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Álvaro Augusto Portella Trento Colle Casagrande

GEOPOLÍTICA

Florianópolis – SC
Publicações AEROTD
2020

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Copyright © Faculdade de Tecnologia AEROTD 2020

Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio sem a prévia autorização desta
instituição.

Edição – Livro Didático

Professor Conteudista
Álvaro Augusto Portella Trento Colle Casagrande

Design Instrucional
Sandra Mazutti

ISBN
000-00-0000-000-0

Projeto Gráfico e Capa


Marcos Elias

Diagramação
Marcos Elias

Revisão
Juçá Fialho Vazzata Dias

Casagrande, Alvaro Augusto Portella Trento Colle.


Geopolítica / Álvaro Augusto Casagrande. – Florianópolis :
Publicações AEROTD, 2017.
Inclui Bibliografia.
1. Geopolítica. 2. Relações Internacionais. I. Títulos.
CDU: 32

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Faculdade AEROTD

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SUMÁRIO

UNIDADE I – INTRODUÇÃO À GEOPOLÍTICA 6


1.1 GEOGRAFIA POLÍTICA E GEOPOLÍTICA 6

1.2 HISTÓRIA, CONCEITOS E RELAÇÕES 8

1.3 SOCIEDADE, ESTADO E PODER 14

UNIDADE II – GEOPOLÍTICA E TERRITÓRIOS – UMA ABORDAGEM ESTRATÉGICA CLÁSSICA 22


2.1 TERRITÓRIOS QUANTO ÀS CONDIÇÕES GEOGRÁFICAS 23

2.2 TERRITÓRIOS QUANTO ÀS FORMAS GEOGRÁFICAS 25

2.3 TERRITÓRIOS QUANTO ÀS POSIÇÕES GEOGRÁFICAS 29

UNIDADE III – GEO POLÍTICA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS – UMA ABORDAGEM


CONTEMPORÂNEA 35
3.1 GEOPOLÍTICA, REGIONALIZAÇÃO E INTEGRAÇÃO 35

3.2 GEOPOLÍTICA E POLITICA EXTERNA 39

3.3 GEOPOLÍTICA E O SISTEMA INTERNACIONAL 58

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APRESENTAÇÃO

Caro estudante, SEJA BEM-VINDO a nossa disciplina de GEOPOLÍTICA!

A presente disciplina de geopolítica (EAD) tem como foco e objetivos principais o


desenvolvimento e a formação acadêmica do estudante através da utilização dessa
ferramenta para a compreensão e a análise das relações e tendências dos países no cenário
global do Século XXI.

A disciplina de Geopolítica, através de uma abordagem contemporânea da matéria,


permite o estudo das novas políticas dos Estados, territórios, fronteiras nacionais,
regionalização, integração e geopolítica na sociedade digital.

Dentre os objetivos específicos da disciplina, destacamos a análise dos fundamentos e


conceitos da geopolítica; fundamentos e teoria das relações internacionais; evolução do
pensamento geopolítico; relações entre sociedade, estado e poder; estudo do território sob o
enfoque da Geopolítica; regionalização e integração regional; política externa; e sistema
internacional.

Bons estudos!

Prof. Alvaro Augusto Casagrande

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UNIDADE I - INTRODUÇÃO À GEOPOLÍTICA

Apresentação da Unidade I

Caro aluno,
Seja bem-vindo a nossa primeira unidade de estudos!
Nesta unidade, você inicia seu aprendizado com uma contextualização sobre a
Geopolítica, passando pelo conhecimento dos diversos conceitos, e história da interessante
relação entre a sociedade, o Estado e o poder.
Convido-te a me acompanhar nessa viagem pelo conhecimento.
Bons estudos!

1.1 GEOGRAFIA POLÍTICA E GEOPOLÍTICA

É bastante comum a confusão entre os conceitos de geografia política e geopolítica.


Muito embora sejam conceitos correlatos, ambos trabalham a partir de diferentes objetos
de estudo, sendo essa diferença aqui estudada. No inicio, as áreas de geografia política e
geopolítica eram vistas como uma só, e não era possível diferenciar claramente os objetivos,
objeto e limites de cada disciplina. Neste sentido, esta primeira unidade evidenciará a
importância do pensamento de Ratzel e de outros teóricos da geografia política/geopolítica
para o entendimento das questões referentes à sociedade, à delimitação dos territórios, ao
conflito de poder entre os Estados e, principalmente, ao conceito de Estado-nação e seu
papel no sistema internacional de poder.
Desde sua institucionalização como um ramo à parte das ciências, a geografia se
deparou com a complexidade e a dificuldade de ter de compreender e atuar sobre a
organização, a diferenciação e a produção de um determinando espaço. A multiplicidade do
mundo contemporâneo, a diversidade dos fatores atuantes sobre os indivíduos e os diversos
temas que a disciplina propõe a discutir mostram por que ela é vista como uma área
complexa e dinâmica. Dessa forma, surge a concepção moderna da geografia política como
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uma terminologia e/ou área específica de conhecimento consolidada nas ciências sociais do
final do século XIX.
Entre os temas por ela abordados, é recorrente a problemática da relação entre
política e território, elementos essenciais no processo histórico de formação das sociedades.
De fato, a partir de uma observação científica, as questões e os conflitos de interesse surgem
nas relações sociais e se materializam em disputas de território. As tensões e os arranjos
servem como base para uma abordagem e uma análise geográficas. Assim, pode-se dizer
que é na relação entre a política e o território que surge a base material e simbólica de uma
sociedade (conceito que é definido na geografia política).
Ao contrário do que se presencia atualmente, em sua origem, a geografia política se
colocava no compromisso de entender o modo pelo qual a política tinha relações e era
influenciada pela geografia. Durante décadas, tentou-se demonstrar como a distribuição de
continentes, oceanos, montanhas e cadeias, dentre outras características do ambiente
terrestre, afetava direta ou indiretamente a humanidade e subdividia o mundo em Estados,
gerando a competição e o conflito entre eles. Não obstante este entendimento, na Unidade
II, iremos observar a geopolítica e sua relação com o território através de uma abordagem
clássica e aplicada à estratégia militar.
Quanto à abordagem contemporânea, como afirma Costa (2008, p. 58):

É sem sombra de dúvida que o surgimento da geografia política e, sobretudo, da


geopolítica é um produto de contexto europeu na virada do século XIX para o XX,
com F. Ratzel e R. Kjéllen, respectivamente. Num plano mais geral, entretanto, não
se pode esquecer que o interesse pelos fatores referentes à relação entre espaço e
poder também manifesta um momento histórico que envolvia o mundo em escala
global, caracterizado pela emergência das potências mundiais e, com elas, o
imperialismo como forma histórica de relacionamento internacional. Em outros
termos, as estratégias dessas potências tornaram-se, antes de tudo, globais, isto é,
“projetos nacionais” tenderam a assumir cada vez mais um conteúdo
necessariamente internacional.

Em nível de análise, Ratzel procurou elaborar uma teoria das relações entre a política e
o espaço e introduziu o conceito de sentido do espaço, o qual determina que certos povos
devem possuir maior capacidade de ordenar suas respectivas paisagens, de valorizar seus
recursos minerais/naturais e de se fortalecer a partir de sua própria fixação no território.
Assim como as ciências sociais da época, o modelo de Ratzel também foi inspirado na
biologia, a ponto de refletir e buscar responder os problemas que ocorriam na época, como
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as disputas territoriais e o fortalecimento e aparecimento do Estado nacional como detentor
do poder do povo e dos territórios dominados (RATZEL, 1990).
A geografia política, portanto, concentra os esforços nas relações externas e internas
entre os Estados. Todavia, ambas as categorias possuem suas respectivas problemáticas,
visto que a geografia política é um campo de estudos que explica e leva os pesquisadores e
interessados a encará-lo de duas formas: primeiro, da perspectiva da geografia e dos efeitos
dela na ação política, como visto anteriormente; e, em segundo lugar, da relevância da
geografia perante situações, problemas e atividades de ordem política.
Atreladas a esses conceitos, estão as questões referentes ao poder e às estratégias de
controle e dominação de um Estado, que ficaram implícitas na agenda da geografia política
nas primeiras décadas do século XX e desencadearam um nível de análise nacional e global
nas mais diversas áreas de estudos da disciplina. Isso pode ser expresso nos contextos
históricos do mundo pós Primeira Guerra Mundial, haja vista a nova redistribuição territorial
e a redefinição de fronteiras e a Segunda Guerra Mundial.

Figura 1 – Conceitos de Geopolítica e Geografia Política

Fonte: Site, ano.

Fonte: https://www.slideshare.net/Veronica_Santos/geografia-poltica-e-geopoltica

1.2 HISTÓRIA, CONCEITOS E RELAÇÕES

Na história da civilização ocidental, é possível observar que as relações entre


comunidades distintas, envolvendo o uso da força, existem desde os primórdios entre os

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diferentes povos e estão nas origens política e econômica da sociedade moderna.
Entretanto, referente às relações entre comunidades distintas, tem-se, conforme Castro
(2001, p.7) que “[...] até o século XVII não havia um sistema de entidades políticas (estados)
exercendo autoridade suprema sobre territórios e detentoras do monopólio sobre assuntos
de guerra, o exercício da diplomacia e a celebração de tratados”.
Anterior ao surgimento do Estado nacional, as unidades governamentais existiam em
diferentes épocas sob a forma de comunas, cidades, estados e feudos, ao passo que “as
unidades econômicas formaram nesta ordem: a família, o feudo, a comunidade da vila, a
cidade e a liga das cidades”.
Até então, a política se estruturava por meios totalmente independentes do território,
tais como laço sanguíneo e comunhão de valores religiosos, ao passo que, na Idade Média, a
presença de uma comunidade em um dado território não representava a existência de uma
autoridade exercida sobre uma área geograficamente circunscrita. À época, não havia a
distinção entre as dimensões de autoridade interna e externa ou de público e privado. Nesse
sentido, o autor Spruyt (1994 apud CASTRO, 2001, p. 8) pondera:

Ocupantes de um território espacial específico estavam sujeitos a uma


multiplicidade de autoridades superiores. Dada esta lógica ou organização, é
impossível distinguir entre atores conduzindo relações internacionais daqueles
envolvidos na política doméstica e operando sob a forma hierárquica. Bispos, reis,
senhores feudais e cidades assinavam tratados e faziam guerra. Não havia um ator
ainda com um monopólio sobre os meios de coerção pela força. A distinção entre
atores privados e públicos estava ainda por ser articulada.

Assim, embora aparentassem as relações entre imperadores, papas, reis, barões,


cidades e outros agentes das diferentes comunidades não caracterizavam relações
internacionais no sentido moderno, pois elas não se davam entre estados soberanos
territoriais; tratavam-se apenas de relações entre pessoas e instituições. Com efeito, o que
antecedeu o estudo das relações internacionais como disciplina orientada para determinar o
fundamento político das relações entre pessoas de comunidades distintas foi o direto das
gentes (jus gentium). Desde a Roma Antiga até o século XVII, os relacionamentos entre os
povos eram estabelecidos a partir do direito das gentes ou do direito das nações. Esse
direito se desenvolveu nesse mesmo período e era constituído por um conjunto de práticas

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e métodos intelectuais que se ocupou em gerar materiais constitutivos do exercício da
autoridade referente a tais relacionamentos.
Conforme Castro (2001), em Roma, o chamado jus civile (direito civil) aplicava-se
somente aos romanos, não a estrangeiros. À medida que o Império Romano expandia-se
comercial e geograficamente, os problemas para solucionar disputas entre estrangeiros e
entre estes e os cidadãos romanos surgiam. Com a finalidade de estabelecer parâmetros de
mediação nas regiões sob o auspício de Roma, foi instituído, em 242 a.C., o praetor
peregrinus. Em sua atuação, o praetor peregrinus lançava mão de partes do direito romano e
de normas estrangeiras (principalmente gregas). Essa fusão foi baseada nos princípios de
equidade.

Esse modelo ficou conhecido como jus gentium, ou direito das gentes, pois, em todo o
período no qual “o direito romano que é apropriado e adaptado, e que se torna dominante,
adquire caráter universalista, de vocação “supranacional” e associado a valores cristãos,
sendo aplicável a toda cristandade” (CASTRO, 2001, p. 9-10), ele esteve voltado tão somente
para as relações entre pessoas, uma vez que não se tratava ainda de relações entre estados
soberanos.

A partir do direito das gentes, materiais normativos que regulavam os relacionamentos


estabelecidos entre os distintos povos e sociedades foram desenvolvidos. Esses materiais
abordavam tópicos como o uso da força, as relações comerciais, entre outros. A respeito do
uso da força, Castro (2001, p. 9-10) salienta que tais normas:

[...] tratavam das formas de violências legítima e ilegítima; da isenção da violência


(formas de iniciar guerras, casos de guerra justa, técnicas de combate, isenção de
estrangeiros políticos ou comerciantes com relação à violência, prisioneiros de
guerra etc.); das delegações de autoridade para a conquista e dominação
(autorizações papais); dos procedimentos para o estabelecimento de isenções da
violência (formas dos tratados, juramentos etc.); e de procedimentos arbitrais
(negociação de isenções da violência).

Holzgriffe (1989 apud CASTRO, 2001, p. 10) ainda acrescenta que:

O direito mercantil e marítimo medieval, por exemplo, regulava o comportamento


de mercadores marítimos individuais, enquanto costumes feudais relativos ao
desafio formal, ao tratamento de arautos e prisioneiros, à captura e resgate de
reféns, à intimação de cidades e à observação de tréguas aplicavam-se a cavaleiros
individuais. O direito eclesiástico sobre a santidade dos contratos, a imunidade de
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agentes diplomáticos, a proibição de armas perigosas, o tratamento de prisioneiros
cristãos, a guerra justa e a “trégua de Deus” aplicava-se a cristãos individuais. As
normas baseadas nos preceitos do direito romano aplicavam-se aos membros
individuais das comunidades que as aceitavam.

Dentro dessa organização social, a existência das organizações internacionais não era
possível pelo fato de sua existência pressupor um acordo entre Estados iguais dispostos a
renunciar a alguns de seus diretos em prol da organização. Segundo Araújo (QUE ARAÚJO?
ANO, PÁGINA...), isso “era impossível naquela época em que as guerras de conquista se
sucediam e impérios se formavam e desapareciam na voragem do tempo e ao entrechoque
das ambições”.

Já nos séculos XVI e XVII, começa a tomar corpo uma nova configuração institucional,
resultado de dinâmicas políticas e econômicas estabelecidas entre grupos sociais na Europa a
partir do renascimento do comércio no século XXI e da competição política e econômica que
se estabeleceu desde então entre diversas possíveis trajetórias de desenvolvimento
institucional, tais como ligas urbanas, cidades-estados e estados soberanos. A partir dessa
competição política e econômica das tendências de desenvolvimento institucional,
consolidou-se uma organização em torno de governos capazes de garantir a vida dos
indivíduos de uma forma específica: a do Estado territorial soberano como responsável por
organizar, regular e constituir a vida social entre o conjunto de instituições (sociedade) que
habitasse determinado território, sendo elas parte de uma mesma nação.

A política passou então a ser determinada pelo território e institucionalizada de forma


a ser possível distinguir entre o direito interno – unidades políticas nas quais os príncipes
adquiriram autonomia política para adotar leis, princípios religiosos etc. – e o direito vigente
entre unidades políticas distintas. A exemplo disso, temos que:

[...] Francisco Suárez (1548-1617) já distingue entre dois significados de jus


gentium: (a) o direito que as diversas cidades ou reinos (civitates vel regna)
observam em si mesmos (intra se); e (b) o direito que todos os povos e nações
observam em suas relações recíprocas (inter se) (CASTRO, 2001, p. 11).

Na segunda metade do século XVII, com a chamada Paz de Westphalia, o direito das
gentes se modificou para atender as novas realidades correspondentes ao surgimento dos
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estados territoriais soberanos: ele assumiu a condição de direito internacional. A Paz de
Westphalia é resultado de um conjunto de tratados diplomáticos firmados em 1648 entre as
principais potências europeias, que colocaram fim à Guerra dos Trinta Anos (1618-1648).
Esta última consistiu num conflito generalizado entre países europeus (católicos versus
protestantes), no qual razões de ordem religiosa se misturavam com motivações políticas.

As potências católicas, especialmente a Espanha e a Áustria, governadas pela dinastia


Habsburgo, apoiavam o Sacro Império (também pertencente à dinastia) e tentavam
estabelecer uma hegemonia na Europa, criando um Império Supranacional. De outro lado, as
potências protestantes escandinavas apoiavam as cidades comerciais e principados
protestantes. Na iminência da vitória do campo católico, a França, também católica, mas
ferrenha inimiga dos Habsburgos entrou no conflito em apoio aos protestantes, salvando-os.

Os tratados assinados em Westphalia legitimaram o status quo anterior ao conflito,


que ainda reconhecia uma sociedade de Estados fundada no princípio da soberania
territorial. A partir disso, todas as formas de governo passaram a ser legítimas. Da mesma
forma, passou a valer a não intervenção em assuntos internos dos demais Estados,
respeitando o princípio de tolerância e liberdade religiosa escolhida pelo príncipe (cuius
régio, eius religio: quem tem a região tem a religião); Também a independência dos Estados,
detentores de diretos jurídicos iguais, passam a ser respeitados pelos demais membros, uma
vez que partes com direitos iguais não têm capacidade para julgar seus semelhantes.

Como se vê, o modelo estabelecido em Westphalia instaurou condições de autonomia


aos Estados sem, no entanto, criar obrigações mútuas entre eles, o que motivou, a partir de
então, preocupações no sentido de gerar “estruturas de cooperação internacional capazes de
constituir a base de processos políticos mundiais para se atingir a paz duradoura, chamados
projetos de paz perpétua” (CASTRO, 2001, p. 12).

Entre os projetos mais conhecidos, está o de abbé de Saint-Pierre (1658-1743), que


assegurava que apenas acordos firmados entre os Estados não seriam capazes de estabelecer
a paz. Para isso, era necessário que os Estados se unissem em uma confederação, cujo órgão
principal seria um Senado formado por representantes de todos os Estados. Os conflitos
seriam solucionados pela arbitragem e sua decisão deveria ser acatada pelos envolvidos sem

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que recorressem à guerra, pois, se o fizessem, estariam sujeitos a sanções decretadas pela
organização que, para esse fim, possuiria um exército próprio.

Apoiada sobre um direito internacional adaptado do jus gentium, a política


internacional passou a balizar os relacionamentos interestatais e, por conseguinte,
possibilitou que um conjunto de práticas diplomáticas, segundo Castro (2001, p. 13),
“governado por um consenso das elites aristocráticas europeias, em cujas mãos haviam
permanecido os assuntos de política internacional e, portanto, as decisões, e sobre os
objetivos e oportunidades do uso da capacidade militar e diplomática das grandes
potências” resultasse no que ficou conhecido como concerto europeu, que pressupunha a
igualdade entre estados que cooperavam sob o direito internacional.

O instrumento principal dessa aparente solidariedade política entre os Estados


soberanos se dava pela noção de equilíbrio de poder ou balança de poder, que regia as
relações internacionais com o objetivo de manter a correlação de forças históricas entre as
potências europeias. Isto porque já se observava a possibilidade de um ou outro Estado se
reforçar mais rapidamente ou mesmo fazer anexações territoriais, causando, assim, uma
percepção de instabilidade de poder aos demais. Tal como se estabelecia, a política refletia
os aspectos descritos por pensadores como Maquiavel (1469-1527) e Hobbes (1588-1679).

Figura 2 – Thomas Hobbes (1588-1679) e Nicolau Maquiavel (1469-1527)

Fonte: http://ahistoriapresente.blogspot.com.br/2014/07/processo-de-formacao-da-sociedade-de.html

Realista e pragmático, Maquiavel, ao relatar o caos e a instabilidade política então


existentes nos conflitos entre as diferentes cidades-estados da Itália, apontava para questões
sobre poder, balança de poder, formação de alianças e, sobretudo, para a segurança
nacional, razão pela qual o príncipe poderia perder seu estado caso não se preocupasse com
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as forças e ameaças internas e externas. O ápice das teses de Maquiavel está na defesa do
uso de quaisquer recursos ou métodos para que os interesses e a segurança do Estado sejam
preservados. Não menos pessimista com relação à natureza humana, Hobbes deixa
transparecer em seu livro Leviatã que, na ausência de uma autoridade central, haveria uma
situação permanente de guerra na qual todos lutariam contra todos num estado de total
anarquia. Neste, seriam inevitáveis a suspeita, a desconfiança, o conflito e a guerra.

Nesse sentido, pode-se atribuir como característica essencial da política internacional


do modelo westphaliano da segunda metade do século XVII até o início do século XX:

[...] um programa selvagem de exploração colonial e formação de alianças secretas


e acirradas rivalidades, num complexo jogo de interesses políticos e econômicos,
frequentemente destrutivo das sociedades colonizadas e instigador de tensões
políticas entre os países europeus (CASTRO, 2001, p. 14).

Mesmo gozando de uma relativa paz nesse período, a forma institucional da política
internacional, eminentemente moderna, apoiada no direito internacional e obtida a partir de
Westphalia – não foi capaz de evitar a eclosão da Primeira Guerra Mundial, em 1914. O
desastre da Primeira Guerra Mundial, o conflito mais destruidor até então, esboçou
mudanças na condução da política internacional. Um conjunto de propostas para adoção de
várias iniciativas e medidas cooperativas destinadas a prevenir a guerra e manter a paz foram
apresentadas em 1918 pelo presidente estadunidense Woodrow Wilson.

Ao tentarem estabelecer novas bases para a política internacional em busca de um


mundo ideal, as propostas de Wilson emergem como uma provável saída para as
conflituosas e obscuras relações dos países europeus. Assim, nascia o idealismo, que mais
tarde viria a compor o primeiro grande debate das relações internacionais como campo
científico, cabendo aqui, portanto, somente mencionar sua importância para a evolução das
relações internacionais.

1.3 SOCIEDADE, ESTADO E PODER

A geopolítica é um tema contemporâneo que surgiu após o período da Guerra Fria e da


subsequente transformação do paradigma das relações internacionais – de bipolaridade para
multilateralidade. Esse tema trouxe um impacto nas interfaces sociais, políticas e
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econômicas. Todavia, para compreender esse fenômeno, que está intrinsecamente ligado ao
processo de globalização, torna-se essencial compreender três elementos básicos de uma
nação e sua inter-relação. São eles: sociedade, espaço e poder.

Para diversos pensadores das ciências sociais e da política, como Hobbes, Locke e
Rousseau, a sociedade era definida e associada à criação do Estado, visto que suas
concepções advinham do pensamento e reflexão da natureza humana. Com sua obra Leviatã,
Thomas Hobbes foi possivelmente um dos primeiros dentre os demais filósofos políticos a
enfatizar de uma maneira sistemática as questões relativas à origem da sociedade.
Entretanto, era fundamental distinguir o estado de natureza e a sociedade para que se
justificasse a livre associação entre os homens em uma espécie de “acordo artificial”.

Não obstante, observa-se a importância do território como expressão legal e moral de


um Estado, sendo a união entre o solo e o povo que ali habita a constituição de uma
sociedade. Essa definição, dada por Friedrich Ratzel, refere-se à associação da
territorialidade a uma identidade específica seja de cunho cultural ou referente à
proximidade geográfica –, de forma a não haver, teoricamente, contradições internas a um
determinado Estado, que seria fixo em tempo e espaço, características que só seriam
alteradas por meio do uso da força (RATZEL, 1990).

Contudo, no decorrer dos últimos 20 anos, essa concepção de território recebeu um


sentido diferente, mais amplo, e abordou uma vasta gama de questões pertinentes ao
domínio físico e/ou simbólico de determinada área. Atualmente, denota-se que as fronteiras
que separam os indivíduos no século XXI revelam uma pluralidade de diferenças que se
estendem nas vertentes culturais, no alinhamento político e nas associações regionais entre
as nações. Assim, o estudo dos territórios ganhou novamente importância devido ao fim da
bipolarização, tanto do ponto de vista militar quanto econômico, e deu espaço para o
desenvolvimento de novos acordos federativos que legitimam as novas políticas e as
chamadas áreas de influência. Dessa forma, o estudo dos territórios serve como base para o
entendimento de fenômenos do mundo moderno, como a fragmentação e a regionalização.

No decorrer das décadas, nota-se que esses conceitos foram se adaptando à realidade
das nações e do mundo e deram origem à ideia de Estado-nação – apesar da diferença entre
esses dois conceitos e seu respectivo papel no ordenamento político, econômico e cultural
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na conjuntura global. Assim, segue-se ainda a premissa de que um Estado, para ser
reconhecido como tal, deve cumprir quatro condições básicas: ter uma base territorial, ter
fronteiras definidas geograficamente, ter uma população e ter um governo reconhecido por
essa população e pelos demais Estados independentes. A diferença crucial entre o conceito
de Estado e nação, portanto, recai sob o fato de que a nação é representada por um grupo
de indivíduos que compartilham do mesmo conjunto de características, ou seja, costumes,
língua e história.

A denominação Estado-nação se torna uma ferramenta de autodeterminação e criação


da identidade nacional, ferramenta esta soberana e que possui o poder de decidir as
condições e ideais aos quais se deve ou não submeter. Entretanto, os Estados estão
constantemente envolvidos em conflitos para (re)definirem questões territoriais, seja por
litígios oriundos de problemas históricos, por tentativa de expansão territorial de seus
domínios ou por interesses econômicos e estratégicos. No entanto, numa perspectiva mais
ampla, é possível reconhecer que a nova geopolítica das nações na virada do século XXI tem
demonstrado um grande movimento de mobilização social e política a favor de
transformações sociais e igualitárias de sociedades afetadas por alterações no sistema
mundial.

Depois dos anos 1990, o mundo passou por uma era de conflitos ideológicos seguidos
de uma reafirmação do ideal liberal, aprofundando-se cada vez mais em debates que
envolvem, implícita ou explicitamente, temas como poder e manutenção do status quo e da
situação do sistema internacional. Portanto, o cenário global vivencia uma constante
redefinição e reposicionamento dos Players no contexto socioeconômico e torna-se
impossível compreender essas relações de poder sem ter conhecimento do real significado
da palavra poder e de sua aplicação na geopolítica contemporânea.

Dessa forma, deve-se ressaltar, a priori, a relevância dos pensadores clássicos e sua
abordagem no campo da ciência política, juntamente com o entendimento dos conceitos de
realismo e idealismo, utilizados constantemente para explicar os acontecimentos e a
dinâmica internacional. O estudo da geopolítica e das relações internacionais
inevitavelmente envolve o estudo das relações de poder entre os Estados. Todavia, poder é
uma palavra que pode ser usada em diversos contextos e de formas distintas. No campo

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geopolítico internacional, o mais importante a se compreender é que a quantidade de poder
que uma nação possui não representa, necessariamente, sua política ou comportamento no
cenário global.

Quando nações agem e fazem uso do poder para impor seus interesses – a exemplo de
medidas coercitivas – ou simplesmente se deixam ser influenciadas pelas outras, há uma
instabilidade e surgem descontinuidades na política entre os Estados. Há um confronto entre
a manutenção do poder e o uso efetivo da força. Uma das abordagens que define as
questões de poder nas relações internacionais é a descrita como realismo defensivo,
caracterizado por Kenneth Waltz como a tendência que as nações possuem de buscar o
equilíbrio, dando origem ao termo balança de poder.

Figura 3 – Balança de Poder

Fonte: https://image.slidesharecdn.com/10hansmorgenthau-120301145450-phpapp02/95/10-hans-
morgenthau-17-728.jpg?cb=1330613910

Assim, a balança de poder, seja ela regional, global ou sistêmica, pode ser também
unipolar, bipolar, multipolar equilibrada ou multipolar desequilibrada:

• Unipolar: quando uma potência hegemônica está presente, ou seja, quando um


Estado possui mais poder perante os demais que compõem o sistema;
• Bipolar: dois Estados detêm a mesma quantidade de poder, mas são superiores aos
demais que compõem o sistema;
• Multipolaridade equilibrada: três ou mais Estados dentro da balança de poder
possuem poder relativamente semelhante;

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• Multipolaridade desequilibrada: há três ou mais Estados dentro da balança de
Poder, mas somente um deles possui mais poder que os demais.

Em um mundo globalizado, a balança de poder funciona como um eixo que norteia as


decisões. Esse eixo é composto por diversos países com pesos diferentes na política
internacional. Em conjunto, esses países conseguem fazer frente ou ao menos se destacar
perante os chamados hegemônicos. O poder na geopolítica é designado por meio de
diversas interfaces, sejam elas econômicas, políticas ou bélicas. Conjugadas, elas
representam uma liderança, como a que há décadas é sustentada pelos Estados Unidos.

Contudo, para John Mearsheimer, em sua obra The tragedy of great power politics
(2001), o poder ou a falta dele determina tanto a habilidade de influenciar quanto de ser
influenciado. Essas demonstrações de poder podem ser diferenciadas entre duas vertentes.
A primeira é relacionada ao poder potencial, que leva em conta os tamanhos da população e
da riqueza do Estado em questão, os fatores que sustentarão as forças. A segunda,
relacionada ao poder concreto, ilustra o panorama contemporâneo repleto de intervenções
militares e guerras regionais, no qual se destaca o poderio bélico. Aqui, a ênfase é dada às
forças armadas e às forças terrestres, navais e aeronáuticas, sendo a principal delas a
terrestre, visto que, no caso de uma conquista territorial, é ela que controlará e ocupará a
região.

Desse modo, pode-se dizer que o realismo e a estrutura de poder do sistema


internacional contemporâneo são vistos como fenômenos e conceitos relativos aos
interesses individuais de um determinado Estado-nação. Por sua vez, esses interesses estão
diretamente interligados às relações de poder. Na geopolítica das nações, não há espaço
somente para alianças baseadas em médias estatísticas, semelhanças culturais/sociais ou
analogias históricas. As questões ideológicas e relacionadas ao poder só se fazem eficazes
quando coincidem com as necessidades e interesses dos países do ponto de vista da
segurança nacional e, principalmente, do desenvolvimento econômico/social. Devido às
circunstâncias, na geopolítica atual, a expansão territorial e o imperialismo dos séculos
anteriores perdem lugar para o desenvolvimento intensivo da economia, visto que novos
investimentos na indústria aumentam o poder de barganha do Estado e elevam seu status.

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Logo, uma economia forte não investe necessariamente apenas em armamentos e
desenvolvimento de tecnologias bélicas, mas sim sustenta e expande sua indústria para
abranger e competir no mercado internacional. Ao valer-se dos recursos minerais e naturais,
do petróleo e da tecnologia, grande potencial e diferencial entre as nações que os detêm ou
não –, a economia se torna uma das principais fontes de poder e sinônimo de liderança
global.

Você já observou como a geopolítica tem sido importante e central para as


questões contemporâneas das relações entre os Estado na esfera internacional
nas últimas décadas?
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Texto – Saiba mais sobre o papel da Amazônia na geopolítica do Século XXI


https://rccs.revues.org/5993

Texto – O Brasil no centro da geopolítica mundial


http://jornalggn.com.br/blog/luisnassif/o-brasil-no-centro-da-geopolitica-
mundial

Vídeo – Geopolítica
https://www.youtube.com/watch?v=XNjJru0cU3I
_________________________________________________________________

BACKHEUSER, Everardo. Geopolítica e Geografia Política. RBG. IV, n. 1. Rio de Janeiro: IBGE,
1942.

19
CARVALHO, Marcos B. de. Ratzel: releituras contemporâneas. Uma reabilitação? São Paulo:
AGB, n. 13, 1997.

CASTRO, Iná Elia de. Geografia e Política. São Paulo: Bertrand Brasil, 2010.

CLAVAL, Paul. Evolución de la Geografía Humana. 2. ed. Barcelona: Oikos-Tau, 1981.

COSTA, Wanderley Messias da. Geografia Política e Geopolítica. São Paulo: EDUSP, 2008.

DEFARGES, Philippe Moreau. Introdução à Geopolítica. Lisboa: Gradiva, 2003.

FONT, Joan Nogue; RUFI, Joan Vicente. Geopolítica, Identidade e Globalização. São Paulo:
Annablume, 2006.

HOBSBAWM, Eric J. Nações e nacionalismo desde 1780: programa, mito e realidade. São
Paulo: Paz e Terra, 2004.

MAMIGONIAN. Armen. Geopolítica contemporânea e blocos regionais. XIX Semana de


Geografia da Universidade Estadual de Londrina. Londrina: Universidade Estadual de
Londrina, 2003.

MORAES, Antonio Carlos Robert. Geografia: pequena história crítica. 19. ed. São Paulo:
Annablume, 2003.

RATZEL, Friedrich. O Solo, a Sociedade e o Estado. In: Revista do Departamento de Geografia.


São Paulo: USP/DG, n. 2, 1983.

TOSTA, Octavio. Teorias geopolíticas. Rio de janeiro: Biblioteca do Exército, 1984.

VIZENTINI, Paulo Fagundes. Relações internacionais do Brasil: de Vargas a Lula. São Paulo:
Ed. Fundação Perseu Abramo, 2003.

VICENS VIVES, Jaume. Tratado General de Geopolítica. Barcelona: Vicens-Vives, 1951.

Até aqui aprendemos a diferença entre geografia politica e geopolítica, história,


conceitos, bem como as relações da geopolítica com sociedade, Estado, poder. Na próxima

20
unidade, passaremos a estudar as relações entre geopolítica e territórios, sob um enfoque
clássico e aplicado à estratégia militar.

Vamos juntos!

21
UNIDADE II - GEOPOLÍTICA E TERRITÓRIOS – UMA
ABORDAGEM ESTRATÉGICA CLÁSSICA

Apresentação da Unidade II

Prezado aluno, seja bem-vindo a nossa segunda unidade!

No decorrer dos estudos e trabalhos relativos à Geopolítica, surgiram elementos que


passaram a ser considerados básicos na definição da influência dos fatores geográficos nas
análises e decisões políticas com relação ao poder do Estado no contexto mundial, assunto
do próximo texto.

Com a evolução científico-tecnológica dos últimos anos e a complexidade das diversas


variáveis que passaram a influir na aplicação do poder, elementos básicos tornaram-se
importantes para uma análise geopolítica inicial dos Estados, mostrando a tendência de suas
decisões.

Ficaram consagrados na literatura clássica sobre o tema como elementos básicos da


geopolítica:

✓ Tendência dos Estados em face das condições geográficas;


✓ Forma dos territórios dos Estados;
✓ Posição dos territórios dos Estados

22
Figura 4 – Mapa mundial

Fonte: http://www.estadosecapitaisdobrasil.com/mapa-mundi/

Para melhor entendimento desses elementos básicos, faremos sucintas considerações


sobre cada um.

Bons estudos!

2.1 TERRITÓRIOS QUANTO ÀS CONDIÇÕES GEOGRÁFICAS

Entenda-se como as melhores condições geográficas do Estado ou a sua tendência de


possuí-las politicamente, facilitando suas relações com o restante do mundo. Neste sentido,
podemos falar de condições geográficas quanto a vários aspectos, a seguir descritos.

O primeiro, quanto ao acesso à totalidade das bacias hidrográficas. Quando a bacia


hidrográfica encontra-se totalmente no território de um Estado, ele possui, naturalmente, o
domínio total dessa bacia. No entanto, quando há compartilha com Estados vizinhos, só o
acesso lhe será garantido. Neste caso, se a nascente da bacia encontra-se em seu território, o
Estado terá domínio sobre essa e procurará acesso à foz para articular sua navegação fluvial
com as rotas oceânicas. Se, a foz encontra-se em seu território, o Estado possui o seu
23
domínio, porém, naturalmente procurará acesso às suas nascentes e aos rios formadores da
bacia. Desta maneira, tem a vantagem quem possui o domínio da foz pela sua articulação
natural com as rotas oceânicas. O compartilhamento de uma bacia hidrográfica,
normalmente, torna-se um potencial de atrito entre Estados vizinhos.

Quanto à posse de uma ou mais saídas para o mar, a saída para o oceano é de extrema
importância para um Estado, pelo fato de proporcionar acesso às rotas oceânicas,
fundamentais para o seu maior desenvolvimento. Caso seja um Estado mediterrâneo, estará
sempre dependente de um vizinho. Os Estados não se satisfazem com as saídas para o mar
em um só sentido, normalmente procuram acesso também no sentido oposto, o que poderá
ser obtido através de ações políticas e pacíficas com Estados vizinhos, mediante “corredores
de exportação”. A situação ideal é a que o Estado possua acesso territorial aos mares
opostos.

Quanto ao acesso às costas opostas, o acesso contém alto grau de importância por
facilitar a projeção pacífica do Estado aos seus confrontantes, através dessa fronteira sem
grandes obstáculos, que são os mares. Desde a Antiguidade, a História constata a forte
atração pelo domínio físico das costas opostas, o que na atualidade serve para facilitar as
relações sócio-econômico-culturais entre os Estados. Quanto ao acesso às grandes rotas
marítimas de suprimento, tais acessos são altamente importantes para assegurar o progresso
dos Estados e, por vezes, a própria existência de alguns. O acesso direto a essas rotas facilita
a inserção do Estado no contexto mundial.

Quanto ao estabelecimento de bases aéreas, quantas mais bases aéreas tiverem os


Estados, distribuídas pelo território, maior será sua condição de segurança e, principalmente,
de desenvolvimento e integração de áreas distantes em seu espaço estatal. Com o
desenvolvimento crescente das aeronaves no que se relaciona à velocidade e autonomia de
voo, não necessariamente se obriga à instalação de bases distantes, aliviando possíveis
tensões que sua instalação possa provocar em vizinhos.

Quanto à forma e posição dos territórios dos Estados, esses dois fatores geográficos
exercem significativa influência nas decisões políticas dos Estados, tanto no aspecto
econômico quanto no social, e, ainda, com relação à sua segurança, chegando a refletir até
mesmo em suas relações internacionais.
24
2.2 TERRITÓRIOS QUANTO ÀS FORMAS GEOGRÁFICAS.

A forma do território de um Estado é o espaço geográfico que ocupa, limitado por suas
fronteiras, existindo formas mais favoráveis à coesão e à defesa, outras menos favoráveis e,
outras, ainda, desfavoráveis, possibilitando cisão ou desarmonia, assim como dificultando a
defesa. Há dificuldade muito grande em se padronizar a classificação dos Estados pela sua
forma, tendo em vista as mais diversas formas territoriais existentes. Para facilitar esta
identificação em seus estudos de Geopolítica, estabeleceram-se quatro formas básicas, as
quais devem enquadrar todos os Estados, ainda que por aproximação. É uma metodologia
simples e plenamente aceita. São elas:

✓ Compacta (Ex.: França, Espanha, Venezuela, Alemanha, Brasil);


✓ Alongada (Ex.: Chile, Itália, Vietnã, EUA);
✓ Recortada (Ex.: Grécia, Canadá, Suécia, Dinamarca);
✓ Fragmentada (Ex.: Japão, Grã-Bretanha, Indonésia).

a) Forma compacta
Esta forma é a mais favorável à coesão do Estado pelo seu centripetismo cultural e
político-administrativo. Favorece, ainda, um crescimento econômico mais equilibrado pela
maior facilidade no intercâmbio comercial interno, facilitado pela circulação interna. Contém
uma maior área concentrada dentro de um mesmo perímetro, além de suas fronteiras
estarem também relativamente equidistantes do centro, favorecendo suas ações de defesa.

25
Figura 5 – Forma Compacta (Espanha)

Fonte: http://slideplayer.com.br/slide/296785/

b) Forma alongada
Quanto maior for o alongamento, maior será sua vulnerabilidade pela distância de seus
pontos extremos. Esta forma possui duas direções básicas diferentes que proporcionam
efeitos diversos. A forma alongada na direção dos meridianos (norte-sul) normalmente
possibilita a desarmonia pela antropologia cultural diferenciada, influenciada principalmente
pelas características climáticas distintas, podendo ocasionar até antagonismos sociais e
políticos.

Além disso, suas extremidades (em relação ao maior eixo) criam dificuldades para a
administração central. Economicamente, é favorável pela complementaridade da produção
agrícola diversificada e, quanto à defesa, é muito vulnerável, podendo o território ser
dividido nas suas partes mais estreitas.

A forma alongada na direção dos paralelos (Leste-Oeste) tem maiores possibilidades de


manter a coesão, por não haver tanta diferença na sua antropologia cultural, diminuindo os
riscos de desarmonias sociais e antagonismos políticos. Permanecem as vulnerabilidades
apontadas na forma anterior no que diz respeito às dificuldades, apesar de menores, para a
administração central e para a defesa.

26
Figura 6 – Forma Alongada (Itália)

Fonte: http://prati.com.br/genealogia/mapas-italiabrasil

c) Forma recortada
Esta forma também possui duas variantes que produzem efeitos diversos.

A forma recortada de Estados mediterrâneos, proporcionando reentrâncias


penetrantes em seu território, facilita influências externas, podendo criar polos de atração
por parte de vizinhos e possibilitando áreas de desarmonia e antagonismos. Dificulta a
coesão social e política, além de causar grande vulnerabilidade no que diz respeito à defesa
de suas fronteiras.

A forma recortada de Estados litorâneos apresenta a vantagem de possibilitar a


existência de vários portos marítimos em suas reentrâncias, facilitando as relações
socioeconômicas com outros Estados por meio da navegação de longo curso. Porém,
apresenta grande desvantagem relacionada ao grau de vulnerabilidade para sua defesa
territorial.

27
Figura 7 – Forma Recortada (Grécia)

Fonte: http://profesorguillermoroca.blogspot.com.br/2015/

d) Forma fragmentada
Dentre todas as formas de território, esta é a mais desvantajosa, tanto no aspecto
cultural, político e econômico quanto no administrativo, na defesa de sua unidade e de sua
soberania. Essa descontinuidade territorial pode ser terrestre ou marítima. Na terrestre, há
possibilidade da criação de enclaves, causadores de problemas por vezes insolúveis.

Figura 8 – Forma Fragmentada (Japão)

Fonte: https://imagenseviagens.com.br/2017/02/16/um-toque-de-japaoein-hauch-von-japana-taste-of-
japan/comment-page-1/

28
Concluindo, foram apresentados resumidamente aspectos quanto às formas territoriais
dos Estados, a serem consideradas no processo da análise geopolítica, juntamente com
outras variáveis.

2.3 TERRITÓRIOS QUANTO ÀS POSIÇÕES GEOGRÁFICAS.

Quanto à posição do Estado, a Geopolítica não se prende somente à localização do seu


espaço físico no planeta, definido por coordenadas geográficas, que acarretam
consequências do ponto de vista climático, de habitabilidade e de recursos naturais, e até
criando predestinações polêmicas para os Estados. Leva em consideração também e
principalmente sua situação no âmbito mundial, no espaço regional e no relacionamento
inter-regional.

Por isso mesmo, a Geopolítica considera em seus estudos os seguintes aspectos:

a) Latitude (suas coordenadas geográficas);


b) Continentalidade ou maritimidade (espaço sujeito à acessibilidade);
c) Situação relativa aos Estados vizinhos (esferas de influência ou pressões);
d) Relevo (formas de relevo).

Latitude – definida pelas coordenadas geográficas do espaço físico ocupado pelo


Estado no planeta. Além das diversas teorias altamente polêmicas sobre as influências
deterministas acerca do desenvolvimento ou não das sociedades humanas localizadas nesta
ou naquela latitude, influenciando a habitabilidade e o potencial em recursos naturais, é
importante se analisar a acessibilidade às rotas internacionais de tráfego marítimo e aéreo,
principalmente em relação ao seu grau de dependência do comércio exterior, assim como a
análise da proximidade ou não dos centros dinâmicos do poder, que dominam ou influem na
conjuntura do Estado e do mundo.

29
Continentalidade ou maritimidade – é a relação entre a extensão da fronteira terrestre
e a soma da extensão da fronteira terrestre com a extensão da fronteira marítima do Estado,
gerando um quociente de continentalidade (QC).

QC = EXTENSAO DE FRONTEIRA TERRESTERRE >> 1

EXTENSAO DE FRONTEIRA TERRESTRE + EXTENSAO DE FRONTEIRA MARITIMA

A continentalidade, ou seja, situação de mediterraneidade da base física de um Estado,


será constatada quando o resultado for mais próximo de 1, chegando ao máximo de sua
continentalidade quando o resultado for igual a 1, ou seja, que o Estado é totalmente
mediterrâneo. Quando o resultado for igual a 0, encontramos o máximo de maritimidade.
Assim, quanto maior for a continentalidade de um Estado, tanto menor será seu grau de
liberdade, maior será sua dependência dos vizinhos; logo, tanto maior será a ameaça à sua
soberania.

A maritimidade é dada também pelo cálculo inverso ao da continentalidade. Quando o


resultado for igual a 1, ter-se-á a total maritimidade ou insular e quando for igual a 0, tem-se
a continentalidade, ou seja:

QM = EXTENSAO DE FRONTEIRA TERRESTERRE << 1

EXTENSAO DE FRONTEIRA TERRESTRE + EXTENSAO DE FRONTEIRA MARITIMA

A maritimidade de um Estado é fator favorável ao intercâmbio social e econômico com


o resto do mundo, proporcionando grande liberdade de movimento e fortalecendo sua
soberania. Com relação a este aspecto, os Estados podem ser classificados em:

• Marítimos: quando há predominância de fronteiras litorâneas. Ex.: Japão, Inglaterra


e Indonésia; Estados com o grau máximo de maritimidade (QM = 1).
• Continentais: quando há predominância de fronteiras terrestres. Ex.: Suíça, Paraguai
e Bolívia; Estados com o grau máximo de continentalidade (QC = 1).

30
• Mistos: quando existem tanto fronteiras terrestres quanto marítimas. Seu quociente
é que fornecerá a maior ou menor proporcionalidade de uma ou de outra. Ex.:
Brasil, Estados Unidos, Argentina.

Situação relativa aos países vizinhos – é um aspecto muito importante na análise


geopolítica do Estado, levando-se em conta o maior ou menor poder dos Estados vizinhos,
pois possibilita: identificar as áreas de influência externa sobre o espaço continental;
identificar as zonas de fricção atuais e latentes, podendo estimar ações ou reações
necessárias; considerar o dinamismo da osmose fronteiriça e identificar e balizar as vias
naturais de penetração. Deve-se levar em conta que Estados poderosos poderão exercer
pressão sobre Estados vizinhos pequenos, atraindo-os para sua área de influência,
principalmente mediante assinaturas de acordos ou alianças, chegando, por vezes, a
pressões tão fortes que venham a ameaçar sua soberania. Torna-se evidente que esses
aspectos são fundamentais para o planejamento de política externa aproximada.

Relevo – este aspecto é também da maior importância na análise geopolítica de um


Estado, tendo em vista que suas características determinarão as condições favoráveis ou
desfavoráveis para as atividades humanas, determinando as possibilidades da atuação do
homem sobre a terra e os possíveis fluxos de sua circulação.

As planícies e os planaltos sempre facilitaram a circulação humana e a exploração da


terra, ou seja, favorecem as condições da vida humana. Já as montanhas, foram por muito
tempo obstáculos ao desenvolvimento humano, tornando-se fator dispersivo da civilização
por dificultar seu trânsito; na atualidade, com o avanço tecnológico, esta dificuldade está
muito atenuada. Exceção se faça a montanhas de grande elevação, que ainda oferecem
limitações à vida animal e vegetal.

Os rios, consequentes das elevações, quando navegáveis, são excelentes meios de


integração terra-mar, quando têm a foz no mar ou no oceano, e de integração interior,
quando correm dentro do próprio território ou também em território de Estados vizinhos.
Neste último caso, por vezes, podem ocasionar antagonismos e até conflitos. Quando não

31
navegáveis, apresentando quedas ou saltos, são valiosas fontes de energia elétrica, fator de
crescimento econômico e desenvolvimento social.

Estes são elementos essenciais para o conhecimento e análise da geopolítica e sua


abordagem territorial sob o enfoque estratégico e militar. Apesar das inúmeras críticas
quanto à escola e à abordagem clássica da geopolítica, este conhecimento tem readquirido
relevante importância nos últimos anos.

Você já pensou como a forma territorial e a posição geográfica dos Estados


membros da União Europeia tem sido relevante na entrada, trajeto e destino dos
refugiados da crise imigratória da Síria?
_________________________________________________________________

Texto – Saiba um pouco mais sobre a larga fronteira marítima italiana e a crise
imigratória na Europa

https://oglobo.globo.com/mundo/italia-triplica-patrulha-maritima-desafia-ue-
evitar-novos-naufragios-de-imigrantes-10352378

Vídeo – Geopolítica geoestratégica militar Brasil


https://www.youtube.com/watch?v=OL3a6mBXWXo

_________________________________________________________________

BACKHEUSER, Everardo. Geopolítica e Geografia Política. RBG. IV, n. 1. Rio de Janeiro: IBGE,
1942.

32
CARVALHO, Marcos B. de. Ratzel: releituras contemporâneas. Uma reabilitação? São Paulo:
Terra Livre. São Paulo: AGB, n. 13, 1997.

CASTRO, Iná Elia de. Geografia e Política. São Paulo: Bertrand Brasil, 2010.

CLAVAL, Paul. Evolución de la Geografía Humana. 2. ed. Barcelona: Oikos-Tau, 1981.

COSTA, Wanderley Messias da. Geografia Política e Geopolitica. São Paulo: EDUSP, 2008.

DEFARGES, Philippe Moreau. Introdução à Geopolítica. Lisboa: Gradiva, 2003.

FONT, Joan Nogue; RUFI, Joan Vicente. Geopolítica, Identidade e Globalização. São Paulo:
Annablume, 2006.

HOBSBAWM, Eric J. Nações e nacionalismo desde 1780: programa, mito e realidade. São
Paulo: Paz e Terra, 2004.

MAMIGONIAN. Armen. Geopolítica contemporânea e blocos regionais. XIX Semana de


Geografia da Universidade Estadual de Londrina. Londrina: Universidade Estadual de
Londrina, 2003.

MORAES, Antonio Carlos Robert. Geografia: pequena história crítica. 19. ed. São Paulo:
Annablume, 2003.

RATZEL, Friedrich. O Solo, a Sociedade e o Estado. Revista do Departamento de Geografia.


São Paulo: USP/DG, n. 2, 1983.

TOSTA, Octavio. Teorias geopolíticas. Rio de janeiro: Biblioteca do Exército, 1984.

VIZENTINI, Paulo Fagundes. Relações internacionais do Brasil: de Vargas a Lula. São Paulo:
Ed. Fundação Perseu Abramo, 2003.

VICENS VIVES, Jaume. Tratado General de Geopolítica. Barcelona: Vicens-Vives, 1951.

33
Nesta unidade, estudamos as relações entre geopolítica e territórios, notadamente a
geopolítica aplicada ao campo da estratégia militar.

Na próxima unidade, estudaremos a geopolítica e as relações internacionais, com


enfoque para a integração e regionalização, política externa e sistema internacional.

Vamos em frente!

34
UNIDADE III - GEOPOLÍTICA E RELAÇÕES
INTERNACIONAIS – UMA ABORDAGEM
CONTEMPORÂNEA

Apresentação da Unidade III

Caro aluno,
Seja bem-vindo à nossa terceira unidade!
Na unidade anterior, vimos as relações entre geopolítica e territórios, especialmente a
geopolítica aplicada ao campo da estratégia militar.
Na unidade III, vamos estudar sobre a geopolítica e as relações internacionais, com
enfoque para a integração e regionalização, política externa e sistema internacional.

Bons estudos!

3.1 GEOPOLÍTICA, REGIONALIZAÇÃO E INTEGRAÇÃO


As relações internacionais ditas contemporâneas, especialmente no século XX, podem
ser entendidas pela transnacionalização das relações econômicas, sociais, políticas e culturais
que ocorreram no mundo e, consequentemente, acabaram por tornar indefinidas as
fronteiras das políticas interna e externa dos Estados. O conjunto dessas relações vem
passando por significativas transformações. O impacto mais expressivo desse processo é a
elevação sustentada do comércio internacional, percebida a partir da última metade do
século XX até os dias de hoje. Esse impacto se manifesta por meio de um progressivo
crescimento do comércio entre países, seguido nas mesmas proporções por um fluxo de
capital, de informações e de pessoas.

Contudo, é evidente que os resultados desse movimento não são percebidos de forma
equitativa entre os países. O sistema internacional é composto por países heterogêneos,
sobretudo no aspecto econômico. Logo, é notável que a capacidade de alguns Estados para
levar adiante seus interesses é diferente da capacidade de outros. Nota-se, portanto, que a
igualdade estabelecida pelo Direito Internacional – todos os Estados são iguais entre si – não

35
se aplica a todas as arenas das relações internacionais, o que faz com que, dentro das
possibilidades e constrangimentos presentes no sistema internacional, cada Estado busque
ajustar adequada e estrategicamente suas ações.

Ao longo do curso, o estudo da geopolítica será realizado com uma abordagem


histórica da formação dos Estados e o elemento básico de sua atuação: a política externa.
Uma análise do sistema internacional e de suas possibilidades de cooperação e conflito será
feita à luz das principais teorias das relações internacionais. Além disso, discutiremos
também as motivações, dificuldades e experiências da formação dos blocos econômicos
regionais.

Em plano equivalente, o fenômeno da diversidade de organizações internacionais


adquire grande relevância, sobretudo a partir da Segunda Guerra Mundial, em função de
agora existir a necessidade de os Estados dimensionarem coletivamente certas competências
que antes pertenciam ao absoluto domínio nacional. Baseados no multilateralismo e na
diplomacia parlamentar, esses organismos representam um esforço civilizatório significativo
no contexto das relações internacionais e têm o objetivo de dirimir as relações conflituosas
oriundas do maior grau de interdependência das relações entre os Estados.

Esse quadro retrata a evolução jurídica que acompanhou as transformações da


sociedade internacional e as interações nela estabelecidas. Isso significa dizer que as relações
internacionais, incluindo-se aqui a geopolítica tal como estabelecida atualmente, podem ser
consideradas eminentemente modernas.

Nesse sentido, o objetivo desta unidade, num primeiro momento, será o de analisar
sucintamente e a partir de uma abordagem histórica as bases sob as quais distintos
indivíduos, comunidades, cidades, cidades-estados e Estados interagiam e estabeleciam suas
relações em um período anterior ao desenvolvimento das teorias das relações internacionais
e da geopolítica moderna. Em seguida e a partir da consolidação das relações internacionais
como campo de estudo científico, veremos dentro de que contextos alguns dos principais
discursos teóricos dessa nova ciência se desenvolveram e, da mesma forma, observaremos
como esses discursos abordam as possibilidades de cooperação e o papel das organizações
internacionais nas relações internacionais contemporâneas.

36
Quanto ao caráter e conceito das relações internacionais, como pode ser observado
nos veículos de comunicação, na sociedade em geral ou até mesmo nos meios acadêmicos, a
veiculação e o tratamento empreendidos à expressão relações internacionais nem sempre
produz um sentido claro ao que tal expressão deseja conferir. A dificuldade em empregar um
melhor significado à expressão é inerente, em parte, ao próprio termo internacional, que, na
evolução do modo de organização social, perdeu seu significado. Atualmente, a expressão
relações internacionais não significa interações entre nações, mas entre Estados, governos e
outros atores internacionais.

No trabalho Relações internacionais como campo de estudos, Lytton Guimarães


(2001) atribuiu o emprego sensato da expressão relações internacionais a pelo menos duas
dimensões. Numa primeira análise, conferiu a ela um sentido mais amplo e a vinculou ao que
“[...] se refere à gama de contatos e interações de natureza diplomática, política, econômica,
militar, social, cultural, étnica, humanitária, que se processam entre atores internacionais,
estatais e não estatais” (GUIMARÃES, 2001, p. 9). Numa abordagem mais específica, o autor
atribui sentido à expressão relações internacionais quando esta:

[...] refere-se ao campo de estudos acadêmicos que enfoca as diversas formas de


interações anteriormente descritas, assim como outras questões e fenômenos
considerados relevantes para se compreender e explicar a complexidade do cenário
internacional (GUIMARÃES, 2001, p. 10).

Esta última atribuição diz respeito à ciência das relações internacionais que, a exemplo
de outros campos do conhecimento, como a ciência política, a sociologia e a economia,
refere-se a um determinado conjunto de agentes (Estados, organizações internacionais,
organizações não governamentais, transnacionais etc.), instituições e processos específicos.
Ao desconsiderar o que aparentemente já está óbvio, ou seja, a gama de contatos e
interações de diversas naturezas que envolve tal conjunto de agentes, instituições e
processos específicos, a expressão relações internacionais pode ser traduzida de modo mais
simplista por questões transnacionais. Logo, são as questões transnacionais que compõem a
ampla agenda internacional que, por sua vez, é o alvo das ocupações dos estudiosos de
relações internacionais.

37
Entretanto, por suas complexidades, interações e abrangências, já mencionadas
anteriormente, não temos a pretensão de analisar as relações internacionais em sua
totalidade. Faz-se necessário, tão somente, esclarecer para o leitor o que se pode entender
ou o que se pode explicar quanto ao emprego da expressão relações internacionais dentro
de diferentes contextos ou abordagens.
A consolidação das relações internacionais como ciência social é recente. Muito
embora haja traços na história da humanidade que apontam para uma preocupação com o
fundamento político de uma ordem social pacífica no mundo desde a Antiguidade 1, o estudo
das relações internacionais é relativamente recente se comparado a outros campos das
ciências sociais (CASTRO, 2001).
Numa perspectiva histórica dos fatos que antecedem a política internacional e sua
teoria, Marcus Faro de Castro argumenta que o estudo acadêmico das relações
internacionais ganhou corpo e identidade própria somente no século XX, a partir do período
entre guerras e com o desenvolvimento da teoria das relações internacionais (TRI) (CASTRO,
2001). Desse modo, podemos admitir que o surgimento dessa ciência tem as preocupações
de como estabelecer os modos de interação das diferentes sociedades ao longo dos séculos.
Isso significa dizer que tais interações, dados os interesses particulares de cada parte,
geravam e geram situações conflituosas ou de cooperação. Assim, será importante
entendermos aqui como se organizavam as interações entre diferentes sociedades ao longo
de alguns séculos, ou seja, precisamos entender os precedentes históricos das teorias das
relações internacionais.

Figura 9 – Relações Internacionais

Fonte: http://jean-paulgblog4school.blogspot.com.br/2014/02/what-are-benefits-of-multiculturalism.html

38
3.2 GEOPOLÍTICA E POLÍTICA EXTERNA

Assim como o Brasil, outros países, ao estabelecerem suas formas de inserção


internacional no mundo globalizado, levam em consideração a importância de se definir
necessidades e interesses próprios atuais, baseando-se na consciência coletiva de se ter uma
presença e uma imagem internacionais. Reafirmando o que foi dito anteriormente, o modelo
de estado-nação eminentemente moderno, fundado no princípio da soberania e forjado em
Westphalia, outorga relativa independência na formulação da estratégia que orienta a ação
estatal no âmbito internacional. É por meio de suas receptivas políticas externas e de seus
recursos disponíveis que os países têm relativa autonomia para escolher seus caminhos, seja
para desenvolvimento econômico, capacitação tecnológica, maior participação no comércio
global, crescimento de índices sociais ideais, busca por poder, etc.

Quando se pensa as relações internacionais de comércio como uma saída assertiva


para países em desenvolvimento, há que se recorrer à teoria de interdependência. Ela
ajudará a entender as decisões das políticas externas desses Estados, já que eles não gozam
do mesmo grau de influência militar e tecnológica e não têm o mesmo nível de
desenvolvimento econômico. A conformação dos interesses nacionais individuais
indiscutivelmente geram oportunidades e constrangimentos recíprocos. Porém, antes de
tentar demonstrar que as relações internacionais de comércio podem consubstanciar o
desenvolvimento das nações, há que se entender o que é e quais são os objetivos da política
externa no contexto das relações internacionais.

As relações entre Estados, organizações internacionais, partidos políticos, organizações


não governamentais e outros atores situam-se dentro de uma ordem ou sistema
internacional e acabam por configurar as relações internacionais. Podemos considerar
sistema internacional como um meio em que se processam as relações entre os diferentes
atores que compõem e fazem parte do conjunto das interações sociais que se processam na
esfera internacional, envolvendo seus atores, acontecimentos e fenômenos. O sistema
internacional contemporâneo compreende uma sucessão de macroestruturas: euro
centrismo, transição entre guerras, sucessão da Segunda Guerra Mundial com a Guerra Fria
até o multipolarismo. Dentre essas marcantes etapas da história contemporânea, houve
ainda conflitos generalizados, revoluções, flutuações econômicas e outras crises.
39
A importância de conhecer essas macroestruturas dá-se pelo fato de que cada uma
delas corresponde a configurações específicas de poder. Contudo, os sistemas internacionais
podem ser examinados sob o ângulo de subsistemas, podendo ser divididos em ideologia,
desenvolvimento, conflito e segurança. Analisemos cada um deles:

• Ideologia: tem irrefutável influência na política internacional e está ligada ao modo


de organização do país no que concerne à política externa;
• Desenvolvimento: o nível de desenvolvimento de um país afeta diretamente sua
capacidade de ação internacional;
• Conflito: situações de tensão aguda ou conflito aberto constituem oportunidades
extremamente ricas para análise da realidade internacional;
• Segurança: os arranjos internacionais e os meios nacionais são instrumentos de
segurança externa, porém não se deve pensar apenas nos instrumentos militares,
mas também nos políticos, econômicos e socioculturais.

Definido o ambiente de atuação estatal, o processo de concepção da política externa


de um estado é tratado pelos analistas das relações internacionais a partir de enfoques
diferentes. Entretanto, o entendimento geral acerca da política externa segue alguns traços
comuns que sempre levam em consideração as motivações internas e os constrangimentos
externos.

Na definição de Seitenfus, a política externa é um “processo de percepção, avaliação,


decisão, ação e prospecção estatais, inclusive aquelas iniciativas tomadas no âmbito interno
que possuam uma incidência além-fronteiras”. A política externa é de caráter dinâmico e
ajustável, decorrente, portanto, da confrontação entre, de um lado, as aspirações internas
traduzidas pelo interesse nacional e os instrumentos de que dispõem para promovê-lo e, de
outro, as oportunidades e limitação oferecidas pelo sistema internacional.

Em outras palavras e seguindo a mesma linha de análise, a política externa pode ser
definida como um conjunto de parâmetros, instrumentos, limites e procedimentos que
orientam a tomada de decisões de autoridades de um país, referentes às relações desse país
com o restante do mundo, quanto à sua inserção internacional e em função dos seus

40
interesses. Diante dessas percepções, é possível reconhecer que as diferentes atitudes ou
posições de formulação das políticas implementadas pelos Estados são reflexos do interesse
nacional de cada Nação. Assim, tem-se que o interesse nacional encontra-se no âmago da
política externa dos estados e, por conseguinte, no centro das relações internacionais, que
por meio dele os chefes de estado tomam as decisões quanto às iniciativas diplomáticas, os
acordos comerciais, a constituição de blocos econômicos, os votos nas instâncias
multilaterais, as concessões de favores e a obtenção de vantagens entre os Estados.

Entretanto, diferentemente das proposições do realismo político, apresentadas


anteriormente, muitas vezes é um grande desafio delinear objetivos concretos para a política
externa. Há que se pesar que o conceito de interesse nacional é suscetível a um grande
número de variáveis e pode provocar percepções distintas e contraditórias. Nesse aspecto, as
análises superficiais devem dar lugar ao ceticismo, pois o interesse nacional não existe por si
mesmo, mas existe uma percepção majoritária dos responsáveis pela orientação da política
externa dos Estados. Alguns fatores podem ajudar a estabelecer parâmetros para balizar os
contornos da inserção de países no cenário internacional:

• Fatores estáticos e permanentes (dimensão, localização e população);


• Situações estruturais (regime político, sistema econômico, relações políticas e
econômicas com o mundo);
• Comportamentos conjunturais (posição em debates e crises internacionais).

O reconhecimento de tais diferenças é objeto de análise da política externa quanto a


seus objetivos, sua agenda, seus instrumentos e seu estilo de execução. Os objetivos são as
metas, anseios ou intuitos estratégicos estabelecidos como prioritários pelo governo de
determinado país para defender, promover e atingir seus interesses. Para atingir os objetivos
nacionais estabelecidos, o mesmo governo concebe um conjunto de estratégias: é o que
chamamos de agenda. Quanto aos instrumentos, estes compreendem os recursos
disponíveis e os necessários para implementação das estratégias nacionais estabelecidas. A
maneira, a forma, o modo, as práticas e os costumes que caracterizam a condução da política
exterior determina o estilo do governo em questão.

41
Em relação ao desenvolvimento, a pergunta que se faz é: como fazer das relações
internacionais de comércio uma agenda de inserção positiva? A resposta vem em linhas
gerais. A inserção internacional de um país e sua política externa devem considerar três
campos fundamentais de atuação nas relações internacionais:

Estratégico-militar: no que diz respeito ao risco de guerra ou desejo de paz, o campo


estratégico-militar representa o que o país significa ou pode vir a significar como aliado,
protetor, amigo ou inimigo;
Relações econômicas: indica o que o país representa para a comunidade internacional
em termos de mercado de fornecimento, consumo, alianças, parcerias e similares;
Valores: revela o que o país representa como modelo de sociedade (LARRAÑAGA,
2004).
Todos os países do mundo possuem uma base territorial, mas, frequentemente, suas
fronteiras exatas são temas de discussão e até de guerras. A Palestina, por exemplo, não
tinha uma base territorial até conseguir um controle sobre a margem ocidental e sobre Gaza.
Além disso, a Palestina obteve um status de observadora no meio internacional.

Segundo Mingst (2009), há casos de comunidades (até nômades) que cruzam


fronteiras sem que as autoridades das nações percebam. Isso ocorre, por exemplo, com os
povos masai do Quênia e da Tanzânia. A maioria dos Estados possui alguma estrutura
institucional para governança, mas é impossível saber se a população a cumpre,
principalmente pela ausência de informações. Um Estado necessita que a maioria de seu
povo reconheça a legitimidade de seu governo e não reconheça somente uma forma de
governo determinada. Em 1997, por exemplo, o povo do Zaire (hoje República Democrática
do Congo) não reconheceu mais a legitimidade de seu governo, liderado por Mobutu Sese
Seko. Isso levou o país a uma guerra civil.

Para que um Estado seja reconhecido, ele deve cumprir quatro condições essenciais.
São elas:

• O Estado deve ter uma base territorial e uma fronteira definida geograficamente;

• Uma população estável deve morar dentro de suas fronteiras;

• Deve existir um governo ao qual a população respeite;


42
• O Estado deve ser reconhecido diplomaticamente por outros Estados.

De acordo com Mingst (2009), na visão liberal, o Estado é soberano, porém, ele não é
um protagonista autônomo. Os liberais enxergam o Estado como uma arena pluralista que
possui a função de manter as regras básicas do jogo. Muitas vezes, esses interesses
competem entre si dentro de uma estrutura pluralista. A visão liberal conceitua o Estado
como sendo: a) um processo que envolve interesses concorrentes; b) uma reflexão dos
interesses governamentais e da sociedade; c) o repertório de vários interesses nacionais que
estão sempre mudando; e d) o possuidor das fontes fungíveis de poder.

Muitas pessoas entendem que a definição de Estado é a mesma de nação. Mas isso é
um mero engano. Uma nação é composta pelo povo, ou seja, um grupo de pessoas que
possui um conjunto de características comuns. Aqui, leva-se em consideração o
conhecimento disseminado por novas tecnologias e pela educação. Na Nação, as pessoas
devem fidelidade ao seu representante legal, ou seja, o Estado. A imprensa é utilizada de
maneira a difundir a língua nacional e os meios de transporte podem colaborar para que se
visualize as similaridades e diferenças entre os povos in loco.

Dinamarca e Itália são exemplos de nações que formaram os próprios Estados. De


acordo com Mingst (2009), a semelhança entre nação e Estado firma-se como a essência
para uma autodeterminação nacional na qual o próprio povo define a melhor maneira para
sua sobrevivência. Há nações que estão espalhadas em mais de um Estado, como os curdos,
que vivem no Iraque, no Irã e na Turquia; e os somalis, que vivem no Quênia, na Etiópia, em
Djibuti e na Somália. Há ainda os casos em que um único Estado possui várias nações, como
ocorre com a Índia, a Rússia e a África do Sul. Nestes, nação e Estado não se confundem.
Dentro dessa vasta gama, há aqueles povos que querem seus próprios Estados (como os
curdos) e os que almejam apenas uma representação adequada e justa dentro do Estado em
que estão (como o povo basco na Espanha e na França). Dessa forma, o Estado pós-
westphaliano pode assumir diversas formas: a) Estados-nação, em que existe uma harmonia
entre eles; e b) Estado com várias nações.

43
A maior fonte de instabilidade e de conflito existente são as disputas de território por
Estados e o anseio de algumas nações de criarem seus próprios Estados. O conflito entre
judeus e árabes tem sido o mais intenso e rude nos últimos tempos. Assim, pode-se afirmar
que uma nação é mais do que uma entidade histórica e o Estado é mais do que uma
entidade jurídica. Diante disso, é possível conceituar o Estado de diversas formas: a) O
Estado é uma ordem normativa munida de um símbolo e de crenças que unem o povo que
vive dentro dele; b) é a entidade que detém exclusivamente poder para uso da violência
dentro da sociedade; e c) além de ser uma entidade funcional, centraliza e unifica várias
responsabilidades importantes.

A visão realista do Estado defende uma visão mais estatista, isto é, voltada para o
Estado, que passa a ser um protagonista autônomo restringido apenas pela monarquia
estrutural do sistema internacional. O Estado tem o poder para trabalhar com assuntos que
se referem a problemas internos que afetam sua população, sua forma de governo, sua
economia e sua segurança. Ele tem um conjunto consistente de metas, definido em termos
de poder (poderio militar). Na visão realista, o Estado é: a) um protagonista autônomo; b)
circundado por uma estrutura de permanente conflito e um sistema anárquico; c) é
soberano; d) é guiado por um interesse nacional que é definido em termos de poder.

Há ainda aqueles que identificam duas outras visões de Estado direcionadas a enfatizar
o papel do capitalismo e da classe capitalista em sua formação e funcionamento do Estado. A
visão marxista instrumental o considera como um agente executor da burguesia. A visão
marxista estrutural, por sua vez, o considera como aquele funciona dentro da estrutura do
sistema capitalista. Nesta, o Estado é levado a expandir-se por causa dos imperativos do
sistema em questão. A visão radical de Estado marca que este é: a) o agente executor da
burguesia; b) influenciado por pressões da classe capitalista; e c) restringido pela estrutura
do sistema capitalista internacional.

Os construtivistas possuem uma visão diferente, pois estão em constante mudança e


evolução no que diz respeito a assuntos internos ou internacionais. Para eles, os Estados
devem compartilhar diversas metas e valores a partir dos quais a socialização lhes é sugerida
por organizações não governamentais e internacionais. Essas metas e valores podem
influenciar e até mudar as preferências estatais. A visão construtivista de Estado indica que

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este é: a) entidade construída socialmente; b) repositório de interesses nacionais que
mudam ao longo do tempo; c) moldado por normas nacionais que mudam as preferências;
d) influenciado por interesses nacionais que estão sempre mudando e que modelam e
remodelam as identidades; e e) socializado por OGIs e ONGs.

Conforme Mingst (2009), os Estados possuem poder e têm a capacidade de influenciar


os outros e de controlar resultados. A relação de poder varia de Estado para Estado, isto é, o
tamanho e a posição geográfica são características de poder reconhecidas pelos especialistas
de relações internacionais. Na visão realista, o poder torna-se a moeda de troca das relações
internacionais.

Ao mesmo tempo em que uma grande extensão geográfica oferece poder ao Estado,
ela pode trazer sérios problemas, como os relacionados à invasão territorial. Além disso, a
defesa de um território tem um custo muito alto e também pode trazer problemas ao país.
No final da década de 1890, surgiram duas visões distintas referentes à importância
geográfica em relações internacionais. A primeira visão foi escrita pelo oficial da marinha e
historiador Alfred Mahan (1840-1914), que destacou a importância de controlar o mar e
afirmou que o Estado que conseguia controlar as rotas consequentemente passaria a
controlar o mundo. Em 1904, o geógrafo Halford Mackinder (1861-1947) contradisse essa
versão e afirmou que o Estado que possuísse mais poder era aquele que conseguiria
controlar o “coração” geográfico da Eurásia.

É correto afirmar que os recursos naturais são fatores de restrição ou ampliação do


potencial geográfico de um país. O Catar, o Kuwait e os Emirados Árabes Unidos são países
que possuem grandes fontes de recursos naturais. Eles são pequenos em extensão territorial,
mas são vistos como grandes países exportadores de petróleo. Os Estados necessitam de
petróleo e não se importam em pagar um alto preço por ele. Se for necessário, eles também
não hesitam em começar uma guerra para obter esse recurso natural.

Segundo Mingst (2009), o fato de um país possuir uma grande quantidade de recursos
naturais não significa que ele está livre de ameaças. Ao contrário, ele se torna alvo de ações
agressivas, como a que ocorreu no Kuwait na década de 1990. Além disso, o país que não
possui recursos naturais não pode ser visto como desprovido de potencial. O Japão, por mais

45
que não seja rico em recursos naturais, é um país com capacidade para negociar outros
elementos, que o tornam uma nação poderosa na comunidade mundial.

Outra fonte de poder é a população. Países como China, Índia, EUA e Rússia são
considerados grandes potências de poder. Mesmo se uma grande população produzir uma
vasta gama de bens e serviços, as características dessa população podem servir como
restrição ao poder do Estado, pois ela pode ter baixo nível educacional e de serviços sociais.
Em contrapartida, Estados que possuem alto nível educacional e população pequena, como a
Suíça, podem ocupar nichos econômicos e políticos diferenciados.

De acordo com a prática e o monitoramento da organização, essas fontes naturais de


poder são modificadas em fontes tangíveis e intangíveis, sendo utilizadas em especial para
aprimorar, modificar ou restringir o potencial de poder. De acordo com Mingst (2009), as
fontes naturais de poder são a geografia, os recursos naturais e a população. A fonte tangível
de poder é o desenvolvimento industrial, considerado o mais crítico, visto que as vantagens e
desvantagens da geografia diminuem com uma capacidade industrial avançada. Já as fontes
intangíveis são a imagem nacional – as pessoas residentes no país têm imagens do potencial
de poder de seu próprio Estado – e a percepção que os demais Estados possuem do apoio
público e da coesão de um Estado – este deve ter uma liderança com líderes carismáticos e
visionários que consigam alavancar o potencial de poder por meio de iniciativas audaciosas.

No âmbito diplomático, a interação dos Estados é o centro das relações internacionais.


Diante disso, é fundamental a investigação da natureza de um determinado Estado, isto é,
qual a importância de seu papel no contexto internacional, além de delimitar também a
especificidade de suas relações interestatais. Um Estado é caracterizado por sua soberania e
isso só foi possível definir a partir de uma grande experiência jurídica e política que se iniciou
na Europa. Observando-se a definição clássica de Estado, nota-se que ela reflete
fundamentalmente as vicissitudes da história europeia, em especial nas eras moderna e
contemporânea. Nos dias atuais, houve um crescimento da política internacional e as
limitações genéricas no conceito tradicional de Estado não devem ser esquecidas.

Diante disso, é possível destacar dois conceitos essenciais: o do direito e o da força. No


passado, a estrutura da política europeia era vista como um sistema unificado, isto é, os
Estados europeus possuíam o mesmo poder e o mesmo direito. Hoje em dia, essa realidade
46
é totalmente diferente, já que é possível identificar em alguns países europeus a
desigualdade de poder – no plano da política internacional – e a igualdade soberana – no
plano jurídico. Nas últimas décadas, a interação entre os Estados tem aumentado e está cada
vez mais intensa. Isso só foi possível depois da globalização e do avanço da tecnologia, que
possibilitaram aos Estados uma maior aproximação e permitiram a travessia de fronteiras
instransponíveis. A revolução nos meios de comunicação proporcionou o relacionamento de
diferentes etnias.

Os Estados permanecem como núcleos de ação política internacional, mas isso não
quer dizer que eles contêm somente os “requisitos de poder” – semelhante ao conceito
utilizado pela Europa. Independentemente de sua força, os núcleos são a forma dominante
de organização política dos povos e uma ferramenta para a expressão internacional. Dessa
forma, os Estados conseguem se relacionar e adquirir oportunidades ímpares entre eles,
além de manter as relações diplomáticas definidas pelo reconhecimento mútuo entre os
interlocutores.

A ordem internacional contemporânea é formada por meio da ação e interação dos


Estados. Porém, ela se alimenta da desigualdade e do desequilíbrio entre eles. Mesmo
diferentes, os Estados são os agentes elementares da política internacional, pois são centros
de ação e de decisão. Independentemente das inovações ocorridas em outros planos nas
últimas décadas, ainda parece existir uma estabilidade nos padrões semelhantes das
relações internacionais, o que permite que elas sejam conceituadas como relações
interestatais. Evidentemente, essa estabilidade é enaltecida quando estão em pauta
questões primordiais para qualquer sociedade, como a paz, a guerra, a ideologia, a
segurança e o desenvolvimento. Por isso, o papel do Estado sempre foi decisivo diante de
todas essas questões.

Faz-se necessário conhecer o processo de produção da política externa de um Estado,


como o que abrange o plano de interação entre Estados e as mudanças no processo político
interno. Usualmente se fazia uma distinção radical entre os planos interno e externo na
análise dos Estados, sendo que os internacionalistas privilegiavam o plano externo por este
ser mais próximo de suas preocupações. No entanto, nos dias atuais, essa separação se

47
mostra mais tênue, o que naturalmente obriga os analistas a redobrarem sua atenção para o
nível interno de cada Estado.

Aliado a isso, existem formatos utilizados pelos Estados para fazerem prevalecer suas
respectivas soberanias no plano externo. Certamente, há casos em que a soberania de um
Estado é como uma ficção jurídico-política, do mesmo modo como há casos em que os
Estados desfrutam de preponderâncias incontrastáveis. Ainda há quem visualize Estados
fortes e fracos, causados pelo fenômeno da interdependência, que é igualmente
característico de outros níveis da interação dos Estados e opera em três níveis diferentes:

• Entre iguais ou quase iguais: existe uma teia de interesses de diversas ordens que
tem como base o sistema capitalista de produção e a democracia liberal como forma
de organização política;

• Entre competidores e quase adversários: esse nível de interdependência pode ser


representado pelo interesse comum na sobrevivência da humanidade;

• Entre desiguais: manifesta-se nas relações entre países desenvolvidos e


subdesenvolvidos. A teoria da interdependência global é uma oportunidade de
integrar em um único contexto os eixos Leste-Oeste e norte-sul da política mundial.

O processo de desenvolvimento dos países menos avançados não pode ser uma
barreira para a interdependência ou uma forma de prendê-los a um insolúvel círculo vicioso
socioeconômico. Tal interdependência é caracterizada pela subordinação principalmente dos
países menos desenvolvidos, que acabam como fornecedores de matérias-primas para os
mais desenvolvidos e consequentes clientes de uma produção de maior densidade
tecnológica, o que os impede de ascender para uma genuína independência econômica.
Busca-se, enfim, substituir a interdependência vertical por uma interdependência
horizontal, baseada nos princípios de cooperação e de oportunidades econômicas iguais.

Entretanto, com a crescente interconexão tanto nos níveis interno como externo da
ação estatal, os Estados têm a oportunidade de intervir diretamente nos processos
decisórios de outro, o que leva a conflitos externos entre eles, já que todos os Estados são
soberanos, ou seja, nenhum Estado tem o direito de interferir na soberania de outro. Aliado
a isso, outros fatores que exercem grande influência nas relações entre as nações foram
48
difundidos no contexto internacional, tais como entidades transnacionais, partidos políticos
com ramificações além das fronteiras de seu país, empresas multinacionais e grupos de
pressão econômica ou ideológica.

É importante mencionar que a interação dos países é processada em três níveis:


bilateral, regional e multilateral. Esses níveis não podem ser substituídos e cada um
complementa o outro. Dependendo do tipo de divergência internacional, uma nação deve
ter opções e talvez buscar mais de um nível, com o especial cuidado de evitar que uma ação
em um dos níveis restrinja a liberdade de ação em outro nível ou mesmo elimine essa
possibilidade.

No período da Guerra Fria, o Estado nacional teve de enfrentar a deficiência de suas


fronteiras. Isso se deu não apenas devido à “chantagem nuclear”, mas também na área
econômica e ideológica, nas quais os Estados sofriam pressões. Os países industrializados
pressionavam os países subdesenvolvidos no intuito de tornar obsoleto o princípio de que
cada Estado tem o direito à soberania sobre os recursos naturais estabelecidos em seu
próprio território. Como os países desenvolvidos dependiam diretamente dos recursos de
matéria-prima encontrados somente nos países subdesenvolvidos, surgiu a ideia nos Estados
desenvolvidos de que, por meio do uso da força, o acesso a essas matérias-primas poderia
ser contínuo.

Figura 10 – Guerra Fria

Fonte: https://www.slideshare.net/gibiteca/a-guerra-fria-parte-i-63340727

49
As empresas multinacionais buscam regular suas operações mediante políticas de
unificação de mercados. Essas políticas não se limitam apenas às fronteiras nacionais, elas
ultrapassam essas barreiras com vistas à expansão dos negócios. As multinacionais contam
com a tecnologia, uma importante ferramenta que nos últimos tempos tem avançado cada
vez mais. O aprimoramento da tecnologia no campo da comunicação, por exemplo,
proporcionou um rápido crescimento na difusão das informações e das ideias, o que facilitou
ainda mais a ação do Estado em determinadas áreas.

Os Estados podem ser uma organização social muito resistente, com tendência a
subsistir inclusive em condições desfavoráveis. A Rússia soviética, por exemplo, depois da
Revolução Vermelha (1917), conseguiu adaptar sua diplomacia e estratégia de acordo com as
necessidades de convivência interestatal, eliminando traços de uma revolução que havia
definido o início de sua existência. Foram criados um estabelecimento diplomático
tradicional e um exército regular no intuito de se suprir os anseios estatais do regime
revolucionário. Após 1945, essa forma estatal continuou a existir na União Soviética.

Outro assunto pertinente à ação e interação dos Estados é a diplomacia. Por meio dela
e da estratégia, dão-se todos os negócios que envolvem os Estados. A diplomacia e a
estratégia se complementam e estão subordinadas à política externa. Em termos mais claros,
a estratégia poderia ser definida como a arte de vencer e, a diplomacia, como a arte de
convencer.

A palavra diplomacia vem do grego diploma e significa “documento dobrado em dois”.


Esse termo era utilizado para indicar os documentos importantes escritos em pergaminho e
colocados na forma de folhas dobradas e reunidas por uma barra de ferro usada para
encadernação. O cuidado na preparação de tais diplomas deixava claro que todas as
informações contidas no documento eram de extrema importância e precisavam ser
conservadas.

De uma maneira geral, a diplomacia na atualidade significa:

• O serviço público de um Estado, que trabalha com as relações exteriores e tem


como pontos de referência outros Estados ou pessoas de Direito Internacional;

50
• Um setor do serviço público, destinado às relações políticas entre governos ou com
organizações intergovernamentais (excluídos os serviços consulares);

• Por antonomásia, defeitos ou qualidades incorporados naqueles que exercem a


diplomacia em quaisquer das acepções anteriores.

Tais conceitos estão firmados num tipo histórico particular de organização das
sociedades humanas, o Estado moderno, que se refere ao “serviço público”, ou seja, às
pessoas que ocupam funções e executam tarefas em nome do Estado.

Num primeiro sentido, diplomacia seria sinônimo do conjunto das relações que uma
comunidade humana relativamente homogênea e diferenciada de outras mantém com
outras comunidades de idênticas características. Numa perspectiva filosófica, seria um
fenômeno ligado à “alteridade” de uma sociedade, ou seja, ao relacionamento de uma
“unidade política” com outras unidades políticas. A diplomacia nada mais seria do que o
conjunto das relações exteriores dessas entidades, seus relacionamentos com o outro (a
alteridade), por oposição conceitual às relações internas e humanas, presentes num universo
totalmente fechado e unicamente nele considerado.

Figura 11 – Diplomacia

Fonte: http://keywordsuggest.org/gallery/796739.html

A diplomacia existe desde que o homem passou a se organizar em agrupamentos


sociais que deram início ao seu relacionamento. Mesmo que a relação entre os homens fosse

51
de natureza bélica, em algum momento houve a necessidade de tréguas, mesmo que
fracassadas. Isso já era indício da manifestação primitiva da arte da diplomacia.

Os egípcios e mesopotâmios já demonstravam uma grande atividade diplomática. É


fato que as civilizações da Antiguidade tinham tendência a se organizar de maneira
autárquica, sem reconhecer igualdades – eles apenas reconheciam os outros povos como
vassalos ou bárbaros. Entre essas civilizações, podemos citar o Império Romano e o Império
do Meio (chinês), nos quais as relações com os povos submetidos a seus poderes eram vistas
como um problema de ordem administrativa e diplomática. Além disso, as relações desses
impérios com os povos que estavam fora do perímetro imperial eram preponderantemente
bélicas (exceto quando se tratava de trocas comerciais).

No caso da China, os bárbaros e os imperadores chineses recebiam os emissários


britânicos como se estes fossem seus vassalos e conduziam suas relações exteriores de
forma a externar sua superioridade cultural e política. Isso se deu até o momento em que,
sob pressão ocidental, a China entrou em recessão econômica, social e política.

Quanto aos romanos, havia princípios de igualdade e reciprocidade jurídica e comercial


na condução de suas relações internacionais, o que inclusive constava em tratados assinados
com seus vizinhos. Porém, com a afirmação do império, alguns princípios foram
abandonados durante a república romana. As obrigações com os povos dependentes foram
restringidas. As alianças e as regras que eram então estabelecidas tinham interpretação
exclusivamente romana e, a princípio, elas se aplicavam tanto aos romanos quanto a
terceiros.

Somente com o aparecimento da era moderna é que começaram a surgir condições


institucionais, políticas e tecnológicas que contribuíram para o rápido desenvolvimento da
diplomacia. Dessa forma, aos poucos, os Estados nacionais europeus aceitaram-se como
judicialmente iguais e as representações diplomáticas ganharam mais intensidade. As
comunicações mais frequentes se davam entre os embaixadores e seus respectivos
governos.

Por meio da Paz de Westphalia, em 1648, houve uma nova era na política
internacional. A ordem mundial passou a ser regida pelo Papa e pelo Império, o que

52
consagrou um sistema internacional baseado na coordenação dos Estados, cada um com seu
território definido. Consequentemente, começou a se generalizar no continente a política do
equilíbrio e a diplomacia passou para um estágio mais moderno, com práticas protocolares
provocadas por sucessivos congressos que reuniam representantes das principais potências.

Durante os séculos XVII e XVIII, ficou consagrado o equilíbrio entre as potências no que
diz respeito à defesa da ordem internacional então vigente, isso mesmo com o cataclisma
provocado pelos avanços de Napoleão (França) – aqui, o equilíbrio internacional foi
restabelecido pelo Congresso de Viena (1815). O século XIX foi marcado por uma diplomacia
que confrontou os ensinamentos da Santa Aliança e do Concerto Europeu. O espírito de
nacionalidade tomou conta principalmente de nações como Alemanha e Itália. Devido à
impotência do Concerto Europeu em assimilar as ambições da Alemanha unificada, deu-se
início a Primeira Guerra Mundial.

Diante desses fatos, pode-se afirmar que a diplomacia nada mais é do que a síntese
das atividades do Estado no plano externo. Para se tornar eficaz, ela depende de um
caminhar unificado na formulação e na condução das relações exteriores da instituição que
se ocupa delas profissionalmente. A multiplicidade de representantes (porta-vozes) na área
externa pode certamente produzir descoordenação e redução da capacidade de negociação,
o que interfere inclusive no âmbito exterior do país.

Existem duas distinções para diplomacia. A primeira é conhecida como pequena


diplomacia, voltada para o domínio econômico. A segunda é conhecida como grande
diplomacia, relacionada a questões de segurança. A questão econômica sempre esteve em
pauta em assuntos políticos, principalmente quando se trata de petróleo, que é um recurso
natural limitado desejado por todas as nações e que traz preocupações para os governantes
que possuem esse recurso natural em seus territórios, já que as autoridades devem se
preocupar com a segurança nacional e internacional.

A diplomacia de qualquer país tem por objetivo justamente influir, tanto quanto lhe é
possível, na evolução da realidade internacional. O diplomata tem como uma de suas
principais atribuições incorporar o conhecimento intelectual recebido na universidade com
as informações por ele acumuladas em seu trabalho teórico e prático. Aliado a isso, deve-se
considerar sempre todo o vínculo com as ciências sociais e políticas.
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A diplomacia sempre será uma tarefa complexa tanto no plano operacional quanto no
cognitivo, afinal, não é fácil medi-la e ela poderá por diversas vezes depender do empenho,
da disciplina e do talento individual do agente diplomático. É claro que há ainda
circunstâncias aleatórias que influenciam de forma decisiva, pois não são raros tanto os
problemas que se acumulam e se reforçam como os êxitos alcançados além do que se podia
esperar.

No entanto, é na análise da interação dos Estados e na articulação de teorias da


realidade internacional que o conhecimento dos internacionalistas deve se basear. É fato que
a reflexão teórica sempre será importante para a criação de um programa diplomático, pois
permite definir a realidade atual, a evolução no decorrer do tempo e as perspectivas de
desenvolvimento, ou seja, é possível obter-se uma visão integrada do cenário internacional
em suas diferentes dimensões e planos de abordagem. Em contrapartida, deve-se sempre
atentar para que os pressupostos teóricos e doutrinários da política externa não sejam
fixados de maneira abstrata ou arbitrária. É evidente que, por estar em interação e choque
com a diplomacia de outros Estados, a diplomacia não se resume a um conjunto de ideias, ou
seja, ela é aberta a críticas e definitivamente é uma atividade concreta.

Conforme Soares (2001), a diplomacia bilateral é definida como a forma de ação dos
países para a adesão a seus relacionamentos com os demais países ou com outras entidades
a eles vinculadas, como é o caso das organizações internacionais intergovernamentais (OIGs).
Os Estados podem receber em seus territórios três tipos de representações estrangeiras
permanentes: as repartições consulares, as missões diplomáticas e as delegações de OIGs.

Durante toda a Antiguidade, o homem passou a enviar agentes para cuidar de assuntos
pertinentes a seus grupos societários. Já o envio de missões de representantes de
governantes a outras nações ou de exércitos sempre esteve presente na história da
humanidade. Essas missões eram chamadas de embaixadas.

O surgimento dos Estados modernos fez com que os Estados enviassem representantes
pessoais dos monarcas para outros Estados. Aos poucos, as normatizações que passariam a
regulamentar o trabalho diplomático foram instauradas: estabelecimento de uma missão,
recebimento de embaixadores e de seus privilégios e imunidades, princípios de boa-fé e
cessações dos Estados que os recebia.
54
Nos dias de hoje, as atividades da diplomacia exercida nas missões diplomáticas
permanentes são: a) representar o Estado de maneira a comprometer o próprio Estado, pois
este possui todos os direitos e deveres decorrentes de acordo com o Direito Internacional
Público; b) informar o Estado que os envia de todos os fatos que possam lhe interessar, isto
é, cabe ao Estado formular sua política exterior de acordo com os dados e informações
fornecidos pelos agentes; c) negociar, pois a missão se torna o único agente em nome do
Estado legitimado pelo Direto Internacional; d) promover relações amistosas, comerciais,
culturais, econômicas e cientificas e, dessa forma, fortalecer a relação entre o Estado
acreditante e o Estado acreditado (SOARES, 2001).

Outra diplomacia usada pelos Estados é a multilateral. Nela, são praticadas relações de
reciprocidade em situações coletivas. Assim, esse tipo de diplomacia pode se dar em
encontros multilaterais nos quais são discutidos assuntos de interesse comum dos Estados
participantes. As pautas das reuniões não seguem uma regra rígida e são essencialmente
determinadas pelos Estados ou OIGs que as convocam.

De acordo com Soares (2001), o traço mais forte das relações internacionais do século
XX (e provavelmente do século XXI também) é o valor crescente da diplomacia multilateral
parlamentar. Nas palavras de Mingst (2009, p. 105):

A diplomacia tradicional acarreta necessariamente a tentativa de os Estados


influenciarem o comportamento de outros protagonistas por negociação, agindo de
um modo específico, abstendo-se dessa mesma ação ou conduzindo a diplomacia
pública.

Uma diplomacia normalmente se inicia com uma barganha por comunicação direta ou
indireta com o intuito de obter um acordo sobre determinada questão. A barganha pode
surgir de maneira clara em negociações formais, afinal, os Estados, além de não perderem o
foco em suas próprias metas, possuem informações sobre seus “oponentes” e também sobre
seu potencial de poder. Os países usam cada vez mais a diplomacia pública, que está
conectada à comunicação. Essa diplomacia visa criar uma imagem global que realce a
capacidade de um Estado em alcançar seus objetivos diplomáticos.

Mingst (2009) destaca que os Estados recorrem ao poder econômico para influenciar
os demais. As sanções podem ser usadas positiva ou negativamente. A sanção positiva

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direciona o Estado de modo a se obter um determinado rumo desejado. Geralmente, as
sanções negativas são as mais utilizadas pelos Estados. Por meio dela, os países buscam se
resguardar e punir o Estado que se desloca em posições não desejadas. Na década de 1990,
os Estados passaram a congelar ativos e impor sanções a produtos primários. Eles tinham na
força uma arma para obrigar um Estado a fazer sanções.

Estudiosos econômicos e militares já desenvolveram métodos para se analisar escolhas


e prováveis resultados. A teoria dos jogos entende que cada Estado possui um interesse
nacional único e é protagonista unitário. Assim, o jogo é tratado como uma interação
estratégica.

De acordo com Mingst (2009), a política externa possui modelos de tomada de


decisões. O modelo racional busca maximizar metas e objetivos estratégicos. O modelo
organizacional prioriza procedimentos padronizados de operação, mas não deixa de atentar
para as decisões que precedem de processos organizacionais. Já o modelo burocrático
representa diferentes interesses, pois a decisão final é estabelecida de acordo com a força
relativa dos protagonistas. O modelo pluralista, por sua vez, é vinculado à barganha, que é
conduzida entre fontes internas (grupos de interesse, movimentos em massa e empresas
multinacionais). Em situações normais, até os grupos sociais podem desempenhar um papel
importante.

É fundamental que a ação internacional do Estado e a interação dos Estados sejam


identificadas e colocadas em prática na perspectiva histórica. A ação diplomática deve partir
de uma análise do problema desde o presente até suas raízes no passado e perspectivas
futuras. A partir da contemplação do que já foi realizado, das limitações e oportunidades
conjunturais e da visão do que ainda se faz necessário, a diplomacia deve abordar uma visão
completa e geral num único momento. Ela deve almejar um senso de oportunidade no
intuito de aproveitar o transitório e o fugaz a fim de afetar seus interesses de longo prazo e
adaptar as ações quando necessário (correções de curso). Assim, a diplomacia adequa seus
interesses às realidades que emergem.

A diplomacia não é efetivamente um domínio arbitrário e também não está presa à


grande gama de impulsos recebidos. O perfil diplomático de um país não é sustentado por
dados mecânicos de sua política interna ou por vagas análises de sua situação regional ou
56
internacional. Os insumos externos devem ser medidos conforme aqueles recebidos pela
política interna, isso de acordo com o grau de eficiência organizacional do estabelecimento
diplomático e a capacidade na condução da política externa por parte dos responsáveis.

Em nível geral e com uma programação específica, fica claro que um planejamento
constante é intrínseco quando nos referimos à interação dos Estados e aos diferentes planos
da diplomacia. Mesmo sendo um objetivo de difícil consecução, não é necessário que todos
os momentos do programa sejam elaborados formalmente. A permanente mutação das
realidades dificulta em especial a formalização constante.

Entretanto, esses não são os fatores que impedem efetivamente a criação e a


elaboração essenciais da programação diplomática. O programa deve contemplar no mínimo
os seguintes tópicos:

• Teoria e evolução da realidade internacional;


• Definição dos objetivos nacionais, inclusive no decorrer do tempo;
• Articulação dos objetivos com os meios de execução da política externa;
• Determinação de mecanismos de avaliação e correção política de acordo com o
desempenho obtido.

Deverá existir ainda uma interação constante, inclusive para se acompanhar de


maneira ágil a evolução da vida internacional e influenciá-la de acordo com os objetivos e
meios nacionais. Definitivamente, há uma grande diferença entre os países e as formas com
as quais cada um conduz o processo. De imediato, podemos especificar que há uma
disparidade em termos de poder, de desenvolvimento e de condicionamentos geográficos
que refletem diretamente não somente nas articulações e execuções dos programas
diplomáticos, mas também no estabelecimento de políticas externas.

O processo de planejamento da política externa vislumbra contatos internos e externos


à nação e deve se nutrir de insumos dos meios universitário, empresarial, midiático e de
operações coerentes de ação exterior. A política externa precisa se basear em atividades
concretas e programadas, sem abstrações.

57
A seguir, analisaremos como o sistema internacional se estabelece após a identificação
da ação e da interação dos Estados.

3.3 GEOPOLÍTICA E O SISTEMA INTERNACIONAL

Para um bom entendimento e análise das relações internacionais e da geopolítica


moderna, é importante não se prender apenas no plano de ação e interação dos Estados,
abordado anteriormente. É fundamental ir além, ou seja, é vital examinar todo o sistema
internacional.

Mas o que significa o termo sistema quando aplicado às relações internacionais? Nesse
contexto, sistema é uma união de algum modo regular que se dá por meio do agrupamento
de unidades, objetos ou partes. Os sistemas reagem de modo constante e têm fronteiras
separadas um do outro, sendo que pode haver permuta de fronteiras (MINGST, 2009).

Figura 12 – Sistemas internacionais

Fonte: https://www.10emtudo.com.br/artigo/a-organizacao-das-nacoes-unidas/

Na década de 1950, os eruditos chegaram a conceituar a política internacional de


acordo com a linguagem da teoria dos sistemas. Esses eruditos estavam influenciados por
uma revolução comportamental nas ciências sociais e partiram do pressuposto de que as
pessoas têm atitudes regulares. Para eles, a interação entre elas ocorreria dentro de um
padrão habitual, realista e behaviorista, tendo a política internacional como um sistema em
que os protagonistas principais são os estados individuais. O termo sistema se estabelece
como centro da teoria geral dos sistemas e é influenciado pelas escolas funcionalista e
58
estruturista, pela análise input-output – proposta por David Easton – e pelos estudos
baseados em teorias de comunicação e cibernéticas – de Karl Deutsch. De qualquer forma,
em todos os casos, o domínio político é considerado implícita ou explicitamente como um
sistema.

O criador da teoria geral dos sistemas, Von Bertallanfy, definiu o termo sistema como
um conjunto de elementos que mantêm interação. Outros cientistas classificam sistema
como um conjunto de objetos e das relações entre esses objetos e entre seus atributos. Além
dessas definições, alguns especialistas consideram como sistema todo grupo de objetos que
mantiverem relacionamento estrutural característico e que interajam à base de processos
característicos. Dessa forma, todas essas definições formam uma ideia de grandeza
metodológica do termo sistema, que pode ser aplicado tanto no campo social quanto no das
ciências naturais.

Para aplicar o conceito de sistema metodologicamente, é preciso que o objeto de


análise possua: a) limites claros e b) relacionamento com o meio ambiente por meio de
insumos e produtos. Devido à multiplicidade de fatos e atos, os limites da realidade
internacional são indefinidos, ou seja, não é mais nítida a linha que diferencia a política
externa da interna.

O sistema internacional atual compõe-se da sucessão de macroestruturas


(eurocentrismo, período entreguerras, Guerra Fria, descolonização, multipolarismo e a
détente entre superpotências) marcadas por dois conflitos generalizados, por revoluções e
flutuações econômicas repletas de drama e por hostilidades em maior ou menor escala. À
medida que as relações internacionais de poder eram alteradas, as macroestruturas
internacionais eram bem-sucedidas. Quanto à operação do sistema internacional, ela sempre
foi deficiente e cheia de obstáculos e incoerências devido à sua historicidade e seu
ineditismo sempre reformado. Esse sistema é semelhante a um jogo de regras indefinidas e
cambiantes.

Quando se dá ênfase à sucessão de macroestruturas, é possível encontrar vestígios de


estabilidade e permanência no sistema internacional. Como exemplos dessa permanência,
podemos citar o desequilíbrio postulado entre países ricos e pobres – mesmo com a
descolonização e a propagação da ideologia do desenvolvimento – e a continuidade da
59
corrida armamentista internacional, inclusive com esforços para impedi-la durante o século
XX.

O sistema internacional pode sofrer alterações apenas com a mudança do regime de


uma de suas principais potências, o que pode alterar o curso das relações internacionais. Na
década de 1980, o processo de globalização do sistema internacional deixou em questão sua
unificação ou fragmentação. A unificação desse sistema estava diretamente ligada ao status
privilegiado que as duas superpotências – Estados Unidos e União Soviética – desfrutavam e
à possível hegemonia que uma delas poderia conquistar. No caso da fragmentação, esta está
diretamente ligada ao crescente número de Estados desde a Segunda Guerra Mundial até os
dias atuais. Muitas vezes, quando se menciona, em tom de elogio, a existência do processo
de globalização das relações internacionais contemporâneas, fica subentendido que esse
processo deverá levar a uma “desejável” unificação do sistema.

A dinâmica da vida internacional pode ser classificada como em permanente


transformação, visto que os problemas duradouros do sistema internacional se alimentam da
oposição entre o velho e o novo, principalmente quando é mencionado o conceito de
sistema internacional como um encadeamento de macroestruturas. Um analista diplomático
tem finalidade prática e sua análise da macroestrutura mundial não pode ser simplesmente
fria e científica em razão do atraso conceitual e experimental das disciplinas de relações
internacionais e pela contribuição na formulação ou execução da política externa, foco
principal das análises. A legitimidade implica a aceitação da ordem internacional pelas
principais potências. Diante disso, a ordem internacional não garante o desaparecimento de
todos os conflitos, porém, limita seus propósitos. Um Estado pode afirmar que um conflito
ocorreu devido à estrutura existente e a paz será determinada pelo consenso geral e
legítimo.

Segundo Mingst (2009), a concepção de sistema está interligada ao pensamento das


três escolas teóricas dominantes de relações internacionais: a liberal, a realista e a radical. A
escola liberal não vê o sistema internacional como centro de estudo, no entanto, conceitua
três pontos diferentes desse sistema:

60
• Primeiro conceito: o sistema internacional não é uma estrutura, mas um processo
que determina diversas frentes de interação entre diferentes partes e vários protagonistas
que interagem. Além dos Estados, também estão entre os protagonistas as organizações
governamentais internacionais (OIGs) (como as Nações Unidas), as organizações não
governamentais (como a Human Rights Watch), as corporações multinacionais e os
protagonistas subestatais (parlamentos e burocracias);
• Segundo conceito: está relacionado à tradição inglesa de sociedade internacional.
Os eruditos Hedley Bull e Adam Watson, dois dos principais mentores dessa tradição,
afirmavam que o sistema internacional era compreendido por comunidades políticas
independentes, enquanto uma sociedade internacional, composta por vários protagonistas,
define-se pela comunicação, pelos interesses e pelas regras comuns. Os liberais enxergam o
sistema internacional como um processo para interações positivas;
• Terceiro conceito: é o do institucionalismo neoliberal, que visualiza o sistema
internacional como anárquico. Aqui, o Estado se comporta de acordo com seu próprio
interesse. A interação entre protagonistas é algo positivo para os liberais, pois instituições
fundadas por interesses próprios modelam o comportamento dos Estados de acordo com a
percepção que obtêm por meio das futuras interações com outros protagonistas.

De acordo com Mingst (2009), os liberais aprovam alterações no sistema internacional


e afirmam que elas vêm de diversas fontes. Primeiro, os desenvolvimentos tecnológicos
exógenos resultam em mudanças no sistema internacional, que ocorrem sem o controle e
consentimento de seus protagonistas. Temos, por exemplo, as mudanças em comunicação e
transporte, que tiveram como consequência o crescimento no nível de interdependência
entre os Estados dentro do sistema internacional.

Outra mudança diz respeito às alterações na importância dada a determinadas áreas,


como quando as questões econômicas saíram de foco na virada de século e deram lugar a
questões globalizadas, como direitos humanos e meio ambiente. A terceira mudança pode
ocorrer conforme novos protagonistas (organizações não governamentais ou corporações
multinacionais) aumentam ou substituem Estados protagonistas, o que, segundo pensadores
liberais, pode impactar na estrutura global de poder entre os Estados.

61
Outra escola teórica dominante de relações internacionais é a escola realista, que
acredita que a política é governada por leis objetivas enraizadas na natureza humana. O
conceito de realismo é o do interesse definido como poder e não possui um significado
inalterável. O realismo tem o conhecimento do significado moral da ação política, mas não
reconhece as aspirações morais de um Estado como as leis morais que governam o universo.
A escola leva em conta a política, uma esfera autônoma da atividade humana.

Segundo Mingst (2009), os realistas definem o sistema internacional como um sistema


anárquico, isto é, o Estado é a única autoridade. No entanto, existem divergências entre os
realistas com relação ao grau de autonomia de um Estado no sistema internacional. Os mais
tradicionais acreditam que os Estados atuam sobre o sistema e o moldam, já os neorrealistas
creem que os Estados ficam restritos à estrutura do sistema. Ambos concordam em relação à
anarquia como princípio básico de ordenação e, por consequência, cada Estado deve zelar
por seus interesses dentro do sistema.

É pela dimensão da polaridade que os realistas diferenciam o sistema internacional.


Existem três tipos de polaridade:

• Primeiro tipo: refere-se a vários protagonistas influentes no âmbito internacional.


Neste, haveria um sistema de equilíbrio de poder ou multipolar;
• Segundo tipo: é o bipolar, com um sistema baseado em alianças mais duradouras e
em interesses relativamente permanentes;
• Terceiro tipo: esse último sistema é o unipolar, que aponta a existência de apenas
um grupo ou até mesmo um Estado, que detém o controle de influência no sistema
internacional. Um grande exemplo desse último sistema são os Estados Unidos pós Guerra
do Golfo, em 1991, quando os aliados mais próximos e praticamente todos os países em
desenvolvimento começaram a se preocupar porque o sistema internacional havia se
tornado unipolar.
De acordo com Mingst (2009), as mudanças no sistema internacional já são
reconhecidas pelos realistas. Ao final do século XIX, o então equilíbrio multipolar de poder se
enfraqueceu e deu lugar a um sistema de alianças com as Tríplice Aliança e Tríplice Entente,
exemplo a partir do qual os realistas atribuem a mudança no sistema por consequência da
mudança de protagonistas. Em termos gerais, as guerras sempre trazem grandes mudanças
62
nas relações de poder. O melhor exemplo é a Segunda Guerra Mundial, que trouxe a queda
da Grã-Bretanha e da França, além de colocar fim às aspirações imperiais de Japão e
Alemanha, que saíram com suas sociedade civil, exército e infraestrutura arrasados.

Mudanças exógenas também podem criar um desvio no sistema internacional. Os


avanços tecnológicos provocaram alterações nas fronteiras do sistema político internacional
e expandiram as fronteiras do espaço geográfico acessível. Os realistas acreditam que
existem padrões de mudança no sistema, mas discordam entre si quanto ao período de
tempo que o sistema deve ser examinado para que as transformações sejam estudadas.

A terceira escola teórica é a escola radical, que busca definir a estrutura em termos de
estratificação. Assim, o sistema internacional seria estratificado conforme os recursos que
cada Estado possui, como poder econômico ou petróleo. A estratificação do poder e os
recursos formam a divisão entre aqueles que têm (Norte) e aqueles que não têm (Sul). Para
se ter uma noção, as principais potências (EUA, Japão, Alemanha, França, Rússia e Inglaterra)
foram responsáveis por aproximadamente metade do PIB mundial.

Em outras palavras, os radicais acreditam que há muitas diferenças econômicas dentro


da estrutura do sistema internacional e todas as ações são restritas por essa estrutura.
Alguns teóricos enxergam uma possibilidade dentro do sistema capitalista, uma mudança na
semiperiferia e na periferia vinculadas à medida que os Estados modifiquem suas posições
relativas em face de outros. O capitalismo é uma força dinâmica, afinal, assim como o
colonialismo e o imperialismo, possui ciclos de crescimento e expansão, seguidos de
contração e declínio.

Já os denominados construtivistas desenvolveram ideias de como o sistema


internacional é mutável, ideias essas calcadas em alterações nas normas sociais, mesmo que
algumas ainda não venham a ser transformadoras. Os construtivistas buscam, singularmente,
a especificação dos mecanismos pelos quais ocorrem as mudanças (MINGST, 2009).

Em resumo, percebe-se que todas as abordagens teóricas dão ênfase ao nível de


análise do sistema internacional. A diferença é percebida pela característica que define o
sistema internacional, pois, para os realistas, é a polaridade; para os radicais, é a
estratificação. Mesmo assim, em ambas o sistema internacional restringe o comportamento

63
do Estado. Independentemente disso, realistas visualizam essas restrições como positivas, de
acordo com a distribuição do poder, já os radicais as veem como negativas ou mais neutras,
como uma arena e um processo de interação. Os construtivistas, por sua vez, abordam uma
teoria mais evolucionária, vinculada às mudanças de normas e ideias que modelam o
sistema. Eles não enxergam diferenças bruscas entre o sistema internacional e o sistema
interno e desprezam a importância dada à estrutura do sistema internacional.

O professor Hans Morgenthau especificou que o poder internacional é a capacidade de


influenciar ou obrigar outros Estados a agirem de uma determinada maneira ou a deixarem
de fazê-lo. Já o professor Raymond Aron classificou o poder como a imposição de uma
unidade política sobre a vontade das outras. Na concepção de Aron, a defesa consiste em
salvaguardar a autonomia, manter o próprio estilo de vida e não aceitar a subordinação de
suas leis internas ou de sua ação externa aos desejos e decretos dos outros. Em geral, as
pequenas potências têm ambições defensivas e procuram sempre viver como centros de
decisões livres. Em contrapartida, as grandes potências almejam atuar sobre outras unidades
políticas a fim de convencê-las ou constrangê-las e sempre precisam tomar a iniciativa, fazer
parcerias e liderar coalizões. Caso um Estado de primeira posição opte por um poder
defensivo, ele adotará uma política de isolacionismo e desistirá de entrar em competições no
sistema, manifestando, portanto, uma vontade de ser deixado em paz.

Na medida em que o poder é tido como único para definição do sistema internacional,
não haveria como objetar as pressões exercidas pelos Estados mais fortes no intuito de
constranger os mais fracos a determinados comportamentos. Pressões são normais e fazem
parte do cotidiano. As pressões podem surgir como forma de ameaça, no intuito de
persuadir ou até mesmo de compelir sem usar a força como ferramenta, ou seja, se valer de
estratégias para evitar ser enganado ou aterrorizado. É importante ressaltar que a força não
está ligada apenas à violência, ela também pode ser definida como o poder de barganha que
um determinado país possui. Como exemplo, podemos citar o Brasil e a África do Sul,
grandes emergentes dos Brics que possuem essa força de negociação mediante as grandes
potências.

O poder não é a única ferramenta usada no sistema internacional. A soberania dos


Estados e os benefícios que a acompanham, como a não intervenção e a integridade

64
territorial, ajudam a garantir a integridade do Estado. Entender a realidade do contexto
internacional requer uma análise profunda e apurada por parte do analista. É importante ter
uma visão macroglobal aliada à realidade interna dos países em questão.

A balança de poder é o modelo mais clássico da teoria das relações internacionais. Ela
passou a ser utilizada no momento do surgimento das cidades-estados italianas, no século
XIX (período do Renascimento), e com a política de equilíbrio nas relações intraeuropeias. O
equilíbrio de poder é delimitado pela renúncia da possibilidade de um governo mundial –
definido pelas ciências políticas como uma monarquia – e pela pluralidade de atores. A
balança de poder tem uma grande densidade política e estratégica que chega ao ponto de a
própria noção de diplomacia ser confundida com a prática mais restrita da diplomacia do
equilíbrio. Essa confusão provém de uma notória preferência dos governos e dos teóricos das
relações internacionais em difundir suas opiniões relativas ao mundo em termos de
equilíbrio ou de balança de poder, em especial quando se beneficiam de situações de
hegemonia ou preponderância.

Quando a palavra multipolaridade é mencionada, é importante entender que ela está


ligada ao conceito de que cada ator principal é considerado inimigo ou parceiro dos demais e
as alianças são temporárias, isto é, os países se relacionam com outros dependendo
momentaneamente de seu interesse ou necessidade interna ou externa. Assim, não há um
líder em questão. Já o conceito de bipolaridade é mais focado, ou seja, existem apenas dois
atores importantes, que são inimigos por posição ou por ideologia. Aqui, as alianças são mais
duradouras do que no primeiro conceito e existe uma liderança que varia de acordo com a
origem dessa aliança. A bipolaridade possui três tipos de Estados: líderes de blocos, Estados
dos blocos e aqueles que não participam. Nela, os líderes buscam sua própria hegemonia e
se dedicam a impedir ao máximo o fortalecimento de seus adversários e a manter a
integridade de seus próprios blocos.

Desde o pós-guerra, a multipolaridade e a bipolaridade tiveram uma situação mais


equilibrada, porém, de natureza distinta. O bipolarismo da Guerra Fria (EUA e URSS) se difere
de outras manifestações por ter uma duração mais longa. Em macroestruturas internacionais
(que resultaram da Primeira e da Segunda Guerra Mundial), a bipolarização evidenciou
claramente uma crise aguda em todo o sistema. No entanto, mesmo com os vestígios de

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crise estratégica apresentados no bipolarismo durante a Guerra Fria, a bipolaridade
manifestava a existência de um grande risco à sobrevivência da própria humanidade.

Muitos especialistas viam o bipolarismo dessa época como frouxo, já que logo em seu
início muitos blocos que participavam dele entraram em processo de divisão e muitos
Estados não quiseram ao menos participar. Além disso, a ONU (Organização das Nações
Unidas) substituiu o foro multilateral, mesmo representando uma filosofia de organização
internacional que pouco ou praticamente nada tem em comum com o bipolarismo. Diversos
processos políticos contribuíram para a matização do bipolarismo e para a gradual afirmação
de certa multipolaridade política. Um desses processos políticos foi a descolonização, que
despertou em diversos países o interesse de preservar sua independência e enfrentar as
tendências neocolonialistas. Amplamente, o anticolonialista gerará um não alinhamento,
direcionado inicialmente para a medição entre dois blocos e, posteriormente, para a defesa
dos interesses dos países do Terceiro Mundo.

Outro processo foi a recuperação econômica e política da Europa Ocidental, na década


de 1950, que permitiu aos países – principalmente à França – uma atuação internacional
menos limitada pelos ditames do alinhamento com os EUA. Vale ressaltar que, no contexto
macroestrutural do pós-guerra, não mais bastava descrever a rivalidade política sob um
olhar; fazia-se necessário estudar outra maneira de entender o sistema internacional. Esse
modo é chamado de pirâmide mundial, uma estrutura mutante mais liberal no âmbito das
negociações e no entendimento entre Estados com diferentes formas de organização social e
política.

Um dos legados da Guerra Fria no campo da análise das relações internacionais é a


classificação convencional dos Estados nacionais em uma escala hierárquica de acordo com
seu poder e em sua acepção inventarial. Assim, aceita-se geralmente que dois Estados se
encontrem no pináculo dessa escala e que cerca de uma dúzia se situe em diferentes
posições intermediárias, enquanto os demais estariam necessariamente condenados aos
degraus inferiores da pirâmide do poder mundial. Essa visão, muito convencional, é um
diagnóstico com largo curso nos chamados centros mundiais de decisão, que buscam
consagrar essa pirâmide como a forma “normal” de organização da sociedade internacional e
afirmar a hierarquização verticalizada como seu requisito fundamental.

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Mesmo com as evidências do fim da Guerra Fria ao longo dos anos, os Estados
demoraram para rever suas políticas externa e de defesa, assim como houve o retardamento
no fortalecimento das organizações de segurança regionais e internacionais. Após o episódio
no Iraque, pode-se afirmar que o mundo futuro não será sem conflitos, que poderão ser
internos (grupos diferentes dentro de um mesmo país) ou por meio das fronteiras nacionais.
Além disso, as questões raciais e étnicas também continuarão em pauta. À medida que a
sociedades progredirem, as revoluções políticas irromperão e as disputas históricas sobre
fronteiras certamente continuarão, com diferenças econômicas incrementadas de acordo
com o crescimento da revolução tecnológica neste século XXI.

Você já pensou sobre a importância do papel da geopolítica e da diplomacia


contemporânea no combate ao terrorismo, não proliferação nuclear e tráfico de
drogas internacional?
_________________________________________________________________

Texto – Saiba mais sobre a importância da diplomacia em questões relevantes e


atuais, como terrorismo, não proliferação nuclear e tráfico de drogas
internacional:
http://veridiana-diplomacia.blogspot.com.br/2011/01/nao-proliferacao-nuclear-
combate-ao.html

Vídeo – Como o Estado Islâmico influencia a geopolítica mundial?


https://www.youtube.com/watch?v=O1YZeV-4hpE&list=PLFuUKjvAhN_AbU1ukmGYT-
d0StIxYUf6D

_________________________________________________________________

67
BACKHEUSER, Everardo. Geopolítica e Geografia Política. RBG. IV, n. 1. Rio de Janeiro: IBGE,
1942.

CASTRO, Iná Elia de. Geografia e Política. São Paulo: Bertrand Brasil, 2010.

CLAVAL, Paul. Evolución de la Geografía Humana. 2. ed. Barcelona: Oikos-Tau, 1981.

COSTA, Wanderley Messias da. Geografia Política e Geopolítica. São Paulo: EDUSP, 2008.

DEFARGES, Philippe Moreau. Introdução à Geopolítica. Lisboa: Gradiva, 2003.

FONT, Joan Nogue; RUFI, Joan Vicente. Geopolítica, Identidade e Globalização. São Paulo:
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GUIMARÃES, Lytton L. Relações Internacionais como Campo de Estudo. Cadernos da REL.


Brasília: UnB, 2001.

HOBSBAWM, Eric J. Nações e nacionalismo desde 1780: programa, mito e realidade. São
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MAMIGONIAN. Armen. Geopolítica contemporânea e blocos regionais. XIX Semana de


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São Paulo: USP/DG, n. 2, 1983.

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VICENS VIVES, Jaume. Tratado General de Geopolítica. Barcelona: Vicens-Vives, 1951.

68
Bem, chegamos ao final da disciplina. Espero que os conhecimentos de Geopolítica, nos
seus enfoques conceituais, clássico e contemporâneo, tenham servido como instrumentos
para ampliar os seus conhecimentos e que estes possam ser aplicados em sua carreira
profissional no setor aeronáutico.

Desejo que tenha sido um período proveitoso para você e externo meus votos de
sucesso em sua carreira.

Saudações,

Professor Alvaro Augusto Casagrande

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