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OS ESTUDOS DE PERCEPGAO DO MEIO AMBIENTE NO BRASIL Profa. Dra, Livia de Oliveira* Uma explicagao geral e completa da mente e de sua relagéo com o cérebro @ a cultura 6 a Unica maneira de tentar enfrentar essa época de ignoréncia e magia, contrapondo-Ihe alguma razao e discernimento. Nao ‘apenas porque a verdade deve sempre prevalecer, mas sobretudo porque a verdade cientifica, ainda que provisoria e imperfeita, é uma das Gnicas salvaguardas contra a tirania da desrazao. Henrique S. Del Nero, 0 Sitio da Mente. ‘S40 Paulo: Collegium Cognitio, 1997:18. A guisa de abertura neste | Encontro sobre Percepgao e Conservacao Ambiental: a Interdisciplinaridade no Estudo da Paisagem, quero dar o meu testemunho destes tiltimos 27 anos como professora universitéria, que venho pesquisando, orientando mestres e doutores, ministrando disciplinas, dando conferéncias e cursos por este Brasil afora. Como pioneira, sinto-me a vontade em discorrer sobre os estudos de percep¢ao do meio ambiente, Sinto-me lisonjeada em estar aqui presente, e dirigindo a palavra aos participantes, A leitura que fago sobre meio ambiente perpassa por varios autores, indo desde Dardel, Tuan, Dubos, Lynch, Lowenthal, Bachelard, Piaget, Claval, Bailly, Buttimer, Burton, Relph, White, Merleau-Ponty © muitos outros de renomes internacionais. Dentre os nacionais lembraria Amorim Filho, Del Rio, Machado, Troppmair, Romariz, Coimbra, Ferreira, Gratao, Bley, Vieira e muitos outros. A minha experiéncia e vivéncia ambientais, portanto, é 0 resultado de todos os caminhos percorridos por intimeras bibliografias, contatos diretos, troca de idéias e convivéncia com colegas e discipulos. Principalmente, nas longas e proficuas sessées de orientacdo com meus alunos, eu ¢ eles, nos enriquecendo, ampliando nossos horizontes e procurando abarcar 0 mundo e o universo. , E uma moeda com duas faces: 9 homem © 3 : interligadas, insepardveis para sempre. Nés nao podemos prescindir do nosso meio ambiente. Ao mesmo tempo o meio ambiente sé é se estiver presente 0 homem. As dimenses so intimeras e incontaveis, Quantas nés quisermos considerar ou acrescentar. Podem ser, portanto, desde as naturais, culturais, sociais, psicolégicas, ecoldgicas, etc., etc, etc. Assim abordado o meio ambiente é, tanto estudado do ponto de vista cientifico, quanto politico ou administrativo, ou educacional, ou, mesmo do senso comum. Tanto é 0 espago que é a sensagao de amplidao e de infinito, nos lembrando planaltos imensos, oceanos sem fim, terras sem limites, florestas intricadas, cidades apinhadas; quanto é o lugar, que é a sensagao de aconchego, de finitude, de lar, de familia. Tudo isso é meio ambiente, resultante da experiéncia emocional e afetiva. Nos colorimos 0 nosso meio ambiente com as mais diversas cores. Ora vivas e alegres, ora tristes e desbotadas, Dai em nossa viséo ambiental desenvolvemos um elo afetivo profundo, indissocidvel, que Tuan, com base em Bachelard, denominou de topofilia. Este Conceito foi difundido entre todos aqueles que lidam com meio ambiente, experienciada e OLAM-Ciéncia & Tecnologia Rio ClarolSP, Brasil Vol.4. N°1 Pag. 22 Abril 2004 ISSN 1519-8693, ‘www.olam.com,br conceitualizada, mediante uma viséo do mundo. A topofilia é uma atitude, um valor, um atributo tanto individual, quanto coletivamente, como sempre acontece, ao aparecer um neologismo como topofilia. Assim, como as pessoas desenvolvem elos positives em relagao ao lugar, também, relacionam-se negativamente. Sente aversao por este ou por outro lugar. Muitas vezes as razdes sao psicolégicas e nao naturais. A aversao nao esta contida no lugar, mas sim na prépria pessoa. Outro neologismo, agora, muito empregado 0 de topocidio. Sao intimeros lugares que foram “assassinados’, deteriorados, destruidos, transferidos, apagados da paisagem geogrdfica. Surge, ainda, outro termo toporeabilitagao. Os lugares, por sua vez, pelos seus altos valores, suas localizagées € interesses publicos, sao reconstruidos, remodelados, re-usados, enfim revitalizados. Atualmente, 0 meio ambiente, é trabalhado, néo mais como um objeto, mas sim como sujeito. Pois como Homem e Meio Ambiente constituem um todo insepardvel, somente sera equacionada a questéo ambiental se for abordada como processo, implicando a Participagao e a construcéo, a partir da propria sociedade. Necessitamos de uma tecnologia pedagégica para definir as estratégias, articular as proposigées e reformular os conceitos de mundo vivido, de geografia do cotidiano e valorizar as paisagens naturais, sociais, culturais, e estudar a terra como o lar da Humanidade. De inicio, os estudos sobre percepgao do meio ambiente se concentraram apenas sobre a percepcdo, propriamente dita. Porém, mais recentemente as pesquisas t8m se voltado . Pois a nogdo de percepgao esta mais atrelada ao laboratério, aos experimentos de campo, quer em uma ou outra teoria psicoldgica, Nés, em Geografia, sentimos a necessidade de investigar de um ponto de vista cognitivo, muito mais lidar de uma perspectiva da experiéncia, através do conhecimento e da construgdo da realidade do mundo. E claro, que consideramos, também as emogées, a ética e a afetividade, quando estabelecemos relagdes com o meio ambiente. Enquanto conhecer jé requer a ir. Ao vermos um meio ambiente, ao percebermos, construimos uma imagem desse objeto, que ao mesmo tempo € sujeito. Ver, perceber, pensar sao processos embricados, de dificil separago. Nossa mente & basicamente holistica, abrangente e seletiva. Simultaneamente atribuimos significados aos objetos que nos rodeiam, dai, selecionarmos 0 que necessitamos, queremos ou estruturamos, pois a gama de estimulos que nossos érgéos sensoriais captam é quase infinita, Significativamente filtramos os estimulos mediante o critério de atuagao ¢ atribuigéo e so processados em nosso cérebro e as respostas dadas s&o os produlos dessa relagdo mente/meio ambiente. Quero lembrar que Piaget reconhece entre a percepgdo e a inteligéncia uma atividade perceptiva. E esta com que nés trabalhamos e nao com percepgao. A atividade perceptiva & que nos permite: antecipar, comparar, transferir, explorar, transpor espacial € temporaimente, esquematizar ou mesmo referenciar. Estas atividades aumentam em idade, importancia e em numero de variedades diferenciadas. Normalmente diminuem os erros primdrios e favorecem as coordenagées, porém, podendo engendrar novas formas de erros sistemdticos, porque elas pdem em relagdo elementos até entdo nao ligados. Estes so 0s denominados erros secundarios. Nao podemos nos esquecer que a percepgao, para Piaget, se prende a aparéncia (fenomenal) dos objetos, significando que ela se restringe ao dado (presenga & OLAM-Ciéncia & Tecnologia Rio ClarolSP, Brasil Vol.4. N°1 Pag. 28° Abril 2004 ISSN 1519-8693, ‘www.olam.com,br proximidade), e relativamente a um ponto de vista egocéntrico, do individuo. Em outras palavras: 0 dado percebido permanece essencialmente dado e nao se prolonga em reconstrugéo dedutiva. Perceber é uma caixa fechada, eu a percebo como um objeto em trés dimensdes, apresentando um volume e um interior, mas, para decidir sobre o seu contetido preciso de outros mecanismos, além da percepgao atual. Por sua vez, a inteligancia, em contato com o objeto presente e dado, ultrapassa sem cessar, no sentido de uma reconstrugao interpretativa. O contetido da caixa, como a composicao interna de um sélido opaco sdo objetos do pensamento, tanto da aparéncia, As significagées perceptivas nao ultrapassam 0 quadro dos “indices” e permanecem relativamente indiferenciadas e intermutaveis em oposigéo aos "simbolos” ¢ aos “sinais’ que sao significantes diferenciados de seus significados e cada vez menos intermulaveis entre si. A percepoao, portanto, nao sai das fronteiras dos “significados" e “significantes” préprios. A inteligéncia, ao contrario, escolhe os dados, aquilo que é necessario para resolver 0 problema do raciocinio que esté em jogo. Resolver um problema torna-se assim ultrapassar 0 dado, nos quais a construgo dedutiva e a abstragao sao solidérias, revelando uma coordenagao de pontos de vista. Com estas nogées apresentadas sobre meio ambiente, percepgao e cognigao, desejo agora, discorrer sobre os estudos de percepgao entre nés. Comecei a me preocupar com a percepg4o ambiental, em fins da década de setenta. Com a minha tese de livre- docéncia (1977) estudei, li, digeri e refleti profundamente sobre o sistema Piaget. Meu interesse inicial foi 0 espago geografico: conceito, representagao, construgao. Meu caminho percorreu a teoria psico-genética, passando pela percep¢ao e cognigao. O passo seguinte foi articular todas essas nogées inferidas, acrescentando o termo ambiente. Na mesma ocasido, eu entrava em contato com a Geografia Humanista, quando de meus périplos pelos Estados Unidos, Canada e Nigéria, e principalmente minhas visitas as University of lowa, Clarb University, University of Toronto e University of Ibadan. Para mim foi uma descoberta, uma resposta as minhas questées que eu vinha fazendo e procurando solugdes. Nao vou me estender sobre essa novaivelha Geografia. Apenas, chamo atengao, que desde 1952, Dardel, em sua classica obra ja abordava o espago geografico de uma maneira mais “humana’, mais ‘natural’, mais holistica. Esta Geografia no tem “grilos", nao é dicotémica, no ha oposigao entre a Geografia Fisica e a Geografia Humana, nao ha controversa entre um método geral ou um regional Esta Geografia Humanista abre menos horizontes para 0 gedgrafo, nos conduzindo a estudar a Terra como o planeta do Homem. A abordagem empregada & muito mais qualitativa do que quantitativa. Dai um maior contato com o lugar, com o mundo vivid e com a vida do cotidiano. Tudo isso vem nos permitindo uma ligago muito intima e emocional com as artes, quer as plasticas, ou as dos sons e letras. As fontes artisticas vém cada vez mais trazendo para nossas pesquisas e renascendo nossos estudos de paisagem. Atualmente, é dificil saber 0 que se inclui ou se exclii da Geografia Humanista. Nossos estudos transbordaram daquele conceito apenas de “Percepcao do Meio Ambiente". Hoje, estdo investigando em Geomorfologia, Climatologia, Biogeografia, sem se pensar em estudos de urbana, de rural, de populagao, de transportes, das atividades econémicas, todos também geogrdficos. Outrossim, pipocaram os centros de estudos por este Brasil afora. O grupo da Federal ¢ da PUC, de Belo Horizonte; no Parand surgiram em Curitiba, na Federal e em Londrina Maringa, na Estadual; no Rio de Janeiro, na Estadual ¢ na Federal em Santa Catarina, 8&0 08 nlicleos de Floriandpolis e de Itajai, e muitos outros mais, que devem estar OLAM-Ciéncia & Tecnologia Rio ClarolSP, Brasil Vol.4. N°1 Pag. 24 Abril 2004 ISSN 1519-8693, ‘www.olam.com,br presentes neste Encontro. O interessante é que os grupos retinem varios profissionais, com os mais diversos interesses e necessidades. Assim, podemos enumerar: arquitetos, psicdlogos, advogados, bidlogos, ecdlogos, educadores, professores de escolas do ensino fundamental e médio, joralistas, filésofos, administradores, economistas, médicos, enfim é uma pléiade de pesquisadores e professores universitarios, Como no préprio titulo deste encontro aparecem as palavras interdisciplinaridade e paisagem. Minha leitura sobre o termo interdisciplinaridade (interacao entre diferentes ramos do conhecimento) perpassa, além da simples reuniao de profissionais e interessados, pela tomada de consciéneia sobre a nogao vivida e_experienciada do proprio meio ambiente. E uma atitude diante da questao ambiental. E a valorizagao da ciéncia diante da propria vida. A troca de idéias e de posturas embasam o trabalho interdisciplinar; a procura de solugdes em conjunto para encontrar saidas para as questées ambientais. Sao raros os profissionais que vestem a camisa do meio ambiente, que colocam em primeiro lugar e como prioridade a resolugao dos problemas ambientais. Muitas vezes todos desejam coordenar, aparecer, prevalecer suas posigdes; quase todos se sentem os donos da verdade; todos querem impor a sua dtica, Contudo, cada disciplina cientifica aparta suas estratégias, suas técnicas, suas contribuigdes. Ha lugar para todos; hd necessidade de todas as abordagens. A interdisciplinaridade & necessaria e relevante, porém dificil de ser atingida. O principio da interdisciplinaridade é geral a todas as ciéncias. Por outro lado, 0 termo paisagem sempre foi de responsabilidade do gedgrafo. Até meado do século vinte foi um conceito muito valorizado e utilizado, Depois entrou em desuso; era considerada uma nogéo muito descritiva, passiva e de segunda classe. Com © ressurgimento da Geografia Humanista, entre os gedgrafos anglo-saxdes e Geografia Cultural entre os franceses, a paisagem comegou a ser vista com outros olhos. Adquiriu foros de categoria de analise juntamente com o de lugar, de territério, de espago, e outros que estavam meio relegados. Atualmente, quase em todas as pesquisas cientificas incluem um ou outro aspecto da paisagem. Intimeras dissertagées, teses ¢ arligos se preocupam em definir, conceituar, analisar, adjetivar ou substantivar a paisagem, E muito comum encontrarmos em trabalho, assim: paisagem valorizada, paisagem vivida, paisagem do cotidiano, paisagem do medo, paisagem simbdlica. Todos esses complementos acrescentados a paisagem, sempre implica um sentimento, quer afetivo, quer ético. Pois, hoje, aceitamos, sem pejo, que a ciéncia se preocupa além do pensamento racional, com 0 mundo da emogao, do dia-a-dia. E preciso, portanto, resgatar essa abrangéncia da ética das relagdes humanas, e com a natureza. Esta altemativa, este canal de comunicagao estd aberto agora, mediante o estudo da paisagem com uma abordagem indisciplinar, participando os mais variados pesquisadores, incluindo cidadaos comuns, mas interessados na problemdtica ambiental. O debate esta em aberto, é sé informar e suscitar a discusso. Devemos aproveitar este forum que nos oferece este Encontro e acertar nossas posiges, perfilar nossos propésitos, trocar nossas idéias, manter nossas relagdes e preparar nossas questées. Finalmente nao quero deixar de tocar em um tema candente, necessdrio e oportuno: Educacéo Ambiental, que deve percolar todas as disciplinas escolares, devendo comegar no bergo, no lar, nas ruas, no trabalho, e integrando os curriculos de todos os niveis de Escola. Hoje em dia esta muito em moda se apontar a necessidade e a OLAM-Ciéncia & Tecnologia Rio ClarolSP, Brasil Vol.4. N°1 Pag. 25 Abril 2004 ISSN 1519-8693, ‘www.olam.com,br responsabilidade de uns e de outros, em relago ao Meio Ambiente. Embora, todos chamem atengdo para este termo “Educagao Ambiental” é um conceito tao vago e difuso, mas tdo rico em conotagdes complexas e singulares, ‘A “Educagao Ambiental” deve estar alicergada na ética e na afetividade, Sé 0 que ou quem amamos 6 que cuidamos, que nos preocuparmos. A dimenséo moral no estabelecimento da relagdo entre 0 Homem e o Meio Ambiente, talvez, seja a mais profunda, pessoal e intima que se possa conceber, E a ética que nos torna humanos, que nos conduz pelos caminhos do direito e da responsabilidade. Quando lutamos pelo ireito do Homem’, a partir de séculos passados, esperdvamos um futuro mais justo socialmente, Agora, em nosso século, que lutamos pelo “Direito da Natureza", esperamos um presente mais promissor e uma melhor qualidade de vida para todos. Os Direitos do Homem e da Natureza devem nortear nossas interagdes com o Meio Ambiente, engendrados a partir de uma educagao ambiental, Fago minhas as palavras de Federico Garcia Lorca: Pero antes de empezar quiero haceros el mismo ruego que a él le hizo el Viejo silfo aque! anochecer de otofio, cuando se fueron los rebafios. ¢ Por qué os causan repugnar a algunos insectos limpios y brilantes que se mueren graciosamente entre las hierbas? 2 por qué @ vosotros hombres, llenos de pecados y de vicios incurables, os inspiran asco los buenos gusanos que se pasean tranguilamente por la pradera tomando el sol en a mafana tibia? {Qué motivos tenéis para despreciar, 10 infimo de la Naturaleza? Mientras que no ames profundamente a la piedra y al gusano no entraréis en el reino de Dios. Garcia Lorca, El Maleficio de la Mariposa (Prélogo). Obras Completas. ‘Madrid: Aguilar, 1960:579 Resumo: Nesta conferéncia espero mais levantar perguntas do que dar respostas. Espero dar um testemunho sobre o espirito de corpo dos estudos sobre percep¢éo do meio ambiente, no Brasil. Espero trocar idéi. participantes. Palavras-chave: Percepgdo do Meio Ambiente, _interdisciplinaridade, paisagem, educagao ambiental. Abstract: In this conference | expect rise more questions than to give answers. | expect to give a testimony concerning the spirit of corp of the studies about perception of the environment, in Brazil. | expect to change ideas with the participants, Key-words: Perception of environment, interdisciplinarity, landscape, environmental education. * Enderego: Caixa Postal, 219 - 1350-970 — Rio Claro - SP Telefone: (19) 3524-2811 OLAM-Ciéncia & Tecnologia Rio ClarolSP, Brasii_—-Vol.4. N°1 Pag. 26 Abril 2004 ISSN 1519-8693, ‘www.olam.com,br

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