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The Utilitarianism in The Brazilian Public Security Policy: O Utilitarismo Na Política de Segurança Pública Brasileira
The Utilitarianism in The Brazilian Public Security Policy: O Utilitarismo Na Política de Segurança Pública Brasileira
RESUMO
O presente trabalho configura-se como uma investigação de caráter teórico, analítico e qualitativo.
Tem como foco a análise das noções utilitaristas no campo da segurança pública brasileira, em especial
no que tange à atuação das instituições policiais. Para tanto, realizar-se-á uma investigação acerca dos
fundamentos teóricos do Utilitarismo, com foco em autores como Jeremy Bentham (1984) e Stuart
Mill (2005), uma inquirição das produções que versam sobre a Teoria da Ação Policial, em especial a
de Bittner (2017) e de Monjardet (2012), bem como o estudo de trabalhos nacionais acerca da
temática. Constata-se que o Utilitarismo promove a formação de uma sociedade disciplinar, a qual
busca realizar uma vigilância permanente dos indivíduos e aplicar sanções aflitivas, a fim de dissuadir
os sujeitos de praticarem desvios, o que se traduz, na realidade brasileira, com a predileção pelo
policiamento ostensivo e o crescimento das penas privativas de liberdade. Conclui-se que o
Utilitarismo no campo da segurança pública possibilita a relativização das garantis individuais, diante
da capacidade de quebras de direitos em prol de um chamado bem coletivo, mas que não melhora os
índices criminais, pelo contrário, pode ser associado com o aumento de conflitos e resoluções
violentas. Sendo assim, faz-se necessário repensar o modo como são aplicados os recursos e as
políticas na área, com o intuito de reduzir os danos causados e proteger as prerrogativas dos cidadãos.
Palavras-chaves: Teorias da Justiça; Utilitarismo; Segurança Pública; Teoria da Dissuasão;
Policiamento Brasileiro.
ABSTRACT
The present work is configured as a theoretical, analytical and qualitative investigation. It focuses on
the analysis of utilitarian notions in the field of Brazilian public security, especially about the role of
police institutions. Therefore, an investigation will be carried out on the theoretical foundations of
Utilitarianism, focusing on authors such as Jeremy Bentham (1984) and Stuart Mill (2005), an inquiry
of productions that deal with the Police Action Theory, in particular the Bittner (2017) and Monjardet
(2012), as well as the study of national works on the subject. It appears that Utilitarianism promotes
the formation of a disciplinary society, which seeks to carry out a permanent surveillance of
individuals and apply distressing sanctions, to deter subjects from practicing deviations, which
translates, in the Brazilian reality, with the predilection by ostensible policing and the growth of
custodial sentences. It is concluded that Utilitarianism in the field of public security enables the
relativization of individual guarantees, given the ability to breach rights in favor of a so-called
collective good, but that does not improve criminal rates, on the contrary, it can be associated with an
increase conflicts and violent resolutions. Therefore, it is necessary to rethink the way in which
1
Graduando em Direito pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). Bolsista do Programa
de Iniciação Científica financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa da Bahia (FAPESB). Membro
do Grupo de Estudos em “Direito, Linguagem e Produção do Conhecimento”. E-mail:
vgomesuefs@gmail.com
resources and policies are applied in the area, to reduce the damage caused and protect citizens'
prerogatives.
Keywords: Theories of Justice; Utilitarianism; Public Security; Theory of Dissuasion;
Brazilian Policing.
1 INTRODUÇÃO
2 A PROPOSTA UTILITARISTA
Para Bentham (1984, p. 4), a utilidade é entendida como a propriedade pela qual
determinado objeto tende a produzir prazer, benefício, bem ou felicidade, e prevenir uma
injustiça, uma dor ou um mal. O princípio da utilidade, entendido também como o princípio
da máxima felicidade ou máxima eudemonia, visa aprovar ou desaprovar qualquer ação com
base na utilidade que ela possui, ou seja, na capacidade de aumentar a felicidade da parte
interessada, que pode ser o indivíduo ou a comunidade. Destaca-se que a concepção
benthaniana de interesse da comunidade resvala na soma dos interesses indivíduos, de modo
que deve ser identificada com o da maioria da população.
Conforme afirma Sandel (2019, p. 42), a filosofia utilitarista busca aplicar o princípio
da utilidade no campo político, de modo que as leis deveriam ser criadas para maximizar a
felicidade de comunidade em geral. Para tanto, ação será apreciada com base na ideia de
prazer, raiz do sistema moral formulado, a fim de que as pessoas ajam conforme certos
deveres e direitos com a crença de que respeitá-los proporcionaria felicidade para o conjunto.
Uma norma conforme o princípio da utilidade seria uma norma justa, de modo que sua
avaliação deverá ocorrer com a soma de todos os benefícios e a subtração dos custos e, se o
saldo for positivo, estará adequada ao Utilitarismo.
Sandel (2019, p. 64), ao analisar o utilitarismo proposto por Mill, afirma que este
buscou preservar as liberdades indivíduos, o que impediria a maioria de se impor aos
dissidentes, pois se trataria de atos despóticos que a longo prazo diminuiriam a felicidade
geral. Nesse sentido, ações contra as minorias poderiam ser valoradas negativamente, mesmo
que provoquem a alegria de uma maioria momentânea, em vista da possibilidade de
prejudicarem futuramente o exercício da liberdade da população e a confiança dos sujeitos
entre si, diante da formação de novas maiorias e minorias. Entretanto, a construção de Mill
ainda busca colocar aspectos diferentes da vida humana na balança de dor e prazer, bem como
espera que os indivíduos busquem as formas de felicidade mais elevadas, aspecto este que
ultrapassa o campo utilitário, pois necessita de uma definição externa do que pode ser
qualificado como superior.
A noção utilitarista de que os indivíduos são regidos pela dor e prazer encontra no
campo da segurança pública um espaço profícuo para ser desenvolvida. Forma-se a concepção
de que, a fim de desencorajar os indivíduos de praticarem desvios contrários ao
estabelecimento legal, a possível dor que eles devem sofrer há de ser proporcional a gravidade
do ato. Nesse sentido, para se combater os delitos, além de uma punição aflitiva adequada, é
necessário aumentar a possibilidade do agente ser responsabilizado e sofrer punições, a fim de
dissuadi-lo de praticar o delito. Nas palavras de Beccaria, “(...) não se pode duvidar que, no
espírito daquele que medita um crime, o conhecimento e a certeza das penas ponham freio à
eloquência das paixões.” (2011, p. 32), o que demonstra a crença no aspecto dissuasório que a
segurança pública deve possuir.
A instituição policial pode ser compreendida como aquela que possui como
prerrogativa o exercício legítimo da força, em uma sociedade pautada no monopólio estatal da
violência, de modo que “O policial, e apenas o policial, está equipado, autorizado e é
necessário para lidar com toda emergência em que possa ter de ser usada força para
enfrentá-la” (BITTNER, 2017, p. 240). Deste modo, cumpre destacar o caráter instrumental
que a atuação policial pode adquirir, em conformidade com a orientação que a comunidade
política a confere (MONJARDET, 2012, p. 22), de modo que o emprego da força pode
assumir diferentes feições, a fim de se amoldar às diferentes técnicas disciplinares impostas à
população, desde os processos de investigação voltados à responsabilização criminal dos
desviantes, ao controle do espaço urbano por meio do trabalho ostensivo.
2
Diz respeito à obra 1984 de George Orwell, na qual um governo totalitário, personificado na noção de Grande
Irmão, vigia toda a população em qualquer situação, de modo que esta vive com o constante medo de ser pega e
sofrer sanções pelos seus atos considerados criminosos.
4 O UTILITARISMO NA POLÍTICA DE SEGURANÇA BRASILEIRA
No Brasil, compreende-se que boa parte da segurança pública está pautada na teoria da
dissuasão, o que pode ser observado com a adoção de um modelo de policiamento embasado
principalmente na atividade ostensiva, com abordagens, apreensões e prisões. Em que pese as
origens do policiamento brasileiro datarem da chega da família real (1808), com a instituição
da Intendência Geral de Polícia (BRETAS, ROSEMBERG, 2013, p. 167), destaca-se que a
atual arquitetura das polícias nacionais remonta ao período da Ditadura Civil-Militar
(1964-1985), sobretudo com a manutenção dos Decretos-Lei nº 667/1969 e nº 1.072/1969, os
quais versam sobre a organização das Polícias militares e a impossibilidade de outras agências
realizarem o trabalho ostensivo generalizado, respectivamente.
Como efeitos da teoria da dissuasão nos indicadores nacionais, ressalta-se que entre
1998 e 2017 o gasto per capita com a segurança pública no país praticamente dobrou
(MELLO, 2019, p. 49), fruto da criação de planos para a área a nível nacional e a construção
do Fundo Nacional de Segurança Pública. Contudo, o aumento do orçamento se traduziu na
compra de mais armas e viaturas (SOARES, 2007, p. 83), em detrimento de aspectos como a
formação dos policiais e o desenvolvimento de estudos sobre a atuação dos agentes e as
dinâmicas criminais, o que demonstra a noção de que a ampliação da possibilidade de força
empregada e da presença estatal serviria para dissuadir os indivíduos desviantes e,
consequentemente, controlar a criminalidade.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, observa-se que o Utilitarismo desponta como uma das principais
Teorias da Justiça modernas, ao passo que, com o princípio da utilidade, busca pautar seu
sistema moral nas noções de prazer e dor, as quais seriam comuns a todos os indivíduos, bem
como regeriam suas condutas. Nesse sentido, o valor de justiça atribuído a determinada ação
dependeria da quantidade de prazer e o afastamento de sofrimento que ela causou para a
comunidade em geral, com a adoção de uma proposta quantitativa. Contudo, pautar a
moralidade na suposta felicidade da maioria pode se analisado como um risco às minorias, as
quais teriam de se sujeitar aos interesses da coletividade, mesmo que isso significasse o
afastamento de garantias individuais.
REFERÊNCIAS
BITTNER, Egon. Aspectos dos Trabalho Policial. Tradução Ana Luísa Amêndola Pinheiro.
São Paulo: Edusp, 2017. (Série Polícia e Sociedade; n. 8 / Organização: Nancy Cardia).
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DIAS, Maria Cristina Longo Cardoso. O Direito e a Ética em Bentham e Kant: Uma
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MILL, John Stuart. Utilitarismo. Tradução de Pedro Galvão. Porto: Porto Editora, 2005.
SANDEL, Michael J,. Justiça: o que é fazer a coisa certa. Tradução 7 ed. de Heloisa
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