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CAPITULO XVI O MUNDO CHINES A civilizagao chinesa impunha-se nao s6 a China, mas também ao Japao; todavia, os destinos e a atitude desses dois paises diante dos europeus divergiram como, alids, diferiam seus recursos naturais, sua sociedade e sua organizacao do Estado. AChina sob os mings A dinastia dos mings, que reinava desde 1368 apés haver expulso os invasores mongdis, mostrava uma grande desconfianga no tocante aos estrangeiros. Os chineses consideravam seu pais como o centro do mundo ea nica regido civilizada. Desde o século XV, cessaram de se interessar pelo oceano Indico e voitaram sua atencao para o Extremo Oriente. Mais que a india, a China surgia aos europeus como uma imensa massa humana (oficiaimente 60 milhdes de habitantes; mas, de fato, talvez 150 milhGes), tanto mais que os habitantes se concentravam sobretudo na faixa costeira por onde se estabeleciam os contatos com os ocidentais. 0 sistema religioso e politico Nenhum ponto comum com a civilizacdo ocidental surgia nos sistemas religioso e social da China. 0 elemento essencial da religido chinesa era 0 Tao, ao mesmo tempo ser supremo, puro e sabio, fundamento da ordem do mundo e das virtudes sociais que reguiava 0 jogo harmonioso de Yang, princfpio masculino e Yin, principio feminino, 0 céu e a terra, de cuja unio proviera a criagdo. A cada um desses principios ligavam-se denses e uma infinidade de divindades secundarias com atos bem estabelecidos num universo raciocinado e hierarquizado. A ordem do mundo implicava uma ordem politica e social imutdvel. Toda a inovacao era vista como subversiva. 0 Imperador recebia um mandato do céu, Chang-Ti, e devia manter essa ordem. Dai decorre também a solidariedade entre os tempos, que levava ao culto dos ancestrais. Com efeito, a familia presente nao era sendo a encarnagao passageira da filiagdo, Uma vez que os ancestrais haviam mantido a ordem do mundo, deveriam ser venerados e imitados. Essas crengas comuns aos chineses nao excluiam certa diversidade religiosa. Nos séculos XVI e XVII, coexistiam o taoismo, 0 confucionismo e o budismo. 0 taoismo, proveniente de Lao-tse (século VII a.C), convidava o homem a se identificar com Tao através da ascese, mantendo sua alma individual. Inclinava-se tanto ao misticismo ensinando nos mosteiros, quanto aos homens do povo que adotavam praticas bem supersticiosas. 0 confucionismo era agndstico. "Nao se sabe nada sobre os deuses", falou Confiicio (por volta de 600 a. C.). Era sobretudo uma moral que insistia na familia, no Estado as custas do individuo e no respeito as tradigdes. Desde o século XI, o budismo vindo da {ndia, de onde fora proscrito, se expandira muito. Tratava-se mais de uma norma de vida do que uma religido. A vida, sendo dor, fazia com que fosse necessdrio suprimir 0 desejo de viver e entrar no nirvana, 0 absoluto, onde a alma se estabelecia para a vida eterna, pela iluminagao, pela meditagao do universo e pela piedade para com todos os seres consagrados ao sofrimento. Realmente, essas religides ndo se exclufam e, amide, se interpenetravam. Nao existiam igrejas rivais. Os templos locais abrigavam freqiientemente cultos diversos. 0 Império formava uma grande familia, cujo pai ela o imperador. Em virtude da poligamia imperial, as regras de sucessao eram bastante flexiveis. O imperador devia antes de tudo observar os ritos dos quais dependia a ordem do mundo, sem 0 que o império fosse assolado de calamidades. 0 Todo-poderoso, recebia, entretanto, respeitosas adverténcias de uma colégio de censores vigilantes mantido para denunciar quaisquer falhas nos ritos do Império. Era assistido por seis ministros e secretdrios bastante hierarquizados. Entre 0 imperador, as comunas e as familias interpunha-se uma administraco composta de magistrados ou mandarins e de numerosa burocracia, hierarquizada em provincias, prefeituras e subprefeituras. Os mandarins possufam "no tocante ao seu superior os deveres de um filho e, no tocante aos seus inferiores, os poderes de um pai" (R. Mousnier). Cada um era encarregado, dentro de sua circunscri¢ao, do culto dos ancestrais, do cumprimento dos ritos, da justica, das finangas e do exército. Sob a dinastia Ming desenvolveu-se uma filosofia politica originada da moral confuciana, de cardter aristocratico, autoritério e conservador, cujo iniciador fora um sdbio do século XII, Tchu-Hi, Yang tornava-se o principio de expansdo e Yin de regressao. 0 homem devia obedecer cegamente a ordem do mundo. Uma reagdo contra essa resignag4o produziu-se no século XVI com Wang, que buscava a intui¢o moral no exame de consciéncia. Mas a filosofia de Wang foi abandonada no comego do século XVII, O sistema de Tchu-Hi teve importantes conseqiiéncias politicas e sociais. Inspirou uma filosofia politica segundo a quai a ocorréncia de calamidades significava que Yin retornava, que 0 céu retirava o mandato do imperador. Uma mudanga de governo nao era tida como uma revolucao, mas de conformidade com a ordem das coisas. A doutrina de Tchu-Hi provocou também o rigoroso estabelecimento de estatutos correspondentes a desiguaidade dos individuos e a necesséria divisio do trabalho. Asociedade A sociedade chinesa constituia-se de famfiias de cardter patriarcal com algumas dezenas de pessoas que traziam o nome de um mesmo ancestral. 0 chefe de familia prestava contas de seus atos as aimas dos ancestrais. Designado pela ordem da primogenitura, exercia um poder absoluto. 0 governo s6 0 reconhecia. A familia era, portanto, a unidade administrativa de base. Todavia, sob os Mings, criou-se a comuna, federagao de familias, que tendia a se aproximar da aldeia, cujo chefe, assistido por uma assembléia, dirigia 0 culto comum, ministrava a justica, arrecadava e distribuia os impostos. Os habitantes das comunas eram solidarios e se vigiavam mutuamente. A sociedade chinesa j4 comportava uma diviséo entre os letrados e as pessoas comuns, No século XVil, tornara-se uma espécie de sociedade de ordens na qual os talentos desempenhavam um grande papel, uma vez que as funcoes eram designadas por concursos e a hereditariedade s6 era considerada nas ordens superiores ¢ com diminuigao de classe a cada sucessao. Na cabeca da sociedade situavam-se os membros do cia imperial (cerca de 100.000 pessoas), a grande parte pertencente a ditima classe, e os nobres, amitide de famflias militares, uns e outros raramente providos de fungdes. A parte, situavam-se os eunucos, em sua maioria voluntariamente mutilados, agentes diretos do imperador que espionavam a administragio e o exército, administravam as fabricas e os dominios imperiais. Os ietrados formavam uma elite e conseguiram promocées por meio de concursos dificeis, locais, provinciais e nacionais, constitufdos exclusivamente de composigées escritas sobre programas literdrios. Os mandarins eram recrutados entre os promovidos apés uma espera bastante curta quando se tratava de filhos de mandarins. As promocées se efetuavam depois de inspecdes que seguiam uma ciassificagao muito complicada. Os graus eram concretizados pelo uso de botdes e as funcdes pelo uso de diferentes roupas. Os mandarins eram possuidores de dominios. Os demais funciondrios viviam sobretudo de honordrios que obtinham de seus administrados. Pode-se juntar a essa elite, os oficiais militares recrutados por concursos especiais e que possufam tftulos de nobreza. A obrigagao de passar em concursos impedia a pratica da endogamia! e as herangas de provocarem a constituicao de um grupo social fechado. Raras eram as familias que se mantinham durante mais de duas ou trés geracées em fungdes puiblicas. As familias que ainda no contavam com graduados, forneciam na metade do século XVII 40% dos mais elevados graduados. A elite chinesa parece ter tido uma importancia numérica relativa da mesma ordem que a nobreza francesa, ou seja, de 1 a 2% da populagao. Os comerciantes algumas vezes faziam fortuna, principalmente aqueles a quem 0 Estado concedia a expioragao das minas e 0 comeércio do sal sujeito a uma espécie de gabela?. Procuravam penetrar na elite pela aquisigao de graus universitarios, de bens de raiz e levando uma vida de fausto. Entretanto, a presenca de uma multiddo de artestios em aigumas cidades sugere a idéia da existéncia de um capitalismo comercial. Quatro chineses dentre cinco ao menos eram agricultores. A terra pertencia a grandes proprietérios. Os extensos dominios eram divididos em tenéncias familiares. Encontravam-se também semi-artesdos, comerciantes ou camponeses e operarios agricolas. Por fim, alguns camponeses eram camponeses-soldados. No século XVii, a situagdo dos camponeses tendia a piorar. As catastrofes naturais (inundagGes ou secas, gafanhotos), juntava-se o aumento da fiscaliza¢ao imperial e das exagdes* dos funciondrios. A agricultura progredira com a introducdo do mitho e da batata-doce, mas menos que a populacdo. A sede de terra provocara um aumento das rendas imobilidérias devidas pelos arrendatarios. Os camponeses procuravam colocar-se sob a protecio dos mandarins e 0 imperador reagia contra estes tiltimos muitiplicando os servicos dos eunucos e estabelecendo um feudalismo de fiéis aos quais distribuia feudos, ' Regime pelo qual o individuo se casa no interior de sua classe, © que implica um sistema de castas, 2 Imposto sobre o sal > Cobranga rigorosa de imposto ou de divida © que agravava ainda mais a situagao do campesinato. Era-se inclinado a pensar que a dinastia Ming entrava numa fase Yin e que o céu Ihe retirava o mandato. De 1619 a 1640, as revoltas se generalizaram. Os senhores de feudos organizavam-se contra os eunucos, todo-poderosos. 0s mandarins permaneciam na expectativa ou tomavam partido. Os camponeses cessavam de pagar imposto. As pilhagens alastraram-se. Na verdade, tais fatos testemunhavam revoltas camponesas. A China iria tornar-se presa facil de seus vizinhos manchus. Aconquista pelos Manchus No século XVI, tribos tungtisias, os jurtchens, vagueando as portas setentrionais da China, comegaram a se fixar na Manchiiria, Um chefe de cla, Nurha-tchi (1559-1626), organizou-os em Estado. Chamados, a partir de entdo, manchus, foram adotando a civilizagao chinesa e ameacaram Pequim. Em 1636, o filho de Nurha-tchi proclamou-se imperador e dava a sua dinastia 0 nome de Tsing (puro). Entretanto, em 1637, um chefe de fac¢ao chinesa, Li Tse- tcheng, encabegou uma revolta em Sse-tchuan, Prometia aos camponeses a aboligéo do imposto. Em 1644, Li chega em Pequim. 0 imperador abdicou, suicidando-se depois, mas o general Wu-San-Kuei que enfrentava os manchus, preferiu entrar em entendimentos com eles para combater Li. Além disso, contou com o apoio dos letrados, Li foi derrotado e morto, mas os manchus recusaram a abandonar Pequim e deram o poder a seu imperador, Chuen-tche. A maior parte da China ficava por ser conquistada. Os Mings haviam eleito um imperador e mantinham o Sul com a ajuda dos portugueses. Estes forneciam-lhes armas e obtiveram a conversao do iltimo imperador Ming ao cristianismo. Os mugulmanos da provincia ocidental de Kan-su se revoltaram. Por fim, um pirata, Koxinga, igualmente convertido, tornou-se senhor de Formosa e da embocadura do Yang-tsé. Em 1673, os manchus haviam restabelecido completamente a ordem, gracas A cavalaria e A artilharia organizada pelos jesuitas em Pequim. ‘A fim de nao serem absorvidos pela conquista os manchus evitaram a fusio com a populacdo chinesa. Proibiram os casamentos mistos e impuseram aos vencidos 0 uso de trangas em sinal de servidao. Mantiveram um exército, chamado exército de estandartes, repartido em guarnigoes localizadas em pontos estratégicos. No tocante ao resto, deixaram o sistema politico como estava, limitando-se a colocé-lo sob suas ordens, acabando com os mais clamorosos abusos. Suprimiram os feudos cujas terras. distribuidas aos membros do cla imperial Tsing e aos membros do exército de estandartes, voltaram ao direito comum e foram consolidadas. Propiciaram aos mandarins a desforra contra os eunucos. Os chineses parecem facilmente resignar-se a0 dominio estrangeiro, Os manchus adotaram, alids , a doutrina de Tchu-Hi. Diz-se que o costume de fumar 6pio, que se expandiu pela China no final do século XVII, estaria ligado a essa resignagao. Mas o restabelecimento da ordem interna nao seria a prova de que o céu havia conferido o mandato aos manchus? Além do mais, a protecdo do Império contra o estrangeiro estava também assegurada. O imperador Kang-hi (1662-1722), inteligente e enérgico, garantiu a grandeza do império. Impés a suserania de Pequim aos dzungeres némades do Turquestdo (1695); em 1713 expulsou-os de Lassa, colocando no trono um Daiai-Lama subjugado (1713), o que ihe confere bastante autoridade sobre os budistas. Kang-hi também chocou-se contra os russos que haviam atingido o rio Amur. Por intermédio do jesuita francés Gerbillon assinou-se um tratado em Mertchinsk que conferia aos russos a cidade sobre o Amur em troca do direito de enviar anualmente uma caravana a Pequim (1689). Gracas a ordem interna e a seguranga externa, a populaciio chinesa continuou a crescer e a agricultura prosseguiu sua evolucao para a horticultura. A burguesia mercantil continuou a se desenvolver. Muitiplicaram-se os bancos. 0 capitalismo comercial parece animar-se com as numerosas oficinas urbanas e rurais. AS artes conheceram um certo renascimento. A cidade proibida de Pequim foi reconstruida (Palicio de Verio). A fabricaco imperial de ceramica atinge entio 0 apogeu. Entretanto, com excegdo do sul da China, onde subsistiu uma arte original préxima da natureza, 0 regime manchu teve como efeito encorajar a submissdo as tradides. A pintura tornou-se uma arte dos eruditos, inspirada na publicacaio de uma coletanea de modelos como Os ensinamentos da pintura do jardim grande como uma semente de mostarda (1701). A literatura consagrou-se 4 propaganda, exaitando a dinastia e a obediéncia as autoridades as tradig6es. A corte dos iiltimos Mings manifestou um certo interesse pelas ciéncias e técnicas européias. Os manchus apreciaram os servicos dos jesuitas matematicos, mas 0 desenvoivimento do tchuismo entorpeceu a curiosidade cientifica, corroborou a desconfianca dos chineses no tocante as inovacées e contribuiu para obstar a civilizacao chinesa. Arevolugao do mundo chinés Na primeira metade do século, a China exercia sobre os europeus uma verdadeira seducdo. Os missionarios apreciavam alguns tracos da moral budista e haviam lutado pelo reconhecimento dos “ritos chineses". Os Filésofos louvavam uma organizagao social préxima da natureza, tolerante e que respeitava 0 mérito, Ora, a China era palco de uma evolugao profunda da qual uma das causas essenciais parece ter sido o aumento considerdvel da populacao que passaria, no decorrer do século XVill, de cem a trezentos milhoes de almas. Por volta de 1750, 0 equilibrio populagao-subsisténcia fora rompido e a China entrara durante dois séculos num regime de subalimentacdo. A emigracdo para 0 sudeste asidtico acentuou-se e ocorreu um impulso de colonizacao a oeste. Sob 0 reinado de K'ien-long C 1736-1796). o marechal manchu Tchao Huei destruiu 0 Império de Djungaria C 1757), constituindo a provincia de Ts'ing-kiang (a nova provincia). 0 Tibete passa para o controle chinés. Ao mesmo tempo, a China volta-se sobre si mesma, Conquanto os jesuitas continuassem a ser tolerados em Pequim como técnicos, desde 1746 as. perseguicées atingiam os chineses convertidos. Desde 1720, os comerciantes europeus s6 podiam comerciar por intermédio de uma corporacdo, 0 Co-Hong, instalada em Canto. Em 1757, estavam confinados a um espago exfguo nesse porto, que deveriam deixar entre fevereiro e setembro. Essa atitude fechava a China aos progressos cientificos e principaimente técnicos, mas ndo ao comércio. Entre 1740 e 1780, 0 volume do "comércio para a China" triplicou. Os ingleses mantinham o primeiro lugar, mas sofriam a concorréncia dos franceses em contato com And e, a seguir, o: dos americanos. 0 trafico compreendia sobretudo a compra de ché, sedas, porcelanas e méveis laqueados. Os ingleses, todavia, comecavam a vender las leves e, principalmente, 6pio. 0 desejo de comerciar com a China crescia entre os europeus no momento em que a China se fechava e em que sua impaciéncia em relagdo as intrigas e 8 rotina administrativa chinesa anulava o mito do império da sabedoria. Ojapao Esse Estado, de civilizagao chinesa, possufa um sistema religioso original. A religiao nacional (xintofsmo) e o budismo estavam associados. Os japoneses concebiam o universo como regido por uma infinidade de espiritos ou kami, veneravam os ancestrais, particularmente os do imperador, descendente do Sol. Entretanto, dividiam-se em numerosas seitas, daf originando o Zen que buscava a iluminago ndo no éxtase, como o ioga hindu, mas na aco pessoal, e exercia uma grande influéncia sobre os senhores feudais e os militares. Por outro lado, o regime social e politico mantinha uma certa analogia com 0 do Ocidente medieval. Nao havia entre o imperador do Japao (micado) e o da China diferencas de natureza. Ambos eram personagens religiosas. Mas 0 micado, confinado em Quioto, delegara havia dois séculos os poderes politicos a um prefeito do paldcio hereditario, o xogum, enquanto se instalava um regime feudal e senhorial. Os governadores de provincias ou daimios tornavam-se senhores independentes do poder central, o Bakufu. Possufam terras, haviam-se arrogado regalias e mantinham relagdes diretas com o estrangeiro. Tinham sob suas ordens os samurais, que formavam uma espécie de nobreza militar, cujos feudos constitufam rendas aplicadas na cultura do arroz. Como no ocidente, os mosteiros, entao budistas, possufam extensos domfnio e seus chefes dispunham de poderes semelhantes aos dos daimios. ‘A maior parte da populacao era formada de camponeses que cultivavam manualmente 0 arroz em pequenas plantagdes e mantinham uma industria caseira (vestimentas, utensilios). A moeda era rara. As retribuigdes e os impostos avaliados eram aplicados no arroz, A aldeia constituia uma unidade de exploracdo senhorial e fiscal, possuindo bens comunais. Os camponeses eram solidariamente responsdveis pelo imposto. A testa da aldeia, encontrava-se um nanuchi encarregado de registrar 0 estado civil e a produgao de cada camponés. ‘Agentes especiais arrecadavam os direitos senhoriais que atingiam pelo menos dois quintos da colheita. ‘A estagnagao caracterizava o Japao no século XVI. Apesar de um forte indice de natalidade, a populagao japonesa permanecia estaciondria em virtude de numerosas privagdes. As guerras entre os daimios ¢ as revoltas ‘camponeses perturbavam o pafs. As cidades, mal conservadas, eram sobretudo fortalezas com uma atividade comercial muito fraca, A vida espiritual estava entorpecida. A religido nacional, o xintoismo, no péde opor-se aos progressos do budismo. Os letrados desempenhavam um papel menor que na China. Todavia, gracas a uma vida maritima bem ativa, os japoneses manifestavam mais curiosidade que os chineses pelo mundo exterior. © final do século XVI experimentou grandes transformagées. 0 Xogum da dinastia Ashikaga, expulso em 1568, fizera apelo a um senhor Nobunaga que se tornou dono da fértil provincia central de Owari. Instalou af uma administrago-modelo, Nobunaga acabou por suplantar Ashikaga em 1573. Dedicou-se a restabelecer os poderes do Bakufu. Foi preciso para tanto quebrar a resisténcia dos senhores feudais e vencer as revoltas camponesas. Sua obra foi continuada por lyeyasu (morto em 1616). Este dltimo fundou a dinastia dos xoguns Tokugawa que governaram 0 japao até 1868. Dessa luta o Japdo saiu unificado sob a autoridade do xogum cujas possessées estenderam-se sobre a parte central do arquipéiago e sobre as principais cidades. Para evitar um renascimento feudal, todos os daimios foram submetidos a um regime severo: proibigdo de se casar ou construir um castelo sem a permisséo do xogum, obrigagao de morar um ano em cada dois na corte do xogum estabelecida em Edo (atual Téquio) e de deixar a familia como refém. Forgados a uma custosa vida na corte, os daimios se arruinaram e perderam sua independéncia. Realmente o regime dos xoguns permanecia feudal. Observaram-se até relagdes de vassalagem que se estendiam entre patrées e empregados. Ao mesmo tempo, o Japao se isolava. Apés uma guerra mal sucedida na Coréia (1592-1598), os xoguns renunciaram a uma politica externa ativa. 0 Japao fechou-se progressivamente aos europeus na primeira metade do século XVII. Na auséncia de guerras estrangeira e civil, os samurais foram convidados a se dedicar As letras e as artes. Também cultivaram o espirito cavalheiresco. A restauracao da ordem e a paz foram conseqiiéncias importantes para a economia e a sociedade japonesas: desenvolvimento do comércio, formagao de uma burguesia mercantil e agravamento da condigdo camponesa. As permanéncias forgadas dos daimios em Edo e as viagens incessantes entre essa cidade e seus feudos despertaram 0 comércio. As despesas suntuosas nao podiam absolutamente ser pagas em arroz. Os daimios tiveram necessidade de dinheiro. Venderam o arroz, elevaram as taxas em dinheiro sobre os produtos de artesanato, fizeram até empréstimos sobre colheitas futuras ou sobre suas pensées. Foram imitados pelos samurais. Os comerciantes obtiveram grandes lucros. Estabeleciam entendimentos para que os pregos fossem mantidos a um nivel elevado. 0 artesanato desenvolvia-se com a mao-de-obra fornecida pelos filhos dos camponeses que iam A cidade em busca de um saldrio complementar. As cidades tornaram-se centros de comércio, No comeso do século XVIII, Edo possufa meio milhdo de habitantes. 0 sucesso dos comerciantes apareceu nas crises monetérias e econémicas do fim do século XVI que atingiu gravemente os daimios e os samurais. Os camponeses arcaram com as despesas dessas transformages. Um edito de 1586 transferira ao Estado uma parte dos direitos feudais em troca do pagamento de pensées aos daimios. A familia Tokugawa adjudicou-se assim 30% da producao do arroz. Os camponeses foram obrigados dessa maneira a entregar dois tergos de suas colheitas. Naturalmente nao podiam ser expulsos de suas terras, mas nao tinham o direito de vendé-las. Em conseqiiéncia dos progressos da economia monetéria, tinham interesse em produzir mais e abandonar a indistria caseira. Endividaram-se. 0 regime Tokugawa contribuiu, por fim, para reter as estruturas politicas, sociais e mentais dos japoneses. Mais do que nunca o respeito aos ancestrais, aos superiores, ao Estado e 4 ordem do mundo foram os fundamentos da moral japonesa, sem que por isso desaparecesse na nobreza o gosto pela agao. ‘Testemunha esses fatos o éxito simultaneo das filosofias de Tchu-Hi e Wang. Entretanto, era vive o briiho da civilizagao japonesa. Ap6s a arte aristocratica do século XVI (perfodo dos castelos) sucedeu, sob os Tokugawa, uma arte burguesa que difundiu os temas tradicionais e popularizou 0 teatro. Como em todo o Extremo Oriente confuciano, as ciéncias quase nao suscitaram interesse. Alias, essa civilizagdo dobrou-se sobre si mesma com o crescente isolamento do Japao. ‘Todavia, ao mesmo tempo, criavam-se condi¢des econdmicas e sociais que tornavam possfveis as transformagies, se ndo espontdneas, pelo menos assumidas pelos préprios japoneses, Os europeus no extremo oriente ‘As condigdes encontradas pelos europeus na China eram bem menos favordveis que na India e no Japdo. Oficialmente, a China, centro do mundo, mantinha relagdes apenas com os barbaros que se reconheciam seus vassalos. Desde o fim do século XV, a proibicao feita pelo imperador aos seus stiditos de comerciarem além-mar possibilitou apenas um trdfico bastante limitado. Os embaixadores recebiam em troca das homenagens prestadas ao soberano a autorizagao de comerciarem nos arredores de alguns portos e de af instalarem lojas. Os mandarins forneciam a alguns comerciantes chineses licengas para comerciarem no estrangeiro. Em suma, mantinha-se um importante contrabando praticado pelos chineses e pelos japoneses. Os primeiros contatos regulares entre chineses e portugueses datam do estabelecimento destes tltimos em Malaca em 1511 e tiveram por objeto a venda da pimenta pelos portugueses. O insucesso de sua primeira embaixada, que nao rendia homenagens nem tributos ao imperador, levou os portugueses ao contraband. Além disso, tendo conseguido se fazerem considerar como vassalos siameses, puderam instalar-se na ilha de Macau, frente a Canto (1554). Desde 1544 estabeleceram-se relagées regulares entre 0 Japao ea India portuguesa através de um navio anual, a Nau. Os portugueses levavam ao Japao especiarias, marfim, coral da india, seda crua da China e de l4 traziam metais, lacas, porcelanas e principalmente dinheiro. Esse tréfico quase nao dizia respeito A Europa. A unido entre a Espanha e Portugal em 1580 beneficiou os portugueses do Extremo Oriente afastando a concorréncia espanhola. Desde 1565 estavam os espanhdis instalados nas Filipinas. Os espanhdis, os portugueses e os chineses estabeleceram relagdes de negécios entre as Filipinas ea China. Além disso, o Galedo de Manila ligava todos os anos 0 México e as Filipinas. Trazia da América o dinheiro necessdrio para a compra das sedas ¢ porcelanas chinesas que alcangavam Manila, depois 0 México e a Europa. A moeda espanhola espalhou-se pela China. Esse comércio pelo Pacifico cresceu quando os holandeses surgiram e estabeleceram 0 comércio entre Macau e a india. A partir de 1640 0 comércio europeu no Extremo Oriente se fragmenta. Os portugueses e os espanhdis tornam-se rivais e os holandeses ocupam um lugar importante, Obtiveram dos chineses a permissdo de se instalarem em Formosa. Em 1642, apoderam-se de Malaca, Além disso, o volume das trocas tende a reduzir-se até o fim do século. As relagées entre Macau e Manila diminuem. 0 Japao fecha-se progressivamente aos estrangeiros. Em 1636, estes so isolados na ilhota de Dejima. Em 1642, os holandeses sao os tinicos europeus tolerados em Dejima. Em 1688, 0 mimero de navios holandeses e chineses admitido é reduzido a fim de serem diminuidas as saidas de dinheiro japonés. Profbe-se igualmente aos japoneses de deixarem seu pais, sob pena de morte. Na China, os holandeses so expulsos de Formosa pelo pirata Koxinga (1662). Esgotando-se a prata do México, os espanhéis tornam-se menos ativos. Entretanto, no final do século XVII produz-se uma melhora nas relagdes, comerciais entre a China e 0 Ocidente. Os europeus podem instalar feitorias em Cantdo, mas devem passar pelo intermediario das guildas dos comerciantes cantonenses. Novos parceiros entram em cena. A East India Company estabelece relagdes regulares com Canto em 1699. A companhia francesa similar, depois de uma Companhia da China, mantém alguma atividade até a proibigdo das sedas chinesas na Franca em 1713. A partir de 1708, alguns navios franceses atingem a China pelo sul da América, mas esse comércio dos “mares do sul” se choca com os ingleses e os espanhdis. Lembremos que desde 1689 uma caravana russa anual chega a Pequim. Um produto recentemente apreciado, o ch4, adquire uma importancia crescente no tréfico inglés e russo. ‘A15 de agosto de 1549 Francisco Xavier desembarcava no Japao. Apés algumas tentativas, consciente do abismo que separa as religides do Extremo Oriente do cristianismo, limitou-se a pregar a existéncia de um Deus pessoal criador do mundo e a imortalidade da alma. Ele sé falava de Jesus Cristo depois do batismo . Desejou empreender a conversdo da China, mas nao conseguiu af penetrar, morrendo de esgotamento perto de Macau (1552). A presenca de jesuftas no Japao atraiu comerciantes portugueses a esse pais. A evangelizagao recebeu aprecidvel apoio material, mas sofreu de certo comprometimento aos olhos dos japoneses. No fim do século XVI, gracas ao prestigio de Francisco Xavier e a agdo do padre Valignani, varios daimios e homens e mulheres da alta sociedade haviam-se convertido. Formou-se o xintofsmo e o tchuismo. As razbes religiosas intervieram no fechamento do Japao, principalmente quando, apés algumas dificuldades, os cristéos japoneses se revoltaram. Os holandeses que haviam fornecido armas de fogo para a repressdo foram os tinicos autorizados a comerciar. No fim do século XVII as cristandades japonesas estavam em via de desaparecer. E apenas em 1554 que os mission4rios comegaram a evangelizacao da China, a partir de Macau. Um jesuita, o padre Ruggieri, preparou o caminho elaborando um vocabulério latino-chinés e conversando com os mandarins que se admiraram com o seu conhecimento sobre as ciéncias européias, notadamente as matemiticas. O principal artesto da evangelizacao foi o padre Matteo Ricci que viveu na China de 1582 a 1610. Tendo-se integrado na sociedade chinesa, adotara os costumes dos letrados e estudava a literatura chinesa. Tirava principios cristdos dos livros atribuidos a Confiicio e obteve algumas conversées. Objetivava conseguir do imperador o cancelamento das proibigdes impostas ao cristianismo, Em 1601 foi autorizado a ir a Pequim, O imperador permitiu-the que morasse na cidade imperial. Ricci efetuou para uso dos chineses um grande mapa do universo e traduziu a geometria de Euclides. Ao mesmo tempo, criou um método de evangelizagao mais adiantada pela passagem do deismo ao cristianismo. Como se dirigia principalmente aos letrados confucianos para os quais os deuses representavam apenas forcas naturais e o culto, ceriménias civis, permitiu aos cristos a pratica de cultos tradicionais com a condig3o de que fossem praticados com o pensamento em Jesus Cristo. S40 os chamados ritos chineses. Constitufram-se pequenos grupos crist4o sob a diregao dos jesuitas. Estes mantinham-se na cidade imperial fazendo com que da Europa viessem os melhores mateméticos, astrénomos, engenheiros. 0 padre Adam Schall 10 conseguiu que se lhe confiasse a elaboragao do calendario do qual dependia a fixagio das festas ceriménias tradicionais em relagio 3s quais os astrénomos mugulmanos, até entao incumbidos, haviam cometido alguns erros. Fundiu para © imperador pegas de canhdo, Soube oportunamente dirigir-se aos manchus, Algumas relagées oficiais com os ocidentais passaram pelos jesuitas. Em 1650 um rescrito imperial declarava boa a religiéo crist4 e os jesuitas podiam construir uma igreja em Pequim. Em 1692, 0 culto piiblico estava autorizado. Entretanto, os europeus nao conseguiram compreender a civilizagao chinesa. Como a religiio hindu, a chinesa oferecia aos asidticos pela sua variedade de aspectos, satisfacdes espirituais e possibilidades de esperanga que a seus olhos tiravam ao cristianismo toda a utilidade moral BIBLIOGRAFIA: F, MAURO, R. GROUSSET, M. MOLLAT, H. MOUSNIER, Fureurs paysannes, 1967. A. TOUSSAINT, Histoire de I'océan Indien, 1961. P. CHAUNU, Le; Philippines et le Pacifique der Ibériques, 1966. APUD : CORVISIER, André. Hist6ria Moderna. Sao Paulo:DIFEL, 1976. Pag.245-255. coe

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