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PORTUGUES DESCOMPLICADO Jantes da lingua, A giria, ao mesmo tempo que contribui para definir a identidade do grupo que a utiliza, funciona como um meio de exclusio dos individuos externos a esse grupo, uma ver que costuma resultar em uma linguagem ininte- ligivel. A giria tem um cardter contestador por na- tureza c, por esse motivo, costuma acompaniar outros comportamentos de critica, transgressio e/ou contestagio dos padrées sociais vigentes. Hé, assim, a giria de grupos de jovens, de surfis- tas, de “rappers’, de “funkers’, de marginais, de presidifrios etc IENOTACAO E CONOTACAO Uma mensagem nio é tao simples, como possa parecer. Ela possui significados diferentes para diversas pessoas, como também formas d ferentes de significados. Hé, portanto, 0 sentido denotativo, mais objetivo, mais ou menos, igual para todas as pessoas, sentido literal, do dicio- nario. Hi também 0 sentido conotativo: o significa- do subjetivo (emocional ou avaliativo), de acor- do com as experiéncias de cada um e o seu em- prego na linguagem usual. No acidente, ele machucou a cabega. (= denotagéo) Ele foi o cabeca do movimento. (= conotagao) A estrela brilhou no céu, (= denotagao) A artista foi a estrela do espetdculo. (= conotagéo) 242 ere FIGURAS DE LINGUAGEM _ A par da linguagem intelectiva, denotativa ou informativa, que usa 0 padrio culto da lin- gua ¢ as palavras em seu significado proprio (= de dicionétio), e da qual o falante se vale para a comunicagdo mais formal, em textos técnicos, cientificos e na correspondéncia oficial, existe ainda a linguagem de carater afetivo, conotativa. sa linguagem permite a quem fala ou escreve imimeras possibilidades de sugerir contetidos emotivos ¢ intuitivos por meio de expressdes cujos significados so diferentes daqueles de di- cionario. Esses significados sio atribufdos @ palavra pelo autor, no momento da criacao literdria. Mas no sio s6 as palavras que passam a ter novos uisos, também a sua organizacdo no texto pode ser livre e variada, dependendo da emocio e da vontade do escritor. A estilistica 6 0 estudo dessas possibilidades de criagao, que fogem ao ambito dos fatos gra- maticais, A essa linguagem livre e emotiva, da-se © nome de conotacio ou linguagem figurada. Um bom exemplo da intencao do poeta, ao recriara linguagem em sua obra, é 0 poema abai- xo, de Gilberto Gil, em que ele mostra como 0 poeta é capaz de modificar os sentidos conven- cionais das palavras, ampliando-os para outras possibilidades expressivas. Metéfora Uma lata existe para conter algo, ‘Mas quando 0 poeta diz lata Pode estar querendo dizer o incontivel. Umma meta existe para ser alvo, Mas quando o poeta diz meta Pode estar querendo dizer o inatingivel. Por isso nao se meta a exigir do poeta Que determine 0 contetido em sua lata. Na lata do poeta tudo-nada cabe, Pois ao poeta cabe fazer Com que na Lata venha caber O incabivel. Deixe a meta do poeta, nao discuta, Deixe sua meta fora da disputa Meta dentro e fora, lata absoluta Deixe-a simplesmente metdfora. (Gilberto Gil) A linguagem figurada, como se vé, pode explo- rar diferentes recursos da palavra e/ou da frase. No texto, Gilberto Gil reconstréi a ideia de meta- fora e conotacao, ao utilizar diferentes recursos de figuracio. FIGURAS DE SOM. « Aliteragio: consiste na repeticio ordenada de mesmos sons consonantais. “Esperando, parada, pregada na pedra do porto.” “Na messe que enlourece Estremece a quermesse” O som, nessa sequéncia, sugere o ruido do vento no trigal. “Vozes veladas, veludosas vozes Voltipias dos viol6es, vozes veladas. Vagam nos velhos vortices velozes Dos ventos, vivas, vas, vulcanizadas”. ‘A repeticdo do som v sugere vozes sussurrantes, misturadas com os sons do violéo. «+ Assoniincia: consiste na repetigao ordenada de sons vocélicos idénticos. FLAVIA RITA COUTINHO SARMENTO “Sou um mulato nato no sentido lato mulato democratico do litoral.” “E bamboleando em ronda Dancam bambos, tontos bandos de pirilampos”. A repeticio dos sons redondos de 0 ea sugete 0 movimento em circulos dos pirilampos. + Paronomisia: consiste na aproximagao de pala- vras de sons parecidos, mas de significados dis- tintos. “Eu que passo, penso e peso” “Tanto tempo tento tanto” + Onomatopeia: consiste na tentativa de repro- duzir, com palavras, os sons ¢ ruidos emitidos por animais, objetos ou pela natureza. “Bsperando o trem que jd vern, que jd vem, que ja vem...” tique-taque, togue-toques, sn FIGURAS DE CONSTRUCAO + Elipse: consiste na omissio de um termo facil- mente identificdvel pelo contexto. “Na sala, apenas quatro ou cinco convidados” (omissao de havia) “Cheguei cedo hoje” (omissdo de eu) + Zeugma: consiste na elipse de um termo que jé aparecen antes. Ele prefere cinema; eu, teatro. (omissao de prefiro) 243 PorTuGuts DESComPLICADO Alguns estudam; outros, néo, (omissao de estudam) Ele me dew carinho; eu a ele, desprezo. (omissao de dei) + Polissindeto: consiste na repeti¢ao de conecti- vos ligando termos da oragao ou elementos do periodo, “"E sob as ondas ritmadas e sob as nuvens e os ventos e sob as pontes e sob o sarcasmo” Confere ao trecho mais énfase. + Assindeto: trata-se da auséncia de conector. “Chegou, arrumou tudo, saitt?” Confere ao discurso maior abertura interpreta- tiva. + Inversio ou hipérbato: consiste em mudar a ordem normal dos termos na frase com a fina- lidade de dar énfase aquele que & colocado em posic&o anterior. "De tudo ficou um pouco. Do meu medo. Do teu asco.” A inversio simples, que nao compromete o sen- tido da frase, recebe o nome de anastrofe. A in- versio complexa, que dificulta o sentido, recebe ‘o nome de sinquise. “Ouviram do Ipiranga as margens placidas de um povo herdico o brado retumbante”. (sinquise) “Somos do mundo a esperanga”. (anéstrofe) 244 Na prosa informativa, essas inversbes violen- tas constituem vicios de linguagem e devem ser | evita, + Silepse: consiste na concordancia nao com 0 que vem expresso, mas com 0 que se sebenten- de, com o que est implicito. A silepse pode ser: + De género Vossa Exceléncia esté preocupado, + De numero Os lustadas glorificou nossa literatura. + De pessoa “O que me parece inexplicavel é que os brasileiros persistamos em comer essa coisinha verde e mole que se derrete na boca? Outros exemplos: A criangada chegou bem cedo a fazenda e gastou muita energia. As dez horas, jd estavam na cama. (silepse de nsimero) Sao Paulo continua muito polutda. (silepse de género) Aquela é a Ouro Preto dos meus sonhos. (silepse de género) Os cinco viajamos de automével. (silepse de pessoa) + Anacoluto: consiste em deixar um termo solto na frase, Normalmente, isso ocorre porque se inicia uma determinada construgio sintatica ¢ depois se opta por outra. A vida, nao sei realmente se ela vale alguma coisa. “Bu, enganaram-me todos os amigos.” “Morrer, todos haveremos de morrer” + Pleonasmo: consiste numa redundancia cuja fi- nalidade é reforgar a mensagem. “E rir meu riso e derramar meu pranto” Vi com estes meus olhos que a terra hd de comer. ‘Vou maté-lo com estas minhas mdos. A mim, enganaram-me todos. + Andfora: consiste na repetigao de uma mesma palavra no infcio de versos, frases ou parégrafos. “Amor é um fogo que arde sem se ver E ferida que déi e ndo se sente E um contentamento descontente E dor que desatina sem doer” FIGURAS DE PENSAMENTO + Antitese: consiste na aproximagao de termos con- trarios, de palavras que se opdem pelo sentido, “Os jardins tém vida e morte.” “Toda a saudade é presenca da auséncia.” “Stibito 0 nao toma forma de sirn.” * Ironi: é a figura que apresenta um termo em sentido oposto ao usual, obtendo-se, com isso, efeito critico ou humoristico. “A excelente Dona Indcia era mestra na arte de judiar de criangas.” A Transamazénica é uma bela obra de engenha- FLAVIA RITA COUTINHO SARMENTO ria, que serve para ligar nada a lugar nenhum. “Aquele era mesmo um genio: conseguiu passar da segunda série. + Eufemismo: consiste em substituir uma expres- so por outra menos brusca; em sintese, procu- ra-se suavizar alguma afirmagio desagradavel. Ele enriqueceu por meios ilicitos. (em vez de ele roubou) Falta-the inteligencia para entender filosofia. O pobre jé entregou a alma a Deus. + Hipérbole: trata-se de exagerar uma ideia com finalidade enfética Estou morrendo de sede, (em vez de estou com muita sede) Id the disse mais de mil vezes que nao vou. Se cem vidas tivesse, eu as daria para salvé-los. Foi um mar de lama que o escandalo descobriu. + Prosopopeia ou personificagio: consiste em atribuir a seres inanimados predicativos que sio proprios de seres animados O jardim olhava as criangas sem dizer nada. “A floresta gesticulava nervosamente diante do _fogo que a devorava.” ‘A lua banha a solitévia estrada”. + Gradagio ou climax: é a apresentagio de ideias em progressio ascendente (climax) ou descen- dente (anticlimax). “Um coracao chagado de desejos Latejando, batendo, restrugindo” + Apéstrofe: consiste na interpelagio enfitica a 245

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