You are on page 1of 13
ISSW2447-746X, ‘DOI: 10.20888/ridpher.v7i00.16026 Ridphe HISTORIA DA ESCOLA DE APLICACAO DA FEUSP (1976-1986): A CONTRIBUICAO DE JOSE MARIO PIRES AZANHA PARA A CULTURA ESCOLAR Nivia Gordo Universidade de So Paulo, Brasil E-mail: niviagordo@uol.com.br Carlota Boto Universidade de Sao Paulo, Brasil reisboto@usp.br RESUMO No periodo de 1976 a 1986 a Escola de Aplicagio (EA), vinculada a FEUSP, foi orientada por Tosé Mario Pires Azanha como objetivo de torn4-la uma escola comum, semelhanga da escola piiblica, Dada a relevancia da atuagio de Azanha no que se referiu a reorganizagao € a0 funcionamento da EA nos diversos aspectos de natureza téenico-administrativa e pedagogica e aos bons resultados alcangados na aprendizagem, sio propostos como objetivos deste relato: descrever a historia da EA no referido petiodo; 0 posicionamento de Azanha frente ao movimento de renovacio pedagégica nas décadas de 70 e 80; ¢ identificar aspectos da teoria e da pratica desenvolvidos na EA que possam ser vidveis na escola piblica deste estado, Palavras-chave: Escola de Aplicag3o, José Mario Pires Azanha. Renovagio pedagégica. HISTORIA DE LA ESCUELA DE APLICACION DE LA FEUSP (1976-1986). LA CONTRIBUCION DE JOSE MARIO PIRES AZANHA ALA CULTURA ESCOLAR RESUMI De 1976 a 1986, la Escuela de Aplicacién (EA), vinculada a la FEUSP, fue dirigida por José Mario Pires Azanha con el objetivo de convertirla en una escuela comin, similar a la escuela piblica, Dada Ja relevaneia del desempeio de Azanha en cuanto a la reorganizacion y funcionamiento de la EA en los diversos aspectos de cardcter téenico-administrativo y pedagégico y los buenos resultados logrados en el aprendizaje, se proponen los objetivos de este informe: describir: la historia de la EA en dicho periodo: La posicién de Azanha frente al movimiento de renovacién pedagégica de los aiios 70 y 80; ¢ identificar aspectos de la teoria y la prictica desarrollados en EE que puedan ser viables en las escuelas publicas de este estado. Palabras clave: Escuela de Aplicacién. José Mario Pires Azanha. Renovacion pedagégica. HISTORY OF THE SCHOOL OF APPLICATION AT FEUSP (1976-1986): JOSE MARIO PIRES AZANHA'S CONTRIBUTION TO SCHOOL CULTURE ABSTRACT From 1976 to 1986, the School of Application (EA), linked to FEUSP, was guided by José ‘Mario Pires Azanha with the aim of tuming it into a common school, similar to the public school. Given the relevance of Azanha’s performance with regard to the reorganization and 1 Rev, Iberoam, Patrim. Hist6rico-Educativo, Campinas (SP), v. 7, p. 1-13, €021024, 2021, ISSN 2447-746X ‘DOT: 10.20888/ridpher.v7i00.16026 Ridphe jz functioning of EE in the various aspects of a technical-administrative and pedagogical nature and the good results achieved in learning, the objectives of this report are proposed: to describe: the history of EE in said period; Azanha’s position in the face of the pedagogical renewal movement in the 70s and 80s; and identify aspects of theory and practice developed in EE that may be viable in public schools in this state Keywords: School of Application. José Mario Pires Azanha, Pedagogical renewal. HISTOIRE DE L'ECOLE D'APPLICATION DE LA FEUSP (1976-1986): CONTRIBUTION DE JOSE MARIO PIRES AZANHA A LA CULTURE SCOLAIRE RESUME. De 1976 i 1986, I'Eeole d'application (EA), liée la FEUSP, a été dirigée par José Mario Pires ‘Azanha dans le but d'en faire une école commune, similaire 4 lcole publique. Compte tenu de la pertinence des performances d’Azanha en ce qui conceme Ja réorganisation et le fonctionnement de I'EE dans les différents aspects dordre technico-administratif et pédagogique et les bons résultats obtenus en apprentissage, les objectifs de ce rapport sont proposés : décrire: histoire de IEE dans ladite période; la position d’Azanha face au mouvement de renouveau pédagogique des années 70 et 80; et identifier les aspects de la théorie et de la pratique développées en EE qui peuvent étre viables dans les écoles publiques de cet Etat ‘Mots-clés: Ecole d’application. José Mario Pires Azanha, Renouveau pédagogique. INTRODUGAO A paitir de 1972, a Faculdade de Educagdo assumiu a Escola de Demonstragio dando- Ihe, por sugestio de Azanha, a denominacao de Escola de Aplicacao a fim de afirmar o carter de uma escola comum, Assim, no periodo de 1976 a 1986, sob a orientagao de Azanha, foram feitas outras mudangas na area técnico-administrativa e pedagogica; no corpo discente e docente, conforme sto deseritas, a seguir. REGIMENTO E OBJETIVO: ALTERACOES FEITAS. Azanha afirmou o cariter comum da EA mediante 0s seguintes objetivos: proporcionar escolaridade em nivel de 1° grau, aplicar ¢ avaliar métodos educacionais previstos no Plano Escolar Anual; servir de campo de estudo a professores da Feusp e de estigio a seus alunos nas condigdes previstas no Plano Escolar Anual EA. Quanto as finalidades do ensino, Azanha apregoava “o desenvolvimento integral da personalidade humana e a sua participagio na obra do bem comum” (AZANHA, 1987, p. 83). Azanha, que jé participava da reforma do ensino na rede estadual, tomou esse dispositivo como referéncia para uma revistio da concepeao do ensino Histérico-Educativo, Campinas (SP), v. 7, p. 1-13, €021024, 2021. Rev. Iberoam. Patri ISSW2447-746X, ‘DOI: 10.20888/ridpher.v7i00.16026 Ridphe primario: Outra critica foi feita por ele a lei 4.024/1961 (artigo 1°) que propde como uma das finalidades do ensino o desenvolvimento integral do ensino (...) pretender, por exemplo, que num contexto urbano-industrial em elevado estigio de desenvolvimento, a escola priméria forme a personalidade integral do educando, nao é, de maneira alguma, valorizar-the as funedes. E antes uma colocacio ingénua e até certo ponto prejudicial porque, desconsiderando as reais possibilidades de aco da escola priméria, Ihe propde objetivos que, por inatingiveis, no propiciam ao processo educativo a orientacdo necessiia & stia organizagao e desenvolvimento. Além disso, Azanha (1987, p. 83) deixa clara sua concepeao de ensino que visa a formagao de criangas nas séries iniciais ‘Uma institui¢do que retém a crianca durante apenas algumas horas do dia quase sempre empobrecendo 0 seu ambiente, no pode, nem deve se propor & formagio que permitam @ ctianga, sob a orientagao do professor_ uma integragao de todas as suas experiéncias integral da personalidade dessa crianga porque essa é uma tarefa irrealizével nessas condicdes. Mas pode deve procurar exercer uma influéncia integradora das experiéncias que a crianga viva, dentro e fora da escola, com vistas a desenvolvimento (sic) harménico da personalidade do educando. Nao 8 possivel formar integralmente a crianga no espaco de vida que ela passa na escola, mas esse periodo pode ser o ponto de partida para o desenvolvimento de habitos atitudes. (AZANHA, (1987, p.83) CURRICULO E PROGRAMAS DE ENSINO: 1976-1977 ‘Na proposta curricular para o ensino de 1° grau, Azanha atendeu aos dispositivos da lei 5.692/197 eds demais determinagdes emanadas dos orgios responsiveis pela regulamentagao do ensino, mas enfatizou, sobretudo, as disciplinas: lingua portuguesa, inglesa e francesa; matemitica; artes (artes plisticas e industriais e arte nmusical); historia e geografia, atribuindo- Ihes a maior carga hordria possivel. Essa selegdo remonta 4 importancia atribuida a um ensino de formagio geral de cariter humanista que ndo enfatiza, portanto, os dispositives de “sondagem de aptiddes” ou de especializagao para o trabalho. A area de comunicagao ¢ expressao compreenden as linguagens (verbal e nao verbal), a saber: portugués, inglés e francés, ressaltando-se a lingua portuguesa como o meio por exceléncia da comunicagio e da integracZo nacional. Também foi reconhecida a importincia, como meio de expresso e comunicagio, das artes: fisica, plisticas, industriais, draméticas, literiias entre outras, além da educagio, Da mesma forma, também como consequéncia do curriculo adotado, ocorreu notavel mudanga na area dos recursos didaticos, principalmente nos livros da literatura infanto-juvenil: contos de bons autores, revistas, jomais do folelore brasileiro, As aulas de francés e de inglés foram enriquecidas por meio de clubes que Rev, Iberoam, Patrim. Hist6rico-Educativo, Campinas (SP), v. 7, p. 1-13, €021024, 2021, ISSW2447-746X, ‘DOI: 10.20888/ridpher.v7i00.16026 Ridphe @E funcionavam em horario extra e contribuiram muito para a ampliago da cultura geral dos alunos. Quanto @ matéria de Estudos Sociais, nas 5* e 6* séries, foram instituidas aulas de geografia e historia, como ja ocorria nas 7° e 8° séries. Nas 3°, 4*, 5* 6* séries a historia e a geografia passaram a ser tratadas como Area de estudo com a denominacao de “Estudos Sociais” e nas 7 e §* séries histéria e geografia foram tratadas como disciplinas de organizagio social e politica ~ cuja destinagio foi a do preparo para o exercicio da cidadania. A disciplina educagio moral e civica foi estabelecida para as classes de 1” a 4? séries. Matematica e cigneias fisicas ¢ biologicas visaram ao desenvolvimento de iniciativas, pesquisa e a criatividade no nivel de invengdes e de compreensio do meio proximo e remoto. As artes plisticas e industriais foram tratadas como area de estudo nas classes de 5* a 8 série com 0 objetivo de formagao especial voltada para a sondagem de aptiddes e iniciagao para © trabalho. O curriculo assim proposto decorreu da concepgao de Azanha de que “... num espago de apenas quatro horas didrias torna-se impraticavel levar a bom termo um processo edueativo de boa qualidade com um curriculo sobrecarregado de disciplinas.” (1987, p. 84). A verifieagio do rendimento escolar tinha os seguintes objetivos I. diagnosticar dificuldades de aprendizagem, tendo em vista a recuperagio do aluno e 0 replanejamento dos trabalhos; IL possibilitar ao aluno uma auto-avaliacao (sie) sobre seu rendimento escolar de modo a interessi-lo em seu proprio progresso e aperfeigoamento TIL, obter informagdes para decidir sobre a promogao do aluno e a reorganizagio das classes. Foram propostas aulas de recuperagio durante todo ano letivo para alunos dificilmente recuperaveis na propria sala de aula, Considerando, ainda, a possibilidade da ocorréncia de alunos com dificil aprendizagem, foi previsto para eles recuperagao no inicio do ano letivo. ORGANIZACAO DO PESSOAL TECNICO-ADMINISTRATIVO Em 1976, como a Escola de Aplicagao estava sem diretor, Azanha convidou para o cargo a professora Ondina Gertrudes Annechino de Campos que se distinguiu como notivel gestora. Alémn disso, foram ineluidos no quadro de pessoal auxiliares de diregaio em substituigao a0 assistente de diregdo. Os auxiliares exerciam as seguintes atividades: substituir a propria diretora em sua auséncia e, também, professores em suas faltas eventuais, inspegdo de alunos, 4 Rev. Iberoam. Patrim. Hist6rico-Educativo, Campinas (SP). v. 7, p. I~ 2021024, 2021. ISSW2447-746X, ‘DOI: 10.20888/ridpher.v7i00.16026 Ridphe assisténcia a professores em suas atividades de rotina, atendimento aos pais, fomecimento de material didético, controle da limpeza das salas de aula e do horario de entrada e saida das classes. Ontra alteragio consistiu na centralizagao da orientagao técnica de todas as atividades com vistas a racionalizagdo de esforgo. As atividades antes atribuidas & Coordenagio Pedagégica passaram a constituir atribuigdes de um tinico érgio ~ a coordenagio téenica ~ que compreendia: professores orientadores das areas de ensino, o orientador educacional ¢ um responsivel pela coordenagio técnica. Assim, foram excluidas do Servigo de Assisténcia a0 Aluno as fungdes relativas 4 assisténcia psicolégica, fonoaudiologia, foniatria e educagio sanitaria. O objetivo foi o de tomar a EA semelhante a uma escola piiblica e também solucionar a falta de verbas, Foram mantidas as duas bibliotecirias devido a importincia do seu trabalho de aquisigdo, manutengao e empréstimo de livros, principalmente da literatura infanto-juvenil € de textos informativos, aos alunos € professores. Conforme dispunha a lei 5.692/1971, foi designado um dos professores da area de estudos sociais para assumir a orientagio do Centro Civico Escolar com a finalidade de programar e realizar solenidades civicas, promover atividades de cunho civico ¢ cultural; estimular a organizagao e funcionamento de classe e extraclasse do Estatuto Civico Escolar. Quanto & Associagao Escola-Lar, contava-se com anpla participagao dos pais tanto na organizagéo das atividades sociais quanto nos servicos de consertos de equipamentos das dependéncias da escola, administragdo da cooperativa da escola, controle e planejamento das festas juninas. A coordenagao técnica era constituida por professores orientadores, um para cada disciplina. Também cabia a essa coordenagao acompanhar o trabalho docente e diseutir e decidir eventuais problemas surgidos no decorrer das aulas. De acordo com o Regimento Escolar a selegdo do corpo docente era de responsabilidade de uma comissio composta pelo diretor da escola, do responsével pela coordenagao técnica e 0 professor orientador da area afiun, Constituiam atribuigdes dos professores: participar da elaborago do Plano Escolar Anual € participar de todas as atividades extraclasse, comparecer As reunides previstas no Plano Escolar Anual, programar atividades para o caso de suas eventuais faltas. Cada classe era composta por 30 alunos, matriculados aps serem selecionados por sorteio piblico conforme foi estabelecido no Regimento Escolar. Desta forma, foi possivel contar com uma clientela variada ¢ evitar 0 excesso de alunos, uma vez que era grande a procura por matriculas Rev. Iberoam. Patrim. Hist6rico-Educativo, Campinas (SP). v. 7, p. I~ 2021024, 2021. ESTAGIO A Escola de Aplicagao tinha como objetivo oferecer estagio a alunos da Faculdade de Educagio de acordo previamente estabelecido com os professores de Priticas. Foram atendidos estagidrios do curso de pedagogia (Metodologia, Pritica, Habilitagdes em Administragao Escolar e Supervisio do Ensino; dos cursos de licenciatura: educagao fisica, inglés, francés, lingua portuguesa. Ciéneias sociais, historia, geografia, ciéncias e matematica, Também foram atendidos alunos dos cursos de licenciatura: educagao fisica, inglés, franeés, lingua portuguesa, ciéncias sociais, historia, geografia, ciéncias e matematica, entre outras. Como orientagao para as priticas escolares e atividades extraclasse, Em 1977, Azanha escreveu a seguinte diretriz para a EA’ Desde alguns anos, 0 interesse e até mesmo a preocupagao com a educacao vem se acentuando extraordinariamente mima certa camada da populagao. Como consequéncia disso t8m-se depositado esperancas crescentes e até certo ponto, infundadas na agi da escola, Espera-se dela talvez o milagre de produzir geragdes futuras menos angustiadas e perplexas do que as atuais. Evidentemente, 0 préprio professor nto poderia escapar a esse clima de entusiasmo. E nese quadro, talvez, que se pode compreender a intensa procura de escolas que se anunciam como “escolas renovadas. Parece até que a renovacio pedagégica far de nossas escolas instituicdes capazes de realizar aquilo que as nossas ilusdes nos fazem desejar da agdo escolar. No entanto, na maior parte das vezes, 05 resultados priticos tém sido mais escassos do que as esperangas de pais e educadores. Talvez isso ocorra porque nao haja concepcdes claras e inequivocas do que se chama de “renovacdo pedagégica’” Muitas vezes, esses esforgos de renovacdo sio historicamente desenraizados, revelando um total desconhecimento dos clissicos do pensamento pedagégico, que desde ha séculos vém preconizando medidas, que, no entanto, esquecidas ot ignoradas, nio sio nem sequer discutidas e experimentadas. Teoricamente desinformado, o esforgo de renovacao pedagégica se esgota na adocao acritica de novidades cujo valor educativo & sempre uma incdgnita, mas que sto alardeadas e difundidas como se delas dependesse todo éxito do ensino, Tudo se passa como se a simples substimicao do antigo pela novidade fosse a garantia da exceléncia pedagogica, Nao se trata aqui, evidentemente, de uma exaltacdo do antigo em detrimento do novo, mas a recusa de tomar a ordem temporal de aparecimento como o critério para apreciar os méritos de ‘uma prética ou de uma concepeao. Alguns aspectos desse estilo de renovacao sao facilmente assinaldveis. Por exemplo, tem-se dado uma exagerada énfase a importancia da criatividade, perdendo-se de vista, muitas vezes, 0 fato de que a simples originalidade nao é algo que tenha um valor intrinseco. F claro que nao se deve incutir um espirito de rebanho, mas é claro também que, imuitas vezes, a singularidade de um comportamento pode nada tet de criativo ou original, mas deveria antes ser motivo de preocupacao e de medidas preventivas, Do mesmo modo, € preciso que a liberdade do educando seja concebida, no plano individual, como uma complexa exigéncia interior que deve ser cultivada e estimulada, e nto apenas confundida com a permissdo de 6 Rey, Iberoam Patrim. Hi ico-Educativo, Campinas (SP), v. 7, p. I~ 2021024, 2021. ISSN 2447-746X, uma movimentaco fisica inconsequente ou inoportuna em face da natureza das atividades. E preciso que professores e alunos compreendam que disciplina nem sempre pode ser entendida como uma restric@o a qualquer liberdade, mas apenas como condigao indispensivel de trabalho individual ou coletivo (Plano Escolar Anual, 1977, p. 1-2), Em seguida, Azanha define a finalidade da Escola de Aplicagao e as condigdes para seu alcance: Esta escola se propde um trabalho diferente desse confuso estilo de renovacdo que de pritico, se resume em permissdes sucessivas e desavisadas, na complacéncia com os deveres nio cumpridos e na tolerincia sistematica com 4 indisciplina. O que visamos & o desenvolvimento dos individuos com capacidade de critica. A capacidade de criticar a si proprio e a sociedade em que vive € 0 tinico ponto de apoio firme para desenvolvimento de homens criativos e livres. Contudo, nao acreditamos que a capacidade de critica possa ser diretamente ensinada. Mas acreditamos que ninguém a desenvolveri na ignorancia ou no aprendizado insuficiente de um minimo do acervo cultural da sociedade em que vive. Porque a capacidade de critica depende para a sta expresso do dominio de um instrumental que nao se obtém sengo pelo estudo, intensivo e sistemético. Por isso, 0 processo de estudo desta escola visaré, sobretudo, nao ao hipotético desenvolvimento de ineféveis habitos e atitudes, mas a trivial e indispensével transmissao de conhecimentos, Os habitos © as atitudes que compoem um espirito critico nao se desenvolvem formalmente, or isso a escola se propde educar (no sentido de desenvolvimento de hibitos e atitudes) e nao instruir (no sentido de aquisicdo de conhecimentos) persegue ‘um fantasma, Ninguém se educa sem aprender algo, sem se instruir, como também ninguém se instrai sem que haja oportunidade de formar habitos & desenvolver atitudes, Nessas condigdes, o empenho do professor em ensinar & © esforco do aluno em aprender sfo elementos indispensdveis mum trabalho educativo sério. O que nao é incompativel, evidentemente, com a amenidade dos métodos e a cordialidade do relacionamento. Nenium método, técnica ou procedimento seri imposto ao professor, mas nenhum deve ser permitido sem que ele seja capaz de justificé-lo em termos da sua importancia para a formagao do educando e nao para simples distragdo do aluno, A escola é um. lugar de trabalho- que pode e deve ser agradivel- mas nao de lazer. (AZANHA, 1987, p. 151,152). Quanto ao ensino recreativo, Azanha apresenta o seguinte parecer’ Rev. Iberoam, Patri Talvez 0 contraste mais nitido entre a escola de ensino tradicional e a de ensino renovado esteja no fato de que nesta diluiu-se completamente a distingdo entre © brinquedo eo estudo, Até mesmo os livros didéticos perderam a antiga gravidade e procuram cada vez mais imitar as revistas de histérias em quadrinhos. Talvez se tente, com medidas desse tipo fazer crer que 0 estudo também & ou pode, ou deve ser uma forma de recreagdo. O que & evidentemente falso, pois a recreacdo pode ser interrompida quando se quer (ou nao se trata de recreagao), enquanto que o estado exige perseveranea nao obstante o tédio. (Azanha, 1978, p.19) ‘rico-Educativo, Campinas (SP), v. 7, p. 1-13, €021024, 2021. ISSW2447-746X, Parece visivel, portanto, o distanciamento das ideias de Azanha em relagdo aos tedricos da renovagao pedagégiea que, na época, eram amplamente estudados ¢ debatidos entre os educadores, principalmente nos cursos superiores de formagdo de professores. Coube & coordenagao técnica se reunir com os professores para a discussio da orientagao de Azanha Houve consenso por parte dos professores e dos responsiiveis pela diregio e coordenagio da escola, Assim, a diretriz passou a nortear o Plano Escolar Anual e a orientagio de todas as atividades docentes ¢ técnico-administrativas da Escola de Aplicagio. Neste sentido, apds a identificagao dos prineipais problemas e dificuldades da escola e as decisdes para sua solugio, era elaborada a proposta pedagégica do ano letivo de acordo com a seguinte orientago de ‘Azanha: O projeto pedagégico da escola é apenas uma oportunidade para que algumas coisas acontecam e dentre elas o seguinte: tomada de conscigncia dos principais problemas da escola, das possibilidades de solugao e definicao das, responsabilidades coletivas e pessoais para eliminar ou atemuar as falhas detectadas, Nada mais, porém isto € muito e muito dificil. A ideia de um projeto pedagégico, visando a melhoria da escola com relacdo as stas praticas especificas, ser uma ficgao burocritica se ndo for fruto da consciéncia e do esforgo da coletividade escolar. Por isso, é ela, a escola, que precisa ser assistida e orientada sistematicamente, e seus membros temporarios, os professores, nao devem ser aperfeicoados abstratamente para o ensino da sua disciplina, mas para a tarefa coletiva do projeto escolar. (Azanha, 2006, p. 96, 103), Com base nesta orientacio, © Projeto Pedagégico era alvo de constantes anilises e revisdes, tendo-se sempre em vista uma continua melhoria da escola, especialmente nos aspectos pedagégicos. Para as atividades de planejamento, Azanha apresentou a seguinte orientagio: ‘Num periodo de apenas uma semana nao se pode pretender a elaboracto de uum planejamento global das atividades escolares para um ano. Mesmo deixando de lado a discutivel ideia de que num periodo mais longo esse planejamento global era exequivel, pode-se talvez afirmar que, de qualquer modo, ele nao seria desejavel. Porque um planejamento de tal forma abrangente obrigaria, no curso de sua execucdo, a tantas e tantas reformulagdes que haveria o risco de nao se fazer outra coisa senao planejar & replanejar. A ideia de planejamento no inicio do ano escolar repousa na saudivel preocupagio em assegurar um minimo de entendimento da conjugacto de esforcos entre pessoas que realizam fragmentos de uma tarefa comum e que por forea da propria dinimica do trabalho docente tendem a isolar-se. Embora esse eventual isolamento nao seja necessariamente tm mal, poder, contudo, seja oportanidade de perda de vista dos objetivos comuns de todas as atividades escolares. Nessas condigdes, o fundamental na semana de planejamento serd rediscutir os objetivos do proceso educativo do ensino de 1° grau, como ponto de partida para avaliaedo do papel de cada matéria nesse proceso. E consequentemente, deveré se chegar a determinacdo dos contetidos minimos a serem alcangados no ensino de cada matéria, de modo a 8 Rev, Iberoam. Patri. Hist ico-Educativo, Campinas (SP), v. 7, p. I~ 2021024, 2021. ISSW2447-746X, ‘DOI: 10.20888/ridpher.v7i00.16026 Ridphe se assegurar sua efetiva contribuicdo a formacdo geral do aluno. Outros pontos: a serem discutidos, como avaliagdo, recuperacio, uilizacio de biblioteca etc, serio subordinados a esse ponto prioritirio: 0 que é efetivamente indispensivel ensinar em cada matéria e como fazé-lo. (AZANHA, p.137, p23) O planejamento constava de um trabalho conjunto — coordenagio técnica e professores. Na década de 1970 predominavam varias teorias do ensino, principalmente as do entio denominado progressismo. Azanha, refratério a outros movimentos de renovagao pedagégica, afirma que ha neste movimento um jogo verbal travestido de inovagio pedagégica que poderia ser tolerado como inconsequente se no houvesse inconveniente da fraude intelectual, como, por exemplo, a de apresentar ideias alheias como proprias Outras inovagdes decorrentes do movimento de renovacio pedagogica foram também alvo de criticas e de alerta ao professor. E 0 caso das atividades de pesquisa pelos alunos e da técnica de trabalho em grupo que podem implicar copias sem indicagao de fontes e mesmo a fraude de apresentar ideias alheias como proprias”. (AZANHA, p. 98, 105). A propésito do conceito de didatica, ou seja, de como ensinar, apds uma explanagao a respeito, Azanha conclu: L.-J. Embora tenhamos tratado 0 tema dos pressupostos da Didética numa perspectiva limitada da andlise légica, acreditamos ter fomecido nesta exposicio, pelo menos, indicacdes de que o sonho de Coménio e também suas variantes histéricas e atuais repousam numa ilusio. A de que a atividade de ensinar, no seu sentido amplo, possa ser exaustivamente regulada, O reconhecimento desse fato deve ter um efeito moderador no entusiasmo com que, as vezes, aderimos & esta ou Aquela novidade no campo da Didatica, Por outro lado, esta é uma conclusto muito positiva porque revela que o professor, nna sua atividade criativa de ensinar, & um solitétio, que por isso mesmo no deve esperar socorro definitivo de nenhum método ou modelo de ensino, por mais avangadas e sofisticadas que sejam as teorias que supostamente 05 fundamentam, (AZANHA, 1987, p.77) ATIVIDADES CULTURAIS E PROJETOS DE ESTUDO Os programas de ensino foram enriquecidos com varias atividades extraclasse ineluidas no evento denominado “Semana cultural de outubro”, a saber: campeonatos esportivos, peas teatrais e exposigdes artisticas, campeonatos esportivos, feiras de livros da literatura infanto- juvenil. Também constava 0 coral da EA denominada “Os Pequenos Cantores da USP”. Outra atividade importante consistia em encontros dos alunos com repérteres, cronistas, publicitizios, anisieos, especialistas em assuntos cientificos e autores da Literatura infanto-juvenil. Quanto as disciplinas de francés e inglés foram organizadas duas salas para serem usadas como “clubinhos’ em que eram desenvolvidas atividades com vistas ao enriquecimento da cultura 9 Rev, Theroam, Pavim. Hist ico-Educativo, Campinas (SP), v. 7, p. I~ 2021024, 2021. ISSW2447-746X, dos alunos: conversagio, canto, pegas teatrais, filmes, sempre baseados na literatura francesa e inglesa O programa da drea de Ciéncias Fisicas e Biol6gicas incluiu atividades e programas extras relacionados com o estudo do meio ambiente e suas relagdes com a satide, economia ¢ cultura Quanto a alfabetizagdo, foram desenvolvidos programas tanto com base na linguistica como na semidtica sendo que em ambos os casos, os resultados foram satisfatdrios, uma vez que também foi dada énfase na redagio de textos diversos ¢ na leitura intensiva e sistemética de livros da literatura infanto-juvenil de bons autores, selecionados com a orientagio das bibliotecairias junto aos alunos de todas as séries, Nesse sentido. Também muito contribuiram para a aprendizagem ¢ o aperfeigoamento das habilidades da leitura e da escrita as atividades das dreas de artes plisticas e de cigneias que incluiam redagdes de etiquetas de identificagio, avisos, receitas, textos para pecas teatrais, entre outras Diante dos bons resultados obtidos, a Escola de Aplicagao, principalmente os pais, no mediram esforgos para a implantago do ensino do ent&io 2° grau, atualmente Ensino Médio, Entretanto, em 1984, a escola foi alvo de uma crise que suscitou até a ideia de sua extingdo, conforme manifestagao do reitor da USP mediante oficio enviado ao diretor da FEUSP. Juntou- se a este fato a critica feita pelo professor Nélio Parra quanto ao relacionamento da EA com a FEUSP, principalmente no que se referia 4 pouca oferta de estagio aos alunos. Este fato constituiu 0 verdadeiro motivo do pedido de afastamento do Professor José Mario Pires Azanha a representagao junto 4 EA e, mais ainda, da sugestio deste professor para por a EA em debate. O que sé se concretizou em 1985. No debate, Azanha expés, com clateza, sua concepgao e justificativa da Escola de Aplicagao em termos de autonomia do professor para, mum esforgo coletivo, pér em prética um projeto educativo escolar com vistas a um objetivo comum, semelhante, portanto, iis escolas piiblicas, em todos os seus aspectos: administrativo, téenico, pedagdgico. Naquele momento, Azanha argumentou em defesa do cariter propedéutico da formagio escolar e do papel que a Escola de Aplicagio desempenhava na formagio de todos os seus alunos. Azanha insistia no fato de que o cardter democritico da instituigdo se situava exatamente na democratizagio do acesso, A escola era democritica por contar com um pliblico variado e de todos os estratos sociais. Além disso, os imimeros projetos que a instituigo fomentava em termos pedagégicos favoreciam a dimensio critica e criativa de uma forma de se lidar com conhecimento que passava também pela democracia nas relagdes de ensino, Finalmente, a proposta pedagogica era feita pelo proprio pessoal responsivel pela pripria escola sendo que nio se justificaria, portanto, o envio de pacotes preparados em insténcia superior porque é necessario respeitar a 10 Rev. Iberoam. Patrim. Hist6rico-Educativo, Campinas (SP). v. 7, p. I~ 2021024, 2021. ISSW2447-746X, ‘DOI: 10.20888/ridpher.v7i00.16026 Ridphe cultura propria de cada escola. No terceiro dia foram discutidos: o Regimento da Escola de Aplicagio, Normas de estagio, além de outros documentos selecionados para anilise e revisio. Também foram analisadas sugesties relativas integragio da EA com a Faculdade de Edueagao, principalmente no que se refete a articulagao das duas instincias especialmente quanto a projetos de pesquisa Também foram discutidas e aprovadas as providéneias necessérias para a implantagio e funcionamento do curso de 2° gran na Escola de Aplicagio, considerando: objetivos, 0 carter autotélico desse nivel de ensino, o quadro curricular com vistas a uma formagio geral, eritérios para a seleco de professores com base no curriculo e para matricula de candidatos. Com a implantagao do curso de 2° grau, uma proposta nova foi langada, dado que a ideia de uma formagio geral, que contemplasse uma preparago propedéutica dos alunos, favorecia um projeto escolar voltado para uma dimensio humanista, a qual balizou a prépria formulacao da mesma proposta de que viesse a ser eriado esse que se tornaria depois 0 Ensino Médio. Pode~ se mesmo dizer que a Escola de Aplicagio antecipou em sua pritica aquilo que viria a ser consubstanciado na LDB de 1996. Tratava-se de um ensino que estivesse para além das habilitagdes ainda existentes no segundo grav. Um ensino que passava por uma formagéo humanista e que teve como consequéncia o fato de os alunos egressos do curso de 2° grau serem aprovados com facilidade nos cursos de nivel superior. Hoje sio médicos, advogados, publicitarios, atores de teatro, dentistas, miisicos (inclusive um faz parte da Orquestra Sinfdnica de Moscou); nutricionistas, antropélogos, engenheiros e assim por diante. Assim, podemos afirmar que o principal requisito para a formacao de alunos com capacidade de critica consiste na aquisigao de uma cultura geral mediante muito estudo Gidlogo, conforme sempre foi objeto do ensino na Escola de Aplicagao. Salienta-se, assim, a importincia da orientagdo de Azanha para a organizacio e funcionamento desta escola. REFERENCIAS AZANHA, J. M. P. Experimentagio educacional: uma contribuigdo para sua anélise. So Paulo: Edart, 1974. AZANHA. J. M. P. Alain ou a pedagogia da dificuldade. Revista da Faculdade de Educacio. Sao Paulo, v. 4,n. 1, 1-145, jun. 1978. AZANHA, J. M. P Educagio, alguns escritos. Sao Paulo: Ed. Nacional, 1986 AZANHA, J. M. P. Cultura escolar brasileira. Revista USP, Sao Paulo, n. 8, p. 65-69, fev. 1991. u Rev. Iberoam. Patrim. Hist6rico-Educativo, Campinas (SP). v. 7, p. I~ 3, 6021024, 2021 ISSN 2447-746X ==: AZANHA, J. M. P. Uma ideia em pesquisa educacional. Sao Paulo: Edusp, 1992 AZANHA, J. M. P. Educagao: temas polémicos. Sao Paulo: Martins Fontes, 1995. AZANHA, J. M. P. A formacio do professor e outros escritos. So Paulo: Senac, 2006. BEISIEGEL, C. R. Origens das orientagdes da pesquisa educacional na Faculdade de Educagio, Educagao ¢ Pesquisa, So Paulo, v. 29, p. 357-364, jul/dez. 2008 CARVALHO, J. S. P. Educacio, cidadania e direitos humanos. Petropolis, RJ: Vozes, 2004, CUNHA, L. A. A educagio e 0 desenvolvimento social no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. Francisco Alves, 2009, CONGREGACAO/FEUSP. Atas - 1984 a 1985, Sao Paulo, Faculdade de Educagao da USP. GORDO, N. Escola de Aplicagaio da FEUSP: relatorio de atividades entre 1976- 1989. Estudos e Documentos, Feusp, Sao Paulo, v. 18, 1990. GUSDORE, G. Professores para qué? Lisboa: Livraria Morais Editora, 1967. LIMA, R. A educacio no Brasil: 0 pensamento e atuacao de José Mario Pires Azanha. 2 Tese (Doutorado em Educagiio) — Faculdade de Educagio da Universidade de Sao Paulo, 2005 NOVOA, A. A relagio escola-sociedade: novas respostas para um velho problema para a formagao de professores. 4. ed. Sa0 Paulo: Editora Unesp, 1998 ORTEGA Y GASSET, J, El quijote en la escuela. Obras completas. Madrid: Alianca, 1987. PEIRCE, C. S. Semiética. Sao Paulo: Perspectiva, 1977, SANTAELLA, M. L. O que é semidtica? Sao Paulo: Brasiliense, 1983 (Colegio Primeiros Passos). SEVERINO, Anténio J. A diversidade ¢ 0 cotidiano escolar. Idéias. FSE, Sio Paulo: SMEP/SP, 2000. SOUZA, C. P. A diversidade e o trabalho escolar. Sio Paulo: SMEP/SP/Fafe-Feusp, 2005. UNIVERSIDADE DE SAO PAULO. Debate: Escola de Aplicagdo: Sdo Paulo, Faculdade de Edueagio, 1985 VASCONCELOS, C. dos S. Coordenagao do trabalho pedagégico numa perspectiva libertadora. Sao Paulo, USP/SMEP; mimeo., 1995. Projeto Capacitagao de Coordenadores Pedagégicos da Rede Municipal de Ensino de Sao Paulo VEYNE. P. Como se escreve a historia. Traducao de Anténio José da Silva Moreira. Lisboa: Edigdes 70, 1971 Rev. Iberoam. Patrim. Hist6rico-Educativo, Campinas (SP), v. 7,p. 1-13, €021024, 2021, ISSW2447-746X, ‘DOI: 10.20888/ridpher.v7i00.16026 Ridphe ZAIA, I. B. A historia da educagio em risco: avaliacao e descarte dos documentos do arquivo da Escola de Aplicagio (1958-1985). 2003. Dissertacao (Mestrado em Educagao). Faculdade de Educagao da Universidade de Sao Paulo. Recebido em: 26 de outubro de 2021 Aceito em: 20 de dezembro de 2021 Histérico-Educativo, Campinas (SP), v. 7, p. 1-13, €021024, 2021. Rev. Iberoam. Patri 13

You might also like