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Capitulo 3 Logica matematica 3.1 Légica proposicional 3.1.1 Proposigées ¢ valores légicos Uma proposi¢do & uma sentenga declarativa que ou é verdadeira ou é falsa, Exemplos: 1. O morcego é um mamifero 2. Rio de Janeiro é a capital do Brasil. Hé 36 macacos no zoolégico de Londres 4, A taxa de juros do Banco Central vai subir amanha. 5. O trilionésimo algarismo decimal de n é 7. Observe que nao é necessirio que saibamos se a sentenga é verdadeira ou falsa. Este fato pode depender de informagdes que nao temos no momento (como no exemplo 3 acima), de eventos que ainda no aconteceram (como no exemplo 4), ou de célculos que ndo temos recursos para realizar (como no exemplo 5). Como exemplos de frases que ndo sdo proposigdes, podemos citar 1, frases interrogativas, como “O que é isto?’’, 2. frases imperativas, como “Leia com cuidado’’, 3. certas sentencas auto referentes, como “Esta frase é falsa™ ‘Uma sentenga declarativa que depende de varidveis pode ser considerada uma proposigio em um contexto onde as variaveis tem valor determinado. Por exemplo, a sentenca “x é menor que isoladamente ndo é uma proposicao. Porém, uma vez que o valor de x for definido, ela se toma uma proposigdo. Este ponto sera tratado com mais detalhe na segao 3.6. Dizemos que 0 valor légico ou valor-verdade de uma proposigio & verdadeiro se ela for ver= dadeira, ¢ falso caso contrétio. 27 28 CAPITULO 3. LOGICA MATEMATICA 3.1.2. Conectivos légicos e proposicdes compostas Todas as linguas naturais possuem conectivos légicos, como “e”, “ou”, “ndo”, “se ... entio”, que permitem combinar proposigdes simples para formar proposigdes mais complexas. Por exemplo, 1. [Brasilia é a capital do Brasil, e [Montevidéu ¢ a capital da Argentina]. 2. [Brasilia é a capital do Brasil,] ou [Montevidéu é a capital da Argentina] Se {a taxa de juros cair amanha], entao (a inflacdo vai aumentar neste mes} 4, Nao [haverd sesso da meia-noite hoje neste cinema] Uma proposigao que nao pode ser decomposta em proposigdes menores ligadas por conetivos légicos é dita uma proposigdo simples ou atdmica. Nos exemplos acima, os colchetes “[]” indicam. as proposigdes simples. valor logico (verdadeiro ou falso) de uma proposi¢ao deste tipo depende do valor Iégico das proposigdes simples que a compdem, ¢ da maneira como elas sio combinadas pelos conectivos. Assim, se sabemos que a proposi é a capital da Argentina” & falsa, podemos concluir que a proposigio 1 acima é falsa, mas a proposigdo 2 & verdadeira, 10 “Brasilia é a capital do Brasil” & verdadeira, e “Montevidéw 3.1.3 Notacio para cAlculo proposicional A légica proposicional, ou cdlculo proposicional, & um formalismo que nos permite determinar 0 valor légico de proposic que a compéem. A linguagem natural é frequentemente ambigua, ¢ os conetivos légicos podem ter significados diferentes em sentengas diferentes. Para eliminar essa fonte de confusdo, é vantajoso traduzir as proposicées para uma notacdo algébrica, cuja interpretacdo seja precisamente definida. Neste livro, representaremos as proposigdes por letras mindisculas (p,q,7,...). Podemos ene tender estas letras como varidveis que podem ter apenas um de dois valores possiveis, V (represen- tando o valor ligico verdadeiro) ou F (falso). Os conectivos ligicos serdo representados por sinais algébricos especiais (operadores) aplicados a essas varidveis. Os mais importantes slo: es compostas, s€ soubermos os valores légicos das proposigdes simples * conjungao: p q, significando “pe q” disjungdo: pV q, significando “p ou q”. * negacdo: 7p, significando “nao p”. implicagao: p —> q, significando “se p, entio q”. + equivaléncia: p « q, significando “p se, ¢ somente se, q”. Nas proximas segdes, vamos explicar em detalhes estes operadores légicos, ¢ definir outros operadores menos usados 3.1, LOGICA PROPOSICIONAL 29 3.1.4 Operador de conjungio Se p, q sio duas proposigdes, entio “p e q” também é uma proposi¢io, chamada conjungao de p €q. Denotaremos essa proposigio por p A q. Por defini, o valor lgico de p A q é verdadeiro se p eq io ambos verdadeiros. Se qualquer uma das duas proposigdes for falsa, ou ambas forem falsas, o valor de p Aq ¢ falso, Podemos resumir esta definigo por uma tabela, a tabela-verdade do operador A: PAG < aeaels aaa < Exemplo 3. atmicas, AA frase “José compra tijolos € vende casas” & uma conjungdo de duas proposigdes José compra tijolos) A (José vende casas). Note que a palavra “e” em portugués tem varios sentidos, e nem todos correspondem a conjungio logica. Por exemplo a frase “Maria gosta de arroz e feijdio” nao significa “Maria gosta de arroz € Maria gosta de feijao” (uma conjungao de duas proposigdes), mas sim “Maria gosta de arroz misturado com fe atémica). 3.1.5 Operador de disjungio Se p,q so duas proposicées, entdo “p ou q” também é uma proposigiio, chamada de disjungdo de peg. Denotaremos essa proposicio por p V q. Por definigdo, o valor logico de p V q € verdadeiro se pelo menos uma das duas proposigdes for verdadeira, Se ambas forem falsas, o valor de pV q & falso, A tabela-verdade do operador v & anes aS)A(PV GV =A)A(DVFV>5). ©) (PY GVIAPY GV 78) AG V APY SACD V EV S)A (PY GV >8)A (PV GV >) A Gp V-aV Ap Y>rV 78). 3.1.7 Operador de implicagio Sejam p,q duas proposigdes. A proposigdo “se p entio q”, que denotaremos por p — q, é chamada de implicagdo ou condicional. O valor logico de p — q € falso apenas se p for verdadeiro e q for falso. Nos demais casos, o valor de p — q é verdadeiro. A tabela-verdade desse conectivo é portanto: pla|poqg Vivi] Vv viF| F F\v| v F{F|_v Note que em logica, este conectivo nao pressupde uma relagdo causal entre peg. Porexemplo a sentenga “se 2 ¢ par entio Brasilia 6a capital do Brasil” é verdadeira apesar de nao haver nenhuma relagdo conhecida entre os dois fatos, Uma outra notagdo usada para este operador & p => 4. Exemplo 3.4: A frase “se José foi para casa, ele perdeu a reuniao” con foi para casa) —> (José perdew a reuniio).” m uma implicagao: “(José A implicago é um dos mais importantes conectivos da légica e da matemitica, Muitos teore- ‘mas em matemitica estio na forma de implicagdes: se determinada afirmagao p (a hipdtese, pre- ‘missa, ou antecedente) & verdadeira, entio outra afirmagao q (a tese, conclusdo ou consequéncia) também é verdadeira, Em portugués, a implicago pode ser expressa de muitas outras formas: se pentio g '* quando p, temos g. 3.1. LOGICA PROPOSICIONAL 31 caso p, vale g. # q segue de p. p implica q. *qsep, © q sempre que p Em matemética, as seguintes expresses também so muito usadas para indi POE * pécondigdo suficiente para g * psomente se g. ‘* Uma condigao suficiente para q é p. * puma condigdo mais forte que g Dizemos que a implicagdo q — p é a reciproca de p -» q. Observe que que ha casos em que p > qé verdadeira, mas sua reciproca g > p é falsa; e vice-versa (vide exercicio 3.4). ‘A proposig&o (sp) > (-g) é chamada de inversa de p > g. Observe que ha casos em que p > qé verdadeira, mas sua inversa é falsa; e vice-versa (vide exercicio 3.5). Dizemos também que proposigao (4) —> (=p) & a contrapositiva de p — q. Pode-se verificar que contrapositiva tem sempre o mesmo valor légico que a proposicdo p —> q, quaisquer que sejam 08 valores légicos de p e de g (vide exercicio 3.6). Em vista deste resultado, a implicagao p — q é frequentemente enunciada na forma contrapo- sitiva '* se nio q, entdo nao p. * se qnao vale, entdo p nio vale. © quando q é falsa, p também ¢ falsa. nao q implica nao p. © nio p se nog. p é falsa sempre que q é falsa. q & mais fraco que p. 4 & condigdo necesséia para p. Uma condigdo necesséria para p € g. Exercicio 32 CAPITULO 3. LOGICA MATEMATICA a) A contrapositiva de —p = . b) A reciproca de =q — p. ©) A inversa da reciproca de q > =p. d) A negagio de p + 4 ©) Arreciproca de =p vg. 3.1.8 Operador de equivaléncia Se p, q so duas proposigdes, a proposigdo “p se, e somente se, 4” & chamada de equivaléncia ou bicondicional de p ¢ g. Denotaremos essa proposigao por p © g. O valor légico de p + g é verdadeiro quando p eq tem 0 mesmo valor légico, ¢ falso caso contririo. A tabela-verdade deste conectivo & P. Vv v F F sues [o cheque tem fundo).” Outros simbolos usados para este operador so p © 4, p = q.€ p= 4. conectivo ldgico “se e somente se” também é muito usado em matemé presso de varias outras maneiras; como, por exemplo: ca, e pode ser ex- p écondicdo necessaria e suficiente para q. as condiges p e q so equivalentes. * se pentio g, se q entio p. * pimplica ge vice-versa. Alguns autores usam a abreviagiio “p sse q” (com dois “s”) para signifi q Wr “p se e somente se 3.1.9 Operador de disjungio exclusiva Se p,q sio duas proposigdes, denotamos por pq a proposigao “ou p ou g, mas néio ambos.” Este conectivo & chamado de disjungdo exclusiva ou p € g. O valor logico de p © q é verdadeiro se pe q tem valores logicos opostos, ou seja, exatamente um deles é verdadeiro. A tabela-verdade desse conectivo & 3.1, LOGICA PROPOSICIONAL 33 pla|peq Viv] F viF| v Flv| v Fi\F| F E importante observar que, em portugués, 0 conectivo “ou” pode significar tanto a disjungio inclusiva (v) quanto a disjuncao exclusiva (®). Por exemplo, na frase “o original foi enviado pelo corteio, ou [0 original foi enviado] pelo malote,” entende-se que o “ou” é exclusivo, pois 0 original no pode ter sido enviado pelos dois meios. Por outro lado, na frase “a bateria esta descarregada ou 0 tanque esta vazio” 0 “ou” deve ser entendido como inclusivo, pois nada impede que as duas condigdes sejam verdadeiras. A interpretagdo correta geralmente depende do contexto, e em alguns casos pode ser impossivel determinar qual dos dois sentidos é 0 que o autor da frase pretendia. 3.1.10 Precedéncia dos operadores légicos Em uma proposigdo que usa dois ou mais operadores légicos, como pv q Ar, a ordem em que eles devem ser aplicados & muito importante, Podemos sempre usar parénteses para indicar a ordem correta, por exemplo (pV q) Ar ou p V (q Ar). Observe que estas duas proposigdes podem ter valores logicos diferentes, para certas proposigdes p, 4, € r- Assim como na algebra, é itl estabelecer regras de precedéncia entre operadores, que determi ‘nam uma ordem convencional de aplicago mesmo na auséncia de parénteses, como na proposigo pvqar. A tabela a seguir estabelece as precedén tradicionais dos operadores légicos. ‘Operador | Precedéncia a 1 A 2 Vie 3 =e 4 Assim, por exemplo, a proposigdo 4p Aq — r ® s A u deve ser entendida como ((=p) Aq) > (ra(sAv)) Para memorizar as prioridades relativas de A e V, basta lembrar que A (“e”), na Algebra de Boole, era representado por multiplicago; enquanto que V (“ou”) era representado por uma soma modificada. Assim, a proposigao p V g Ar, por analogia com x + y x z, deve ser entendida como PY (q Ar)e nao como (p Vg) Ar. Em matemitica, diz-se que uma operagiio « & associativa se (x * y) & 2 é igual ax * (y « 2), quaisquer que sejam x, y, e z. Nesse caso, podemos omitir os parénteses dessas duas formulas, e escrever simplesmente x * y * z. A soma e a multiplicagdo de ntimeros reais, por exemplo, so operagies associativas; enquanto que a subtragdo nao &, Dentre os conectivos logicos que vimos até agora, V, A e @ sio associativos. Portanto, podemos escrever pV g Vr, pAg Ar ou p@q @r, sem risco de ambiguidade. Por outro lado, a formula Pp > 4 > rE ambigua, pois (p > 4) > r no é equivalente a p —> (q — 7). (Isto pode ser verificado construindo as tabelas-verdade.) 34 CAPITULO 3. LOGICA MATEMATICA E tradicional considerar @ como tendo menos prioridade que A. (Em parte, isso se deve ao uso de “+” para denotar em certas reas da matemética.) Por outro lado, ndo hé uma tradi¢ao forte para interpretar combinagdes de & com V, como p@q Vr Alguns autores usam a convengdo de que férmulas com dois ou mais operadores ndo associ- ativos de mesma prioridade, como p > q — r, devem ser avaliadas da esquerda para a direita; ou seja (p — g) > r. Note que esta convengdo também é usada em Algebra: a formula x - deve ser entendida como (x — y) - 2, e no como x — (y ~ 2). A mesma regra poderia ser usada para interpretar p © q V r. Mas, por via das dividas, ¢ aconselhavel usar parénteses nesses casos. O mesmo vale para > em relagfio a , como p + q © r. Para evitar equivocos, é aconselhavel sempre usar parénteses. © conectivo « também & associative portanto as formulas (p © g) re p © (q © 1) sio equivalentes, e portanto p © q © r no & ambigua. Porém muitos autores tem o habito de usar a notagio p « q © r para significar (p « g) A (q © 7), ou seja, que as trés proposigdes p,q, € tem o mesmo valor logico. Entretanto, esta afirmagdo no equivale nem a (p «> q) © r, nema P © (q © 7). O leitor precisa tomar cuidado para nao se confundir com esse abuso de notacZo. 3.2 Afirmagées auto-referentes Jé mencionamos que a afirmagdes que referem a si mesmas, como “esta sentenga é falsa”, nfio sio proposigdes logicas. Tais afirmages, relacionadas com o Paradoxo do Barbeiro, sempre foram um, problema para a logica matemitica, que ndo tem maneira satisfatérias de lidar com elas. Este problema surge mesmo quando ha varias afirmagdes que se referenciam entre si. Por exemplo, na frase “a sentenga seguinte é falsa, e a sentenga anterior é verdadeira”, embora possa ser analisada como uma conjungdo p A q, ndo é uma afirmagao logica porque p é uma afirmagdo sobre qe vice-versa. Um exemplo mais elaborado é 0 seguinte Exemplo 3.6: Considere uma lista de 100 proposigdes, po, p1,-.., Pop, onde cada proposigéo py, diz “exatamente n das proposigGes desta lista sfo falsas.” Exercicio 3.3: Sejam p e gas proposigées "a eleig&o foi decidida”e “os votos foram contados”, respectivamente. ixprosse cada uma das proposi¢cs compostas a seguir como uma sentenga em portugués. a) op b) -pAq 9 -9>>P &) -qgV pag) Exereicio 3.4: Mostre, pelas tabelas-verdade, que hi casos em que p > q é verdadeira, mas sua reciproca q — p & falsa; e vice-versa. Exereicio 3.5: Mostre, pelas tabelas-verdade, que ha casos em que p — q é verdadeira, mas sua inversa (=p) — (-@) 3.2, AFIRMAGOES AUTO-REFERENTES. 35 Exereicio 3.6: Mostre, pelas tabelas-verdade, que a proposigao p — q e sua contrapositiva (=q) > (=p) tem sempre o mesmo valor I6gico, quaiquer que sejam os valores logicos de p e de q. Exercicio 3, Mostre que a inversa de uma implicagio p + q & a contrapositiva da reciproca, Exercicio 3.8: Mostre que a inversa de uma implicagdo p > q € a reefproca da sua contrapositiva, Exercicio 3.9: Considere que p, -g esto proposigdes verdadeiras. Verifique quais das afirmagGes so verdadeiras a) pq. b) g>p. 9) pay. d) pod. e) per. D va. 9 (PAg4. Exereicio 3.10: Um conectivo muito importante para projeto de circuitos légicos é 0 operador ndo-e ou (nand), que denotaremos por A, definido por p Ag =/(p Ag). De maneira andloga temos 0 operador ndo-ou ou (nor), denotado por V, ¢ definido por p Vg = Ap V q). Construa as tabelas-verdade dos operadores Xe V. Exercicio 3.11: Encontre formulas envolvendo os conectivos A, V e = para as varidveis 1 e y da tabela-verdade abaixo bla[x[y vIV|[V{F viFi|v{v Fiv/FlV FlFivjFe Exercicio 3.12: Construa a tabela-verdade de cada uma das proposi a) (PAQ) > (pg). b) P> 9 >> P). 9G>-—Pe~e9. dD) PO Dey eg, ©) (peg) > (pe~4).

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