Gerais, Rio de Ja-
tro linear, parâmetro que vai definir melhores solos e períodos com exceden- neiro, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso
quando se atingiu o nível de controle. te hídrico, os cupins podem estar tam- do Sul e São Paulo. As espécies de maior
bém presentes, mas seus sintomas pas- distribuição no Estado de São Paulo são
CUPINS SUBTERRÂNEOS sam despercebidos, devido à capacida- do gênero Cornitermes, porém as espé-
O mesmo solo que serve de substrato e de de reação da planta. cies dos gêneros Heterotermes e Procor-
sustentação físicos à cana-de-açúcar é, nitermes estão mais associadas a danos
também, o ambiente ideal para o desen- OCORRÊNCIA POR ESPÉCIES aos canaviais (Figuras 1 e 2). Essas espé-
volvimento de populações de cupins que A ocorrência e constatação de Hetero- cies penetram no rizoma e nos toletes
– a despeito da rusticidade dessa plan- termes tenuis em cana-de-açúcar foi (mudas), danificando a parte subterrâ-
ta – em muitas situações adquirem o feita pela primeira vez no país por nea, até atingir a parte aérea da planta.

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FIGURA 2 | SOLDADO DE PROCORNITERMES a) Cupins de montículos (Família Termi- três situações: logo após o plantio, ata-
TRIACIFER
tidae, gênero Cornitermes, espécies cando o tolete-semente e posteriormen-
mais comuns C. cumulans e C. bequa- te as raízes, resultando em falhas na ger-
erti), que constroem colônias epígeas, minação; na fase de maturação, pene-
com envoltório terroso muito duro na trando nos colmos e provocando seca-
superfície do solo, o qual apresenta mento e morte dos mesmos; e nas so-
arquitetura, consistência e tamanho queiras, após a colheita, destruindo os
variável, conforme a espécie. São ti- entrenós basais, resultando em falhas na
dos como de menor importância, por futura brotação da lavoura. Geralmen-
se alimentarem, basicamente, de ma- te, os cupins subterrâneos mostram-se
teriais vegetais mortos que forragei- mais daninhos aos canaviais no período
am através de galerias subterrâneas, seco, porque nesse período, devido à
atacando raramente tecidos vivos da baixa umidade no solo, o inseto se ins-
plantas, e por suas colônias serem fa- tala em maior quantidade nas touceiras
IMPORTÂNCIA ECONÔMICA cilmente destruídas pela pesada me- de cana, onde encontra abundância de
No caso de cana-de-açúcar, são impor- canização empregada no preparo do alimento e disponibilidade de água, es-
tantes as espécies capazes de utilizar te- solo e nos demais tratos culturais da sencial à sua sobrevivência. Instalando-
cidos vivos da planta, atingindo partes lavoura. se nas touceiras, os cupins provocam o
vitais, como o sistema radicular e entre- b)Cupins subterrâneos (Família Rhino- seu enfraquecimento e/ou morte, pela
nós basais em soqueiras, gemas e mudas, termitidae, espécies mais freqüentes abertura de galerias e invasão de micro-
em plantios recém-instalados. Os cupins H. tenuis e H. longiceps), cujas colô- organismos, o que resulta no comprome-
são bastante conhecidos em todo o nias se distribuem em galerias difusas timento da produtividade subseqüente
mundo como pragas, mas são poucos os no perfil do solo, sob rochas, no inte- da lavoura (Figuras 3 e 4).
estudos que revelam a importância eco- rior de raízes, troncos, com sede pra-
nômica dessa praga na cultura da cana- ticamente impossível de ser localiza- CONTROLE DOS CUPINS DE MONTÍCULO
de-açúcar, a bioecologia dos gêneros im- da e, quando eventualmente desloca- Os cupins de montículo, embora ainda
portantes, assim como as formas de con- se em locais expostos, constroem não sejam considerados pragas da cana-
trole e seus custos. H. tenuis é conside- túneis com detritos vegetais, solo e fe- de-açúcar, por aparentemente não re-
rada a mais importante a atacar cana- zes. Alimentam-se de material lenho- duzirem a produtividade, estão assumin-
de-açúcar, devido à sua vasta distribui- so em várias fases de decomposição, do maior importância, em conseqüência
ção, alta infestação nos canaviais e, tam- sendo muito comum atingirem partes da mudança no sistema de colheita ma-
bém, à sua alta dispersão, especialmen- vitais das plantas, como toletes de nual para o mecanizado. Embora não
te no Estado de São Paulo, onde causa cana recém-plantados, sistema radi- causem transtornos na colheita manual,
danos aos toletes (impedindo a germina- cular e entrenós basais de cana em os montículos que se formam durante o
ção), raízes, rizomas e até em canas adul- formação, adultas ou soqueiras. desenvolvimento da lavoura são reais
tas Admite-se que os cupins no solo se Os ataques e os danos dos cupins em obstáculos operacionais no corte meca-
alimentam, principalmente, de matéria cana-de-açúcar podem ser divididos em nizado, quando atingidos pelas lâminas
orgânica em decomposição, passando a
atacar plantas vivas, devido aos dese-
quilíbrios ecológicos. Na cultura da
cana-de-açúcar, os danos são reconhe- FIGURA 3 | DANO DE HETEROTERMES TENUIS FIGURA 4 | DANO DE HETEROTERMES TENUIS
EM COLMO DE CANA-DE-AÇÚCAR EM MUDA DE CANA-DE-AÇÚCAR
cidos por falhas na germinação, galeri-
as nos toletes e presença de fezes pró-
ximas às soqueiras. Os prejuízos médios
estão na ordem de 10 t/ha.ano.
Os cupins que ocorrem em áreas de
cana-de-açúcar podem ser divididos,
pelos hábitos ao constituírem suas colô-
nias, em dois grupos facilmente identi- .

ficáveis em campo:

44
FIGURA 5 | ISCA TERMITRAP® COLOCADA NO SOLO, EM ÁREA DE CANA-DE-AÇÚCAR FIGURA 6 | REPRESENTAÇÃO DE UM “PONTO
AMOSTRAL”, CONSTITUÍDO DE 20 AMOS-
TRAS EM 1 ha

X 20m X X X
X
20m

X X X X
X

1ha
X X X X
X
J

X X X X
X

basais das máquinas. Por essa razão, a maior; aplica-se o produto apenas em Levantamentos empregando-se iscas
recomendação atual é que o controle áreas de ocorrência da praga, constata- Termitrap® (Figura 5) indicaram como
desses cupins não se restrinja à destrui- das a partir de levantamentos, pelos sendo 20 a quantidade mínima de iscas/
ção mecânica dos montículos, que na quais se determinam os gêneros e/ou es- ha para se determinar a densidade po-
maioria das vezes não chega a eliminar pécies, além dos níveis de infestação e pulacional de H. tenuis em cana-de-açú-
a colônia. A destruição mecânica deve- danos. O monitoramento da população car (Macedo, 2000). Para compatibilizar
rá ser precedida por controle químico, tem sido o avanço mais significativo, em aspectos técnicos e econômicos, quan-
dirigido aos montículos, antes do prepa- termos de tecnologia no controle de cu- to ao método de amostragem, para a to-
ro do solo. pins subterrâneos, que vem sendo incor- mada de decisão no controle de cupins
O método tradicional de controle de porado pelos produtores de cana-de- subterrâneos em cana-de-açúcar, consi-
cupins de montículo é a sua perfuração, açúcar. Compreende levantamentos de derando maiores possibilidades de re-
por meio de uma barra de aço acionada níveis populacionais e identificação dos torno econômico, foi elaborada uma ta-
por marreta, até atingir a câmara de ce- gêneros e/ou espécies mais daninhos bela de levantamentos (Tabela 1), asso-
lulose, através da qual aplica-se uma cal- presentes nas áreas, o que tem permiti- ciada à necessidade de controle, basea-
da inseticida de produtos como endosul- do o uso mais racional dos cupinicidas. da em “pontos amostrais” de um hecta-
fan (0,1% de i.a.), imidacloprid (30g/100 l Com essa prática, tem sido possível redu- re (Figura 6).
de água), à razão de 1 l/cupinzeiro ou zir, em termos médios, cerca de 30% das Os “pontos amostrais” (Tabela 1) devem
fipronil (Regent 20g), 5g/cupinzeiro. áreas de reforma que efetivamente ne- ser distribuídos de forma casualizada, na
Com o advento da molécula fipronil, o cessitam de controle químico. área a ser amostrada. As amostras podem
controle pode ser feito com a simples es- Os levantamentos de infestações de ser constituídas de touceiras de cana ou
carificação da superfície do cupinzeiro e cupins podem ser feitos através do ar- de iscas do tipo Termitrap®. As amostras
a aplicação de 200 ml, em pulverização ranquio de soqueiras, após o último cor-
de uma calda aquosa a 0,04% de ingredi- te, nas áreas que serão renovadas, à ra-
ente ativo. zão de no mínimo 2/ha. Nas áreas de ex-
pansão, onde a cobertura não é cana-de- TABELA 1 | QUANTIDADE DE “PONTOS AMOS-
CONTROLE DOS CUPINS SUBTERRÂNEOS açúcar, os levantamentos podem ser fei- TRAIS”, DE ACORDO COM A ÁREA A AMOSTRAR
As restrições ao uso dos inseticidas or- tos plantando-se mudas de cana como ÁREA PONTOS AMOSTRAS
ganoclorados estimularam os estudos e isca. Mais recentemente, têm sido testa- AMOSTRAIS (TOUCEIRAS OU
das iscas para levantamentos de H. te- (1 ha) ISCAS)/PONTO
pesquisas sobre os cupins. Como conse-
nuis, tendo sido obtidos resultados pro- Até 10 ha 3 20
qüência, atualmente o consumo de inse-
ticidas no controle dessa praga está sen- missores com o papelão corrugado, com 11 a 50 ha 4 20

do feito com um embasamento técnico o qual é feita a isca Termitrap®. > 50 ha 5 20

VISÃO AGRÍCOLA Nº 1 JAN | JUN 2004 45


P R O D U Ç Ã O V E G E TA L

são examinadas quanto à presença e da- novos produtos e métodos de controle atingir a toda a colônia, por contato e
nos de cupins, identificadas as espécies alternativos. troca de alimentos. Esse método pode
e/ou gêneros. A atribuição de notas às Além do endosulfan, novas molécu- ser considerado ecológico, já que em-
populações e danos é dispensável, uma las cupinicidas, cujos ingredientes ati- prega uma concentração mínima de in-
vez que esses parâmetros são variáveis vos apresentam características total- seticida. Não é poluente e elimina gran-
conforme a época do ano, a umidade do mente diferentes das dos organoclora- de quantidade de insetos, chegando a
solo e, até mesmo, a hora do levantamen- dos e são bastantes seguros ao ambien- dizimar toda a colônia.
to. Parte-se do princípio de que, sendo os te, estão no mercado, como é o caso do
cupins insetos sociais, a identificação da imidacloprid, do fipronil e, mais recen- * Newton Macedo é professor da CCA,
presença e/ou dano denunciam o poten- temente, da bifentrina, do grupo dos pi- UFSCar, Araras-SP, newmac@cca.ufscar.br
Daniella Macedo é engenheira agrônoma,
cial de ataque do inseto. Quando são em- retróides. A partir da porcentagem de
MSc, PG, USP/ESALQ .
pregadas iscas, toletes de cana plantados iscas infestadas e/ou com sintomas de
ou isca Termitrap®, particularmente indi- ataque (danos), verificados por meio
cadas para áreas de expansão da cultura, dos levantamentos, tem sido usual a
as mesmas são distribuídas da mesma aplicação de cupinicida, nas seguintes
forma que na Figura 6 e devem permane- situações: 25% ou mais das iscas ou tou-
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
cer no solo por um período de 30 a 40 ceiras com presença de H. tenuis; 50%
BOTELHO, P. S. M.; MACEDO, N. Cotesia flavipes
dias, antes de serem examinadas. ou mais das iscas ou touceiras com pre- para o controle de Diatraea saccharalis. In:
sença de outras espécies de cupins. O PARRA, J.R.P.; BOTELHO, P. S. M.; CORRÊA-
CONTROLE CONVENCIONAL Nível de Dano é considerado como sen- FERREIRA, B. S.; BENTO, J. M. S. (Eds.). Contro-
do de 5% ou mais de touceiras atacadas le biológico no Brasil: parasitóides e preda-
Para os cupins subterrâneos, o contro-
dores. São Paulo: Manole, 2002. Cap. 25, p.
le mais efetivo na renovação do cana- (presença e/ou dano de cupins) pelos 409-323.
vial deve iniciar-se com práticas que re- gêneros e/ou espécies mais daninhos. GALLO, D.; NAKANO, O.; SILVEIRA NETO, S.; CAR-
duzam o potencial da praga. Assim, a Os Níveis de Controle (estimados) para VALHO, R.P.L.; BATISTA, G.C. de; BERTI FILHO,
colheita da área deve ser na época seca, os gêneros mais importantes nos cana- E.; PARRA, J.R.P.; ZUCCHI, R. A.; ALVES, S.B.;
viais Heterotermes, Proconitermes e VENDRAMINM, J.D.; MARC HINI, L.C.; LOPES,
acompanhada da destruição da soquei-
J.R.S.; OMOTO,C. Entomologia agrícola, Pira-
ra, seguida de aração profunda, com Cornitermes são, respectivamente, cicaba: FEALQ,2002. 920p.
bom destorroamento, para desestrutu- >10%, >25% e >40% de pontos com presen- MACEDO, D.; Controle associado de Heteroter-
rar as colônias e expor os insetos à pre- ça e/ou danos de cupins. mes tenuis (Hagen, 1858) (Isoptera: Rhinoter-
dação e morte por insolação. O empre- mitidae) com iscas atrativas, em cana-de-
açúcar. 2000.74p. Dissertação (Mestrado) –
go de inseticida, recomendado quando CONTROLE POR MEIO DE ISCAS
USP/ESALQ, Piracicaba, 2000.
as espécies daninhas estão em níveis O método de controle químico conven-
MACEDO, N.; BOTELHO, P. S. M. Técnicas para ava-
elevados, deve se restringir a aplica- cional, que consiste na aplicação de um liar a eficiência de inimigos naturais. In: PAR-
ções preventivas no momento de im- inseticida com alto poder residual, no RA, J. R. P.; BOTELHO, P. S. M.; CORRÊA-FERREI-
plantação da lavoura. O emprego de in- plantio da muda ou em área total, para RA, B. S.; BENTO, J. M. S. (Eds.). Controle bio-
lógico no Brasil: parasitóides e predadores.
seticidas no controle de cupins nos ca- a formação de uma barreira química,
São Paulo: Manole, 2002. Cap. 18, p. 313-323.
naviais brasileiros pode ser dividido em torna-se muito dispendioso e poluente.
MACEDO, N.; BOTELHO, P. S. M.; DEGASPARI, N.;
dois períodos distintos: Era dos Orga- Por essa razão, novas estratégias de con- ALMEIDA, L. C.; ARAÚJO, J. R.; MAGRINI, E. A.
noclorados, especialmente aldrin e trole de cupins subterrâneos vêm sendo Controle biológico da brocada cana-de-
heptacloro, empregados até 1985; e Era desenvolvidas, como é o caso da isca açúcar: manual de instruções. Piracicaba:
IAA/PLANALSUCAR, 1983.
Pós-organoclorados, a partir da proi- atrativa impregnada com inseticidas
MENDONÇA, A. F.; BARBOSA, G. V. S.; MARQUES,
bição da fabricação, comercialização e químicos e/ou biológicos, na qual são
E. J. As cigarrinhas da cana-de-açúcar (He-
utilização dos referidos produtos. A levados em consideração aspectos do miptera: Cercopidae) no Brasil. In: MEN-
proibição do emprego dos organoclora- comportamento social do inseto, como DONÇA, A. F. (Ed.). Pragas da cana-de-açú-
dos, se por um lado resultou no enca- trofalaxia, hábitos de limpeza (groo- car. Maceió: Insetos & CIA, 1996. p. 171-192.

recimento do controle dos cupins, por ming) e tigmotropismo. O modo de ação PIZANO, M. A.; FONTES, L. R. O. Ocorrência de He-
terotermes tenuis (Hagen, 1858) e Heteroter-
não haver, na ocasião, produto substi- nessa estratégia é a transmissão de
mes longiceps (Snyder, 1924) (Isoptera: Rhino-
tuto à altura, por outro estimulou o de- agentes químicos e/ou microbianos di- termitidae) atacando cana-de-açúcar no Bra-
senvolvimento da pesquisa na busca de retamente para os cupins, visando a sil. Brasil Açucareiro, v. 104, n. 3/4, p. 29, 1986.

46
VISÃO AGRÍCOLA Nº 1 JAN | JUN 2004 47
A D U B O S E CO R R E T I VO S

Produtividade

Recuperação
e manutenção
da fertilidade dos solos
José Luiz Ioriatti Demattê *

Diversas práticas agrícolas concorrem para a recuperação e manutenção da fertilida-


de dos solos. Neste artigo, serão abordados a avaliação do estoque de nutrientes, a
relação entre o cálcio e o sistema radicular da cana-de-açúcar, a ação do calcário e do
gesso, a dinâmica dos cátions básicos (Ca, Mg e K), a relação entre calcário, gesso e a
produtividade da cana, a quantidade de nutrientes extraída pela cana, o caso do ni-
trogênio, o parcelamento da adubação nitrogenada e a questão da lixiviação como
resposta da cana às adubações fosfatada e potássica, a adubação da cana-palha, os
silicatos, a adubação com micronutrientes, a combinação nematicida e eficiência de

SÍLVIO FERREIRA/UNICA

Plantio e distribuição de mudas no sulco;


Usina da Barra, Barra Bonita, SP; 2001

48
fertilizantes, além de alguns comentári- o que poderá ser feito com o uso de maior desenvolvimento da cultura,
os sobre a agricultura de precisão. fertilizante mineral ou orgânico. normalmente no período vegetativo,
A produtividade da cana-soca, em em torno de seis meses para cana-
função da saturação por bases (V%), em AVALIAÇÃO DO ESTOQUE DE planta e socas de início e meados da
talhões comerciais da Usina Barra Gran- NUTRIENTES safra e três meses para socas de final
de, em Lençóis Paulista-SP, pode ser ob- Para avaliação do estoque de nutrientes, de safra; coletar na faixa de 20 a 30
servada na Tabela 1. No segundo corte da são utilizadas as diagnoses visual e a fo- folhas por talhão (10 a 12 ha).
RB806043, a produtividade foi de 70 t/ liar, assim como as análises do solo. Para A amostragem dos solos para a avali-
ha, contra a média dos demais talhões de complementação, podem-se utilizar as ação da fertilidade deve ser feita três
87 t/ha. Por outro lado, no décimo cor- análises do caldo da cana. Para a diag- a cinco meses antes do plantio, reti-
te, a produtividade da SP71-1406, locali- nose visual, usam-se os critérios dos sin- rando-se 12 a 15 amostras simples,
zada em ambiente A, foi de 62 t/ha, en- tomas de deficiências nas folhas da cul- para uma área de 12 a 15 ha. Amostrar
tão elevada, se se considerar o número tura. No caso do nitrogênio, há amare- nas duas profundidades, 0-25 e 26-50
de cortes. lecimento generalizado nas folhas, pou- cm. Nas canas-socas, é recomendado
O principal fator que levou à queda co perfilhamento e colmos finos. No amostrar no corte anterior e na entre-
acentuada da produtividade da RB caso de deficiência de fósforo, há redu- linha; se o caso for de correção da sa-
806043 e da grande longevidade da ção e atraso no desenvolvimento do sis- turação por bases, amostrar em duas
SP71-1406 foi a fertilidade dos solos. A V% tema radicular, o que tende a refletir no profundidades. A densidade de amos-
do primeiro caso apresentou valor bai- menor desenvolvimento da cultura da tragem pode ser maior, 20 a 30 ha, de-
xo na primeira camada, e extremamen- cultura. Tais deficiências, principalmen- pendendo da variabilidade da área.
te baixos na subsuperfície, até os 100 cm te a do nitrogênio, podem ser mascara- Atualmente, tem-se tentado correla-
de profundidade. No outro caso, o valor das com a época de observação (perío- ções entre solo-variedade-análise do
da saturação de bases é elevado, tanto do seco) ou com determinadas doenças caldo, para calibrar melhor o aspecto
na superfície, como na subsuperfície, até (estria vermelha). nutricional da cultura, principalmen-
100 cm de profundidade. Portanto, no A diagnose foliar é avaliada através te para os macronutrientes.
primeiro caso, o solo está empobrecido, das análises das folhas, usando as faixas
tanto na superfície, como na subsuper- de teores indicadas por Raij e Cantare- CÁLCIO E SISTEMA RADICULAR
fície, e não tem suporte para grandes lla (1996). Os cuidados a serem tomados Uma das limitações dos solos na região
produtividades. A baixa saturação por nesse exame são os seguintes: tropical úmida é a baixa fertilidade em
bases em profundidade restringe o de- Uniformidade da área em relação à profundidade, e isso se reflete no me-
senvolvimento radicular e, em conse- idade da cultura, variedade, categoria nor volume explorado pelo sistema ra-
qüência, o volume de solo explorado de corte; coletar a folha + 3, usando o dicular e, em conseqüência, na menor
pelas raízes, o que não ocorreu no se- terço médio para análise em época de produtividade. Em cana-de-açúcar, a
gundo caso.
Em princípio, as bases para a recupe-
ração da fertilidade dos solos seriam as TABELA 1 | PRODUTIVIDADE DA CANA-SOCA E CARACTERÍSTICAS QUÍMICAS DE SOLOS DA RE-
seguintes: GIÃO DE LENÇÓIS PAULISTA–SP. SAFRA 1995/1996
Em relação ao primeiro caso, elevar e PROFUNDIDADE Al Ca Mg CTC V
manter o nível da saturação das bases cm cmol/dm 3
%
na faixa de 40 a 65% na superfície do RB806043 – 2º Corte – 70 t/ha (ambiente E)
solo, e pelo menos na faixa de 40% até 0-25 0,24 0,49 0,38 3,47 27
os 60 cm de profundidade do solo.
25-50 0,81 0,07 0,03 3,20 5
Essa recuperação deve ser feita com o
50-75 0,84 0,05 0,02 3,01 6
uso de calcário e de gesso.
75-100 1,02 0,05 0,03 2,98 5
No segundo caso, de solos férteis, é
SP71-1406 – 10º Corte – 62 t/ha (ambiente A)
importante não deixá-los empobre-
0-25 0,12 6,27 1,12 10,89 62
cer. Posteriormente, haverá necessi-
25-50 0,17 5,50 0,92 8,63 74
dade de enriquecer a superfície do
solo com fósforo, assim como equili- 50-75 0,10 4,35 0,89 7,37 71

brar a quantidade de micronutrientes, 75-100 0,12 4,50 1,11 7,61 73

VISÃO AGRÍCOLA Nº 1 JAN | JUN 2004 49


A D U B O S E CO R R E T I VO S

profundidade do sistema radicular no PRNT=Poder Relativo de Neutralização TABELA 2 | QUANTIDADE APROXIMADA DE


GESSO A SER APLICADA DE ACORDO COM A
Brasil atinge os 60 cm, contra 160 em do Calcário. Como essa sugestão não
CTC E V% DO SUBSOLO
outros países. Portanto, um dos objeti- leva em consideração a CTC do solo, à
CTC (mmol/dm3) V% GESSO (t/ha)
vos no manejo da fertilidade desses so- medida que aumenta esse valor, pode
<10 2
los é favorecer o maior volume de explo- aumentar também o teor de Ca+Mg, po-
Menor que 30 10-20 1,5
ração radicular. dendo ser superior a 3 cmol/dm3 e, nes-
Em trabalho feito no Brasil Central, se caso, não haveria necessidade de cal- 20-35 1

Ritchey et al. (1981) observaram que, cário. Com isso, criou-se um impasse, <10 3

após calagem, houve redistribuição do pois experimentos com solos de eleva- 30-60 10-20 2
cálcio até 110 cm de profundidade; ao da CTC e teor de Ca+Mg superior a 3 20-35 1,5
mesmo tempo, houve tendência de dis- cmol/dm3, porém com V% abaixo de 30%, < 10 3,5
tribuição das raízes de trigo, em função tem respondido positivamente à aplica- 60-100 10-20 3
desses teores de cálcio, tanto no primei- ção do corretivo. 20-35 2,5
ro ano como após o quarto ano. Traba- Posteriormente, esses autores, assim Fonte: Demattê (1986)
lhando na calibração do gesso e do cal- como Penatti e Forti (1994), corrigiram
cário em solos de baixa CTC na cultura esse caso, indicando que, para solos que
da cana, Morelli et al. (1987) encontra- apresentem CTC maior que 5,5 cmol/dm3
ram a mesma correlação entre cálcio e e V abaixo de 15%, deve-se utilizar, pelo ser direcionado no plantio e nas soquei-
sistema radicular. Após 27 meses de ins- menos, 2 t/ha de calcário a mais do que ras, dependendo do tipo de planejamen-
talação do experimento, o tratamento a dose recomendada pela Copersucar, to implantado. O cálculo para a quantida-
com 2,8 t/ha de gesso indicou a distribui- ou optar pela fórmula desenvolvida pelo de de gesso a ser aplicada para cana-
ção do cálcio e das raízes até 150 cm de Instituto Agronômico de Campinas, que planta ou soca pode ser feito em função
profundidade. leva em consideração a CTC: NC=100.(Vf- da CTC e da saturação por bases do solo,
Vi).CTC/PRNT, onde: Vf= saturação de ba- de acordo com a análise da segunda ca-
AÇÃO DO CALCÁRIO E DO GESSO ses desejada; Vi=saturação de bases do mada (20-40 cm) (Tabela 2).
Historicamente, o uso do calcário na cul- solo por ocasião da calagem; CTC =Capa- Há necessidade de alguns esclareci-
tura da cana tem sido controverso, prin- cidade de Troca de Cátions em cmol/dm3. mentos quanto ao método de aplicação
cipalmente em relação às respostas na Tais fórmulas levam em consideração desses dois insumos. Teoricamente, e
produtividade. No final da década de 1970 a NC até 20 cm de profundidade. Entre- para melhor eficiência da ação do gesso
e início da de 1980, eram comuns informa- tanto, é necessário, em cana-planta e em no transporte de nutrientes em profun-
ções de que o calcário não aumentava a solos pobres em profundidade, aplicar o didade, ele deveria ser aplicado de três
produtividade e por isso não haveria ne- corretivo a, pelo menos, 30 cm. A suges- a seis meses após o calcário. Entretan-
cessidade de seu uso. Além disso, ao lon- tão seria usar o somatório da quantida- to, tal procedimento é difícil de ser exe-
go da década de 1980, diversas recomen- de de calcário a 0-20 cm, usando a CTC cutado e, sendo assim, sugere-se arma-
dações para o uso do calcário, assim como desta análise, acrescida da quantidade de zenar os insumos um ao lado do outro na
das fórmulas para o cálculo da quantida- 20-30 cm, ou seja: NC=(Vf-Vi). CTC1+½ (Vf- lavoura e aplicá-lo um em seguida do
de do corretivo, foram sugeridas, entre Vi). CTC2/PRNT, onde CTC1 corresponde à outro. Aparentemente, os resultados
elas o teor de Al, o teor de Ca+Mg, o pH, os análise de 0-20 cm e a CTC2 à análise de obtidos com esse procedimento têm
níveis críticos de Ca e Mg etc. 20-40 cm. Para o sucesso dessa prática, sido satisfatórios.
Foi somente a partir de meados da dé- recomenda-se incorporar o calcário o A recuperação química é relativamen-
cada de 1980 que esse tema tomou um mais profundo possível, até 40 cm, prin- te rápida em solos de baixa CTC, inde-
rumo mais consistente, e os resultados cipalmente, em solos argilosos. Trabalhos pendentemente da textura. Entretanto,
permitiram uma linha de recomendação têm indicado que o cálculo teórico da NC a recuperação em solos de elevada CTC
mais segura. Benedini e Korndörfer não corresponde ao aumento da satura- é mais cara e demanda mais tempo, jus-
(1988), em diversos experimentos, suge- ção por bases desejada. Devido a esse tamente devido ao elevado poder tam-
riram o uso do cálculo da necessidade da fato, tem-se aplicado 20% a mais do cal- pão desses solos.
calagem pela expressão: NC=(3- cário. Como já foi enfatizado, o uso do É recomendado que a recuperação
(Ca+Mg)*100)/PRNT, onde NC = Necessi- gesso auxilia a recuperação química do química de solos de elevado poder tam-
dade de calagem em t/h a 20 cm de pro- solo em profundidade, além de fornecer pão seja feita ao longo dos anos, em vez
fundidade, Ca+Mg em cmol/dm 3 e cálcio e enxofre à cultura. Seu uso pode de tentar fazê-la de uma única vez. Por

50
outro lado, um solo de CTC elevada, uma TABELA 3 | PRODUTIVIDADE DA CANA-DE-AÇÚCAR, EM SOLO ARENOSO ÁCIDO TRATADO COM
CALCÁRIO E GESSO (QUATRO CORTES)
vez recuperado, demora mais tempo
para perder a fertilidade, em relação a TRATAMENTOS 1º CORTE 2º CORTE 3º CORTE 4º CORTE DIFER. PARA

um solo de baixa CTC. CALCÁRIO GESSO (7/88) (7/89) (8/90) (9/91) SOMA TESTEMUNHA
t/ha t cana/ha

DINÂMICA DAS BASES (Ca, Mg, K) 0 0 121,8 98 88 88 395 -


Ao longo da exploração agrícola, os te- 0 2 128,8 103 93 100 424 29
ores dos nutrientes tendem a cair, prin- 0 4 129,7 109 96 110 444 49
cipalmente as bases, mais rapidamen- 0 6 130,7 109 96 111 446 51
te nos solos de baixa CTC. Em experi- 2 0 128,8 107 94,0 110 439 44
mento de longa duração, Morelli et al. 2 2 131,4 109 98,0 116 454 59
(1992), trabalhando na calibração de 2 4 140,4 116 99,9 112 467 72
doses de calcário e de gesso, em solos
2 6 133,1 111 95,4 117 456 61
de baixa CTC, avaliaram os valores de
4 0 130,0 110 97 113 449 56
V% após 8 e 18 meses do plantio da cana.
4 2 140,0 119 100 125 482 87
Aos oito meses, e com as doses crescen-
4 4 133,5 119 102 116 469 73
tes de gesso, houve aumento, porém de
4 6 135,1 129 95 113 471 76
menor expressão, da saturação por ba-
6 0 126,1 106 95 112 439 44
ses em profundidade. Aos 18 meses,
houve redistribuição dos resultados em 6 2 128,8 110 104 125 467 72

profundidade, porém com diminuição 6 4 130,7 109 96 117 452 57

dos valores na superfície. Com o calcá- 6 6 126,7 117 103 126 472 77
rio, a situação de decréscimo é a mes-
ma, porém há diferenças expressivas
nos valores de V%. Quando há associa-
ção do calcário com o gesso, a redistri- CALCÁRIO, GESSO E relações Ca/Mg variando de 3,9 a 8,9, o
buição em profundidade é mais eficien- PRODUTIVIDADE que vem comprovar que não há neces-
te e duradoura. O uso do corretivo é componente funda- sidade dessa relação ser menor. O que
Examinando-se o comportamento mental na recuperação dos solos, assim deve ser levado em consideração, neste
isolado do cálcio e do magnésio, após 18 como no aumento da produtividade, caso, é o cuidado de não deixar que o
meses de aplicação, os autores notaram haja vista o grande número de resulta- teor de Mg atinja valores mínimos, que
o empobrecimento do Mg, quando se dos experimentais positivos, principal- possam comprometer sua absorção.
utilizou o gesso isoladamente, como no mente quando associado com o gesso Após a recuperação química e ao lon-
tratamento 4 t/ha. Nesse tratamento, o (Penatti e Forti, 1994).Neste caso em par- go dos cortes, os teores de Ca e Mg do
teor de Mg na testemunha era de 0,17 ticular, Morelli et al. (1992,) em trabalho solo tendem a cair, com maior velocida-
cmol/dm3 na superfície e passou para de longa duração, com quatro cortes, de nos solos de baixa CTC. Assim é que,
0,06 cmol/dm 3 . Na profundidade de usando calcário e gesso em solo de bai- em trabalho de longa duração, cinco
100-150 cm, o teor de Mg na testemu- xa CTC, obtiveram resultados expressi- cortes, com solo de CTC baixa, Morelli et
nha, que era de 0,02 cmol/dm3, passou vos (Tabela 3). al. (1987) verificaram que, para o trata-
para 0,13 cmol/dm 3 . Por outro lado, A aplicação do calcário, como corre- mento de 2,5 t/ha de calcário, associado
quando se associou o calcário com o tivo do solo, é indicada em área total e, com 1,5 t/ha de gesso, aplicado por oca-
gesso (tratamento 4 t/ha de calcário+2 se possível, com incorporação, se bem sião do preparo do solo, a saturação por
t/ha de gesso) houve enriquecimento que a aplicação também no sulco tem bases era de 15 e 7%, respectivamente, a
em profundidade, tanto para o Mg tido efeito positivo. Em plantio direto, 0-20 cm e 20-50 cm de profundidade.
como para o Ca. Sendo assim, é impor- pode-se optar pela aplicação de 2/3 em Após o primeiro corte, a saturação na
tante que o uso do gesso deva ser sem- área total e 1/3 dentro do sulco. Tem sido camada superficial era de 52 e 38%, res-
pre acompanhado pelo calcário, a me- discutida a questão da relação Ca/Mg, pectivamente, para as duas profundida-
nos que os resultados das análises de principalmente quando se usa o gesso. des, caindo gradativamente ao longo
solos indiquem o contrário. Morelli et al. (1992) observaram que pro- dos cortes e atingindo valores próximos
dutividades elevadas foram obtidas com à do estado inicial, após o quinto corte.

VISÃO AGRÍCOLA Nº 1 JAN | JUN 2004 51


A D U B O S E CO R R E T I VO S

segunda camada, usa-se o gesso. Have-


rá casos em que devem ser aplicados os
dois insumos. Os produtos são aplicados
em área total, na superfície do solo, e,
E.G.F. BEAUCLAIR/USP ESALQ

quando possível, incorporado ligeira-


mente, por ocasião do cultivo.

NUTRIENTES EXTRAÍDOS PELA


CANA
A cultura da cana-de-açúcar é grande
extratora de nutrientes do solo. Para
formação de 1 t de colmo, a literatura
tem indicado variações de 0,9 a 1,32 kg
de nitrogênio; 0,20 a 0,69 kg de P2O5; 1,2
a 1,8 kg de K2O; 0,70 a 0,95 de CaO; 0,56 a
0,86 de MgO e 0,30 a 0,36 de S. A quanti-
dade de nutrientes a ser suprida pela
cultura pode ser dada pela expressão:
“Quantidade de nutrientes = (necessida-
de da planta-reserva no solo).f”.
O fator f, de aproveitamento do ferti-
lizante pelas raízes da planta, visa cor-
rigir as possíveis perdas sofridas nos
processos que ocorrem entre a aplica-
ção do fertilizante e a absorção, entre
elas as perdas por erosão, volatilização
(no caso da uréia e aquamônea), lixivia-
ção (para nitrato e potássio), fixação
Disposição de mudas no sulco de plantio na Estação Experimental de Piracicaba (CTEP-CTC);
(para fosfato), queima da palhada (vola-
Piracicaba, SP, 1984
tilização do N e SO2). Em função dessas
perdas, pode-se estimar a percentagem
Mediante esses resultados, conclui-se subseqüentes. Demattê (1986) observou média de aproveitamento dos nutrien-
que há necessidade de se aplicar nova- que a aplicação de 2 t/ha, logo após o tes, a saber 30 a 40% para o fósforo e 70%
mente os corretivos no meio do ciclo da primeiro corte de uma SP70-1143 promo- para o potássio. Em relação ao nitrogê-
cultura. Com base nessas evidências, veu acréscimo de produtividade de 8 t/ nio, sua ação no solo é muito influenci-
Lorenzetti et al. (1992), em quatro expe- ha. Nos cortes seguintes, o efeito residu- ada pela matéria orgânica e, sendo as-
rimentos aplicando calcário, gesso e fós- al propiciou acréscimos nesse tratamen- sim, o aproveitamento é extremamente
foro em soqueiras e em solos de valores to de 19 e 12 t/ha, respectivamente, num variável. No caso de cana-soca, o apro-
variados de CTC, obtiveram acréscimos total nos três cortes de 37 t/ha. veitamento está na faixa de 25 a 30% e,
de produtividade praticamente em to- As recomendações quanto ao uso des- na cana-planta, o valor é mais baixo.
dos os casos analisados. Com isso, um ses produtos em soqueiras será em fun-
talhão que iria ser reformado passou a ção das análises de solos da camada su- NITROGÊNIO
dar mais cortes. A associação do calcá- perficial, indicado para o calcário, e da As respostas à adubação nitrogenada no
rio com o fósforo foi favorável ao au- subsuperfície, indicado para o gesso. plantio são não conclusivas, enquanto nas
mento da produtividade, porém o mes- Quando a saturação por bases estiver socas são mais consistentes. O N aplicado,
mo não ocorreu com o gesso. Isso se ex- abaixo de 45% na camada superficial, uma vez em contato com o solo, entra no
plica porque o usado continha fósforo, usa-se o calcário (determinar a necessi- complexo matéria orgânica, morta ou
e, além disso, o gesso não altera o pH do dade do calcário usando a recomenda- viva, sofrendo as reações de imobilização
solo. O uso em soqueira desses produtos ção do IAC, com a Vf para 60%). Quando e mineralização, cuja dimensão, infeliz-
pode ter efeito residual nos cortes esse valor estiver abaixo de 40%, na mente, é pouco conhecida ainda em

52
nossos solos, principalmente na cultura Práticas agrícolas – A calagem, as- PARCELAMENTO DA ADUBAÇÃO
canavieira. Em relação à cana-planta, Aze- sociada com a mobilização do solo e NITROGENADA NO PLANTIO
redo et al. (1986) e Carnauba (1990) mos- com o período quente e úmido por A prática do parcelamento da adubação
traram que, em 135 experimentos de cam- ocasião do preparo dos solos, acelera nitrogenada tem sido efetuada, princi-
po, nas mais diversas regiões canavieiras o processo de mineralização. O uso do palmente pelos fornecedores de cana,
do Brasil, somente 19% indicaram acrésci- gesso favorece o desenvolvimento ra- mais por tradição e por algumas usinas,
mos significativos na produtividade, devi- dicular em profundidade, que pode estas mais pelo receio das perdas do N
do à adubação nitrogenada. De 1990 até captar mais nitrogênio. por lixiviação. Da mesma maneira que os
Gava et al. (2003), outros experimentos Fixação biológica – Em 1961, Dobe- resultados da adubação nitrogenada no
foram testados, com as mesmas tendênci- reiner encontrou diversas bactérias sulco de plantio são inconclusivos, o
as de respostas. fixadoras de N, tanto na rizosfera, mesmo tem se repetido no parcelamen-
Se considerar que a cana extrai na fai- quanto na superfície das raízes. A par- to, tanto por via solo como por aplicação
xa de 0,92 a 1,2 kg/t de colmo, como ex- tir daí, outros pesquisadores identifi- aérea. Morelli et al. (1997a) instalaram
plicar produtividades de primeiro corte caram grande diversidade de bactéri- cinco experimentos sobre parcelamen-
na faixa de 115 t/ha, como no ano agríco- as fixadoras de N em cana (Arias et al., to do N no plantio, em Areia Quartzoza,
la 2002 (Copersucar), com doses de N de 1978), assim como identificaram se- com teor de argila de 8% na superfície e
0 a 60 kg/ha? Nessa linha de trabalho, rem elas dependentes das variedades 12% na subsuperfície. Os autores obser-
Morelli et al. (1997a) obtiveram 148 t/ha (Urquiaga et al., 1997), encontrando varam que não houve resposta ao fraci-
no primeiro corte, em Latossolo de tex- valores de 52,3% do N fixado pela onamento do N, da mesma maneira que
tura média arenosa, com dose zero de N. SP70-1143 e 46 % na SP71-799. os resultados da Copersucar (1998, Bo-
Trabalhos relacionados a aprofundar De acordo com Morelli et al. (1987), os letim, n. 91). Possíveis explicações:
esse tema têm sido desenvolvidos, prin- cálculos grosseiros para estimar a quan- O próprio estoque de N do solo, como
cipalmente sobre o N marcado, liderado tidade de N estocado no solo, usando a visto anteriormente;
por Trivelin, no Cena, em Piracicaba (Tri- mineralização do N da matéria orgânica, O parcelamento normalmente é feito
velin et al., 1995, 1996) e pelo grupo de na faixa 0-50 cm de profundidade, assim no início das chuvas, período de má-
microbiologia (Dobereiner, 1983). O apa- como o N mineralizado pelo ciclo de cin- xima mineralização do N orgânico.
rente não empobrecimento em N do solo co cortes da soqueira, acrescido pelas Por outro lado, a operação de parce-
e a manutenção da produção da cana reservas do N no tolete, chegou a um to- lamento implica no “fechamento” do sul-
sugerem que a cultura pode obter seu N tal de 135 kg de N mineralizado, suficien- co de plantio, ou seja, há necessidade de
a partir de outros meios, ou então o pró- te para suprir grande parte da demanda um cultivo. Tem-se constatado perda de
prio solo fornecer o N por outros cami- do N pela cana-planta, em todos os ex- produtividade com essa operação, além
nhos. Como fonte alternativa de N para perimentos testados. Não foi estimada a da quebra do efeito dos herbicidas e da-
a cana, citam-se: fixação biológica. Resultados experi- nificação dos perfilhos. A perda de pro-
N mineralizado dos restos de cul- mentais foram obtidos por técnicos da dutividade está mais relacionada à per-
tura da própria cana – Barnes Copersucar (2000, Boletim, n. 115), em da de umidade do solo, devido ao pro-
(1964) indica que, dos 100% do N da três experimentos sobre adubação ni- cesso de escarificação ainda no período
cultura, 14% estão na forma de soquei- trogenada em cana-planta (doses de 0 a seco, assim como ao rompimento de raí-
ra e 4,6% na de raiz. 90 kg/ha), em solos de texturas contras- zes. O parcelamento do N via aérea foi
N mineralizado da matéria orgâ- tantes, desde os arenosos aos argilosos, muito utilizado durante a década de
nica do solo – Greenland (1986) con- e em 40 variedades SPs e RBs. Tais auto- 1980 e início da de 1990, e tem sido ain-
sidera que, em ambiente tropical úmi- res observaram que as respostas tam- da utilizado, porém em menor escala.
do, 5% da matéria orgânica do solo es- bém foram inconclusivas. No caso da Entretanto, tal prática tem sido questi-
tão na forma de N e que a taxa de RB72454, houve resposta no solo areno- onada. Em experimento de longa dura-
mineralização anual é de 2%. so, mas não no argiloso. No Latossolo de ção (Morelli et al., 1997b), simulando
N armazenado no tolete de plan- textura média, das 40 variedades testa- aplicação aérea em relação ao parcela-
tio – Carneiro (1995) observou que das, somente duas responderam. A aná- mento do N e do K, nas formas de uréia
as reservas de N no tolete, um total lise conjunta mostrou haver retorno e cloreto de potássio, em parcelas con-
de 12 kg, são transferidas parcial- econômico com aplicação do N na faixa troladas durante as safras de 1992, de
mente (50%) para os tecidos da cul- de 40 a 60 kg/ha, para as variedades res- 1993, (esta com reaplicação dos produ-
tura principal. ponsivas. tos), de 1994 e de 1995 (também com re-

VISÃO AGRÍCOLA Nº 1 JAN | JUN 2004 53


A D U B O S E CO R R E T I VO S

aplicação), em solos de textura arenosa de 1 mm de NO3 translocado no solo/mm podzolizado, com CTC de 10 cmol/kg e
a argilosa, desde as Areias Quartzosas ao de chuva. Considerando um saldo de 600 com teor de Ca+Mg de 4,0 cmol/kg. Após
Latossolo Roxo, em diversas variedades, mm entre precipitação e evapotranspi- quatro cortes, notou-se que, à medida
não obtiveram resultados significativos. ração, a profundidade do lixiviado esta- que aumentou o teor de calcário, o acrés-
ria a 60 cm de profundidade do solo, ain- cimo de produtividade foi de 72 t/ha, res-
A QUESTÃO DA LIXIVIAÇÃO da possível de ser absorvido pelas raízes pondendo assim a esse insumo, apesar do
A perda do N por lixiviação é influenci- da cana. teor de Ca+Mg ser superior a 3 cmol/kg.
ada por uma série de fatores, entre eles Por outro lado, a interação calcário e fós-
a quantidade de chuvas, a solubilidade ADUBAÇÃO DE N PARA PLANTIO foro apresentou maior produtividade do
dos sais, a afinidade dos íons pelos síti- Os trabalhos da Copersucar (2000, Bole- que o uso isolado do supertriplo.
os de adsorção do solo, a presença de tim, n. 115) sobre recomendação de adu-
íons acompanhantes, a composição quí- bação, assim como de outras fontes, têm APLICAÇÃO DO FÓSFORO
mica do material orgânico adicionado ao indicado o seguinte: as doses de N esta- O fósforo é pouco móvel no solo. No-
solo, o clima e as características dos so- riam na faixa de zero a 60 kg/ha; na mé- vais e Smyth (1999) indicam uma dis-
los (Oliveira et al., 1999). Apesar da pre- dia, tem-se usado 30 a 40 kg/ha; a apli- tância média percorrida do fósforo de
ocupação por parte dos técnicos das usi- cação seria feita somente no fundo do 0,013 mm/dia. Se considerarmos os
nas, em relação a possíveis perdas por sulco; no uso de leguminosa como cul- meses com chuva de novembro a abril,
lixiviação do N no plantio, tal fato não tura secundária, não se aplica o N; a tor- ou seja, 180 dias, a distância máxima
parece ser significativo. Experimentos ta de filtro supre todo o N. Não há ne- percorrida pelo fósforo será de 0,23
com N15, feitos em cana-planta no Brasil, nhuma contra-indicação quanto ao uso cm. Considerando que o sistema radi-
têm indicado ausência de perda por li- das diversas formas de N, no caso uréia, cular da cana tende a explorar diver-
xiviação do nitrogênio do adubo ou nitrato de amônia e sulfato de amônio. sas camadas do solo, principalmente
quando ela ocorreu, foi em pequena as mais superficiais, onde houver raiz,
quantidade (Salcedo et al., 1988). Tais O FÓSFORO NO SOLO deveria haver fósforo. Portanto, seria
autores atribuem essa ausência ou pe- O fósforo é um nutriente de baixo apro- recomendado, em solos de baixo teor
quena quantidade lixiviada ao papel da veitamento pelas plantas, devido ao fato de fósforo, aplicações de fósforo com-
imobilização pelos organismos do solo. das reações de “fixação” que se proces- binadas em área total e no sulco, por
Contudo, há relatos de perdas de N fer- sam no solo. As quantidades aplicadas, ocasião do plantio.
tilizante com 28,2% e 7,5%, quando se uti- principalmente no plantio da cana, su- Morelli et al. (1996), trabalhando com
lizou a uréia e aquamônia, respectiva- peram a quantidade extraída pela cultu- solos de baixa CTC e baixo teor de fós-
mente (Camargo, 1989). ra (faixa de 0,43 kg de P2O5/t), diferindo foro (6 ppm), aplicaram o termofosfato
Oliveira et al. (1999) estudaram as per- nesse aspecto em relação ao potássio, magnesiano em área total e no sulco. A
das de N15 proveniente da uréia, em solo cuja quantidade aplicada corresponde aplicação a lanço foi mais eficiente nos
podzolizado com 84% de areia na cama- aproximadamente à quantidade extraí- dois cortes do que a aplicação no sulco.
da superficial e doses de N de 0, 30, 60 e da pela cultura. Tal fato evidencia que, Comparando a aplicação de 200 kg/ha
90 kg/ha. Durante o período experimen- antes de adubar a planta com fósforo, é de P2O5 a lanço, com a aplicação da mes-
tal, as precipitações e as irrigações so- preciso adubar o solo. A maior disponi- ma quantidade no sulco, a diferença
maram 2.015 mm de água. Tais pesquisa- bilidade do fósforo está na faixa de pH para a aplicação a lanço, nos dois cortes,
dores observaram que, durante o expe- em H2O de 5,5 a 6,8, condição que permi- foi de 56 t/ha. Entretanto, a associação
rimento, não ocorreu perda por lixivia- te a combinação das maiores solubilida- das aplicações a lanço com a aplicação
ção de N originário da uréia, em nenhu- des de fosfatos de alumínio, de ferro e de no sulco tem resultado mais favorável
ma das doses aplicadas. As maiores per- cálcio. Além disso, uma série de fatores do que as aplicações isoladas. Tais resul-
das de N, principalmente na forma de interferem na eficiência da adubação tados vêm comprovar da necessidade de
NO3, foram provenientes do solo e dos fosfatada relacionada ao adubo, ao solo se proceder à fosfatagem por ocasião do
restos de cultura. O valor médio do N li- e a planta, fatores esses que não serão plantio. A fosfatagem tem sido recomen-
xiviado foi de 4,5 kg/ha. Um cálculo tratados neste trabalho. dada quando o teor de P2O5 do solo for
aproximado da lixiviação é sugerido por Zambello Junior et al. (1983) testaram inferior a 10 ppm.
Reichardt et al. (1982). Tais autores, após a interação calcário e fósforo, em solo de Em relação à fonte a ser utilizada, tan-
deduzirem a evapotranspiração da pre- elevada CTC, na região de Piracicaba, to a aplicação em área total, como no
cipitação, indicam a lixiviação, na faixa usando o superfosfato triplo. O solo era sulco de plantio, os fosfatos solúveis são

54
superiores aos fosfatos naturais. A razão TABELA 4 | ADUBAÇÃO MINERAL DE PLANTIO COM BASE NA ANÁLISE DE SOLO
é o fato dos fosfatos naturais requere- N PRESINA P2O5 K K2O
rem acidez natural do solo para solubi- kg/ha mg/dm3 kg/ha mmol/dm3 kg/ha
lização do fósforo. Como nesta cultura 40 0-6 150 1
<0,7 160
se usa freqüentemente o calcário, tanto 40 7-15 120 0,8-1,5 130
no preparo do solo como nas soqueiras, 40 16-30 90 1,6-3 100
a eficiência dos fosfatos naturais decres-
40 30-50 60 3,1-5 80
ce, à medida que o pH do solo aumenta,
40 Mais que 50 0 >5 0
sendo o contrário, em relação aos fosfa-
(1)
Adicionar 100 kg/ha de P205 em área total
tos solúveis.

BALANÇO DO FÓSFORO NO SOLO


Considere uma aplicação no sulco de
plantio de 150 kg de P2O5 em solo argilo- cana-planta, pode ser explicada pelo RECOMENDAÇÃO DE N E K
so, com baixo teor de fósforo; uma fixa- fato de que o ciclo das soqueiras não é Infelizmente, não há curvas de resposta
ção pelo solo de 30%; uma extração de favorável à mineralização do N. Grande para o nitrogênio, diferentemente do K
0,43 kg de P2O5/t de massa verde e uma parte do ciclo das soqueiras coincide e do P. O principal motivo é o pouco co-
produtividade no ciclo de 400 t. A quan- com condições climáticas menos úmi- nhecimento da taxa de mineralização do
tidade de P2O5 necessária pela cultura no das; durante o ciclo, o solo é pouco ou N na região tropical úmida. Sendo assim,
ciclo é 172 kg (400.0,43) e a quantidade nada mobilizado por ocasião do cultivo; a melhor recomendação ainda é a base-
existente no solo (deduzida a quantida- os corretivos, quando aplicados, não são ada na expectativa de produção e no uso
de fixada) é 105 kg (30% de 150). Nesse incorporados. Tais considerações são da relação 1,0 a 1,2 kg de N/t de colmo.
exemplo, há um déficit de 67 kg de P2O5, adversas à mineralização da matéria or- Se a expectativa de produção de um se-
que deveria ser reposto nas socas mais gânica e, com isso, o N do adubo passa a gundo corte for de 90 t/ha de colmos,
velhas, pelo menos para suprir a cultu- ter resposta. devem ser usados 100 kg/ha de N; se a ex-
ra. Entretanto, se o solo estiver muito As respostas ao N em soqueira são tam- pectativa for de 60 t/ha de colmo, devem
ácido (V% abaixo de 40), não haverá res- bém função da textura do solo e, nesse ser usados na faixa de 70 kg/ha de N.
posta a esse fósforo adicional. Será pre- caso, com maior ganho de produtividade As respostas de K nas soqueiras são
ciso, nesse caso, aplicar também o cal- para os arenosos (Figura 1). Uma possível semelhantes às na cana-planta. Maior
cário, como já foi indicado. explicação para a reação diferenciada ao ganho de produtividade, entretanto,
N se refere ao maior teor de matéria or- está nos solos argilosos. Em relação à re-
POTÁSSIO gânica do solo argiloso e, sendo assim, comendação, devem-se usar os resulta-
Como a maioria dos solos brasileiros cul- maior imobilização do N adubo. dos da Tabela 4, ou então, se o solo tiver
tivados com cana apresenta baixa quan- Por outro lado, um fato interessante se
tidade de potássio não trocável, o equi- refere à eficiência de utilização de ferti-
líbrio Knão trocável e Ktrocável não é importan- lizantes nitrogenados (EUFN) aproveita-
te. Sendo assim, o Ktrocável seria a única re- dos pela soqueira de cana. Resultados ex- FIGURA 1 | PRODUTIVIDADE DE CANA-SOCA
serva disponível que controla o K em so- perimentais com N15 têm indicado que a COM DOSES DE NITROGÊNIO EM SOLOS DE
EUFN é baixa, na faixa de 12 a 27% na cana- TEXTURA ARGILOSA E ARENOSA*
lução. Devido a essa característica, o
teor de Ktrocável no solo é um parâmetro soca e inferior a 10% na cana-planta (Tri- CANA-SOCA
seguro na recomendação da quantidade velin et al., 1995 e 1996). A diferença do ni-
desse elemento nas adubações, usando trogênio aplicado na forma de adubo fica
as curvas de calibração (Tabela 4). imobilizada pelos microrganismos do
T cana/ ha

solo e é utilizada no auxílio à mineraliza-


RESPOSTA À ADUBAÇÃO NPK ção do N orgânico do solo, que é aprovei-
Contrariamente à cana-planta, as so- tado pela cultura. O restante do N15 pode
queiras respondem favoravelmente à ser mineralizado para a próxima soquei-
ra ou, eventualmente, para o próximo kg/ha de N
adubação, principalmente em relação ao
N. A questão da resposta ao nitrogênio plantio, se a soqueira for eliminada no * Média de quatro experimentos e três safras.
nas socas ser significativa, e não na ano seguinte ao da adubação. Fonte: Copersucar, 2000, Boletim, n. 122.

VISÃO AGRÍCOLA Nº 1 JAN | JUN 2004 55


A D U B O S E CO R R E T I VO S

baixo teor de potássio, a expectativa de TABELA 5 | CONCENTRAÇÃO MÉDIA DE NUTRIENTES NA PALHA. MÉDIA DE QUATRO CULTIVA-
RES DE CANA. FONTE: COPERSUCAR, 2000, BOLETIM, N. 116
produção, ou seja, 1 a 1,2 kg/ha de N e 1,3
a 1,5 kg de K2O/t de colmo. Se a expecta- NUTRIENTES FOLHA SECA FOLHA VERDE PALMITO TOTAL kg/ha

tiva de produção for de 100 t/ha, usar 140 g/kg


a 160 kg de K2O/ha. N 3,2 9,9 4,9 54,7
P 0,2 1,1 0,9 4,4
FÓSFORO EM SOQUEIRA K 3,4 16,9 30,0 76,0
A maioria dos experimentos usando fós- Ca 4,2 3,1 1,7 54,9
foro em soqueira não tem resposta con- Mg 1,9 1,7 1,5 25,5
clusiva. Um dos fatores pode ser o pH. À S 1,1 1,1 1,2 15,1
medida que os cortes vão avançando, a Fonte: Copersucar, 2000 (Boletim n.116)
saturação por bases tende a cair, como
já foi visto, e em conseqüência o pH fica
mais baixo (meio ácido), condição para mineral da soca do ano seguinte. Entre- tes. Para isso, haverá necessidade de
baixa eficiência de absorção do fósforo. tanto, a mineralização da palha é depen- pesquisas nessa linha.
Com o uso do calcário em soqueira, pode dente de fatores ambientais e da relação
haver resposta, como já foi observado C/N, assim como da posição do nutrien- ADUBAÇÃO N COM PALHA
em diversos experimentos. Por outro te, em relação ao componente dessa pa- Um dos adubos nitrogenados mais utili-
lado, no balanço do fósforo no solo, fi- lha, no caso lignina, celulose, hemicelu- zados na cultura da cana á a uréia. Sua
cou evidenciada a possível falta desse lose, conteúdo celular e polifenóis. A mi- reação no solo depende da umidade e
nutriente, em soqueiras mais velhas. neralização do material não é uniforme. envolve inicialmente a hidrólise da fon-
Sendo assim, o uso de 30 a 40 kg/ha de Após um ano de observação, Oliveira et te nitrogenada por meio da urease, en-
P2O5 nas socas mais velhas pode ser in- al. (1999) constataram que a quantidade zima produzida por fungos e bactérias,
dicado. Em regiões de solos arenosos, de matéria seca passou de 13,9 t/ha para presente no solo e em maior quantida-
onde não se aplica o gesso ou outra fon- 10,8 t/ha, originada principalmente do de na palha. Como resultado da hidróli-
te contendo enxofre, é necessário usar conteúdo celular e da hemicelulose. se, tem-se a formação de carbonato de
fertilizantes contendo esse nutriente, Nesse tempo, houve liberação somente amônio, que não é estável no solo e se
tais como o sulfato de amôneo, o super- de 11 kg/ha de N, por ele estar na celulo- desdobra em NH3, CO2 e H2O. Parte do
fosfato simples e os termofosfatos. A se, de difícil decomposição. A taxa de NH3 formado reage com o H+ da solução
dose suficiente para o ciclo é de 60 kg/ mineralização foi de apenas 18% e foram do solo, resultando o cátion NH+4. Não
ha de S. liberados 85, 44 e 39% do K, Ca e Mg, res- havendo umidade, a reação de formação
pectivamente. do íon NH+4 não se processa, e haverá
PALHA COMO FERTILIZAÇÃO Em termos de reposição de nutriente, perda de amônia (NH3). Com a palha, o
Com as normas e leis contra a queima da pode-se fazer um cálculo em relação ao sistema de cultivo para incorporar o
cana-de-açúcar, a palha sobre a super- K, mas não em relação ao N. Nas áreas de adubo é mais difícil e, devido a esse fato,
fície do solo tem gerado alterações no palha, a dedução do K do fertilizante tem-se aplicado o adubo na superfície,
solo e no ambiente. Sendo assim, gran- pode ser feita em função da quantidade sem incorporação. Perda de uréia, quan-
de parte das atividades agrícolas relaci- de palha, na proporção de 40 kg de K2O do aplicada na superfície do solo, tem
onadas às adubações, cultivo e controle para 10 t de palha. Em 15 t/ha de palha, sido relatada por muitos pesquisadores,
de pragas tem sido novamente estuda- serão deduzidos 60 kg de K 2O. Nesse com valores entre 40 e 60% ou mais.
do e avaliadas. Não é exagero se afirmar caso, a formulação das soqueiras apre- Oliveira et al. (1999), em simulação de
que se deve aprender tudo novamente. sentará maior quantidade de N, em re- adubação de soqueira de cana com pa-
O corte de cana crua coloca na superfí- lação ao de K. Após cinco anos, essa pa- lha, usando a uréia associada à vinhaça
cie do solo de 12 a 20 t/ha de palha seca lha do primeiro corte estará praticamen- e ao KCl, durante o período chuvoso, ob-
por corte. A concentração média dos te mineralizada, e grande parte do N es- servaram que as maiores perdas por vo-
nutrientes nessa palhada é substancial tará no complexo matéria orgânica, e latilização do N15 foram verificadas nos
(Tabela 5). será usado nos ciclos seguintes. Além tratamentos em que a solução de uréia
Se forem levados em conta esses re- desse aspecto, a decomposição da palha foi aplicada na superfície do solo cober-
sultados, metade do N e 65% do potássio tenderá a interferir no menor uso de to por palhada; 94%, quando se utilizou
poderiam ser deduzidos da adubação corretivos, de gesso e de outros nutrien- a vinhaça como fonte de K, e 87% quan-

56
do se usou o KCl. Quando se aplicou a cigarrinha-de-raiz; maior demora na bro- reduziu a produtividade, devido ao rom-
uréia sobre o solo nu, sem a vinhaça, as tação da soqueira de cana; maior deman- pimento do sistema radicular localizado
perdas por volatilização foram de 76%. da de N, devido à elevada relação C/N da mais próximo à superfície, em áreas com
Mesmo após a adição de 38,2 mm de palha; pequena disponibilidade do N da palha. Entretanto, é necessária profun-
água, ainda ocorreram perdas significa- palha; possível decomposição anaeróbia da reflexão, pois o fertilizante aplicado
tivas de amônia para a solução de uréia da palha, devido ao encharcamento tem- sobre a palha estar sujeito ao arraste
aplicada sobre a superfície do solo, nas porário entre a palha e o solo, motivado pela água das chuvas e poluir o ambien-
duas condições. Quando a solução nitro- pela compactação. te, principalmente em regiões de topo-
genada foi enterrada no solo, as perdas A principal conseqüência em relação grafia não plana e com sulcação reta.
foram inferiores a 5% e não houve dife- à cultura pode ser a queda de produtivi- Nesse caso, o cultivo, assim como a in-
rença entre os tratamentos. dade, que está relacionada ao tipo de corporação do adubo, irá propiciar mai-
Gava et al. (2003) estudaram a contri- solo, à região e à variedade. Solos argi- or segurança e poderá atenuar os efei-
buição da palhada como fonte de N e ve- losos tendem a perder mais produtivida- tos maléficos da compactação, melho-
rificaram efeitos desse resíduo na recu- de do que os arenosos, em condições se- rando a infiltração das águas.
peração do nitrogênio da uréia aplicada melhantes de clima, devido ao maior ca-
na adubação de soqueira, em condições lor específico dos solos argilosos (demo- SILICATOS NA CANA
de campo. A uréia (100 kg/ha de N), apli- ram mais tempo para se aquecer). Traba- O silício, apesar de não ser essencial às
cada em área total, sem incorporação, lhos feitos na Usina da Barra, em solo plantas, é absorvido pela cana e tem sido
esteve sempre associada à aplicação da argiloso, em soqueira de segundo corte, associado à resistência a doenças, em
vinhaça (100 m3/ha). Do N total acumula- indicaram que: outras culturas. Além disso, aumenta a
do na parte aérea da soqueira, 10 a 16% A área com 100% de palha reduziu a resistência da parede celular e regula a
foram absorvidos do fertilizante e, em produtividade na faixa de 23 t/ha. evapotranspiração, entre outras carac-
média, 4% do N mineralizado da palhada. A remoção da palha da linha da cana, terísticas. Os silicatos utilizados como
A eficiência de utilização do N da uréia colocando-a na entrelinha, foi sufici- fonte de silício normalmente são sub-
pela soqueira foi em média de 17%, e o da ente para reduzir as perdas de produ- produtos de indústrias e apresentam em
palhada, 8%. O N da palhada foi disponi- tividade para a faixa de 15 t/ha. sua composição, além do silício (23% se
bilizado para a planta, no final do ciclo da Não houve diferença entre a área cul- SiO2), óxidos de cálcio (40%) e de magné-
cultura. Em relação à produção final de tivada e a não cultivada. sio (10%) e micronutrientes. A solubilida-
colmos, não houve diferença entre os tra- A cobertura do solo com a palha pode de do silicato de cálcio é de seis a sete
tamentos, porém o tratamento em que a funcionar como isolamento entre o fer- vezes superior à do calcário. Sendo as-
uréia foi incorporada ao solo ao lado da tilizante e o solo. Após contato do ferti- sim, os silicatos agem no solo também de
soqueira apresentou maior produção, lizante com a água do solo, a eficiência da maneira semelhante ao calcário. A Co-
assim como a maior quantidade de N pro- adubação irá depender das característi- persucar (2000, Boletim, n. 114) tem uma
veniente da fonte marcada. cas do solo, entre elas o nível de compac- série de experimentos instalados em al-
tação, que age na infiltração da água e na gumas usinas do Estado e está aguardan-
ADUBAÇÃO EM ÁREA COM PALHA difusão dos nutrientes, assim como nas do os resultados. Resultados prelimina-
Dentre as vantagens da palha sobre a su- características da planta, em relação à res obtidos na Usina Iracema-SP têm in-
perfície do solo, citam-se: aumenta a in- distribuição do sistema radicular. dicado resposta semelhante do silicato
filtração da água; aumenta o teor de ma- Ensaios de longa duração, envolven- em relação ao calcário e ao gesso. Korn-
téria orgânica; favorece a proliferação de do a localização do adubo em soqueira dörfer et al. (2002) obtiveram acréscimo
organismos do solo; recicla nutrientes; com palha (Copersucar, 1999, Boletim, n. de 28 t/ha entre a cana-planta e primei-
aumenta o aporte de N no solo; atenua a 106), em diferentes solos e variedades, e ra soca, usando 2,8 t/ha de silicato de
compactação; mantém o solo mais úmi- manejados sob condições climáticas va- cálcio, em solo de textura média, na Usi-
do, por mais tempo. Entre as desvanta- riáveis, têm indicado semelhança de re- na Equipav.
gens, citam-se: redução da temperatura sultados em relação aos tratamentos. O
do solo (faixa de 0,4 a 1ºC), assim como a fertilizante aplicado sobre a palha, na li- MICRONUTRIENTES
redução da faixa entre as temperaturas nha ou na entrelinha, não tem promovi- A aplicação de micronutrientes na cana
máximas e mínimas; maior danificação do diferenças, assim como para as áreas é prática pouco utilizada, principalmen-
pelas geadas; aumento de cupim; maior cultivadas mecanicamente ou não. Hou- te pelo fato de se ter baixo número de
possibilidade de ataque por lagartas e ve casos em que o cultivo mecânico trabalhos e poucos resultados conclusi-

VISÃO AGRÍCOLA Nº 1 JAN | JUN 2004 57


A D U B O S E CO R R E T I VO S

vos na região Centro-Sul, a não ser em da produtividade. Em trabalho feito na Além disso, e supondo que haja essa ava-
solos de tabuleiros do Nordeste. Por ou- região de Ribeirão Preto, em solo de tex- liação, é dúvida se haveria tempo sufici-
tro lado, subprodutos usados, como vi- tura média-arenosa e com nível elevado ente para, através das práticas agrícolas,
nhaça, torta de filtro, cinzas de caldeiras de nematóides, Demattê (1986) consta- atenuar tais limitações. Em termos de
etc. apresentam micronutrientes em sua tou que a ação de um nematicida permi- evolução, é viável nesta cultura o desen-
composição, além de haver presença de tiu acréscimo apreciável de produtivida- volvimento da aplicação pontual de cor-
resíduos desses elementos em adubos e de, quando comparado com as parcelas retivos e fertilizantes, que é o segmento
calcário. Entretanto, têm sido observa- que não receberam o produto. mais fácil de ser resolvido.
dos níveis muito baixos de micronutri-
entes, principalmente zinco e boro, em AGRICULTURA DE PRECISÃO *José Luiz Ioriatti Demattê é Professor
solos de usinas e destilarias, principal- A partir da década de 1990, principal- aposentado do Departamento de Solos e
Nutrição de Plantas, USP/ESALQ
mente em áreas de diversos ciclos com mente nos Estados Unidos, foi desenvol- (jlid@terra.com.br)
cana. Em tais situações, a recomendação vida a aplicação pontual de fertilizantes,
de aplicação de micronutrientes se jus- com objetivo de racionalizar o uso de in- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
tifica, desde que os valores estejam abai- sumos e corretivos, assim como reduzir ARIAS, E.; GATTI, I. M.; RUSCHEL, A. P.; VOSE, P. B.
xo do nível crítico (Tabela 6). Em relação o impacto ambiental. Tal tecnologia tem Primeiras observações ao microscópio eletrô-
a doses e fontes de micronutrientes, po- sido desenvolvida com maior rapidez em nico de bactérias fixadoras de N na raiz de cana
de açúcar. Turrialba, n. 28, p. 203-207, 1978.
dem-se utilizar elementos simples, na culturas anuais, inclusive no Brasil, po-
AZEREDO, D. F. de; BOLSANELLO, J.; WEBWE, H.;
base de 5 kg/ha de Zn, 3,5 kg/ha de Cu e rém em cana-de-açúcar tem-se encon-
VIEIRA, J. R. Nitrogênio em cana planta-do-
2,5 kg/ha de B ou das fritas como o FTE trado uma série de limitações ao seu ses e fracionamento. Revista STAB – Açúcar,
BR 12, este na faixa de 30 kg/ha. emprego. Álcool e Subprodutos, Piracicaba, v. 4, p. 26-
Resultados preliminares a respeito de 33, 1986.
TABELA 6 | TEOR DE MICRONUTRIENTES EM
SOLOS, RESULTADOS EM ppm mapas de distribuição de nutrientes e BARNES, A .C. The sugar cane. New York: Inters-
cience, 1964.
BAIXO MÉDIO ADEQUADO corretivos em cana, obtidos em área de
BENEDINI, M. S.; KORNDÖRFER, G. H. Novo con-
B <0,1 0,1-0,3 >0,3 15 ha e com malha de amostragem de 1
ceito no uso de calcário em cana de açú-
Cu <0,4 0,4-0,8 >0,8
ha, na região de Lençóis Paulista-SP, tida car. Piracicaba: Copersucar, 1988. (Série
como homogênea, em solo de textura Agronômica, n. 16).
Fe <20 20-30 >30
média, tem mostrado grande variabili- CAMARGO, P. B. Dinâmica do nitrogênio dos
Mn <3 3-5 >5
dade. No caso do mapa de calcário, as fertilizantes: uréia (15N) e aquamonia (15N)
Zn <0,5 0,5-1 >1 incorporados ao solo na cultura de cana de
doses variaram de 2.660 a 235 kg/ha; os
açúcar. 1989. Dissertação (Mestrado) –
de fósforo de 150 a 60 kg/ha. Em relação CENA/ESALQ, Piracicaba, 1989.
NEMATICIDA E EFICIÊNCIA DE
ao mapa de produtividade a variabilida- CARNAUBA, B. A. O nitrogênio e a cana de açú-
FERTILIZANTES
de também tem sido grande, indo de 94 car. Revista STAB – Açúcar, Álcool e Subpro-
A restrição biológica ao desenvolvimen- dutos, v. 8, 1990.
a 123 t/ha no primeiro corte, enquanto a
to radicular tem, nos nematóides, um CARNEIRO, A. V.; TRIVELIN, P. C.O.; VITORIA, R.
tonelagem de pol/ha variou de 15 a 20,5.
dos grandes aliados, principalmente em L. Utilização da reserva orgânica e de nitro-
Nesse trabalho, em que se compararam gênio do tolete de plantio no desenvolvi-
solos de textura média a arenosa, onde
duas áreas de 16 ha contíguas, sendo mento da cana planta. Scientia Agrícola, v.
reduzem a quantidade de raízes, assim
uma conduzida com aplicação pontual e 52, n.2, p. 199–209, 1995.
como dificultam a absorção de água e COPERSUCAR. Agrícola Informa. Adubação Fo-
outra no sistema convencional, não hou-
nutrientes, culminando com a redução liar. Boletim, n. 14, 1999.
ve diferença na produtividade média
da produtividade. Em áreas com eleva- . Agrícola Informa. Adubação NK em
entre os dois sistemas.
do nível desses organismos, os efeitos cana planta e cana soca. Boletim, n. 122,
A principal limitação ao emprego desse 2000.
das adubações em muitos casos não apa-
sistema na cana, além do maior custo, . Agrícola Informa. Adubação nitroge-
recem, inclusive após aumento das do-
tem sido o desenvolvimento de equipa- nada em cana planta. Boletim, n. 115, 2000.
ses dos fertilizantes.
mentos para a obtenção do mapa de pro- . Agrícola Informa. Agricultura de Pre-
Por outro lado, a ação de nematicidas cisão na Cultura de Cana de Açúcar. Boletim,
dutividade. Posteriormente, com o mapa
tende a favorecer a melhor absorção de n. 91, 1998.
obtido, há dificuldades ou impossibilida-
nutrientes, haja vista os trabalhos nes- . Agrícola Informa. Efeito do cultivo
de de se avaliar, com a rapidez necessá-
ta área específica, através de análises mecânico em soqueira de canaviais colhidos
ria, os fatores limitantes que estão indu- sem queimar – Projeto cana crua. Boletim, n.
foliares e, em conseqüência, o aumento
zindo a variabilidade na produtividade. 106, 1999.

58
E.G.F. BEAUCLAIR/USP ESALQ

Sulcos plantados e cobertos na entrelinha de soqueira na Estação Experimental de Piracicaba (CTEP-CTC); Piracicaba, SP; 1984

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VISÃO AGRÍCOLA Nº 1 JAN | JUN 2004 59


R E P O R TA G E M

Modernizada,canicultura
é líder em produção
Passados cinco séculos de sua in-trodu- ras que podem ocupar parte dessa área.
ção no Brasil e descontados alguns reflu- A expectativa é de que, até 2010, com a
xos verificados em determinados perío- efetivação do carro bicombustível e a
dos históricos, a cana-de-açúcar mantém abertura do mercado externo ao álcool,
o status de produto agrícola com maior o setor tenha um incremento de 100 mi-
safra no país – 389.928.614 t, em 2003 , se- lhões de toneladas”, continua Pereira de
guida pela soja e pelo milho, entre qua- Carvalho.
torze culturas pesquisadas pelo “Levan- A cana-de-açúcar não é apenas o pro-
tamento Sistemático da Produção Agríco- duto agrícola brasileiro de maior safra.
la” do IBGE/DPE/Coagro (veja tabela ao É também o que apresenta maior rendi-
lado). Em receita, a cana fica em segundo mento médio, em termos de quilogramas
lugar, dentre os produtos de lavoura tem- produzidos por hectare, entre as quator-
porária pesquisados pelo IBGE, abaixo ze culturas pesquisadas pelo IBGE/DPE/
apenas da soja: em 2002, atingiu a cifra de Coagro. Prevê-se que atinja, este ano,
R$ 11,5 bilhões. “A cana é hoje uma das um índice de 73.047 kg/ha, contra 72.981
principais atividades econômicas do Bra- kg/há, em 2003, acréscimo de 0,09%. Sua
sil, tanto em termos de balança comerci- área plantada, para 2004, deve chegar a
al, como de geração de empregos. Em 5.415.090 hectares. Segundo dados da
todo o país, gera cerca de 1 milhão de em- Unica (cuja metodologia difere da usada
pregos diretos”, afirma Eduardo Pereira pelo IBGE), a região Centro-Sul (Sudes-
de Carvalho, presidente da União da te, Sul e Centro-Oeste) – com destaque
Agroindústria Canavieira de São Paulo para o Estado de São Paulo – foi respon-
(Unica). Calcula-se, ainda, que seja res- sável, na safra 2003-2004, por 88,25% de
ponsável pela criação de 4 milhões de toda a produção nacional, seguida pela
empregos indiretos. região Norte-Nordeste, com 11,75%.
Esse êxito produtivo se justifica pela Para a safra 2004-2005, a Unica prevê
fácil adaptação da gramínea ao clima e um crescimento de 6,86% na região Cen-
solo nacional: ela é plantada em todas as tro-Sul (OESP, de 31.4.2004). A colheita –
regiões do país – de Norte a Sul, fato que que foi antecipada e começou a ocorrer
garante dois períodos anuais de colheita. em abril – deve gerar 319,9 milhões de t,
O melhor é que estamos longe de atingir em comparação aos 299,4 milhões de t
nossos limites produtivos: “O Brasil é um da safra 2003-2004. Esse aumento se re-
dos poucos países do mundo que têm ter- fletirá de forma diferenciada na produ-
ra adicional disponível para a expansão ção de açúcar e do álcool: a região pro-
agropecuária. São 90 milhões de hectares duzirá 10,3% a mais de açúcar este ano e
que podem ser cultivados – o dobro da 2% a mais de álcool. O açúcar absorve
área atual –, sem que para isso seja pre- 45% do total da cana nacional, dos quais
ciso derrubar uma única árvore. A cana, quase metade se destina ao mercado in-
que se encontra espalhada pelo Centro- terno. O brasileiro consome 52 kg de
Sul e Nordeste do país, é uma das lavou- açúcar per capita, índice bem superior
SÍLVIO FERREIRA/UNICA

60
à média mundial, de 22 kg. São Paulo, permitirá ter um crescimento de deman-
responsável por 60% de toda a produção da seguro, um salto de consumo”, avalia
do país, detém 70% das exportações na- Luiz Carlos Corrêa Carvalho, diretor da
cionais (Unica). Usina Alto Alegre e presidente da Câma-
A maior parte da cana plantada no ra Setorial da Cadeia Produtiva do Açú-
país destina-se à produção de álcool car e do Álcool, ligada ao Ministério da
combustível, que absorve 55% da produ- Agricultura.
ção. Cerca de 3 milhões de veículos uti- A importância estratégica da cana
lizam álcool hidratado como combustí- para a economia nacional fez com que o
vel. Além disso, o álcool anidro é mistu- governo federal, em períodos históricos
rado à gasolina consumida por mais de determinados, mantivesse o setor sob
17 milhões de veículos, na proporção de rígido controle. Porém, desde a extinção
24%. São Paulo é também o maior produ- do Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA),
tor de álcool, com 8.806.942 m³ (Unica). em 1990, tem se preservado o regime de
Com a implementação da venda no país preços liberados para o setor. Atualmen-
de veículos do tipo flex (bicombustí- te, entre as políticas para seu gerencia-
veis), a partir de 2003, esse volume ten- mento, temos a Lei n. 8.732, de 1993, que
de a aumentar consideravelmente. “Te- determina a mistura de álcool anidro
mos como novidade tecnológica uma como aditivo da gasolina (na faixa de
produtividade que cresce acima de 2,5% 20% a 25%). Outra medida repassa, anu-
ao ano e, dentro de poucos anos, con- almente, crédito financiado aos produ-
taremos com o potencial da produção tores para estocagem do álcool. Para
de álcool a partir do bagaço e da palha este ano, a verba destinada para esse fi-
da cana, através do uso da celulose. Do nanciamento será de cerca de R$ 500
ponto de vista do uso, o carro bicombus- milhões: “O foco é permitir que se produ-
tível é um sucesso, já ocupando 20% das za álcool em seis meses e se comercialize
vendas. Está indo muito rápido e nos em 12 meses. Isso pesa, do ponto de vista

CONFRONTO DAS SAFRAS DE 2003 COM ESTIMATIVAS PARA 2004 – BRASIL – FEV. 2004

PRODUTOS AGRÍCOLAS PRODUÇÃO


Safra obtida 2003 Safra esperada 2004 Variação %
Cana-de-açúcar 389.928.614 395.558.195 1,44
Soja (em grão) 51.532.346 56.929.957 10,47
Milho (em grão) 47.809.299 46.742.434 -2,28
Mandioca 22.235.866 23.783.044 6,96
Laranja 16.935.511 16.909.699 -0,15
Arroz (em casca) 10.198.945 12.405.539 21,64
Feijão (em grão) 2.848.993 3.072.888 9,30
Batata inglesa 2.388.301 2.392.952 0,99
Algodão herbáceo (em caroço) 2.206.472 2.982.882 35,19
Café (beneficiado) 1.970.010 2.177.762 10,55
Sorgo 1 732 528 1.723.034 -0,55
Cebola 1.187.051 1.193.929 0,58
Cacau (em amêndoa) 170.724 170.275 - 0,26
Fonte: IBGE/DPE/Coagro – Levantamento Sistemático da Produção Agrícola.

Nota: Foram repetidas as informações da safra anterior para as unidades da Federação que
ainda não obtiveram suas estimativas neste ano. Os indicadores, originalmente em ordem
alfabética, foram reordenados por ordem de grandeza (para produtos que apresentam duas
safras, os valores foram somados)

VISÃO AGRÍCOLA Nº 1 JAN | JUN 2004 61


Cana-de-açúcar orgânica;
novembro 2001
R E P O R TA G E M

SAFRA REGIONAL PRODUÇÃO DE ÁLCOOL ANIDRO (2003–2004)


SUDESTE SUDESTE
233.710.852 t 6.477.839 m³
NORDESTE NORDESTE
39.071.624 t 508.274 m³
CENTRO-OESTE CENTRO-OESTE
36.284.137 t 1.071.897m³
SUL SUL
28.579.611 t 488.704 m³
NORTE NORTE
670.395 t 30.696 m³

PRODUÇÃO DE ÁLCOOL HIDRATADO (2003–2004) PRODUÇÃO DE AÇÚCAR (SAFRA 2003–2004)


SUDESTE SUDESTE
3.392.728 m³ 338.092.080
NORDESTE NORDESTE
540.511m³ 59.335.420
CENTRO-OESTE CENTRO-OESTE
847.187 m³ 33.009.280
SUL SUL
741.351m³ 37.308.180
NORTE NORTE
8.691 m³ 349.100

Fonte: União da Agroindústria Canavieira de custo de estocagem, para o produtor”, animal, a levedura, o mel, o ácido cítri-
de São Paulo (Unica). Disponível em: co e o ácido lático extraídos do melaço;
avalia Corrêa Carvalho. O governo ofere-
<www.unica.com.br>. Acesso em: 23.4.2004
ce, ainda, incentivos fiscais para estimu- e ainda o álcool utilizado pelas indústri-
lar a venda de carros a álcool através do as de bebidas, de limpeza, químicas e far-
Imposto sobre Produtos Industrializados macêuticas. “Temos atuado para mos-
(IPI), que é em média 5% inferior ao inci- trar ao mundo que o setor sucro-alcoo-
dente sobre carros a gasolina. leiro no Brasil é mais moderno que o dos
Como o petróleo, a cana-de-açúcar outros países porque caminhou para a
tem capacidade para gerar derivados di- diversificação em larga escala, enquan-
versos, muito além do álcool e do açúcar. to todos os outros continuam a fazer
Um exemplo é a energia elétrica gerada açúcar do mesmo modo que há quinhen-
através do vapor produzido pela queima tos anos. E só fazem açúcar, quando nós
NORTE
do bagaço. Ainda segundo Pereira de fazemos uma porção de produtos. Por
5º LUGAR
NORDESTE Carvalho, da Unica, o bagaço da cana tem isso o Brasil é hoje uma referência inter-
2º LUGAR potencial para gerar 20% da energia que nacional”, afirma Corrêa Carvalho, da
o Brasil consome anualmente, e com Usina Alto Alegre.
CENTRO-OESTE ganhos ambientais: “A agroindústria ca-
3º LUGAR
navieira contribuiu com uma redução lí-
SUDESTE quida de 46,6 milhões de toneladas de SITES REFERENCIAIS/FONTES:
1º LUGAR gás carbônico, para redução do efeito União da Agroindústria Canavieira de São
Paulo: www.unica.com.br
estufa, o que nos credencia a captar re-
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
cursos no âmbito do MDL (Mecanismo de (IBGE): www.ibge.gov.br
SUL
4º LUGAR
Desenvolvimento Limpo), criado pelo Ministério da Agricultura:
protocolo de Kyoto”, ele afirma. www.agricultura.gov.br
Secretaria de Política Agrícola:
Outros subprodutos da cana são: o
www.defesaagropecuaria.gov.br
plástico biodegradável (veja p. XXX), o Instituto de Economia Agrícola:
POSIÇÃO NO RANKING DE PRODUÇÃO bagaço hidrolisado para alimentação www.iea.sp.gov.br

62
O açúcar brasileiro nas mesas do mundo

al gira em torno de 149 milhões de tone-


ERNESTO RODRIGUES/AE

ladas. Desse total, 35 milhões são merca-


do internacional livre, dos quais o Bra-
sil representa mais de 1/3. Portanto,
quem faz o preço do açúcar no mundo é,
efetivamente, o Brasil”, destaca Corrêa
Carvalho, da Usina Alto Alegre.
A região Centro-Sul é a que mais expor-
ta açúcar, com 10.689.803 t, cerca de 82%
do total, com saídas pelo porto de Santos
(8.703.710 t) e Paranaguá (1.721.491 t)
(Unica, safra 2003-2004). O caminho que
o açúcar brasileiro percorre é grande,
seguindo para mais de 100 países, em
todo o mundo. Nossos principais com-
pradores, entre janeiro e dezembro de
2003 (Unica), foram a Rússia (3.841.524),
Emirados Árabes (979.825 t), Nigéria
(820.975 t), Canadá (763.550 t) e Senegal
(734.839 t). No que diz respeito às expor-
tações de álcool, o mercado internacio-
Alimentação de moendas para a produção de açúcar na Usina Andrade/Companhia Ener- nal é ainda pequeno. “Para uma produ-
gética São José; Ribeirão Preto, SP; 2003 ção global em torno de 37 bilhões de li-
tros, são negociados no mercado inter-
Nos primórdios do seu cultivo, a cana- O Brasil ocupa, atualmente, o posto de nacional apenas 3 ou 4 bilhões de litros.
de-açúcar brasileira era exportada principal exportador mundial de açúcar. Enquanto o mercado do açúcar tem 500
como matéria-prima a ser beneficiada Eduardo Pereira de Carvalho, da Unica, anos, o do álcool está se iniciando”, com-
pelos poderosos Estados europeus. Du- constata, a partir de dados Secretaria de para Corrêa Carvalho. Por outro lado,
rante séculos, Portugal intermediou a Comércio Exterior (Secex/MinC) que, em trata-se de “um mercado com grande
venda da planta, ainda como matéria- 2002-2003, o país exportou 12,9 milhões potencial, porque os países em geral têm
prima, para países, como a Holanda, que de toneladas de açúcar, gerando uma produzido políticas públicas voltadas à
revendiam o “ouro branco” – como era receita de US$ 2,14 bilhões, “valor que redução de emissões de dióxido de car-
conhecido – para outras nações, entre passa para US$ 2,41 bilhões quando se bono”.
elas Portugal e Brasil. Com o tempo, esse inclui a exportação de pouco mais de Apesar de os números apontarem po-
panorama foi se alterando e o Brasil se 700 milhões de litros de álcool”. Dados sitivamente para as exportações de açú-
transformou num grande exportador de da mesma safra 2002-2003, do Departa- car e álcool, alguns problemas persis-
produtos industrializados derivados da mento de Agricultura dos Estados Uni- tem: “Temos gargalos na logística, ofer-
cana, tendo como item principal o açú- dos da América, mostram que o país, ta interna insuficiente para o transpor-
car. “Nossa exportação de açúcar absor- com 13.500.000 t (considerando o açúcar te rodoviário e pouca estrutura para o
ve 58% da produção nacional; já o álco- não-beneficiado), exporta quase três transporte ferroviário. Quanto à logísti-
ol tem uma participação menor na ba- vezes mais do que toda a União Européia ca para exportação de álcool, ela teria
lança comercial brasileira, com apenas – segunda colocada, com 4.820.000 t – que ser viabilizada tanto em termos de
8% da produção seguindo para outros e mais de três vezes a da Austrália – ter- transporte interno quanto de terminais
países”, afirma Luiz Carlos Corrêa Carva- ceira colocada, 4.235.000 t (veja Tabela portuários”, aponta Pereira de Carvalho,
lho, da Usina Alto Alegre. ao lado). “O consumo de açúcar mundi- da Unica. Além disso, as políticas prote-

VISÃO AGRÍCOLA Nº 1 JAN | JUN 2004 63


R E P O R TA G E M

cionistas ainda são grandes nos demais


países: “Existe uma cortina de proteção Transgênicas resistem à pior
nos mercados agrícolas das nações de-
senvolvidas, sobretudo na União Euro- praga dos canaviais
péia, que impõe ao açúcar brasileiro –
com custo de produção, no Centro-Sul,
da ordem de US$ 100 por tonelada – a
concorrência do seu açúcar de beterra-
ba, com custo médio de US$ 680 a tone-
lada. Isso é possível graças à política de
subsídios à produção e à exportação.
Nos EUA, por sua vez, sobrevive uma po-
lítica de cotas que nos reserva míseras
150 mil t anuais, quando temos potenci-
al para disputar fatia maior desse mer-
cado”, explica o presidente da Unica.
Corrêa Carvalho corrobora a avalia-
ção de que o principal empecilho ao
crescimento das exportações brasileiras
de açúcar é o mecanismo perverso de
subsídios e protecionismo praticado pe-
los países ricos, dificultando “nosso
acesso aos mercados” através de “taxa-
ções impressionantes”: “Estamos falan-
do da Europa, do Japão e Estados Uni-
dos, países desenvolvidos que têm um
grande mercado e que os travam, a não
ser por pequenas doses de cotas para
‘enganar bobos’”, ele argumenta. Em sua Cana-de-açúcar geneticamente modificada no Laboratório de Genética da USP/ESALQ; Piraci-
caba, SP; dezembro 1994
opinião, seria necessário que o Brasil
fosse “ainda mais agressivo no que diz
Pesquisadores da ESALQ/USP, numa par- Na experiência com o gene da soja, a
respeito ao acesso a mercados e, para
ceria com a Copersucar, desenvolveram taxa de mortalidade da praga girou em
tanto, é fundamental que não haja su-
recentemente duas variedades transgê- torno de 30%, mas foi constatado ainda
bordinação dos interesses econômicos
nicas de cana resistentes à praga mais que a taxa de fertilidade da população
aos interesses políticos”.
onerosa aos canaviais do Brasil: a broca- caiu ainda mais, ao longo das gerações.
da-cana. Coordenado pelo professor do Na segunda experiência, a cana transgê-
Departamento de Genética da ESALQ nica torna-se implacável com a broca,
Marcio de Castro Silva Filho, o estudo que tem uma taxa de mortalidade de cer-
buscou duas “estratégias” para controle ca de 99%. Segundo o coordenador do
da praga: a primeira foi a introdução, no projeto, que teve início em 1998, as va-
MAIORES EXPORTADORES DE AÇÚCAR (EM t)
DNA da cana, de um gene da soja capaz riedades transgênicas “estão ainda em
País 2002–2003
de inibir a atividade das proteases do fase de testes laboratoriais, não haven-
Brasil 13.500.000
inseto, comprometendo desse modo o do previsão para sua comercialização
União Européia 4.820.000 desenvolvimento e a reprodução da bro- em função da ausência de um marco re-
Austrália 4.235.000 ca que se alimente da planta transgêni- gulatório legal no país”. O estudo pre-
Tailândia 3.800.000 ca; a segunda, mais antiga, utilizou o tende, ainda, juntar ambas as “estraté-
Cuba 2.850.000 gene de uma bactéria (Bacillus thurin- gias” numa só variedade de cana pois,
Total mundial 42.316.000 giensis) para fazer com que a cana pro- acredita-se, com o passar do tempo, a
Fonte: United States Department of Agricul- duzisse uma proteína com atividade in- praga pode acabar desenvolvendo resis-
ture seticida à broca. tência às toxinas. “A idéia é combinar

64
USP ESALQ
ORMUZD ALVES/FOLHAIMAGEM

Cana transgênica no Laboratório de Genética da USP/ESALQ; Piraci-


caba, SP; 2004

partamento de Genética e Evolução da com amadurecimento retardado pela in-


Unicamp, que integrou a equipe de pes- capacidade de o organismo produzir eti-
quisadores do projeto. Porém, continua leno, hormônio que controla a matura-
Menossi, o “Genoma Cana” trouxe um ção. O fato provocou reações fervorosas
entendimento superficial da cana. Pes- de ambientalistas que, até hoje, questi-
quisas mais profundas deverão ser rea- onam as conseqüências da transgenia
lizadas num outro estudo, o “Genoma para o ecossistema e para o consumo
Funcional da Cana”, que está ainda sen- humano. “Cada transgênico tem um ris-
do avaliado pela Fapesp. co potencial que deve ser avaliado em
Na prática, essa segunda fase da pes- laboratório e, depois, em campo. Mas
quisa ampliará o conhecimento sobre as não existe atividade agrícola, mesmo a
funções dos genes da cana e terá como convencional, que não contenha risco”,
foco central o aumento da capacidade aponta Menossi.
da planta de produzir açúcar. “Queremos O pesquisador afirma que, após o de-
saber porque a cana é doce. Sabendo senvolvimento de qualquer planta trans-
duas abordagens distintas na tentativa isso, conseguimos manipular sua gené- gênica, deve-se analisar se não ocorreu
de desenvolver uma cana com maior tica”, afirma Menossi. O método a ser nenhuma modificação metabólica no or-
possibilidade de resistência à broca”, empregado fará uma comparação entre ganismo prejudicial aos consumidores.
afirma Marcio de Castro. Atualmente, o uma variedade da cana que acumula Para ele, o transgênico “no máximo, pode
controle da praga é feito basicamente mais açúcar e outra que o produz em ser tão daninho quanto a planta que já é
através do “controle biológico”, com a menor quantidade, de forma a identifi- cultivada”. Já para Marcio de Castro da
produção de inimigos naturais dapraga. car que genes são utilizados na confec- ESALQ, o método convencional de con-
Em 2003, foi concluído projeto “Geno- ção desse principal derivado da planta. trole de pragas – a pulverização de inse-
ma Cana”, uma parceria entre a Funda- Mas a pesquisa não se restringirá ao açú- ticida – é “mais agressivo” ao meio am-
ção de Amparo à Pesquisa do Estado de car. Os dados obtidos poderão subsidi- biente do que o cultivo de transgênicos.
São Paulo (Fapesp), universidades e a ar estudos sobre diversos aspectos de “Não tem outro remédio: se quisermos
Copersucar. O “Genoma Cana” teve co- interesse agronômico. Menossi avalia, alimento em grande quantidade, a pre-
mo objetivo principal identificar a se- no entanto, que as plantas transgênicas ço baixo, não há maneira de fazer isso
qüência genética da cana-de-açúcar, al- resultantes dessa pesquisa ainda estão sem usar alguma tecnologia. Portanto, a
cançando um resultado inédito: o mape- longe de serem comercializadas, algo transgenia deve ser vista como sendo
amento de 90% do genoma da planta. entre 8 e 10 anos após o início do “Geno- uma extensão das práticas de melhora-
“Essa foi a primeira fase para entender- ma Funcional”. mento genético. A outra opção é não usar
mos a cana, saber que informações esse O primeiro produto agrícola transgêni- nenhum tipo de controle e assumir as
organismo possui”, informa Marcelo co foi colocado no mercado em 1994, nos perdas de US$ 500 milhões por ano, só no
Menossi, professor colaborador do De- EUA: um tomate denominado Flavr savr, caso da cana”, ele avalia.

VISÃO AGRÍCOLA Nº 1 JAN | JUN 2004 65


R E P O R TA G E M

Cinco séculos de ativa participação histórica


A idade do Brasil é praticamente a mes- cana. Foi o ponto de partida da produ- “mel pagão”. Autora de recente trabalho
ma da introdução da cultura da cana-de- ção canavieira em nosso país. Perce- intitulado “Álcool, energia verde”, a jor-
açúcar em nossas terras. Assim, pode-se bendo o potencial produtor das terras nalista e pesquisadora Regina Machado
dizer que nossa história agronômica está brasileiras e a enorme demanda de con- Leão traça um histórico da cana no Bra-
intrinsecamente ligada ao seu cultivo. sumo para o açúcar – principal produ- sil. Segundo ela, os portugueses precisa-
Quando os portugueses chegaram ao to da gramínea – os portugueses inten- vam encontrar “um produto de grande
Brasil em 1500, o surto consumista que sificaram sua produção, alçando o Bra- valor, que pudesse ser explorado (no
acometia a ascendente burguesia euro- sil rapidamente ao posto de maior pro- Brasil) para compensar o alto custo do
péia recaía sobre as especiarias india- dutor mundial, posto que – a despeito frete até a Europa e que ocupasse gran-
nas. Portugal, que mantinha o monopó- de alguns períodos menos brilhantes – des áreas para garantir a efetiva posse
lio desse mercado, dispensou pouca ocupa até os dias atuais. A cana foi um do novo território. A cana-de-açúcar
atenção à nova colônia, interessando-se instrumento de ocupação e colonização atendia a todas essas exigências”. Assim,
apenas em explorar, predatoriamente, o que, segundo estimativas, gerou no pe- o império luso passou a dar incentivos
pau-brasil – árvore nativa que produzia ríodo colonial – de 1500 a 1822 – uma fiscais aos produtores de açúcar da co-
um corante utilizado na indústria têxtil. renda duas vezes maior do que a obtida lônia, estimulando inúmeros comercian-
Com o declínio do comércio de especia- através da extração de ouro (principal- tes a se associaram a colonos, na nova
rias, Portugal buscou alternativas eco- mente no século XVIII) e quase cinco ve- produção. O cultivo regular da cana es-
nômicas para explorar em sua colônia zes maior que a soma de toda a riqueza tabeleceu-se definitivamente a partir de
sul-americana, motivo pelo qual o rei D. gerada por todos os demais produtos meados do século XVI, tendo o Nordes-
Manuel decidiu estimular o cultivo, no agrícolas juntos. Riqueza que foi abar- te como principal região produtora.
Brasil, de uma planta originária prova- rotar os cofres portugueses… No século seguinte, o negócio canavi-
velmente da Nova Guiné (Ásia): a cana- No período da Idade Média, o açúcar eiro viveu sua primeira crise, quando os
de-açúcar. tinha, por sua raridade, um preço eleva- holandeses, que se abasteciam por Por-
Assim, em 1532, desembarcou no lito- do. Era privilégio de reis e nobres, que tugal, ocuparam, em 1630, a região nor-
ral paulista a expedição de Martim Afon- chegavam a registrar seus estoques em destina, ambicionando usufruir os lu-
so de Souza, donatário da Capitania de testamentos. A nobreza européia o ob- cros do açúcar. Foram expulsos cerca de
São Vicente, com uma determinação ob- teve, inicialmente, através de mercado- 15 anos mais tarde, levando consigo mu-
jetiva: introduzir, na região, o plantio res árabes, chegando a chamá-lo de das de cana que plantaram em suas co-

Linha do tempo da cana-de-açúcar Entre 10000 e 8000 a.C.


A cana-de-açúcar é domesticada, provavel-
mente na Nova Guiné; seu plantio se expan-
de na Polinésia (Ásia)
3000 a.C.
Índia passa a produzir açúcar
1000 a.C.
Expansão da cultura na Indochina e Baía de
Bengala
640 d.C.
Expansão da cultura no Mediterrâneo
700 d.C
Açúcar começa a ser comercializado no mun-
do
Séc. VIII
Árabes difundem cana no Marrocos
Séc. X
Árabes introduzem a cultura no Egito, Chipre,
Sicília (Itália) e Espanha
Séc. XI
Europa conhece a cana, apelidando-a de
66 “mel pagão”, pela ligação com os árabes

AO LADO, DESENHO DE PERCY LAU, COLEÇÃO SOFIA BASSANI


lônias, nas Antilhas. “Em pouco tempo, volução de 1930 é que o governo de Ge- tenha ocupado 830 mil trabalhadores. As-
aquela região transformou-se num gran- túlio Vargas tomou medidas para reer- sim, os primeiros anos da década de 1980
de centro açucareiro, com a vantagem guer a cultura de cana-de-açúcar, crian- assistiram ao aumento da produção do
de estar mais próxima do mercado euro- do, em 1933, o Instituto do Açúcar e do álcool combustível e da venda de carros
peu, o que facilitava e barateava o trans- Álcool (IAA), que passou a “disciplinar” a álcool. Mas, já na segunda metade da-
porte. Com essa forte concorrência, o o setor, estabelecendo cotas máximas de quela década, o preço do petróleo voltou
açúcar brasileiro perdeu seu principal produção por usina, um preço fixo por a cair, desinteressando o consumidor
mercado e o Brasil deixou de liderar a tonelada de cana comercializada e um pelo álcool combustível e abrindo uma
produção mundial. A crise refletiu-se volume determinado para exportação. crise no Proálcool.
não somente no Nordeste, mas em todo Para Regina Leão, aquela foi a penúlti- De todo modo, o período áureo do
o país”, informa Regina Leão. ma fase em que o setor canavieiro foi in- Proálcool mudou o perfil da produção
Além da concorrência das Antilhas, o tensamente apoiado pelo governo. A úl- nacional de cana, reduzindo o número
ouro de Minas Gerais atraiu maior aten- tima foi a partir de 1975, com o advento de pequenos produtores rurais que se
ção dos portugueses no século XVIII, le- do Programa Nacional do Álcool, o Pro- dedicavam a um plantio de subsistência.
vando o setor canavieiro a perder força. álcool, programa de incentivo à produção Os canaviais se expandiram pelo Brasil,
O ciclo da mineração abriu, porém, a do álcool combustível, que surgiu como trazendo consigo a figura do “bóia-fria”,
possibilidade do cultivo da cana na re- alternativa à crise do petróleo instalada trabalhador temporário das grandes la-
gião Centro-Sul do país, incluindo São em meados dos anos 1970 pela Organiza- vouras monocultoras no período da co-
Paulo. Iniciou também o processo de in- ção dos Países Produtores de Petróleo lheita da cana. Após o boom de venda
teriorização nas terras brasileiras e a (Opep). “O Brasil foi a única nação que dos carros a álcool, o governo perdeu o
mudança do pólo econômico na Colônia: conseguiu responder à crise internacio- interesse em controlar o setor. Em 1990,
o Sudeste tomou espaço do nordeste. Em nal de abastecimento de petróleo com a durante a gestão Fernando Collor, o IAA
crise, o açúcar nordestino só retomou o produção e a utilização de um combustí- foi extinto. A despeito disso, a cana-de-
fôlego quando São Paulo deixou de com- vel alternativo. Para tanto, foi ampliada açúcar vem mantendo sua relevância
petir no setor canavieiro, voltando-se a base agroindustrial e implantada uma econômica e hoje ocupa o posto de pro-
inteiramente, entre meados do século rede de distribuição em todo o território duto agrícola brasileiro com maior safra,
XVIII e do século XIX, para o plantio do brasileiro”, afirma Regina. Estima-se que, em toneladas, ajudando a escrever a his-
“ouro negro”, o café. Apenas após a Re- em seus dez primeiros anos, o Proálcool tória de nosso país.

1176 1815 1990


Primeira referência à prensa da cana, em Pa- Primeiro engenho de açúcar a vapor, na ilha Com a queda dos preços do petróleo no mer-
lermo (Itália) de Itaparica, litoral da Bahia cado internacional, Proálcool entra em crise
1425 1857 1992
D. Henrique, rei português, busca na Sicília, Surgem no Brasil os engenhos centrais que Governo Collor extingue o IAA
Itália, mudas para plantio na Ilha da Madeira somente moíam a cana e processavam o açú- 1993
1493 car, deixando o cultivo aos fornecedores Lei n. 8.732 determina a mistura de álcool
Cristóvão Colombo introduz o plantio da cana 1914 anidro como aditivo da gasolina (na faixa de
na América, na região onde hoje fica a Repú- A 1ª Guerra Mundial devasta a indústria eu- 20% a 25%)
blica Dominicana ropéia, aumentando o preço do açúcar no 1998
1532 mercado mundial. Para suprir a demanda, o ESALQ inicia pesquisas com cana transgênica
Martim Afonso de Souza traz a cana para o Brasil constrói mais usinas, principalmente
2003
Brasil e funda o primeiro engenho brasileiro, em São Paulo
Projeto “Genoma Cana” conclui mapeamen-
em São Vicente-SP 1933 to de 90% do código genético da cana-de-
Séc. XVII Criação, no primeiro governo de Getúlio Var- açúcar, abrindo campo para pesquisas ino-
Em fins desse século, a descoberta de ouro gas, do Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) vadoras
em Minas Gerais retira o açúcar do centro da 1975 Fontes
economia brasileira Crise do petróleo, Brasil lança o Proálcool LEÃO, Regina Machado. Álcool energia verde. São
Séc. XVIII 1985 Paulo: Iqual, 2002.
No início desse século, cresce a concorrên- Cresce venda de carros que usam o álcool Unica – www.unica.com.br
cia do açúcar brasileiro com o produzido nas combustível Centros de Estudos de História do Atlântico –
ilhas do Caribe e nas Antilhas JAN | JUN 2004
VISÃO AGRÍCOLA Nº 1
www.ceha-madeira.net 67
ENGENHARIA RURAL

Alternativa energética

Palhiço de cana,
fonte de energia renovável
Marco Lorenzzo Cunali Ripoli, Tomaz Caetano Cannavan Ripoli e Carlos Antonio Gamero *

A dependência da sociedade moderna


MARY ABBOUD/AE

em relação ao petróleo, associada às in-


certezas de ordem político-militar na
principal região produtora mundial, tem
levado inúmeros países à criação de pro-
gramas buscando novas fontes alterna-
tivas de energia. Países, como Israel,
vêm investindo maciçamente no desen-
volvimento de equipamentos para o
aproveitamento da energia eólica, das
marés e solar, cujos resultados têm sido
bastante satisfatórios. Na Finlândia, a
geração descentralizada de energia é
uma tradição e a biomassa ocupa uma
importante posição na matriz energéti-
ca, atingindo por volta de 20% do consu-
mo de energia do país. Nos Estados Uni-
dos, a capacidade instalada de plantas
geradoras de eletricidade a partir de bi-
omassa, no final dos anos 1970, era de
apenas 200 MW; já no início da década
de 1990, atingia 8,4 GW.
Sayigh (1999) estabelece que a energia
renovável é uma commodity como qual-
quer outra forma de energia e tem seu
maior papel no encontro das necessida-
des globais de demanda por energia e no
combate do perigo do aquecimento glo-
bal. O autor comenta as previsões da
Shell International Petroleum Company
sobre o cenário do mercado de energia
para o ano 2060, quando o uso de ener-
gias renováveis no mundo poderá atin-
gir 70% da energia utilizada, contra os 5%
atuais. Segundo a Aneel (2002), estavam

68 Palhiço em soqueira de cana-de-açúcar; Sertãozinho, SP; 1996


S O LO S

em operação no Brasil 159 termelétricas momento, o palhiço vem sendo limitada- ainda, o impacto ambiental da queima
a biomassa, fornecendo uma capacida- mente aproveitado, pois é queimado em será totalmente anulado ao ocorrer uma
de instalada de 992 MW (equivalente a mais de 90% de sua quantidade, como precipitação pluviométrica. A chuva
8% do parque térmico de geração e a 1,4% operação de pré-colheita. “lava” a atmosfera, principalmente se for
de toda a capacidade instalada no país). O Brasil, que não vem conseguindo de média duração e de gotas pequenas.
Dessas, quatro usinas operavam com re- ampliar satisfatoriamente seu parque O custo de produção de energia elétri-
síduos de madeira (25,5 MW) e três com hidrelétrico, apresenta um potencial ca por co-geração está entre US$ 0,035
casca de arroz (14,4 MW). As demais uti- nada desprezível em relação à biomas- e US$ 0,045 por kWh, considerando-se o
lizavam o bagaço de cana-de-açúcar, sa vegetal. O binômio “energia de bio- preço da tonelada de bagaço combustí-
com amplo predomínio do Estado de São massa – controle ambiental” deveria ser vel em US$ 6,30, enquanto que a mesma
Paulo. meta prioritária das políticas energéti- energia comprada da rede oficial custa
No Estado de São Paulo, o setor gera cas e ambientais do governo. A cultura US$ 0,066. Os investimentos médios
para consumo próprio entre 1.200 e 1.500 canavieira hoje se insere perfeitamente para um sistema de co-geração, por kWh
MW, 40 usinas produzem excedentes de nesse contexto, pois apresenta grande instalado, situam-se entre US$ 900 e US$
158 MW, “e a luz que vem da cana já aju- potencial energético não aproveitado 1.150, inferiores aos observados em hi-
da a iluminar diversas cidades”. O poten- totalmente e, em decorrência, tem se drelétricas, e com a vantagem do menor
cial de geração de energia da agroindús- tornado agente causal de poluição am- prazo de instalação (Copersucar, 2001).
tria canavieira está em torno de 12 mil biental, mesmo que não seja o mais im-
MW – a potência total instalada no Bra- portante deles. A poluição ambiental RECOLHIMENTO É A QUESTÃO
sil é de 70 mil MW. Em 2002, em função causada pelos motores de combustão Atualmente, não resta nenhuma dúvi-
de novos projetos, mais 300 MW devem interna movidos a gasolina e, principal- da de que o palhiço é um material nobre
ser adicionados e, em curto prazo, o se- mente a óleo diesel, é muito maior do e de interesse econômico para as usinas
tor poderá contribuir com 4 mil MW adi- que a causada pela queima de biomassa do país. A grande questão que se discu-
cionais (Unica, 2003). No Brasil, apesar agrícola, como prática de pré-colheita. te é quanto ao melhor sistema para re-
da necessidade do país de buscar alter- Sobre a questão das queimadas causa- colher e disponibilizar esse material no
nativas, o governo tem oferecido tímido rem ou não poluição há, segundo estu- pátio da usina, sob o ponto de vista de
respaldo para tais iniciativas, nos últi- dos científicos, alguns pontos funda- eficiência energética dos sistemas, da
mos anos e atualmente. mentais que devem nortear qualquer quantidade de terra arrastada com o
O fato de o Brasil, em 2003, já abaste- discussão a respeito. O impacto ambien- material e em relação ao custo, posto na
cer 80% de suas necessidades de petró- tal da queima (de matéria vegetal ou de usina, em termos de R$/equivalente
leo não invalida a necessidade de busca combustíveis fósseis) depende do volu- energético, na forma de palhiço. A USP/
por outras opções que diversifiquem me de material lançado na atmosfera e ESALQ, a FCA/Unesp – Botucatu e o Gru-
nossa matriz energética, hoje calcada no do seu potencial poluidor. A queima de po Cosan S.A., em parceria, estão estu-
petróleo e nas hidrelétricas. Não há país uma certa quantidade de folhas secas, dando três sistemas de recolhimento do
no mundo – por sua localização, por sua quando muito, pode causar incômodo ao palhiço. Resultados parciais estão indi-
extensão territorial e pela tecnologia já vizinho; já a queima de 200 ou 300 pneu- cando que, em termos de “eficiência
desenvolvida e disponível (sem pagar máticos empilhados causará uma grave energética”, os sistemas de enfardamen-
royalties para multinacionais) – que deterioração da qualidade ambiental e, to, de recolhimento a granel e de colhei-
melhores condições possua para o apro- inclusive, poderá levar pessoas a inter- ta integral apresentam valores acima de
veitamento da energia de biomassa, prin- nações hospitalares por problemas res- 95%, ou seja, de cada 100 unidades de
cipalmente a proveniente da cana-de- piratórios e por alergia, principalmente. energia posta na usina, na forma de pa-
açúcar, já de grande importância socioe- Por outro lado, um regime de fluxo de lhiço, consomem-se, no máximo, 5 uni-
conômica para o país. Em um hectare de 300 veículos por hora numa rodovia, dades de energia na forma de óleo die-
canavial, pode-se obter em torno de deslocando-se a 80 ou 100km/h tem sel, em todas as operações envolvidas,
67.080 Mcal, assim distribuídos: 20,09% pouco efeito sobre o ambiente. Todavia, demonstrando a grande viabilidade, em
álcool, 40.03% bagaço e 39,88% palhiço 300 veículos deslocando-se em marcha termos de “eficiência energética”, de se
(Tabela 1). Este último é constituído por lenta por ruas estreitas de uma cidade, aproveitar essa biomassa.
ponteiros, folhas verdes e palhas, colmos com trânsito totalmente congestionado, A respeito da quantidade de terra ar-
não colhidos e/ou suas frações, mais ter- certamente irão deteriorar gravemente rastada, o que melhor resultado vem
ra agregada a esses constituintes. Até o a qualidade do ar da localidade. Mais apresentando é o enfardamento seguido

VISÃO AGRÍCOLA Nº 1 JAN | JUN 2004 69


ENGENHARIA RURAL

E.G.F. BEAUCLAIR/USP ESALQ


ceberá pela energia produzida por co- do, efetivamente, para a melhoria da
geração. E, mais, chegará o momento em matriz energética brasileira, calcada e
que os fabricantes de colhedoras serão perigosamente dependente do petróleo
pressionados pelos usuários a oferece- e das hidrelétricas (ultimamente, depen-
rem ao mercado colhedoras mais bara- dente também do funcionamento de ter-
tas (por volta de 30%) do que as atuais, moelétricas de aluguel, movidas a gás ou
pois serão fornecidas com motores de a derivados de petróleo, levando o cida-
potência em torno de 20% menor (os atu- dão brasileiro a pagar mais em sua con-
ais possuem de 300 a 350 CV), que con- ta, no fim do mês).
sumirão menos óleo diesel por hora ou
por tonelada colhida. Motores hidráuli- DHR, MAIS UMA OPÇÃO
cos que acionam os mecanismos de lim- O bagaço ou o palhiço da cana podem ser
peza serão desnecessários, bem como utilizados também para incrementar a
Sulcos em área de cultivo mínimo; Rio mangueiras do circuito hidráulico, exaus- produção de álcool, por um processo
das Pedras, SP; 1985
tores, ventiladores e despontador. Por- lançado em 2003 pelo Grupo Dedini, de
tanto, serão máquinas cujos custos de Piracicaba, denominado de DHR – Dedi-
operação, manutenção e reparo serão ni Hidrólise Rápida. Diferentemente do
da colheita integral. Em relação ao cus- menores que os das atuais, o que levará processo tradicional de produção de ál-
to por quantidade de energia posta na a uma redução significativa nos custos cool por meio da fermentação e destila-
usina, na forma de palhiço, a colheita do sistema de colheita. ção dos açúcares contidos no caldo da
integral do canavial por colhedoras Ainda em termos de colheita integral, cana-de-açúcar, esse processo, por ati-
combinadas é o que melhor resultado visando ao aproveitamento do palhiço, vidade química chamada hidrólise ácida,
vem apresentando. Entenda-se por co- não se devem esquecer mais alguns as- transforma o material celulósico do ba-
lheita integral aquela em que as colhe- pectos. Por exemplo, não serão necessá- gaço ou palhiço em açúcares, os quais,
doras operam com seus sistemas de lim- rios novos investimentos em equipa- fermentados e destilados, se transfor-
peza desligados. Assim, toda massa co- mentos, tais como: colhedoras de forra- mam em álcool. O início de seu desen-
lhida pela máquina (colmos e ponteiros, gem (que recolhem o palhiço a granel e volvimento ocorreu na década de 1980.
folhas verdes, palha e terra) vai ter à uni- que são importadas); enfardadoras (ci- Foi aprovado e financiado por agências
dade de transbordo. Optando-se pela líndricas ou prismáticas, de grande ca- governamentais brasileiras, com recur-
colheita integral, obviamente, haverá pacidade e importadas, havendo no sos provenientes do Banco Mundial. O
necessidade de se instalar uma estação mercado nacional dois fabricantes do processo DHR possui patente mundial.
de pré-limpeza antes das mesas de re- tipo fardo cilíndrico, de menor desem- No atual estádio de desenvolvimento, a
cepção das usinas, pois a matéria-prima penho, entre outras); veículos especiais produtividade é de 109 litros de álcool de-
proveniente dessa prática não poderá para o transporte do material; área de
ser enviada diretamente à mesa de re- estocagem no pátio da usina e máquinas
cepção, sob o risco de causar inúmeros para manipular o volume estocado.
problemas na qualidade do esmagamen- TABELA 1 | DISTRIBUIÇÃO DA ENERGIA CON-
A colheita integral evitará, ainda, o
TIDA EM UM CANAVIAL COM 60t/ha DE MA-
to, com prejuízos econômicos. tráfego dessas novas máquinas, que pas- TÉRIA-PRIMA E O EQUIVALENTE ENERGÉTICO
Algumas usinas, em São Paulo, já uti- sariam a fazer parte do sistema mecani- EM RELAÇÃO A OUTROS COMBUSTÍVEIS
lizam essas estações. Com a introdução zado das usinas, quais sejam, das forra- PRODUTOS QUANTIDADES
delas (já utilizadas, amplamente em geiras ou enfardadoras e unidades de Álcool 4.500 L
Cuba e denominadas de centros de acó- transporte que, ao transitar sobre o ta- Bagaço 15 t
pio), os custos de produção de açúcar e lhão, causam maior compactaçãoes do Palhiço 12 t
álcool terão um acréscimo. Todavia, es- solo e esmagamento de soqueiras, com
Materiais Equivalentes
timativas dão conta de que o valor do conhecidos reflexos negativos em safras
Petróleo (barril.t) 1,28
investimento e de manutenção poderá seguintes. Além disso, não seriam neces-
Petróleo (barril.ha) 31,90
ser amortizado em torno de dois anos, sárias novas equipes de controle e ge-
Óleo diesel (L/t) 228,49
considerando-se esse custo no custo to- renciamento. O palhiço, hoje, passa a ser
tal do sistema de recolhimento do palhi- Óleo diesel (L/ha) 5.524,20
uma fonte a mais para agregação de va-
ço e do quanto a unidade industrial re- Etanol (L/ha) 9.736,32
lor ao setor sucroalcooleiro, concorren-

70
FIGURA 1 | OPÇÕES DE SISTEMAS DE RECOLHIMENTO E DISPONIBILIZAÇÃO DO PALHIÇO PARA de. É importante, todavia, efetuar balan-
CO-GERAÇÃO OU PRODUÇÃO DE ÁLCOOL
ços energéticos, caso a caso.
Nesse novo cenário promissor para a
PALHIÇO NO TALHÃO agregação de valor, por meio do aprovei-
tamento do palhiço e do bagaço para co-
geração de energia ou produção de álco-
ENLEIRAMENTO COLHEITA ol a partir dessas biomassas, deve-se le-
(1,2 OU PASSADAS) INTEGRAL
vantar uma nova questão de interesse
direto dos fornecedores de cana-de-açú-
car. Atualmente, pelos métodos de paga-
ENFARDAMENTO A GRANEL
(CILÍNDRICO OU PRISMÁTICO)
mento de cana, a quantidade de matéria
(RECOLHEDORA PICADORA)
estranha vegetal que acompanha a ma-
CARREGAMENTO
téria-prima leva a um deságio no valor da
TRANSBORDO
(CARREGADORA DE CANA) tonelada da cana entregue. Ora, se o ba-
gaço passa a ser uma biomassa que per-
CARREGAMENTO mite agregação de valor para a usina,
(CARREGADORA DE CANA)
PRENSA porque os fornecedores não devem ser
TRANSPORTE ALGODOEIRA
beneficiados por tal incremento econô-
DESCARGA
(CARREGADORA DE CANA) mico? A questão não é simples, mas me-
TRANSPORTE rece ser discutida, para se chegar a um
ESPECÍFICO consenso, permitindo transferência de
ESTOCAGEM
renda a eles, em função do que for co-
gerado ou produzido, em álcool, a partir
DESENFARDAMENTO ESTAÇÃO DE
(TRITURADOR) dessa biomassa.
LIMPEZA DE CANA

*Marco Lorenzzo Cunali Ripoli é doutoran-


ESTAÇÃO DE
LIMPEZA DE PALHIÇO ESTOCAGEM do da Faculdade de Ciências Agronômicas
(FCA) da Unesp, Botucatu;
Tomaz Caetano Cannavan Ripoli é
FORNALHA professor do Departamento de Engenharia
Rural da USP/ESALQ, Piracicaba
(ccripoli@esalq.usp.br),
Carlos Antonio Gamero é diretor da
Fonte: Ripoli; Ripoli (2002)
Faculdade de Ciências Agronômicas(FCA) da
Unesp, Botucatu.
sidratado por tonelada de bagaço in na- da temperatura e neutraliza-se o produ-
tura, com potencial para atingir 180 litros. to hidrolisado, com a estabilização do REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Atualmente, o custo do álcool DHR equi- açúcar obtido. Fermentação: por meio do ANEEL. Atlas de energia elétrica do Brasil.
vale ao da produção do álcool pelo méto- uso de leveduras, transformam-se os açú- Agência Nacional de Energia Elétrica. Brasí-
do tradicional, com possibilidade futura cares em álcool. Destilação: separa-se o lia. 153 p. Disponível em: <www.aneel.gov.br>
Acesso em: nov. 2002.
de se tornar 40% menor que o custo do ál- álcool dos demais componentes do vinho,
COPERSUCAR. Disponibilidade da palha de cana-
cool obtido do caldo de cana1. O processo principalmente água.
de-açúcar. Cenbio Notícias, Brasília, v. 4, n. 12.
DHR é composto por três etapas. Hidróli- Em relação ao uso do bagaço para a Disponível em: <http://www.cenbio.org.br/
se: um forte solvente da lignina, a alta tem- geração de energia elétrica, com as no- index1.htm>. Acesso em: nov. 2001.
peratura, é solubilizado, possibilitando vas tecnologias disponíveis (que redu- RIPOLI, T. C. C.; RIPOLI, M. L. C., Cosecha de caña
rápido acesso à celulose e à hemicelulose; zem o consumo energético para produ- verde: estado del arte en Brasil. In: Seminá-
rio X aniversário Cengicaña. Santa Lucia Cot-
processa-se, então, a hidrólise. Ocorre ção de açúcar e álcool) e com a adoção
zumalguapa. Cengicaña. 2002. Anais... (1 CD).
uma formação rápida de açúcares, que são do palhiço para a geração de energia,
SAYIGH, A. Biomass – Renewable energy – The
retirados do meio reacional por resfria- entende-se que não haverá competitivi- way forward. Fuel Processing Technology, v.
mento do material hidrolisado; interrom- dade entre os diferentes usos para o ba- 59, n. 1, p. 15-30, Apr. 1999.
pe-se a degradação dos açúcares por ação gaço e palha, mas sim complementarida- UNICA. Disponível em: <www.unica.com.br>.
Acesso em: nov. 2003.

1
Informação do fabricante.

VISÃO AGRÍCOLA Nº 1 JAN | JUN 2004 71


ENGENHARIA RURAL

Mecanização

Colheita sustentável,
com aproveitamento
integral da cana
Oscar Antonio Braunbeck e Paulo Sérgio Graziano Magalhães *

SÍLVIO FERREIRA/UNICA

Colheita mecanizada na Usina da Barra; Barra Bonita, SP; novembro 2001

72
S O LO S

A mecanização total ou parcial apresen- tuídos por uma seqüência de operações to ou mais atraente que a colheita da
ta-se, atualmente, como única opção simples, que inclui o corte da base, do cana queimada, como forma de consoli-
para a colheita da cana, seja do ponto de ponteiro e a picagem ou empilhamento dar sua implantação sem a pressão da lei
vista ergonômico ou econômico, ou ain- dos colmos. Em ambos os casos, o apro- ou da população. Este trabalho analisa
da – e principalmente – do ponto de vis- veitamento do palhiço não faz parte do onze pontos considerados determinan-
ta ambiental, já que apenas o corte me- processo de colheita. Conseqüentemen- tes na definição do perfil da colheita ca-
cânico viabiliza a colheita sem queima te, esse é separado dos colmos, mesmo paz de conseguir o aproveitamento inte-
prévia, o que, por sua vez, permite o que parcialmente, e deixado no campo, gral da cana, de forma sustentável. Dis-
aproveitamento do palhiço. A evolução para posterior recuperação. No caso do cutiremos os referidos pontos compa-
lenta da colheita mecânica no Estado de corte manual, a colheita sem queima pré- rando a tecnologia atual, descrita por
São Paulo e no país permite concluir, via acarreta restrições ergonômicas e Braunbeck et al. (1999), e um conceito al-
mesmo sem abordar detalhes técnicos, econômicas que inviabilizam a operação. ternativo de colheita, na forma de uma
que as soluções tecnológicas disponí- Atualmente, essa concepção da co- mecanização parcial, denominada “auxí-
veis não são suficientemente competiti- lheita está sofrendo modificações, em lio mecânico”. As Figuras 1 e 2 ilustram
vas para atrair os usuários. Ou seja, exis- função de restrições legais e ambientais esse conceito, identificando cada com-
tem limitadores que restringem sua im- ao processo de queima, juntamente com ponente. A unidade consta essencial-
plementação. Este trabalho propõe uma a entrada em foco do aproveitamento do mente de uma frente de corte com lar-
alternativa tecnológica orientada à co- palhiço, para aplicações não consolida- gura de três ou cinco linhas, incluindo
lheita de cana crua, em terrenos declivo- das ainda comercialmente, tais como um disco flutuante para o corte basal de
sos com maior preservação do emprego geração de energia e cobertura vegetal cada linha; segue um conjunto de trans-
no meio rural. O equipamento auxilia a para agricultura convencional ou orgâ- portadores helicoidais rotativos que
colheita manual, realizando-se as opera- nica. Perfila-se dessa forma um novo conduzem o material até uma célula de
ções de corte de base, corte dos pontei- conceito de colheita da cana-de-açúcar, trabalho, com dois operadores por linha,
ros, remoção das folhas e condução dos sem queima prévia, que visa ao aprovei- que catam manualmente os colmos, cor-
colmos até a caçamba armazenadora, tamento integral da planta, envolvendo tam o ponteiro utilizando um disco cor-
deixando para o homem as funções de operações adicionais para a retirada das tador disponível para cada linha e encai-
manuseio dos colmos após o corte de folhas e a disposição adensada de col- xam os colmos em um transportador la-
base, passando pelo despontamento, até mos e palhiço para o transporte. teral, que os conduz até um despalhador
a unidade de despalhamento. Essa abordagem tem implicações pro- de rolos. O despalhador retira as folhas
A colheita da cana-de-açúcar proces- fundas nos processos convencionais de e lança os colmos inteiros até uma car-
sou-se, historicamente, de forma total- colheita, tanto manual quanto mecâni- reta de descarga vertical, onde os mes-
mente manual, desde o corte da base, ca, associadas às perdas de cana, à con- mos são armazenados ordenadamente,
até o carregamento. Um primeiro passo taminação de cana e palhiço com impu- na direção longitudinal de marcha, para
no sentido da mecanização foi a introdu- rezas minerais, aos altos investimentos manter a densidade de carga requerida
ção do carregamento mecânico dos col- para a colheita e a recuperação do palhi- pela operação posterior de transporte.
mos inteiros. Na década de 1950, surgiu, ço, assim como à inviabilidade econômi- Essa concepção de lançamento, armaze-
na Austrália, o princípio mecânico de ca do despalhamento manual. Cabe des- namento ordenado, descarga vertical e
colheita atualmente utilizado no Brasil, tacar os esforços realizados pelos usuá- posterior carregamento convencional
que combina a operação de colheita com rios e fabricantes de equipamentos para mostrou-se tecnicamente viável em di-
a de carregamento. Trata-se de equipa- adaptar as colhedoras de cana picada a versas frentes de colheita de três usinas.
mento que corta uma linha por vez, uti- essa nova realidade. O sucesso tem sido A frente do equipamento efetua o corte
lizando um veículo que trafega paralela- parcial e tudo indica que os princípios de base e o transporte da massa integral
mente à colhedora, para receber a ma- utilizados por esses equipamentos pre- de cana, sobre um plano inclinado, sem
téria-prima e separar boa parte das fo- cisam ser reformulados, para o enfren- separação entre as linhas.
lhas e ponteiros, lançando-os ao solo da tamento das novas exigências da colhei- O equipamento interrompe o corte a
área colhida. Os processos convencio- ta integral da planta. intervalos de 8 a 10 minutos (40 a 60 m),
nais de colheita manual ou mecânica, Dentro desse quadro, torna-se perti- manobra em retrocesso e descarrega
com queima prévia, que visam apenas ao nente a discussão de novas propostas montes de aproximadamente 3 tonela-
aproveitamento dos colmos, são consti- que tornem a colheita da cana crua tan- das. A velocidade de deslocamento oscila

VISÃO AGRÍCOLA Nº 1 JAN | JUN 2004 73


ENGENHARIA RURAL

FIGURA 1 | VISTA LATERAL DO AUXÍLIO MECÂNICO os eixos permite corrigir essa anomalia.
Mas trata-se de recurso não-disponível,
atualmente, nas colhedoras. Na medida
que o pneu avança sobre o terreno, su-
cessivos pontos da banda de rodagem
entram em contato com o solo. Como
cada um desses pontos está localizado
abaixo da cota do ponto anterior, o equi-
pamento desce, como conseqüência de
seu avanço. Essa deficiência pode ser
corrigida utilizando-se dois eixos dire-
cionais, já que dessa forma é possível
corrigir independentemente as posições
da frente e da traseira da colhedora, sem
modificar significativamente a orienta-
a Operadores b Cortador de base c Roscas transportadoras-elevadoras
ção de seu eixo, com relação à linha de
d Mesa de catação e Esteira lateral f Despalhador plantio.
g Esteira alimentadora h Carreta de descarga vertical i Moto-redutor elétrico O uso de esteiras no lugar de pneus
j Despontador k Cobertura (sombra) l Moto-gerador
evita o fenômeno acima descrito. No en-
tanto, o controle direcional das esteiras
exige uma alteração da angulação do
eixo longitudinal do veiculo, o que resul-
entre 250 e 500 m/h. A unidade é aciona- da angulação das rodas pelo mecanismo ta em alguma perda de alinhamento da
da por um motor de combustão interna de direção. Os veículos com direção ape- colhedora com as linhas de plantio. No
de 36 CV, que servirá de fonte de potên- nas no eixo dianteiro apresentam escor- caso do auxílio mecânico, o equipamen-
cia para os circuitos elétricos que acio- regamento do eixo traseiro, sem possi- to utiliza as quatro rodas direcionais, o
nam os dispositivos de corte e limpeza da bilidade de correção, do que resulta um que permite corrigir continuamente a
cana. desalinhamento da colhedora com a li- direção de movimento, tanto no eixo
nha de cana. Com isso, dificulta-se o pro- traseiro, quanto do dianteiro. Paralela-
DIRIGIBILIDADE EM TERRENOS cesso de alimentação. mente, a baixa velocidade de desloca-
INCLINADOS O uso de rodas direcionais em ambos mento do equipamento, inferior a 0,5
Os equipamentos que operam em terre-
nos inclinados devem ter duas habilida-
des principais:
FIGURA 2 | VISTA EM PLANTA DO AUXÍLIO MECÂNICO

A. MANTER O EQUIPAMENTO ALINHADO


COM OS SULCOS DE PLANTIO E SEM
ESCORREGAMENTO LATERAL
O componente de peso da colhedora,
atuante no sentido da declividade, pro-
voca deformação lateral dos pneus. Essa
configuração resulta da baixa rigidez da
estrutura do pneu, o qual é desejável do
ponto de vista da compactação do solo,
mas prejudica a estabilidade direcional
do veículo. Os veículos de pneus apre-
sentam uma tendência de deslocamen-
to lateral, no sentido da declividade, o
que torna necessário efetuar continua-
mente correções de trajetória, através

74
km/h, facilita a correção da trajetória fragmentos de colmos sejam liberados para evitar perdas (tocos). Nesse proces-
pelo operador, sem atingir desalinha- sobre a superfície do solo, para serem le- so, os discos cortam o solo e o conduzem
mentos com as linhas de plantio que pre- vantados pela colhedora. Essa condição para o interior da máquina, contaminan-
judicam a alimentação do equipamento. obriga a ajustar a altura do cortador de do a matéria-prima e desgastando o equi-
base em nível de subsuperfície, com con- pamento. As impurezas minerais incorpo-
B. ESTABILIDADE AO TOMBAMENTO seqüências negativas para a demanda de radas pelos discos do cortador de base fo-
LATERAL OU LONGITUDINAL potência, desgaste de facas e contami- ram quantificadas por Henkel et al. (1979).
A estabilidade ao tombamento, junta- nação da matéria-prima com impurezas Os testes foram realizados com uma
mente com as deficiências de dirigibili- minerais. No caso do auxílio mecânico, colhedora Toft-6000, em canaviais com
dade, limitam a utilização das colhedo- cinco ruas são cortadas na base e eleva- colmos eretos e deitados, com solos úmi-
ras de uma linha a terrenos com declivi- das simultaneamente até a mesa dos dos e secos. A altura de corte foi ajusta-
dades não superiores a 12%. Embora a operadores (Figuras 1 e 2), sem tomba- da aos níveis de 50 mm acima da super-
inclinação teórica de tombamento late- mento dos colmos, e com apenas 20% da fície do solo, rente ao solo – Figura 3 (a),
ral seja da ordem de 46%, efeitos dinâmi- quantidade de fragmentos gerados pelo e 50 mm abaixo da sua superfície – Figu-
cos resultantes das irregularidades do plano das colhedoras que cortam ape- ra 3(b). As canas colhidas com discos
terreno e da elasticidade dos pneus re- nas uma linha. operando a 50 mm de profundidade
duzem esse limite de inclinação ao refe- apresentaram teor de terra superior a
rido valor de 12%. Essa condição é a prin- CORTE DE PONTEIROS E BASE 5%, nos casos de solo úmido, ou em ca-
cipal responsável pelas áreas canaviei- Durante o processo de colheita da cana- nas deitadas. Operando os discos rentes
ras consideradas não aptas para a co- de-açúcar, existe a necessidade de reti- ao solo, nas mesmas condições de cana
lheita mecanizada. A região de Piracica- rar ponteiros, visando a aumentar a efi- e solo, os teores de terra foram pouco
ba tem sua agroindústria sucroalcoleira ciência industrial de extração de açúcar superiores a 0,5%. Nos casos de canas
ameaçada pela impossibilidade de co- e reduzir o custo de transporte da maté- eretas, com solos secos e operação ren-
lher os canaviais, sem queima prévia, ria-prima. Os dispositivos utilizados nas te ao solo, os autores observaram teores
com as colhedoras existentes. colhedoras para conduzir o extremo su- de terra próximos de 0,25%. Os autores
No caso do auxílio mecânico, a incli- perior dos colmos até o mecanismo cor- estudaram também as perdas de cana no
nação teórica de tombamento do equi- tador não têm desempenhos eficientes, campo e concluíram que a quantidade de
pamento é da ordem de 100 %, em função principalmente nos canaviais de 18 me- cana deixada diminui para a posição do
da grande largura do equipamento e a ses, nos quais a incidência de colmos disco cortador basal mais baixa; e, ain-
altura reduzida do centro de gravidade. deitados é maior. No caso do auxílio me- da, que a quantidade de colmos inteiros
No entanto, a inclinação máxima permi- cânico, os ponteiros são cortados pelos deixados para trás foi alta quando o cor-
tida não é determinada pela estabilida- operadores, que apontam individual- te foi feito acima ou ao nível do solo, es-
de lateral ao tombamento, e sim pelo mente cada colmo a um disco que corta pecialmente para o corte de canas dei-
deslizamento estático dos pneus sobre o e recebe o ponteiro, para efetuar seu tadas, com perda de até 8,3 t/ha. Consi-
solo. Essa condição corresponde a uma enfardamento junto com as folhas. deram que, pelas observações realiza-
inclinação de terreno da ordem de 50%. O corte de base é efetuado pelo prin- das, existe um incentivo para operar as
Deve-se lembrar que a baixa velocidade cípio de corte inercial (sem contra-faca). colhedoras com o corte abaixo do nível
de deslocamento equipamento, localiza- As facas atingem o solo com velocidade do solo, na configuração ilustrada na Fi-
da entre 0,25 e 0,5 km/h, representa um de 20-22 m/s, pelo que rapidamente per- gura 3(b).
fator dinâmico muito favorável, em fun- dem o gume. O contato das facas com o No caso do auxílio mecânico, os col-
ção das menores oscilações laterais pro- solo deve ser evitado, para conservar mos não precisam ser deitados sobre o
vocadas pelas irregularidades do terre- um corte eficiente e, dessa forma, redu- solo para serem introduzidos na colhe-
no e à elasticidade dos pneus. zir as perdas, o teor de terra na matéria- dora, já que são catados manualmente,
prima e reduzir os danos às soqueiras, desde sua posição original (Figura 1), e
SEPARAÇÃO DE LINHAS visando a aumentar sua longevidade. Os entregues ao processo de despalhamen-
Nos canaviais com colmos deitados, to- dois discos do sistema atualmente em to mecânico, sem contato com o solo. Um
tal ou parcialmente, as colhedoras que uso, ilustrado na Figura 3(c), definem um único disco flutuante, centralizado na li-
cortam apenas uma linha precisam, a plano de corte de aproximadamente 1,5 nha de cana, efetua o corte da base do
cada passada, efetuar o corte dos colmos m de largura, plano esse que deve des- colmo, sem as funções de varredura e
num plano vertical. Isso faz com que cer até a base da cana, rente ao solo, alimentação alocadas ao mecanismo de

VISÃO AGRÍCOLA Nº 1 JAN | JUN 2004 75


ENGENHARIA RURAL

FIGURA 3 | CORTADOR DE DISCO DUPLO RÍGIDO PARA DOIS MODOS DE OPERAÇÃO xílio mecânico resulta também em me-
nor demanda de potência e desgaste ou
quebra de facas.

ALIMENTAÇÃO
O processo de alimentação das colhedo-
ras australianas de cana picada impõe
aos colmos uma forte flexão, através de
um defletor. Essa flexão provoca danos
à soqueira, de magnitude que depende
das condições do solo e da própria so-
queira. Em uma segunda fase, a planta é
cortada na base, com o que se completa
um giro de 90 graus que deixa os colmos
em posição horizontal, sobre o solo. Essa
posição do material é crítica, pelo fato
de os colmos receberem uma grande
quantidade de solo, lançado pelos dis-
cos do cortador basal, à medida que a
colhedora avança o rolo levantador e o
primeiro par de rolos limpadores se
aproxima do extremo inferior do colmo,
para iniciar o processo de alimentação
forçada.
No caso de o cortador de base operar
na configuração de baixa contaminação
– Figura 3a, alguns colmos são atingidos
pelas facas e produzem fragmentos que,
juntamente com os originados na divi-
são de linhas, precisam de um processo
de varredura e catação para elevá-los
dessa posição. A posição ilustrada na Fi-
gura 3(a) deixa uma janela de aproxima-
damente 62 cm2 sem varredura, e res-
ponsável por perdas de colmos e frag-
(c) mentos. Para conseguir uma varredura
e catação mais eficientes, os discos pre-
a Discos rentes ao solo: redução de contaminação.
b Discos com penetração no solo: redução de perda. cisam operar em profundidade, como na
x Ponto de corte Figura 3(b), do que resulta uma maior
y Ponto de tangência com a superfície do solo
demanda de potência, desgaste de facas
c Configuração construtiva do cortador de duplo disco rígido
e abalo de soqueiras.
À medida que a colhedora avança, os
disco duplo. Juntamente com a elimina- ponta da faca acompanha aproximada- colmos são levantados e na seqüência
ção dessas funções, devem ser elimina- mente a forma da depressão do terreno atingidos pelo primeiro par da cascata
das também as perdas e contaminação (sulco) próxima da soqueira. No caso de de rolos limpadores. Até esse momento,
com terra a elas associadas. O corte de terreno nivelado, o ponto mais baixo da o processo de alimentação não é força-
base realizado por um único disco per- trajetória da faca tangencia a superfície do, a não ser por alguma ação positiva
mite que o eixo do mesmo seja posicio- do terreno, minimizando sempre o cor- aplicada pelo movimento circular con-
nado sobre a linha de plantio. Nessa con- te e a movimentação de solo. A menor vergente dos discos do cortador de base
dição, o formato elíptico da trajetória da movimentação de solo existente no au- e do rolo levantador. Os colmos sofrem

76
um giro de 135 graus, aproximadamente, minar a operação de carregamento e seu a necessidade de rastelamento, redu-
desde a sua posição vertical de campo, correspondente custo. No entanto, com zindo a contaminação mineral, mesmo
até a posição de alimentação do picador, a evolução do sistema, verificou-se a sob condições de alta umidade e solo
determinada pelos rolos limpadores. No necessidade da retirada dos veículos de desagregados.
caso do auxílio mecânico, os colmos são estrada do canavial e a introdução da
cortados na base e afastados do solo, operação de transbordo que, em termos TRANSPORTE DO PALHIÇO
mantendo sua posição original, vertical econômicos, eliminou a vantagem origi- Na tecnologia atual de colheita da cana-
ou inclinada. Elimina-se com essa con- nal de ausência do carregamento. de-açúcar, o palhiço não faz parte do
cepção a contaminação dos colmos com No caso do auxílio mecânico, a tran- processo, como um produto a ser pre-
terra, o abalo de soqueira e as perdas sição entre a colheita e o transporte é servado. Novas propostas de colheita
provocadas pelos processos de catação feita com descarga ao solo, em montes integral da cana devem incluir a trans-
e varredura, necessários para se retirar de 3 t. A caçamba de descarga vertical ferência da palha para o transporte, sob
as peças em contato com o solo. efetua a descarga em poucos segundos, condições satisfatórias de densidade de
pela abertura de uma porta no fundo da carga e contaminação. A proposta de
DESPALHAMENTO mesma, que permite a descida lenta da colheita com auxílio mecânico inclui a
Na colheita mecânica, sem queima pré- carga, de forma a manter o ordenamen- compactação do palhiço, de forma a li-
via, existe um compromisso antagônico to paralelo dos colmos e, com isso, berar o mesmo ao solo já compactado,
complexo entre a operação de limpeza manter também a densidade de carga eliminando assim as operações poste-
e as perdas de colheita. Canas colhidas no carregamento subseqüente. O gran- riores de enleiramento e enfardamento
com teores de impurezas vegetais infe- de volume dos montes faz com que seja e, principalmente, a contaminação com
riores a 6 % freqüentemente provocam proporcionalmente pequena a quanti- impurezas minerais que o mesmo sofre
perdas próximas de 10%. Parte dessas dade de cana em contato com o solo. durante essas operações. Encontra-se
perdas originam-se no corte de base e Essa concentração de colmos minimiza em desenvolvimento na Feagri-Unicamp
alimentação da colhedora. No caso do
auxílio mecânico, as folhas são retiradas
dos colmos inteiros, do que resultam
Operação de acabamento da cobertura de mudas na Usina Modelo; Piracicaba, SP; 1986
duas peças – colmos e folhas – com pro-
priedades aerodinâmicas muito diferen-
tes, o que facilita sua separação. Isso
acontece espontaneamente durante o
processo de lançamento dos colmos, na
saída do despalhador, já que a pouca
massa das folhas não lhes permite acu-
mular energia cinética suficiente para
acompanhar os colmos, na trajetória até
a carreta de descarga vertical.

TRANSPORTE DOS COLMOS


A massa resultante da colheita da cana-
de-açúcar é elevada, o que obriga a
transferência da mesma da colhedora
para um veículo que trafegue em para-
lelo, ou seu descarregamento ao solo. O
conceito de cana picada surgiu visando
ao manuseio a granel, que permite
transferir o material, em queda livre, a
E.G.F. BEAUCLAIR/USP ESALQ

um transporte que acompanha a colhe-


dora, com densidade de carga suficien-
te para viabilizar economicamente o
transporte. Esse conceito permitiu eli-

VISÃO AGRÍCOLA Nº 1 JAN | JUN 2004 77


ENGENHARIA RURAL

um processo contínuo de compactação mente 50 anos, mostra atualmente limi- * Oscar A. Braunbeck é professor da
utilizando roscas convergentes, com ca- tações em seus princípios básicos de Faculdade de Engenharia Agrícola da
pacidade de 5 kg/s, dimensionado para operação para atender aos requerimen- Unicamp, Campinas, SP
(oscar@agr.unicamp.br);
ser instalado no auxílio mecânico. O sis- tos legais, ambientais, topográficos, eco-
Paulo S. G. Magalhães é professor da
tema pretende receber as folhas e pon- nômicos e sociais do Brasil. As estimati- Faculdade de Engenharia Agrícola da
teiros liberados pelo despalhador e os vas efetuadas para a colheita integral da Unicamp, Campinas, SP.
despontadores, com densidade na faixa cana com auxílio mecânico apresentam-
de 30 a 50 kg/m3, e compactar esse ma- se técnica e economicamente viáveis REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
terial, até densidades de 180 a 200 kg/m3. para operar em áreas declivosas, com BRAUNBECK, O.; Bauen, A.; Rosillo-Calle, F.; Cor-
produção diária de aproximadamente tez, L. Prospects for green cane harvesting
and cane residue use in Brazil. Biomass and
INVESTIMENTO E CUSTO DA 200 t/unidade.
Bioenergy, v. 17, n. 6, p. 495-506, 1999.
OPERAÇÃO O auxílio mecânico apresenta princí- FUNDAÇÃO SEADE. Sensor Rural. Disponível em:
O alto investimento, da ordem de R$ pios alternativos de estabilidade, dirigi- <http://www.seade.gov.br >. Acesso em: 12
700.000, e a capacidade operacional ele- bilidade, corte de base, despontamento maio 2003.
vada, da ordem de 90.000 t/ano, tornam e despalhamento que abrem novos ho- GUILHOTO, Joaquim J. M.; MENDONÇA DE BAR-
ROS, Alexandre L.; MARJOTTA, Marta C.; IS-
a mecanização total da colheita de cana rizontes de desenvolvimento para as
TAKE MAISTRO, M. Mechanization process of
picada inadequada para um número sig- fronteiras tecnológicas observadas nas the sugar cane harvest and its direct and
nificativo de agricultores (fornecedo- colhedoras de cana picada. O auxílio indirect impact over the employment in
res). O equipamento para auxílio mecâ- mecânico apresenta um desafio no ge- Brazil and in its 5 macro regions. Esalq, Uni-
renciamento da maior quantidade de versity of São Paulo (USP), Regional Econo-
nico requer investimento da ordem de
mics Applications Laboratory (REAL), Univer-
15% do valor acima descrito e produção mão-de-obra envolvida, o qual pode não
sity of Illinois (USA), and Center for Advanced
diária da ordem de 30 % da correspon- ser atrativo para os grandes produtores, Studies in Applied Economics (Cepea).
dente a uma colhedora de cana picada. como é o caso das usinas de açúcar e ál- HENKEL, C.R.; FUELLING, T.G.; RIDGE, D.R. Effect
No caso do auxílio mecânico, o valor de cool, mas representa uma oportunidade of basecutter setting on dirt in the cane sup-
para fornecedores de cana ou de servi- ply and cane left in the field. Proceedings of
aquisição foi estimado em função do
Australian Society of Sugar Cane Techno-
peso de projeto e do preço por unidade ços de colheita com menor capacidade
logists, v.1,p.18-25, 1979.
de peso de equipamentos similares em de investimento.
complexidade mecânica e tipo de com-
ponentes. Verificou-se que o valor do
equipamento deverá estar na faixa de R$
60.000 a R$ 120.000.
Mesmo a amplitude sendo pouco pre-
cisa, permite incorporar as parcelas de
depreciação e juros de capital à estima-
tiva do custo da colheita. As simulações
de custo de colheita indicam valores na
faixa de 3 a 10 R$/t, com larguras de tra-
balho de 1 a 5 linhas e valor de aquisição
de R$ 60.000 e R$ 120.000, com produção
diária de 200 t. O objetivo dessa simula-
ção foi verificar apenas a ordem de mag-
nitude do custo de colheita, assim como
a sensibilidade do mesmo às variáveis nú-
mero de linhas e valor inicial do equipa-
mento. Verificou-se que os custos estima-
dos são compatíveis com os praticados
nas operações de colheita comercial.
O sistema de colheita de cana picada,
após ter contribuído com a produção
canavieira do mundo por aproximada-
Corte de mudas na Usina da Barra; Barra Bonita, SP; 2001

78
Cultura é fonte sustentável de empregos
A agricultura é uma fonte de empregos operação que demanda mais energia e força de trabalho para a colheita manu-
importante para uma fração da popula- apresenta maiores riscos de acidentes. A al de 167.000 homens.
ção com baixo nível de instrução. Em di- mecanização de algumas operações de Aproximadamente 50% das áreas de
versas culturas, a mecanização tem subs- colheita, como é o caso dos cereais e das cana apresentam topografia inadequada
tituído gradativamente esses empregos, forragens, sofreu grande evolução desde para a colheita mecânica, o que indica
como conseqüência da necessidade de se seus primórdios, no início do século XIX, que aproximadamente 83.000 homens
manter um patamar competitivo para os e dificilmente poderá ser substituída com- teriam que ser aplicados na colheita das
produtos agrícolas e facilitar o gerencia- petitivamente por operação semimecani- áreas inaptas para a mecanização. A pro-
mento das atividades agrícolas. As ope- zada. No entanto, a colheita de outras cul- dução canavieira nessas áreas tem sua
rações envolvidas no processo de produ- turas, como frutas, hortaliças e cana-de- continuidade ameaçada, diante da legis-
ção, desde o preparo do solo até a colhei- açúcar, encontra-se ainda em estágio in- lação ambiental, que restringe as queima-
ta, apresentam níveis de complexidade e cipiente de mecanização, ou com deficiên- das e, com isso, elimina o corte manual
demanda de energia bastante diversifica- cias tecnológicas tais que, no quadro so- como alternativa de colheita. Esse cená-
dos. Algumas operações, como o prepa- cioeconômico atual, permite considerar rio não parece nem social nem economi-
ro do solo ou o plantio direto, demandam os processos semimecanizados ou de au- camente aceitável, razão pela qual as leis
energias elevadas, em magnitudes que xílio mecânico, com as vantagens já des- de proteção ambiental foram sucessiva-
inviabilizam o trabalho manual. critas. Dessa forma, podem ser atingidos mente flexibilizadas. Uma solução tecno-
Outras operações, como os tratos cultu- dois objetivos importantes, como evitar lógica apropriada torna-se necessária
rais e a colheita, envolvem, além de menos uma substituição maior de mão-de-obra para resolver o impasse.
energia, maior complexidade operacional, (Guilhoto et al., 1999) e viabilizar a colhei- No caso do auxílio mecânico, foi esti-
situação essa que abre a possibilidade de ta de cana sem queima prévia, em áreas mada uma produtividade dos operado-
se complementar o trabalho manual com não mecanizáveis. res de 20 t/homem-dia, do que resulta-
auxílios mecânicos. Nesses casos, a mão- A cana-de-açúcar apresenta ainda a ria uma demanda potencial sustentável
de-obra executa as funções que deman- maior demanda de força de trabalho no de força de trabalho, para a colheita com
dam discernimento e/ou manuseio delica- Estado de São Paulo, com 250.907 EHA auxílio mecânico, de 33.000 homens,
do e o equipamento executa a parte da em 2002 (Seade, 2003) – Tabela 1. Parte atuando nas áreas não mecanizáveis,
dessa mão-de-obra atua especificamen- que poderia evoluir para uma demanda
te na colheita. Pode-se estimar que a potencial de força de trabalho de 67.000
produção do Estado, com 200 milhões de homens, se toda a colheita for processa-
toneladas, seja colhida em 150 dias, com da com auxílio mecânico.
rendimento médio de 8 t/homem-dia, do OSCAR ANTONIO BRAUNBECK E
que resulta uma demanda potencial de PAULO SÉRGIO GRAZIANO MAGALHÃES

TABELA 1 | DEMANDA DE FORÇA DE TRABALHO AGRÍCOLA ANUAL DAS PRINCIPAIS CULTURAS


DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2002

CULTURAS ÁREA (ha) EQUIVALENTES HOMENS-ANO (EHA) EHA/100ha


Número %
Cana-de-açúcar 3.071.700 250.907 35,56 8,2
Café 333.900 100.393 14,23 30,1
Laranja 786.500 78.921 11,19 10,0
1
Grãos 2.118.500 68.753 9,74 3,2
Olerícolas2 72.800 67.476 9,56 92,7
Demais culturas 1.122.000 139.119 19,72 12,4
Total 7.505.400 705.569 100,00 9,4
SÍLVIO FERREIRA/UNICA

1
Incluem: algodão herbáceo, amendoim, arroz, feijão, mamona, milho, soja, sorgo e trigo.
2
Incluem: abóbora, abobrinha, alface, batata-doce, berinjela, beterraba, brócolis, cenoura,
chuchu, couve, couve-flor, milho-verde, mandioquinha, pepino, pimentão, quiabo, repolho,
tomate de mesa e vagem. Fonte: Seade (2003).

VISÃO AGRÍCOLA Nº 1 JAN | JUN 2004 79


I M PAC TO A M B I E N TA L

Agricultura multifuncional

A cultura da cana,
da degradação à conservação
Raffaella Rossetto *

A questão ambiental sempre foi o “calcanhar de Aquiles” do setor canavieiro. A mo- Levantamentos realizados pela Cetesb
nocultura que se iniciou em 1530 no território brasileiro, trazida por Martim Afonso na década de 1970 revelavam a indústria
de Souza, iniciou a modificação da paisagem e passou a fazer parte da cultura do povo sucroalcooleira como fonte significativa
brasileiro. O processo de colonização e nossa origem histórica, o latifúndio, a es- de degradação ambiental, face ao eleva-
cravidão e a injustiça social imprimiram à cana-de-açúcar uma imagem negativa que do potencial poluidor – quantitativo e
perdurou por muitas décadas. O monocultivo aliado à pequena consciência ecoló- qualitativo – de seus resíduos líquidos,
gica em todas as atividades agrícolas e industriais modificou as relações dos brasi- que eram descartados diretamente nos
leiros com seu ambiente e causou problemas ambientais, com sensível queda da rios. Além disto, havia resíduos sólidos,
qualidade da água, do solo e do ar. A cana-de-açúcar, entretanto, carregou sozinha, emissões gasosas, processos agrícolas
por muitos anos, o ônus de ser uma atividade agrícola extremamente degradadora danosos ao solo e ao ambiente como um
do solo, poluidora do ar e da água, causadora de grande impacto ambiental. todo. As últimas décadas, entretanto,

Vista de canavial e usina; Iguaçu do Tietê, SP; 2001

SÍLVIO FERREIRA/UNICA

80
S O LO S

mudaram a história do setor canavieiro. cação da cultura em sua região de apti- rente do impacto da atividade para um
A pesquisa científica, aliada aos avanços dão agroecológica. Os impactos ambien- grande produtor rural.
tecnológicos, a receptividade do setor tais das atividades agrícolas são difíceis Entende-se por impacto ambiental a
pelas inovações e os conceitos de desen- de quantificar, a exemplo de perda de soma dos impactos ecológicos e socioe-
volvimento sustentável transformaram solo por erosão, contaminação de águas conômicos. Muitas vezes, a análise de
a cultura canavieira em uma atividade subterrâneas, perda de gases para a at- apenas uma dessas dimensões leva a
que conserva o solo, utiliza poucos de- mosfera etc. Entretanto, ocorrem mes- avaliações equivocadas. O Centro de
fensivos químicos, gera poucos resídu- mo que de forma pouco evidente. Mais Monitoramento por Satélite da Embra-
os e os reutiliza no processo produtivo; difícil torna-se, ainda, a avaliação do pa faz uma avaliação dos impactos da
é responsável pela maior contribuição impacto ambiental, no caso da ativida- cana-de-açúcar e os subdivide entre im-
para a melhoria da qualidade do ar at- de canavieira, porque existe grande di- pacto no meio físico (ar, solo e água), na
mosférico das grandes cidades, não versidade no uso de tecnologia. O setor fauna, nos segmentos alimento, abrigo e
mais polui os rios e, de quebra, tem co- canavieiro contempla atividades rudi- reprodução – de acordo com a Tabela 1.
laborado sensivelmente para a manu- mentares, como a sulcação com enxa- Essas avaliações foram feitas certamen-
tenção de áreas de proteção natural, das, comum em plantios em declives no te para condições de cana com queima
reflorestamentos, contribuindo para a Nordeste brasileiro, lado a lado com o prévia à colheita, uma vez que os impac-
melhoria da qualidade de vida nas cida- uso de grandes colhedoras no Estado de tos da cana sem queima são menores em
des e para a capacitação em educação São Paulo. Ainda temos a diversidade de relação à conservação e recobrimento
ambiental de professores, crianças e de- tamanho e de investimentos financeiros do solo e da presença de poluentes no ar.
mais cidadãos. na propriedade rural, de tal forma que o Os principais aspectos ambientais en-
Após as reuniões da Eco 92 (que gerou impacto ambiental da atividade canavi- volvidos no sistema produtivo da cana
o documento Agenda 21) e a reunião do eira para um pequeno produtor de cana, são desmatamento, erosão, assorea-
Comitê dos Ministros da Agricultura dos menos capitalizado, é certamente dife- mento de corpos d´água, escoamento de
países-membros da OECD, realizada em
1998, estabeleceu-se que a agricultura TABELA 1 | IMPACTOS DA CANA-DE-AÇÚCAR NO MEIO FÍSICO E NA FAUNA
deve apresentar um “aspecto multifun- MEIO FÍSICO AVALIAÇÃO*
cional”, pelo qual, além da sua função Ar Odores 2
primária de produção de fibras e alimen-
Fumaça 2
tos, deve também atuar na proteção do
Poeira 3
ambiente, moldar a paisagem, trazer be-
Alergênicos 3
nefícios ambientais – como conserva-
Solo Conservação 5
ção do solo e gestão sustentável dos re-
Recobrimento 5
cursos naturais renováveis, preservação
Adensamento 4
da biodiversidade –, e contribuir para a
viabilidade socioeconômica das áreas Perda 3

rurais, gerando empregos e colaboran- Sais 2

do na manutenção dos conceitos de ter- Biológicos 1


ritorialidade, pelo qual a fixação do ho- Agrotóxicos 1
mem ao campo compõe e consolida os Água Sais 1
traços da cultura local, regional e, con- Biológicos 1
seqüentemente, nacional. Vamos mos- Agrotóxicos 1
trar aqui alguns aspectos de como a ati- FAUNA ALIMENTO ABRIGO REPRODUÇÃO
vidade canavieira tornou-se uma “agri- Mamíferos 3 2 2
cultura multifuncional” e como essa Aves 1 2 2
mudança alterou a qualidade de vida do Répteis 3 3 3
povo brasileiro.
Anfíbios 1 1 1
A obtenção do máximo potencial pro-
Invertebrados 2 2 2
dutivo utilizando o mínimo de insumos
* 1 – Nenhum impacto; 2 – baixo impacto; 3 – médio impacto; 4 – alto impacto; e
e, portanto, perturbando o mínimo pos- 5 – altíssimo impacto
sível o ambiente, passa pela correta alo- Fonte: Embrapa (2000)

VISÃO AGRÍCOLA Nº 1 JAN | JUN 2004 81


I M PAC TO A M B I E N TA L

águas superficiais e movimento de águas de água utilizada pelas indústrias no Es- áreas de colheita de cana sem queima
de subsuperfície, compactação, polui- tado de São Paulo. prévia protege o solo, reduzindo as per-
ção da água e do solo por defensivos Na usina, a água é utilizada para a la- das a valores praticamente insignifican-
agrícolas, circulação de partículas e ga- vagem da cana após a colheita, lavagem tes, de maneira semelhante ao plantio
ses da queimada ou de biocidas pulveri- de caldeiras e das instalações em geral, direto nas culturas anuais. A atividade
zados, além de aspectos regionais decor- na geração de vapor, no resfriamento de canavieira, quando utiliza as práticas de
rentes do monocultivo, como empobre- gases, nas colunas barométricas dos conservação do solo e de aptidão agrí-
cimento da biodiversidade e a sazonali- cristalizadores, nos cristalizadores, na cola, é tida, hoje em dia, como uma ati-
dade do emprego, com eventual dispen- filtração, na incorporação ao produto vidade agrícola altamente conservado-
sa da mão-de-obra, em função da meca- final, no caso do álcool hidratado, entre ra do solo.
nização das operações agrícolas. Talvez outros. Apesar da reciclagem de boa par- Estudos realizados pelo IAC, por 12
os maiores impactos causados pela ati- te da água utilizada, como é o caso da anos, com cana-de-açúcar (4 reformas),
vidade canavieira no ambiente sejam os água de lavagem da cana, que opera em em Latossolo Roxo com 12% de declive,
efeitos do monocultivo e da concentra- circuito fechado, a geração de efluentes em sistema de cana com queima prévia
ção e posse da terra. O monocultivo cau- líquidos é muito grande. A disposição antes da colheita, indicaram perdas mé-
sa a redução da biodiversidade, afetan- desses efluentes, entretanto, ocorre dias de 16,4 t/ha, sendo que, no primei-
do drasticamente a flora e a fauna local quase que totalmente no próprio siste- ro ano, devido à movimentação de terra
e regional. As iniciativas para minimizar ma produtivo da cana, sendo que a dis- para o plantio da cultura, a perda foi de
esse problema concentram-se no culti- posição para os mananciais de água é 49 t/ha, o que significa uma perda de 0,5
vo orgânico da cana-de-açúcar. A con- praticamente nula. cm de solo em um ano (De Maria; De-
centração e a posse da terra, entretan- chen, 1998). Comparativamente com ou-
to, geram problemas sociais e forte pres- CONSERVAÇÃO E PERDAS DE SOLO tras culturas, as perdas de solo no culti-
são no campo. A cana-de-açúcar compe- A erosão é uma das principais causas de vo da cana-de-açúcar, considerando a
te, ainda, com cultivos alimentares, sen- degradação dos solos nas áreas cultiva- média de 5 anos, são sempre bem mais
do que solos altamente férteis e próximos das. As áreas com cana-de-açúcar tam- baixas. A Tabela 2 apresenta os dados de
a grandes concentrações urbanas deve- bém estão sujeitas a essas perdas, de- perdas de terra por erosão na cana-de-
riam ser destinados a esses plantios. pendendo de inúmeras variáveis, entre açúcar, comparando-os com outras cul-
elas o tipo de solo, o manejo para a con- turas. Ressalta-se que esses estudos
A ÁGUA NA CADEIA PRODUTIVA servação, a época de plantio e o prepa- computaram as perdas em sistema de
Existe grande demanda pelo uso da água ro do solo. A cultura da cana-de-açúcar, cana com queimada. A utilização de vi-
na cadeia produtiva da cana-de-açúcar. entretanto, é reconhecida como ativida- nhaça, por promover maior estrutura-
Na fase de cultivo da cana, nas condições de agrícola em que as perdas de terra ção do solo, melhorando a infiltração da
do Estado de São Paulo, praticamente a são pequenas, quando comparadas com água e a resistência dos agregados do
água não é utilizada, ou quando ocorre, as outras, principalmente hoje em dia, solo, reduz consideravelmente as per-
devido a fortes estiagens, fica limitada às quando a palhada remanescente nas das de terra por erosão.
proximidades de mananciais e ao sistema
de irrigação disponível. A água é em ge- TABELA 2 | PERDAS DE TERRA, ESTIMADAS PELA EQUAÇÃO UNIVERSAL DE PERDAS DE TERRA,
PARA A REGIÃO DE PIRACICABA–SP, EM DOIS SOLOS COM DECLIVE DE 12% E 25 m DE COM-
ral suprida pelo uso dos resíduos líqui-
PRIMENTO DE RAMPA. CANA-DE-AÇÚCAR EM SISTEMA DE QUEIMADA DA PALHADA
dos, como a vinhaça e as águas residuais,
CULTURA ÉPOCA DE PLANTIO LR PV
após a colheita, para garantir a brotação
t/ha.ano
de soqueiras e fornecer nutrientes. Na in-
dústria, entretanto, existe a demanda de Cana-de-açúcar (planta) outubro 39 108,6

aproximadamente 13,33 m3 de água/t de Cana-de-açúcar (planta + 5 cortes) outubro 8,3 23,2

cana moída, o que corresponde ao con- Soja outubro 22,6 63,0


sumo estimado de mais de 2,6 bilhões de Milho outubro 11,5 32,0
m3 de água, apenas no Estado de São Pau- Milho dezembro 15,1 42,1
lo, para uma safra de 200 milhões de to- Milho – plantio direto outubro 2,6 7,4
neladas de cana. Segundo o DAEE (1990), Solo descoberto 122,3 340,8
a demanda de água pelo setor sucroalco- LR= Latossolo Roxo; PV= Podzólico Vermelho
oleiro corresponde a 42,6% da demanda Fonte: De Maria; Dechen (1998)

82
FIGURA 1 | PROCESSAMENTO DA CANA-DE-AÇÚCAR E BALANÇO DE MASSA NA GERAÇÃO DE A palhada resultante da colheita sem
RESÍDUOS E PRODUTOS
queima prévia pode ser aproveitada
para geração de energia, no processo
de queima nas caldeiras, juntamente
com o bagaço, ou permanecer no solo
como uma camada de matéria orgâni-
ca, com as vantagens da cobertura
morta e da reciclagem de nutrientes.
Estimativas indicam que são gerados
no Brasil 87,7 milhões de toneladas de
palha, para a produção de 4,8 milhões
de hectares de área plantada, sendo
que cerca de 39,4 milhões de tonela-
das são deixados na lavoura e 48,3
milhões são queimados.
Água de lavagem da cana – A lavagem
da cana antes da moagem é feita no
sistema de cana inteira e queimada. O
fogo acarreta perdas de sacarose por
exsudação, causando aderência de
terra e sujeira. Na cana sem despalha
a fogo ou colhida mecanicamente em
toletes, a lavagem é dispensada. Nas
águas de lavagem existem teores con-
sideráveis de sacarose, matéria vege-
tal e terra. As principais medidas que
visam a minimizar o efeito poluente
desse resíduo são reciclagem no pro-
cesso de embebição e reciclagem no
processo de lavagem, pelo qual é ne-
cessário o tratamento para remoção
de sólidos e resíduos sedimentáveis e,
eventualmente, para remoção de
substâncias orgânicas solúveis.
Água dos condensadores barométricos
Fonte: Cetesb, 2002.
e água condensada nos evaporadores
– São provenientes da concentração
do caldo. Contêm também açúcares e
podem ser recicladas no próprio pro-
RESÍDUOS E SUBPRODUTOS Alguns resíduos produzidos pela agro- cesso de concentração do caldo ou na
Devido às extensas áreas de produção, a indústria têm alto valor agregado e embebição da cana, na lavagem do mel
geração de resíduos pela agroindústria constituem-se em matérias-primas para após cristalização do açúcar, na gera-
sucroalcooleira atinge cifras muito gran- outras atividades agrícolas e industriais. ção de vapor, na lavagem de filtros e
des. Estima-se que a cana-de-açúcar seja Por isso, são considerados subprodutos. preparo da solução para caleagem, na
responsável pela geração de 11% da pro- Os seguintes resíduos são gerados no clarificação.
dução mundial de resíduos agrícolas. A processamento da cana: Bagaço – É composto basicamente
Figura 1 apresenta as fases do processa- Pontas de cana e palha – Ainda no por celulose, com 40 a 60% de umida-
mento em que ocorre a geração de resí- campo, após a colheita da cana, res- de. Tem origem após a moagem da
duos e o balanço de massa, consideran- tam as pontas de cana, que podem ser cana e extração do caldo. O bagaço
do situações médias (Cetesb, 2002). utilizadas para a alimentação animal. tem muitas utilidades e, por isso, mui-

VISÃO AGRÍCOLA Nº 1 JAN | JUN 2004 83


I M PAC TO A M B I E N TA L

tos o consideram um subproduto, e produzido, estima-se que sejam gera- vista ambiental, apresenta pontos posi-
não propriamente um resíduo. A prin- dos anualmente mais de 143 milhões de tivos, como a redução de emissão de ga-
cipal utilização do bagaço é na quei- m3 de vinhaça. Em função do forneci- ses causadores do efeito estufa, a manu-
ma em caldeiras para produção de mento de potássio, de nitrogênio e de tenção da camada de cobertura morta
energia para a própria indústria. Exce- água aplicados ao solo, estima-se que sobre o solo, com conseqüente maior
dentes de bagaço podem ser utiliza- a vinhaça seja responsável por econo- controle de erosão, e todas as vantagens
dos para a co-geração de energia elé- mizar cerca de US$75 por hectare. Apli- do aumento da matéria orgânica do solo.
trica. O bagaço pode também ser uti- cações em locais de declive ou em so- São relatadas, também, melhorias nas
lizado na alimentação animal, na los muito rasos, com lençol freático características tecnológicas com a dimi-
produção de aglomerados e compen- alto, ou mesmo aplicações intensivas nuição das impurezas minerais.
sados similares aos de madeira, na num mesmo local podem causar per- As atividades humanas têm aumenta-
produção de celulose, na utilização das por lixiviação de compostos nitro- do a emissão de gases causadores do
como fertilizante, compostado ou genados, como os nitratos, causando efeito estufa. Esses gases – como o va-
não, e, mais recentemente, como ma- contaminações dos recursos hídricos. por de água, o gás carbônico (CO 2), o
téria-prima para a produção de álco- A Cetesb iniciou ações para avaliar esse metano (CH4), o óxido nitroso (N2O) e os
ol, no processo DHR (Dedini Hidrólise impacto e pretende elaborar um docu- clorofluorcarbonos (CFC) – retêm o ca-
Rápida), no qual as fibras representa- mento para gerar subsídios às políticas lor do sol na atmosfera. O CO2 é o prin-
das principalmente pela celulose do públicas de controle da poluição am- cipal agente do aquecimento global e
bagaço são hidrolisadas e, a seguir, é biental decorrente da aplicação de vi- provém, principalmente, da queima dos
feita a fermentação alcoólica. Através nhaça e/ou produtos agrícolas, visan- combustíveis fósseis, como o carvão, o
do valor médio de produção de 260 kg do a evitar os impactos no solo e nas petróleo e o gás natural. As florestas,
de bagaço seco para cada tonelada de águas subterrâneas pelas atividades assim como as plantações de cana-de-
cana, estima-se que são produzidos agroindustriais. açúcar, liberam grandes quantidades de
mais de 70 milhões de toneladas de Melaço – É gerado durante a fabrica- CO2, quando ocorrem queimadas. Mas,
bagaço anualmente no Brasil. Cerca de ção do açúcar e praticamente todo uti- através da fotossíntese, o carbono é fi-
95% do bagaço gerado é queimado nas lizado na produção de álcool. A exem- xado de tal forma que o balanço acaba
caldeiras para a produção de vapor. plo do bagaço, tem grande valor agre- sendo positivo. No caso da cana-de-açú-
Torta de filtro – Resulta da filtração gado, de maneira que é considerado car, quantidades maiores de carbono
do lodo gerado na clarificação, apre- como subproduto. Também pode ser são fixadas em relação às quantidades
senta fosfatos e um alto teor de maté- utilizado para a fabricação de levedu- emitidas. Silva (1996) cita dados da lite-
ria orgânica e umidade, que as tornam ra ou na alimentação animal. ratura, estimando que a cana-de-açúcar
um resíduo de grande interesse para Cinzas de caldeiras – Após a queima pode absorver 15 t de CO2/ha.
uso como fertilizante e condicionador do bagaço, restam as cinzas, na pro- De acordo com a Fiesp (2001), estima-
do solo. Também pode ser utilizada na porção média de 6kg de cinzas por to- se que a geração de resíduos de palha e
alimentação animal. nelada de cana. São gerados, portan- bagaço de cana atinge cifras de 160 mi-
Água de lavagem das dornas – É a to, cerca de 1,6 milhões de toneladas lhões de toneladas anuais, sendo 70,2
água de lavagem dos recipientes de de cinzas, que são utilizadas como fer- milhões de toneladas de bagaço e 87,7
fermentação para obtenção de álcool. tilizante potássico misturado com a milhões de toneladas de palha. Cerca de
Com composição semelhante à vinha- torta de filtro ou à palhada, nas lavou- 95% do resíduo de bagaço são usados nas
ça, é geralmente misturada a ela e uti- ras de cana. caldeiras e 48,8 milhões de toneladas de
lizada como fertilizante. palha são em geral queimadas. A quei-
Vinhaça – É o resíduo da destilação do A QUEIMADA mada da palhada libera, em quantidades
caldo de cana fermentado nas destila- A queima da palhada de cana para faci- estimadas, 48,8 milhões de toneladas de
rias ou do melaço fermentado para litar as operações de colheita é uma prá- carbono, 1,27 milhões de toneladas de
produção do álcool, nas destilarias tica generalizada no país. A colheita me- nitrogênio como N total, 6,83 milhões
anexas às usinas de açúcar. Apresenta canizada sem queima fica restrita às áre- toneladas de carbono como CO, 0,32 mi-
alta DBO e DQO e é utilizada como fer- as mecanizáveis e gera grande pressão lhões toneladas de carbono como CH4,
tilizante, principalmente pelo alto teor social, pois significa a redução de cerca 0,01 milhões de toneladas de nitrogênio
de potássio. Para uma produção de 11,1 de 90.000 empregos, apenas no Estado como N2O e 0,52 milhões de toneladas de
litros de vinhaça por litro de álcool de São Paulo. Entretanto, do ponto de nitrogênio como NOx.

84
Ações das entidades ambientais origi- ram para o Rio Pardo, que passa perto da e industriais, a fim de se minimizarem
naram a Lei da Queima da Cana (Lei n. usina, através de galerias pluviais. perdas, otimizarem as relações da cultu-
11.241/2002), que trata da queima con- A alta DBO do melaço (cuja análise de ra com o ambiente e promover maior
trolada da cana-de-açúcar para despa- amostra de água retirada próxima a Ri- qualidade de vida, quer pela manuten-
lha e de sua gradual eliminação. Exige beirão Preto, cerca de 20 km da usina, ção e geração de mais empregos e ren-
um planejamento entregue anualmente acusou índice de 2.100 mg/l, quando o da, quer pela melhoria da qualidade de
à Cetesb, adequando as áreas de produ- normal é aproximadamente 2 mg/l) cau- vida dos cidadãos.
ção ao plano de eliminação de queima- sou grande mortalidade de peixes. O me-
das. A legislação prevê planos diferen- laço atingiu também o Rio Grande, à dis- *Raffaella Rossetto é pesquisadora, APTA –
ciados para áreas mecanizáveis ( >150 ha tância de mais de 150 km da usina. Ape- Pólo Regional Centro-Sul, Piracicaba-SP
(rossetto@merconet.com.br).
e declividade<=12%). Nesse caso, o prazo sar da fatalidade inerente ao fato, o aci-
prevê: 20% de redução imediata da área dente, que foi considerado como o maior
cortada; 30%, a partir de 2006; 50%, a par- dos últimos 20 anos, gerou uma multa de
tir de 2011; 80%, a partir de 2016; 100%, em R$10 milhões e a empresa se comprome-
2021. As áreas não-mecanizáveis (<150 ha teu ainda a repovoar o Rio Pardo, procu-
ou declividade>12%) e as com estruturas rando sanar o problema causado.
de solo (limitações ou obstáculos) que Ao que pese o monocultivo e seus efei-
impeçam a mecanização, têm os seguin- tos negativos, a cana-de-açúcar destaca- BIBLIOGRAFIA
tes prazos: 10% de redução, a partir de se positivamente na preservação ambi- ARRIGONI, E. B. Broca da cana-de-açúcar: im-
portância econômica e situação atual. In:
2011; 20%, a partir de 2016; 30%, a partir ental global. Os resultados do setor são PRAGAS da cana-de-açúcar, Stab. CDRom,
de 2021; 50%, a partir de 2026; 100%, em relevantes: utiliza baixo índice de defen- 2002.
2031. sivos químicos; tem o maior programa de CETESB. A Produção mais limpa (P+L) no setor
Estão proibidas as queimadas nas se- controle biológico de pragas instalado; Sucroalcooleiro. In: Câmara Ambiental do Se-
guintes condições: 1km, a partir do perí- apresenta o mais baixo índice de erosão tor Sucroalcooleiro. GT de P+L: Mudanças
tecnológicas – Procedimentos. Disponível
metro urbano ou de reservas/áreas ocu- do solo da agricultura brasileira; utiliza
em: <www.cetesb.org.br>. Acesso em: 2002.
padas por indígenas; 100m, a partir das racionalmente todos os resíduos gerados DE MARIA, I. C.; DECHEN, S. Perdas por erosão
áreas de domínio de subestação de ener- pela agroindústria em sua própria cadeia em cana-de-açúcar. STAB – Açúcar, álcool e
gia elétrica; 50m, a partir de reserva e de produção; contribui para o descarte e subprodutos. v. 17, n. 2, p. 20-21, 1998.
parques ecológicos e de unidades de a melhor disposição de vários resíduos DINARDO MIRANDA, L. L. Cigarrinhas das raí-
zes em cana-de-açúcar.Campinas: Institu-
conservação; 25m, a partir das áreas de urbanos e industriais; não interfere na
to Agronômico (IAC), 2003. 70p.
domínio de estações de telecomunica- qualidade dos recursos hídricos; como
EMBRAPA. Agroecologia da cana-de-açúcar.
ção; 15m, a partir das faixas de seguran- cultura isolada, apresenta a maior área de 2003. Disponível em: <www.cana.cnpm.
ça das linhas de transmissão e distribui- produção orgânica do nosso país; parti- ebrapa.br>. Acesso em: novembro 2003.
ção de energia elétrica; 15m, das áreas de cipa da matriz energética com combustí- IDEA. Indicadores do setor sucroalcooleiro.
domínio de rodovias e ferrovias. veis limpos e renováveis; através do uso 2004.
do álcool nos veículos, o setor é respon- OSTERROHT, M. Açúcar mascavo de Jaboti: 10
anos de persistência e evolução. Agroecolo-
ACIDENTES E CONTAMINAÇÕES sável pela maior contribuição ambiental
gia Hoje, Botucatu, SP, Agroecológica, n. 3, p.
A atividade sucroalcooleira é, atualmen- em nível mundial à qualidade do ar das 16-19, 2000.
te, bastante segura. Acidentes ambien- cidades; contribui também para a melho- SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Agricultura.
tais, como os que ocorrem devido às ati- ria do efeito estufa, através da retirada de Zoneamento agrícola do Estado de São
vidade petrolíferas, têm sido muito ra- CO2 do ar durante o processo de fotossín- Paulo. São Paulo: Secretaria da Agricultura,
1974. v. 1.
ros. Recentemente, entretanto (em tese; a cana-de-açúcar é atividade gera-
SILVA, L. L. da. Painel: Etanol e Gasolina: Impac-
29.9.2003), ocorreu um acidente de dora de muitos empregos rurais, apresen-
tos ambientais e na saúde – Produção e uso.
grandes proporções. O reservatório de tando o maior índice de carteiras de tra- In: O álcool e a nova ordem econômica mun-
melaço de cerca de 8 milhões de litros da balho assinadas de toda a agricultura bra- dial. Brasília:Segmento; Câmara dos Deputa-
Usina da Pedra, em Serrana- SP, rompeu- sileira. dos, 1996. p. 60-63.

Apesar de todos os êxitos, novos ca- SZWARC, A. Painel: Etanol e Gasolina: Impactos
se e ocorreu um vazamento, contido em
ambientais e na saúde – produção e uso. In:
parte por barreiras de bagaço colocadas minhos indicam a necessidade de se
O álcool e a nova ordem econômica mundi-
pelos funcionários da usina. Entretanto, manter o monitoramento e um controle al. Brasília: Segmento Câmara dos Deputa-
cerca de 100 mil litros de melaço vaza- cada vez maior dos processos agrícolas dos, 1996. p. 72-77.

VISÃO AGRÍCOLA Nº 1 JAN | JUN 2004 85


I M PAC TO A M B I E N TA L

O sistema de cultivo orgânico


açúcar orgânico, entre eles o Brasil, Índia,
EUA, Paraguai e Austrália. No Brasil, a
Usina São Francisco- SP é pioneira no de-
senvolvimento do sistema de produção
de cana e açúcar orgânico. Cultiva 13.500
ha de canaviais, certificados desde 1997
para a produção orgânica. Atualmente,
produz 22.000 t de açúcar orgânico por
ano, cuja maior parte é exportada. Outras
unidades também dividem esse mercado,
a exemplo da Univalem -SP, que produz
cerca de 10.000 t de açúcar orgânico. As
principais certificadoras que atuam no
setor canavieiro são a Imaflora e o Insti-
tuto Biodinâmico (IBD). Também certifi-
cam açúcar orgânico o Farm Verified Or-
ganic (FVO) e o CMO; no caso da aguar-

R. ROSSETTO/APTA
dente, o Minas Orgânico. Dependendo da
certificadora, existem padrões a serem
Vista de canavial; Piracicaba, SP; 1998 seguidos para a produção de cana orgâ-
nica. Em geral exigem:
Período inicial – O local onde será
Apesar da recente corrida à produção de assim sucessivamente. implantado o sistema orgânico deve
açúcar orgânico por usinas do Estado de Esse sistema teve como premissas a ser preparado e ter alguns anos (pelo
São Paulo, agricultores do Paraná produ- manutenção da biodiversidade (incenti- menos 4) sem uso de pesticidas, pro-
zem, na cidade de Jaboti, há 10 anos, açú- vadora da geração de inimigos naturais) dutos químicos e, principalmente, sem
car mascavo orgânico. O açúcar é produ- e a capacidade da cana de compensar o queimadas. Deve estar definido um
zido para o mercado interno e para ex- espaçamento duplo, sem perda da pro- plano de manejo da paisagem, de tal
portação, movimentando a economia da dutividade. A colheita é feita sem quei- forma que o uso da terra promova a
pequena cidade e garantindo o rendi- ma e os restos vegetais, folhas secas e integração da atividade produtiva
mento das famílias de pequenos agricul- ponteiros são deixados sobre o solo. O com a manutenção dos ecossistemas,
tores. O processo de cultivo seguiu o sis- bagaço que sobra da geração de energia prevendo a implantação de corredo-
tema desenvolvido nas Filipinas pelo retorna ao solo. São utilizados também res florestais e/ou ilhas de diversida-
ecologista Alrik Copijn (apud Osterroht, como fertilizantes os estercos animais, de na área cultivada.
2000). Nesse processo, a cana é plantada biofertilizantes, fosfatos de rocha e cin- Solo e o cultivo da cana – Deve ser fei-
em sulcos duplos distantes 1 m entre si e zas. A produtividade atinge 90 t/ha, e a to com o mínimo de impacto na estru-
3 m entre a próxima linha de sulcos du- variedade NA56 79 (há muito ultrapassa- turação do solo, e devem ser adotadas
plos. Esse plantio permite que sejam da pela sua susceptibilidade ao carvão) práticas de conservação do solo e dos
plantadas culturas alimentícias como mi- ainda é usada, por apresentar vantagens recursos hídricos. O manejo da cana
lho, feijão, mandioca, gergelim e adubos quanto à cor do açúcar mascavo, segun- deve prever a recuperação e a manu-
verdes. O manejo é alternado de tal for- do acreditam os produtores. Várias co- tenção da fertilidade do solo. A ativida-
ma que, no primeiro ano, nas ruas 1, 3, 5 operativas e associações de produtores de agrícola deve promover a conserva-
etc. deixam-se a palhada, os resíduos e os também estão certificadas para comer- ção dos ecossistemas, a conservação
adubos verdes, enquanto que, nas linhas cializar o açúcar mascavo e a cachaça da biodiversidade e sua recuperação.
2, 4, 6 etc. plantam-se culturas anuais, orgânicos. Uma listagem pode ser obti- Variedade de cana – Não pode ser
como milho, feijões e mandioca. No ano da no site www.planetaorganico.com.br. transgênica.
seguinte, o manejo das linhas impares é A agricultura orgânica é uma atividade Defensivos – Devem ser utilizados
trocado pelo manejo das linhas pares, e em expansão. Vários países produzem métodos de controle integrado, prio-

86
rizando o controle biológico de pra- biente. Não poderá utilizar substânci- puaçu, nas quais não há praticamente
gas. Em casos extremos, algumas cer- as químicas durante o processamen- qualquer manejo. Discute-se sobre a
tificadoras aceitam a utilização de to do açúcar e do álcool. É permitido produtividade da cana nos sistemas or-
produtos menos agressivos, desde apenas o uso de alguns floculantes du- gânicos. A Usina São Francisco-SP, rela-
que haja um plano de uso de produtos rante o processo de clarificação. Pro- ta aumento de produtividade da ordem
e dosagens menos agressivas e uma dutos como cal ou calcário e políme- de 10%, embora os custos de produção
total proteção ao trabalhador. O mato ros naturais, como os obtidos a partir sejam de 50 a 60% maiores que o siste-
é controlado principalmente pela ma- de acácia negra, são permitidos como ma convencional. Teme-se também a
nutenção da palhada de cana do cul- agentes clarificantes. presença de pragas que poderiam res-
tivo anterior. Capinas manuais são Relações com os trabalhadores – A tringir a produtividade.
também necessárias, em áreas onde a empresa deverá cumprir toda a legis- Na usina São Francisco-SP, problemas
infestação é alta. O controle do mato lação trabalhista e promover o bem- como nematóides são controlados com
pode ser um dos gargalos do proces- estar socioeconômico dos trabalha- o plantio de crotalária, na época de re-
so de produção da cana orgânica, uma dores. Conforme a certificadora, exis- forma dos talhões. Cupins, cigarrinhas e
vez que exige grande mão-de-obra e tem exigências na área social, a exem- formigas são apenas monitoradas e es-
onera o processo. Existem tentativas plo de contratos fixos de trabalho, pera-se que os inimigos naturais, tam-
de plantar misturas de adubos verdes treinamento e capacitação, transpor- bém favorecidos pelo sistema orgânico
na entrelinha da cana, porém ainda te com veículos apropriados e direitos de cultivo, façam a sua parte. Em relação
não é uma prática bem definida. de organização em entidades de re- aos ganhos ambientais, a Usina São
Fertilizantes e corretivos – Os fertili- presentação. Francisco também anuncia que, em res-
zantes permitidos são de origem orgâ- Monitoramento – É feito periodica- posta à ausência de defensivos quími-
nica ou minerais de baixa solubilida- mente, em geral anualmente, pela cos, queimadas e pelas áreas refloresta-
de, como os fosfatos naturais, calcário equipe das certificadoras. Permite re- das de mata em regeneração natural, 127
ou rochas moídas. A vinhaça e a torta visão e correção de rumos. espécies de aves, 26 de mamíferos e vá-
de filtro são permitidas e fornecem Como cultura isolada, a cana-de-açú- rias espécies de serpentes vivem em
praticamente todo o potássio e fósfo- car é, atualmente, considerada a cultu- meio aos canaviais. A Usina mantém um
ro necessários, além de parte do nitro- ra com maior área de produção orgâni- convênio com universidades e a Embra-
gênio. Os compostos também são uti- ca. Nos dados estatísticos, perde apenas pa para o levantamento e o monitora-
lizados, assim como os estercos ani- para a fruticultura, devido às explora- mento da fauna em suas propriedades.
mais. Deve-se realizar a rotação de ções de frutas nativas, como caju ou cu- RAFFAELLA ROSSETTO
culturas e adubação verde nas áreas
de reforma do canavial com legumino-
sas, para fixação biológica do nitrogê-
nio, e com gramíneas, para a melhoria
da estrutura física do solo. Cobertura
morta promovida pela manutenção da
palhada de cana é altamente indicada.
Colheita – Apenas é permitida a colhei-
ta sem queima, mecanizada ou não. A
colheita mecânica com cana queimada
é terminantemente proibida.
Na fase industrial, existem também al-
E.G.F. BEAUCLAIR/USP ESALQ

gumas restrições. As indústrias devem


ser auto-sustentáveis do ponto de vis-
ta energético. Devem promover o des-
carte adequado de todos os resíduos
e observar toda a legislação existente Soqueiras de cana com diferentes épocas de corte e brotação na Estação Experimental de
para as emissões de poluentes no am- Piracicaba (CTEP-CTC); Piracicaba, SP; 1985

VISÃO AGRÍCOLA Nº 1 JAN | JUN 2004 87


T E C N O LO G I A

Produtividade

A cana-de-açúcar como
matéria-prima
Jorge Horii *

ERNESTO RODRIGUES/AE

Alimentação de moendas para produção de açúcar na Usina Andrade/Companhia Energética São José; Ribeirão Preto, SP; 2003

88
S O LO S

A cana-de-açúcar como matéria-prima lignina e hemicelulose e produtos deri- A composição química e tecnológica
ganha importância econômica a cada vados de seu processamento – papéis; da cana-de-açúcar varia em função de
dia, com novas descobertas, novos po- aglomerados e similares para indústria fatores como: variedade, espaçamento e
sicionamentos empresariais e novos fa- moveleira; diversos produtos químicos; perfilhamento; idade e corte; estágio de
tores sócio-econômicos, políticos e am- materiais de construção, como blocos maturação, época de colheita, clima ao
bientais. Em função do tipo de empre- mais leves; substrato para cultivo de co- longo do ciclo; solo e fertilidade; aduba-
endimento e do patamar tecnológico, a gumelos; e substrato orgânico para mui- ção, compactação do solo, irrigação
cana como matéria-prima deve ser con- tas culturas. (água ou vinhaça), tratos culturais e fe-
siderada em toda a sua parte aérea, ex- Os componentes orgânicos e inorgâ- chamento; sanidade dos cultivares, bro-
cluindo-se apenas raízes e rizoma – já nicos da cana, macro e micro, devem ser tação da soqueira, florescimento e cho-
que a cultura é considerada semipere- considerados sob dois aspectos: intrín- chamento, entre outros.
ne, com sucessivos ciclos, socas ou fo- secos ou genéticos – que expressam As variedades comerciais – híbridos in-
lhas. Em verdade, colmo, folhas e flores todo seu potencial genômico; e extrín- terespecíficos – têm ciclos de cultivo bem
interessam como componentes ou pro- secos ou ambientais – que refletem to- definidos, após os quais começam a dar
dutos tecnológicos pelos sólidos solú- das as condições edafoclimáticas e nu- sinais típicos de declínio ou senescência,
veis – açúcares ou não-açúcares – que tricionais envolvidas no ciclo fenológi- com a perda significativa e gradativa da
irão gerar, após industrialização. Os co, da formação de biomassa, até a ma- produtividade agrícola, o que exige subs-
açúcares são gerados sob as mais diver- turação. As variabilidades genéticas que tituição por novos materiais genéticos,
sas formas: VHP (Very High Polarizati- caracterizam cada espécie e os fatores superiores e estáveis. Vários fatores de
on), VVHP, cristal branco, açúcar líqui- ambientais influem na obtenção da mas- pressão – principalmente a adversidade
do e açúcar invertido; e sob as mais di- sa vegetal e determinam os teores dos ambiental – são ainda apontados como
versas denominações, em função das diversos componentes da cana, de cujo causadores de declínio, uma vez que as
formas de obtenção (de orgânico a na- equilíbrio dependem as várias etapas da variedades não sofrem, por si só, altera-
tural), de purificação (de mascavo a re- industrialização. ções de caráter genético pelo tipo de pro-
finado) e de concentração (de xarope, As grandes metas de produção e pro- pagação. Sendo limitada a vida produti-
melado ao subproduto melaço). Os ál- dutividade das unidades industriais são va de uma variedade, há necessidade
coois vão de hidratado a anidro carbu- baseadas na qualidade da matéria-prima constante de se criarem novos híbridos
rante, de álcool industrial (para a alco- que, no caso da cana-de-açúcar, repre- capazes de enfrentar os permanentes
química), a álcool neutro ou extraneu- senta cerca de 65 a 72% do custo dos pro- desafios representados pelas novas do-
tro (usado na fabricação de bebidas, dutos finais. Contribui para tal a elevação enças e modificações ambientais produ-
perfumaria e fármacos). do custo da terra, particularmente em zidas pela expansão da cultura e pela im-
É considerado ainda o potencial da São Paulo. Como a expansão da produção plantação de novas tecnologias, cujos
cana para geração de fertilizantes, nem sempre é possível em muitas regiões, efeitos não são todos bem conhecidos.
proteínas unicelulares, ração animal e uma grande preocupação do canavicul- Acredita-se, entretanto, que não de-
produção de biogás. Os lignocelulósicos tor é o implemento de tecnologias para vam mais acontecer expansões descon-
(celulose, hemicelulose, lignina, outros aumento da produtividade, com redução troladas da fronteira agrícola da cana,
orgânicos e cinzas) podem ser utilizados de custo. Isso os produtores vêm conse- como aconteceu com o Proálcool, no iní-
como combustíveis para a geração de guindo obter ao longo das últimas déca- cio da década de oitenta, quando a varie-
vapor e energia elétrica. A produção de das, desde o início dos anos setenta, atra- dade Na 56 79 ocupou quase 50% da área
excedentes continua na comercialização vés da Copersucar, do IAC e do Planalsu- cultivada, sendo logo em seguida substi-
do bagaço, hoje um commodity, como car, e ainda com o estímulo do Proálcool. tuída, da mesma forma, pela SP 70 1143.
energia elétrica; na geração de hidroli- Foram criadas variedades que aumenta- Hoje, com a existência de novas varieda-
sado para ração animal; na geração de ram a produtividade e tecnologias que des criadas pelas principais instituições
xarope do hidrolisado resultante; na impulsionaram a indústria, num salto for- da área (RB – República do Brasil, PMG-
produção de etanol; na geração de fer- midável, que levou o país ao pódio como CA/UFSCAR; SP – São Paulo, Copersucar;
tilizantes, com muitos outros subprodu- maior produtor de açúcar do mundo, com IAC – Instituto Agronômico de Campinas)
tos e resíduos; na obtenção de celulose, o menor custo. houve um aumento da oferta da cultura

VISÃO AGRÍCOLA Nº 1 JAN | JUN 2004 89


T E C N O LO G I A

e as usinas do Centro-Sul passaram a COMO IDENTIFICAR AS VARIEDADES?


substituir as antigas variedades – e mes-
POR SIGLAS E NÚMEROS, CONFORME
mo as não tão antigas – de modo que tal-
O EXEMPLO SEGUINTE:
vez seja o caso de se procurar uma meto-
dologia que permita comparar as varie- RB 83 5486
dades mais eficientes, evitando descartes REPÚBLICA DO BRASIL
prematuros. Também essa ampla oferta PMGCA/UFSCAR
de variedades e de novas combinações ANO DE OBTENÇÃO
genéticas, conjugadas às novas tecnolo- DO CRUZAMENTO
gias de cultivo, tem sido responsável pelo POSIÇÃO DA PLANTA
NO EXPERIMENTO
aumento da produtividade agrícola e in-
dustrial, mesmo ressalvado o período crí-
tico enfrentado pela desregulamentação
dos preços da cana-de-açúcar e seus pro-
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
dutos, ocorrido em 1998.
BARBIERI, V.; MANIERO, M. A; MATSUOKA, S. O ROSENFELD, V.; LEME, E. J. A. Produtividade da
florescimento da cana-de-açúcar e suas im- cana-de-açúcar irrigada por aspersão – Es-
*Jorge Horii é Professor do Departamento plicações no manejo agrícola. In: CONGRES- tudo de épocas de irrigação. In: CONGRESSO
de Agroindústria, Alimentos e Nutrição; SO NACIONAL DA STAB, 3., 1984, São Paulo. NACIONAL DA STAB, 3., 1984, São Paulo.
USP/ESALQ (jhorii@esalq.usp.br). Anais... São Paulo: 1984. p. 273-276. Anais... São Paulo: 1984. p. 79-84.
DELDEN, E. Standard fabrication practices for SILVA, F. C. da; CESAR, M. A. A; CHAVES, J. B. P.
cane sugar mills. Amsterdam: Elsevier, 1981. Qualidade da cana-de-açúcar como matéria-
FAUCONNIER, R. La canne à sucre. Paris: Mai- prima. In: PEQUENAS indústrias rurais de
sonneuve et Larose, 1991. cana-de-açúcar. Brasília: Embrapa, 2003.
FAUCONNIER, R.; BASSEREAU, D. La caña de (Embrapa Inf. Técn.).
azucar. Barcelona: Blume, 1975. STUPIELLO, J. P. A cana como matéria-prima. In:
LUCCHESI, A. A. Processos fisiológicos da cultu- PARANHOS, S. B. (Coord.). Cana-de-açúcar:
ra da cana-de-açúcar (Saccharum spp). Pi- cultivo e utilização. Campinas, Fund. Cargill,
racicaba: ESALQ, 1995. (Boletim Técnico n. 7). 1987. v. 2, p. 761-804.

SÍLVIO FERREIRA/UNICA

Produção de açúcar na Usina da Barra; Barra Bonita, SP; novembro 2001

90
A qualidade da matéria-prima,
na visão industrial
Até aqui, foram comentados alguns fato-
res de variação da composição da cana-
de-açúcar relacionados às variáveis
agrícolas. A essas devem ser somadas as
variáveis referentes ao tipo de colheita,
queima, carregamento, transporte e,
ainda, aquelas que a indústria interpre-
ta como “qualidade tecnológica desejá-
vel”, quais sejam, teor de fibra, pH do
caldo, teor de cinzas, gomas, amido, po-
lissacarídeos, dextrana.

SÍLVIO FERREIRA/UNICA
TIPOS DE COLHEITA E QUEIMA
De maneira geral, a legislação de prote-
ção ambiental tende a excluir a opera-
ção de queima prévia do canavial. Está
prevista a redução gradual das áreas de Lavagem de cana-de-açúcar na alimentação de esteira na Usina da Barra; Barra Bonita, SP; 2001
queima, ao longo de quase três décadas.
Desse modo, há inúmeras óticas e ra- ço e todas as vantagens da matéria or- a partir de setembro até o final da safra;
zões, dependendo da empresa, do plane- gânica que seria incorporada ao solo, após 120 horas corridas da queima, é ba-
jamento de expansão, tecnificação, re- mas pode-se ter algum ganho na produ- nida do sistema de pagamento.
cuperação, reestruturação e implanta- tividade do corte, no transporte de cana É conhecido que canas colhidas quei-
ção, e percentual do tipo de colheita a mais limpa, na operacionalidade do cor- madas inteiras resistem, de modo geral,
ser adotado a cada ano. te, na eliminação de animais e pragas por tempos bem superiores à cana corta-
O corte mecanizado de cana crua cres- (como broca e cigarrinha) e do mato in- da em toletes, que necessitam entrar em
ce em função de várias razões técnicas, vasor. Mas é certo que a colheita meca- processamento em 6 horas, preferencial-
em função das metas estabelecidas, nizada ainda não está ao alcance de for- mente. Freqüentemente, conceitos sobre
como: co-gerar; vender bagaço para ter- necedores pequenos e médios, que ocu- tempos máximos e temperatura mínimas
ceiros; usar todo o palhiço como cober- pam uma considerável proporção dos levam a resultados muitas vezes inexpli-
tura; recolher parcialmente a palhada produtores de cana-de-açúcar. cáveis, quando não desastrosos. Com fre-
para substituir o bagaço, com vantagem Considerando-se a queima para co- qüência, ouve-se no meio sucroalcoolei-
pelo maior poder calorífico, em função da lheita manual ainda uma grande parce- ro que a entrada no processamento em
menor umidade (15-20%); utilizar uma co- la, nota-se que é uma das maiores res- tempo médio de 48 horas após a colheita
lhedeira para cada 100.000 toneladas de ponsáveis pela alteração da composição não traz problemas para a indústria.
cana/safra; aumentar velocidade e colher química e tecnológica da cana-de-açú-
mais em função do alto valor da colhedei- car, não pelo efeito da combustão da MATURAÇÃO E QUALIDADE
ra; colher menos e preservar mais a má- palha em si, mas pelo efeito combinado O comportamento das variedades em
quina, em função do mesmo alto custo; dos fenômenos físico-químicos, fisioló- função do clima, na região Centro-Sul,
colher para preservar mais a rebrota e gicos e microbiológicos que se sucedem, pode ser agrupado, quanto ao início de
reduzir a matéria estranha; melhorar o até a entrada do caldo no processo. O safra, de acordo com a riqueza em açú-
monitoramento das colhedeiras, do tempo de espera entre a queima e o iní- car e em relação ao Período Útil de In-
transbordo e do transporte e, portanto, cio de processamento é tão importante dustrialização (PUI), seguindo os concei-
de toda a logística, do campo à indústria. que merece desconto no pagamento da tos clássicos mostrados na Figura 1.
Se a opção for pela colheita mecaniza- cana, após 72 horas da queima, no início Observando-se as curvas de matura-
da de cana queimada, perde-se o palhi- da safra (até 31 de agosto), e de 60 horas, ção de diversas variedades, verifica-se

VISÃO AGRÍCOLA Nº 1 JAN | JUN 2004 91


T E C N O LO G I A

FIGURA 1 | MATURAÇÃO DAS VARIEDADES DE rios e nomenclaturas são usuais desde a e a reatividade do caldo e que podem
CANA-DE-AÇÚCAR
década de sessenta, quando propostos contribuir para o aumento da cor do
por Brieger e Segalla, sendo também açúcar. Por outro lado, por se tratar de
adotados por Fauconnier e Bassereau um material com baixo volume de líqui-
(1975) e Stupiello (1987). Como não se do (caso das folhas), acaba por avolumar
aconselha a utilização de mais de 12% de fibra, portanto bagaço, e retirar fração
uma única variedade e são muitos os con- do caldo, o que significa perda de açúcar,
dicionantes – como clima, solo, nutrição, embora percentualmente insignificante,
adubação, fitossanidade, matocompeti- já que moléculas e difusores alcançam,
ção e outros –, o manejo varietal acaba respectivamente, mais de 96 e de 98% de
determinando o ATR médio final. extração hoje em dia, comparados aos
93% de duas décadas passadas.
MATÉRIA ESTRANHA
Matéria estranha, impureza ou trash são ALTERAÇÕES NA MATÉRIA-PRIMA
substâncias vegetais ou minerais que POR PRESSÕES AMBIENTAIS
acompanham os colmos inteiros ou em FISIOLÓGICAS
toletes, nas fases de corte e carregamen- Um colmo cortado, inteiro ou em toletes,
to. Os componentes vegetais são forma- mantém a respiração, que é um proces-
que a maturação ou o acúmulo máximo dos por pontas, folhas verdes e secas, so oxidativo para obtenção de energia,
em açúcar tende a se localizar no fim do chupões, rizomas, raízes arrancadas e a custo, inicialmente, de açúcar e de
inverno e no início da primavera, nor- plantas invasoras, que chegam a atingir componentes de reserva na formação de
malmente um trimestre de grande esti- até 8% da matéria-prima total. São com- tecido e raízes, dependendo do período
agem ou com rara ocorrência de chuvas, ponentes minerais o solo aderido às raí- em que permanece cortado e das demais
com temperatura amena, lento desen- zes e ao colmo, poeira, areia, pedras e condições ambientais predominantes.
volvimento vegetativo, mas suficiente- pedaços de metais, que chegam a atingir Assim, num colmo cortado e deitado, o
mente favorável ao acúmulo de açúca- até 10%, na dependência de clima chuvo- comportamento é similar ao de muda,
res – até que a chegada das chuvas e a so, muito seco, solo e textura, e ainda do com ativação de invertase e conseqüen-
elevação de temperatura voltem a esti- tipo de queima e colheita, equipamentos te aumento de açúcares redutores, os
mular o rápido desenvolvimento vege- e operação de colheita e carregamento. quais serão consumidos em parte por
tativo, com consumo de energia, redu- O teor de matéria estranha represen- oxidação para produção de energia e
zindo as reservas acumuladas. Embora ta algo entre 3 e 12% da matéria-prima. A também como elemento de composição
seja essa a tendência das variedades – redução de parte dessa matéria estranha de novos tecidos, junto com os demais
geneticamente, em função da caracterís- é realizada na indústria, através da lava- elementos minerais, em processo de sín-
tica varietal, seleção e todas as varia- gem dos colmos, com água ou a seco tese. Há entumescimento das gemas, ati-
ções ambientais já comentadas para iní- (ventilação). A lavagem com água só é vação de hormônios ou auxinas e, por-
cio de safra –, em função do teor de açú- realizada em colmos inteiros, com per- tanto, modificações internas que se ex-
car alcançado no início de maio, as va- das de açúcar de até 2%, além de impli- teriorizam ao longo do tempo, propor-
riedades têm sido agrupadas ou classi- car na necessidade de 5 a 10 m3 de água cionalmente ao período armazenado.
ficadas como precoces. As que atingem por tonelada de cana. Essa água deve ser Ocorre também, concomitantemente,
a maturação a partir de julho são chama- tratada com cal, até pH 9-10, através de o ressecamento ou a transpiração do col-
das médias, e as que só atingem a matu- um sistema em circuito fechado, com re- mo, qude é caracteristicamente perda de
ração após o pico das médias (agosto e tirada de lodo – reposição de água e in- água e, portanto, de peso (cerca de 10 a
setembro) são chamadas tardias. sumos se fazem necessários. Mesmo com 15%), em torno de 7 a 10 dias. Abstraindo-
Em relação à riqueza em açúcar, as va- a lavagem da cana, ainda restará um cer- se que a cana é um complexo biótico, a
riedades são agrupadas como ricas to teor de impurezas minerais, além da perda de água simultânea à respiração
(Pol>14 e Pureza>85%), médias (Pol 12,5 a água remanescente, de cerca de 3%. traz, como conseqüência, o aumento re-
14 e Pì>82) e pobres (Pol>12,5 e Pì>82). Em relação à matéria vegetal não-col- lativo do teor de fibra, sólidos solúveis
Também em relação ao PUI, elas se deno- mo, sua participação se dá fornecendo (°Brix) e redução no teor de sacarose e da
minam: PUI curto (<120 dias), médio (120 clorofila, pigmentos, taninos e outros pureza, entre outros aspectos.
a 150 dias) e longo (>150 dias). Esses crité- componentes que alteram a composição As alterações fisiológicas obviamente

92
FIGURA 2 | COMPONENTES QUÍMICOS E TECNOLÓGICOS DA CANA-DE-AÇÚCAR mentação pertencem a esse gênero e
causam um dos maiores problemas do
processo fermentativo, pela indução de
floculação do fermento.
Outras bactérias freqüentemente cita-
das pertencem aos gêneros Bacillus,
Achoromobacter, Micrococcus, Leuco-
nostoc, Aerobacter e são tidas como bac-
térias de solo, mas que ainda não foram
totalmente levantadas quanto ao habi-
tat. De qualquer forma, esses microrga-
nismos são capazes de produzir profun-
das alterações na composição da cana,
pela inversão e consumo de açúcar, for-
mação de produtos diversos – principal-
mente ácidos orgânicos, como etanol,
gomas, enzimas e outros –, e não há ou-
tra solução para evitar ou reduzir essa
ação senão o rápido processamento. Em
condições de campo, queimadas, pratica-
mente mortas e invadidas pelos micror-
ganismos, não há condição que retarde
sua deterioração, pois, no início da safra,
influem na composição química da cana e/ou de suas enzimas. Conforme já co- há muita umidade ainda e a temperatura
e, por conseqüência, nos parâmetros mentamos, a cana-de-açúcar, como plan- não é limitante. Na estiagem, uma vez o
tecnológicos (Figura 2). Existem outros ta sadia, possui em seu interior e no ex- colmo invadido, as condições para dete-
fatores causadores de alterações fisioló- terior microrganismos que a beneficiam, rioração são quase ótimas.
gicas e tecnológicas, que já foram co- produzindo ou transformando compo- A deterioração da cana traz como con-
mentadas, como a intensidade de flores- nentes úteis ao seu metabolismo ou, ain- seqüência a constante contaminação das
cimento, de chochamento, a ocorrência da, produzindo toxinas que a defendem moendas e de todo o processo produtivo,
de geada com morte de meristema api- de invasores. Tais microrganismos são por recontaminações. Promove a altera-
cal e conseqüente brotação lateral, ano predominantemente bactérias e asse- ção da viscosidade do caldo, a redução da
ou local extremamente chuvoso ou com melhados que, uma vez cortada a rota velocidade de cristalização, a alteração da
estiagem anormal, que refletem na mes- vital de fornecimento de nutrientes e granulometria do açúcar e, ainda, perdas,
ma ou na safra seguinte, provocando al- seu ambiente (como pela queima da incrustações, formação de metabólitos e
terações nos parâmetros fisiológicos e cana), passam a deteriorar o próprio col- a redução de atividade do fermento, pro-
tecnológicos: aumento ou redução de mo, possivelmente numa luta pela so- vocada pelas toxinas e metabólitos das
açúcares redutores, fibra, ATR e todos os brevivência, em competição com os mi- bactérias, pela formação de gomas dextra-
fatores inter-relacionados. crorganismos deterioradores e putrefa- na e levana, pela perda de viabilidade do
tivos de matéria orgânica existentes no fermento e, principalmente, pela flocula-
ALTERAÇÕES NA MATÉRIA-PRIMA próprio solo. ção, que é uma conjunção de perdas ma-
POR PRESSÕES AMBIENTAIS E DE No cartucho das bainhas das folhas, teriais e operacionais da destilaria.
NATUREZA MICROBIOLÓGICA região do palmito, o ambiente externo JORGE HORII
A esse tipo de alteração na composição favorece o desenvolvimento de micror-
físico-química da cana-de-açúcar, exce- ganismos, como bactérias, entre os REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
tuando-se as de natureza fitopatológica, quais mais de 10% são de espécies de FAUCONNIER, R.; BASSEREAU, D. La caña de
azucar. Barcelona: Blume, 1975.
denominamos deterioração. Assim, a Lactobacillus, principal gênero conta-
STUPIELLO, J. P. A cana como matéria-prima. In:
deterioração é um processo de alteração minante no processamento de açúcar e
PARANHOS, S. B. (Coord.). Cana-de-açúcar:
das propriedades e componentes físico- álcool, principalmente no último, em cultivo e utilização. Campinas, Fund. Cargill,
químicos, pela ação de microrganismos que mais de 60% das bactérias na fer- 1987. v. 2, p. 761-804.

VISÃO AGRÍCOLA Nº 1 JAN | JUN 2004 93


AG R O N E G Ó C I O

Planejamento

A cadeia produtiva da cana,


em mercado
desregulamentado
Márcia Azanha
Ferraz Dias de Moraes *

O agronegócio da cana-de-açúcar no Bra-


sil distingue-se dos demais países por pro-
duzir, em escala industrial, tanto açúcar
quanto álcool. Esse aproveitamento múl-
tiplo torna bastante complexo o planeja-
mento e funcionamento dessa cadeia pro-
dutiva, em ambiente de livre mercado –
sem interferência do governo –, exigindo
ampla organização e coordenação de to-
dos os elos que a compõem. Nem sempre
foi assim. No passado, o setor já foi um dos
mais controlados pelo Estado. Desde o iní-
cio da década de 1990, porém, o Poder
Público foi gradualmente se afastando da
cadeia sucroalcooleira. Sem interferênci-
as no que se refere à comercialização dos
produtos, os preços cana-de-açúcar são
atualmente formados pela interação en-
tre a quantidade ofertada e a demandada,
ou seja, são resultado do mercado.
Enquanto o governo ditou os preços para
a cana-de-açúcar e demais produtos da
agroindústria canavieira, os efeitos do
SÍLVIO FERREIRA/UNICA

excesso de oferta ficaram amenizados.


Na verdade, os preços fixados pelo go-
verno até incentivaram a expansão dos
canaviais, mesmo em cenário de queda
Empacotamento de açúcar na Usina da Barra; Barra Bonita, SP; novembro 2001

94
S O LO S

de demanda da cana-de-açúcar, decor- impor fortes impactos sobre a quantida- produtor de açúcar que também produz
rente da redução do uso do álcool hi- de ofertada e sobre a renda dos produ- álcool combustível em escala industrial2,
dratado, conforme verificado em mea- tores, ao longo do ano safra. É importan- não havendo, no momento, possibilida-
dos da década de 1990. Ainda durante te observar que, dado o tamanho da pro- de de importação em larga escala, em
a década de 1990, em várias safras hou- dução brasileira, o impacto sobre os pre- caso de escassez de produto3. Além dos
ve excesso de matéria-prima, conforme ços decorrentes de uma variação da sa- riscos envolvidos na produção agrícola,
ilustra a Figura 1. fra nacional faz-se sentir também no a cana-de-açúcar é uma cultura de ciclo
Quando, a partir de 1998, se intensifi- mercado internacional, já que o Brasil é longo (são necessários no mínimo cinco
cou o processo de afastamento do Esta- o maior exportador mundial de açúcar. cortes para que o canavial se torne eco-
do do setor, os impactos negativos des- Uma variação de 5% na safra nacional re- nomicamente viável), o que requer pla-
ses excessos de oferta fizeram-se sentir presenta, aproximadamente, 17 milhões nejamento de plantio de longo prazo para
em toda a cadeia produtiva, com redu- de toneladas de cana-de-açúcar. Ou seja, variações de demanda de curto prazo.
ções importantes nos preços do álcool, pequenas alterações na safra brasileira Isso pode, da mesma forma, dificultar sua
do açúcar (incluindo os preços do mer- repercutem fortemente no mercado oferta adequada, mais um fator que im-
cado internacional de açúcar) e do pró- mundial de açúcar. põe a necessidade de intensa coordena-
prio mercado da cana-de-açúcar. Portanto, variações não planejadas da ção de toda a cadeia produtiva.
Conforme verificado na supersafra oferta de cana-de-açúcar têm impacto Outra característica que a diferencia
1998/1999, os preços de mercado chega- importante nos preços de todos os pro- das demais cadeias agrícolas e que tor-
ram a ser menores, inclusive, do que os dutos e podem comprometer o abasteci- na bastante complexo o seu funciona-
custos de produção, instalando uma gra- mento dos produtos finais, principalmen- mento, sem qualquer interferência do
ve crise no setor, com conseqüente re- te o do álcool combustível. O açúcar, por governo, é a flexibilidade de gerar pro-
dução do número de unidades industri- ser uma commodity internacional, está dutos ligados a mercados tão distintos
ais1, de fornecedores de cana-de-açúcar disponível no mercado mundial em quan- quando o do açúcar, do álcool e da ener-
e de empregos gerados pelo setor. Po- tidades suficientes para regular o abaste- gia elétrica – embora esse último possa
rém, diversas peculiaridades dessa ca- cimento, em caso de falta do produto. O ser considerado um subproduto, cuja
deia produtiva dificultam que o equilí- mesmo não acontece com o álcool com- matéria-prima (bagaço e palha de cana)
brio entre oferta e demanda, em ambi- bustível: o Brasil ainda é o único país é originada da produção de álcool ou de
ente de livre mercado, seja atingido, re-
forçando a necessidade do desenvolvi-
mento de um novo modelo de gestão
(ver Dias et al., 2002) capaz de associar FIGURA 1 | BALANÇO ENTRE OFERTA E DEMANDA DE CANA-DE-AÇÚCAR
ações públicas e privadas, assegurando
a estabilidade dos preços e da oferta dos
seus principais produtos.
A primeira característica dessa cadeia
produtiva – que não pode ser negligen-
ciada, já que interfere na quantidade e
qualidade de matéria-prima – é que seu
principal insumo, a cana-de-açúcar, é de
origem agrícola. Como tal, está sujeito
aos riscos climáticos, fitossanitários e à
sazonalidade da produção, que podem Fonte: União da Agroindústria Canavieira (Unica).

1 Na safra 1997/1998, existiam no Brasil 338 unidades industriais, sendo que, na safra 1999/2000, esse número havia se reduzido para 318 unidades,
conforme os Boletins de Produção do Ministério da Agricultura/Plano de Safra.
2 Outros países já estão iniciando pesquisas para o uso do álcool combustível, como Colômbia, México, Tailândia, Índia e Austrália. O desenvolvimen-
to do uso de álcool combustível em outros países não somente abriria mercado para o produto nacional, como criaria um mercado internacional de
álcool, o que seria importante para garantir o suprimento nos diversos países.
3 A formação de estoques reguladores de álcool é um mecanismo importante para garantir o abastecimento e reduzir oscilações de preços, em perío-
dos de safra e entressafra.

VISÃO AGRÍCOLA Nº 1 JAN | JUN 2004 95


AG R O N E G Ó C I O

açúcar. Essa interligação faz com que o importadores. Alterações em qualquer das políticas de preços dos principais
equilíbrio simultâneo dos mercados de uma dessas variáveis deslocam a oferta países produtores (cartel da Opep) e dos
álcool (com fortes relações com o mer- e/ou demanda de açúcar, com conse- conflitos políticos nas principais regiões
cado de combustíveis), de açúcar e de qüentes alterações nos equilíbrios dos produtoras.
cana dificilmente ocorra em ambiente outros mercados (de álcool e cana-de- No mercado interno, os consumidores
de livre mercado – como veremos a açúcar). são extremamente sensíveis ao diferen-
seguir. O funcionamento do mercado de álco- cial de preços entre gasolina e álcool hi-
A escolha entre produzir álcool ani- ol, além das ligações com o mercado de dratado. Migram de um produto para ou-
dro, álcool hidratado ou açúcar, que an- cana-de-açúcar e de açúcar, está tam- tro rapidamente, com impactos sobre a
teriormente era estabelecida pelo go- bém vinculado ao mercado de combus- demanda do álcool. Observa-se que,
verno, através dos Planos de Safra, atu- tíveis, que o torna bastante complexo. quando o preço do álcool é menor que
almente é uma decisão tomada pelo se- Da mesma forma que o mercado de açú- 70%, aumenta a demanda pelo álcool hi-
tor privado, que, de forma geral, consi- car, a escolha de produção entre os dois dratado4, conforme ilustra a Figura 2.
dera como variável de decisão os preços produtos dependerá de seus preços re- Nos períodos em que a razão entre os
relativos dos produtos. Embora exista lativos: preços maiores para o álcool di- preços do álcool e da gasolina é baixa, a
uma limitação individual dessa flexibi- recionam a cana para esse produto. Em demanda pelo álcool aumenta conside-
lidade, dada pela capacidade instalada sentido inverso, aumenta-se a produção ravelmente, conforme verificado no ano
de produção de cada um dos produtos, de açúcar, em detrimento da produção de 1999, sendo reduzida na situação in-
a possibilidade de escolha entre eles tor- de álcool. A decisão de produção entre versa. Portanto, se a intenção for preser-
na a decisão sobre a oferta bastante álcool hidratado ou anidro também de- var o mercado doméstico de álcool hi-
complexa, ao envolver diversos merca- pende dos seus preços relativos. Por sua dratado, é importante que a relação de
dos que interagem simultaneamente e vez, a demanda pelo álcool hidratado preços entre os dois combustíveis seja
funcionam como um sistema de vasos depende do preço do álcool, em relação atrativa para o consumidor.
comunicantes. Iniciando-se a análise à gasolina, cujos preços, atualmente, são Além disso, o consumo do álcool hi-
com o mercado da cana-de-açúcar, nota- fixados a partir das taxas de câmbio em dratado depende também da frota mo-
se que a oferta de cana depende das ex- vigor e dos preços internacionais de pe- vida a álcool que, até 2002, estava se re-
pectativas sobre seu preço e o das outras tróleo – que sofrem grande influência duzindo acentuadamente, devido ao
culturas (por exemplo, a da laranja, o
que pode causar o redirecionamento do
plantio em favor de um ou outro produ-
to), além das condições climáticas ao FIGURA 2 | PARIDADE ENTRE PREÇOS DE ÁLCOOL E GASOLINA E VENDAS DE ÁLCOOL HIDRATADO
longo da safra. Em relação à demanda da
cana, ela deriva das demandas do açú-
car e do álcool.
Por sua vez, o equilíbrio do mercado
de açúcar depende da adequação da
oferta à demanda do produto. Simplifi-
cadamente, pode-se dizer que a oferta
depende dos preços relativos do açúcar
(mercado interno e externo) e do álco-
ol. Por sua vez, a demanda depende da
renda da população, da existência de
procura por produtos substitutos (ou-
tros adoçantes naturais e sintéticos) e
das políticas protecionistas dos países Fonte: Elaborado a partir de dados da ANP e Fipe

4 Quando o preço do álcool hidratado está baixo em relação ao da gasolina, além do crescimento das vendas de carros a álcool, cresce a mistura “rabo
de galo”, que consiste no abastecimento de veículos a gasolina com uma mistura de gasolina e álcool hidratado. Nesse caso, a demanda “extra”
também dificulta o planejamento da oferta, pois é uma demanda informal.

96
sucateamento e à não-renovação da FIGURA 3 | VENDAS DE AUTOMÓVEIS E COMERCIAIS LEVES, POR TIPO DE COMBUSTÍVEL
frota existente. A partir de meados de
2003, como a relação de preços entre
gasolina e álcool mostrou-se favorável
ao último, e com a maior disponibilida-
de de carros a álcool nas revendas de
automóveis, ocorreu uma reversão des-
sa tendência, com o aumento das ven-
das de carros a álcool. Segundo estima-
tivas da Associação Nacional de Veícu-
los Automotores (Anfavea), em 2003, as
vendas de carros a álcool devem alcan-
çar o montante de 75.000 unidades, um
aumento de 34% em relação ao ano an-
terior, quando foram vendidas 56 mil Fonte: Anfavea (2003)

unidades.
Percebe-se portanto que, devido às
questões anteriormente levantadas –
matéria-prima agrícola, flexibilidade de sofrer questionamentos, tanto da soci- no preço da gasolina, as vendas de car-
produção, interligação com mercados edade, quanto de agentes do próprio se- ro a álcool começaram a declinar e, no
distintos – o planejamento adequado da tor que se sintam prejudicados por in- final da década de 1990, elas represen-
oferta, determinante para o equilíbrio tervenções do Estado, em desacordo tavam menos de 1% das vendas totais.
do mercado interno, requer uma inten- com a Constituição Federal de 1988. Pelo fato de a gasolina C conter uma mis-
sa articulação setorial que atenda à de- tura que pode oscilar entre 20% e 25% de
manda, evite excedentes ou falta de PLANEJAMENTO DA OFERTA álcool anidro, as vendas totais de álco-
cada um dos produtos – cana-de-açúcar, Considerando-se a formação dos preços ol (anidro e hidratado) não caíram na
açúcar e álcool –, em função da expec- em livre mercado, é necessário identifi- mesma proporção da redução da de-
tativa das demandas em prazos curto, car as tendências da demanda pelos pro- manda pelo carro a álcool, o que é ilus-
médio e longo. Contudo, deve ser salien- dutos finais dessa cadeia produtiva, para trado na Figura 4, na página a seguir.
tada a magnitude do esforço envolvido o adequado planejamento da oferta dos Nota-se que ocorreu uma substituição
na gestão da cadeia produtiva, quando mesmos e, também, da matéria-prima. das vendas de álcool hidratado por ál-
se considera a existência de mais de 300 Neste artigo, analisam-se algumas ten- cool anidro, ao longo da década de 1990,
produtores, com estruturas e custos to- dências para o mercado de álcool com- sendo que o consumo total de álcool os-
talmente diferenciados, com necessida- bustível. A expansão da capacidade pro- cilou, entre 1986 e 2003, entre 10 e 14 bi-
des de capital distintas e, ainda, locali- dutiva de álcool estimulada pelo Proál- lhões de litros anuais. Apesar do cresci-
zados em diferentes regiões (Norte-Nor- cool defrontou-se com uma acentuada mento da frota de veículos a gasolina e
deste e Centro-Sul), mais ou menos dis- queda da demanda pelo álcool hidrata- o conseqüente aumento de demanda
tantes dos centros de consumo, impli- do, nos anos recentes, devido ao suca- pelo álcool anidro, as projeções existen-
cando diferentes custos de transporte. teamento da frota de veículos a álcool e tes indicam que são necessários esfor-
Além disso, diverge também a forma às vendas irrisórias de carros movidos ços significativos para reverter a ten-
de aquisição de matéria-prima: desde com esse combustível, até 2001. A Figura dência de queda de demanda de cana-
cana própria da usina, arrendamentos e 3 mostra a proporção das vendas de veí- de-açúcar – cuja oferta cresceu, a des-
cana comprada de fornecedores, o que culos leves no mercado brasileiro, entre peito das estimativas de redução da de-
é mais um elemento a dificultar o plane- 1975 e 2002, por tipo de combustível: ál- manda pelo álcool hidratado –, conside-
jamento da oferta. O novo modelo de cool hidratado, diesel ou gasolina C. rando que aproximadamente 25% da
gestão da cadeia canavieira que vem Verifica-se que, no auge do Proálcool cana-de-açúcar moída destinam-se à fa-
sendo delineado deve ser de interven- (entre 1983 e 1988), as vendas de carros bricação do mesmo.
ção mínima e de adesão voluntária, para a álcool chegaram a representar 95% das Inicialmente, sem considerar as pers-
ser condizente com o ambiente institu- vendas totais. A partir de 1988, quando pectivas existentes de exportação de
cional estabelecido, de forma a não houve a escassez desse produto e queda álcool para os países desenvolvidos

VISÃO AGRÍCOLA Nº 1 JAN | JUN 2004 97


AG R O N E G Ó C I O

(dentre eles o Japão), nem tampouco o tendência de crescimento da frota mo- mercados para o álcool. Nesse sentido,
lançamento dos carros bicombustíveis, vida a gasolina que, combinada com a o carro bicombustível e o uso do álcool
nota-se que a oferta de cana-de-açúcar anterior, permite a estimativa da neces- como combustível em outros países po-
atual seria suficiente para atender ao sidade futura de cana-de-açúcar para a dem significar mudanças importantes
mercado até o ano de 2010, segundo as fabricação de álcool total. Em relação à no mercado desse produto.
projeções da MB Associados/Fipe (2001). oferta de cana-de-açúcar necessária
Esse estudo focaliza a necessidade de para a fabricação de açúcar, o estudo O CARRO BICOMBUSTÍVEL
cana-de-açúcar para a fabricação de ál- leva em conta o crescimento da renda Em 2002, ocorreram duas importantes
cool e de açúcar até 2010, consideran- (ponderado pela elasticidade renda dos alterações no agronegócio da cana-de-
do algumas hipóteses sobre crescimen- distintos produtos, industrializados e in açúcar que podem alterar as perspecti-
to da população e da renda, depreciação natura), alterações na distribuição da vas de demanda pelo álcool combustí-
da frota de veículos existente etc. Embo- renda, crescimento populacional e expor- vel, no médio prazo: a primeira foi o lan-
ra as projeções possam mudar conforme tações. çamento do carro bicombustível5 (flex-
as hipóteses de crescimento feitas, e Os resultados obtidos apontam que, fuel) e a segunda foi o desenvolvimen-
também, segundo alterações na deman- sem considerar os ganhos de eficiência to do mercado externo para o álcool. O
da, elas são bons indicadores para as ne- produtiva até 2010, as necessidades de carro bicombustível é um veículo cujo
cessidades futuras de cana-de-açúcar e cana-de-açúcar para atender à deman- motor admite a utilização de álcool hi-
reforçam a necessidade de se desenvol- da de açúcar e de álcool (anidro e hidra- dratado ou de gasolina, em qualquer
verem novos mercados para o álcool: o tado), para os três cenários, são as se- proporção: desde 100% álcool, até 100%
internacional e a reativação do merca- guintes: 299 milhões de toneladas de gasolina, sendo que o consumidor pode
do interno. cana no cenário 1; 317 milhões de tone- fazer a escolha em função dos preços
O estudo considera três cenários para ladas no cenário 2; e, no terceiro cená- relativos entre os dois produtos, ou con-
as vendas de carros a álcool: 2.000 uni- rio, 335 milhões de toneladas de cana. forme a disponibilidade dos mesmos.
dades por ano, 100.000 unidades por ano Portanto, mantidas essas condições de As vendas desses veículos iniciaram-se
e 200.000 unidades por ano, tendo sido demanda de álcool, percebe-se um ex- em março de 2003 e aumentaram, conti-
calculada para cada um a evolução do cesso de oferta de matéria-prima, o que nuamente, ao longo do ano. Segundo da-
consumo de álcool hidratado. Para a de- reforça a necessidade de se fortalecer o dos da Anfavea, entre março e novembro
manda de álcool anidro, considera a mercado interno e conquistar novos de 2003 já tinham sido vendidos aproxi-
madamente 35 mil veículos bicombustí-
veis. É importante observar que esse veí-
culo dá ao consumidor o direito de esco-
lher o combustível que quer utilizar, con-
FIGURA 4 |CONSUMO DE ÁLCOOL COMBUSTÍVEL (1982-2003), EM MILHÕES DE LITROS
siderando-se questões de eficiência (po-
tência, consumo) e de preços relativos, ou
seja, quando a relação do preço do álco-
ol em relação ao da gasolina for menor
que 70%, provavelmente a opção será
pelo uso do álcool hidratado.
O impacto do lançamento desse pro-
duto deve ser analisado sob dois aspec-
tos: o primeiro, já mencionado, é o da
autonomia do consumidor, que pode
contribuir para afastar a preocupação
com o risco do desabastecimento (já
que, na falta de álcool hidratado, pode
Fonte: Nastari (2003)

5 A primeira montadora a lançar o carro bicombustível foi a Volkswagen, com o Gol. A seguir, vieram o Chevrolet Corsa, VW Parati e Saveiro, Chevrolet
Montana, VW Fox, Fiat Palio e Chevrolet Meriva.

98
abastecer com gasolina) e com a alta de larga escala. Além disso, os países que já Para tanto, dadas as características des-
preços do álcool hidratado. Imagina-se demonstraram interesse concreto no sa cadeia produtiva, fica evidenciada a
que, num cenário desfavorável ao uso do uso do álcool anidro para mistura na ga- necessidade de organização setorial e de
álcool hidratado, devido à relação de solina, como o Japão, precisam de uma um novo modelo de gestão, o que exige
preços com a gasolina, os consumidores garantia de abastecimento a preços con- esforço de todos os agentes envolvidos,
tendem a migrar para esse combustível, dizentes, pois não querem correr o ris- considerando-se o número de produto-
desaquecendo o mercado do álcool, com co de preços decorrentes da existência res e a diversidade existentes. Por outro
conseqüente redução de preços, tornan- de apenas um fornecedor mundial do lado, algumas oportunidades – como o
do novamente atrativo seu uso. O segun- produto – no caso, o Brasil. carro bicombustível, a criação do mer-
do aspecto é a demanda adicional por Dessa forma, o aumento da oferta dos cado internacional de álcool, as ques-
álcool hidratado, advinda das vendas canaviais para atender a esse novo mer- tões ambientais, o mercado de carbono,
dos carros bicombustíveis, num cenário cado deve estar sintonizada com o sur- dentre outras – são excelentes para o
de preços favorável para esse combus- gimento da demanda. Caso contrário, o setor, podendo representar um novo ci-
tível. Nessa situação, pode-se imaginar crescimento antecipado da oferta de clo de crescimento para o agronegócio
que todo comprador de carro bicombus- cana-de-açúcar pode significar exce- da cana-de-açúcar.
tível é um consumidor potencial do ál- dentes, com efeitos negativos sobre os
cool hidratado, e a demanda por esse preços, iniciando outro ciclo de preços * Márcia Azanha Ferraz Dias de Moraes é
produto tende a crescer proporcional- baixos e penalizando toda a cadeia pro- Professora do Departamento Economia,
Administração e Sociologia da USP/ESALQ
mente às vendas desses veículos. dutiva. Nesse caso, na ausência de pla-
(mafdmora@esalq.usp.br).
Quanto ao mercado internacional de nejamento da oferta, os preços do mer-
álcool, é uma oportunidade excelente cado se encarregam de fazer o ajuste
para o país, considerando-se as vanta- entre oferta e demanda, expulsando os
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
gens comparativas que temos na produ- menos competitivos do mercado. Como DIAS, G. L. S.; BARROS, J. R. M; BAROS, A. L. M.
ção desse produto e ao fato de o álcool diria Adam Smith, a mão invisível do Modelo de intervenção mínima para o setor
ser menos poluente que a gasolina, além mercado alocando os recursos, da forma sucroalcooleiro. In: MORAES, M. A. F. D; SHI-
KIDA, P. F. A. Agroindústria canavieira no
de ser um combustível renovável. Des- mais eficiente possível.
Brasil: evolução, desenvolvimento e desafi-
de a assinatura do Protocolo de Kyoto, A mudança no modo de atuação do Es- os. São Paulo: Atlas, 2002. cap. 2, p. 43-68.
diversos países desenvolvidos estão tado na economia brasileira impõe gran- MB ASSOCIADOS/FIPE. Cenários para o setor
procurando alternativas menos poluen- des mudanças a toda a sociedade, em de açúcar e álcool. São Paulo: abr. 2001.
tes que o petróleo, de forma a reduzirem particular àqueles setores que viveram MORAES, M. A. F. D. A desregulamentação do
suas emissões de CO2, o que abre exce- sob forte intervenção, durante boa par- setor sucroalcooleiro do Brasil. Americana:
Caminho Editorial, 2000. 238p.
lentes oportunidades para o álcool te de sua existência – como é o caso do
MORAES, M. A. F. D. Desregulamentação da agro-
combustível. setor sucroalcooleiro. Se, por um lado, a
indústria canavieira: novas formas de atuação
Contudo, o mercado internacional de redução da intervenção da forma ante- do Estado e desafios do setor privado. In: MO-
álcool, embora concreto, deve ser enca- riormente exercida – controle de pre- RAES, M. A. F. D.; SHIKIDA, P. F. A. Agroindús-
rado como de médio a longo prazos, por- ços, quantidades, comercialização dos tria canavieira no Brasil: evolução, desen-
volvimento e desafios. São Paulo: Atlas, 2002.
que diversas barreiras têm que ser ven- produtos – aumenta a eficiência do sis-
cap. 1, p. 21-42.
cidas, desde as protecionistas, impostas tema produtivo, por outro lado impõe
NASTARI, P. M. Projeções de demanda de açúcar
por alguns países desenvolvidos, até as desafios importantes ao setor privado, e álcool no Brasil no médio e longo prazos.
culturais, já que poucos países conhe- sendo um dos mais importantes o plane- In: CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DATA-
cem o uso do álcool combustível em jamento da oferta de cana-de-açúcar. GRO SOBRE AÇÚCAR E ÁLCOOL, 3., out. 2003.
São Paulo: 2003.

VISÃO AGRÍCOLA Nº 1 JAN | JUN 2004 99


AG R O N E G Ó C I O

Desempenho

A variabilidade
dos preços do açúcar e do álcool
em São Paulo
Mirian Rumenos Piedade Bacchi *

SÍLVIO FERREIRA/UNICA

Usina Equipav; Promissão, SP; novembro 2001

100
S O LO S

O setor sucroalcooleiro tem grande im- álcool – anidro e hidratado – tem gran- conjunto de produtos, a soja respondeu
portância no cenário socioeconômico de importância na matriz energética na- por 43%, seguida pelo açúcar, responsá-
brasileiro, tanto no que diz respeito à cional, quando se trata de combustíveis vel por 15%, e pela carne de frango, res-
geração de renda, quanto no que se re- automotivos. ponsável por 9,6%.
fere à geração de divisas. Não se pode No Brasil, o número de fornecedores Nos últimos dois anos, dentre os pro-
deixar de mencionar, também, sua im- de cana-de-açúcar é estimado em 60.000, dutos primários exportados, o açúcar
portância na geração de emprego, espe- sendo a maior parte formada por peque- gerou a terceira maior receita, sendo
cialmente no caso da mão-de-obra me- nos produtores rurais, que têm na ativi- precedida pela da soja e do “complexo
nos qualificada. Apesar da sazonalidade dade canavieira uma de suas principais carnes”. O Brasil exportou, entre 1996 e
desse emprego, em função do ciclo pro- fontes de renda. No Estado de São Pau- 2002, um total de 39,6 milhões de tone-
dutivo da cana-de-açúcar, a atividade é lo, aproximadamente 80% dos fornece- ladas de açúcar bruto e 23,6 milhões de
intensiva no uso desse fator de produ- dores entregam até 4.000 t de cana por toneladas de açúcar refinado que, jun-
ção, quando comparada a outras ativi- safra, e apenas 8% fornecem mais de tos, perfizeram a receita de US$ 11,7 bi-
dades agrícolas desenvolvidas no âmbi- 10.000 t, podendo ser considerados lhões. Esse valor corresponde a 3,1% do
to doméstico, e tem, por isso, um impor- grandes produtores (Orplana). Nos ou- total da receita obtida pelo país, no pe-
tante papel a desempenhar no contexto tros Estados, o número de pequenos for- ríodo, com exportações. As exportações
social. A cadeia produtiva da agroindús- necedores é também grande. As condi- brasileiras de álcool ainda têm sido pou-
tria canavieira e suas interações geram ções de mercado dos produtos finais do co representativas mas, diante da neces-
1,2 milhão de empregos diretos no país. setor sucroalcooleiro afetam a rentabi- sidade de os países manterem uma ma-
A cana-de-açúcar contribui, para a in- lidade desses fornecedores, uma vez que triz energética baseada em recursos re-
dústria no Estado de São Paulo, com 370 o sistema de pagamento da cana-de- nováveis e pouco poluentes, e conside-
mil equivalentes homem/ano (EHA), o açúcar, predominante nos Estados que rando as propriedades ambientais do
que representa 46% do total empregado têm importância no cenário produtivo álcool, o mercado internacional desse
na agropecuária paulista (Orplana – Or- nacional, utiliza o Sistema Consecana, produto tem um grande potencial de
ganização dos Plantadores de Cana do que estabelece uma relação entre o pre- crescimento. Considerando, ainda, que
Estado de São Paulo). ço recebido pela cana e os preços do nossos custos de produção são os meno-
O Produto Interno Bruto do setor su- açúcar e do álcool (Burnquist et al., res do mundo, espera-se que o álcool
croalcooleiro representa 8% do Produto 2002). brasileiro seja altamente competitivo.
Interno Bruto agrícola nacional. O Bra- Em 1995, o Brasil passou a ser o maior Dada a mencionada importância do
sil é o maior produtor de cana-de-açú- exportador de açúcar do mundo, posi- setor sucroalcooleiro na economia na-
car do mundo e o Estado de São Paulo ção que vem conseguindo manter até os cional, no que diz respeito à geração de
ocupa posição de destaque nessa ativi- dias de hoje. No ano-safra 2002/2003, o renda, de emprego e divisas, considera-
dade agrícola, respondendo, no ano-sa- Brasil exportou 13,4 milhões de tonela- se pertinente uma análise dos movimen-
fra de 2002/2003, por aproximadamen- das de açúcar, o que representa 35% do tos dos preços desses produtos, nos úl-
te 60% da produção nacional e por 72% volume comercializado no mercado in- timos anos. Sabe-se que eles são deter-
da produção da região Centro-Sul. Esse ternacional. Nas últimas safras, mais da minantes da rentabilidade do setor, o
Estado é também o maior produtor bra- metade da nossa produção de açúcar foi que, por sua vez, afeta a produção e o
sileiro de açúcar e álcool. Diferentemen- exportada. Esse produto tem tido uma emprego. A seguir, serão discutidos al-
te de outros grandes produtores de importância crescente na pauta das ex- guns aspectos considerados relevantes
cana-de-açúcar, os brasileiros contam portações agrícolas brasileiras. Segundo em relação aos preços, e mencionados
com uma grande flexibilidade na esco- dados da Secretaria de Comércio Exteri- também os desafios que o setor deve
lha dos produtos para os quais direcio- or do Ministério do Desenvolvimento e enfrentar para continuar crescendo às
nam a matéria-prima, podendo produzir da Indústria e Comércio (Secex), as ex- taxas que vinham ocorrendo no passa-
tanto açúcar – importante alimento portações de café em grão, soja, suco de do recente.
energético na dieta da população brasi- laranja, açúcar (bruto e refinado), celu-
leira (especialmente daqueles que têm lose e as carnes in natura de suínos, EVOLUÇÃO DOS PREÇOS
baixo poder aquisitivo) – quanto álcool, bovinos e frangos responderam por cer- Quando se trata de preços no setor su-
que é considerado uma fonte de com- ca de 23% das receitas totais obtidas com croalcooleiro, um primeiro aspecto a ser
bustível renovável e menos poluente, exportação pelo Brasil em 2002. Consi- considerado diz respeito à grande varia-
em relação às fósseis. Atualmente o derando o valor das exportações desse bilidade verificada ao longo do tempo.

VISÃO AGRÍCOLA Nº 1 JAN | JUN 2004 101


AG R O N E G Ó C I O

Essa variabilidade refere-se não só aos relação atípica entre produção e preço, ol hidratado, que passou a ser utilizado
diferentes níveis observados em anos- podendo-se citar, como os mais impor- em mistura com gasolina C.
safras consecutivos, mas também a va- tantes, a desvalorização da moeda naci- Também no ano de 1999/2000 ocorreu
riações entre os diferentes meses do onal, que induziu a um aumento da ren- aumento do preço, apesar de a produção
ano-safra. Os diferentes níveis de preços tabilidade obtida com o açúcar exporta- ser maior que a do ano anterior. Não se
no mercado doméstico de açúcar e ál- do, que é uma referência para o preço in- pode deixar de mencionar, nesse caso,
cool, observados em anos-safras conse- terno, e a relação favorável do preço do como determinante dessa relação atípi-
cutivos, estão diretamente relacionados álcool, comparativamente ao de com- ca entre produção e preço, o uso de prá-
aos montantes de cana-de-açúcar pro- bustíveis fósseis, o que motivou um au- ticas comerciais inovadoras pelos agen-
duzidos e à alocação dessa matéria-pri- mento expressivo do consumo de álco- tes do mercado, relacionadas a uma
ma entre o açúcar e o álcool. Nesse con-
texto, observam-se níveis médios de
preços reais (valores de novembro de FIGURA 1 | EVOLUÇÃO DO PREÇO REAL (INDICADOR CEPEA/ESALQ) E PRODUÇÃO DE AÇÚCAR
2003) bastante diferenciados ao longo NA REGIÃO CENTRO-SUL DO BRASIL.
do tempo, como pode ser visualizado
nas Figuras 1 e 2, para os preços de açú-
car e álcool, respectivamente. No caso
do açúcar, o preço médio do ano-safra
2002/2003 é aproximadamente 40% mai-
or que o do ano-safra 1998/1999, no qual
se observou o menor preço médio dos
últimos seis anos-safras. No caso do ál-
cool, o diferencial máximo de preço é de
aproximadamente 55%, e ele ocorre quan-
do se considera o ano-safra 2000/2001
relativamente ao 1998/1999.
A teoria econômica e os conhecimen- Fonte: CEPEA/ESALQ e UNICA
tos empíricos apontam que, para uma
dada demanda de mercado, quanto mai-
or for a produção de um bem, menor
será o seu preço no mercado. Se a de- FIGURA 2 | EVOLUÇÃO DE PREÇO REAL DO ÁLCOOL ANIDRO NO ESTADO DE SÃO PAULO (INDI-
manda desse bem for inelástica, o des- CADOR CEPEA/ESALQ) E PRODUÇÃO DE ÁLCOOL ANIDRO NA REGIÃO CENTRO-SUL DO BRASIL
locamento da curva de oferta, propici-
ando maior volume a ser comercializa-
do, deve resultar não só na queda do
preço do produto, mas também na que-
da da receita bruta setorial obtida no
processo de venda. Nas Figuras 1 e 2, po-
dem ser observadas as relações negati-
vas entre produção e preços, tanto no
caso do açúcar quanto no do álcool. Ob-
serva-se, no entanto, que, apesar de os
preços médios serem, no geral, maiores
em anos-safras de menor produção e
vice-versa, no ano-safra 2002/2003
ocorreu aumento dos preços médios do
açúcar e do álcool, apesar de a produção
desses bens ter sido superior, compara-
tivamente ao ano-safra anterior. Alguns
fatores conjunturais explicam essa Fonte: CEPEA/ESALQ e UNICA

102
_melhor distribuição da oferta dos pro- FIGURA 3 | VARIAÇÃO ESTACIONAL DO PREÇO DE AÇÚCAR CRISTAL NO ESTADO DE SÃO PAULO
dutos ao longo do ano-safra, o que vem
dando, em alguns momentos, sustenta-
ção aos preços internos. Apesar das os-
cilações de produção e preços em anos
consecutivos, tanto no caso de açúcar
como no de álcool, conforme foi discu-
tido, observa-se uma tendência crescen-
te, tanto de preços como de produção,
ao se considerar o período como um
todo (1997/1998 a 2002/2003, no caso do
açúcar, e 1998/1999 a 2002/2003, no
caso do álcool), especialmente em fun-
ção dos movimentos verificados em
2002/2003 (Figuras 1 e 2).
No presente ano-safra 2003/2004, Fonte: Bacchi e Marjotta-Maistro (2003).
considerando os preços reais médios do
período de maio a novembro, observa-
FIGURA 4 | VARIAÇÃO ESTACIONAL DO PREÇO DE ÁLCOOL ANIDRO NO ESTADO DE SÃO PAULO
se queda em relação aos vigentes nesse
mesmo período, nos três anos anterio-
res, tanto no caso do açúcar quanto no
do álcool. Em termos percentuais, a que-
da observada entre maio e novembro no
atual ano-safra foi, no caso do açúcar, a
maior verificada desde o início do perí-
odo de abrangência dessa análise (1997/
1998 a 2002/2003), representando uma
variação negativa de 35%. Para o álcool
anidro, a queda foi de aproximadamen-
te 27%, a segunda maior do período com-
preendido entre os anos-safras 1998/
1999 e 2001/2002. Fonte: Bacchi e Marjotta-Maistro (2003)
Além das variações expressivas nos
preços de açúcar e álcool observadas
entre diferentes anos-safras, verificam-
se também variações expressivas desses
preços ao longo dos meses do ano, con-
forme já mencionado. Essas variações
estão relacionadas ao ciclo produtivo da
cana-de-açúcar. Nos meses de safra
(abril/maio a novembro/dezembro), as
necessidades de recursos financeiros
das unidades produtoras de açúcar e ál-
cool são grandes, o que motiva maior
competição entre elas e queda nos pre-
ços desses produtos, comparativamen-
te aos meses de entressafra. Nas Figuras
JORGE WOLL/AE

3 e 4, pode ser observado o padrão da va-


riação estacional dos preços de açúcar
cristal e álcool anidro, respectivamente. Posto anuncia preços para álcool e gasolina; Curitiba, PR; 22 de janeiro de 2003 (no fecha-
mento desta edição, em maio de 2004, o preço do álcool estava por volta de R$ 0,80 e o da
gasolina em cerca de R$ 1,90)
VISÃO AGRÍCOLA Nº 1 JAN | JUN 2004 103
AG R O N E G Ó C I O

Para o açúcar, o preço em fevereiro é, em açúcar cristal industrial e o preço do Na agroindústria canavieira brasilei-
média, aproximadamente 24% maior que açúcar cristal empacotado e refinado, o ra, conforme já mencionado, os agentes
o de junho. A maior variação de preço, que permite, também nesse caso, uma têm, na sua grande maioria, possibilida-
no caso do álcool anidro, ocorre entre os certa generalização dos resultados en- de de alocar a cana-de-açúcar para a
meses de janeiro (início da entressafra) contrados na análise do padrão de vari- produção de açúcar ou de álcool, depen-
e maio (início da safra), sendo essa vari- ação do preço do açúcar cristal industrial. dendo das condições de mercado desses
ação de aproximadamente 22%. Um importante aspecto a ser conside- produtos. Dessa forma, seria de se espe-
Cumpre chamar a atenção para o fato rado, quando se trata da variabilidade rar que a relação entre os preços equi-
de que esses índices de preços referem- do preço doméstico de açúcar, diz res- valentes do açúcar e do álcool se apre-
se aos valores médios para cada mês do peito ao relacionamento entre esse pre- sentasse próxima da unidade1. Embora
ano-safra, mas a dispersão desses pre- ço e o do mercado internacional. Esse as variações das médias anuais dos pre-
ços em cada mês, em anos-safras conse- relacionamento tem se apresentado ços do açúcar e do álcool ocorram sem-
cutivos, pode ser avaliada através da bastante forte no período da safra da pre no mesmo sentido (Figuras 1 e 2),
amplitude do intervalo de confiança, re- cana-de-açúcar da região Centro-Sul. observa-se, na Figura 5, que, ao longo do
presentado pelas linhas externas, nas Fi- Na entressafra dessa região, no entanto, período compreendido entre os meses
guras 3 e 4. Verifica-se que os preços do verifica-se, com freqüência, uma menor de julho de 2001 e janeiro de 2004, eles
álcool e do açúcar são mais previsíveis relação entre eles, podendo-se observar não apresentaram uma relação tão for-
quando eles estão em nível mais eleva- até movimentos contrários, em alguns te quanto a esperada, uma vez que so-
do, quando o intervalo de confiança se anos específicos, como são os casos dos mente em alguns momentos desse perí-
estreita. A correlação entre os preços de anos-safras 1998/1999 e 2000/2001. odo analisado a relação desses preços é
álcool anidro e álcool hidratado é bas- Apesar disso, estudos feitos no âmbito próxima da unidade. Forças de mercado
tante elevada, de forma que as inferên- acadêmico, utilizando métodos quanti- e compromissos dos agentes do setor
cias feitas para o primeiro, quanto à va- tativos, têm mostrado que o preço do com o governo, para a manutenção dos
riabilidade entre e intra anos-safras, mercado internacional é uma variável preços de álcool em níveis condizentes
podem ser estendidas ao segundo. Da importante a ser considerada, quando se com a política antiinflacionária, têm fei-
mesma maneira, sabe-se que existe uma trata do processo de formação de preço to com que a relação entre os preços
correlação expressiva entre o preço do do açúcar. equivalentes do açúcar e do álcool alte-
rem-se bastante, ao longo do ano-safra.
Na Figura 5, pode-se observar que, ao
longo do período compreendido entre
FIGURA 5 | RELAÇÃO ENTRE PREÇOS EQUIVALENTES DE AÇÚCAR E ÁLCOOL NO MERCADO os meses de julho de 2001 e novembro de
DOMÉSTICO 2003, o açúcar chegou a remunerar 70%
mais que o álcool hidratado e, em no-
vembro de 2003, 60% mais que o álcool
anidro. Em poucos momentos desse pe-
ríodo os preços desses produtos foram
equivalentes.

FALTA DE REGULAMENTAÇÃO
Fica claro que uma elevada organização
setorial se faz necessária para vencer os
desafios de um mercado com regula-
mentação praticamente inexistente.
Como é reconhecido por alguns partici-
pantes do setor, a auto-regulação deve
ser utilizada, agora, como um instru-

Fonte: CEPEA

1 Os preços equivalentes são calculados com base em quantidades de Açúcar Total Recuperável (ATR) utilizadas na produção de açúcar e álcool e em
diferenciais de custos industriais desses dois produtos.

104
mento que garanta a estabilidade de sucroalcooleiro no Brasil exige que se cool em commodity, incentivando a uti-
preços em níveis condizentes com os garanta o acesso de seus produtos a no- lização desse produto, em função das
custos de produção. Nesse sentido, tor- vos mercados. No caso do açúcar, esse suas propriedades ambientais.
na-se necessário desenvolver mecanis- maior acesso estaria vinculado a condi-
mos que possibilitem compatibilizar a ções favoráveis no mercado internacio- * Mirian Rumenos Piedade Bacchi é
oferta e a demanda tanto do açúcar nal, uma vez que o mercado doméstico Professora do Departamento de Economia,
Administração e Sociologia da USP/ESALQ
quanto do álcool. Torna-se premente, tende a crescer pouco, observando-se
(mrpbacch@esalq.usp.br).
então, o fortalecimento das instituições até mesmo uma estagnação, nos últimos
que representam os agentes desse setor, anos. Nesse sentido, são importantes
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
visando a implementar estratégias de ações contra o protecionismo, especial- BACCHI, M. R. P.; MARJOTTA-MAISTRO, M. C.
médio e longo prazos e reivindicar al- mente o existente na União Européia, Análise do padrão sazonal e das relações de
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BURNQUIST, H. L.; BACCHI, M. R. P. Análise de
dos produtos. A grande variabilidade tos nos quais seu uso ainda não é habi-
barreiras protecionistas? no mercado de
dos preços de açúcar e álcool, que está tual (como na aviação, caldeiras etc.) açúcar. In: MORAES, M. A. F. D. de; SHIKIDA,
relacionada às condições de oferta e de- poderiam incrementar seu consumo. No P. F. A. (Orgs.). Agroindústria canavieira no
manda desses produtos, indicam que a âmbito externo, deve-se dar continuida- Brasil: evolução, desenvolvimento e desafi-
continuidade do crescimento do setor de às ações que visam a transformar o ál- os. São Paulo: Atlas, 2002.

SÍLVIO FERREIRA/UNICA

Produção de álcool na Usina da Barra; Barra Bonita, SP; novembro 2001

VISÃO AGRÍCOLA Nº 1 JAN | JUN 2004 105


INFORME BM&F
FUTURO DE AÇÚCAR E ÁLCOOL:
COMO OS PRODUTORES UTILIZAM
ESSE CONTRATO?
O mercado futuro, além de permitir proteção contra as oscilações adversas
nos preços de uma commodity, desempenha outro papel muito importan-
te: o da descoberta dos preços futuros. O mercado futuro de açúcar e álcool
proporciona ao setor sucroalcooleiro um planejamento melhor da ativida-
de, bem como a sinalização dos preços que vigorarão no futuro.

Evolução dos Contratos Futu- mento setembro, por US$7,75/saca, assumin- mento de ajustes diários, o montante relativo
do uma posição vendida (short) no mercado à margem (de US$110 mil) será devolvido no
ros de Açúcar e Álcool na BM&F
futuro. final da operação.
Os contratos futuros de açúcar e álcool possu- Ao entrar no mercado futuro da BM&F, o Por hipótese, do início da operação (03/05)
em grande importância para o setor sucroal- agente deve pagar as taxas operacionais devi- até o vencimento de setembro pode-se dese-
cooleiro, diante da volatilidade dos preços e o das e depositar US$110 mil como margem de nhar dois cenários: queda ou elevação dos
risco que representa para usinas, processado- garantia (lembre-se de que, para o hedger, a preços futuros do açúcar. Suponha-se que (I)
res de açúcar e distribuidores de álcool. margem de um contrato de açúcar cristal é aconteça uma queda de US$1,00/sc no preço
Os dados de 2003 e 2004 mostram o cresci- igual a US$220,00). Caso não ocorram pro- do açúcar e (II) elevação de US$1,00/sc no pre-
mento desses mercados. No ano de 2003, fo- blemas de inadimplência em relação ao paga- ço do contrato futuro de açúcar.
ram transacionadas aproximadamente 554
mil toneladas de açúcar cristal especial, totali-
zando US$ 87,64 milhões. No ano de 2004,
houve aumento significativo, registrando no
primeiro trimestre aumento de 93% em rela- Tabela 1: Resultado no mercado futuro ¹
ção ao mesmo período do ano anterior. O A. Ganho Bruto no Mercado Futuro
mercado futuro de álcool anidro em 2003 foi Cotação Entrada (US$/sc) Cotação Saída (US$/sc) Nº de Contratos Total (US$)
responsável pela negociação de 1.474 mil m3, 7,75 6,75 500 135.000,00
representando 17,1% da produção nacional e US$135.000,00 = (US$7,75/sc - US$6,75/sc) x 270sc x 500 contratos
um volume financeiro de pouco mais de US$
B. Emolumentos
385 milhões.
Valor por Contrato (US$) Nº de Contratos Total (US$)
-0,68 500 -680,00
Como um produtor pode reali- US$680,00 = US$0,68 x 500 contratos x 2 (entrada e saída)

zar o hedge de sua produção de Resultado (A - B)

açúcar e álcool, buscando pro- A B Resultado


135.000,00 -680,00 134.320,00
teção contra as oscilações ad- ¹ Não foram considerados os custos de oportunidade relativos à margem de garantia e aos ajustes diários, assim
versas nos preços de seus pro- como as taxas operacionais básicas (TOB).

dutos? Tabela 2: Resultado Total da Operação de Hedge


A. Mercado Físico
n
Quantidade de Sacas Preço no dia 01/09 Total (US$)
Proteção (hedge) de Venda de 135.000 6,75 911.250,00
Açúcar Cristal Especial US$911.250,00 = (US$6,75 x 135.000)
Suponha-se que uma usina queira garantir an-
B. Ganho no Mercado Futuro
tecipadamente a margem de lucro de 6.750
134.320,00
toneladas de açúcar para setembro, quando
Resultado (A + B)
terá o compromisso de fornecer esse volume
A B Resultado (US$)
para uma indústria de alimentos.
911.250,00 134.320,00 1.045.570,00
Para tanto a usina vende, no dia 03 de maio,
500 contratos de açúcar cristal para o venci- Resultado por Saca (US$) 7,745

106
Tabela 3: Resultado no mercado futuro ¹
II. Elevação do preço do açúcar
A. Perda Bruta no Mercado Futuro
Suponha-se que, ao invés dos preços caírem,
Cotação Entrada (US$/sc) Cotação Saída (US$/sc) Nº de Contratos Total (US$)
haja um aumento no preço do açúcar por
7,75 8,75 500 -135.000,00
ocasião da liquidação dos contratos, elevan-
-US$135.000,00 = (US$7,75/sc - US$8,75/sc) x 270sc x 500 contratos
do-se para US$8,75/sc, no dia 1º de setem-
B. Emolumentos bro (tabelas 3 e 4).
Valor por Contrato (US$) Nº de Contratos Total (US$) Conclui-se, portanto, que a perda nos merca-
-0,68 500 -680,00 dos futuros é compensada pela alta das cota-
US$680,00 = US$0,68 x 500 contratos x 2 (entrada e saída) ções no mercado físico. O resultado para o
Resultado (A - B) produtor foi exatamente o mesmo que ele
A B Resultado objetivava no início da operação, obtendo um
-135.000,00 -680,00 -135.680,00 preço que remunera seus custos e lhe garante
¹ Não foram considerados os custos de oportunidade relativos à margem de garantia e aos ajustes diários, assim uma margem de lucro.
como as taxas operacionais básicas (TOB).

Tabela 4: Resultado Total da Operação de Hedge n


Hedge de Venda de Álcool Anidro
A. Mercado Físico
Suponha-se que uma usina comercialize álco-
Quantidade de Sacas Preço no dia 01/09 Total (US$)
ol anidro com distribuidoras de combustíveis e
135.000 8,75 1.181.250,00
para proteger-se de oscilações de preços, ga-
US$1.181.250,00 = (US$8,75 x 135.000)
rantindo, assim um melhor retorno com a ven-
B. Resultado no Mercado Futuro da, decide vender contratos futuros de álcool
(135.680,00) na BM&F referentes a 600 m³. A usina preten-
Resultado (A + B) de entregar o álcool em setembro.
A B Resultado (US$) Para se proteger de eventuais oscilações de
1.181.250,00 -135.680,00 1.045.570,00 preços no período da safra, a usina vende, no
dia 03 de maio, 20 contratos de álcool anidro
Resultado por Saca (US$) 7,745
(600 m³) para o vencimento setembro, pelo
preço de R$575,00/m³. Ao realizar a opera-
ção, a usina assume uma posição vendida no
mercado futuro.
I. Queda no preço do açúcar Operações no mercado futuro da BM&F impli-
No dia 1º de setembro, a usina decide liquidar [(US$7,75/sc – US$6,75/sc) x 270 sacas x 500 cam no pagamento de algumas taxas e cum-
sua posição de venda, efetuada em 03/05, re- contratos], relativos aos ajustes diários no pe- primento de alguns requisitos. A usina deve
vertendo sua posição na BM&F através da ríodo em questão (maio de 2004 a setembro depositar R$28.800,00 como margem de ga-
compra de 500 contratos do vencimento se- de 2004). Na tabela 1 , mostra-se que, após rantia (é importante destacar que, para o hed-
tembro pelo preço de US$6,75/sc. Ao realizar descontados os emolumentos o agente terá ger, a margem de garantia de um contrato de
essa operação, a usina paga as respectivas ta- um ganho de US$134.320,00 no mercado álcool anidro é igual a R$1.920,00).
xas operacionais. Vale mencionar que esse futuro. Duas situações podem ser consideradas após
agente poderia optar por liquidar sua posição Suponha-se ainda que no mesmo dia, 1º de a usina ter se posicionado no mercado futuro:
na Bolsa via entrega física, porém decidiu não setembro, seja realizada a venda das 6.750 queda ou aumento dos preços do álcool. Su-
utilizar essa alternativa. Caso fosse de seu in- toneladas (500 contratos) de açúcar no mer- ponhamos que (I) aconteça uma queda de
teresse, a usina ficaria posicionada e emitiria cado físico por US$6,75/sc. Considerando-se R$50,00/m³ no preço futuro do álcool e (II)
um Aviso de Entrega (demonstrando sua in- o ganho no mercado futuro, a usina receberá, aumento de R$50,00/m³ no preço do contra-
tenção de efetuar a entrega física) à Bolsa no em termos líquidos, US$7,745/sc, como de- to futuro de álcool.
período entre o 1º e o 5º dia útil do mês de monstrado na tabela 2.
vencimento (setembro). Conclui-se que a queda no preço futuro e no
Observe-se que com os preços futuros em mercado a vista foi compensada pelo ganho na
queda, a usina receberá US$135.000,00 = Bolsa, cumprindo-se, assim, o papel do hedge.

VISÃO AGRÍCOLA Nº 1 JAN | JUN 2004 107


INFORME BM&F

Tabela 5: Resultado no Mercado Futuro ¹ I. Queda no preço do álcool


A. Ganho Bruto no Mercado Futuro Considere-se que no dia 1º de setembro, a
Cotação Entrada (R$/m³) Cotação Saída (R$/m³) Nº de Contratos Total (R$) usina decidiu liquidar sua posição por rever-
575,00 525,00 20 30.000,00 são na BM&F, comprando a mesma quanti-
R$30.000,00 = (R$575,00/m³ - R$525,00/m³) x 20 contratos x 30 m³ dade de contratos com vencimento em se-
tembro ou seja, 20 contratos. O preço futuro
B. Emolumentos
no dia 1º de setembro é R$525,00/m³. Ao re-
Valor por Contrato (R$) Nº de Contratos Total (R$)
alizar essa operação, paga as respectivas ta-
-3,84 20 -153,60
xas operacionais. A usina poderia optar por
R$153,60 = R$3,84 x 20 contratos x 2 (entrada e saída)
liquidar sua posição na Bolsa via entrega físi-
Resultado (A – B)
ca, bastando manifestar sua intenção de en-
A B Resultado
tregar para a BM&F (apresentando o aviso de
30.000,00 -153,60 29.846,40
entrega) entre o 1º e o 5º dias úteis do mês de
¹ Não foram considerados os custos de oportunidade relativos à margem de garantia e aos ajustes diários, assim
como as taxas operacionais básicas (TOB).
vencimento.
Com a queda do preço do vencimento de se-
Tabela 6: Resultado Total da Operação de Hedge tembro a usina irá receber R$30.000,00 =
A. Mercado Físico (R$575,00/m³ - R$525,00/m³) x 30 m³ x 20
Quantidade de Metros Cúbicos Preço no dia 01/09 Total (R$) contratos, relativos aos ajustes diários no perí-
600 525,00 315.000,00 odo em questão (maio a setembro de 2004).
R$315.000,00 = 600m³ x R$525,00/m³ Veja tabela 5.
B. Ganho no Mercado Futuro
Suponha-se ainda que no mesmo dia, 1º de
29.846,40 setembro, a usina venda os 600.000 litros
(600m³), o equivalente a 20 contratos futuros
Resultado (A + B)
de álcool, no mercado físico pelo preço de
A B Resultado (R$)
R$525,00/m³. Considerando-se o ganho no
315.000,00 29.846,40 344.846,40
mercado futuro, a usina receberá, em termos
Resultado por Metro Cúbico (R$) 574,744 líquidos, R$574,75/m³, como demonstrado a
seguir (tabela 6).
Tabela 7: Resultado no mercado futuro ¹
Portanto, é possível concluir que a queda do
A. Perda Bruta no Mercado Futuro preço do álcool anidro foi compensada pelo
Cotação Entrada (R$/m³) Cotação Saída (R$/m³) Nº de Contratos Total (R$) ganho na Bolsa (Mercado Futuro), recuperan-
575,00 625,00 20 -30.000,00
do o montante perdido com a comercializa-
-R$30.000,00 = (R$575,00/m³ - R$625,00/m³) x 30m³ x 20 contratos
ção do produto por um preço inferior no mer-
B. Emolumentos cado à vista. Dessa forma o objetivo inicial da
Valor por Contrato (R$) Nº de Contratos Total (R$) usina em garantir uma margem de lucro foi
-3,84 20 -153,60 atendida pela operação de hedge.
R$153,60 = R$3,84 x 20 contratos x 2 (entrada e saída)

Resultado (A – B) II. Elevação do preço do álcool


A B Resultado A situação a seguir considera um aumento
-30.000,00 -153,60 -30.153,60 dos preços do álcool em setembro. Suponha-
¹ Não foram considerados os custos de oportunidade relativos à margem de garantia e aos ajustes diários, assim se que os preços tenham se elevado para
como as taxas operacionais básicas (TOB). R$625,00/m³, no dia 1º de setembro. A tabela
abaixo mostra o resultado da operação do
Tabela 8: Resultado Total da Operação de Hedge
hedge de venda de álcool, primeiramente no
A. Mercado Físico mercado futuro (tabela 7 e 8).
Quantidade de Metros Cúbicos Preço no dia 01/09 Total (R$) O resultado da operação, nesta situação (II)
600 625,00 375.000,00 revela que o hedge na BM&F funciona como
R$375.000,00 = 600m³ x R$625,00/m³
um instrumento de trava do preço. A usina,
B. Resultado no Mercado Futuro ao ingressar no mercado futuro, vendendo
-30.153,60 contratos futuros de álcool, a R$575,00/m³,
Resultado (A + B) fixa suas vendas de setembro nesse patamar,
A B Resultado (R$) ou seja, em setembro poderá negociar sua
375.000,00 -30.153,60 344.846,40 produção de álcool anidro ao preço de
R$575,00/m³.
Resultado por Metro Cúbico (R$) 574,744

108
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Cana vai gerar plástico


biodegradável
A cana-de-açúcar tem gerado produtos ecológicos, a exemplo do plás-
tico biodegradável originário do açúcar, de rápida decomposição,
quando descartado em aterros sanitários, pela ação de microrganis-
mos. O primeiro projeto no mundo para produzi-lo foi implantado em
Serrana-SP. Uma associação entre as usinas Biagi e Balbo gerou a em-
presa PHB Industrial, que instalou uma planta-piloto industrial, com
tecnologia 100% nacional, desenvolvida por pesquisa conjunta do Ins-
tituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), Instituto de Ciências Biomédi-
cas (ICB) da USP e Copersucar. O emprego do plástico da cana é vasto,
mas há grande interesse na geração de produtos hospitalares, cuja de-
gradação ocorreria em tempo menor.

Mais informações
Raffaella Rossetto, Apta – Pólo Regional de Desenvolvimento do
Centro Sul (rossetto@merconet.com.br).

Tecnologias controlam cupim e cigarrinha-da-raiz


Novas tecnologias vêm contribuir para o zar o controle químico convencional da tares tratados com o fungo, num siste-
controle de pragas que afetam direta- praga; um novo método baseado no ma que garante sustentabilidade ao
mente a cana-de-açúcar. Uma delas é a comportamento dos cupins está em tes- agroecossistema. A isca/armadilha para
isca/armadilha para monitoramento de te-piloto. Outra inovação é o inseticida cupins foi desenvolvida em colaboração
cupins subterrâneos, que captura o in- biológico que controla a cigarrinha-da- com a USFCar, e o controle de cigarrinha
seto em suas diferentes castas (ninfas, raiz da cana-de-açúcar. O produto, que em parceria com a Itaforte BioProdutos.
operários, soldados e indivíduos sexu- tem como ingrediente ativo o fungo Me-
ados), após o vôo, quando buscam lo- tarhizium anisopliae, pode ser encontra- Mais informações
cal para novas colônias. É especialmen- do nas formulações pó molhável e sus- Professor Sérgio Batista Alves,
te atrativa para Heterotermes tenuis, o pensão oleosa emulsionável. A popula- Departamento de Entomologia,
cupim mais daninho para a cana. Atra- ção de cigarrinha-da-raiz foi mantida Fitopatologia e Zoologia Agrícola, USP/
vés do monitoramento, é possível reali- sob controle, em cerca de 500 mil hec- ESALQ, (sebalves@esalq.usp.br).

110
PAULO LIEBERT/AE
Silagem da cana facilita alimentação animal
A colheita diária da cana-de-açúcar e o tudos recentes mostraram a efetiva ação média dos experimentos, o consumo
fornecimento imediato ao rebanho não de aditivos químicos e microbianos na das rações contendo silagem de cana
é mais a única alternativa de uso para conservação da cana, reduzindo a pro- aditivada aumentou em 15%, e o ganho
essa forragem na alimentação animal. dução de etanol a teores considerados de peso dos animais em cerca de 35%,
A ensilagem poderá associar eficiência aceitáveis, diminuindo as perdas e ga- em relação às silagens sem aditivo.
técnica no processo de conservação e rantindo boa estabilidade das silagens,
promover desempenhos satisfatórios após a abertura dos silos. O destaque Mais informações
dos animais, revelando uma estratégia esteve para o inoculante bacteriano da Professor Luiz Gustavo Nussio,
interessante, com maior conforto opera- cepa Lactobacilus buchneri 40788 e dos Departamento de Zootecnia, USP/
cional e melhor manejo do canavial. Es- químicos benzoato de sódio e uréia. Na ESALQ (nussio@esalq.usp.br).

Qualidades das novas variedades Copersucar


Recentemente, foram apresentadas to e brotação de soqueira, sendo reco- da para colheita no início da safra. As va-
quatro novas variedades de cana-de- mendada para colheita do meio para o riedades melhoradas contribuem para o
açúcar obtidas pela Copersucar: SP 89- final da safra; SP 90-3414, com a mes- incremento da produtividade.
1115, que se destaca pela precocidade e ma recomendação de colheita que a an-
alta produtividade, com recomendação terior, apresenta porte ereto e ausência Mais informações
para colheita até o meio da safra e resis- de florescimento, além da baixa isopo- William Lee Burnquist, Copersucar
tência às principais doenças; SP 90- rização; e SP 91-1049, precoce e com (william@copersucar.com.br).
1638, que apresenta ótimo perfilhamen- alto teor de sacarose, sendo recomenda-

VISÃO AGRÍCOLA Nº 1 JAN | JUN 2004 111


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to de toda publicação. Escreva-nos – pelo Correio, por fax ou por e-mail – comen-
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112

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