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Aqui no adianta latir, tem que morder ! CADERNOS DE SUBJETIVIDADE Niicleo de Estudos ¢ Pesquisas da Subjetividade Programa de Estudos Pos-Graduados em Psicologia Clinica da PUCSP. Cad, Subj, S.Paulo num.esp. pp. 1-262 jun, 1996 Catia seca Central / PUCSP Galles de Subjaiviide / Nicleo de Eston © Pesquisas a Suljeidivle do Py Ale Fan Baa is Clinica da BUCS. 11 (1998) Sto Baul, 1993) Semeatral EDD 1505 We Sabet Peau a le do Programa de Ei clos em Paicologia Clinica da PUCSI login Ciajea sh PUCSP. PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATOLICA DE SAO PAULO (PUESP) Programa de Estudos Pos-Graduados am Psicologia Caies Coordenacio writin Aca Lopes Ci View Goordenacio ‘Marin fae Vitanth [Nicloo de Esudos e Pesquisas da Subjtividade ‘Sly Made ofessores to Nichew Ales Naffak Net fn Chita Piguet Vole Pil Pelawt Sia tat Cadernos de Subjeividade onselhiy Eaitorial Grin eda Tidy Cnny Prd muti yA ey Ke ‘Merion A. TDi ear, beth io Lama Ps DE Movths Camb, Marin Laatengh ( bon th ion Golaboraram nese niimero Dray Meda, Dany AE Peajeto eth Aras Lim Martha Gambink Revisio Teeniea Por Pl Polar Sty Rati Rerisio de Texto ‘Creates Fotograticas ‘ae hsmbn GABA (pp. 1130, ‘Jo Pare iamberyer (204) NUCLEO DE ESTUDOS E PESQUISAS DA SUBJETIVIDADE © Niicleo de Estudos ¢ Pesquisas da Subjetividade, vinculado ao PosGraduacio de Psicologia Clinica da PUGSP, vem desenvolyendo, um trabatho em torno da questio da subjetividade, seus processos cle formagio ¢ seus impasses, especialmente no contemporinco, mbora variem significativamente ay diregdes de pesquisa, tres aspecios as aproximam: a transdisciplinaridade; a opeao por autores que abordem a subjetividade fora do Ambito da identidade e da representagio; o interesse por repensaras priticas clinicas om fv estas indagagoes. Asatividades do Niicleo, coordenadas pelo corpo docente fixo € pesquisadores convidados, so abertas a posgraduancos em geral € hio-universitirios interessidos em participar deste debate, uly Rotnih EDITORIAL Peter Pal Paar © Swely Rotnih NOTAS DE DELEUZE Desejo e prazer Garta de Deez a Foucante Meu préximo livro vai chamarse ‘Grandeza dle Marx’ Entrevista com Deleuce Avo Vina Fala que desperta Girard Lafort texceedo dos homens e cies go Agamben Altima aula? Giorgio Passerove ra Gilles Deletize, pensador do gato © tempo que na SeaneFranyots Lyotad A vida flosofi Francois Regnault Um mundo no qual aereditar Pater Pi Pelbart Um pensador plural e singular Roger-Pol Droit Deleuize em quatro topieos ‘Alain Badiow filosofia pritiea Dents Prado J OS MUNDOS DE DELEUZE A fikisofia como art brut ‘Laynest Garcia dos Santos Deleuze, esqulzo: Suely Roinik Crioneer Chui Semuel Kate Dispositivas em apo: 0 grupo. Regina Benevides ranye, crenea e povo 13 26 3s mn 4 o 90 97 © aise inareto yr no einen And Ponte Hensar, contar © cinema de Gilles Deleuze Raynond Bator “Tempos de Deleuze Peer Pt Plat Por ua losfia menor Regio da Cote Por uma ontologia transsedentitia Inte E Orden qu fuace com Selvagens, Birkatose Cileadas? Mie Galion bia Léglea do semiido, tea do acontecimento J aehman ‘Carta sobre Heidegger Alain Badiow me Uma introducio a vida nfoascita Micha Poe DELEUZE.PELO MUNDO Deleuze do Brasil Bi Ales Sobre a niowecepeto te Gills Deleuze na A Pied Bale Salire a recepedo te Clea Delete na Ainérea TLaunence D. Rstznan AMORTE © legado de Deleure Foana Benes Ele era uma biblioteca de Babel JeancFrangeis Lyotard ‘0 gesto de um fil6sofo Antoine de Gademar Estou sufocando, depois te ligo Jean-Pierre Faye “Terei que errar #6 Jacquet Devides Dard através das eras Clisedio Cpiane Aafirmagio num lance final tie BL Orland Formidvel era sua ironia André Bernald NINGUEM £ DELEUZIANO Delewe sem hermetismos Roberto Mechado Desperdirse do absoluto Suely Rotnik NOTA SOBRE OS AUTORES 121 ta 168 170 176 180 189 194 197 201 205 2 25 an 219 221 224 228 20 236 239 2 251 A idéia de um mimero especial dos Cadernosde Subjeividade dedicado exclusivamente ao pensamento de Gilles Deleuze surgiu a partir do impacto provocado por sua morte, No inicio aintengao eraapenas fazer um dossié no interior de um nimero (0, na form: regular, juntando textos publicados na o¢: tuma homenagem. Mas logo evidenciouse que os necrolégios eram demasiado permeados pela comogio da hora, € que mais produitivo seria aproveltar a cirennstancia para dar uma pequena amostra da presenga marcante de Deleuze no panoi contemporanco, © dossié expandiu-se, ¢ se especial que o leitor tem em mios. Foram incluidos escritos édlitos ou antigos, de interlocutores ¢ estudiosos de sua obra. As diferentes entradas, diregdes de pesquisa, estilos e graus de complexitlade desse material do uma idéia da fecundidade de ansformou no nimero sua Filosofia, bem como de si também interessava mostrar o exercicio de uma vid: asamento em alo € ao vivo em suas aula, a mizade com seus contemporincos. Eo que aparece na intimidade de suas notas a Foucault, na conversa com Didier Eribon, inéditos em portugués, ¢ nos preciosos depoimentos exploragio ainda embrionéia O transito tesrico de Deleuze pelos mais distintos campos nsdisciplinar desta cole Tal ire filosofia, clinica, cinema, antropologia, politica, reflete-se no carater tr imerface ento, mas. ias etc, revela nio 36 a vitalidade de seu penss também su relevincia para as priticas do presente, A penetragao de Deleuze no Brasil remonta a meados da década de 70, inicialmente no bojo das lutas no campo psiqu | mesma Epoca aparecem suas primeitas tradugdes em portugués. A partir do inicio dosanos 80 se ampli © interesse por sua obra no Ambito da clinica ¢ também da filosofia, principalmente fora do enquadre académico Proliferam entio grupos de estudo frequentados nio s6 por filésofos, mas também por psicanalistas, artistas, economistas, historiadores, arquitetos ete. A incidéncia cada vex fcativa no campo da clinica chama especialmentea atencio sar numa ressonincia entre a concepcio de subjetividade presente nesta obra c osprocessos de subjetivagio no Brasil Deleuze tera tido pensamento sio as zonas tropicais, frequentadas pelo homem P razio em afirmar: "Os lugares do tropical."?! Peter Pal Pelbart e Suety Rotnike |, Deleuze, Giles - Nitze ea flo, Rio de Janeiro, Semeion, 1976 {1962 p. 91 u Zz NOTAS DE DELEUZE INEDITAS NO BRASIL DESEJO E PRAZER* Gilles Deleuze Apresentagio por Francois Ewald O texto que se vai ler nao € apenas um inédito, Ele tem algo de intimo, de scereto, de confident |. Trata-se de uma classificadas dle Aa H, que Gilles Deleuze me havia confiado para que eu as transmitisse a Michel Foucault. Isto foi em 1977. Foucault acabava de publicar A vontade de saler, introducio a uma Hisléria da sexualidade que recolocava em xeque o jogo das categorias nas quais se refletiam aslutas de liber mesmo tempo em que Foucault atravessava uma espécie de crise, ja todo empenhado em sair de si mesmo e converter-se Aquilo que constituira a problemitica de O uso das prazens © O culdado de si. Gilles Dele el ao que percet ‘estas notas: nelas faz um balango de suas convergén rie de notas, o sexual, A recepgio deste livro, mal compreendido, deu-se a0 sen ser um sofrimento do ami 0, redige e divergéncias com Foucault Nao se trata de uma critica, muito menos de uma polémica, mas de um convite — intciramente atravessado pela sinceridade da amizade — para retomar um diilogo interrompido Gilles Deleuze © Michel Foucault se conheceram em 1962 em ‘errand, na casa de Jules Vuillemin, Deleuze acabava de publi seu Niatziche ¢ a filosofia c Foucault tentava a nomeacio deste (contra Roger diles. “Desire plaisir’, in:*Foucaultauourd'hni", Magasine Litirair n.925:59- 65, Pants, outs 1904, Trad. Lutz Bol Orlandi, (trad. dt “Aprescntagao": Peter Pal Pelbart) 8 audy) na Universidade de Clermont-Ferrand, onde ele proprio ensinavi. inicio de uma grande amizade. Deleuze ccnvida Foucault ao coléquio deRoyaumont, dedicado a Nietzsche, de cuja organizagao fora encarregado, Em 1966 cles assumem juntos a responsabilidade pela versio francesa da nova edi¢ao Colli-Montinari de Niewshe, na editora Gallimard. Qua Deleuze publica em 1969 Diferenca e repelicdoe Ligica do sentido), Foucault faz uma resenha no Nowvel Olservateure-um artigo na revista Critique, onde, segundo uma formula que se tomnara célebre, ele declara: "Mas um dia, talvez, 0 século se Deleuze, por sua vee, faz A arqueologia do saber wa revista Critique No pos-maio de 68, junta-se a Foucault no Grupo Informacdo Prisies (G. io vistos juntos com freqitencia nas manifestagdes anti-judickarias do inicio dos anos 70, A publicagao de O anti ia profusto de nogics hovas ¢ de conceitos surpresa’, faz de Deleuze um dos grandes pensadores do pésmaio de 68, Em seguida a essa publicagio, L'Arr dedicalhe um niimero, com uma importante conversa onde os (lois filésofos se propoem difinir conjuntamente o novo estatuto do intelectual, de seu trabalho € de sua relagao com as lutas. 0 anti-Edipo, publicado trés anos antes de Vigiar puxir, foi sem diwvida uma obra constrangedora para Foucault, que pouco dep propde sua propria versio do Edipo (“A verdade e as forma juridicas"), um texto eum tema ques m 1977, Foucault pr oretomados por ele d facia a edicio americana de O anti-Bdipo e, nas s mesmas de seu tiltimo trabalho, faz dele uma Ao fascista”. Deleuze resenha Vigiar¢ punirna revista inirodugi Critique n. $43. Depois 0 didlogo se inte: rompe. Foucault nio tornay timos desejos, quando hospitalizado em ncontrar Deleuze. Um de seus junho de 1984, sera revé-to, Essas noias sio portanto 0 iiltimo texto da troca Foucaul-Deleuze, uum chamarlo que ficou sem resposta, Para além da ami de entre dois m modelo ao qual poderfamos aspirar no homens, diilogo cnire dois filésofos. das obras de Deleuze (¢ de outros) ser a publicadas no Brasil, com As ttle cegiio das textos tolavia Je rumeragdo de paigina serdo, m Wo tradualdos pa ntidas no original, que o autor as tenha assinalado na eidicio brasileira. (8. ©.) NOTAS DE DELEUZE Uma das teses essenciais de Vigiar ¢ Punir* dizia respeito aos spositivos de poder. Ela me parecia essencial sob ués aspectos: 1) Em si mesma e em telagio a certo esquerdismo (‘gauchisme notei aprofunda novidade politica dessa concepgio do poder, por oposigio a toda teoria do Estado, 2) Em relacao a Michel, ela era essencial, pois permitiathe ultrapassar a dualidade das formagdes discursivase das formagdes nao-discursivas, que subsistia em A Anqurologia do Saber, ¢ explicar como os dois tipos de formagées se distribuiam ou se articulavam segmento por segmento (sem que um jem que fossem levadlos a se assemelharem ete). ntrar uma razio de suias fosse reduzido ao outro, tratava de suprimira distingao, mas de enc relagdes, 3) Ela era também essencial gragas a dispositivos de poder nao procediam por repress Ha por todo mundo. F conceito de normalizagao e de disci a conseqiiéneia precisa: os 10 ¢ nem por ideolo, a.com umaalternativa que era mais ou menosaceita portanto ry n ver de repressio ou ideologia, VP formava um. B a tese sobre os dispositivos de poder tinha duas Parecia-me que rias, mas distintas. De qualquer ny diregdes, de maneira alguma contradi modo, esses dispositivos eram irredutivei de acordo com uma diregio, cles consistiam numa multiplicidade difusa, heterogénea, a dos microdispositivos. De acordo com outra diregao, cles remetiam a um diagrama, uma espécie de maquina abstrata ima todo o campo social (o paneptismo, por exemplo, definido pela fun idade qualquer) a um aparelho de Estado, Por fram geral de ver sem ser visto, aplicavel a uma multipl *Asroferénchsbiblingratieas das obras ee Foucault ¢ suas respectivas abreviatiras usiizuas fonigo desis notas (AS, VP VS) esto especifi no final, 15 como duas direcdes de microanalise, igualmente importantes, pois A segunda mostrava que Michel nao se contentava com uma “disseminagio?. iG: Olivro A Vontade de Saber dé um novo passo em rela 0.4 SP. 0 ponto de vista permanece exatamente este: nem repressio, nem ideologia. Porém, € paradizé-lo em poucas palavras, os dispositivos de poder ndo se contentam €m ser normalizantes, mas tendem a ser constituintes (da sexuatidade). Eles no se contentam em formar saberes, mas sdo constitutivos de verdade (verdade do poder). J6 nao mais se relerem a “eategorias hegativas (loucura, delingiéncia como objeto de confinamento), m uma categoria dita positiva (sextialidade), Este tiltimo ponto ¢ confirmado pela entrevista dada a La Quinzaine Litéraie . A esse respelto, portanto, crcio ter hayido em ¥S'um novo avango na analise. Eis o perigo: sera que Michel retorna a um analogo de “sujeito constituinte”, ¢ por que experimenta ele a necessid ide de ressuscitar a verdade, mesmo fazendo deli tum novo conecito? Penso que esas falsasquest6es, que nao sio minhas, serdo levantadas enquanto Michel nao tiver explicado mais, D mim, uma primeira questio era anatureza da microandlise que Michel estabelecia desde VP, Entre “micro” ¢ “mac evidentemente de tamanho, no sentido em que microdispositivos setia concerentes a pequenos grupos, pois a familia, por exemplo, nio tem i 0. Tratase menos ainda de microdispositivos imanentes ao aparelho egmentos de aparetho de Estado que penetram também os microdispositivas. Nao ha dualismo extrinseco, mas i completa das duas dimensoes, Se qualquer outra form um dualismo extrinseco, pois ha de Estado, assim como hi entio preciso compreender que 4? Uma pagina de VS (132 no original) recusa explicitamenite essa interpretacao, Mas essa pagina parece remeter o macro a0 modelo estratégico c o micro ao modelo tatico, Isso incomoda, pois me parece que os microdispositivos, para Michel, tem (da uma dimensio estrategica, sabretudo se levase em conta esse di ygrama do qual sio eles inseparaveis. Uma outra dire o seriaa das “relagdesde forga” aquilo que determina o micro (cf., notadam ada em La Quinzaine), Mas Michel, creio cu, nao desenvolveu ainda esse ponto; sua concepcio original das relagdes de forga, o que ele denomina relagio de forga, deve ser um conceito tio novo quanto todo 0 resto, vistas como ite, a entrevista publi Em todo caso, ha diferenga de natureza, heterogeneid cro € macro, 6 que de modo algum exchii a imanén limite, minha questio seria aseguitite: quesefalea atcle entre m dos dois. Mas, no. ssa diferenga de natureza permite inda em dispositivas cle poder? A nogao de Estado niioé aplicavel no nivel de uma microanalise, pois, como diz Michel, nio se trata de miniauari taelo, Mas sctia mais aplicivel a nogio de poder? Nao € também cla a miniaturizacao de um conceito global? Chego, assim, a minha primeira diferenca com Michel, atualmente. Se, com Félix Guattari, falo em agenciamento de desejo, € por nao estar seguro de que os microdispositivos possam ser descritos em termos de poder: Para mim, agenciamento de desejo marca que o desejo jamais € uma determinac’ “natural”, nem “esponténea" Por exemplo, feudalidade & umagenciamento que poe em jogo novasrelagdes com o animal (o cavalo), coma terra, com a desterritorializagao (a corrida do cavaleito, a Cruzada), com as mulheres (0 amor cavalheiresco)... ete. Agenciamentos totalmente Joucos, mas sempre historicamente assinalaveis. De minha parte, diria que 6 desejo circula nesse agenciamento de heterogéneos, nessa espécie de *simbiose’ © desejo nese a um agenciamento determinad funcionamento, Seguramente, um agenciamento de desejo comportara dispositivos de poder (poderes feudais, por exemplo), mas sera preciso situi-los entre os diferentes componentesdo ageniciamento. Conforme um primeira x0, pode-se descobrir nos agenciamentos dle descjo as estados €e coisas cas crunciagdes (o que estaria em conformid feita por Miche! dos dois tipos de formagdes ou de mul nforme um outro eixo, scriam distingui retcrritorializagdes € os movimentos de dest desencadeiam w jade com a dlistin itorializag: enciamento (por exemplo, todos os movimentos de destertitorializacao que arrebatam a Igreja, a cavalaria, os camponeses) Os dispositivos de poder surgiriam em toda parte em que se operam re- 7 territorializacdes, mesmo abstratas, Logo, os dispositivos de poder se: uum componente dos agenciamentos. Mas os agenciamentos também comportariam pontas de destertitorializagéo, Em suma, nao seriam os dispositivos de poder que agenciariam ou que seriam constituintes, mas os agenciamentos de desejoé que disseminariam formagdes de poder segundo uma de suas dimensées, Isso me permitiria responder a seguinte questio, hecessaria para mim, mas néo para Michel: como o poder pode ser desejado? Portanto, a primeira diferenga seria esta: para mim, 0 poder € uma alecgio do desejo (reafirmando-se que jamais o desejo Guma “realidade natural"), Tudo isso & muito apros ativo: relagdcs mais complicadas, que nao aponto, entre os dois movimentos, de desterritorializagio ¢ de reterritorializagio, Mas é nesse sentido que o desejo me pareceria ser primeiro, apresentando-se, assim, como elemento de uma microanalise. E Nao deixo de seguir Michel num ponto que me par nem ideologia, nem repressao; por exemplo, os enunciados, ou sobretudo asenunciagdes, nada tém aver com ideologia. Os agenciamentos de desejo nada tém a yer com repressio. Mas, evidentemente, em relagao aos dispositivos de poder, ndo tenho a mesma firmeza de Michel; fico indeciso, Visto 0 estatuto ambiguo que elesapresentam para mim. Em VP, que eles normalizam ¢ disciplinam; eu diria que eles codificam ¢ reterritorializam (€ suponho que haja também af algo mais que uma Aistingdo de palayras). Mas, visto que afirmo © primado do desejo sobre o poder, oo carater secundario que to e fundamental: m para mim os dispositivos de po- der, as operagdes destes guardam um ef to repressivo, pois esmagam nao © desejo como dado natural, mas as pontas dos agenciamentos de desejo. ‘Tomo uma das teses mais belas de V8: 0 disposi -xualidade sobre osexo (sobre diferenga de sexo: ptacle vo de sexualidade assenta etc,;€ apsicandlise tentativa desse rebatimento). Vejo ai um , precisamente na fronteira do micro © do macro: esid inteiramente & ¥ to de repressi sexualidade ~ como agenciamento de descjo historicamente varidvel ¢ determinavel, com suas pontas de desterritorializacio, de fluxo ¢ de combinagdes = seri assentada sobre uma instincia molar, “o sexo”. Mesmo 18 que 03 procedimentos desse rebatimento nao sejam repressivos, o efeito {nio-ideoligico) é repressi uma Ver que osagenciamentos si rompidos nao s6 em suas potencialidades, mas em sua microrrealidade. Desse modo, 08 agenciamentos s6 podem existir como fantasmas, que os mudam ou os desviam completamente, ou como coisas vergonhosas... etc. Eis um pequeno problema que muito me interessa: por que certs “perturbados”, ao contririo do enurésico ¢ do anoréxico, por exemplo, so mais passtvei de Yergonha eaté mesmo dependentes da vergonha? Tenho, pois, necessidade de certo conceito de repressio, no sentido da incidéncia da repressio sobre umaespontaneidade, mas porque, tendo os agenciamentos coletivos muitas dimensdes, os dispositivos de poder seriam tio-somente uma delas F Eis outro ponto fundamental: creio que a tese “nem repressio ~ nem ideologia” tem um correlato, ¢ talvez cla propria dependa desse correlato, Um campo social nao se define por suas contradigoes. A nogio ntradigio € global, inadequada ja implica uma forte cumplicidade dos “contradit6rios” nos dispositivos de poder (por exemplo, as duas classes, a burguesia ¢ o proletariado), Com efeito, parece-me que uma grande novidade da teoria do poder, em Michel, seria ainda seguinte: uma sociedade nao se contradiz, ou se contradiz muito pouco, Mas cis sua resposta: el cla estrategiza, Acho isso muito bom; vejo bem \ensa diferenea (estratégi: sob esse aspecto. Mas ni De minha parte no se contradiz, mas el se estrategivz isewite adicio), ¢ eu precisaria ler Cl 9 me sinto A vontade nessa idé diria o seg inte: uma sociedade, um campo social ¢ loge, ¢ isto é primeiro, Ele foge de antemio por todos os ladoy; is linhas de fuga € que sto primeiras (mesmo que “primeito" Go seju eronolégico), Longe de estar fora do campo soci ou dele sairyas linhas de fuga constituem seu rizoma ou cartografia. As linhas de fuga sio qu implies desterr feudal a mesma coisa que os movimentos de desterritorializagao: elas no Mm qualquer retorno A natureza; elas sto as pontas de orializagaio nos agenciamentos de desejo. © que € primeiro na linhas de fuga que ela supa lismo, As linhas de fuga nio sio » mesmo pode ser dito dos 19 forcosamente “revolucior las”, podendo ocorrer 0 conteirio disso, mas io clas que os dispositivos de poder vio colmatar, vio atar. Por exemplo, todasas linhas de destertitorializagao que se precipitam cm torno do século XI: as tiltimas inyasdes, os bandos de pilhagem, a desterritorial Igreja, as emigragdes camponesas, a transformagio da cay: transformacao das cidades, que abandonam cada vez mais os modelos territoriais, a transformagao da moeda, que se injeta cm novos circuitos, a mudanga da condigao feminina com temas do amor corté desterritorializam até mesmo o amor cavalhieiresco... etc, A estralégia $6 poder ser segunda em relaga as lin de fuga, as suas conjugacées, As ‘suas orientacdes, as suas convergéncias ou divergéncias. Encontro também aio primado do desejo, pois o desejo esta precisamente naslinhas de fuga, cdo € dlissociagaio de fluxo, © desejo se confunde com elas, enti, que Michel cncontra um problema que nao tem 0 mo estatuto para mim, Com efeito, se os dispositives de poder sio de alguma maneira constituintes, s6 pode haver contra eles fendmenos de ',€ a questio incide sobre o estatulo desses fendmenos, Sem diivida, cles serao menos ainda ideolégicos © anticrepressivos, Dai a cia das duas paginas de VS, nas quais Michel afirma: que n facam dizer que esses fendmenos sejam um engodo... Mas qual estatuto vai Ihes dar ele? Ha varias diregoes aqui: 1) Aquela de VS (126-127 no origi- nal), na qual os fendmenos de resisténcia seriam como uma imagem invertida dos dispositivos; teriam cles as mesmas caracteristicas, difusio, heteroge Hivente a frente”. Mas essa ditegd parece-me bloquear as saidas tanto quanto encontrar uma. 2) A direcio apontada na entrevista relativa A fungao politica do intelectual: se os dispositivos de poder sao constitutivos de verdade, se ha uma verdade do poder, deve haver a verdade contra os poder intelectual; donde sua manei que me lev: me de... ete:; eles estariam , como contrvestratégia, uma espécie de poder da es. Donde, em Michel, o problema do pape! do a de reiniroduzir a categoria de verdace, 0 a perguntar 0 segninte: renovando completamente categoria, ao fazé-la depender do poder, ele encon matéria retor Hl ssa iio vejo como, E preciso esperar que Michel, no nivel de sua microanslise, diga essa nova concepeao da verdace. 3) A terceiradiregio é dos prazeres, do corpo e seus priceres, 20. Também aqui, mesma expectat contrapoderes, ¢ como cle concebe essa nogio de prazer? Certos problemas que se colocam para mim nao se colocam para Michel, porque eles sto de proprias del ‘a para mim: como os prazeres tema resalvidos pelas pesquisis que sio Inversamente, para encorajarme, di e que outros problemas nao secolocam para mime se colocam para ele por necessidade de suas {eses € sentimento desterritorializs As linhas de fuga, os movimentos de io, como determinagées coletivas histéricas, nao me parecem ter equivalen Michel, Para mim, nao hao problema de um menos de resisténcia: ja que as linhas de fuga sio determinagdes primeiras, jf que o desejo agencia o campo social, sto sobreudo os dispositivos de poder que se acham produzidos por esses agenciamentos, 40 mesmo tempo em que os esmagam ou os colmatam, Compartilho do horror de Michel por aqueles que se dizem margi estatuto dos fe acho cada vez menos suportavel o romantismo da loucura, da delingiiéncia, a perversio, da droga, Mas, para mim, nao sio criadas pelos margi ihas de fuga, isto é,o8 agenciamentos de desejo. Ao contririo, elas so li- has objetivas que atravessam uma sociedad, na qual os marginais instalam- se aqui ou ali para fazer um cfreulo, um eireuito, uma recodificagio. NA Cenho, pois, necessidadé de um estatuto dos fendmenos de resisténcia, uma ver que 0 primeito dado de uma sociedade é que nela tudo foge, indo se desterritorializa, Daf porque o estatuto do intelectual € 0 problema politico nesmos para Michel € para mim, Te ainda agora a is as como vejo essi diferen G Na tiltima vez em que nos vimo: aleigio, di desejo; mesmo que vocé a empregue de outro modo, no posso in me de pensar ou de viver que desejo = falta, out que desejo se diz reprimido, Michel acrescentou: entio, para mim, 0 que chamo “prazer” talvez.seja 0 que voce denomina “descjo"; de qualq outra palavra que nao desejo. Evidentemente, mais uma vez, trata-se de outra coisa ¢ ndo de uma questio de palavra, embora, de minha parte, suporte muito pouco a palavra Michel, com muita gentileza © eme mais ou menos o seguinte: nao posso suportar a palavra mode, tenho necessidade de 21 “prazer”, Mas por qué? Para mim, desejo nao comporta qualquer falta. Ele hao é um dado natural, Esti constantemente unido a um a que funciona. Em vex de ser estrutura ou génese, cle é, contrariamente, Processo. Em vez de ser sentimento, ele é, contrariamente, afecto. Em vez é, contrariamente, “hecceidade” (individualidade de uma jornada, de uma estagio, de uma vida). Em vez de ser coisa ou pessoa, ele €, contrariamente, acontecimento, O desejo implica, sobretudo, aconstituigao de um campo de i que se definesomente por zonas de inten de ser subjetividadle, cle ou de um “corpo sem érgios”, idadle, de limiares, degradientes, de fluxos, Ease corpo € tanto biologico quanto coletivo € politico; é sobre cle qite os agenciamentos &e fazem © se desfzemy é cle o portador das pontas de desterritorializacio dos agenciamentos ou linhas de fuga, O corpo sem Orgs varia (o da feudalidade 1 10 Go mesmo que odo capitalismo). Se odenomino corpo sem érgios, é porque ele se opde a torlos os estratos de ago, tanto aos da organizag: 9 do organismo quanto aos das izages de poder. Sio precisamente as organizagbes do corpo, em seu conjunto, que quebrarao o plano ou campo de imanéncia ¢ imporio ao desejo um outro tipo de “plano”, estratificando a cadaver 0 corposem Srgaos. Se digo tudo isso dle maneira tio confusa, € porque varios problemas colocam-se para mim em relugio a Mich 1) Nao posso dar ao prazer qualquer valor positivo, porque o prazer parece-me interromper o proceso imanente do desejo; o prazer parece-me estar do lado dos estratos e da organizacio; é no mesmo movimento que o desejo é apresentado como submetido de dentro a lei ¢ escandido de fora pelos prazeres; nos d ia proprio do desejo, Digo a nie por acaso que Michel atribui certa importancia a Sade, € eu, 30 conte: mesmo qu #0, & Masoch! iente dizer que sou ser conveniente dizer i nio yerdadeiro. O que me interessa em Masoch nio sio as dores, mas a idéia de que o p: romper a positividade do desejo ¢ a Jo de seu campo de imanéncia; assim também, mas de outro constituigio de um plano de imanéneia ow de masoquista ¢ que Michel é sidico. Poder ‘0, mas er vem ii modo, hi um corpo sem Grgios, no qual 0 desejo, que de nada carece, resguardase tanto quanto possivel de prazeres que viriam interromper seu proceso. no amor cortés ay Parece-me que o prazer € 0 iinico meio pa “reencontrar-se” num processo que o transborda, Do meu ponto de vista, é da mesma maneita ¢. Ici da falta © A norma do prazer. on sujeito i umareterritorializagao. co destjo € relacionado 2) Em compensacio, é essencial aidéia de Michel segundo a qual os dispositivos de poder tém como corpo uma relacio imediata e direta. Mas, para mim, cla é essencial se se considera que esses dispositivos impéem uma organizagao aos corpos. O corpo sem érgaos esti ligado ao agente de desterritorializacio (¢, por al, ao plano de imanéncia do desejo), ao pa que todas as organizagdes, todo o sistema daquilo que Miche! chama de “biopoder”, opera reterritorializacées do corpo. 3) Poderia cut pensar em equivaléncias do tipo: © que para mim é 0 “corpo sem Gredos — desejes” corresponde ao que, para Michel, & “corpo — prazens"? Posso relacionar a distingao “corpo— carne’, da qual falava Michel, ‘corpo sem 6rgdos ~ organismo">? Ha uma pagina muito importante em VS (100 no origi com a distingao ) sobre a vida apreseniada como 0 que dit lum estatuto possivel as forgas de resisténcia, Essa vida, para mim, aquela mesma de que fala Lawrence, le modo algum é Nature: ; cla € exatamente ci © plano de iman do desejo, plano variavel através de todos os agenciamentos determinados, Relaciono # concepgio do desejo em Law- renee com as linh: qual, no final de VS, Michel se serve de Lawrence qual cu me sirvo deste). de fuga positivas. (Pequeno detalhe: a mancira pel oposta A maneira pela H Sera que Michel avangou no problema que nos ocupava, qual s de manter os direitos de uma microanilise (difusio, heterogencidade, cariter parcelar) ¢, todavia, encontrar uma espécie de principio de do tipo “Estado”, “partido”, totalizagao, uunificagio que nao s¢j represent Prim de VP: dew outro Jado, também diagrama ou maqu po social, Pareceme que lo do proprio poder, retorno as duas diregdes ado, carter dif uso e parcelar dos microdispositivos, mas, de abstrata cobrindo o conjunto relagio entre essas duas instincias da do 28 microandlise per muda um pouco aneciacomo um problema em VP. Creio que a m VS: aqui, as duas direcdes da microanilise serio sobretudo as microdisciplinas, de um lado ¢, de outro, os processos biopoliticos (pp. 183 css, no original). Fol o que eu queria dizerno item G destas notas, Ora, o pontode vistade VP sugeria que o diagrama, irredutivel A instancia global do Estado, operava (alvez uma microun » dos pequenos dispositivos, Sera preciso compreender agora que os processos biopolitices € que terio essa fungao? Confesso que a nogao de diagrama me parecia muito # que Michel a reencont Masdo lado das linhas de resisténci: de fuga, como conceber as relagdes on as conjugagdes, as conjungies, os processos de unificagio? Eu diria que o campo dle imanénciacoletiva, onde cm dado momento se fazem os agenciamentos € onde eles tragam suas linhas de fuga, € também um verdadeiro diagrama, encontrar o agenciamento complex capaz de efet nese nove terre! olinhas ou daquilo que denomi esse diagrama, operando a conjungao das linhas e das pontas de desterritorializagio, E a totalmente diferente nesse sentido que eu falava de uma maqui i res como também dos nto do aparelho de Kstacla e das dispositivos de poder: De um lado, portanto, teriamos Estadlo-diagrama do poder, sendo o Estado 0 aparelho molar que efetua os microdados do diagrama entendido como plano de organizagao; de outra part miquina de guerra-diagrama das linhas de fuga, sendo a maquina de gu © agenciamento que efetua os microdados clo diagrama entendido como plano de imanéncia, Paro neste ponto, porque isso colocaria em jogo doi tipos dle planos muito diferentes, uma espécie de plano transcendental de organizagio conu tornariamos a teriamos 0 plano imanente dos agenciamentos, € porqu os problemas precedentes. E aqui j& nio sei como situarme em relagio as pesquisas atuais de Michel Adigio: 0 que me interessa nos dois estados opostos do plano ou do agrama € seu confronto hist6rico sob formas muito diversa: temse um plano d 9 ¢ de desenvolvimento que € oculto por hatureza, mas que d num caso, desenvolvimento, e onde tudo é visto, ouvido... ete. O primeiro plano nao ou se confunde com o Estado, mas esté ligado a este -gundo, ao contrario, esti ligadoa uma maquina de guerra, a um devaneio de maquina de guerra. No nivel da natureza, por exemplo, Cuvier € também Goethe concebem 0 primeiro tipo de plano; Haldertin, em Hypérion, ¢ mais ainda Kleist concebem o segundo tipo. De pronto, dois tipos de intelectuais, e convém comparar o que diz Michel a esse respeito com 0 que ele proprio diz sobre a posicio do intelectual. Ou ntio, em miisiea, onde se confrontam: as cuas concepgées do plano sonoro. Pergunto se o liame podersaber, tal como Michel analisa, poderia ser assim explicado; os poderes implicam um plano-diagrama do primeiro tipo (por exemplo, a cidade grega ¢ a geomeuia cuclidiana); mas, inversamente, do lado dos contrapoderese mais ‘ou menos em relags iquinas de guerra, ha o outro tipo de plano, espécies de saberes “menores” (a geometria arquimediana; ou a geometria éascatedrais, que sera contrabatida pelo Estado). Todo um saberapropriado allinhas de resisténcia e que nao tem a mesma forma do outro saber?) Nota 1, Deleuze consagrou um livro a SacherMasoch (1967): Apresentardo de Sacher ‘Masoch. O frioe 0 cruel, Rio de Janeiro, Taurus, 1983. Referéncias bibliogrificas FOUCAULT, Michel (1069). Marchcologie du anvor Pacis, Gallimard (A anquectogia do saber: AS). (1975). Surveiler t punir ~ naissance de la prison. Paris, Gallimard. (Vigior « unit: VP), (19765) vwontadle de saber: Un: Historia da sexualidade: VS), La volonté de savoir, bn: Histoire de ls sesuatité, Paris, Gallirmard. v1 (A __ (1976b), La fonction politique de l'intellectuel. Politique Hello, 29 de novembro. =5 de dexembro. Gf. Dits « éerits,n, 185, 1M, p. 109. (197). Les rapports de pouvoir passent a 'intérieur des corps (enirevis m Lucette Finas), La Quinsaine Littéraire,n, 247; 46, 1-15 de janeiro. CL Dits et Barts, n, 197, I, p. 228, “MEU PROXIMO LIVRO VAI GHAMARSE GRANDEZA DE MARX"* Depoimento ile Gilles Deleuze o Didier Eribon Eim 1993, Gilles Deleuze deu um depoimento a Didier Eribon, bidgrafo de Foucault, Eis alguns trechos dessa conversa inédita. ESCREVER * Nao escrevo contra alguém ou algo. Para mim, escrever um gesto absolutamente positive: dizer o que sc admira € nao combater ‘© que se detesia. Escrever para denunciar é 0 mais baixo nivel da escrita. Em contrapartida, € verdade que escrever significa que algo nao vai bem no estalo da questio que se deseja abordar. Que n Entao, eu di 0 Se esti satisfeito. escrevo contraas idéias prontas, Escrevemos sempre contra aay idéias prontas. SARTRE* Foi welo para mim. Sartre foi algo fenomenal. Durante (alema) cra uma mancira de existir no dominio espiritual. As pessoasqueo recriminam porque fez representar suas pegas durante aocupagio, nayerdade niioas leram. Levaraos palcos As mascas pode ser comparado a Verdi permitindo quesuas pegas fossem tocadas diante dosustriacos. Todosos italianos compreendiame gritavam brave Elessabiam que aquilo era um ato de resisténcia. exatamente a mesma situacao com Sartre ‘ocupa crim 0 sere o nada foi como uma bomba. E nao exatament aso com AY moscas, porque se teria visto af um ato de resisténe ser um desumbramento. Todo um livro, enorme, de pensa ft. Mas por pent Nove. 1 Obvervatenr, Paris, 10 nov, 199, Trad, Martha Gambint 20 Que choque! Eu me lembro, estava com Tournier, fomos comprélo juntos. Eo devoramos. Sartre abcecou as pessoas de minha geragao, Ele escrevia romances, teatro, ¢ entdo todo mundo queria fazer romances ou teatro, Todos o imitavam. Ou, entéo, tinham citimes, ficavam irritados... A mim, ele fascinava. Fui fascinado por Sartre. Penso que ha uma novidade em Sartre que nun ira se perder, uma novidade para sempre. £ como Bergson. Nao é possivel ler um grande autor sem nele encontrar uma novidade eterna. E se hoje Sartre ¢ Bergson sio tratados como autores ultrapassados, é porque ninguém é capaz de reencontrar a novidade que eles trouxeram em sua época. E sé nio somos capazes de recncontrar a novidade que um autor trouxe em sua época, também perdemos a eterna novidade que ele traz consigo ~ € a mesma coisa, Nao somos mais capazes de encontrar que ele é parasempre. Entao, insiaura- se 0 reino dos copistas, que s4o 0s primeiros a expulsar para 0 passado aqueles que cles mesmos copiaram. CANGUILHEM * Quando prestei 0 concurso de ingresso na ficole Normale! foi Canguilhem quem me submeteu a prova oral de filosofia. Deu uma boa nota, masinsuficiente para compensar minha mi classificacdo as outras matérias, Nao fui admitido, mas ganhei o que s¢ chamava uma bolsa de estuclos para a Agrégation®. Como ja fora feita a descentralizagao, a bolsa era atribuida para uma universidade do interior. Jean Hyppolyte, que tinha sido meu professor no curso preparatério a Ecole Normale (Ahdgne) © que gostava muito de mim, disse: venha a Estrasburgo. Ele obtivera uma nomeagio nessa cidade apés ter terminado sua tese sobre Hegel. Nao cheguei a me instalar em Estrasburgo. Ia para 14 uma ver por trimestre, para receber minha bolsa, e entéo assistia aos cursos de Canguilhem. Ele nos falava de autores que no conheciamos, dos quais nunca tinhamos ouvido falar Quando cu ia a Estrasburgo, como cu nao morava na cidade, vivo bastante. Uma pequet turma de Canguilhem, Ele foi extremamente importante para mim. aulas quanto seus livros, Na verdade, Canguilhem foi muito importante para todas as geracdes que passaram por ele a partir da minha. se mesmo dizer que ele formou todo mundo, ou quase, jurma reunia-se a seu redor, eeu também fiz parte 27 LACAN + Ele me reconheceu quando dedicou uma sessio de seu seminirio a meu livro sobre Sacher Masoch (Apresentardo de Sacher Masoch) Contaram-me, e nunca consegui saber muito mais, que ele trabalhou quase hora sobre meu livro. E depois veio fazer uma conferéneia em Lyon, época cu dava aulas. Foi um espeticulo inerivel... Ni “A psicandiise consegue tudo, exceto tomar inteligente wm idiota”. Depois da conferéncia, veio jantar em cast. Ecomo se deitava muito tarde, sua visita foi bastante longa. Eume lembro: era mais de meianoite ¢ ele queria absolutamente um uisque es- pecial. Essa noite foi realmente uum pesadelo. Meu tinico grande encontro com cle foi depois da publicagao de O antéEdipo. Tenho certeza de que ficou aborrecido com o livro. Fle devia estar chateado conosco, com Félix e comigo, Mas, finalmente, depois de alguns meses, convocousme—nao ha outra palavra, Desejava yer-me, ¢ fui. Ele me fez aguardar nasala de espera, Havia muita gente, nio sabia se pacientes, admiradoras, jornalisias. Ele me muito tempo, posso até dizer que tempo demais, ¢ por fim acabou me recebendo. Recitou-me a lista de todos os seus discipulos, dizendo que ¢ram todos nulos (0 nico do qual nio falou mal foi Jacques Alain-Miller) Eume divertia, porque lembrava de Binswanger contando uma cena idéntica: Freud Ihe falava mal de Jones, de Abraham... E Binswanger sulicientemente esperto para imaginar que Freud devia dizera mesma coisa estava presente. Assim, Lacan falava, € na um, a nao ser Miller. E entao disse: ssa oportunidade é que sua célebre frmu fezesper cicapou le alguém como vocé que cu preciso. MILPLATOS * Esse livro éa melhor coisa que fizcmos juntos, Félix ecu. Eé omelhorde tudo que fiz. Sim, sem divida posso dizer que é 0 que fizde melhor: Ele nao teve sucesso, mas penso que é um livro muito belo. Por que ele nio fez sucesso? Talvez 0 livro fosse grosso demais. E além disso, € sobretudo, nao era ainda st ‘MAIO de 68+ Esse periodo foi muito rico para a teoria. Quando penso no que passei, durante minha vida, devo dizer que de inicio houve um periodo extremamente pobre; estou falando da guerra, natural nite. Depois da guerra, houve uma enorme explosio cultural e intelectual. E depois veio o deserto, nos anos 50. E em seguida a saida do deserto, ¢ 28 novamente uma época muito forte, nos anos 60 (com a Notvelle Vague no in). Havi ite temos de novo oO ara aqueles batho atras de si nao hi muito cinemae, na teoria, dij amos, para resumir, Foucault e L. momento uma verdadeira efervescéncia, E atualm deserto, Mas nio éirreversivel que ji problema, cles podem continuar escrevendo e atravessar 0 deserto, Mas preciso distinguir dois casos: deixaram uma parte de seu tra jor uma eatistrofe ffeil Chega num perfodo de deserto, Para alguém jovem, que tenth Igo novo a dizer, a situag realmente muito dura © que foi muito importante 1 época da qual falamos, os anos 60, maio de 68 c alguns anos seguintes ~e que hoje esta realmente acabado — €0 que eu chamaria de um novo funcionalismo, completamente fundido a filosofia, concebida como atividade criadora de conceitos. Tratavse de ir conceitos que fincionassem em daco campo social, No caso de Foucault isso é evidente, pois ele ¢ quem foi mais longe nessa criagio de conceitos, com nogdes como a de “sociedade disciplinar”, que é a meu ver um conceit essencial. Eram conceitos que funcionavam num campo de imanéncia, E isso se opunha a duas coisas, do ponto de vista da tradigio filos6fica: ao recurso & transcendéncia a filosofia (filosofia que reflete sobre) ma concepgao teflexiva da Nos periodos pobres, como agora, ha sempre uma restauracio da transcendéncia ¢ um retorno a filosofia concebida como uma “reflexio sobre”, Também um retorno 4 filosofia universitaria, Entao, é isso que é preciso encontrar atualmente:a filosofia como criagao. Nao “refletir sobre”, mas et transcend F conceitos; nado buscar descobs ncias, mas fazer funcionar 0s conceitos nos campos de imanéné MARX * Nuncaaderi ao Partido Comunista (¢ tampouco nunca me submeti a uma anilise, escapei disso tudo). Eni ca {iui marxista antes dos anos 60. O que me impediu de ser comunista foi o modo como eles tratavam os seus intelectuais, E também, devo dizer que nao cra marxista porque, no fundo, nio conhecia Marx nessa época, 29, Li Marx ao mesmo tempo que Ni so conceitos sempre validos. Ha neles uma c antiEdipo © Mit platis esto completam: marxismo, Hoje posso che. Achei ge: ial. E pars ica, uma critica radical. O ie atravessados por Marx, pelo cr que me sinto completamente marxista, O artigo publiquei sobre a “sociedade de controle’, por exemplo (retomado em Conversagies), € completamente marxista ¢, no entanto, escrevo sobre coisas que Mai a mim io conhecia jo entendo 0 que as pessoas querem dizer quando afirmam que nganou. E ainda menos quando dizem que Marx morreu. Hoje temos tarefasurge Marx se 1, quai sio suas transformagdes. E para isso, € necessario passar por Marx. LIVRO * Meu préximo livro~e sera o iiltimo —vai chamar-se Grandeza de Mare. PINTAR * Ho liwo sobre Marx, creio que vou pensar em parar de escrever. Endo, comegarei a pintar. tenho mais vontade de escrever. Depois de Notas 1, Ecole Normale Supérieure, a mais prestigiost instituigao francesa de ensino superior, onde estudaram, entre outros, Sartre e Foucault: (N.T.) 2. Agrégation, concurso considerado de grande dificuldade, seleciona professores a serem admitidos como agregados 4s universidades. (NT) 80. UMA FALA QUE DESPERTA* Gérard Lefont 10 que d4 para lembrar.. Devia ser por volta dos anos 73-75. Fora do enquadre universitirio, durante os trabalhos do p5s-68 parisiense, rés yezes por semana, havia as trés gloriosas! celebragies do pensamento, cada qual em seu lugar: aaula de Foucault no Collége de France, o seminario dle Lacan na faculdade de direito do Pantedo, e por fim a matiné Deleuze, no bosque, naquele casielo de cartas ut6pico, hoje arruinado, que era na época a faculdade *popular” de Vincennes. A agi sitnavase a esquerda, no fim do corredor, num cenario de cadeira elétrica precdrio, onde se empilhavam até o esmaecimento uma tcoria de humanos do tipo anarco-desejantes, como singularidades soltas: mulheres vestibulandas, homens evidentes, jovens belos c velhos jovens, criangas de tempos em tempos, por vezes um cachorro, estupidamente humano, latindo sua alegria ou sua vontade de mijar, militantes com seus abaixo-assinados de fala durona ¢ yozinhas doces, perversos (polimorfos) sindlicalizados ¢ solitarios intimidantes, gente extremamente inteligente ¢ hobalhdes fumantes, falsos loucos, verdadeiros idiotas ¢ ainda, como interlidio ritual, uma delegagio de revolucionarios a caminho da 14! Mernacional ou 0 comité de apoio aos camaradas do restaurante Universitirio, em greve ilimitada, Como uma aranha no teto, um slogan definitivo numa viga: “Deleuze, onde esto tuas fbricas?” Mais ou menos no meio dessa zocira total, como uma fumacinha ido da Kimpada de Aladim, avoz cavernosa de Deleuze, bom génio das jas que disseminava seus conceitos encora sai id moristicos, jantes © hy *Litération, Evenement 10, Paris, 6 nox, 1995, Trad, Martha Gambini Exemplo: “Meu sonho é chegar agi ¢ encontrara sala vazia. Ninguim para falar, ninguém para escuta: Um clandestino”. Ou entéo, numa primeira aula, na qual, para estupefagio esquerdista ambiente, Deleuze anunciow que seria enfim preciso se por fraternalmente ao trabalho. Sem falar de seus comicos exercicios de dicgao: “Desterrito-riatiza-gao", mais impossivel ainda que Em suma, do que se tratava? Um curso, um ensinamento, um magistério, um parlatério, uma conversagao, um bordel de idéias, um happening muito doido, um salio literirio, um acontecimento mundano? (© que era um regozijo ¢ para alguns inquictante, € que a populagao que freqiientava Deleuze. \qualificavel. Um canteiro de obras ao at livre, um work in progress, que sabia proteger-se ou chudir os ritos da gregaridade docente: identificagao, repulsa, demanda afetada de informag6es ou demanda afetiva de prestagdes de contas, c toda esta espécie de sacanagem cansativa, onde se pressupde que cada um € 0 vigia ou 0 policial do outro. Uma espécie de “nao devo nadaa vocés e vocés também nao me devem nada”, clevado a estatuto de aula de compostura. Uma espécie de doagio-Deleuze, onde bastava agacharse para colher. Podiase assim negar a literatura, uma biblioteca ideal de livros roubados em que Deleuze incitava a certos monumentos (Katka etc.), mas também convidaya, como num baile, avalsar com textos nitidamente mais intempestivos (0 Deus Mozart e 0 mundo dos pdssaros, de Marcel Moré), ‘Uma fala que desperta € a imagem que me vem, No entanto, nao tem nada a ver ficar alimentando em relagao a isso qualquer nostalgia duvidosa (belle époque © louca juventude), ou qualquer ressentimento choraminguento (bons tempos que nao voltam mais), mas apenas boas ante era literalmente i Jembrangas para perseverar. Numa carta a um critico severo (publicada em Conversarées), Gilles Deleuze escrevia: “Quando ew ndo souber mais amar| ou admirar pessoas ¢ coisas (niio muitas), vou me sentir como morto, mortificado", Nota 1."Trés gloriosas” é uma expresso que se refere a toda situagao de ebuligao social. ‘Sua origem sio trés dias de revolta popular, que acontecerem em 1830, durante a Restauracao, (N. R.) Mu COM EXCECAO DC S HOMENS F CAES* Giorgio Agamben Na primavera de 1987, freq Denis, ¢ nunca vou esquec est vox me trouxe. Vi fieqiientei osemin tei os Gltimos cursos de Deleuze em toda a generosid: ¢ anos antes, durante um yerao também decisivo, rio de Heidegger. Um abismo separa esses dois filésofos, sem diivida os maiores de nosso século. le € liberdade que Os dois p am com extrema conagem a exis lacticidade, © 0 homem set: Mas a tonalidadle geral de Heidegger tilica, onde toda propri fas a cumprit, Ao contr neia, a partir da mo esse ser que no suas maneiras de de uma angistia tensa e qui edade € todo inst jo, nada nte s¢ contraem, tornando-se expressa melhor a tonalidade funda mental de Deleuze que uma sensagao que ele gostava de chat : selfeenjoyment. Segundo mei pelo nome pontamentos, conceito, cle comegou expondoa teor' ser contempla, ciria el 10 dia 17 de marco, para explicar esse plotiniana da contemplagio: "Todo , citando livremente de meméria, todo ser é uma comtemplacio, sim, mesmo os anima mesmo as plants (com excecao que sto animais tristes, sem bi Voces vio dizer que estou brincando, que tudo isso é u Sim, mas mesmo as brincadeiras sio contemplagées Tudo contemplay; a flor, a vaca, contemplam mais que o filésofo. E contemplando, cles se preenchem deles mesmo gorijam, O que € que eles contemplam? equisitos. A pedra s homens € os ces, acrescentor legri neadeira. ‘les contemplam seus prdprio *Lilévation, Caluare 37, ¥ 7 now, 1905. Trad. Martha Gambini, 35 contempla silicio ¢ o ealcdrio, a vaca contempla o carbon, 0 azoto € os sais, O selfenjoymenté isso. Nao o pequeno prazer de ser si, 0 egoismo, mas essa contracao dos elementos, essa contemplacdo dos requisitos préprios que produza alegria, a ingénua confianga de que se vai continuar durando, sem a qual nao se poderia viver, pois 0 coragio pararia, Somos pequenas alegrias; estar contente consigo é encontrar em si mesmo a forca de resistir a abominagio. ‘Aqui acabam minhas anotagées, ¢ € assim que quero lembrar de Gilles Deleuze. A grande filosofia deste século sombrio, que comegara pela angistia, conclui-se com aalegr! A ULTIMA AULA?* Giorgio Passerone ‘Tergarfeira, 2 de junho de 1987, no prédio pré-fabricado a0 lado de aris VIILVineennes em Sa Denis"; havia até mesmo cimeras para filmar © acontecimento, E curiosos, fantasmas, além da habitual etnia com inclinagdes némades ~ os brasileiros, os afticanos, os USA., ¢ os chilenos, japoneses, arabes € os italianos, o indiano © a russa... (nio muitos patisienses), Todos la, para escutar a réplica de Deleuze, pois como se sabe, um acontecimento é a coisa mais delicada do mundo, que nio da para ser filmada assim. Basta que ele suspire com sua voz, itm pequeno sopro—uma modulacao, mas de firmeza ~ que tinha havido um ma-entendido, pois as {itimas aulas sempre acontecem, mas nunca quando imaginamos, ¢ portanto “Hoje temos algo bem diferente... Gostaria ‘que estivéssemos juntos para lan gar novas diresdes de pesquisa, ¢ que alguns de vocés falassem ¢ que eu nao falasse, e que cu colocasse questdes, e é por isso que vocés podem acionar as “luzes’ e faremos cinema mudo.." Comegava sempre assim, um “falarcom” que se burla da pregagio, tealmente a busca de um tom para uma espécie de concerto, onde o tema tocado em solaé inseparavel do acompanhamento dos outros. Nessa manhi © tema tera sido explicitamente a prépria vari le passara 0 ano dedicado a Leibniz rondando © problema da harmonia, a harmonia das inias entre clas, das almas ¢ dos corpos, até extrair a elaboragao de um conceito filosoficamente ovo, 0 acordo/aconde da alma e do corpo: nao haveria aqui uma ressonancia io musical da nogao de 7 tratamento inédito das dissonancias (Monteverdi, Peri, Caccini), mais do a (coria do contraponto melodico? Que os “misicos” do irio tentassem esclarecer es ade transformagao da nogao de harmonia: Deleuze thes teria apresentado em eco certas conceitos de ist Leibniz a fim de produzi reagisse sobre a mtisica ¢ que se encadeasse com sta compreensio mais propriamente conceitual, O curso das tergasfeiras sempre funcionou assim, uma produgao-laboratério em torno do operador Deleuze com sua tarefa: fazer uma leitura dos filésofos que trouxesse luz sua originalidade, esses conccitos uma leitura estética que duplicando-a com uma criagio conceitual servindo de exemple ao que de novo surgisse em outros dominies, como nas ciéncias, > cinema, na literatura, na pintura, ou na miisica... Por isso, se pitblico foi sempre composto de “fil6sofos” € de nao-fildsofos, pois essa tensio do novo, do inesperado, nao implica absolutamente um simples jogo conceitual, mas uma urgéncia, um afecto préfilos6fico a ser prescrvado, ¢ que € exata agraga do fildsofo. De fato, se hit uma resposta de Deleuze as weorizacbes bastante em yoga sobre o sentido da filosofia, cla tem oar de uma questiio- estribilho: De onde yem essa estranha afinidade que nos a uuma chicotada, com tal {il6sofo, tal pintor, tal miisico, que tipo de conceito convém parasuscitar uum devir completamente outro, que toma algo da ate raves como m nos nao necessiriamente um devir filos6fico, mas ilosofia para utilizarse disso de maneira totalmente diversa? Do fundo comum de um encontro, choque, sem complacéncia, destizar por intermiténe corp. E claro que também haviaa “cena”, com suas marcas 20 fio do tempo: esi de Vin mais estudioso, menos voltado a cientistas, os intelectuais psi I das sessdes, uma espécie de pathos ennes nos belos dias militantes de O anticipo, eo clima 10s happenings de Saint-Denis. Tinhamos os antipsi, terceiro-mundistas, com suas oes inflamadas, as vezes para trazer novos dados, especificar ( interve funcionava), outras para polemizar, repartir os erros € acertos, segundo o is velho tribunal do julgamento (ai nao funcionava mesmo); havia muitos loucos, ¢ neurdticos de todo tipo, osirritantes e os comoventes, todos numa ma 3a s do Mestre. Um bando de saltimbancos, por vezes cansativo, por vezes alegre, ita demanda, sempre em falta, sempre 2 espreita dos menores sin: ser administrado com muita paciéncia e humor, 0 charme mesmo de Deleuze. Um mergulho instantaneo no humor, para alegremente voltar a tona, assim ele escapava tanto do olhar critico do entendimento quanto das reiteradas tentativas de psicodrama: sempre fazer passar o sub- represe live que abre a formalizagio, seja no campo do conceito, scja no vivido yivente, agenciar um a0 outro. Isso pode ser lido em Deleuze, escrito por um estilo ao mesmo tempo duro ¢ emocionado, sacudido pelo que Artaud chama “o fora subexterno mais inaudito que todo interior”, o impensado mesmo de uma vida inorganica; mas isso também pode ser visto quandoo estilo e o charme, que se tornaram imperceptiveis até desaparecer, trazem 4 sala a exterioridade serena dessa voz-silhueta que envolve todo: mundo © mesmo sua fragilidade de saiide. Por exemplo, ele conta, seguindo mais minuciosa conceitualizagio, como a légica de Whitehead compée uma verdadira Mosofia do acontecimento capaz de dar conta do que ocorre nas ciéncias, nas artes, na prépria vida, ¢ nao somente na filosofia pura, Depois, cle recomeca de repente, de forma ao mesmo tempo muito concertada.e improvisada: “Mas 0 que quer dizer, pensar-e viver em termos de acontecimentos? Sao coisas que se fazem sozinhas,e no entanto... Voces tém certeza de serem individuados como pessoas, em termos de cus ¢ de stjeitos, e no mais ¢ literalmente como um yento, uma hufada de ar?... io mundos iguaisaquele onde se diz ‘nao somente ha acontecimentos ‘mesmo esta mesa € um acontecimento' ¢ aquele em que se diz "ha a5, € 05 acontecimentos colocam-se sobre elas, como eu coloco 0 papel sobre a mesa Quando somos capturados por palavras tio comuns, tudo pode parecer bastante inocente; mas isso nao é assim tao ingénuo: a0 contrari lemos aqui a mais extrema préticado conceito. Ela destitui qualquer filosofia reflexiva com seus principios (idéias objetivas, razio subjetiva), sua busca de origens, mesmo perdidas ou rasuradas, suas explicagdes dos fendmenos sempre em nome do Universal, do Geral. Ao paso que a logica deleuziana (cartografia) s6 concerne os processos de consolidacio imanentes 20 conjunto vago da experiéncia; 0 que exige ainda mais rigor, pois sio suas 39 velocidades, sua lentidées, mais que suas formas, que devem ser pensadas, mais suas intensidades que seus sujettos. Dai o sintoma lufada de ar, justamente a exterioridade propria de toda relagio-processo que arrasta os termossujeitos com seus movimentos mutantes... também 0 mesire ¢ o5 alunos. E podemos compreender que 10 haja mais os seminirios das te: Nunca é demais repetir: nio ha nadaqueirrite tantoDeleuze quanto aqueles que pensam “eu sou isso, eu sou aquilo”, e que entio apreciariam pertencera uma escola a mais, identificando o professor piblico enquanto mestre. Mas os tnicos mestres, diz Niewsche, s40 os intempestivos, os que criam ¢ conseguem aprecnder, sob os ruidososaconiccimentos, os pequenos acontecimentos silenciosos anunciando a composicio de novas forgas. E por que nio 2 de junho de 1987? De fato, a filosofia pritica que Deleuze nao deixa de experimentar a0 acaso de outros encontros, em outros lugares, permanece inseparivel, is vezescedo-demais/tardedema /ainda-nio), paraaqueles que o segniram e nao somente em Paris VIII, do exercicio menos facil de continuar, néo necessariamente pelo material filoséfico. Pois € exatamente o real que podemos viver totalmente como acontecimento, fazendo dele a produgio de uma nova existéncia, uma relagao, por menor que seja, entre todas os devires minoritarios do mundo. Sem diivida, também uma “politica”; a partir daf, oagenciamento-simpatia funci is imperceptivel, podem ter certeza, na melhor, 40 PARA GILLES DELEUZE, PENSADOR DO GATILHO* Gilles Chaitelet Mil novecentos ¢ setenta ¢ pouco.., manha de uma segunda-feira de jo de dezembro, em Vincennes. Toda a “classe Deleuze” aguardava, bem comportada: mais de 9h30... Um certo atraso... Talver cle Quem sabe ficou doente com esse tempo frio ¢ amido... Mas na semana seguinte lé estava ele novamente, (odo feliz de que 0 io encanamento pulmonar the tivesse permitido continuara filosofar ¢ saquear a histéria dit Hilosofia, Maos & obral Eram necessdrias uma paciéneia © uma ternura quase infinitas para tornar atenta a filosofia toda essa turbuléncia... Imperturbavel, clerepetia o que Ihe era mais caro: saber despertar — nao para levantar “objecdes”, mas para experimentar, para saber escutar, para apreender os problemas em seu movimento = quanto mais mald fugazes, mais importantes ~ saber ajustar ¢ afiar um problema, deixarse penetrar por uma verdadeira disciplina de ferteiro para achat a boa lig entre as mais extremas docuras ¢ durezas. Pois Gilles, melhor que ninguém, sabia que sua inimiga ~a Besteira ~rabugenta ow bonachona e “pluralista” nunca tem ou tera a gentileza de cederscu lugar. Talver cle acrescemtasse: aBestcira tem tum futuro promissor. Mas 0 que o pensador rectama sio devires, experiéncias wais— muito diferentes dos possivcis antccipados ou dos “prés ¢ contras” indefinidamente calculados—encontros, com aviruléncia do Fora, quase sempre perigosos. Asyezes hi encontrossestas, encontrosorgias (0 encontro com a Quermesse bém, mais freqdentemente, encontros- smos ou encontros-torcicolos... Sie encontros que dio ‘oe impulse Heréica de Bacon-Rubens) mas ta *Texto inédito, oferecido pelo autor para este nimero (Paris, 1995), Trad. Martha Gi al de um movimento infinito que dizer Eu". Por isso, segundo Gilles, c nosa: O que pode mesmo tempo nos despoja do poder de tio urgente responder A questao de Es m corpo? £ sempre 0 corpo que deve tomar para si © eneargo de mostrar © golpe, forjando uma nova clasticidade — wma plasticidade—parase recolher, se retomare saltararmado com uma alavanca mais potente, com uma articul fina e, portanto, mais suiil. A Bestcira nunca sabe “esperar o bom momento" ou, mais ente, deixaco pass, oscil: nevitavelmente entre a impaci e oacabrunhamento, Ela ignoraa energia deimpulsdo, por contundir forca e peuldncia: incbriada consigo mesma, pensa estar saltando quando na € gesticular para “bancar a interessante’, 0 1, Ihe fi. perder todos os encontros... Tocamos aqui um dos pontos sensiveis sobre os qua confundira forga ea vontade de Jo simultaneamente mais terna © mais tiquilar, pensi-la sempre como suscetfvel de um (ato, como uma mao a ser apertada mas nunca capturada a forga; trata-se de captar o gesto—o gesto aliado do dangarino 0 iso tomar © partido da gina musculagao, Gilles va d embrides larvares’ nao por serem promessas de borboletas, mas pelo muito que se pode aprender com sua sabriedade ¢ sua plastiddade © talvez, acima de wdo, porque eles sabem, como a grama, crescer pelo meio. Gilles nunca deixaya de repetir: pense no meio € pense 0 das coisas e como eo) © pensamento-irvore com seus altos ¢ baixos, seus alfas e Omegas, torne-se uum pensador-capim que brota cées gauleses ¢ pensa! Voc velox que os alos ces gauleses de corrida Imed A Besteira gar: “Mas afinal das contas, onde fic Iver ele esteja em tod 0 do p mente, naldito je, mas nunca na midia de extremidades, -O “meio” de Gilles um “ponto metafisico”, como dizia nio é um “ponto” ~ ou entio serk Leibniz —mas sim um eixo, uma dobr de forgas (de ica comandando todo um campo. frtualielades” Igo de quimico no meio; catalisador: sem ser um constituinte, cle desencadeia a transformacaio. 42 Fara Gilles, o que estava em jogo cra crucial; pensar a altura de preciso de um gatitha,.. como o arco elé 0, 6 pensamento s6 consegue jorrar nos gazes raros e extremos, Existe sem davida uma alquimia delewziana que reab Femperaturaao captar a intensidace dos disparos (como talver desejasse Jacob Boel timagio da agitagio de um ério), B mento que reabilita.a forca domo Pasticidate ¢ ndo como petulinei me © nie como a no novimento de pei Alquimia do gatilho de Gilles ambém diz respeito aos tigres aos rochedos © as solfataras: aos ratos, Ais orquideas se de aprender a passigem de um reino a outro ou, melhor, 1 contaninagao de um tornar-seseino porn outro torarse-rino, Tod sua ob lid C atravessada por essa contaminagio esple agonia de um rato oa execugio de um yeado permanecem presemtes no pensamento, 14 por piedade, mas como a zona de troca entre © homem eo animal, onde algo de um passa ao outro, Pensamos € escreve Tornamo-nos para os préprios animais, mais para que o I torne-se outra coisa...” Certamente cleapreciaria muito aquele filme de um encontro onde se estabelece uma venladeira gentilezaenire um explorador ¢ uma loba lider de alcatéia, que %6 4 eaverna dos filhotes quando o grito do lobo apoderou- autoriza a y se do homem. dee ‘Tornarse rato, (ornarse carrapato, pontos iméyeis de velocid temperatura infinita!.. Gilles também amava os ellos, os fo icipalmente, os deménios que correm € proliferam, Pa ws estdtuas como pa os-Fatno cles, pelo os deuses, © € por isso que eles stem pensar’ losarcos elétricos, Talver seja també Gilles tivesse um faro infernal pi pensamento, mesmo nas ciéncias ditas “du Realmente, compreende-se que a Besteira se escandal Jo “moderada”, especialmente quando se localizar os mais ageis movimentos de m cheito!) elaque é sempre pistemologiascria”, ” (e consideradas s sempre (do apressada em acalmar o jogo, em neutralizar os gatilhos Giéncia racio » radie hranea”, ou “Amaideu gosta de sorvete de chocolate Mas lo pono de vista da Besteira ha algo bem pior... Gilles detestava s comunic ».. Raramente um deménio digna-se sentar nando com proposigdes t js quanto: “an Ao © as se uma mesa redond: senhor faz com Sécrates?", Gilles replicava; “Sécrates nunca deixou de tornar qualquer discussio impossivel... Fez do amigo o amigo unicamente do conceito”, Ele sabia muito bem que o polemista profissional das mesas- redondas, 0 cidadio-painel semprese fingede asno para ganhara racio, e que quando cle afirma estar “alimentando 0 debate” é sobretudo para se posicionar com os menores custos: dai os conhecidos cutucdes por baixo ndo verificar a temperatura do razedvel. Talver, & justamente esse jeito do comunicativo de trapacear com as virtualidades, com a simpatia dos disparos, que exasperava Gilles: cle via ai uuma maneira de tornar suportivel o que Ihe insuportava mais: a tirania da gestiio do Grande Reservatrio dos “faturos possiveis” pelos “Tartufos” da Democracia-Mercado: “a vergonhade ser um homem n tada apenas nas condigdes extremas descritas por Primo Lévi, mas em condigdes ignificantes, diante da baixeza e da vulgaricdade da existéncia que campeia has demoeracias, diante da propagacao desses modos de existéncia ¢ de pensamento para o mercado... nao ha outro meio senio banc: (grunhir, escavar, fazer caretas, convulsionar-se) para escapa proprio pensamento esta por vezes mais préximo de um animal morrendo que de um homem na sua infim Assim, quando a taga dos Tartufos estaya cheia, era preciso por yezes mostrar as garras: é facil imaginar como isso he era penoso; Gilles-. deménio, que tinha desafiado as mais temiveis feras da filosofia (entre as quais Kant, Hegel, Heidegger...) tinha que se deixar carregar junto com o rebanho subsididrio lastreado de categorias-alforjes tao sutis quanto a L Mal, 0 Direito, © Poder ete... Com Féli nha qualquer piedade com os super-mercados do pos ¢ do arrependimento: pés-industrial, pés- moderno, pésfilosofia (chamada de modo bastante impréprio nova filosofia), pos-empirico, pés-esquerdista, pos-ncuronal ¢ muitos outros que de arrastar todo pensamento para scus proprios pequenos Fle sabia muito bem que todos eles sio. plenos de futuro, a plebe bispo Berkeley, € preciso ousar dize também por isso que “o dla mesa, as piscadelas discretas, visa é exper as insol icias ordinarias, Por isso, como o 'n6s, os islandeses, a populica” ¢ & dsofo deve tornarse nao filésofo, para que a la filosofia”. ilosofia torne-se a terra € © pov “4 ° Pp O TEMPO QUE NAO PASSA* Jean-Francois Lyotard © franco-atirador genial da filosofia nas nossas batalhas de pensamento fim de século. Tudo que fazia era fugir, dizia ele. Sim, nem para tras, nem paraa frente, mas de lado. Nao gosta de tropa, dia instituicaio. Averdadeira forga é mitida, diferc ial, nao pertence aninguém. Procede porpequenos complis, da golpes Leu tudo etudo comentou desta manei fomentar golpesa serem dados nas obras, arrombéelas para fugit com clas em dliregaio Aquilo que nao vimos, que nao ouvimos, Gosta de atrair suspeitas, com seu chapéu Bogart, ¢ fazer os imbecis cairem em suas armadilhas. Respeita a bobagem, porque 0 pensamento tia loucura, A d escrupulosa que excede de dentro os meios do espirito: loucura de Espinosa, de Beckett, de Francis Bacon, Ignora a tanscendéncia, a lei, 0 Nome do pai, a falta © o medo da falta, Nao suporta Lacan, Jogador, aposta tudo na imanéncia e na afirmagio, Uma noite, na rua de Bizerte, bebiamos vinho ~ era a época dos comités disso, comités daquilo —, com Caudle Mav pas um disco de Piafa todo volume: *Pouco me importan os problemas, meu ‘amor, jé que voce me ama...” Amigo impiedoso, Nao pede nada, encontra ou hao no outro umasingularidade incomparivel, de coragao, de pensamento. idiades frageis, belezas inrefutiveis, que escapam A usura do tempo, ine estando la, Deleuze de pensar e de vive passa, © tempo dos signos de Proust, da aranha de Niewsche, ver correr o pensamento num bloco de tempo, como uma imagem de Gidadéo Kane:o instante nao esta parado, nem em movimento, cle esta ali, 16 confia nese outro tempo, 0 “Le Moule, Paris, 10 now. 1995 ‘Trad, in Wataghin, 4b pensimento de evasio, sem sair do lugar; sabendo-se mais préximo do real com Alice do que com Hegel. O sorriso sem focinho do gito de Chester no lugar cat velha coruja carranenda, No entanto, nio the falta melancolia. As criangas sio melancélicas. Delewze sabe, como as criancas, que scvastio se evade, sejarenunciandlo a ela, seja deixando-a instituirse e consagra se. Ainda é preciso fazer complds. Lé os romances, ox enstios, 08 sibios © os fildsofos, assiste os filmes ¢ olha os quadios para obras sio caixas de ferramentas, de onde tira febrilmente aquilo com que fabricar idéias para escapar, ¢ nos fazer escapar junto com ele, prop tum problema nesse sew conceito de...” Entao, Gilles para Félix, por cima do presiclente dla sessio: "Este conceito ¢ realmente necessério? Nao, né? Entio, caro senhor, eis um problema reslvide”. Insoléncia da vercade: seu pensamento é dlc um empitismo ede un pragmatismo, mas esquizofrenico fo q es, quando © ministério asfixi obra é uma coleg ixas de conceitos deste tipo. “Ha sempre pate! Sobretudlo dlepartamento de filosofi de perto, uma verdad Sobrevivemos com isso mi wr escolas, Em Vi abrica com o amigo Chi 4 j6ia: © Instituto Politécnica de Filosofi 108 anos, Ele conta com os outros loucos, para a nossa bobagem de bobos, em todos 1 elec umapequenaarma ¢ © continuar. Com mpreend sempres capa socorrem os pobres forte foryar a passagem ou intercepts on page, o mundo, n tomalidade, nem defin insinuamos por dentro, ajuetamos as produziracontecimento, intensidade, ¢ levarum nome. do mundo possa ser um advento do sentido ou seu declini tum acesso de riso, © hist6rico-mundial sentido € wma flor inesperada, wi cncontro, inapreensivel para os hermencutas ¢ outros semié abre sem barulho, € um acento, um tom, um tranho da.vor, uma vor que nao é a minha, nem das coisas, um “figural”, li de Francis Bacon, Se voc conta o tempo no relogio, o sentido passa rapido, Em seu tempo, i es de formar pequenos bandos precitios, onde os Como némades, aliados por um instante pa ja aos grandes batalhdes regulares, » podemos pensi-los ou agilos Nos rem, isto pode que a Histé isso the provoca os; sio redés plan nhas a se encontr 0 obj (© Querido das parandias de poder. O suplemento de tensio que brota num icos, Aflorse cle, a propésito temporal, ele nao passa. A VIDA FILOSOFICA* Francois Regnault Um grande filésoto é aquele que convence seus leitores, seus ouvintes, a levar daqui para a frente wr filoséfica. vor que sio tal convite implacavel ¢ terno, hi uma tensio do estilo que € al diregao do pensamento irreversivel e gentil, ha o proprio pensamento, io estranho € tio légico que, eriando pouco a pouico seus problemas © encontrando para eles solugdes igualmente novas, efet pensamento em geral ~ descobrimos entio que havia um ~¢ no nosso proprio — percebemos entio que pensivamos no geral, O leitor, o ouvinte, se dizem: “Mas nao devo cu viversegundo outras representagdes"? Por que entioele toma esse suposto convite do filésofo para pensar de outra mancira vira como um pensamento que impli No final das contas, alguém pode dizer que xem que viver como kantiano ou hegeliano tenha um sei {il6so[os, Platao, Espinosa, Nietzsche... que parecem senao pedir, pelo menos recomendar uma yida como a deles, direta ou nao, in tativa ou, ser um conecito deleuziano, ‘embora 0 conceito de vida o seja de modo recorrente (assim como 0 de a propésito de Kleist, Mil Platds, p. 328 no original). i aqui. cm questio, pois as “plano cle: vida do que talvex seja.a Ja de Deleuze esta les nacionalistas (com excegio de Descartes), ele nao como os ¢5 *Magasine Livni sy sot transgride a epigrafe que Kant extrai de Bacon ¢ coloca no inicio de sua Critica da razio pura: “De nobis ipsis silernus: de re autem, quae agitur, petimus ...” Gilles Deleuze nao diz eu, diferindo nisso, senio de Platio que diz: "Plato", ao menos de Espinosa que por vezes diz eu ¢ de Nieusche que o transforma em seu ecce homo, ‘Vamos esclarecer essa promessa de uma vida filoséfica—como ha em Proust “promessa de felicidade” — paraa qual cada livro de Deleuze parece io renovada, a partir da questio de saber para que se filosofia. Deleuze sempre disse ou pensou: “Se vocés acham que a fi no serve para nada, no fagam Filosofia” ser uma oc sofia E curioso que aqueles que organizam o debate atual, sobre o fim da filosofia, 0s mesmos a levarem a julgamento, como parte civil ou como adlvogados de defesa, 0 processo do Grande Culpado, nio colocam essa questio. Pois supondo que ela nao sirva para nada, haveria pouco interesse que ela continuasse ou, em caso de morte, nenhum luto a atual demais, les Deleuze, como prova-se 0 movimento pelo proprio movimento, nio experimenta o fim da filosofia como um problema (filos6fico); cle demonstra que € possivel nao ser heideggeriano, ¢ que a filosofia nao é uma questio de proceso (esse sentido ele parece hoje ser 1 Badiou). Nao ha divida que ele considera © tinico, juntamente com Al a filosof angristias expliditas, om mesmo agradivel contra as paixdes tr no qué, agradavel para qué? A filosofia serve para colocar problemas ¢ para encontrarthes solucdes, Em primeiro lugar, vamos ‘emprestarthe 6 que ele empresta de Bergson: “Encontrar a prova do yerdadeiro © do falso nos préprios problemas, denunciar os falsos proble bergsonisme, p: 3). diferencial no pensamento, o elemento genético no verdadeiro... Uma produgio do verdadeiro e do falso pelo problema, ia do sentido, io as expressdes ‘verdadeiro e also Diferenca e mpeticio, p. 210 no original) rel de problemas (Le f de modo mais geral: “O problema é 0 clei 10 medi a Gnica mancira de levar a problema’ Compreende-se assim que algunsamigos ~ 0s amigos fazem o filésofo = se empenham em situar hoje Deleuze, mas o problema se tornaria imediatamente falso caso se tratasse de avalid-lo segundo a conjuntura atual, Jostamente maior que ele. Os livros de Deleuze sio mais intensos que a conjuntura atual, que uma conjuntura em geral, que é sempre da alcada da ideologia, A importincia de Deleuze, como a de qualquer filésofo uténtico, consiste em que, diferentemente da maioria dos outros de hoje, endo encontra, onde quer que va, nada que seja da ordem da ideologia. m contrapartida, nao € possivel encontrar um filésofo como ele a nio ser tomando ainiciativa de iraté ele, esbocando o gesto de encontritlo. Senio, ele nos deixa seguir tranqiilamente, € segue sua via régia. Apenas cm sta prépria via, como pensava Platao tio bem di filésofos so reis, Um fil6sofo sempre faz sistema; para comecar: de acordo com seu intexto, ow para terminar: pela operacdo dos epigonos, mas pode haver um fildsofo que s6 tenha o intento sistematico de seu método: Deleuze segue 1m nélodo. Podemos ver pacientemente, de livro em livro, 9 animal tragar suas priprias linhas, de forga ou de reserva: “Talvez. uma das caracter maisimportantes do rizoma é ter sempre miitiplas entradas; nesse sent 4 toca € um tizoma animal, ¢ por vezes comporta uma nitida distincao ire a linha de fuga como corredor de deslocamento € os estratos de reserva ou de habitacao" (Mil Plaids, p. 20 no original). Por vezes, na praga piliblica, Deleuze passa ¢ cortaas filas de espera diante dos falsos problemas esaps te num “em casa” ce; por outras, podemos imaginé-lo assidu: qualquer, fabricando um verdadeiro problema, Sem diivida, 0 método & melhor explicado em *Rizoma”, a grande descoberta que encontramos na entada de Mil Platés, sem divida o rizoma, contra a drvore € contra a raz fasciculada, orienta 0 leitor para uma representagao da vida; e sem davida ainda, se o método de Deleuze co: considerar as nisis pelo meio, enao pela origem ou fim, ser sett pensamento, comecar pelo meio, que se situa também em Mil Platés Mas tratase de conhecer o pensamento de Deleuze? Nao seria um bom procedimento considerar esse artigo (“rizoma"), ¢ talvez também os textos aque 0 rod ntio, pouco seria um bom procedimento se considerassemos da mesma forma © presente artigo, ¢ talvez aqueles que o rodeiam, aqui mesmo, tomando- n, como um esforgo de precisio, como uma chave. 49 03 como uma tentativa de preciso, como uma anilise dese pensamento, Deleuze diz isso o tempo todo: nio se escreve nada sobre nada: “O lio nao é imagem do mundo" (Mit Platds, p. 18 no original). Entio, acreditamos francamente que em vez de ler todas essas segundas maos, ndo seria melhor, em iiltima analise, se ja nao o fizemos, comegar Nietache € a filesofia, Spinoza ~ philosophic pratique ou A imagem- 9 Magazine Littirair® Ja que aqui nada sera pre nenhuma chave fornecida, qual a utilidade? Que graga? Ou que tédio! Consideramosapenas que, caso haja método, ele mio é dos que pressupdem comego, desenvolvimento € finalizagao. Assim, nao existe um tinico livro de Deleuze que deva ser lido antes dos outros, m tum livro que se inscreva de modo determinante numa trajetéria, ou que movimento, ¢jogar fora m na ordem, tampouco deva ser preferido por uma razio arborescente. O tizoma aplicadoxo tizom 86 pode dar rizoma. De maneira qu ica coisa que por nossa vez esperamos efetuar é também rizoma. E menos que alguma dobra, que arriscariamos ¢ que se diferenciaria na propria linha que percorremos, Pode distinguiriamos assim: * Os cortadores de cabeeas (ordem da arvore, da raiz): se dirtentio que haos livros deantes de Guattari, os livros com Guattari ¢ 0s livros de depois de Guattari, Os primeiros dirao: os livros de antes © depois de Guattari ari) vel. Os outros: antes e depois de Guatiari, um auténtico fildsofo. Com Guattari: algo como uma alicragao da personalidade (como teria dito Lagache), Na realidade, devemos tratar o encontro com Guattari da mesma forma que, em Gamo ¢, Beckett fala do encontro com Pim: *Gomo era ad jamos, de outro modo, cortarlogo tudo isso e recusar 0 rizoma; escrita formi apenas bons livros de filosofia; com Gi eu cito antes de Pim, com Pim, clepois de Pim, como ¢ trés partes eu 0 digo como 0 ogo". Diremos entio: "Perfodo feliz aseu modo, segur segunda parte com Pim como eram bons momentos para mim, fa mim, para ele também falamos dele, também feliz & sua maneira, ew 0 saberei mais tard tive ainda tudo La parte falamos da amosde nao , saberei de que maneira sua felicidade eu a ter * Os cortadores de estitos (ordem da raiz fasciculada): se fragmentari a obra em filosofia pura, obra sobre este ou aquele fildsofo, livros sobre 50. literatura, sobre aarte, sobre a politica ete, De um lado Diferenga e repeticit, deoutro Spinoza, de um terceiro, Francis Bacon Outrasrepartigdes seriam . Mas estarfamos desconsiderando que um estilo “é precisamente © procedimento de uma variagio continua” (Mil Platis, p. 123 no origi nal). De fato, parece que a exposigao da linguagem com fluxo se encontra em Kafka, que 0 livro sobre o cinema efetua, leva a termo 0 bergsonismo, que o livwo sobre Proust é uma teoria dos signos, que a Légiea do sentido possive! iadamente, ou melhor, diferencialmente, filosofia, literatura, psicandlise, poesia, antropologia ete. Assim, resta-nosafirmara perseveranga de uma obra de por ica, que coloca no mesmo plano de consist ponta cia todos os individuos les cujas que ela cruza em seus mapas, ou as multiplicid as de forga endo por individuos tanto Kafka quanto 0 corpo-linguagem de Klessowski, por multiplicidadte tanto este ou aquele devir quanto os signos it. E também, melhor dizendo ainda, Kafka ou Proust sao ‘multiplicidades no plano Deleuze, enquanto signose corpo, eternoretorno Ica. EI Prou nelo, tendo ai fungio de individuagdes. Em conseqiténci: prefiguragdes da logicar ainda menosacredi (oucautt,0 Labnezannn nos “primeiros” livros, nado pensamos discernir /omitica, mas essa propria Logica em funcionamento, 10s encontrarnoslivrosrecentes um losofia jadlo), ovainda um retorno ao ponto de vista filosético a arte (Francis Bacon, A Imagen-mavimento, A Imagem-tempo);, ts ctornoa tcka parte e sempre, livros de filosofia atravessacos, se for 0 caso, por aq) jue se chama de literatura, arte, cinema ¢ redobrado naquilo que chamamos ‘ filosofia—~cuja logica implicante ow transversal supde na realidade que, seja wal for a linha ai tragada, « individuagado formada, o fuxo cortad © que é a fil filoséfica torne-se coplanar a ela mesma, fia? Acabamos de defir nente pe iudo que nelavem figura, mostrase consistente segundo um 0 método con vex.como problema, 0 se deve pensar que assim estarfamos lo 0 priprio da filosofia de Deleuze, por opesigio & Hlosol uma tradigio filosé consisténcia, odo, pois com sua solugaio. Entretanto, preenelen oséficas: A {uestio € mais complicada: ela sempre 6, no caso de Deleuze como no de correntes fil o1 qualquer outro grande fl6sofo, a seguinte: X- foi quem introdusiu os conceitos a, b,c... Bergson ¢ a duragao que af ndo se encontrava etc. Segundo outra perspectiva, Proust propée uma nova concepgio do signo (da série, do grupo) em filosofia; Kafka, uma outra concepeao da linguagem ete. Segundo ainda uma outra, o cinema realiza na filosofia uma nova experiéncia da na filosofia, Assim, temos Nietssche eo eterno retorno, imagem, do tempo, Francis Bacon uma nova experiéncia da sensagio ete. Antes deX, entio, a, b, c... ndo estavam na filosofia, Mas, ento, sera que @ filosofia existia? £ essencialmente importante responder sim € sustentar que a filosofia desde Plato € aquilo no qual deve ser introduzido ‘© que pensou tal fil6sofo, propos tal artista, reatizou tal arte, experimentou tal politica, tal ética, tal pratica. Daf a necessidade quase constante de re- verter o platonismo cortelativo da questo, mas nao certamente de sair dele, Nisso o método de Deleuze se diferencia de qualquer tentativa pré socratizante ou outra de retornar a algum pensamento que antecede ou excede um suposto gesto catastréfico, Lembremos do artigo, sob certos aspectos tio central (diria um légico arborescente), “Reverter 0 platonismo” remanejado em Ligica do sentido, Poderiamos dizer, parafraseando Pascal, (“A justiga sem forga é contradita, pois sempre hi os malvados"):A filosofia do falso coloca sempre falsos problemas, pois sempre hi fazer com que 0 justo seja forte, ou que 0 forte seja justo"): € preciso entio reverter o platonismo, ¢ colocar juntos os simulacros € os fantasmas Iso) com os fcones eas eSpias (poténcias negativas ¢ para isso, fazer com que o que € cépia seja simulacro (l6gica suziana do sentido) ou o que € simulacro seja copia (logiea demunciada do significante) Reconhecemos ai *Consideremosascuas formulas seguintes: “S6 oque se assemelha difere”, *S6 as diferencas se assemelham’, Trata-se de duas leituras do mundo, na medida em que uma nos convida a pensar a diferenga a partir de uma similituele ou de uima identidade py iberado, decisério desse método: \quanto a outra convida-nos, ao contrario, a pensar a similitude € mesmo a identidade como o produto de uma disparidade de fundo, A primeira define exatamente o mundo das $2, 5 ow das representagdes; cla coloca 0 préprio mundo como representacio. A segunda, contra a primeira, define 0 mundo dos simulacros, coloca o mundo como sendo ele mesmo Em Platao tal reversdo sera facil. Podemos mesmo dizer que esse exercicio sera muitissimo divertido, pois a tese de Deleuze sobre o humor ¢ Plato jé procede sua propria reversdo, Da mesma manelr ‘esiaremosa vontade para reverter o platonismo nos grandes Lucrécio (contra o Ser, 0 Um € 0 Todo), Espinosa (contra 9 Bem, o fim tc,), Nietzsche (em nome dos novos valores), Bergson (segundo sua concepgao antigrega do tempo) ete. plawnico é qi platinicos: Em compensagio, sera emtediante reverter o platonismo nos quase iz, Kant, Hegel. Assim, Descartes é criticado por conservar a eminéncia, a analogia, ¢ mesmo a vocidade (Spinoza et le probleme de Vexpression, pp. 51-2) Leibniz, por excluir a divergéncia (artigo citado, p. 483); Kant, por ter somente multiplicado a forma do senso comum em yer de tela lo (Diferenca erepeticgo, p. 179 n0 0: Hegel, por conservar 0 infinitamente grande da teologia para além de sua teoria da cisio (idem, p68) Nese sentido, a dialética hegeliana seria a c srrubar, um grithdo na Mlosofia: “A dialética enqu icos: Dese = ou similes —ou pseudopt tes, Lei com. 08 problems poten para cairsob 0 poder do negativo", enquanto que para Deleuze, "Ninguém melhor que Albert Lautman, em sua obra admiravel, mostrou que os problemas cram de inicio idéias platonicas, ligagdes ideais entre nogdes ialéticas, relativas a ’situagdes eventuais do existente"; mas também que elesse atuali campo matematico, ou Mi lagé reais constitutivas da solugio buseada em scu ” (ibidem, pp. 212-8). Daf o paradoxo de «que se deva sempre permanecer bem perto do platonismo para poder Fevert&lo, ¢ que essa proximidade impliquea possibilidade do diferencial alidacle do redobrameato, Finalmente, Lacan representa o platonis vilise: caso se qu psi ira introduzir o inconsciente na filosofia. Talvez Jembremos a querla do inconsciente maqui ico contra o inconsciente estrutural, © talvez consideremos que a antifilosofia segundo Lacan (um texto bem curto referente AL lipo de Deleuze © Guattari, Mas hoje, quando a psicanalise perdura conforme seus principios ¢ quando a esquizo-anilise de O anti-fdipo nio se’ nforme, fhamos perdido de vista o que estava em jogo naqueta. iversidade cle Vincennes), fosse uma rép! os seus, talve querela. Ser tag it constitufdo pelos escritos propriamente psicanaliticos: de Deleuze © Guattari, as linhas de fuga entio tragadas se aproxi tanto daquilo do qual fugiam que chegaram a constituir seu auténtico negativo: exquizofrenia contra neurose, fluxo contra significante, social a Lobo ete. Mas te anto, interessante ressaltar © rigoroso or io Lacan contra fami sempre pr‘ te 0 inconsciente (maquinico, nio significante), razio pela qual puderam chamarse freudianos contra Freud. Ora, ao juntarse assim a Guattari, 0 fildsofo com o analista, Deleuze fazia algo que nentum fil6s levar a sério o tratamento as Alai se, embora, se diivida, mais Lacan do que o dispositive analitico propriamente dito) Era preciso curiosidade (Heidegger, por exemplo, nunca disse palavra sobre Freud) part admitir ae do onariz.na literatura analitica, que fiea, muitasvezes, patinando. Alias, sabemos idades contra © eu, lobos con alitico que antes de Guattari (antes de Pim), Deleuze, no di apresentado dle forma magistral a questio do masoquismo ao pen (Apreseniacao de Sacker-Masoch). Entio, parece que, teria pensado que ler Freud, deixar ler Lacan, 1 yerdladeiros problemas Hlosotic 10 bastaria para colocar 7 era necessario ir com eles até 0 tinico real do qual retirava um Freud para aulas de filosofi predomina em alguns entre eles, pois os outros, do alto de ignoram (alias, os mesmos que também ignoram Deleuze). em jogo o seguinte: inventar uma outra ani esquizo) para substituir a psico, para que o para que uma vida filosifiea fosse compossivel Talvez apenas Deleuze e Guattari tenham praticado essa um sua experiénela: o trata ou esse La 1 para fildsofos que hoje asabedoria, 0 ¢ (a nsciente pudesse ser introduzide ise esquizo-anilise, além de alguns de seus leitores: talvez nenhum o. Em nome do que Deleuze chamou um d m graca”, ou melhor cOmica, como eles diziam, podemos considerar invisério quea esquizo-andlise continue sendo um programasem dispositive, ando sero do infame diva. Atribuirthe a praca piiblica ow - por que nao? ~uma maquina especial (Reich tinha inventado uma, mas Deleuze ¢ Guattari assinalaram esquizofrar “ainterpretagio mais: uutilidade) teria sido territorializila: “A psicanilise liza no diva" (O anti-Eiipo, p.375 no original). O inico dispositive alegado poderia ser 0 sofa de Henry Miller: “Acomode-se no sof: ma que 0 analista oferece ¢ trate de conceber outra coisa” (p. 399), 0 tinico exemplo de esquizo-analise, talv estar atentos, nessa emprei reterritori » a Busca do tempo perdide, Mas podiamos tada dle “destruirdestruir” que €a esquizo-anilise (p-371 no original) , para as duias tarefasque Iheatri inicialmente “converter a morte que sobe de dentro (no corpo sem drgiios) m morte que chega de fora (sobre 0 corpo sem drgaos) (p. 994 no origi thal), para em seguida fazer com que os grupos-sujeitos revolucionarios, coeficientes reais de transversalidade, s cacréscimo de grup” (p. 418 no origin que substituem as maquinas de desejo por aparethos de int Ora, € necessirio dizer que, concernente & segunda tarefa, os fatos subseqitentes deramshes razdo para além de suas esperangas, Aqui temos 10s bois: o flautista de Charley iut-os a0 Elise. Qt nao se deve pensar mal dos ratos, e Deleuze ¢ Guattari fizeram se muito bonita do filme Willan! em Mit platds (p. 285 no original) Mas no que diz respeito a primeira tarefa, mais grave, e que se refere 4 relagiio com a morte, lembro sempre da seguinte frase de Lacan com a qual term mseus inventores: rarquia ow 1), nao se tornem grupos assuj que dar nome ializou. todas os ratos na cidade ¢ cond » seja tomado c Os tals, poi 1 °O estigio do espelho”: “No recurso que preservamos do sujeito ao sujeito, a psicanalise pode acompanhar o paciente extitico do “Voce é isso’, onde se revela para ele a cifra de seu dest mortal, mas esta além de nosso poder de clinico levé-lo ao momento em comega a verdad gem”. Sem diivida, encontramos o problema ela vieln, da morte de fora © nao mais de dentro, da vida contra as paixdes {istes, da vida filos6fica. Sabemos que Lacan se detinha no umbral do que © espinosismo chamou de a Outra Coisa, nio acreditando na beatitude: "Para nés, é impossivel sustentar tal posigio" (a de Espinosa). Mas uma vida filoséfica poderia entéo comegar, ou continuar? No que ela con: que consisténcia faria cla seu plano? De tucloaquilo que—enquanto vida—Deleuze inoduziu na filosotia, Lembremos, sem qualquer pretensia de série de conceitos entre os quais toda circulagao rizomitica é boa, ou supondo que certos percursos de uma linha a outra sejam preferivets 3 ‘outros, sem ter aqui os meios de calculaos. Deleuze Glosofia, ou ai retomou exp! niimero de conceitos que nel nao tinham esse lu af figuravam apenas sob uma outra forma ou ou se envolvidos no pensamento essas sensagdes, intaigd imentos, paixdes, vitalidade: atroduritt n ndo-os, certo 0, ou en emogies, s representagdes, virtualidades, todos momentos do que chamamos vida, e que quando comecamos fuzer filosofia, esperamos que sejam tratados por ela. A empreitada é metodica. Nese sentido, o exemplo de Proust é determinante: Deleuze f do tempo perdido uma busca da verdade, ¢ sem diivida, lenco esse romance, lém da hist6ri da Busca) par contada, ou, melhor, através dela, reconhecemos que nele estio colocados e resolvidos todos os problemas referentes a nossa experiéncia dos signos, dos amores, dos mundos (sentido mundano). Por tais operagies, por esse método, Deleuze complica a filosofia, pelo fato de que! a) cle explica cle forma recorrente certos fil6sofos, “pois exp Jonge de designar a operacio de um coisa, designa em primeiro lugar 0 desenvolvimento da coisa n mesma € na vida" (Spinoza et le probiléme de expression, p. 14) b) © que ele explica a proposito de um fil6sofo, ele © implica em’ toda a filosofia, e com isso: ©) ele dobra sobre si: mesmo complica, dithe uma daira a mais, uma nova dobra. A teoria da dobra esta sem dtivida dada no Foucault. Por essa operagio de explicatio-complicatio, Deleuze & o grande escolistico dos tempos moderos, Mas to mesmo tempo vé-se que @ topologia deleuziana da dobra também implica uma algebra dos pilos. asim, os dois pélos do delitio no Edipo (p. 329 no original), o pélo parandico fascistante eo polo esquizo-revolucionario etc. niendimento que permaneee exte= 56 10) consiste ent Reverter alg nela perceber dois pélos, 0 que é a explica¢ao (por exemplo, para Espinosa, a Eticae a Etica dos escélios) © depois, através de um redobramento—em Platio, © demiurgo dobrase ~ efetuar uma dobre que torna os pélos tio proximos quanto foram afastados, tao diferenciais quanto puderam inicialmente assemelharse, tio cruzados quanto foram alinhados: o que €a complicagio ouainda a expressio. Temos assim em Proust série e © grupo, em Kafka as dluas Ifnguas, em Zola a hereditariedade a fenda Seguindo oslivrosao acaso (e simplificando enormemente), podemos por exemplo dizer que com Deleuze sio introduzidosna filosofia 0 empitico como cal com Hume, a diferenga de natureza nas faculdades com Kant, © intensivo, © diferen vel com Diferenca e repelicae, 0 expressivo (0 implicado ¢ 0 complicado e, através disso, a velocidade) com Espinosa, os fluxos com Kafka, os signos com Proust, o serial pela Légica do sentido, a duiragio como multiplicidacle com Bergson, 0 corpo sem drgios Nos Mil Plaids, a imagem como tempo com 0 cinema, o hdpticocom Francis Bacon, 0 wansversal, 0 rizomitico sendo operagdes de grau superi outras, € especialmente todas as polaridades entre o psicolégico e o social, Mas que nenhum privilégio Ihes seja por isso Atribuido; 6 leitor pode ao seu bel-prazer contentarse com qualquer um desses conceltos, sem que ele implique obrigatoriamente todos os outros, desloe obrigatsrio, circulagdes virtuais, Nenhuma peridiodizacao oficial, velocidades diversas, Donde se depreende, no entanto, que quando se considera o conjunto do pl: todas as multiplicidades qualitativas, intensivas, expressdes ou diferencial 1a coisa (sempre algum platonis wrse, também ao seu bel-prazer, para um ou varios, Nenhum eireuito no, encontraram-se disso a vida — que para Deleuze ni como a integragao especifica desis mesmas multiplicidades —se encontraria definida nao como objeto da filosofia, mas como filoséfiea, © exemplo do cinema € um prazer: ele escreveu sobre 0 cinema o is belo livro, Ors, um livro de filosofia. De um pélo a outro, 0 espectador de cinema encontra finalmente api, no livro, o que experimentava 14, sontado na sala escura, o que nio se pode saber ao ler o roteiro, nem quando 57

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