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INSTITUTO SUPERIOR POLITECNICO KALANDULA DE ANGOLA

MANUAL DE CONTENCIOSO
ADMINISTRATIVO - ACTUALIZADO

Para o Estudante Guihermino Salomão

Breves Apontamentos Exclusivamente


para os Estudantes do 4o Ano do Curso
de Direito do ISPEKA

POR FILIPE FERNANDES (JESUS)


[MANUAL DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO -
Filipe Fernandes ACTUALIZADO]
(Jesus) 2022 Apontamentos não isentos de eventuais erros ("errare humanum est")

ÍNDICE

Nota Introdutora 4
PARTE I 6
CAPÍTULO I 6
INTRODUÇÃO A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E O DIREITO ADMINISTRATIVO 6
1.1- A Administração Pública e Administração Privada 6
1.1.1- Origem Etimológica e Conceitos de Administração Pública 6
1.1.2- Diferença entre a Administração Pública e a Privada 9
1.1.3- Os Deveres da Administração Pública 10
1.1.4- Princípios Fundamentais da Administração Pública em Angola 10
1.1.5- Poderes da Administração Pública 10
1.2- O Acto Administrativo 11
1.2.1- Essência 11
1.2.2- Conceitos 11
1.2.2.1- Excepção do Acto Administrativo 12
1.3- Direito Administrativo 12
1.3.1- Conceitos 13
a) Correntes de Pensamento 13
1.3.2- Função do Direito Administrativo 14
1.3.3- Interpretação do Direito Administrativo 15
1.3.3.1- O Princípio da Desigualdade 15
1.3.3.2- O Princípio da Discricionariedade 15
1.3.3.3- O Princípio da Presunção da Legitimidade 15
1.3.4- As Fontes do Direito Administrativo 16
1.3.4.1- Espécies de Fontes 16
1.3.4.1.1- Fontes Escritas 17
1.3.4.1.2- Fontes Não Escritas 18
CAPÍTULO II 20
DIREITO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO 20
2.1- Breve Historial do Contencioso Administrativo 20
2.1.1- Sistema Administrativo 20
2.1.2- Sistema Judicialista 22
2.1.3- O Contencioso Administrativo em Angola 23
2.2- Conceitos 25
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2.2.1- Contencioso 25
2.2.2- Direito Contencioso Administrativo 25
2.2.2.1- Segundo a Finalidade 25
2.2.2.2- Sentidos 26
2.3- Princípio da Legalidade do Contencioso Administrativo 26
2.4- Dimensões do Contencioso Administrativo 27
2.5- A Designação Contencioso Administrativo ou Justiça Administrativa 27
CAPÍTULO III 28
GARANTIAS GERAIS E ESPECIAIS 28
3.1- As Garantias em Geral 28
3.1.1- Conceitos 29
3.1.2- Critérios de Classificação 30
3.2- As Garantias Especiais ou em Particular 30
3.2.1. Garantias Políticas 30
3.2.2. Garantias Administrativas 32
3.2.2.1. Tipos das Garantias Administrativas ou Graciosas 33
3.2.3. Garantias Judiciais ou Contenciosas 34
3.3- Caso Prático 35
PARTE II 37
CAPÍTULO IV 37
GARANTIAS JURISDICIONAIS OU JUDICIAIS 37
4.1- Garantias Jurisdicionais ou Judiciais 37
4.1.1- Requisitos Indispensáveis 37
a) O Pedido 37
b) O Processo 39
c) Os Autores 39
CAPITULO V 40
RECURSO ADMINISTRATIVO E CONTENCIOSO 40
5.1- O Recurso (Noção) 40
5.1.1- Classificação 40
A) Recurso Hierárquico 40
A.1) Classificação Recursos Hierárquicos 41
A.2- Prazos para Reclamação, Recurso e para Decisão 44
B) Recurso Contencioso ou Judicial 44
B.1) Classificação 46
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B.2) Composição do Recurso 46


B.3) Prazos para o Recurso Contencioso 47
B.4) Das Decisões Judiciais 47
5.2- Efeitos dos Recursos 48
CAPÍTULO VI 49
MEIOS PROCESSUAIS E ACESSÓRIOS 49
6.1- Processo ou Procedimento (Noção) 49
6.1.1- Processo ou Procedimento Gracioso e Contencioso 51
6.1.1.1- Classificação 52
6.1.1.1.1- Meios Administrativos de Garantia 52
6.1.2- Procedimento ou Processo Contencioso 57
6.1.2.1- Classificação 57
6.1.2.1.1- Pressupostos Processuais para o Recurso Contencioso 57
6.1.2.1.2- Seguimento Processual ou Marcha do Processo Contencioso
60
6.1.2.2- Meios Processuais Acessórios 61
6.1.2.2.1- Classificação 61
A) Meios Processuais Acessórios Auxilares 61
B) Meios Processuais Acessórios Complementares 61
6.1.2.2.2- Constituição 61
BIBLIOGRAFIA 63
LEGISLAÇÃO 64

Para o Estudante Guihermino


Salomão
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BREVES APONTAMENTOS PARA O ANO LECTIVO DE 2022-2023

Nota Introdutora

Para a elaboração do presente manual, recorremos a informação de autores de


expressão portuguesa, cujas obras estão relacionadas com o Direito Contencioso
Administrativo, como Idalberto Chiavenato, Diógenes Gasparini, Marcello
Caetano, Diogo Freitas do Amaral, Vieira Andrade, Hely Lopes Meirelles,
Alexandre Mazza, Carlos Feijó, Lazarino Poulson, Cremildo Paca, Pitra Neto, etc..

Em termos de legislação, tivemos como base a CRA, as Normas do Procedimento


da Actividade Administrativa, os Princípios a Observar pela Administração
Pública, a Lei da Impugnação dos Actos Administrativos, o Regulamento de
Processo do Contencioso Administrativo, a Lei da Suspensão e Eficácia dos
Actos Administrativos, a Lei da Probidade Pública, o Código de Processo Civil, o
Código Civil, a Lei da Transgressão Administrativa, entre outra.

A sua produção deveu-se pelo facto de que, ao longo dos 8 anos que vimos
lecionando a disciplina em apreço, constatamos bastante dificuldades pelos
estudantes na busca da informação devido a escassez de bibliografia, a dispersão
do conteúdo informativo e aos parcos recursos para investigação. Essas
dificuldades, quando não acauteladas, reflectem negativamente nos resultados
esperados pelo docente e pela instituição, face a necessidade do cumprimento do
plano curricular. Mas com isso, não significa que os estudantes devem limitar-se
ao manual, antes pelo contrário é ponto de partida para se aprofundar com mais
investigações, como já vem acontecendo.

Assim, convindo a reduzir as dificuldades na busca de informação, compilou-se o


presente manual de apoio exclusivamente para os estudantes do 4º Ano de
Direito do ISPEKA, que contribuirá com algumas informações básicas sobre a
discipllina de Direito Contencioso Administrativo, em respeito ao plano curricular
que na sua página 35 consagra imperativamente 4 (quatro) capítulos, que são:
Garantias Gerais e Especiais, Garantias Jurisdicionais ou Judiciais, Recurso
Contencioso e Administrativo, e Meios Processuais e Acessórios.

Partindo da ideia de que o Contencioso Administrativo está intimamente ligado


aos conflitos entre a Administração Pública e os Particulares resultantes da
actividade administrativa pública, entendemos introduzir 2 capítulos,
nomeadamente: o da Introdução a Administração Pública e o Direito
Administrativo, e o do Direito Contencioso Administrativo, perfazendo assim 6
(seis) capítulos.

O estudo destes capítulos, permitirá os estudantes recapitular a matéria de Direito


Administrativo aprendida nos anos lectivos anteriores, que traduz importância por

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subsidiar o Contencioso Administrativo, bem como absorverem informações


básicas sobre o papel do Estado na perspectiva da Administração Pública
perante a sociedade, como também a história, fundamentos doutrinais e legais
sobre a disciplina em consideração.

Com o estudo deste manual, pretende-se que no final, os estudantes saibam


identificar os paradigmas de investigação científica e os instrumentos legais que
sirvam para a resolução dos conflitos derivados do exercício da actividade
administrativa pública.

Nesta linhagem, augura-se alcaçar os seguintes objectivos académicos:

 Objectivo Geral
Conhecer o Direito Contencioso Administrativo para resolver conflitos entre a
Administração Pública e os Cidadãos.

 Objectivos Específicos
1. Conhecer o papel da Administração Pública perante à sociedade angolana.

2. Identificar a diferença entre a Administração Pública e a Administração Privada,


e a Administração Pública e os Cidadãos.

3. Compreender a relação do Direito Administrativo com o Direito Contencioso


Administrativo.

4. Conhecer as fontes, os fundamentos legais e doutrinais do Direito Contencioso


Administrativo.

5. Identificar os elementos causadores de conflitos entre a Administração Pública


e os particulares.

6. Conhecer os Actos da Administração Pública que violam os direitos e os


interesses dos cidadãos.

7. Conhecer os meios e os órgãos necessários para impugnação dos Actos da


Administração Pública quando violam os direitos e os interesses dos cidadãos.

8. Resolver casos práticos simulados de conflitos entre a Administração Pública e


os cidadãos.

Para o Estudante- Raimundo


Camuege
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PARTE I
CAPÍTULO I

INTRODUÇÃO A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E O DIREITO ADMINISTRATIVO

1.1- A Administração Pública e Administração Privada

Administrar é gerir interesses, segundo a lei, a moral e a finalidade dos bens


entregues à guarda e conservação alheios.

Se os bens e interesses geridos são individuais, realiza-se administração


particular ou privada; se são da colectividade, realiza-se administração pública,
portanto, é a gestão de bens e interesses qualificados da comunidade no âmbito
nacional, provincial, municipal, comunal, segundo os preceitos do Direito e da
Moral, visando ao bem comum (Hely Meirelles 2010, p.85).

1.1.1- Origem Etimológica e Conceitos de Administração Pública

a) Origem Etimológica

Para Idalberto Chiavenato (1993, p.9) a palavra administração vem do latim ad


(direção, tendência para) e minister (subordinação ou obediência) e significa
aquela que realiza uma função abaixo do comando de outrem, isto é, aquele que
presta um serviço a outro.

Por sua vez, Diogenes Gasparini (2003, p.41) a palavra administração tem
etimologia do vocábulo manus, mandare, cuja raíz é man que naturalmente
significa comando, orientação, direcção e chefia, ao lado da noção de
subordinação, obediência e servidão, se se entender que a sua origem está ligada
a minor, minus, cuja raíz é min.

b) Conceitos

Vários são os autores que conceituam Administração Pública, mas todos eles
convergem para um mesmo sentido.

O termo administração sofreu uma radical transformação no significado original. A


tarefa actual da administração é a de interpretar os objectivos, propostos pela
organização e transformá-los em acção organizacional por meio do planeamento,
organização, direcção e controlo de todos os níveis de organização, a fim de
alcançar os objectivos de maneira mais adequada.

Administração é o acto de trabalhar com e por intermédio de outras pessoas para


realizar os objectivos da organização, bem como dos seus membros. Ela envolve
actividades compreendidas por uma ou mais pessoas no sentido de coordenar as

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actividades das outras para perseguir fins que não podem ser alcançados por
uma só pessoa.

A palavra administração apresenta um conteúdo vulgar ou popular e um conteúdo


técnico.

São exemplos de conteúdo vulgar: administração económica, administração do


tempo, administração da vida, ciência da administração, administração religiosa.

São exemplos de conteúdo técnico: a) administração pública = actividade


administrativa. b) Administração Pública = Estado. Desse modo, grafada em
minúsculas (administração pública) indica atividade administrativa ou função
administrativa: Se registada em maiúsculas (Administração Pública) significa
Estado.

No Direito Público – do qual o Direito Administrativo é um dos ramos – a locução


Administração Pública tanto designa pessoa e órgãos governamentais como
actividade administrativa em si mesma. Assim sendo pode-se falar de
administração pública aludindo-se aos instrumentos de governo como à gestão
mesma dos interesses da colectividade (Idalberto Chiavenato 2014. p.5).

Na visão de Rivero (1982, p.18) “Administração Pública é a actividade por meio


da qual as autoridades públicas provêm a satisfação das necessidades do
interesse público, servindo-se se for o caso disso, das prerrogativas do poder
público”. Para Mozzicafreddo (2004) “Administração Pública é uma organização
governamental a quem incumbe a gestão do bem público”. Já Rocha e Bary
Bozeman (2016, p. 56) menciona que “a gestão pública e a Administração Pública
fazem parte da mesma disciplina”. Enquanto que, no entender de Freitas do
Amaral (2012) “a Administração Pública é a actividade típica dos organismos e
dos indivíduos que, sob direcção ou fiscalização do poder político, desempenham
em nome da colectividade a tarefa de prover a satisfação regular e contínua das
necessidades colectivas de segurança, cultura e bem estar económico e social,
nos termos estabelecidos pela legislação aplicável e sob controlo dos tribunais”,
todos citados por Herlânder Lima (2018, p. 29). Ao passo que, Feijó e Paca (2000
p.5) consideram a Administração Pública de um modo geral, como “o sistema de
órgãos, serviços e agentes do Estado, bem como das demais pessoas colectivas
públicas que asseguram em nome da colectividade a satisfação das
necessidades de segurança, cultura e bem estar social”.

b.1) Sentidos

A Administração Pública entende-se em dois sentidos: No sentido orgânico,


subjectivo ou estático (organização) e no sentido material, objectivo ou dinâmico
(actividade).

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No sentido de organização administrativa, ela é o sistema de serviços e


organismos que promovem a satisfação regular e contínua das necessidades
colectivas. Ela na sua noção orgânica compreende as pessoas colectivas públicas
e os funcionários e agentes administrativos.

Em sentido orgânico é o sistema de órgãos, serviços e agentes do Estado, bem


como das demais pessoas colectivas públicas que asseguram em nome da
colectividade a satisfação das necessidades de segurança, cultura e bem estar
social. Ela inclui a administração estadual, a administração institucional, a
administração autónoma, as associações, fundações ou sociedades que exerçam
actividades administrativas.

Em sentido material a Administração Pública é sinónimo de actividade


administrativa, isto é, a actividade regular e contínua desses órgãos e serviços
com vista a satisfação das necessidades colectivas. Ela na perspectiva objectiva,
constitui o modo de agir, o modo de actuação da Administração e é a actividade
típica dos serviços públicos e agentes administrativos desenvolvidos no interesse
geral da colectividade. No fundo, esta actividade se traduz em tomar decisões e
efectuar operações com vista à satisfação regular de determinadas necessidades,
utilizando os meios e métodos mais adequados (Carlos Feijó 2009 p. 3 ss.).

b.2- Formas da Administração Pública

A Administração Pública também chamada Administração do Estado prevista nos


arts. 199º a 201º CRA, ela estrutura-se de várias formas, denominando-se por
Administração Central, Administração Directa, Administração Preriférica,
Administração Local, Administração Indirecta e Administração Autónoma
(Herlander Lima, 2018, p. 53).

b.3- Agentes Públicos e sua Classificação

Os Agentes Públicos são todas as pessoas que realizam os serviços da


Administração Pública directa e indirecta. A heterogeneidade nos Agentes
Públicos como prestadores de serviços públicos, assenta-se na dualidade
específica dos seus executores. A especificidade da dualidade dos Agentes
Públicos vem regulada no Decreto nº 25/91, de 29 de Junho, denominado Regime
de Constituição Modificação e Extinção da Relação Jurídica de Emprego na
Administração Pública.

Segundo essa norma, a caracterização dos prestadores dos serviços públicos é


feita tendo em consideração o seu provimento, obdecendo para tal determinados
requisitos para a sua contratação (Econgo 2018, p.25-35).

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Numa das modalidades ou tipicidades dos Agentes Públicos tendo em conta a


dualidade acima referida, se incluem os Agentes castrenses, bem como os da
ordem e da segurança pública.

Aos diferentes Agentes Públicos cívis, castrenses, bem como os da ordem e da


segurança pública, se aplicam regimes disciplinares específicos em função das
categorias a que se encontram vinculados laboralmente face a natureza do
provimento.

1.1.2- Diferença entre a Administração Pública e a Privada

Uma das formas que permite distinguir a Administração Pública da Administração


Privada pode ser em função das características que as mesmas apresentam,
mais concretamente quanto ao objecto, ao fim e aos meios 1 que estas utilizam:

a) Quanto ao Objecto

A Administração Pública tem como objecto a satisfação das necessidades


colectivas públicas (assumidas como tarefa e responsabilidade da própria
colectividade), como a construção de estradas para a circulação de pessoas e
bens, a criação de serviços para a distribuição de enérgia, água, etc.

A Administração Privada incide sobre necessidades particulares, individuais ou


pessoais. Ainda que o seu objecto coincida com o da Administração Pública, as
necessidades serão sempre pessoais.

A Administração Privada tem como principal objectivo a busca da eficiência.


Enquanto que, a Administração Pública, pelo facto de ter cacacterísticas próprias
e específicas resultantes da submissão ao poder político, tem outros propósitos.

b) Quanto ao Fim

O fim da Administração Pública é necessariamente prosseguir o interesse público


(está legalmente estabelecido no Art. 198º nº 2 da CRA.

A Administração Privada tem como finalidade o lucro. Visa fins pessoais,


particulares, podendo ser fins não económicos, como por exemplo, o êxito
pessoal, o fim de carácter político, religioso, humanitário, filantrópico, etc.

c) Quanto aos Meios

A Administração Pública, para prosseguir o interesse público precisa de estar


dotada de determinados poderes de autoridade, embora o interesse público nem
1
V. Carlos Feijó (2000, p. 6-7).

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sempre coincide com a vontade dos particulares. Daí o recurso a prerrogativas


que possibilitam a Administração impor as suas decisões através de
Regulamentos e Actos Administrativos, que são típicos para manifestar o poder
de supremacia aos particulares.

A Administração Privada, no seu relacionamento, vigora o princípio da igualdade


entre as partes, há autonómia das partes na celebração e modelação do conteúdo
das relações jurídicas, sendo o contrato, o instrumento jurídico típico nas relações
privadas e quando o Estado actua despido da sua veste de autoridade.

1.1.3- Os Deveres da Administração Pública

Para Carlos citado por Silvério (2018 p.47) na vida pública, qualquer acto de um
representante do povo deve incidir-se na procura do bem da colectividade e pela
conquista de condições dignas que permitam a sobrevivência do homem,
promovendo assim, o desenvolvimento da sociedade. O respeito e garantias do
homem constituem a base indispensável de uma sociedade aberta ao progresso.
Para tal o trabalho dos Agentes Públicos deve assentar-se nos princípios
democráticos, com independência e justiça social.

Neste quadrante, entre vários, os deveres da Administração Pública em Angola


consubstanciam-se no asseguramento e protecção dos direitos, liberdades e
garantias fundamentais constituicionalmente consagrados para os cidadãos
como: à vida, à integridade pessoal, à identidade, privacidade e à intimidade, à
inviolabilidade do domicílio, à inviolabilidade de correspondência e das
comunicações, à família, casamento e filiação, à liberdade física e à segurança
pessoal, entre outros, constantes dos artigos 30º à 88º. Portanto os deveres da
Administração Pública consubstancia-se na prestação dos serviços públicos, para
satisfação das necessidades da colectividade, observando escrupulosamente as
garantias, direitos e liberdades dos particulares legalmente estabelecidos.

Compreende-se como serviços públicos “as organizações humanas criadas no


seio de pessoa colectiva pública, com o fim de desempenhar as atribuições desta,
sob a direcção dos respectivos órgãos” (Sérgio Ferreira, 2018 p. 114).

1.1.4- Princípios Fundamentais da Administração Pública em Angola

De acordo com a doutrina existem variados princípios que norteiam a actividade


da Administração Pública nos diferentes países.

Em Angola, entre outros princípios também consagrados em leis ordinárias a


actividade da Administração Pública deve fundar-se principalmente com maior
realce nos princípios da igualdade, legalidade, justiça, proporcionalidade,
imparcialidade, responsabilidade, probidade administrativa e respeito pelo
património público (Artigo 198º nº 2 da CRA), prossecução do interesse público,

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colaboração com os particulares, da participação, da decisão e acesso à justiça


administrativa (Artigos 3º ao 10º das NPAA).

Esses princípios2 constituem os pilares fundamentais para o Contencioso ou a


Justiça Administrativa, uma vez que a violação de um desses princípios
desemboca para um conflito na relação jurídica administrativa.

1.1.5- Poderes da Administração Pública

Devido ao seu poder de supremacia na relação jurídica administrativista, a


Administração Pública para o exercício da sua actividade em prol do interesse da
colectividade está dotada de um conjunto de poderes, tais como: Poderes-
Deveres, Poder Vinculado, Poder Discricionário, Poder Disciplinar, Poder
Hierárquico, Poder Regulamentar e Poder de Polícia ou Limitação Administrativa 3
conforme nos ensina Alexandre Mazza (2014, p. 305-325).

1.2- O Acto Administrativo

O acto administrativo representa a forma do exercício da actividade da


Administração Pública no seu relacionamento com os particulares. O acto
administrativo é um elemento essencial para o Direito Contencioso administrativo,
pois sem ele é impossível haver conflitos na relação jurídica administrativa.

1.2.1- Essência

O Acto Administrativo é, essencialmente, uma forma de desempenho da função


administrativa, ou melhor, um dos modos do exercício do poder administrativo
(Carlos Feijó e Cremildo Paca 2000, p.139 ss.).

A expressão acto administrativo, surgiu nos países que fazem parte do sistema
latino-germanico de administração executiva, no início do séc. XIX, com o
significado de todo e qualquer acto do poder executivo, embora não se saiba,
exactamente em que momento a expressão foi utilizada, o certo é que “o primeiro
texto legal que fala em Administração Pública foi a Lei de 16/24-8-1790, que
vedava os tribunais de conhecerem dos actos da Administração Pública”,
qualquer que fosse a sua espécie.

1.2.2- Conceitos

2
Estão definidos por Calos Feijó (2009, p. 42-44).
3
Devido aos abusos cometidos na idade média no período conhecido como Estado de Polícia,
marcado pela insubordinação dos governantes às regras do direito, o termo poder de polícia vem
sendo substituído pela doutrina moderna, designando-o por limitação administrativa (Ibidem p.
318).

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O conceito de acto administrativo começou a ser empregue com a separação dos


poderes.

Este conceito, serviu primeiro como meio de garantia da Administração, ou seja, a


Administração se atribuia a faculdade de actuar e tomar decisões unilaterais que
fossem constituir, modificar ou mesmo extinguir direitos e mais tarde, passou a
servir, como garantia dos particulares, isto é delimitando os comportamentos da
administração que fossem susceptíveis de recursos contenciosos.

É a garantia do particular, nomeadamente, a garantia de petição no procedimento


de formação do acto administrativo, o direito à informação sobre o andamento dos
processos administrativos, o direito à notificação dos actos administrativos, o
direito a fundamentação expressa dos actos que afectem direitos ou interesses
legalmente protegidos e o direito a recurso contencioso com fundamento em
ilegalidade.

O conceito de Acto Administrativo tem variado muito, de ordenamento jurídico


para ordenamento jurídico, de escola para escola, de autor para autor. Há mesmo
quem substitua a expressão Acto Administrativo por Decisão Administrativa. O
próprio Decreto-Lei nº 16-A/95, NPAA, no seu artigo 63º utiliza a expressão
Decisão em vez de Acto.

Maria Sylvia Di Pietro, por ex, define o Acto Administrativo como uma declaração
do Estado ou de quem represente, que produz efeitos jurídicos imediatos, com
observância da lei, sob o regime jurídico do direito público e sujeita a controle pelo
poder judiciário.

Para Marcello Caetano é a conduta voluntária de um órgão da Administração, que


no exercício de um poder público e para a prossecução de interesses postos por
lei a seu cargo, produza efeitos jurídicos num caso concreto.

Para Freitas do Amaral é o acto jurídico unilateral praticado por um Órgão da


Administração no exercício do poder administrativo e que visa a produção de
efeitos jurídicos sobre uma situação individual num caso concreto.

Do ponto de vista legal o conceito de Acto Administrativo figura no Artigo 1º da Lei


nº 2/94, LIAA e do Art. 63º da Lei nº 16-A/95, NPAA.

1.2.2.1- Excepção do Acto Administrativo

O professor Pitra Neto (1999. p.18) alerta que nem todos os actos da
Administração Pública são por sua natureza e fundamento matéria de

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Contencioso Administrativo. Neste sentido a LIAA, na alínea b) do artigo 8º


estabelece os actos administrativos que estão sujeitos a exclusão de impugnação.

1.3- Direito Administrativo

São vários os conceitos de Direito Administrativo segundo os autores que abaixo


se reporta.

Para o presente manual destacamos apenas alguns autores que abaixo se segue.

1.3.1- Conceitos

O conceito de Direito Administrativo não é estático; pois existem conceitos e


autores diversificados, utilizando critérios unitários e conjugados.

Dentre os critérios unitários adotados pelos administrativistas sobressaem: O


legalista, o do poder executivo, o da relação jurídica.

Ao lado desses encontram-se os critérios conjugados. Assim, são critérios


conjugados. O legalista – relação jurídica e o legalista – serviço público.

a) Correntes de Pensamento

A corrente legalista defendida por De Gérando e Macarel, entre outros, define o


Direito Administrativo, como o conjunto de leis administrativas. Este conceito não
afirma outra coisa senão que o Direito Administrativo de um País é a legislação
administrativa (leis, decretos, regulamentos, etc.) nele vigente num dado
momento. É o seu direito positivo. Este conceito não satisfaz na medida em que o
Direito Administrativo não pode ser reduzido a mero amontoado de textos
jurídicos, quando se sabe que ele é muito mais do que isso, pois ele engloba os
princípios jurídicos.

Para a corrente do poder executivo, como Meucci, o Direito Administrativo é o


conjunto de regras jurídicas que disciplinam os actos do poder executivo. Este
conceito igualmente não satisfaz, porque os actos administrativos também são
praticados por Órgãos com funções administrativas, que integram o judiciário e o
legislativo e até por particulares. Desses actos são exemplos o gozo de férias; a
licitação 4.

4
Licitação é o acto de o governo pedir que as empresas apresentem o custo de obras em que os
particulares se interessem em fazer. Em relação aos particulares, são exemplo desse os actos regidos pelo
direito privado, como a compra e venda e a locação, como também os actos materiais (dirigir camião, varrer
rua, etc).

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Para a corrente das relações jurídicas, defendidos por Laferrié e Otto Mayer, o
Direito Administrativo é o conjunto de regras jurídicas que disciplinam o
relacionamento da Administração Pública com os administrados. Este conceito
também não foi considerado de grande valía, porque idênticas relações existem
no direito constitucional e no direito processual.

A corrente que advoga o serviço público utilizado por Gaston Jéze e Duguir entre
outros, define-o como sendo a disciplina jurídica que regula a instituição, a
organização e o funcionamento dos serviços públicos e o seu oferecimento aos
administrados. De igual forma este conceito acaba sendo impreciso, uma vez que
a expressão é vaga e de difícil entendimento.

A corrente negativista, preconizado por Fleiner e Velasco, define o Direito


Administrativo como o ramo de direito que regula toda actividade estatal que não
seja legislativa e jurisdicional. Esta definição também não satisfaz.

Para as correntes que se valem da duplicidade de critérios: O Direito


Administrativo é o conjunto de leis administrativas que regulam as relações entre
a administração pública e os administrados (legalista-relação jurídica), ou é o
conjunto de leis administrativas que disciplinam a instituição, a organização e o
funcionamento dos serviços públicos e seu oferecimento aos administrados
(legalista-serviço público).

Para Hely Lopes Meirelles o Direito Administrativo é o conjunto harmônico de


princípios jurídicos que regem os Órgãos, os Agentes e as actividades públicas
tendentes a realizar concreta, directa e imediatamente os fins desejados pelo
Estado.

Marcello Caetano define-o como o sistema de normas jurídicas que regulam a


organização e o processo próprio de agir da Administração Pública e disciplinam
as relações pelas quais ela prossiga interesses colectivos, podendo usar de
iniciativas e do privilégio da execução prévia.

Para Diogo Freitas do Amaral, das definições citadas, resultam claramente os


seguintes aspectos:

o Que o Direito Administrativo é o ramo do direito público;

o Que o Direito Administrativo é constituído por um sistema de normas


jurídicas de três tipos diferentes; conforme regulam a organização da

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administração, o seu funcionamento, ou as relações estabelecidas entre


ela e outros sujeitos de direito;

o Que o Direito Administrativo não regula toda actividade da Administração,


mas apenas uma parte dela: O Direito Administrativo não regula a
actividade administrativa de gestão privada, mas apenas a actividade
administrativa de gestão pública.

1.3.2- Função do Direito Administrativo

A função do Direito Administrativo é fundamentalmente a de conferir poderes de


autoridade à Administração Pública, de modo a que o interesse colectivo possa
sobrepor-se aos interesses privados e de reconhecer direitos e estabelecer
garantias em favor dos particulares para limitar juridicamente os abusos do poder
e proteger os cidadãos contra os excessos de autoridade da Administração
(Carlos Feijó, 2009. p.26).

1.3.3- Interpretação do Direito Administrativo

Para Diógenes Gasparini (2003, p.23-24) interpretar é alcançar o sentido de


alguma coisa: é aprender a significação. Interpretar o Direito Administrativo, é
captar o sentido das suas normas. A interpretação é o processo pelo qual se
obtém essa significação, que pode ser: legislativa, judicial, doutrinária e
administrativa, conforme seja o seu autor, i.é, seja ele legislativo, judiciário,
estudioso, administrado ou Administração Pública.

É por esses meios que se busca a mens legis, ou seja a vontade da lei, levando-
se em conta que a Administração Pública no seu relacionamento com os
particulares encontra-se protegido dos princípios da desigualdade, da
discricionariedade e da presunção de legitimidade:

1.3.3.1- O Princípio da Desigualdade

A Administração Pública age com desigualdade em relação aos administrados;


porque a administração pública e os administrados não estão ao mesmo pé de
igualdade ou mesmo nível. Dessa desigualdade ou supremacia da Administração
Pública decorrem privilégios que devem ser levados em conta por ocasião de
qualquer exegese5. Pois, sempre que conflituarem os interesses públicos e os
particulares, estes cederão àqueles. A vontade do Estado ou o interesse público
prevalece sempre em contraposto ao querer do particular ou ao interesse privado,
respeitando por certo os direitos consagrados no ordenamento jurídico.

5
Significa análise dos textos legais, sua interpretação e sua aplicação.

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1.3.3.2- O Princípio da Discricionariedade

A Administração Pública é prestigiada por poderes discricionários; porque ela


goza, de prerrogativas discricionárias. Vale dizer que ela actua com certa doze de
liberdade para decidir. Esses privilégios não podem ser esquecidos pelo
intérprete, já que são reconhecidos a favor da Administração Pública para ajustar
o interesse público às suas próprias finalidades.

1.3.3.3- O Princípio da Presunção da Legitimidade

Os actos da Administração Pública presumem-se legítimos; porque os Actos


Administrativos são favorecidos pelo princípio da presunção de legitimidade. Em
razão do princípio da legalidade, presumem-se praticados de acordo com a lei.
Essa presunção é relativa ou de facto, ou como diziam os romanos júris tantum.
Admite, portanto, prova em contrário. Assim, por exemplo, pode provar por todos
os meios, que a declaração expropriatória não é legítima, dado que o seu autor é
o agente competente para a prática de tal acto.

Este tipo de presunção é diversa da que não admite prova em contrário, ou como
diziam os romanos, presunção de Juris et de jure. Esta presunção absoluta ou de
direito, é a que ocorre com a coisa julgada: a lei a presume verdadeira. Esse
favorecimento acaba, por um lado, por intervir o ônus da prova, isto é a
Administração Pública não precisa provar que o seu acto é legal, salvo quando
posto em dúvida perante o judiciário ou tribunal de contas. Neste sentido, a titulo
de exemplo, no Brasil, prescreve o artigo 113º do estatuto federal das licitações e
contratos administrativos, no que respeita o controlo pelo tribunal de contas dos
actos de despesas da Administração Pública.

Por esse dispositivo os Órgãos da Administração Pública responsáveis pelas


despesas ficam obrigados a demonstrar a sua legalidade e regularidade. Por
outro lado, esse princípio acaba por fundamentar a execução dos Actos
Administrativos pela Administração Pública, ou seja a execução dos Actos
Administrativos, em tese, independe de qualquer autorização prévia do judiciário
ou do legislativo. É a auto - executoriedade.

Não gozam de qualquer privilégio os actos da Administração Pública praticados


sob a égide de outros regimes jurídicos, a exemplo da permuta de doação, que
são regidas pelo direito civil, e do contrato de trabalho.

1.3.4- As Fontes do Direito Administrativo

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Antes de abordamos sobre as fontes do Direito Administrativo, interessa-nos ter


em conta a seguinte noção segundo a qual, fonte, segundo o professor Diógenes
Gasparini é o lugar de onde brota, através da terra, a água. Vulgarmente é o
ponto de partida de alguma coisa, e, como tal do direito.

Para Destarte, fonte de direito são as formas que o revelam, conforme ensinam
Oswaldo Aranha Bandeira de Mello (princípios gerais do Direito Administrativo,
1969) e Luís de Castro Neto (fontes do direito administrativo, 1977). Ela é a
exteriorização do Direito ou a sua formação. Portanto, fonte de direito
administrativo é o conjunto de modos pelos quais esse sub-ramo do direito
público é formalizado.

1.3.4.1- Espécies de Fontes

Os autores dividem as fontes do Direito em escritas e não escritas.

Em relação ao Direito Administrativo, as fontes escritas são as chamadas,


genericamente, de lei (constituição, emenda constitucional, lei complementar, lei
ordinária, medida provisória, regulamento, entre outras).

As fontes não escritas são a jurisprudência, os costumes e os princípios gerais do


direito.

Na matéria das fontes não escritas observa-se a falta de unanimidade entre os


autores. Uns incluem e outros não incluem a doutrina, como forma de
exteriorização do Direito, i.é, como fonte. Outros entendem que a Administração
Pública, em razão do princípio da legalidade, não pode fundamentar os seus
actos na jurisprudência, nos costumes ou na doutrina. Para estes só há uma fonte
do Direito Administrativo: A lei.

1.3.4.1.1- Fontes Escritas

Como regra geral, abstrata e impessoal a lei é a mais importante das fontes do
Direito Administrativo. Deve ser entendida em sentido amplo desde a constituição
até aos actos normativos mais simples, isto é, que se predispõe a executar as
leis, como os decretos, regulamentos, as instruções, as leis complementares, as
medidas provisórias, os tratados, os regulamentos e as instruções, entre outras.

Diogenes Gasparini, considera que, não é fonte do Direito Administrativo toda e


qualquer lei, mas tão – só as que regem os órgãos, os Agentes e as actividades
públicas, ou em outras palavras, as que dispõem sobre as relações que
interessam ao Direito Administrativo. Por ex, não são fontes do Direito
Administrativo as leis, como as leis penais, não obstante sendo este um ramo do
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direito público; de igual modo as leis estrangeiras (mesmo que administrativas,


embora possam servir de inspiração, como ocorre).

Com isso, significa que o âmbito espacial de validade da lei administrativa é


fixado pelo princípio da territorialidade, como por ex, a lei da probidade
administrativa, a lei do procedimento administrativo, a lei do acto administrativo,
bem como a sua impugnação, entre outras, valem em todo território angolano;
embora poderá existir leis que abranjam apenas uma determinada zona, província
ou região. Mesmo que assim seja, em princípio, nenhuma lei, doravante, entra
imediato em vigor; Todas elas devem obedecer o vacatio legis, em caso de
existência de uma anterior, deve a actual revogar expressamente.

A lei administrativa, no que toca com a sua aplicação no tempo, deve observar ao
Código Civil, sobre a vigência da lei, respeitando o acto jurídico perfeito, o direito
adquirido 6 e a coisa julgada 7.

1.3.4.1.2- Fontes Não Escritas

Para Diógenes Gasparini as fontes não escritas do Direito Administrativo é


constituída pela jurisprudência, o costume e os princípios gerais do direito.

1. A Jurisprudência

Sendo um conjunto de decisões num mesmo sentido proferidas por ocasião de


certo preceito jurídico na solução de casos iguais, a jurisprudência é fonte não
escrita relevante do Direito Administrativo, embora alguns autores não entendam
assim. Em alguns países, como o EUA do norte, a jurisprudência tem força
coercitiva, na medida em que, devem ser respeitados os precedentes judiciários,
os das cortes superiores.

No Brasil, como em outros países, os julgados dos tribunais obrigam pela força
moral que encerram e só por isso são respeitados pelas instâncias e juízes.
Portanto, só as decisões que cuidam da matéria subordinada ao Direito
Administrativo interessam à jurisprudência, como fonte desse ramo do direito
público, quer promanem dos tribunais comuns, quer dos especiais, a exemplo do
Contencioso Administrativo, nos países que o admitem como sistema judicial.
Ademais, note-se que dessa jurisprudência não participam as decisões
meramente administrativas, pois não fazem parte de coisa julgada.

6
Consideram-se direitos adquiridos, quando o seu titular ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles
cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.

7
Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso.

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Ainda no Brasil, a jurisprudência estrangeira, mesmo administrativa, não é fonte


do Direito Administrativo, mas pode servir de inspiração ao sistema judiciário,
conforme ensina Geraldo Ataliba.

2. O Costume

Como fonte não escrita do Direito, o costume é a reiteração uniforme de um


comportamento tido como obrigação legal. Como tal, é fonte do Direito
Administrativo.

O costume, como fonte do Direito Administrativo, é de alguma importância dada a


pouca legislação que se regista em muitos países nessa matéria do direito
público. Em suma diz Luís de Castro Neto (fontes do Direito Administrativo) que é
fonte do direito quer quando preenche as omissões da lei, quer quando serve à
sua interpretação e incidência, mas não quando a revoga ou derroga. A praxe
administrativa (simples rotina administrativa) não se confunde com o costume,
não sendo, na opinião da maioria dos autores, fonte do Direito Administrativo.

3. Os Princípios Gerais do Direito

Princípios gerais do direito são, conforme José Cretella Júnior, algumas


proposições fundamentais que se encontram na base de toda a legislação,
constituindo o norte, o roteiro, que orienta o sistema legislativo de um povo. São
os pressupostos de onde derivam as regras jurídicas. Em relação ao direito
administrativo, são os princípios da legalidade, da publicidade, da moralidade
administrativa, da continuidade do serviço público, da indisponibilidade dos
interesses, bens e serviços públicos, da igualdade, como acentuou Celso António
Bandeira de Mello, cuja inobservância é mais grave que o descumprimento de
qualquer norma jurídica. A sua aplicação faz-se ante a lacuna da lei. Por eles não
se derroga a lei. O julgador só se ampara nos princípios gerais de Direito quando
a analogia legal ou jurídica, não puder resolver as omissões ou falta do direito
legislado ou costumeiro, acentua Oswaldo Aranha Bandeira de Mello.

4. Outras Fontes

A par desses procedimentos de formalização do Direito Administrativo, que não


oferecem grandes dúvidas e comumente são aceites pelos autores, outros
existem, a exemplo da doutrina, que estão longe de ser aceites como fonte desse
ramo do Direito Público (Diógenes Gasparini. 2003, p.25-29).

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CAPÍTULO II
DIREITO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO

2.1- Breve Historial do Contencioso Administrativo

A ideia de Contencioso está ligada a de certo tipo de processo ou procedimento.


Segundo a doutrina tradicional, todo aquele que define, com força executória, o
direito aplicável a casos concretos exerce jurisdição: Há uma jurisdição judicial e
uma jurisdição administrativa, como existe jurisdição eclesiástica, militar, etc.

A Escola Francesa de Direito Público em que Duguit pontificou, desviou o termo


jurisdicional desse sentido primitivo para designar uma função do Estado definida
materialmente com a verificação com força de verdade legal (constatation,
acertamento) de factos controvertidos tendo em vista a resolução de uma questão
de direito em que assente uma decisão eficaz.

No Brasil, o CPC, artº 1º distingue a jurisdição contenciosa e jurisdição voluntária


que também se diz por “graciosa” 8.

2.1.1- Sistema Administrativo

O sistema administrativo é também chamado por alguns autores como Hauriou,


regime administrativo. Neste sistema, as duas ordens de autoridade –
administrativa e judicial – são independentes uma da outra: Nem a Administração
pode influir no poder judiciário, nem este tem a possibilidade de intervir na função
administrativa.

Este sistema foi elaborado e aperfeiçoado na França. Tal como na Grã-Bretanha,


houve razões históricas a preparar a evolução verificada. Ao contrário da
Inglaterra, a justiça não foi centralizada na corte, e a partir do século XV passou
haver doze parlamentos provinciais, que eram simultaneamente Tribunais
Superiores Regionais e Órgãos das Regiões. Quando os Reis de França
quizeram centralizar a justiça e fazer observar a sua autoridade em todo o

8
Em Angola consta dos Arts. 66º e 122º CPC.

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território sem contestação, foram forçados a sustentar árdua luta contra os


parlamentos.

Os Reis tiveram de instituir Órgãos novos que lhes fossem fiéis para fazerem
cumprir as suas ordens em todo reino e assim nasceu o Conselho do Rei e a rede
dos intendentes locais. A margem dos tribunais, aos que ficou a tutela dos direitos
privados, foi criada uma administração vinculada aos interesses da Coroa.

A Revolução Francesa encontrou esta situação que uma corrente dos seus
doutrinários consideram como o princípio da separação dos poderes. A lei de 24
de Agosto de 1790, prescreveu que “as funções judiciais são distintas e
permanecerão sempre separadas das funções administrativas. Os juízes não
poderão, sob pena de prevaricação (faltar aos deveres), perturbar por qualquer
forma a acção dos corpos administrativos, nem citar para comparecer a sua
presença, os administradores por motivos das respectivas funções”.

Havia a necessidade de confiar às funções públicas a partidários da revolução,


sem tropeçar a legalidade e agissem como um corpo único, com os Órgãos
políticos para julgar da regularidade do procedimento das autoridades e dos
funcionários.

Napoleão, ao organizar a França saída da Revolução Francesa, consagrou esta


orientação entre a administração e a justiça. No próprio seio da administração,
através da reclamação e do recurso hierárquico, deveriam os cidadãos poder
encontrar remédio para as queixas e reparação para a violação dos seus direitos.

Foram então junto dos prefeitos e imperadores criados Órgãos Colegiados – os


conselhos de prefeitura e o conselho do Estado – encarregados de presidir à
instrução dos recursos hierárquicos segundo o procedimento contencioso, para
no final, os apreciarem e emitirem parecer o qual a autoridade administrativa é
quem pudesse resolver com justiça (justice retenue ou jurisdição reservada).

A reforma de 1953 substitui os conselhos interdepartamentais, que em 1926


haviam tomado o lugar dos conselhos de prefeitura, por tribunais administrativos
regionais competentes para sentença conhecerem quaisquer recursos
contenciosos – administrativos. O Conselho de Estado passou a ser tribunal de
apelação ou de cassação das sentenças proferidas pelos tribunais inferiores,
funcionando apenas como 1ª instância em limitado número de assuntos.

Teoricamente os Tribunais Administrativos e o Conselho de Estado (que, além


das secções de contencioso, possui as secções consultivas) são Órgãos da
Administração, constituem a sua consciência, são a administração que se julga a
si própria. Na verdade eles formam uma hierarquia de tribunais de competência
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especializada, distinta e independente do poder judiciário, mas com as mesmas


garantias deste.

Só por via de recursos dos actos executórios, e sem prejuízo (em princípio) da
executoriedade deles os tribunais Franceses apreciam a legalidade da acção da
administração, sobretudo mediante o poder de anulação dos actos definitivos
ilegais.

2.1.2- Sistema Judicialista

Segundo Marcello Caetano (op. cit. p.386) além dos Sistemas Judicialista e o
Sistema Administrativo encontram-se fórmulas intermédias que repartem por
várias jurisdições a garantia contra os actos ilegais da administração pública.

Em princípio é preciso ter em conta que no Sistema Judicialista, apenas uma


ordem de tribunais a que, por definição pertence o conhecimento de todas as
questões que devam ser levadas a julgamento; Que são os tribunais ordinários e
também comuns a todas as questões, embora entre eles possa haver
especialização por matérias, originando tribunais especializados no cívil, no crime,
nas questões marítimas ou de menores ou de família etc. Pode, haver, alguns
assuntos que sejam retirados da competência dos tribunais comuns para serem
confiados a tribunais especiais, cuja competência fica restrita às matérias
taxativamente designadas por lei, sendo fixada por atribuição.

O Sistema Administrativo Francês, foi aperfeiçoado em vários países que o


adoptaram, como Alemanha Federal e Portugal. Deixaram de ter conselhos de
Estado, instituíram, a par dos tribunais judiciais, uma outra ordem de tribunais
comuns para as questões de Direito Administrativo, organizada com magistrados
providos de garantias idênticas às dos outros magistrados e coroada por um
Supremo Tribunal Administrativo.

Em França também já existem duas ordens paralelas de tribunais com jurisdição


estabelecida por definição. E tanto numa como na noutra ordem pode haver
juízos especializados, admitindo que se crie também, em relação a qualquer
delas, para matérias bem caracterizadas, tribunais especiais com competência
por atribuição.

Portanto, salvo alguma excepção, o que é matéria de Direito Administrativo


pertencerá, neste sistema, aos tribunais administrativos, como tribunais comuns
desse tipo de questões.

Ao contrário, a Itália (que seguiu o modelo da Bélgica). As questões em que a


administração pública esteja interessada, mesmo que seja em virtude de acto
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definitivo e executório do poder executivo ou de outra autoridade administrativa,


são repartidas, por força de normas de definição de competências ou cláusulas
gerais, entre os tribunais judiciais e os Órgãos de Justiça Administrativa.

Aos tribunais compete conhecer das contravenções e das causas em que se


alegue a lesão de um direito subjectivo, civil ou político. O direito subjectivo é um
interesse exclusivo do seu titular directamente protegido pela norma jurídica. O
tribunal só pode pronunciar-se sobre a legalidade (legittimità) do procedimento da
Administração, mediante acção declaratória ou condenatória: Em caso de
ilegalidade, aplica a lei ao caso concreto e pode condenar o responsável em
indeminização de perdas e danos. Os tribunais judiciais não podem dar ordens às
autoridades administrativas, nem sequer suspender ou anular os seus actos.

Os Órgãos da Justiça Administrativa são o Conselho de Estado e as Juntas


Provinciais Administrativas. A esses Órgãos pertence a protecção dos interesses
legítimos – situações individuais coincidente com o interesse público que, por
esse motivo, se beneficiam da protecção legal dispensada a este interesse na
medida em que com ele sejam compatíveis.

Estes Órgãos têm uma tríplice jurisdição: 1- a da legalidade dos actos


administrativos, que podem anular quando viciados, 2- a do mérito do exercício
dos poderes discricionários, quando a lei atribua, para avaliar da utilidade,
oportunidade e convivência do uso desses poderes à luz das regras da boa
administração, podendo confirmar, reformar ou substituir os actos recorridos
segundo um juízo de equidade; 3- a da jurisdição exclusiva sobre certas matérias
em que possam estar envolvidos direitos subjectivos, como o contencioso da
função pública, que a lei expressamente ponha a cargo deles. O modo de
introduzir e processar estas questões é o que se chama recurso.

2.1.3- O Contencioso Administrativo em Angola

Para António Pitra Neto (1999, p.17) o contencioso administrativo, quer enquanto
recurso, quer enquanto acção, representa a forma hodiernamente mais
conseguida e eficaz de defesa dos direitos subjectivos e dos interesses legítimos
dos particulares, perante a Administração, precisamente por isso e enquanto isso,
ele requer, em regra como condição pressuponente, a existência e vigência de
outros comandos e o funcionamento de instituições ao seu desencadeamento e
até a sua própria eficácia.

Com isso significa dizer que, as garantias contenciosas em Angola eram no


âmbito da ordem político – estadual, inaugurada em 11 de Novembro de 1975, um
esse inexpressivo, material e organicamente, em comparação com a magnitude e
a profusão, embora nem sempre foi regrada, da organização e actuação da
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máquina administrativa. Os postulados constitucionais da altura, qualquer que


seja o ângulo do seu posicionamento – quer em sentido orgânico (conjunto de
tribunais administrativos) ou em sentido funcional (actividade desenvolvida pelos
tribunais administrativos), quer ainda em sentido material ou mesmo em sentido
instrumental (meios processuais de utilização pelos particulares contra a
administração através dos tribunais administrativos) ou por último em sentido
normativo (normas jurídicas reguladoras da acção dos tribunais administrativos
como garantia dos particulares), permitiu concluir a ausência da forma
contenciosa de garantia dos particulares perante a Administração.

A lei 18/88, de 31 de Dezembro, introduziu pequenas melhorias no que concerne


as garantias graciosas, por estatuir a unificação do sistema de justiça, acabando
com a proliferação de jurisdições, bem como o desprovimento dos princípios e
caracteres específicos inerentes à administração pública que a lei constitucional
de 1975 apresenta.

Mesmo terem sido organicamente instituídas câmaras e salas do cível e do


administrativo, dotadas de competências (arts 19º e 31º da lei 18/88, de 31 de
Dezembro) que introduziu uma nova espécie de garantias dos particulares
perante a Administração ainda se observou um vazio funcional, instrumental e
sobretudo normativo. Pode-se, dizer que, por estarem ainda desprovidos certos
preceitos na ordem constitucional e jurídica angolana, as garantias jurídicas dos
particulares eram essencialmente garantias políticas (queixas, petições,
reclamações para os Órgãos de soberania, parlamento nacional, comissão de
queixas e reclamações dos cidadãos e em certa medida também graciosas, sem
entretanto, merecerem regulação clara e sistemática), que predominou até as
duas revisões feitas à lei constitucional em Março de 1991 e em Agosto de 1992.

Mas com isso, não significa que apenas só com o Contencioso Administrativo é
que os chamados sistemas administrativos modernos previnem e sancionam as
violações aos direitos subjectivos e interesses legítimos dos particulares, como
também podem os tribunais comuns (caso dos sistemas judiciários) exercerem a
função jurisdicional sobre os actos da Administração.

Só que, é praticamente inviável a efectividade das garantias dos particulares se,


embora sem tribunais administrativos, não existirem, entretanto, normas de direito
a regular e resolver as questões entre a Administração e os Particulares.

Quer dizer que o legislador constitucional ao admitir no espírito da lei o primado


do direito como norma implantada na vida humana da relação e das instituições “e
que o processo jurídico in genere não é mais senão o conjunto sistemático de
princípios e leis concernentes à actuação do direito no convívio social”,

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estabeleceu as linhas de força básicas para a institucionalização de um


verdadeiro contencioso administrativo.

2.2- Conceitos

A palavra contencioso deve ser entendida do ponto de vista da língua comum


(Língua Portuguesa) e do ponto de vista técnico jurídico (Direito):

2.2.1- Contencioso

Na língua portuguesa a palavra contencioso provém do latim Contentiosu. Ela


significa adjectivo que envolve contenda ou litígio, litigioso, sujeito a contestação,
a dúvida, substantivo masculino de jurisdição contenciosa; secção de uma
empresa que trata de assuntos litigiosos.

Na linguagem forense (jurídica) a palavra contencioso serve para referir


assuntos que são tratados por um órgão judicial ou jurisdicional ou ainda tribunal;
Órgão com jurisdição própria para dirimir os conflitos administrativos; Tribunal
especializado para tratar dos recursos interpostos pelos particulares. Essa
definição pode ser interpretada nos termos da alínea c) do Art. 9º da LIAA.

2.2.2- Direito Contencioso Administrativo

De um modo geral, “o Direito Contencioso Administrativo, também designado por


Justiça Administrativa, pode ser descrito como um sistema de mecanismos e de
formas ou processos destinados à resolução das controvérsias resultantes das
relações jurídicas administrativas” (José Carlos Vieira de Andrade 2007).

“A justiça administrativa é o conjunto complexo de órgãos jurisdicionais (tribunais)


integrados na categoria dos Tribunais Administrativos com competência para
dirimir, com recurso às normas de direito público administrativo, litígios
materialmente administrativos” (Feijó e Poulson, 2011).

2.2.2.1- Segundo a Finalidade

Segundo a sua finalidade a Justiça Administrativa ou Contencioso Administrativo,


“é o conjunto das garantias dos particulares contra as atuações ilegítimas da
Administração que ofendessem os seus direitos ou interesses”.

Ela é ainda: "o complexo dos institutos dirigidos à garantia da legitimidade


administrativa e ao uso correcto do poder discricionário por parte da
Administração Pública face aos direitos e interesses das pessoas físicas e
jurídicas, confrontadas com o seu poder”.

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É também "o conjunto das garantias jurídicas contenciosas dos particulares”.

É acima de tudo "o conjunto dos meios de reação dos particulares à ilegalidade
administrativa” (Vieira de Andrade. 2007).

2.2.2.2- Sentidos

O Contencioso Administrativo pode ser respondido em cinco sentidos:

a) Sentido orgânico – o Contencioso Administrativo é o conjunto de tribunais


administrativos.

b) Sentido funcional – é o conjunto de actividades desenvolvidas pelos Tribunais.

c) Sentido material – são matérias da competência de Tribunais Administrativos.

d) Sentido instrumental – são os meios processuais que os particulares podem


utilizar contra a Administração.

e) Sentido normativo – é o conjunto de normas jurídicas reguladoras da


intervenção dos Tribunais ao serviço da garantia dos particulares (Feijó e
Poulson, 2011).

2.3- Princípio da Legalidade do Contencioso Administrativo

O princípio da legalidade do Contencioso Administrativo ou Justiça Administrativa,


como se pode considerar, reside pelo facto da Constituição consagrar o dever da
Administração Pública respeitar os direitos e interesses dos particulares, por força
do n. 2 do art. 198º da CRA.

Para a epígrafe do citado artigo, a prossecução do interesse público, deve


respeitar os direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares.

A instituição da Justiça Administrativa, se justifica em função da defesa dos


direitos dos cidadãos: a garantia da legalidade (da juricidade) da Administração
que também serve para a prossecução do interesse público definido pelo
legislador e que constitui a finalidade necessária e da actividade administrativa é
a condição mais uniforme aos princípios fundamentais da Administração Pública
tal como estão consagrados no artigo 198º da CRA.

Apesar da Contistuição consagrar a prossecução do interesse público como


finalidade principal da Administração Púlica ela preocupa-se principalmente em
assegurar o acesso dos administrados à Justiça Administrativa para a tutela dos

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seus direitos e interesses legalmente protegidos com base nos Artigos 29º e 200º
da CRA.

Embora a intenção destes preceitos não chega de impor um certo modelo de


contencioso, mas por ventura como base normativa para a afirmação de que a
protecção efectiva dos direitos dos administrados, constitui o núcleo essencial ou
pelo menos o domínio típico da Justiça Administrativa (Vieira de Andrade 2007,
p.8).

2.4- Dimensões do Contencioso Administrativo

O Contencioso Administrativo que se afirma como Justiça Administrativa,


pressupõe ter em conta três dimensões da instituição, que determina em vários
aspectos, sendo:

a) Substancial ou Material

A dimensão substancial ou material se traduz em saber quais são em princípio os


litígios que a Administração leva cabo resolver (Art. 6º LIAA);

b) Funcional

A dimensão funcional permite saber como se caracteriza a função jurisdicional


exercida (Art. 15º LIAA);

c) Orgânico Processual

Na dimensão orgânico processual permite interrogar se por que tribunais e


segundo que processos este actua (Arts. 16º, 17º e 18º LIAA).

Assim, a Justiça Administrativa pode apresentar-se como o conjunto institucional


ordenado normativamente à resolução de questões de direito administrativo
nascidas de relações jurídico-administrativas, atribuídas por lei à ordem judicial
administrativa para serem julgadas segundo um processo administrativo
específico.

2.5- A Designação Contencioso Administrativo ou Justiça Administrativa

Segundo o professor Vieira Andrade (op.cit.) a designação Justiça Administrativa


é actual, sendo a designação tradicional Contencioso Administrativo. Em seu
entender a designação tradicional tem a vantagem clara de demonstrar o carácter
jurisdicional que actualmente justifica o sistema. Mas contudo, pode-se utilizar
indiferentemente as duas expressões, visto que:

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Por um lado, o processo contencioso já vinha sendo referido ao controlo


jurisdicional da legalidade administrativa (contraposto ao processo gracioso ou
procedimento que inclui as garantias de impugnação); por outro lado, a expressão
Contencioso Administrativo tem ao seu favor o peso da tradição e a circunstância
de sublinhar o carácter especial ou especializado, em alguns dos seus aspectos,
da instituição que controla e garante a juridicidade da atuação administrativa.

Por fim, no âmbito da Justiça Administrativa se levantam vários tipos de


problemas, correspondentes a diversas áreas do conhecimento jurídico.

Por um lado, são problemas da Justiça Administrativa os que respeitam à função


judicial de fiscalização da Administração Pública, envolvendo além da própria
designação do contexto e dos contornos da instituição, a determinação e
harmonização dinâmica dos princípios da juridicidade e da separação de poderes:
São problemas do direito administrativo material.

Por outro lado, a Justiça Administrativa 9, implica a existência de um “serviço


público” de justiça, sendo, por isso, objecto normativo de duas disciplinas: do
“Direito Judiciário Administrativo”, no que respeita a organização dos tribunais; do
“Direito Processual Administrativo” no que toca as relações processuais e o
regimento do funcionamento de jurisdição.

9
Determina quais os instrumentos legais da Justiça Administrativa e a importância de cada deles.

29
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CAPÍTULO III
GARANTIAS GERAIS E ESPECIAIS

3.1- As Garantias em Geral

Segundo o professor Marcello Caetano (2010) se afigura imprescindível o estudo


das garantias instituídas para assegurar o cumprimento das leis e o respeito dos
direitos subjectivos e dos interesses legítimos dos particulares ou garantias dos
administrados.

As garantias dos administrados, é que tem a maior importância, por traduzir uma
imposição evidente do Estado de Direito. A organização da garantia dos direitos e
interesses legítimos dos particulares é, inquestionavelmente o ponto essencial do
Direito Administrativo: sem ela não existem relações jurídicas, porque não haverá
possibilidade de obrigar a Administração a cumprir os deveres assumidos
segundo a lei.

O interesse público a prosseguir, os órgãos e agentes incumbidos de o fazer, os


poderes funcionais de uns e outros, lançam mão para o efeito e ainda, em maior
ou menor medida as formas de agir e os meios de acção a adoptar – tudo são
aspectos que à lei cabe definir e regular em termos que a Administração Pública,
deve respeitar, já que o interesse público exige o respeito das leis em vigor pela
Administração Pública.

3.1.1- Conceitos

Para Caetano (2010) as garantias são todos os meios criados pela ordem jurídica
com a finalidade imediata de prevenir ou remediar as violações do direito
objectivo vigente (garantia da legalidade) ou as ofensas dos direitos subjectivos
ou interesses legítimos dos particulares (garantias dos administrados).

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Entre estas duas modalidades de garantias não há separação absoluta. Com


efeito, a garantia da legalidade se traduz na protecção dos administrados - por
exemplo, a recusa de aprovação tutelar de um acto ilegal causador de prejuízos a
um particular – como, tantas outras, se obtêm a reintegração a legalidade
mediante o emprego das garantias dos administrados – exemplo ainda, o recurso
de anulação de um acto ilegal interposto pelo titular do interesse lesado.

O que conta, para qualificar cada uma das garantias organizadas pela ordem
jurídica é a finalidade imediata da sua criação, o interesse para cuja protecção,
em primeira linha, tenham sido concebidas e possam ser utilizadas.

Já para Carlos Feijó e Lazarino Poulson (2011) há dois grandes sentidos que
pode tomar o termo – garantias:

Em sentido amplo (i.e em todos os ramos do Direito), constitui o conjunto de


mecanismos que a ordem jurídica coloca à disposição dos sujeitos do direito para
estes poderem fazer valer os seus direitos e interesses legítimos.

Em sentido restrito – garantias dos particulares (ou dos administrados) pode ser
definida como os mecanismos criados por lei com o objectivo de prevenir ou
sancionar as violações do direito (objectivo ou subjectivo) pela Administração
Pública.

Para Freitas do Amaral, citado por Feijó e Poulson (2011), garantias dos
particulares são “mecanismos criados pela ordem jurídica com a finalidade de
evitar ou de sancionar quer as violações do direito objectivo, quer as ofensas dos
direitos subjectivos e dos interesses legítimos dos particulares, pela
Administração Pública”.

Segundo Carlos Feijó a garantia dos particulares constitui sem dúvida um dos
aspectos mais relevantes da abordagem geral do Direito Administrativo.

As garantias dos particulares faz parte entre o Direito Administrativo substantivo e


o Direito Processual Administrativo.

Segundo Freitas do Amaral (1988, p.7 ss.) na doutrina administrativa as garantias


dos particulares não é abordada, com maior frequência, portanto há o problema
da escassez de abordagem, com expção de Freitas do Amaral, na doutrina
portuguesa, por outras palavras, não há muitos a tratarem este tema, ou não há
na doutrina grandes desenvolvimentos sobre o tema.

Foi essa razão que levou os autores a escolherem essas duas zonas de
confluência para abordagem do tema.

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3.1.2- Critérios de Classificação

Para a classificação das garantias é preciso ter em conta o critério da natureza


dos processos, o critério sancionatório e o critério do interesse público.

A) Critério dos Órgãos e Processos Usados

Segundo Marcello Caetano (2010 p.378) , quanto à natureza dos órgãos e


processos usados contra as actuações indevidas da Administração Pública, as
garantias dos particulares podem ser classificadas em: garantias políticas,
garantias administrativas e garantias judiciais. Nos dois últimos grupos podem ser
utilizados meios graciosos e meios contenciosos. A par de Marcello Caetano, o
critério dos órgãos que efectiva a garantia dos particulares foi também reiterado
por Feijó e Poulson (2011).

B) Critério Sancionatório

Segundo Carlos Feijó e Lazarino Poulson (2011) , não obstante existirem várias
espécies de garantias de acordo com os vários critérios, as garantias no critério
sancionatório é constituída pelas espécies de garantias preventivas e garantias
repressivas.

C) Critério do Interesse Público

Ainda segundo Feijó e Poulson (2011) o critério do interesse público é


constituído pelas garantias da legalidade e garantias dos particulares.

3.2- As Garantias Especiais ou em Particular

São especiais as garantias que integram um determinado órgão e processos nele


inerentes. Temos como garantias especiais ou especificamente as garantias de
natureza política, administrativa ou graciosa e judicial ou jurisdicional ou ainda
contenciosa.

3.2.1. Garantias Políticas

Segundo Marcello Caetano (2010) as garantias políticas são as que resultam de


funcionamento dos órgãos supremos do Estado ou do exercício dos direitos
individuais consagrados na Constituição, sem utilizar os meios administrativos ou
judiciais; Na mesma óptica explica Sérgio Ferreira (2018) , que as garantias
políticas são mais garantias do ordenamento constitucional do que propriamente
garantias subjectivas do cidadão.

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Neste prisma, Marcello Caetano adianta que, não se inclui aqui as garantias
teoricamente resultantes da própria estrutura do poder político – como sejam a
separação dos poderes ou o Estado de Direito – porque elas são apenas o
fundamento de outras que directa e imediatamente estão ao dispor dos cidadãos.

No primeiro caso, as garantias políticas da legalidade da Administração e dos


direitos dos administrados é constituído pelas que resultam do funcionamento dos
órgãos supremos do Estado.

Nos sistemas parlamentares o Governo responde pelos seus actos perante o


parlamento, que constantemente fiscaliza a actuação ministerial e pode destituir o
gabinete mediante a votação de uma moção de desconfiança.

Quer dizer que o maior mérito das assembleias políticas será a fiscalização dos
actos do executivo e a obrigação em que o coloca de se justificar publicamente. O
mesmo também acontece com os sistemas presidencialistas, onde a permanência
do governo não depende do voto das assembleias representativas, mas pode
estas, através de debates, perguntas, convocação de ministros para explicações,
criação de comissões de inquérito e julgamento das contas públicas, exercer
fiscalização da legalidade da Administração.

No segundo caso, se inclui nas garantias políticas as que são consequências do


comportamento individual permitido pelos direitos constitucionalmente
reconhecidos. Os princípais deste direito são o de representação e petição, o de
expressão, o de reunião e o de associação.

A título de comparação do Direito, a Constituição Brasileira assegura no seu


artigo 153º, a qualquer pessoa o direito de representação e de petição aos
poderes públicos em defesa de direito ou contra abusos de autoridade, declara
livre a manifestação de pensamento, permite a todos reunir-se sem armas,
assegura a liberdade de associação para fins lícitos 10.

Deste modo o cidadão pode chamar a atenção dos poderes públicos para alguma
ilegalidade mediante representação ou solicitar que a ofensa aos seus direitos
seja reparada, formulando petição. Pode pela imprensa protestar contra a
ilegalidade, reunir-se com outros para dar força ao protesto, associar-se para
zelar os seus direitos.

No entender de Sérgio Ferreira, do ponto de vista prático, das garantias acima


citadas, só duas se fazem sentir: O Direito de Petição consagrado no artigo 73º da
CRA, que é exercido perante qualquer órgão de soberania e o Direito de
10
No nosso país correspondem as garantias políticas os Arts. 40º, 47º, 48º, 49º, 56º, 73º e 74º da
CRA.

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Resistência, que faculta ao cidadão de oferecer resistência a qualquer ordem


ofensiva dos seus direitos, liberdades e garantias e de repelir por via da força
qualquer agressão, nos casos de impossibilidade de recurso às autoridades.

As garantias políticas, porém, não dão qualquer segurança de exame e


atendimento do clamor individual ou colectivo. Os direitos de pedir, de
representar, de exercer actividade cívica, de promover ou participar em reuniões e
associações estão consagrados constitucionalmente em todos os países, tendo o
poder político como o único dever de não embaraçar o respectivo exercício.

3.2.2. Garantias Administrativas

Segundo o professor Marcello Caetano, adoptando o critério de qualificar as


garantias não políticas segundo os Órgãos através das quais se processam,
poderemos distingui-las em garantias administrativas e garantias judiciais.

Nas garantias administrativas ou graciosas 11 classificamos todos os meios de


defesa da legalidade e dos direitos individuais proporcionados mediante a
utilização de órgãos da Administração Pública. Por outras palavras, as garantias
administrativas são as que se efectivam através da actuação dos próprios órgãos
da Administração activa. É o caso da actuação da hierárquia administrativa que,
através do que chamamos poder de superintendência dos superiores sobre os
actos dos subalternos, permite o controlo oficioso da legalidade desses actos e a
correcção das ilegalidades, quando solicitada através do recurso hierárquico.
Onde não funciona a hierarquia, isto, é, nas relações entre entidades autónomas,
pode vigorar a fiscalização ou supervisão tutelar, exercida pela entidade de
interesses restritos que lhe esteja vinculada.

Em quase todos os Países existem Tribunais de Contas ou Órgãos semelhantes,


que exercem quer uma vigilância preventiva da legalidade e regularidade
financeira dos actos produtores de despesa pública, quer apenas a fiscalização
das contas dos gastos realizados por todos quantos sejam responsáveis pelo
manejo de dinheiros e de outros recursos públicos.

O processo dessas garantias é geralmente o processo gracioso. Mas pode haver


garantias administrativas com processo contencioso, conforme mais a frente
estudaremos.

11
São exemplos de garantias administrativas os Arts. 200º CRA 6º, 7º, 8º, 9º, 34º, 37º e 38º NPAA.

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As garantias administrativas são bastante mais importante e efcicazes, do ponto


de vista de protecção jurídica dos particulares, do que as garantias políticas,
embora elas não satisfazem inteiramente, porque em alguns casos colocam- se
interesses políticos pela Administração Pública, e noutros casos baseiam- se mais
por critérios de efciência na prossecução do interesse público do que pelo desejo
rigoroso da observância da lei e dos direitos subjectivos e interesses legítimos
dos perticulares.

3.2.2.1. Tipos das Garantias Administrativas ou Graciosas

Segundo o professor Pitra Neto (1999, p.20) as garantias graciosas podem ser
garantias graciosas petitórias e garantias graciosas impugnatórias; Ao passo que,
para o professor Sérgio Ferreira (2018, p.164 ss) as garantias graciosas dos
particulares distinguem- se, por um lado, em garantias da legalidade e garantias
de mérito; por outro lado, em garantias petitórias e garantias impugnatórias, i.e,
na mesma linhagem do primeiro autor.

No primeiro caso:

a) Garantias da Legalidade

b) Garantias de Mérito

No segundo caso:

c) Garantias Petitórias

As garantias graciosas petitórias não implicam a prática de um acto


administrativo, mas sim, assentam na formulação de um pedido que o particular
dirige à Administração Pública para que que considere as razões por si
invocadas.

São garantias graciosas petitórias: o Direito de Petição, o Direito de


Representação, o Direito de Queixa, o Direito de Denúncia e o Direito de
Oposição Administrativa12.

d) Garantias Impugnatórias

12
Para melhor lucidez sobre os vários conceitos vide Sérgio Ferreiro, 2018, pp. 164 ss.

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As garantias impugnatórias são as que perante um acto administrativo já


praticado, os particulares são admitidos por lei a impugnar esse acto, i.é, atacá - lo
com determinados fundamentos (Roque, citado por Sérgio Ferreira 2018). Elas
podem ser definidas, como os meios de impugnação de actos administrativos
perante autoridades da própria Administração Pública.

São garantias graciosas impugnatórias: A reclamação, o recurso hierárquico e o


recurso tutelar, isto na visão de Pitra Neto; Ao passo que, a par da reclamação, o
recurso hierárquico e o recurso tutelar, inclui-se também o recurso impróprio, na
óptica Sérgio Ferreira13.

3.2.3. Garantias Judiciais ou Contenciosas

As garantias judiciais14 são as resultantes da faculdade de defender nos tribunais


a legalidade e os direitos ameaçados ou ofendidos.

O termo judicial aqui empregue, na adjectivação dessa garantia, refere-se à


actividade dos juízes ou poder judicial.

A distinção entre os órgãos administrativos e os tribunais está em que os


primeiros têm, o encargo legal de realizar o interesse público, como parte;
Enquanto os segundos caracterizam-se pela missão de resolver conflitos entre as
partes, verificando os factos e ajustando-lhes imparcialmente o direito aplicável.

Na organização administrativa a estrutura fundamental é constituída pelos órgãos


e agentes que preparam, tomam e executam decisões formando o que muitos
autores denominam a administração activa. Mas a necessidade de ponderar bem
as decisões e nelas tornar em consideração aspectos técnicos imprescritíveis
para assistência dos órgãos activos implicam a envolvência de órgãos
consultivos, chamados para emitir opiniões, isto é, colaborar na fase reflexiva do
acto volitivo (segundo a vontade).

Na história da Administração Pública aconteceu, que por vezes, questões em que


se encontravam em causa problemas de legalidade ou de direitos individuais,
sobretudo em recurso hierárquico, fossem submetidos a um Órgão consultivo e
por este versadas segundo um procedimento contencioso. Em certa altura da
evolução esses órgãos, de consultivos, passaram a ser decisórios, e a resolver
essas questões com autoridade própria como se fossem tribunais.

13
Para melhor lucidez sobre os conceitos vide Sérgio Ferreiro, 2018, pp. 166-167.
14
São exemplos de garantias judiciais os Artigos 29º e 174º CRA, 9º al. c) LIAA e 10º NPAA.

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Não serão, porém, verdadeiros tribunais se neles não tiverem assento juízes
rodeados das garantias legais que assegurem a independência e imparcialidades
dos julgamentos.

Na administração contemporânea existem em muitos países órgãos vinculados a


serviços administrativos com a função de conhecer e julgar as questões
controvertidas suscitadas pelos administrados, resolvendo assim, no próprio seio
desses serviços e mediante processo contencioso, um grande número de casos
de que ficam libertos os tribunais.

Na medida em que sejam órgãos de competência especializada ligados a


determinados serviços e cujos titulares não gozam do estatuto judicial, esses
órgãos são administrativos, embora com competência jurisdicional.

Mas também há países onde, a par dos tribunais ordinários de competência


comum, existem, integrados ou não no poder judicial, tribunais com todas as
garantias próprias da função exercida, dotados de competência para conhecer e
julgar, em geral, as questões surgidas da actividade administrativa e que devam
ser resolvidas à luz das normas do Direito Administrativo.

A compreensão desta situação exige uma exposição mais larga dos sistemas de
relações entre a administração e a justiça.

Para Pitra Neto (1999) as garantias contenciosas são consideradas as mais


idóneas.

3.3- Caso Prático

Victor Almeida, proprietário de uma residência no bairro Golfe 2, tomou


conhecimento por intermédio de seus vizinhos que a sua residência de 3 quartos,
sala, 2 WC e cozinha, que ocupa uma área de 25/15 metros, será destruída para
a implantação de um Posto Médico privado, sob às ordens da Administração
Comunal; notícia que o abalou por não ter sido notificado e ouvido pela autoridade
administrativa da comuna.

Insatisfeito, endereçou uma carta ao Administrador Comunal, posteriormente, não


tendo sido respondido, endereçou ainda ao Administrador Municipal, a fim de
impedir o Acto Administrativo (demolição do imóvel).

Enquanto aguardava o deferimento daquela autoridade pública, Joana Antunes,


esposa de Victor, aconselhou-o a dirigir uma reclamação à Assembleia Nacional,
tendo este materializado o conselho da esposa.

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Perante o quadro descrito, resolve o seguinte:

a) Analíse o caso no âmbito do fim da Administração Pública que é a


prossecussão do interesse público, tendo em conta que o Centro Médico é
propriedade privada. Haverá razão para a demolição da residência de
Victor?

b) As demarches feitas por Victor, mediante cartas endereçadas como pode


ser entendida de acordo com Pitra Neto, no âmbito das garantias
graciosas?

c) Como se designa a carta escrita por Victor ao Administrador Comunal?

d) Como se designa a carta endereçada ao Administrador Municipal?

e) Qual será a solução da Assembleia Nacional tendo em conta a eficácia da


garantia dispoletada por Victor? Porquê?

f) Houve razão para que Victor dirigisse as cartas às entidades supracitadas?


Fundamenta.

g) Qual será o passo seguinte a ser seguido por Victor caso a sua pretensão
não seja satisfeita?

h) Havendo necessidade de interposição do recurso contencioso, que


pressupostos os meios graciosos deverão reunir para que a pretensão se
julgue procedente naquela instância?

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PARTE II
CAPÍTULO IV
GARANTIAS JURISDICIONAIS OU JUDICIAIS

4.1- Garantias Jurisdicionais ou Judiciais

As garantias judiciais segundo Marcello Caetano (op. cit p. 423) são todas as
garantias proporcionadas pelo acesso dos interessados a tribunais constituídos
por juízes de carreira, gozando das imunidades da magistratura, quer esses
tribunais façam parte do poder judiciário ou não, quer sejam comuns ou especiais.
Tal afirmação encontra respaldo nos termos do Artigo 15º da LIAA.

4.1.1- Requisitos Indispensáveis

A teoria das garantias judiciais da legalidade e dos direitos dos administrados à


luz do direito comparado apresenta três problemas: de garantir a legalidade ou
direitos individuais postos em causa pela actividade administrativa. Como se
pede. E que é que pode pôr os tribunais em movimento.

a) O Pedido

Os pedidos são feitos aos tribunais, especificamente de três formas para o fim
indicado: pede-se anulação de um regulamento, de um acto, de um contrato
administrativo, ou de indeminização de um dano causado pela actividade da
administração, ou uma ordem a expedir acerca da autoridade para que se faça ou
deixe de fazer alguma coisa, nos termos da lei.

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1º Pedido de Anulação

O primeiro tipo de pedido é o de anulação de um regulamento, de um acto ou de


um contrato administrativo, ou melhor, de um acto jurídico da administração. Só
os actos jurídicos são susceptíveis de anulação, nos termos do número 2 do
Artigo 11º da LIAA. O pedido de anulação tem de se fundar entre o acto e a
norma que nele deveria ter sido aplicada ou com a qual deveria conformar-se.

O tribunal deve verificar se o acto é legal, para no caso, decidir sobre a


ilegalidade, declarando por sentença, a lei comina sanções para ela, e diz que
actos ilegais são nulos ou amutáveis. Decretada por sentença a anulação de um
acto, cumpre aos Órgãos competentes da administração executá-la.

2º Pedido de Indeminização

Pode, também, o cidadão pedir a um tribunal que lhe seja pago indeminização
pelos danos sofridos em consequência da actividade da Administração. Esta
actividade15 tanto pode traduzir em actos jurídicos, como em factos, voluntários ou
não.

A indeminização visa atender os prejuízos causados ao património, ao bom nome


e reputação de outrem em consequência da ofensa ou sacrifício dos seus direitos
subjectivos por actos jurídicos ou factos da administração. Esses prejuízos ou
danos têm de ser especiais e anormais. Quer isto dizer que os prejuízos não
devem recair sobre a generalidade dos indivíduos, mas sobre algum ou alguns –
prejuízo especial.

E não deve resultar dos riscos normais da vida em colectividade, tem de revestir
carácter anormal.

A administração pública só tem o dever de indemnizar quando em consequência


da sua actividade se produzam na esfera jurídica das pessoas danos ou prejuízos
que não sejam impostos genericamente como contribuição para segurança ou
bem estar social e que excedam os riscos normais razoavelmente previsíveis de
qualquer actividade colectiva.

3º A Expedição de Uma Ordem Mandato Judicial

15
Art. 7º da LIAA

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A expedição de uma ordem ou mandato judicial é o terceiro tipo de pedido que


pode ser formulado a um tribunal para obter especificamente a garantia da
legalidade ou de direitos individuais.

Nos sistemas de judicialismo perfeito os tribunais podem, no decurso da


actividade administrativa, intervir nela a requerimento dos interessados expedindo
ordens aos Órgãos da Administração.

Essa faculdade judiciária provinha dos tribunais da Grã-Bretanha desde o século


XVIII, passando a integrar na sua constituição os antigos remédios da
prerrogativa, os writs substituídos pelo habeas corpus, que subsiste ainda nos
EUA (writs).

O habeas corpus consiste num mandato que ordena a autoridade administrativa a


apresentação ao juiz de uma pessoa privada da sua liberdade de locomoção para
que sejam apreciados os motivos da sua detenção e encarceramento e, no caso
de prisão ilegal, se ordenar a libertação.
b) O Processo

O processo desencadeado no tribunal pelo pedido reveste a forma de acção,


ordinária ou sumária, segundo um rito de procedimento comum ou especial para
as questões administrativas, podendo distinguir-se em particular o recurso
interposto de um acto de autoridade e a impetração de mandato. Nesta matéria
tem muita importância o incidente da suspensão do acto executório.

c) Os Autores

Os autores concorrentes têm que ser legítimos, têm de ser titulares de direito
subjectivo que tenha sofrido alguma ofensa ou facto da Administração; O de titular
de interesse legítimo na obtenção de uma sentença favorável, e ainda os casos
de acção popular em que qualquer pessoa do povo, obedecendo as qualificações
legais, pode movimentar a justiça e da acção pública exercida oficiosamente por
Órgãos da administração ou pelo Ministério Público.

41
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CAPITULO V
RECURSO ADMINISTRATIVO E CONTENCIOSO

5.1- O Recurso (Noção)

O recurso é, classicamente, a apelação de um órgão inferior para outro que,


sendo seu superior, pode anular, revogar, reformar a decisão dele.

5.1.1- Classificação

Em Direito Contencioso Administrativo ou justiça administrativa, a interposição do


recurso é efectuada de 2 diferentes modos: 1- O recurso administrativo que é
também designado por recurso hierárquico e; 2-O recurso contencioso, Judicial
ou Jurisdicional.

A) Recurso Hierárquico

De acordo com o Artigo 108º do Decreto-Lei 16-A/95, de 15 de Dezembro (NPAA)


podem ser objecto de recurso hierárquico todos os Actos Administrativos
praticados por órgãos sujeitos aos poderes hierárquicos de outros órgãos.

Segundo o professor Marcello Caetano (2010, p.394 ss) praticado um acto


administrativo por um agente que tenha posição subalterna numa hierarquia,
faculta a lei, por princípio, que o interessado discordante do acto recorra ao
superior hierárquico do seu autor: é o que se chama recurso hierárquico.

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Para o autor, a hierárquia é a relação funcional entre dois agentes da


Administração em que um esteja subordinado ao outro, pertencendo a este – o
superior – os poderes de direcção, de inspecção, de superintendência e
disciplinar e, ao primeiro subalterno, o dever correlativo de obediência.

No poder de superintendência inclui-se a faculdade que o superior tem de,


oficiosamente ou a requerimento dos interessados, revogar, suspender, converter
ou reformar o acto do subalterno, e também, de o retificar.

De modo que, apela o interessado que não se conforme com o acto praticado por
um subalterno para o superior hierárquico deste, compete à autoridade ad quem
examinar o recurso e decidí-lo16, mantendo o acto recorrido ou revogando-o,
suspendendo-o, convertendo-o ou reformando-o, nos termos da teoria do acto
administrativo.

O recurso hierárquico é o meio de impugnação de um acto administrativo


praticado por um órgão ou pessoa subalterna, perante o respectivo superior
hierárquico, a fim de obter a revogação ou a substituição do acto reccorrido.

Elementos que compõem o Recurso Hierárquico

O recurso hierárquico é composto por três elementos fundamentais (estrutura


tripartida), nomeadamente:

1- O recorrente que é nada mais, o cidadão ou o particular que interpõe o


recurso;

2- O recorrido que é o órgão subalterno em que a sua acção é recorrida.


Pode-se também chamar de órgão a quo;

3- A autoridade que neste caso é órgão superior do que praticou o acto para
quem se recorre. A este órgão se pode também chamar de órgão ad quem.

A.1) Classificação Recursos Hierárquicos

Quanto a natureza dos fundamentos com que se pode impugnar, os recursos


hierárquicos podem ser de legalidade, de mérito ou misto.

Os recursos hierárquicos de legalidade tem a ver com a existência de um ou mais


vícios no acto administrativo que possam ferir os direitos, interesses ou liberdade
dos particulares; Os recursos hierárquicos de mérito estão relacionados com a
inconveniência do actos administrativos; Os recursos hierárquicos mistos são
16
A matéria respeitante aos recursos administrativos ou hierárquicos vem regulada dos Artigos
108º a 119º do Decreto-Lei nº 16-A/95, de 15 de Dezembro (NPAA).

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aqueles que comportam vícios e inconveniência dos actos administrativos na


esfera jurídica dos particulares17.

Quanto ao posicionamento do órgão com que se pode impugnar, os recursos


hierárquicos se classificam em necessários e facultativos, próprios e impróprios

Na doutrina, os recursos hierárquicos classificam-se em necessários e facultativos


e em próprio e impróprios. Segundo as NPAA a classificação dos recursos vem
consagrada nos Artigos 109º, 118º e 119º, que vai em conformidade com a
doutrina.

A.1.1- Recursos Necessários e Facultativos

Segundo o número 1 do Artigo 109º do Decreto-Lei nº 16-A/95, de 15 de


Dezembro (NPAA) o recurso é necessário ou facultativo, consoante o acto a
impugnar seja ou não insusceptível de recurso contencioso.

Recursos Necessários

De acordo com Marcello Caetano (op.cit. p. 395 ss) se a lei determina que só
depois de esgotados os recursos administrativos se obtenham um acto definitivo
do qual se pode recorrer aos tribunais, esses recursos são necessários.

Acontece isso, sobretudo, naquelas legislações em que se mencionem


taxativamente as autoridades cujos actos são susceptíveis de impugnação nos
tribunais. Dizendo a lei que em cada Ministério é impugnável, se houver uma
decisão tomada, por um subalterno em certo Ministério é forçoso seguir a via do
recurso hierárquico, até conseguir obter do Ministério o acto definitivo que, caso
continue a ser contrário às pretensões do interessado, servirá de base à
discussão contenciosa.

Aqui há primeiro que cumprir vastamente os meios administrativos nos prazos


legais para ver aberto o caminho dos tribunais.

Recursos Facultativos

Se, porém o acto do subalterno for desde logo definitivo e executivo e o recurso
hierárquico não tiver por lei efeito suspensivo, então o interessado pode escolher
entre o apelo imediato ao tribunal competente e uma tentativa de obter a
reparação do dano que alega mediante o recurso hierárquico que, nesse caso, se
dirá facultativa.

17
Vide Sérgio Ferreira (2018, p. 169-170).

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Como este recurso não interrompe nem suspende o prazo para pleitear (litigar,
contestar) judicialmente, ele terá de ser interposto e resolvido antes de findo o
prazo.

Estes recursos hierárquicos facultativos, podem não ter também efeito devolutivo,
quando o superior para quem se recorreu não possua competência para decidir,
mas apenas para dar uma ordem ao subalterno no sentido de que revogue ou
reforme a decisão recorrida.

A.1.2- Recursos Hierárquicos Próprios e Impróprios

O Artigo 118º do Decreto-Lei nº 16-A/95, de 15 de Dezembro (NPAA) regula


sobre o recurso hierárquico impróprio, que se traduz na interposição do recurso
para um órgão que exerça poder de supervisão sobre outro órgão da mesma
pessoa colectiva, fora do âmbito da hierárquia administrativa.

Segundo Marcello Caetano, a origem desses recursos vem da Itália, onde é


tradicional a admissão do recurso extraordinário ao rei, hoje ao Presidente da
República.

Recursos Próprios

Haverá recurso hierárquico próprio nos casos em que ele seja consequência da
existência da hierárquia, aproveitando o jogo natural das relações de
subordinação dos agentes subalternos aos seus superiores.

Recursos Impróprios

Mas na legislação de todos os Países, ao mesmo tempo que se operou a


descentralização administrativa pela criação de autarquias institucionais ou de
outras entidades autónomas, estabeleceram-se processos de controle da gestão
dos respectivos serviços por certas autoridades - Rei, Presidente da República,
Ministros, Governadores, Secretários de Estado…

Em rigor, tais recursos, somente possíveis nos casos em que as leis


expressamente os permitam, não são hierárquicos, visto que como vimos, onde
há autonomia cessa a hierárquia, mas em sentido geral as autoridades
controladoras que chefiam hierárquias administrativas gozam de um estatuto de
superioridade, quanto mais não seja através da supervisão de todos os serviços e
das entidades compreendidas no âmbito da sua jurisdição.

É daí, que se chame aos recursos que as leis em casos especiais expressamente
permitem necessários ou facultativos dos actos das entidades descentralizadas

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para as autoridades supervisoras, recursos hierárquicos impróprios. Eles não


resultam do jogo normal de uma hierarquia, não são propriamente hierárquicos e
apenas apresentam semelhanças com os que são.

A.2- Prazos para Reclamação, Recurso e para Decisão

Em Angola, segundo o número 1 do Artigo 13º da Lei 2/94, de 14 de Janeiro,


LIAA, o prazo por via de reclamação ou recurso hierárquico é de 30 dias.

O órgão competente tem 30 dias nos termos da lei para decidir sobre o acto
reclamado por força do disposto no Artigo 107º das NPAA.

A impugnação de um acto administrativo (reclamação e recursos administrativos


ou hierárquicos), por via da regra, obedece ao critério estabelecido nas alíneas a),
b) e c) do Artigo 100º do Decreto-Lei 16-A/95, de 15 de Dezembro (NPAA).

B) Recurso Contencioso ou Judicial

O recurso Contencioso de Anulação significa, um meio de impugnação exercido


através dos tribunais (contencioso), visando obter a anulação de um acto
administrativo. Caso o acto seja nulo a sentença será de declaração de nulidade
do acto.

Para Carlos Feijó o recurso contencioso de anulação é o meio de impugnação de


um acto administrativo competente, a fim de obter a anulação ou declaração de
nulidade ou inexistência desse facto. É de anulação porque visa eliminar da
ordem jurídica um acto admnistrativo inválido conforme consagra o Artº 11º da lei
nº 2/94.

Segundo Marcello Caetano, nos países onde vigora o sistema administrativo, a


impugnação da ilegalidade de um acto da administração tem lugar, via de regra,
por interposição do recurso contencioso.

Nos países de sistema administrativo os órgãos da Administração possuem


prerrogativas de autoridade que lhes permitem praticar actos definitivos e por si
mesmos executórios. Esses órgãos dispõem do poder de interpretar e de aplicar
as leis que têm por missão executar e as suas decisões definitivas são
obrigatórias para os cidadãos e podem ser executadas coercivamente. Assim,
caberá aos interessados - digamos: aos administrados - quando não se
conformem com essas decisões, levar aos tribunais a discussão da legalidade
delas. Os actos administrativos gozam da presunção de legalidade: aos
particulares fica o ónus de ilidir essa presunção, provando que o acto é ilegal.

O acto definitivo e executório surge, assim, como semelhante nos seus efeitos à
sentença de um tribunal inferior. Houve uma autoridade que declarou o direito

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num caso concreto: do seu acto cabe recurso para o tribunal a que, por lei
compete revelar a legalidade desse acto.

O desenvolvimento e aperfeiçoamento do processo administrativo gracioso veio


reforçar essa aparência. O acto definitivo e executório encerra um procedimento
em que se seguiram vários trâmites, apurando factos ouvindo razões, coligindo
pareceres, de modo que o processo contencioso aparece como sequência desse
procedimento. As leis que regulam o recurso determinam que, interposto este,
logo o tribunal requisite à Administração os papeis respeitantes ao caso, que
possam a constituir em juízo o “processo instrutor”.

Se nascer de um facto, como pode suceder nas questões de indeminização ou de


Polícia, é preciso que o interessado comece por se dirigir à autoridade
administrativa competente a formular a sua pretensão. A autoridade tem prazo
legal para se pronunciar. Do Despacho dado, ou da omissão pelo silêncio, cabe
então, o recurso: o acto é sempre condição prévia deste (décision prealable).

Nalguns Países como a Espanha, a Alemanha e em certos casos a Argentina, é


mesmo necessário, para criar a situação contenciosa, que o agravado por um
acto administrativo comece por formular um pedido de reconsideração (ou
protesto) à autoridade que decidiu em definitivo (depois de esgotados já os meios
administrativos). Sem essa apresentação do problema, não há situação
contenciosa. A autoridade solicitada funciona nesse caso como primeira instância
de uma questão contestada e da sua decisão cabe recurso.

No recurso Contencioso Administrativo quem está em causa é o acto recorrido.

A Administração, representada pelo órgão que praticou originalmente o acto e


pelos seus superiores que o confirmam, não figura como ré, não defende os seus
direitos, apenas justifica a legalidade do acto. Teoricamente o interesse da
Administração é o mesmo que o tribunal: está interessada no cumprimento
preciso, inteligente, adequado, oportuno da lei. A administração, por isso, não é
condenada quando o recurso proceda: apenas é o seu acto que será anulado.

A situação é diversa quando o interessado pretenda obter uma indeminização por


danos sofridos, efectivando uma responsabilidade. E por isto há Países onde,
nesses casos, a via judicial a adoptar não é o recurso contencioso só é se a
acção ordinária ou uma acção especial adequada a conseguir uma sentença
condenatória da Administração.

Em suma podemos entender o Recurso Contencioso como a impugnação por


parte de uma pessoa a um órgão Jurisdicional (tribunal) quando esta não se
conforma com um acto administrativo emanado pelos órgãos da Administração
Pública, causando-lhe prejuízo na sua esfera jurídica, depois de esgotadas a
cadeia de hierárquia, no uso das garantias administrativas e judiciais consagradas

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no ordenamento jurídico do país. O Recurso Contencioso tem fundamento legal


nos Artigos 29º da CRA, 9º da LIAA e de outras normas em vigor.

B.1) Classificação

Segundo o professor José Carlos Vieira Andrade (2007, p. 438 ss) os recursos
jurisdicionais por não terem todos a mesma natureza, nem seguem um único
regime, doutrinalmente se classificam em função dos poderes do tribunal para o
qual é feito o recurso (tribunal ad quem), distinguindo-se os recursos em:
Substitutivos, por um lado, dos cassatórios ou rescindentes, por outro lado.

Recursos Substitutivos

Como o próprio nome indica, o tribunal ad quem, caso entenda dar provimento ao
recurso, vai substituir a decisão impugnada por aquela que entenda ser a
adequada. Quer dizer que tem em vista reexaminar.

Pode entender-se que o tribunal de recurso julga de novo o mérito da causa –


devendo, então, poder fazer um reexame da questão, isto é da relação jurídica
controvertida, eventualmente com base em novas provas e atendendo às
alterações de facto e de direito que tenham ocorrido até a decisão do recurso -,
como se limita a reponderar a decisão tomada, na exacta medida em que foi
impugnada.

Recursos Cassatórios

O tribunal ad quem, limita-se a verificar a legalidade da decisão recorrida e, em


caso de procedência, a cassá-la, isto é, a proceder à sua revogação ou rescisão,
remetendo depois o processo ao tribunal competente, em regra, ao tribunal a quo,
para nova decisão. Por outras palavras, este tem em vista reponderar.

B.2) Composição do Recurso

No entendimento de Carlos Feijó o recurso contencioso de anulação é composto


por quatro elementos:

1- Os Sujeitos

Os sujeitos são compostos por recorrentes ou recorridos. Dentro deste


encontramos o recorrido público – que é o órgão que praticou o acto e os
recorridos particulares a que a lei chama de contra - interessados em alguma
coisa contraria aquilo que o recorrente pretende (Artº 3º Dec. Lei nº 4-A/96,
também designado por lei do processo).

2- O Objecto

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O objecto é um acto administrativo, i.é um acto válido ou inválido (Artº 8º da Lei


do processo e do Art. 11º nº 2 da LIAA).

3- A Causa de Pedir

A causa de pedir consiste sempre na invalidade do acto administrativo (Artº 8º da


Lei do processo).

4- O Pedido

O pedido é sempre a anulação ou a declaração de nulidade ou de inexistência do


acto administrativo. Com isto significa dizer, que o recurso contencioso de
anulação é mera legalidade, pois o tribunal competente não pode senão confirmar
o acto anulável ou declará-lo nulo, ou inexistente (artº 8º da lei do processo).

B.3) Prazos para o Recurso Contencioso

Segundo a lei o prazo para interposição do recurso contencioso é de 60 dias


(Artigo 13º, número 2 da Lei 2/94, de 14 de Janeiro, LIAA).

B.4) Das Decisões Judiciais

Segundo José Carlos Vieira Andrade (op.cit. p. 433-438) as decisões judiciais se


dividem em 2 partes que são: Decisões judiciais que admitem recurso e decisões
judiciais que não admitem recurso.

a) Decisões Judiciais que Admitem Recurso

As decisões judiciais sujeitas a recurso são, desde logo, aquelas que, em primeiro
grau de jurisdição, tenham conhecido o mérito da causa – isto é as sentenças
finais e as decisões arbitrais, ou despachos saneadores que conheçam o fundo
da causa, incluindo as decisões que julguem da procedência ou improcedência de
excepções peremptórias nos termos do Artigo 691º do Código de Processo Civil.

Para além das decisões que conheçam do mérito da causa principal, estão
também sujeitas a recurso as que ponham termo a processo por razões formais e
várias outras enunciadas no Artigo 691º do CPC, nomeadamente as proferidas
em processos cautelares e as decisões interlocutórias que decidam questões
prévias ou outros incidentes processuais.

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b) Decisões Judiciais que Não Admitem Recurso

A lei estabelece, desde logo, uma delimitação negativa: não estão sujeitas a
recurso as decisões de mero expediente 18 ou proferidas no uso legal do poder
discricionário (artigo 679º do CPC).

Não estão também sujeitas a recurso as decisões de decretamento provisório de


providências cautelares para protecção de direitos, liberdades e garantias ou em
situações de especial urgência e as que decidam conflitos de atribuições entre
órgãos administrativos.

5.2- Efeitos dos Recursos

Os efeitos dos recursos do ponto de vista legal vêm consagrados no Artigo 112º
do Decreto-Lei nº 16-A/95, de 15 de Dezembro (Normas do Procedimento da
Actividade Administrativa), bem como no Artigo 93º do Decreto-Lei nº 4-A/96, de 5
de Abil (Regulamento do Processo Contencioso Administrativo).

Marcello Caetano considera, como qualquer outro recurso, em direito, a


interposição do recurso hierárquico pode produzir os dois efeitos, devolutivo e
suspensivo, ou só um deles, o devolutivo.

Chama-se efeito devolutivo à fixação da competência para decisão do caso


recorrido na autoridade para quem se recorre, cessando daí por diante a
possibilidade da autoridade recorrida se pronunciar mais sobre ele.

E o efeito suspensivo consiste em o acto tendencialmente executório deixar de o


ser, não podendo, portanto, à sombra do comando nele contido praticar-se
qualquer acto de execução.

A interposição do recurso hierárquico produz, em regra, efeito devolutivo. Mas só


quando a lei determine produzir efeito suspensivo; podendo, porém, o superior ad
quem suspender a executoriedade do acto recorrido ao receber o recurso, quando
entenda que a execução pode ser protelada e que convém examinar detidamente
o assunto.

Portanto, é sem dúvida, de que em qualquer ordem judiciária o superior


hierárquico que tiver o poder de revogar um facto, pode suspendê-lo.

Essa suspensão tem o mesmo valor que o efeito suspensivo produzido ope legis
pela interposição do recurso hierárquico e desde que não haja perigo de o acto
ser executado, não existe lesão de direitos e enfraquece a ameaça dela. A

18
De acordo com o nº 2 do artigo 679º do CPC nos despachos de mero expediente compreendem-
se os que se destinam regular, em harmonia com a lei, os termos do processo.

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afirmação do autor encontra respaldo legal nos termos do número 1 do Artigo


112º das NPAA.

CAPÍTULO VI
MEIOS PROCESSUAIS E ACESSÓRIOS

6.1- Processo ou Procedimento (Noção)

Há certa corrente doutrinária que defende a distinção de processo e procedimento


19
.

O processo traduz uma relação entre a pretensão formulada em juízo e a


contestação facultada aos demandados, provocando a sentença judicial. Ao
passo que o procedimento corresponderia a simples conceito formal, designando
a sucessão dos actos que, segundo uma ordem prestabelecida, encaminha para
a decisão final da autoridade.

O processo estaria, pois, ligado intimamente ao exercício da função judicial, a ele


podendo corresponder vários modos de procedimentos. A título de exemplo, o
CPC Brasileiro de 1973 consagra a distinção de processo e procedimento. Esta

19
Vide Marcello Caetano. op.cit. p. 405-420.

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descriminação conceptual e terminológica não passou do âmbito da lei processual


civil.

Dos países latinos e anglo-saxônios, só a Espanha adoptou, de há muito a


distinção processo judicial e procedimento administrativo, possuindo leis especiais
reguladoras deste, cuja orientação foi seguida por países de língua espanhola
como a Argentina e o Uruguai.

Em geral, designa-se pelo mesmo termo o processo judicial e o administrativo


gracioso: procedura em Itália; procédure em França; procedure na Grã-Bretanha
e nos EUA; processo em Portugal, cujo CPC não consagra o procedimento,
designando por “processos de jurisdição voluntária” os correspondentes ao
exercício da jurisdição graciosa dos juízes.

Por isso, ao se manter a terminologia clássica, distingue-se o processo em


contencioso e gracioso e admitindo que uma e outra forma possam ser judiciais e
administrativas.

Contudo, processo e procedimento têm, aliás, a mesma etimologia: vêm do grego


latino procedere, que significa andar para frente, avançar. O processo é o
caminho a percorrer para se atingir certa finalidade. Este caminho, na ordem
jurídica, está traçado na lei, a qual prescreve os vários passos a dar até ser
possível certo órgão praticar o acto jurídico desejado. Cada acto ou facto, ainda
que meramente ritual, exigido por lei para compôr o processo, chamamos por
formalidade, o que nos leva a dizer que no processo há uma serie de
formalidades que devem suceder umas às outras por uma ordem previamente
estabelecida.

Nos processos graciosos o Órgão que há de proferir a decisão não tem que
compôr interesses em conflito na qualidade de entidade imparcial. O seu papel é
o de realizar, reconhecer ou tutelar, mesmo oficiosamente, os interesses que por
lei ou segundo razões de equidade, de conveniência ou de oportunidade, devam
prevalecer. Em muitos casos age como interessado, noutros procede como
zelador do interesse público no meio dos interesses em jogo.

A jurisdição contenciosa visa fazer justiça; A jurisdição graciosa tem por objecto
realizar interesses. Quem decide no contencioso é o juiz; no gracioso, mesmo
quanto se trate de magistrado judicial, é administrador.

O processo administrativo gracioso pode ser da iniciativa da administração ou dos


particulares. Em qualquer das hipóteses pode haver diálogo entre o interessado e
Órgão administrativo com competência para decidir; em muitos casos abre-se o
procedimento a quantos estejam interessados ou possa vir a ser afectados pela
decisão ao tomar, facultando-se a discussão entre eles, segundo um rito

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semelhante ao contraditório. Não basta, porém, a instrução contraditória de um


processo para lhe dar carácter contencioso. O fundamental no processo
contencioso é a possibilidade de produzir caso julgado, a pôr termo a um conflito
de interesses.

De modo que muitos Órgãos administrativos que existem no seio dos serviços
para examinar queixas, reclamações, pedidos de reconsideração ou recursos
hierárquicos dos administrados, não presidem a processo contencioso, quando as
suas decisões não tenham natureza de sentença que, não sendo objecto de
recurso, ganhe força de coisa julgada.

Mesmo quando se chamem “tribunais administrativos” se estiverem integrados na


administração e as suas decisões não possam converter-se em coisa julgada, não
são Órgãos do contencioso administrativo.

O contencioso administrativo, segundo Marcello Caetano (op. cit. p.389) está,


doutrinalmente, ligado ao procedimento contencioso e a conclusão deste por
sentença.

6.1.1- Processo ou Procedimento Gracioso e Contencioso

A primeira aparição do processo gracioso no Direito Administrativo, situa-se na


visão tradicionalmente liberal desta disciplina jurídica.

A Autoridade Administrativa tem de agir dentro da legalidade, as suas decisões


impõem-se na medida em que se exprime a vontade da lei no caso concreto.
Mesmo ao exercer poderes discricionários, a autoridade administrativa tem de
tomar todas as precauções, para visar o fim que a lei teve em vista a dar-lhe
liberdade de apreciação e de opção, e para respeitar as formalidades legais.

O processo gracioso, surgiu como o conjunto das formalidades que a lei


prescreveu, para obrigar os órgãos administrativos a ponderar bem os interesses
que as suas decisões ponham em jogo e a legalidade do que vão fazer. E ao
mesmo tempo para permitir aos particulares que demonstrem os seus direitos ou
façam valer as suas razões. Essa decisão do legislador é bem pensada, com vista
acautelar os interesses legítimos, mediante a exigência de formalidades que
procedem o acto definitivo: anúncios, citações, prazos de reclamações,
informações, consultas, pareceres…

Com esses formalismos, não é de alimentar a lentidão dos métodos da


burocracia, como também não se deve condenar sumariamente os cuidados, as
cautelas, o formalismo com que a lei e a praxe mandam ter em conta os grandes
interesses públicos e privados, tantas vezes em risco nas decisões
administrativas.

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Por isso, surgiram nalguns países leis a disciplinar o processo administrativo


gracioso, emprestando-lhe coerência e dignidade. Foi o caso da Espanha, que
desde 1889 possui leis de procedimento administrativo; A Áustria que a partir da
jurisprudência do seu tribunal Administrativo Supremo sobre a anulação por vício
de forma, publicou em 1925 as célebres quatro leis sobre processo administrativo
gracioso, que influenciaram profundamente os países da Europa Central.

6.1.1.1- Classificação

Para Marcello Caetano (op. cit. pág. 413) os processos graciosos ou não
contenciosos classifica-se em 3 categorias: Os processos da iniciativa da própria
administração; Os processos da iniciativa dos Administrados; e, os processos de
reconsideração ou de recurso hierárquico.

1. Nos Processos da Iniciativa da própria Administração se pode distinguir


várias classes:

a) Processos para cumprimento de atribuições legais, como são os casos


típicos dos processos de lançamento de impostos, embora pertencente ao
foro do Direito Fiscal; ocupação de terrenos particulares, desapropriação,
etc.
b) Processos sancionadores – são os que têm por objecto a averiguação de
uma falta imputada a alguém a fim de se punir ou absolver o infractor,
como é o caso do processo disciplinar que se destina averiguar se um
funcionário violou ou não os deveres inerentes ao seu cargo.
c) Processos executivos – são os instaurados para dar cumprimento, por
meios coercivos se for necessário, a um acto administrativo definitivo e
executório.

2. Os Processos da Iniciativa dos Administrados ou dos Interessados, que


iniciam por virtude da petição ou do requerimento de alguém que pretende obter a
decisão da Administração sobre a matéria do seu pedido. Existem
numerosíssimos processos nesta categoria, como a admissão às prestações de
um serviço público, dispensa ou isenção do cumprimento de uma obrigação,
permissão para praticar actos ou exercer actividades condicionadas por lei,
licença, autorização, aprovação, concessão, etc.

3. Os Processos de Reconsideração ou de Recurso Hierárquico, que


também se pode chamar de autocontrole, que são sobretudo:

a) o processo de reclamação para reconsideração, que o interessado faz à


pessoa que praticou o acto considerado lesivo dos direitos ou interesse do
reclamante para que revogue esse acto;

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b) o processo de recurso hierárquico, que é o pedido formulado pelo


interessado à uma autoridade ao superior hierárquico desta autoridade, para que
revogue, altere ou substitua o acto recorrido.

6.1.1.1.1- Meios Administrativos de Garantia

Segundo Pitra Neto em Angola de acordo com o Artigo 9º da Lei nº 2/94, Lei da
Impugnação dos Actos Administrativos os meios administrativos são: a
reclamação e o recurso hierárquico.

Para Marcello Caetano os meios administrativos de garantia são a reclamação, o


recurso hierárquico, a tutela administrativa e o controle da legalidade de despesas
pelo tribunal de contas.

a) Reclamação e Pedido de Reconsideração

Para o autor o primeiro meio administrativo de garantia da legalidade ou dos


direitos dos administrados resulta do direito reconhecido aos cidadãos em todas
as suas constituições de requerer, representar ou reclamar perante as
autoridades públicas, exercendo o chamado direito de petição (embora sendo
garantia política, só se transforma em garantia jurídica quando o seu exercício
seja regulado por lei, de modo a tornar obrigatória a decisão pelo destinatário da
petição apresentada).

Nalguns Países a petição que a lei permite aos cidadãos que apresentam à
autoridade autora do acto por eles reputado injusto, inconveniente ou ilegal,
denomina-se reclamação. No Brasil tendo em conta o seu objecto pode ser
designado: pedido de reconsideração, quando a tal seja destinada.

O interessado expõe a autoridade autora do acto impugnado as razões por que


não se conforma com a decisão tomada ou com o procedimento adoptado,
solicitando-lhe que, em presença dessas razões de facto ou de direito,
reconsidere. No direito eclesiástico se exprimia pela fórmula de “apelar de Roma
mal informada para Roma melhor informada”, que significa que o Papa podia ter
tomado uma decisão sobre fundamentos insuficientes ou errados, mas que, uma
vez esclarecido mudaria de atitude.

O objecto do pedido pode ser a revogação, a reforma, ou a reconversão do acto


reclamado.

O pedido de reconsideração, pode fundamentar-se na ilegalidade do acto


praticado ou na sua injustiça ou inconveniência.

A reclamação pode também ser apresentada em caso de ameaça de lesão


pessoal ou patrimonial. Visa nesse caso prevenir ou evitar que a lesão se
concretize mediante o temido acto administrativo ou alguma operação material.

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Nessa hipótese não há pedido de reconsideração, porque o acto ainda não foi
praticado. Pede-se que sejam ponderados devidamente os interesses ameaçados
antes de ser tomada qualquer decisão.

b) Recurso Hierárquico

O recurso hierárquico é a impugnação pelo interessado discordante do acto


praticado por um agente que tenha posição subalterna numa hierárquia ao
superior deste, com a finalidade de revogação, reforma ou converção do acto
reclamado.

c) Tutela Administrativa

A tutela Administrativa é um instituto que na doutrina europeia e em muitas


legislações é conhecida pelo próprio nome (tutela administrativa), com o
inconveniente de sugerir a identidade com o Direito Civil: esta é a forma de suprir
a incapacidade dos menores e as entidades administrativas sujeitas à tutela que
são incapazes.

No Chile, no Uruguai e noutros países sul-americanos, usa-se a designação de


contralor que abrange todas as formas de fiscalização da legalidade e da
regularidade da actividade da Administração, seja exercida por órgãos
legislativos, executivos ou judiciais e incluindo a do tribunal de contas, embora no
Chile exista a Contraloria General de La República. A tutela corresponde apenas
a um aspecto, que poderia chamar o do controle administrativo ou tutelar, desta
fiscalização.

No Brasil a palavra tutela não figura. Aparece em forma de uma supervisão


ministerial.

A tutela administrativa só tem lugar nas relações entre duas pessoas jurídicas
diferentes autónomas. Os poderes tutelares ou de supervisão tutelar substituem
os poderes hierárquicos onde não há, nem pode existir, hierárquias.

Na verdade, acentua-se que a autonomia e hierárquia são termos antónimos.


Enquanto a hierarquia pressupõe a subordinação de uns órgãos a outros, a
autonomia quer dizer competência do órgão para decidir sem receber ordens nem
ficar dependente de qualquer outro órgão, visando-se apenas pela lei e pelo seu
próprio critério de boa administração.

A tutela administrativa é um meio que a lei institui formas de correcção,


fiscalização e coordenação das entidades autónomas por outras entidades.

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Segundo Carlos Maria Feijó20 a tutela administrativa é o conjunto de poderes de


intervenção de uma pessoa colectiva pública na gestão de outra pessoa colectiva,
a fim de assegurar a legalidade ou mérito da sua actuação.

No contexto das figuras afins, a tutela administrativa não se confunde com a


hierárquia, pois a hierárquia ocorre dentro da pessoa colectiva pública, enquanto
que na tutela a relação assenta em pessoas colectivas diferentes; Ela também
não se confunde com o controlo jurisdicional, porque a tutela é exercida por
órgãos administrativos; A tutela não se confunde ainda com os controlos
internos, tais como a sujeição, a autorização ou aprovação por órgãos da mesma
pessoa colectiva pública.

A tutela quanto ao seu fim classifica-se em tutela da legalidade, que controla a


legalidade das decisões das entidades tuteladas, isto é, se a decisão respeita ou
não a lei, e a tutela de mérito que é de se analisar se a decisão tomada é ou não
conveniente, oportuna ou não, correcta ou não, independentemente da
legalidade.

Modos do Exercício da Tutela

Segundo Marcello Caetano a supervisão tutelar pode ser exercida nos seguintes
modos:

a) Fornecimento pela entidade tutelar de documentos informativos da sua


actividade, periodicamente ou quando lhe seja exigido pelo órgão supervisor, de
modo a habilitar este a, formular o seu juízo no momento necessário;

b) Inspecção ou auditoria, determinada pelo órgão supervisor aos serviços ou à


gestão da entidade tutelar;

c) Exigência legal de autorização para que os órgãos da entidade tutelar possam


tomar decisões sobre determinadas matérias ou de aprovação para as decisões
tomadas passam a ser executórias;

d) Fixação pelo órgão supervisor de limites de despesas ou de critérios de


procedimentos;

e) Designação de representantes permanentes do órgão supervisor para fiscalizar


a acção dos órgãos da entidade tutelar, a fim de informarem ao órgão supervisor
de qualquer irregularidade notada, por vezes com a faculdade de suspender as
deliberações que reputem ilegais, inconvenientes ou inoportunas e de as
submeter à apreciação do órgão supervisor;

f) Intervenção do órgão supervisor na gestão da entidade tutelar, por motivo de


interesse público.
20
Dr. Carlos Maria Feijó. Direito Administrativo. II Ano. Luanda 2009. Págs. 86-87

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Quando o órgão supervisor nomeia, ou designa, todos os titulares do órgão de


uma entidade autónoma é preciso, que fique bem claro na lei que o órgão é
independente no exercício das funções, salvo naquilo em que estiver submetido à
tutela. De outro modo existirá subordinação hierárquica e não supervisão tutelar.

A supervisão deve, não só tomar em conta os aspectos da conveniência e da


oportunidade da gestão, como velar pela legalidade dos actos em que se traduza.

Em resumo, a supervisão tutelar pode ser exercida sob a forma de inspecção e


informação, colaboração na prática de actos e contratos, orientação de gestão e
intervenção.

Destes modos de supervisionar a gestão de entidades autónomas uns são


preventivos ou a priori, isto é, têm por objecto evitar que se produzam condutas
ou actos ilegais, inconvenientes ou inoportunos; outros são repressivos ou a
posteriori, tendo por objecto punir e remediar a má gestão ocorrida.

Para Carlos Feijó a tutela administrativa pode ser exercida:

a) Pela tutela integrativa, que se traduz na faculdade de autorizar ou aprovar os


actos da entidade tutelada; Ela distingue-se em “a priori”, quando consiste em
autorizar a prática de actos, ou a “a posteriori”, quando consiste no poder de
aprovar os actos da entidade tutelada.

b) Pela tutela inspectiva, que consiste no poder de fiscalizar os órgãos, serviços,


documentos e contas da entidade tutelada.

c) Pela tutela sancionatória, consiste no poder de aplicar sanções por


irregularidade que tenham sido detectadas na entidade tutelada.

d) Pela tutela revogatória, que é o poder de revogar os actos administrativos


praticados pela entidade tutelada.

e) Pela tutela substitutiva, que é o poder da entidade tutelar da entidade tutelada,


praticando em vez dela e por conta dela os actos que forem legalmente devidos
(Carlos Feijó op. cit. pág. 88).

d) Controle da Legalidade das Despesas pelo Tribunal de Contas

Segundo Marcello Caetano na actuação dos Tribunais de Contas também se


podem encontrar meios de garantia da legalidade na Administração Pública.

Os Tribunais de Contas nasceram em todos os Países como órgãos


colaboradores dos poderes do Estado na fiscalização da gestão dos dinheiros
públicos.

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Nuns Países são considerados órgãos do poder executivo; noutros, acessórios


dos parlamentos, aos quais compete em última instância a decisão acerca da
administração financeira, como corolário das suas atribuições privativas quanto à
vontade dos tributos e á autorização anual da cobrança das receitas e da
efectivação das despesas fixadas no orçamento; noutros Países ainda, a sua
posição é entre os órgãos superiores do Estado, sem vinculação a nenhum dos
poderes, embora colaborando com todos.

Nunca, porém os Tribunais de Contas são incluídos no poder judiciário. As suas


funções principais são fiscalizar, a priori ou a posterior, a regularidade das
despesas públicas e perceber a prestação de contas dos responsáveis pela
arrecadação e gestão de dinheiros, de valores ou de bens de utilidades públicas,
ajuizando da regularidade dessas contas de modo a dar quitação (comprovativo)
quando verifiquem a sua certeza e legalidade. Em certos casos em que seja
contestada essa regularidade, a sua jurisdição pode transformar-se em
contenciosa.

6.1.2- Procedimento ou Processo Contencioso

O procedimento contencioso implica contenda, ou melhor, um conflito de


interesses. Esse conflito tem de ser resolvido perante quem esteja acima dele, por
um juiz imparcial. Todos os interessados têm de ser chamados a dizer as suas
razões. E a conclusão deve ser uma sentença com os carácteres do acto
jurisdicional – fruto da função atrás descrita.

Um procedimento, perante qualquer autoridade executiva (juiz ou administrador),


sem essas características, tem-se como um procedimento não contencioso ou
gracioso. São os casos em que não hajam conflitos de interesses, mas simples
pedido de amparo, protecção, homologação, realização de um direito ou interesse
legalmente protegido; ou em que apenas se vise acautelar a correcção de uma
decisão administrativa visando a um interesse público, sem molestar direitos ou
interesses privados; ou se prepare a produção de um acto administrativo.

Para Pitra Neto a anulação e declaração de nulidade dos actos administrativos, a


efectivação da responsabilidade (extra-contratual) da Administração enquadram-
se no conceito de contencioso administrativo.

6.1.2.1- Classificação

Segundo Pitra Neto os meios contenciosos como a lei diz são: O recurso e a
acção (lei n.º 2/94, de 14 de Janeiro, LIAA).

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No recurso o particular visa impugnar (atacar, contestar) uma decisão tomada


pela Administração, através de um acto administrativo (ou de regulamento).

Como acção o particular procura resolver um litígio sobre o qual a Administração


Pública não se pronunciou. Mediante um acto administrativo, vai procurar obter a
definição do direito aplicável a um caso concreto (processo declarativo). É o que
também se designa por contencioso administrativo por atribuição na última
hipótese e contencioso administrativo por natureza no primeiro caso.

6.1.2.1.1- Pressupostos Processuais para o Recurso Contencioso

Segundo Carlos Feijó (op.cit. p.74-80) os pressupostos processuais “são as


condições de interposição dos recursos”. Se faltarem as condições de
interposição o tribunal recusa o recurso.

Os pressupostos processuais são quatro, nomeadamente: A competência, a


recorribilidade das partes, a legitimidade das partes e a oportunidade do recurso.

1º A Competência do Tribunal

A competência do tribunal é o primeiro dos pressupostos processuais que deve


ser verificado. A nossa lei do processo considera, apenas, a competência material
(artº 19) como de ordem pública e de conhecimento oficioso.

Em caso que fôr declarada incompetência do tribunal em razão da matéria e da


hierárquia (artº 20º), pode a parte vir requerer a remessa dos autos ao tribunal
competente, antes do trânsito em julgado da decisão. A competência material
vem regulada na Lei nº 2/94 nos arts. 15º a 19º.

Em razão da matéria e da hierárquia cabe ao Tribunal Administrativo:

À Sala do Civel e Administrativo.

a) Conhecer dos recursos dos actos administrativos dos órgãos locais do


poder do Estado, abaixo do Governador Provincial, das pessoas colectivas
de direito público e das empresas gestoras de serviços públicos de âmbito
local;

b) Conhecer das acções derivadas de contratos de natureza administrativa,


celebrados pelos órgãos referidos;

c) Conhecer de outros recursos e acções que lhe sejam cometidos por lei.

À Câmara do Civel e Administrativo.

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a) Conhecer dos recursos dos actos administrativos dos membros do


governo, dos governadores e das pessoas colectivas de direito público de
âmbito nacional;
b) Conhecer das acções derivadas de contratos de natureza administrativa,
celebrados pelos órgãos referidos;

c) Conhecer dos outros recursos e acções que lhe sejam cometidos por lei.

Ao Plenário do Tribunal Supremo.

a) Conhecer dos recursos dos acordãos proferidos pela câmara do civel e


administrativo em 1ª instância;

b) Conhecer dos actos administrativos do presidente da República, da


Assembleia Nacional, do Governo, do Chefe do Governo e do Presidente
do Tribunal Supremo.

Estas são as regras de competência material.

Quanto a competência territorial, a lei não estabeleceu regras; pois, conforme o nº


2 do artº 1º da lei do processo, “são aplicáveis as disposições relativas ao
funcionamento da administração pública e supletivamente as normas do processo
civil”.

2º A Recorribilidade das Partes

Nos termos do artº 6º da Lei nº 2/94, apenas os actos administrativos de carácter


definitivo e executório podem ser impugnados.

Não são por isso recorríveis:

 Os actos que não sejam administrativos;


 Os actos administrativos internos;
 Os actos administrativos não definitivos;
 Os actos administrativos não executórios.

Não são, também, recorriveis nos termos do artº 8º, da Lei nº 2/94:

 Actos administrativos que sejam a confirmação de outros;


 Actos administrativos proferidos em processos de natureza disciplinar,
laboral, fiscal ou aduaneira ou de natureza civel que estejam afectos à
jurisdição própria;
 Os actos de natureza política, considerando-se esta, nos termos da lei
os praticados no exercício da função política do Estado.

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3º Legitimidade das Partes

É este o pressuposto que admite a selecção dos sujeitos de direito admitidos a


participar em cada processo levado a tribunal.

Legitimidade dos recorrentes: os interessados. As pessoas com legitimidade para


demandar vêm consagradas no Artigo 3º Dec. Lei nº 4-A/96, lei do processo, nas
suas alíneas a), b), c) e d).

Da referida disposição se infere que podem recorrer: os interessados e o


Ministério Público.

A lei admite, igualmente, a coligação de demandantes desde que o tribunal


competente seja o mesmo em razão da hierárquia e do território.

Legitimidade dos recorridos: Nos termos do Artigo 4º da mesma lei tem


legitimidade para ser demandado as pessoas consagradas nas alíneas a), b), c) e
d).

Ainda assim, nos termos do Artigo 7º da mesma lei podem intervir nos autos como
demandante ou demandado quem demosntra ter interesse idêntico á parte com a
qual pretende coligar-se.

4º Oportunidade de Recurso

A regra geral é que o recurso deve ser interposto dentro de um prazo. O prazo
legal para o recurso contencioso é de sessenta dias a contar da data da
notificação da decisão que recair sobre a reclamação ou o recurso hierárquico.

6.1.2.1.2- Seguimento Processual ou Marcha do Processo Contencioso

O processo contencioso obedece quatro passos:

1ª Fase: Petição

É a fase em que o recorrente interpõe o recurso junto do tribunal competente. Os


elementos que a petição deve conter, vêm consagrados no artº 41º da lei do
processo.

2ª Fase: Resposta e Contestação

É a fase em que tanto a autoridade recorrida como os contra- interessados, se os


houver, são ouvidos acerca da petição apresentada pelo recorrente (artº 47º, 49º
e 50º da Lei do processo).

3ª Fase: Alegações

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É a fase em que os vários sujeitos processuais, uma vez delimitadas as posições


da Administração e a dos particuares, desenvolvem as razões de facto e de
direito que julgam assistir-lhes (artº 53º da Lei do processo).

4ª Fase: Vista Final do Ministério Público e do Julgamento

É a fase do processo em que se decida a favor do recorrente ou contra ele.


Apressentadas as alegações ou findo o respectivo prazo, vão os autos com vista
ao Ministério Público (Artº 54º da Lei do processo).

O prazo para a sentença é de trinta dias no Tribunal Provincial; no Plenário e na


Câmara Civel e do Administrativo o prazo para vistas é de 15 dias e o acordão
deve ser proferido no prazo de 30 dias (Carlos Feijó 1999, p. 74 ss.).

6.1.2.2- Meios Processuais Acessórios

Para Carlos Feijó e Lazarino Poulson os meios processuais acessórios são os


mecanismos auxiliares ou complementares dos meios principais.

6.1.2.2.1- Classificação

Os Meios Processuais Acessórios se classificam em: Meios processuais


acessórios auxiliares e meios processuais acessórios complementares.

A) Meios Processuais Acessórios Auxilares

Nos meios processuais acessórios auxilares podemos encontrar:

a) A suspensão da eficácia dos actos administrativos, nos termos dos Artigos


60º e ss. do CPA (Dec. Lei nº 4-A/96, de 5 de Abril) e nos termos da
LSEAA (Lei nº 8/96, de 19 de Abril);

b) Os meios cautelares de processo civil que, com as devidas adaptações,


possam ser aplicáveis no Contencioso Administrativo, nos termos do nº 2
do artº 1º CPA.

B) Meios Processuais Acessórios Complementares

Segundo o nosso ordenamento jurídico os meios processuais acessórios


complementares são: A Execução e a Acção.

a) A Execução do caso julgado, pode ser: contra o Estado (Art. 106º CPA) ou
contra os particulares (Art. 92º NPAA).

b) A Acção Executiva – se traduz nas sentenças ou acordãos proferidos em


processo de recurso contencioso de anulação de Actos Administrativos ou Acções

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derivadas de Contratos Administrativos, bem como de acções sobre


responsabilidade civil da Administração.

6.1.2.2.2- Constituição

Constituem os Meios Processuais Acessórios a Tutela Jurisdicional Efectiva e os


Procedimentos Cautelares.

1- A Tutela Jurisdicional Efectiva

A Tutela Jurisdicional Efectiva é um dos institutos que confere protecção


jurisdicional sem lacunas, ela permite alargar o leque de meios processuais
cautelares, i.e, não é necessário que estes estejam previstos nas leis
administrativas, nem que não estejam especificados (Artigo 1º nº 2 do CPA).
Significa dizer que os procedimentos cautelares previstos na lei processual civil
podem ser aplicados ao processo administrativo, com as necessárias adaptações.

Contudo, os procedimentos cautelares especificados e não especificados podem


ser aplicados no processo do Contencioso Administrativo, ou seja, estes meios
processuais acessórios também fazem parte da Justiça Administrativa (Carlos
Feijó e Lazarino Poulson op.cit. p.73-141).

Para Gomes Canotilho citado por Vieira Andrade a Tutela Jurisdicional Efectiva é
o direito de acesso ao direito e aos tribunais, depois, o direito a obter uma decisão
judicial em prazo razoável e mediante processo equitativo, por fim o direito a
efectividade da sentença proferida. Ela vem consagrada no Art. 29º nº 1, 4 e 5 e
no Art. 177º nº 1 e 2 da CRA e ainda assim no CPC.

No que respeita as relações jurídicas administrativas, a garantia do Art. 177º põe


especiais exigências, porque está normalmente em causa uma relação entre um
particular e uma entidade dotada de um poder público, uma circunstância que
ganha relevo, sobretudo quando se trata de executar uma sentença desfavorável
a uma autoridade administrativa. O direito à proteção judicial é ainda reforçado,
ao nível constitucional por determinar a obrigatoriedade das sentenças para todas
as autoridades e disposição de legislação que garanta a sua execução efectiva.

O Artigo 29º da CRA garante, em geral, aos cidadãos o direito de acesso ao


direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente
protegidos, bem como os direitos à informação e consulta jurídica e, ao patrocínio
judiciário. Estes direitos podem ser agregados num direito geral à protecção
jurídica, que constitui um direito – garantia dos cidadãos. Nesse sentido
complexo, o direito a protecção jurídica integra o conjunto dos direitos, liberdades
e garantias e impõe a instituição legislativa e garantias processuais adequadas
(José Carlos Vieira de Andrade. 2007 pág. 159).

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2- Os Procedimentos Cautelares

Para carlos Feijó e Lazarino Poulson, são vários os procedimentos cautelares no


âmbito da Justiça Administrativa angolana, mas se pode distinguir em dois
grandes grupos:

a) Procedimentos Cautelares Especificados

Nos procedimentos cautelares especificados podemos encontrar o principal meio


processual do nosso contencioso administrativo – a suspensão da eficácia do
acto administrativo, meio este que está regulado pela Lei nº 8/96, de 19 de Abril
(LSEAA) e pelo CPA.

Existem outros procedimentos cautelares especificados que são típicos do


processo civil e são admissíveis no Contencioso Administrativo, por força do
Artigo 1º nº 2 do CPA. São fundamentalmente a produção da prova (artigo 520º
do CPC); apresentação de coisa ou documentos (1.476º do CPC) e a intimação
da Administração para facultar a consulta de documentos ou passagem de
certidões).

b) Procedimentos Cautelares Não Especificados

Nos procedimentos cautelares não especificados. É admissível no âmbito da


Justiça Administrativa que a Administração seja intimada para passar uma
certidão ou, simplesmente, permitir a consulta, por parte de um particular, de um
documento ou de um processo que esteja sob sua guarda e que não constitua
matéria classificada como segredo do Estado. Países há que adaptaram este
meio para a legislação adiministrativa.

BIBLIOGRAFIA

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14- Meirelles, Hely Lopes et. al. Direito Administrativo Brasileiro. Malheiros
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5- Normas de Procedimento da Actividade Administrativa. Decreto Lei nº 16-A/95,


de 15 de Dezembro.

6- Lei das Transgressões Administrativas. Lei nº 12/11, de 16 de Fevereiro.

7- Lei sobre os Princípios a Observar pela Administração Pública. Lei nº 17/90, de


20 de Outubro.

8- Lei Orgânica e do Processo do Tribunal de Contas. Lei nº 13/10, de 9 de Julho.

9- Lei sobre a Organização e Funcionamento dos Órgãos de Administração Local


do Estado. Lei nº 17/10, de 29 de Julho.

10- Regime de Constituição, Modificação e Extinção da Relação Jurídica de


Emprego na Administração Pública. Decreto nº 25/91, de 29 de Junho.

11- Regulamento do Processo Contencioso Administrativo. Lei nº 4-A/96, de 5 de


Abril.

12- Lei n.º 31 /22, de 30 de Agosto, Código de Procedimento Administrativo.

13- Lei n.º 33/22, de 1 de Setembro, Código de Procedimento do Contencioso


Administrativo.

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