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ETNOGRAFIA SOBR ‘Asca vo Dinero: Penal Resumo: Este artigo tem como objeto de pes- quisa os dramas sociais que emergem com a entrada da vitima nas audiéncias de ratificagéo previstas pela Lei 11.340/2006. Serdo explora- dos dados produzidos em etnografia advinda de ‘acervo de pesquisa consolidado por 60 proces- 505 judiciais coletados durante os anos de 2014 ©2015 em um Juizado de Violéncia Doméstica e Familiar do Distrito Federal. Pretendemos com- preender de que modo as representagdes sobre 2s vitimas, suas formas de incluso e os modos de condugdo das audiéncias contribuiram para 0 resultado final do arquivamento do processo. E, por meio dos achados etnogréficos sobre os usos das categorias de autonomia individual e pacificagéo do conflito, objetivamos promover desde os estudos das Ciencias Sociais e de Géne- to, estranhamentos e desnaturalizagdes sobre 3 A EMERGENCIA DA VITIMA NA VIOLENCIA DOMESTICA: UMA © SUJEITO, 0 CONFLITO E 0 GENERO THE EMERGENCE OF THE VICTIM IN DOMESTIC VIOLENCE: AN ETHNOGRAPHY ABOUT THE SUBJECT, THE CONFLICT AND GENDER Camita Carposo pe Meto Pranoo Doutora em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (2012). Mestre em Dircito pela Universidade Federal de Santa Catarina (2003). Professora adjunta de Direito Penal ¢ Criminologia na Faculdade de Diteito da Universidade de Brasilia. Coordenadora do Centro de Estudos em Desigualdade e Discriminacao (CEDD), camilaprando@gmail.com Renata CristiNA DE Faria Goncaves Costa Mestra em Direito pela Universidade de Brasilia (2016). Bacharela em Direito pela Universidade de Brasilia (2013), Analista Judiidria no Tribunal de Justiga do Distrito Federal eTerrtérios. renatacfac@gmail.com Aasrract: The purpose of this article is to study the social dramas that emerge with the inclu- sion of the victim in ratification hearings crea~ ted by Law 11,340/2006. Data will be explored in ethnography from 2 consolidated research group of 60 lawsuits collected during the years 2014 and 2015 in a Domestic Violence and Fa- mily Court in the Federal District. We intend to understand how the representations about the victims, their forms of inclusion and the ways of conducting the hearings contributed to the final result of the archiving of the pro- cess, Through the ethnographic findings on the Uses of the categories of individual autonomy and pacification of conflict, we aim to promo- te, from the studies of the Social Sciences and Gender Studies, strangeness and denaturaliza- tion about modern penal rationality and the ran, Camila Cardoso de Mello; Coss, Renata Cristina de Faria Gongalves. A emergéncia da vitima na "violencia doméstia: uma etnografia sobre o sueito, o conflto o género, Revita BrastelradeCiéncos Criminals vol. 146 an0 26, 37-90, $80 Pai 0. RT, agosto 2018. Digitalizado com CamScanner 018 ¢ RBCCHm 146 puna 2 4 ction of critical theories regy ron of gender conflicts, cing cialization 0! ‘ + Domestic and Family Vigy, -ywor0s: Dome J wae Famili aa - Vietims = Ethnography ~ gee rata ~ Ra minal Rationality ~ Criminal Justice Sys de Justica sistema 4 tem, Penal Moderna diencios de ratiticagd0:estranny jergencia da tia 8 ‘inci Sociais, Estudos de ene sum slo) cas. 4. Achados etnogréficos. 4.1, pa ubjugada’ 4.2. Conflto paciicagy ona: vitima empoderada,vitime finals. 7. Referencias bibliogras vaso: 1. Introdugdo. 2.Aem mentos ¢ desnaturalizagbes de Descrigdo do campo € CO! ‘ Su Gisele, “uma mulher SU OS eee so da violéncia institucit flito. 6. Consideracdes processo arquivade. §.Areinscrg subjugada e 2 pacificago do con 1. Intropugao Em oposigao a um passado hist6rico de invisibilidades € legitimacoes do. direito dos homens a castigar mulheres, validadas pelos campos juridico e so. cial (CARRARA; VIANNA; ENNE, 2002; MACHADO, 2009), a publicagao da Lei Maria da Penha, em 2006, propde um movimento rumo ao novo, As inovacoes por ela trazidas Provocam fissuras que urgem interpretacoes a cada encontro produzido Por sujeitos concretos em suas vivéncias com 0 Siste- ma de justica (Derrida, 2010). Tais deslocamentos Perpassam desde a criacao uma aposta punitiva por parte da LM (CAMPOS 201 Posofvel falar em Pretativa € 08 contextos de sua insercio Teptoduzem here memoria inter- imbeads on tnkeasolucdo possvel (PIRES, nop) 8°™Nicamente essa Imbricada com uma strie de epresentagose tadicionais do otaldade faz — 0 #0, quanto aos ASPectos mm Benero ~com que i 5 encias mist ; diversas pesquisas (CAMPOS, 2015; ANIg soe sendo Dentre os desafios anunciac ‘ar-se a centraidade da figura tuito de potencializar o exere, dos por OUuttOs estudos, das vitimas 1 rf ‘i aS audiéne; Ig0 eg, Ico de tecnologing gS de rats Sole vol- 59 Tal inovacao, concebida em um cenério em que se cria uma lei com 0 me de wma vitima, organiza-se positivamente como uma politica frente a fot duracao do silenciamento das mulheres brasileiras em suas casas (MACHADO, 2009; FREITAS, 2011). Com isso, sto produzidas provocacées cotidianas, « pecialmente em um ambiente de expansao do sistema puinitivo e ameacas a ga- rantias furndamentais ated Ness#rtivo, c esse artigo, com auxilio de teorias feministas, apresentaremos, desde a unidade dos dramas sociais, os seguintes ac in ados etnograficos: enta- cdes sobre vitimas, no caso, Hidas como mulheres Sripesltedes €00 rida e-sobre &:patificnca doeonflito Homésticd/ Por hie dos Estudos de Gener discutiremos os limites ¢ possibilidades das conceitos de autonomia individual no direito penal, os usos das perspectivas politico-criminais minimalistas no protease aeaaih ‘i ay pro cesso € as criticas a perspectiva de revitimizagdo das mulheres no sistema de justica. ’ 2. A EMERGENCIA DA VITIMA NAS AUDIENCIAS DE RATIFICACAO: ESTRANHAMENTOS € DESNATURALIZACOES DESDE UM DIALOGO ENTRE Ciencias Socials, Estupos pe Género € Direito A emergéncia da vitima no campo punitivo tem sido diagnosticada por varios tedricos da Sociologia da Punicao e da Criminologia. Em geral, tal diagnéstico estd associado a ascensio de punitividade (GARLAND, 1999) ou as demandas de novos movimentos sociais por punicao (PIRES, 2004, KARAM, 2006). A tese da “emergéncia da vitima” tem sido demonstrada por meio da andlise de dispositivos retoricos que visam legitimar hipoteses de criminalizacao ou de demandas por punicdes mais severas. Na visio de Garland (1999, p. 61), por exemplo, a emergéncia da vitima surge por meio de discursos populistas com uma preocupacdo em protegé-las. Em suas palavras, “os sentimentos da viti ma, ou da familia da vitima, ou um puiblico temeroso, ultrajado, sao agora in- vocados em apoio ‘novas leis ou politicas penais. O castigo (...) € uma vez mais um objetivo penal respeitavel, abertamente reivindicavel”. Alvaro Pires, por sua vez, identifica “um novo impulso da racionalidade pe- nal moderna” que naturaliza a relacdo entre crime e a obrigagio de aplicacao de penas allitivas. Para ele, tal impulso esta relacionado, dentre outros aspec- tos a “emergencia discursiva de uma sociedade de vitimas”, ¢ & “participagao crescente no debate penal de movimentos sociais, ou de segmentos deles, ‘sem teoria’ sobre o sistema penal” (PIRES, 2004, p. 48). Essa associacado entre mo- mbém com o diagnéstico de Karam vimentos sociais ¢ punitividade coincide tai (2006). Fao, Coma Cardoso de Wel; Cos Renata Cristina de Fria Gongahies,Aemergénca avila nd sree teindetinas vem eennarafia sobre 0 Sueito, 0 conflito € 0 Genero. Digitalizado com CamScanner vant 146. vist Brasieina ne CIENCIA 60 R : 1999; PIRES, 2004. aLANT (GAR ) retorico, Seja pr sens (€5¢ rispositive Oe em suspensio ¢ ymo disp c c Colocaremas em s¥spenste ON img com ands movimientos 59, xR AUR, 2000) que assortam 2 AUN, de de incl io da vitima se nerspectiva Pop morgen! veniente de uma persye oa cmers m0 ciais,' para investigarmes 0" da pesauis, a maior par. realiga nas priticas fudici@l® gg a0 HOMB ano de 2014 € 2015 Conforme dados quate das longo rita segundo a qual, ve dan auaicncins le TAF Toye da USE maga politica legislativa, segeram ao argqeaenO OT ogitivo retcicos es,assoca g Treanddo as vitias RAHM ces de iit es as vitimas das decisdes juiciis ¢ an emergencia AS eeree de se organizarem recrudesciment dt Pa cienclas de ratificacde> representacoes de géne- theres edo proceso MSA Ge, apontam Part To arquivamento da Ja puniti ento d jo direito em toro do aum ro ede sujeito no ¢ demincia Buscamos, porta ampo oximarmo-nos da complexidade, een no % nto, APTS ologias do direito ¢ das ‘i it rocesso, das tecn o "ysao da vitima no proces Be a edict : ee dos atores do sistema de justica. Os ee eee al raagies possiveis com esse estudo visam, em médio a eda Dogmatic poinas da Sociologia do Direito ancorada nas teorias criti Jia de modo a produzir uma interlocucao produtiva. ; : ol by 0 pr " 0 lugar hist6rico da Sociologia do Direito na década de 1981 produzida dentro das Faculdades de Direito foi tributaria de leituras marxistas entende- doras do direito enquanto express4o dos interesses da burguesia, instrumento de realizacao das classes dominantes bem como da do; gmatica como um entrave a democratizacéo, produgao e realizacao de direitos. A Dogmatica Juridica tor nou-se, nas décadas de 1980 e 1990, objeto de trabalhos seminais para todo o pesquisador ou pesquisadora do Direito. Essas pesquisas desvelaram a vio- lencia simbélica e as fungdes instrumentais de uma Dogmatica que, em suas / +2016)! mtetastiniront ae gEneo,Dissertacdo de Men ne en jamento poli- Universidade de Brasilia, 2018 _ Mestrado. Programa de Pés-Gri* amila Cardoso de teva a Cont Digitalizado com CamScanner Dossitesprcin: “Gene € Sista Puntvo" 61 promessas de seguranca, produzem violéncia na estrutura da sociedade capita- lista. Como o fez Vera Andrade em uma critica contundente a Dogmatica Jurt- dico-penal (ANDRADE, 1997) Acompanhando a leitura de Rodriguez (2017), entendemos que mui- to embora houvesse nesse tempo interpretagdes bastante sofisticadas ¢ pou- co reducionistas da relagio entre Direito ¢ Sociedade, como a que citamos anteriormente, @ vulgarizacao dessa leitura levou a uma impossibilidade de aproximacdo entre a Sociologia ¢ a produgao dogmatica, Uma impossibilida- de apontada, inclusive, por Warat, um importante intelectual do movimen- to da década de 1980, Jé em 1990, Warat acenava para uma esterilidade dos moyimentos contradogmaticos, que produzem teorias, “mas nao produzem acontecimentos”, “nem conseguem reconhecer o legado positivo da dogmatica juridica’, Para 0 autor, “seu desejo revolucionério acabou prisioneiro da mor- te” (WARAT, 1997, p. 138-139). A abertura para 0 didlogo entre a Sociologia Juridica, e as Ciéncias Sociais em geral, ea produgio do direito nao é de modo algum uma novidade. Os mé- todos e ancoragens tedricas para essa abertura tém sido debatidos ao longo do século XX em varias tradi¢ées tedricas. E mesmo nas tradicées marxistas, a compreensio sobre o Direito se complexifica para além de uma instrumentali- zacao de classes burguesas no Estado de Direito (NEUMANN, 2013). Neste texto, exploraremos estranhamentos € desnaturalizacoes sobre a de penal moderna, desde uma aposta em € 0 Direito, numa perspecti- produgao do direito ¢ a racionalida encontros possiveis entre as Ciencias Sociais i Digitalizado com CamScanner Dossié especiat: "GENERO € SISTEMA Punirivo" 65 9,099/1995 representarem, de fato, uma fos delitos domesticos ~ 80% dos casos cram dessa natu- unentao, sob o argumento da “harmonia farnilia 4, motivo pelo qual foram duramente NE; VIANNA, 2002; oes da Lei maior publiciza reza ~ cles vieram a tona pa Ferem minorados e arquivados, ¢™ Mi criticadas pelos movimicntos feministas (CARRAR CAMPOS, CARVALHO, 2000) s conciliagdes ¢ transagoes penais, falhou ‘a, 05 efeitos concretos gerados den- je de género intrinseca as relacoes eto (CAMPOS, O referido sistema, ao pensar as ao deixar de considerar, em sua estrutur tro e fora dos processos pela desigualdad sociais nas quais se mesclam poder, dependéncia, amor ¢ a! CARVALHO, 2006): As audiéncias de ratifica surgem como resposta a esse actmtl mas mais garantias contra coercoes € por meio das desigualdades entre as p* profissionais de justica. Esse projeto inovador se situa, portanto, ‘em busca da reversdo de um quadro diagnosticado, em linhas gerais, no siste- ma criminal por Christie (1977) e Hulsman (s.n.t) como “confisco da vitima”. © que se quer, nesse sentido, ¢ alterar esse problematico cendrio de arquiva- mentos em massa, apontados por académicas feministas, em especial, na vi- gencia da Lei 9.099/1995. ‘Assim, como espaco privilegiado para pensar esse Iugar das vitimas nos processos penais e engenharias processuais de escuta ¢ insercao de suas vozes € desejos, as audiéncias de ratificacao permitiram, por meio da etnografia, cap- pusca da justica presentes no cotidiano ¢ nos dramas , nesse contexto de criticas € reformulacoes, Jo. Seu intuito é 0 de possibilitar as viti- arquivamentos forcados ou construidos artes, e também entre as mulheres € 0S dentro de um movimento critico tar os movimentos em sociais vivenciados nesses espacos. © intuito dos proximos topicos 6, nesse contexto, realizar um quadro das dinamicas geralmente estabelecidas no Juizado etnografado para, a partir dis- So. verficar limites, ambiguidades e potencialidades inscritos nas miudezas das interacoes sociais observadas. 4. AcHADOS ETNOGRAFICOS Antes de apresentarmos as guns dados gerais resultados de etnogralias das audiencias, trataremos de al- analise quantitativa e produzidos por meio de abolicionismo penal. Ver a elaboragao do conceito de confisco da vitima (CHRISTIE, 1977; HULSMAN, s.n.t.), rasileira de Ciéncias Criminais. vol 148, ano 26. p. 57-80. S40 Paulo: Ed. RT, agosto 2018. Digitalizado com CamScanner a fim de tranicos. das. compreender o cle 010d preenchimento de questionarios le aig neta ise as anidiencias ¢ no qual as historias das atdien antidade de processos g ese ad) CUivad, nicia de ratiticagy tag O primeito ponto relevante 16 ‘ s 8,396 dos oma 78, enti O mimero som ' ws fada por esta eqttl sos com audies designada ¢ eto; onan 85% 0 pedo de arquiva arquivados ment ; ritos arquiv ancia de ratificacdo, 8 son ee Nesse grupo de inqueé eu na propria audiéncia ee ratific C80, 8.5% foram arquivados depois da audi¢ ocorrid Jo ou sido notici Ja nos autos aos quais a equi que a audiéncia tenha ste a realizado de audiéncia para escutg da teve acesso. Nos a om reads sem prévia manilestacao da vitima de fop- s foram marcade o sentido do nao prosseguimento do feito. Nesse contexto, € preciso pontuar quC, ee e complexe as ae cents de inquéritos sem demincia, a ¢ d ta pela porcentagem oe nie atuacao € multidisciplinar ¢ engloba diversos saberes fearos 2013), imprime carater distinto entre 0 presente cenario e aquele _ vivenciado na acasiao da Lei 9.099/1995. Uma das diferengas se mostra no seguinte dado: cerca de 60% dos Processos tiveram intervencées psicossociais, além da produ¢ao de outras Praticas judi- ciais que enfatizam a nao preponderancia do aspecto da LMP no Juizado em questao, dentre os quais cita-se, a titulo de exemplo, as suspensdes do proces- so, as cautelares inominadas, grupos de discussao sobre violéncia, dentre ou- tros temas debatidos em COSTA (2013, 2016) e SANTOS (2015). Também vale esclarecer que a compreensao e as criticas provenientes dos achados de pesquisa em relacao a alguns dos motivos e modos pelos quais os Processos s4o majoritariamente arquivados nao nos colocam, de imediato, a0 houve vitima,* 70,2% del sa nos autos NC ma expr promisso de sigilo firmado e do projeto no Comité de Etica Ja mencionado, : Nesse ponto, ¢ imy 7 . ee Pm i arial escarecer Aue se trata de audiencias nomeadas pelos pro- fade ato audi Micacdo. Porém, como ser abor ie “ orém, abordad ubie- sie if 10 da Natureza dessas audiéncias, em i Fi eee Pelo juiz cntrevistado. De tod 2 NE spresesig existir 0s mor i : san” Outas formas de comunicagay ra mega também demonstou 05, Ponto que deve ser com as vitimas 4 levado em consi Me nao aquelas registradas nos Prasioo, Camila Cardoso d : le Mello, violencia d Costa, Renata Cris Re lencia doméstieg: istina de Fe evista Brasitirade Cloner Cimino 97a sobre o sujet raves. A emergéncia da vtima na Digitalizado com CamScanner Dossié especial: "Genero € Sistema Punitive 67 4 allitiva como caminhos alme- dos, A propria Lei Maria da Penha desenha uma engenharia processual para funcionamento dos Juizados Especiais que retira a éenfase de solugdes tinicas Jo campo penal, conjugando por exemplo, competéncias civis que, até 0 mo- nent, 0 Judiciario segue resistindo implementar (CAMPOS, 2015). No: silicac do da adesaio ¢ da aposta no processo € na pei critica aos modos de arquivamento do processo passa pela comple- ‘40 do olhar diante da judicializacdo da violencia doméstica ¢ também, ela abertura de fricgdes com o campo da teoria do direito e das dogmaticas ju- idico-penais, para além da racionalidade penal moderna (PIRES, 2004). Para isso, primeiramente, mostra-se relevante conhecer a forma como os rprios profissionais visualizam a dita audiéncia. Nas palavras de uma pro- motora de justica, atuante naquele Juizado, conforme dito em entrevista, a au- diencia de ratificagao é pensada para avaliar “se vai prosseguir com a apuracdo daquele fato ou nao”. Assim expée a representante do Ministério Publico: “quando nao esta cla- ro para mim ainda a posi¢ao dela [da vitima] e eu quero ouvi-la, quero vé-la para saber melhor, saber a situacao como esta. As vezes tem muito tempo que ela foi atendida e a gente nao teve mais contato com ela”. Em sua visio, 0 en- foque descansa sobre a escuta da vitima e o estabelecimento de um encontro para avaliacdo da situacao atual dos conflitos judicializados. O Magistrado entrevistado, por sua vez, sustenta visio diversa sobre 0 que, efetivamente, ocorre na pratica das referidas audiéncias. Em suas palavras: Acontece que, em alguns casos, a promotora tem pedido uma audiéncia de justificacdo que nao é propriamente uma audiéncia do artigo 16. Mas é uma audiencia que se ela [a vitima] se manifestar ali, em tese, esta sendo admi- tido como sendo do 16. Porque qual é 0 propésito da audiéncia do artigo 16? E que a mulher no seja ameacada pelo marido e fale que nao quer mais, prosseguir ~ bom, eu ndo sei se esse é 0 propésito da lei, mas esse é 0 prop6- sito que tem sido interpretado — em um ambiente sem pressio externa, Por {sso a gente tirou o ofensor. A gente nem tem chamado o ofensor para essa audiéncia, para que ela tenha total liberdade de se manifestar. A partir dat vocé tem uma manifestacio de vontade mais voluntaria, mais espontanea daquela que nao quer prosseguir. Mas se ela quer prosseguir, af cessa a agio dessa mulher e passa para a acto do Ministério Publico, que é analisar se a vontade dessa mulher encontra dentro do processo elementos que possam justificar a aco. Porque o fato pode ter acontecido, mas pode ser que nao tenha como 0 Ministério Publico levar aquilo adiante, Apesar da aparente ambiguidade sobre a natureza das audiencias etnogra- fadas, essa espécie de hibrido entre audiéncia de justificagao e audiéncia de Pasi, Carla Cardoso de Mello; Cosa, Renata Cristina de Faia Goncalves. A emergéncia da tima na viléncia doméstcs: uma etnografia sobre o sujelto, 0 conflito € 0 género. Revisto Briere de CénciosCriminois vol 146. ano 26. p. 57-90. Sdo Paula: Ed, RT, agosto 2018 Digitalizado com CamScanner 68 Revista Brasitcina oe Citticias Canainnis 2018 * RBC lo traz em si potencial relevante quanto * eae citlogo CNtte Profissionais do ditto e vita fi deem conus MAEM sobre a sig Ao conereta na qual se encontra enlagada a meh TN a te ants Nesse ceniirio, porém, alguns desafios ji 8" a ean a nag Seguintes frases: as “vitimas tem total iberdade de 8 Mle se ea et Posi Ai poe ces mais sutis sUgESUVAS Ce Se IF Ie espacy cao distinta, indicativa de naan rae mas voluntaia”. De um nee “manifestagao de ; onde ¢ possivel uma “manilestacao d ar os matizes ¢ limites preee vi 1 analise empirica obser ou de outro, cabe a es re padienetas tes no cotidiano do manejo das referidas a ‘uma mulher subjugada" ". Gisele, 4.1. Dalva, "uma mulher empoderada’, Gise ; ceito suj Por meio deste achado, pretendemos explorar 0 ae a eto a 0 achado, ecto de sujelto g emerge ds alienciasetnografadas, bem como compreender a implicacs que tece conceito possui com a racionalidade penal moderna, as teorias crit. : ses de género. cas eas representacoes de g - Embora a Lei Maria da Penha compreenda as vitimas desde a complexida. de do geneto (CAMPOS, 2013), a pratica judicial observada ainda reitera, em meio a fissuras ¢ ambiguidades, um imagindrio da autonomia liberal na con- ducao dos processos. Com isso, limitam-se as possibilidades de uma efetiva in. clusao desses sujeitos com garantia da igualdade, da protecéo das mulheres e da busca pela reducao das violéncias relacionais e institucionais. A linguagem é 0 elemento comum que perpassou nossas anilises. Isso porque enquanto interacao social, ela é apta a produzir e reproduzir repre- senta¢ées sociais, provocando, por meio de atos de fala, novas formas de agir, significar, ser, ver e construir 0 mundo. As audiéncias etnografadas sao mediadas por ela, é dizer, sao construidas em relag6es concretas entre ob- Jetos € sujeitos, humanos e nao humanos, intrinsecamente imbricados nes- te processo social de producdo e ago no mundo pelo discurso (CONTO, 2012; MACHADO, 2014). Nessas interacdes, representacdes sociais atuam de maneira hegeménica, Porém, tomam formas variadas conforme a propria agéncia e vivéncia dos su- ies en mie irae eed nem tudo € apreendido pela linguagem rece re S : gem nicas. Por €sse motivo, as andlises que seguem lomovim permanéncias, em tensao, mas também possibilitam, pe- lento do novo, observar fissuras Proprias de um ri i ta Por se formar (DELEUZE; GUATARRI 1995; MACHADO, on ne ; , 1995; MACHADO, 2014a). A primeira ¢: 4 exploracio © permanencia €ncontrada pela anélise etnogréfi na enunciacao do que pensam os Paunoo, Carla Cardoso de ia Mello; Costa, Renat ta ina de i Tense: Una ethografa sobre 8 Goncalves, Aemergéncla da Vitma na Vi Revista Brasileira de ila de Ciéncias Crimmors ne Digitalizado com CamScanner Dossié tsreciat: “Genero € Sistema Purutivo” 69 profissionais entrevistados @ respeito das vitimas. Nesse ponto, dest dhuas posigdes bastante diferenciadns, De um lado, as entrevistas fe 4S com a assistente social ¢ juiz transpare- cem uma preacupacao primeira com o risco de novas agressées ¢ a prote das mulheres. Ao falar sobre as vitimas, ao invés de classificd-las ou de descre- ve-las, ambas as falas se voltam a casos concretos ¢ a possibilidades de inter- 0 judicial no cenario de violencia. ven¢ Por outro lado, postura opo: surge no trecho da entrevista da promotora de justica na qual alirma existir dois grupos de mulheres: as “subjugadas” e as “empoderadas”. Em suas palavras, aquela se define pela condicéo de “subjuga- cio total”, esta, em oposicdo, exerce papel da vitima que nao precisa “de mais nada para decidir 0 que cla quer da vida dela”, Tal classificagao, segundo a entrevistada, pode ser realizada com base na palavra da vitima em analise conjunta com os pareceres psicossociais aptos a “avaliar a pessoa” e suas “condicoes de decisio”. Conseguir discernir entre mu- Theres que podem decidir e outras que nao podem possui “efeito importante”, na pratica judicial, como se nota no trecho da entrevista destacado a seguir: Isso tem um efeito importante, eu tenho ela [a palavra da vitima] como uma referéncia muito importante. Claro que vocé vai avaliar a pessoa também e as condicdes dela de decisto. Porque as vezes a situacdo € de a que a pes- soa esti totalmente subjugada, vocé percebe que ela tem uma subjugacdo total ¢ af vocé nao vai levar em considera¢ao da mesma maneira que uma mulher que jé chega empoderada na sua frente e voce percebe que ela esta empoderada que nao precisa de mais nada para decidir o que ela quer da vida dela, Mas isso realmente € uma coisa que é no dia a dia, no contato, na aproximagio, na conversa. ‘Apesar de haver na fala destacada interesse em mergulhar nas demandas das vitimas frente aos processos, tal qual sugere Larrauri (2003), a classifica- ¢4o dual proposta, entre mulheres empoderadas e subjugadas, apaga diversas nuances préprias da realidade dinamica das relagées sociais nas quais elas se encontram imersas. Nesse mesmo sentido, esse binarismo limitante impede 0 reconhecimento de uma série de constrangimentos ao exercicio da tal condi- do de “poder decidir’. Nas sociedades modernas a aptidao para tomar decisoes € a caracteristica que demarca a propria condigao de quem ¢ capaz de ser sujeito. No liberalis- mo, tal capacidade € garantida, a principio, por dois pilates. © primeito refle- te-se pela oposigao entre individuo e sociedade; o segundo, pela eliminagio de coergdes sobre a agéncia do individuo sobre si mesmo (BIROLI, 2013b). Praoo, Camila Cardoso de Mello; Cos, Renata Cristina de Faia Gongalves. Aemergéncia da vitima na oll asta una etnograi sobre soffit eo Ener, Revista Brasilia de CiénciosCrminais. vol. 146. no 26. p. 87-80. So Paulo: Ed. RT, agosto 2018. Digitalizado com CamScanner 70 © RBCCam 146 Revista Brasiier ve Ci iam alguns limites a eceq Contudo, as teorias fermi Visio, jy liberal NA CONCEPCAD, Inelugire ian refere: ridge Tid Mat Cla. Ng anteriormente a0 olhar sobre ayy. nos voltar at formato das preferencl : ia. esentes Ha concretude de 4 € pre a aug 00 descartar a importancia do pensamnente! ga0 de direitos das mulheres. U™ ge ao 0 falta, no refe nccito de sujeito © a 7 ne tan teorico, de elaboragao no qv Derspectiva erica, iso significa aes 4 clades : > desigual Ss constrangimentos ¢ dos constrangim si) gs te nao so € € capaz de « pr, dev €0 individuo enquanto valor homia encarnada (BIRO! cr ao centro do debate ¢ traz » lee cfetivamente posstveis 580 pré-motg Pp _ cada sujeito. Por isso, para as teori, necessariamente, de f + de forma ynesino tempo, desigual (BIROLI, 2013a), formadores das preferencias nao se restringem a constran, Esses elementos fa ee obstaculos 0 medo, as fantasias, 05 desejos @ og gimentos sociais. oe em agoes socais, captados OW TAO Por Fepresenge inconscientes orn g, mas vivenciados em experiéncias emocionais e cog. ot Saree de cada ‘multiplicidade de posigdes que compoe um sujeitg nitivas portanto, dev referencias mente dadas O tema da antonomi: opodes ¢ a forma como as es social das pelas realidades ; i da autonomia se ree aptaa “ese ce-se, pore socialmen feministas o ideal = social, logo, imperfeita ¢, de se vistas qu fatores ( dade de od (MOORE, 2000, 2007; MACHADO, 2014a). ; ; ferind: Para isso, 0 conceito de sujeito singular, apartado da oe é insuf. como ciente para enxergar todas as dinamicas postas em questao. = porque ele ° nao permite ver os feixes de relacoes formadores dos sujeitos, bem como as pens: posicdes assumidas contextualmente em cada interacdo social (MOORE, 2007- Nas « STRATHERN, 2006). sobn Na perspectiva do direito penal moderno, com suas raizes na chamada Es lou cola Classica, a ideia de sujeito singular nao encontra amparo e, ao contrétio, “A © sujeito € considerado um individuo livre que escolhe o crime como meio de die rompimento do contrato social (ANDRADE, 1997). A oposicao entre indivi: a duo e sociedade é uma premissa dessa perspectiva liberal, assim como sua con: = Cepcao a torna incapaz para enxergar Z lis as preferéncias e decisées em meios aos Constrangimentos sociais e cognitivos Ja comentados. tdos0 de Melo; Cog cline domestica une Reh Movs Bosca Canepa is. roencia da vitima na Digitalizado com CamScanner Dossié especi "Géneno € Sistema Punstivo" n que nao s6 6 dona de sua propria vida, como também zela por sua identidade c € capaz de conduzi-la segundo seu proprio entendimento”, Portanto, a mesma concep¢ao de um sujeito constituido por uma autono- mia em sentido liberal, que esta presente na racionalidade penal moderna ¢ em suas raizes na Escola Classica, também encontra lugar em algumas solu- cdes criticas como aquela descrita por Hulsman (s.t.n,). Em outras palavras, da mesma forma como o criminoso “escolhe” delinquir, a vitima encontra-se apta a “escolher”, de forma livre, se arquiva ou néo um procedimento. Esque- ce-se, porém, dos medos, riscos, constrangimentos, expectativas e preleréncias socialmente informadas pelos marcadores sociais da desigualdade. Por outro lado, quando se coloca em cena a vitima “subjugada” ou incapaz de se autodeterminar, tal representagio dialoga com a ideia de sujeito doente que, diferente do conceito liberal de autonomia, aproxima-se das bases positi- vistas que 0 criminoso como “resultado previsivel e determinado por miltiplos fatores (biologicos, psicolégicos, fisicos e sociais) que conformam a personali- dade de uma minoria de individuos” (ANDRADE, 1997, p. 66). O determinismo do individuo doente afasta a andlise de sua vontade, trans- ferindo 0 enfoque a patologizacio e psicologizacao da pessoa, que se organiza como um duplo em oposicéo ao individuo capaz de autodeterminacao. O sujeito doente, incapaz de se autodeterminar, encontra conexdes com 0 pensamento sobre o criminoso produzido pela chamada de Escola Positiva. Nas cenas etnografadas, sua imagem — imbricada em representacdes de género sobre a vitima de violencia doméstica — transmuta-se para a figura da mulher “Jouca” ou “em subjugacdo total” (COSTA, 1983) Dalva,’ uma mulher de 44 anos, auxiliar de cozinha, negra, surge nas au- diéncias etnografadas como uma mulher autonoma, capaz de tomar suas pré- prias decisdes. © Boletim de Ocorréncia conta uma historia traduzida pelo campo juridico como flagrante de vias de fato ¢ injiria, No ato judicial em ana- lise, o didlogo assim se estabelece, conforme anotacées em caderno de campo: Ministerio Publico (MP): A senhora disse que o tinico contato que teve com cle foi semana passada. A sua patroa é que teve contato com ele. Dalva (D): s6 que ela ligou... MP: (interrompe a vitima) ele nao voltou além desse dia? 0, Em observancia ao compromisso ético do anonimato, todos os nomes utilizados no texto sao ficticios de forma a nao revelar a identidade das pessoas envolvidas na pes- quisa, Nesse mesmo sentido, 0s miimeros dos process0s nao sero expostos. Pranoo, Camila Cardoso de Mello; Cosa, Renata Cistna de Faria Goncalves. A emergéneia da vitima na violEncia doméstica: uma einograia sobre osujeit, o confito ¢ o géner. Revisto Brasileira de Ciencias Criminais vol. 146. ano 26. 57-90. Sao Paulo: E. RT, agosto 2018 Digitalizado com CamScanner 72 Revista Brasiteint D: nao. Jie Sst SIAN. enconaatn num bt nd og 5» etbstititto) MP: Ginterrompe 0 jt , », Novem. D> isso foi em outro temP4 vn jap A senor quer que @ gente continue joa essa ocorrenc MP: ¢ em relagao ae JS: essa do bar a e chamout ; o irmao dele me chit abe, Eu perguntei outra cois, D:o irma rome) earner a BOF ut ai ompe a vitim’ eee ee gente entre cont ‘outro proceso C rf nic a gente ae san oe aoe en va falar que vou entrar de férias € VOU para casa dos Dee i ag 0p ft vou de ves Een Fu nao sei Se OU Vl meus pais. Sao Luis. A I. Js: entdo a senhora nao sabe se val volta D: quando chegar Id eu ligo para minha patroa ¢ falo. JS: entio, de repente [...] te MP: — (interrompe o juiz substituto) - ta, mas eu quero saber da senhora. Quer que a gente processe igual os outros, quer que arquive considerando que a senhora vai embora [...] qual sua inten¢ao? D: por mim podia arquivar. [...]. (Processo “A”).. A promotora, repetindo uma pergunta frequente posta pelos profissionais do direito, indaga a vitima: “qual a sua intencao??°. Essa pergunta retoma a pretensdo da promotora, expressa em entrevista, de se valer da audiéncia para ouvir a vitima a fim de “avaliar a situacao real” conforme o “sentimento” da mulher envolvida, Contudo, sua propria for- mmulacéo ~ enquanto busca simplificada por Tespostas limitadas a “sim” ou ce ou “quero arquivar” — revela, como pano de fun- (STRATEN, a me entidades que precedem os relacionamentos” m prosseguir?” (Pro- (Proceso “D”). MP: “Se (Process “E> Digitalizado com CamScanner Dossit esreciat: "Géneno € Sistema Puninivo"” 73 te do problema encontrado nessa pergunta reside no fato de que, ad peito dessa concepeao de sujeito, 0 diteito ¢ “uma disciplina e uma pratica que precisam lidar com diferentes tipos de relacionamentos” (STRATHERN, 2015, p. 1X), Ou seja, apesar da necessidade de intervir © analisar relacaes sociais coneretas, a racionalidade juridica pressupde sujeitos de direito concebidos, em abstrato, como corpos cuyjas fronteiras sio definidas, sobretudo, a partir da capacidade de se autodeterminar (BIROLI, 2013a; DUMONT, 1985). Ao assim proceder os profissionais tendem a produzir uma série de ruidos ha traducao, escuta ¢ comunicagao com as vitimas. O primeiro deles tem co- mo consequéncia o esquecimento de que as mulheres nao estao perpassadas somente por constrangimentos advindos do ja mencionado leque de formacio de preferéncias, mas também pelas coercées exercidas pelos proprios agentes de Justica na ocasiao em que ocorre a audiéncia. Nesse ponto, chamam atengao as constantes interrupgoes que evidenciam desequilibrios no dislogo, ao mesmo tempo que simbolizam uma hierarquia entre quem detém o poder sobre os rumos do discurso e, portanto, é capaz de conduzi-lo nao ao que a vitima anseia em contar, mas a0 que os profissionais querem ~ ¢ pressionam para ~ que digam (OSTERMANN, 2008; SILVA, 2009). Aqui, destacam-se desde interrupgdes até tons de voz, os quais sugerem constrangimento e coercao. Segundo outra vitima entrevistada por nossa equi- Pe, “parecia assim que ela [a profissional] queria me obrigar: tira, tira. Eu senti isso. [...] Nao parece que te faz pressio?”. Em suas palavras, afirma: “Eu acho [a pergunta] sem futuro, né? Porque se eu trouxe para c4 € porque eu quero uma decisao”."" Nota-se que o rumo do didlogo, como destacado no trecho da audiéncia e na entrevista com uma das vitimas, é determinado por autoridades que, a des- peito de questionar a intenao da vitima, ndo deixam de ser ao mesmo tempo silenciadoras, seja por uma auséncia de reciprocidade e escuta sensivel, seja pelo uso de perguntas bindrias e simplistas ou por uma postura inapta a garan- tir expressdes de vontade menos tolhidas. Assim, o trecho transcrito retrata a incapacidade de, nesse ponto, conduzir os didlogos para desvelar as situagdes coneretas pelas quais passa a vitima no momento do arquivamento (CONTO, 2012). Em entrevista realizada com Dalva apés a audiéncia, foi possivel aprender camadas distintas daquelas exploradas em audiéncia, Em apenas 15 minutos LL. Nesse caso, em especifico, nao ha noticia, nos autos, de prévia manifestacdo da vitima no sentido do arquivamento do processo. Paance, Camila Cardaso de Mello; Cos, Renata Cristina de Faia Gongalves. Aemergencia da vtime na violéncia doméstica: uma etnografia sobre 0 sujeto, o conflto eo genero evista Brasileira de Cncias Criminais vol. 148. ano 26. p. 57-90. 40 Paulo: kd. RT, agosto 2018. Digitalizado com CamScanner = RECA 146 74° Rawsta Brasteina or Citwcins Cana 2018 108. Vita HOS COMO sq as advindas de u as de um pase ein agressiv0 AUF 8 apredia eg Pa jarnos porque cla deixaria sug rier mais uma das mulheres ASsasg, ¢ fala disti” de conversa, em ambiente ¢ local de il aaa jolacde vencia anterior em um contexto de ¥ de alcoolismo ¢ de ma, com um com ao pers goo med dade, a resposta troune consige & Meee : eo medo gen cende sobre 0 medo gendrificady ¢ y representacio do “medo pibliegs racializado ~ ¢ normalmente Hae TTT isco de nov seal € sobre as razoes da fuga : Senta pergnt “ual a su itencio? do cere i ee os e consttiCo favicas que circundam a vitima, que, de fato, conhecer os me audiéncia. inchusive dentro da propria audienc' quando esteve gestante. Ao final, ciarios dat hadas mostradas nos noticiarios d 1 se apre ada OMO se Nota, Pouce oun ; esto passa Por compreend, que o foco na expressiio do creole ‘ogo”. Assim, partindo do pressupos, rece, em vez de esclarecer, 0 que a 2 i a cragho 6, de fat, ums fore ad “Sn ar mrp ts ess © en, também na necessaria redugao da complexidade provocada Pelas Tespostas possveis, esumidas a “quero prosseguir”, ot “quero arquivar”. Tal analise nos parece essencial para compreender como pensar novas engenharias pro- cessuais, aptas a ouvir a vitima e inclui-la, em sua complexidade, no proces- so penal. Por outro lado, Gisele, em uma das audiéncias etnografadas, representa “a mulher subjugada”. A pergunta “qual a sua intencao?” ndo encontra espaco nos didlogos da audiéncia, os quais sto majoritariamente preenchidos por dis- Cursos voltados a patologizagao do sujeito, como se nota nos trechos que se- guem: (Oma comate, er gape Osseo, Asean V. NAFAVD? Foi atendida 14 falando que nao A emergéncia dau Digitalizado com CamScanner Dossié esreciat: “Genero € Sistema Puniivo” 75 G: Pui atendida no IESB. G.) MP: Eu estou perguntando isso porque estou vendo que a senhora pode pagar um atendimento psicolégico. Vinte ¢ dois anos de convivio? Estou vendo que hii questoes que precisam ser trabalhadas, depois de tantos anos de convivencia, a separacao deixa marcas, né? A gente precisa procurar aju- da para superar, né? E natural, nao é fraqueza. A gente quando tem questes mal resolvidas quem sofre mais somos nés, né? A senhora acabou de dizer que esta parada, esperando cle aparecer. Que a senhora esta presa num rela- cionamento que acabou. Para a senhora se libertar, para a senhora viver sua vida, continuar e ter uma perspectiva nova de futuro, isso é fundamental para a senhora ter condicées de ver isso, agora a senhora estd presa nesse proceso ‘emocional de dor, de magoa, de raiva, de varios sentimentos que estdo af e que precisam ser superados para partir para outra. Estou dizendo isso aqui pa- ra a senhora... sei que conselho a gente nao da... mas € uma questéo que parece bobagem, mas nao é. Quando a gente consegue resolver internamente uma situacdo, parece que as coisas se reorganizam ¢ se resolvem naturalmente E incrivel, parece milagroso. As coisas fluem, se reorganizam de forma mais suave. Tem que sair desse processo de estagnacao. Procure ajuda psicologica. (Proceso “F”). (grifos nossos) O medo surge, mais uma vez, como importante tépico na fala da vitima. Contudo, da mesma forma, ele é novamente ignorado. Nao ha centralidade so- bre o que a vitima narra, vivencia, sente ou deseja em relacéo ao processo ou a sua situacao perante o réu. Aqui a mulher ¢ desenhada como quem precisa de tutela, ov, nas palavras da promotora, “conselho”, “ajuda psicoldgica”. Nao se fala em autonomia para decidir os rumos do processo. A situacao na qual se encontra, pelo contrario, é narrada pela profissional como uma criagéo emocional na qual a propria viti- tna se aprisiona, sendo, portanto, algo a se “resolver internamente”. ‘Aatribuicao as mulheres de tarefas relativas a encargos emocionais ou o in- dicativo de imperativa ajuda profissional/psicologica, quando em verdade se esta diante de temas ligados 4 desigualdade e a necessidade de reconhecimento social (CAMPOS, 2012). Essa permanéncia se relaciona com amplo historico das normas médicas e familiares na construgao do que seria uma mulher “lou- ca”, “histérica” ou “nervosa” (COSTA, 1983). uandir Costa (1983, p. 273), a insatisfagdo femini- na ou “rompantes” quaisquer, especialmente aqueles contrarios a ideais tradi- cionais de familia e genero, so ocultados e convertidos em “desequilibrio ou perturbagdes mentais”. Assim, nesse cenario, os profissionais entendem ser Pranoo, Camila Cardoso de Mello; Costa Renata Cristina de Faria Gongalves. A emergéncia da vitima na *clencia domestica: uma etnografia sobre o ujeito, oconfito ¢ 0 género. avictn Ren en Paice Cimino’ vol 146. ano 26. p. 87-90. $80 Paulo: Ed RT, agosto 2018, Como bem recorda J Digitalizado com CamScanner / REVISTA BRASILEIRA DE Ciencias Criminals 2018 ° MOLE RIM I46) ftimo “ su nome, imediatamente” (14 legitimo “resolver o que € melhor em seu net ACH 2002, p. 14) » somos 16S” APONAM Nessa dipers Express6es como “quem mais sofre a ne Bs mam nes vitae g gar de quem € apta a ar. Porém mo uma tentativa de se colocar no lg! : ; ’ % a comunicacao isso, € necesstrio trocar a chave do diseurso para Uma € cacao que ¢ ~ pode ser traduzido, n as, 0 que pode ser t 8 palavras la quase tm encontro entre amig Herr 5 de Lia Zanotta Machado (2002), pela logica da lade que b éncia de proximide busca atin, Nesse sistema ¢ forjada uma apare I o| air Nesse sistem a ridade estabelece a uum consentimento da pessoa com quem a autoridade os valon ocultando uma “insidiosa hierarquia personalizada toa om dos Me cul. turais no Brasil”, Esse modelo de didlogo “marca a de isto esigual dla agen diante da denunciante. A aparente deciso consensua poe 60 eleito da ay. toridade da agente na producao de uma verdade, a qual a denunciante adere* (MACHADO, 2002, p. 15). A mesma estrutura aparece em outras audiéncias, como se pode ver: “yp. Eu estou vendo o seu lado, nao tenho nenhum interesse aqui nele. Minha preg. cupacao aqui € vocé”. (Processo “G”); “MP: Se a nossa intencao € te proteger, ai esta a minha maior preocupacdo, eu acho que € melhor recuar” (Processq “D”), “MP: eu levo muito em conta a palavra da pessoa, mesmo nao tendo lau- do, a sua vontade. A nossa preocupacdo é que vocé viva bem, sua paz de espi- rito, sua tranquilidade. Se é para viver com esse homem da forma que vocés encontrarem uma solucao, 0 importante é que seja em paz” (Processo “B”). Assim, nesse cendrio, como ocorre no caso de Gisele, 0 desejo da mulher “subordinada” quanto ao prosseguimento ou nao das investigacdes deixa de ser tematizado para ser substituido pela percepcao, vertical, dos profissionaisa respeito do que seria supostamente melhor para a vitima. Discutidos a luz das contribuigées feministas, esses dois opostos, repre- sentados por Dalva e Gisele em nosso primeiro achado etnografico, permi- tem problematizar algumas Perspectivas tedricas do direito que obstaculizam “ manutengao das importante: ont IS pres a ideia de individualida: lantes conquis quistas presentes n, i de, conciliando seus horizontes com 0 impacto das pessoas” (STRATHERN 2006; aon que a interacdo tem no intimo 0 confito B.57-90, San Dart EMerO Digitalizado com CamScanner Dossitesrecnat: "Guero € Sisrew Punmtvo” 77 Nesse cenario, a autonomia enquanto processo é possivel, A partir disso, tambem se tornam possivets vitimas imersas em nuances, contradicées e fissu- ras demarcadlas pelo genera, raga ¢ classe, mas nao uniformatadas ow determi- nadas por esses marcadores sociais da desigualdade, 4.2. Conflito pacificado, proceso arquivado ‘O segundo achado etnogralico dialoga com a tese emergente nas audiéncias da desnecessidade da pena ¢ do proceso penal em razio da pacificagao social. Nas cenas analisadas, tra se de tematica constante. Tal questao relaciona-se diretamente ao que a promotora, em entrevista, enuncia como sendo um dos pontos centrais das audiencias de ratificacdo. Em sua visio, busca-se garantir “que a solugao seja resolvida”, Em complemento, explica que para isso € ne- cessaria a *pacificagao” que, “na verdade, é a ideia de que aquela situacao esta superada” Quando questionada sobre como avalir, na pratica, se um conflito esta pa- cificado, a resposta se dew nos seguintes termos: Em primeito lugar com relagio ao sentimento da ofendida. Se ela entende que a medida que foi adotada foi suficiente para 0 cara parar de agredi-ta, eles estio separados, nao tem mais contato, tem muito tempo que nao tem contato com a pessoa, cada um seguiu sua vida, Ou eles voltaram a se rela- cionar e a situacio esti, aparentemente, sem nenhuma agressao |... Depen- de da situacio. O que se percebe, nas entrelinhas, € uma sobreposi¢do do conflito sobre 0 crime, onde o critério para definicao da necessidade ou nao do proceso passa pelo “sentimento da ofendida”, mas também se norteia pela auséncia de novas agressbes. Esse raciocinio € enunciado como uma aderéncia e materializagao, em conflitas domésticos, do repertorio penal minimalista proposto por Baratta (2004), da forma como foi apropriado pela promotora, Em sua visio, de forma sintética, caso nao exista mais conllito, desnecessaria a intervengao penal, si tuacdo essa a ser analisada com base na escuta da propria vitima. Sua inclinacdo € reafirmada quando, apesar de expor a seguinte frase — “ew matei de vez as minhas ilusées com relagao a sistema criminal” - ela também afirma que é “claro que a reacao € necesséria muitas vezes. A gente vai ter uma solucao punitiva, digamos assim, mas, via de regra, 0 que eu percebo é que nao €a solugdo”. A postura narrada parece se encontrar com a tese de Baratta (2004), pa- ra quem extrapolar esse minimo de intervengio necesséria representaria um Pinoa, Camila Cardoso de Mello; Cas, Renata Cristina de Faria Gongalves. Aemergénca da vtima na ‘viléncia doméstica: uma etnograia sobre o sujeto, o confit eo géner. evista Brasileira de CiénciasCriminois vo, 148, ano 26. p.$7-80. Sao Paulo: Ed RT, agosto 2018, Digitalizado com CamScanner 78 Revista Brasiierna pe Cis 0 pe peupact jolencia estatal a fim de, og nal teria como cleito o Bras rea anne : : Passo nao desejado na medida em a" 10 por tras do aletta ming vamento do conflito originarie: malista, nesses termos, € com a con les perpelt 4 pre¢ » da vi rencae stado violado sor um Fstac jador, das F plematizados por meio da any, Carla. O Boletim de Ocorrengig lesto corporal, vias de faig’ isso, controlar as arhitrariedad los sero pre uificacao de como scutidos CO! ise anos, trabalha Como recepcig. Os temas até aqui levanta se ctnografica da audiéneia de" fatos di 5 ne posstti 45 em seu proceso, tipifica 0s hho e seu marido. O local dos crimes, | | ameaga c injtiria, A vitima € branes 0 | os silo Sct nista ¢ cozinheira, Os agressores S40 a residéncia comm da familia A da venda de fatica narra uma discussao 4 respeito da venda de um carro g a fatica narra wma ] 1a pit posteriormente, da forma de uso de wma f A sequuénci ia na cozinha do lar. homens da casa e, por isso, seu marido quebrou sey far dae aes alo em sua boca. No dia seguinte, o filo ba. ri de dente provisorio ao bater com 0 inte, teu em seu braco ¢ disse “filha da puta, desgracada, some daqui, nos vamos tj rar voce daqui. O pai complementou: “Quem vai bater nessa vagabunda sou cx [...]". Como ato reflexo, Carla segurou uma faca em suas maos. Assim ces. saram as agressoes. A testemunha, filho mais novo da vitima, afirma ter pre. senciado diversas cenas no mesmo sentido. A audiéncia de ratificacao assim se seguiu: MP: Como é que esta la a situacdo, dona Carla? Carla (C): Depois que eu vim aqui fiz a dentinciz i oa q incia, ele saiu de casa, agora ele MP: voces se reconciliaram? C: sim, eu tenho outra familia N6s brigamas em intervalos e ficando assim [...] Meu casamento ja estava muito permissive, Poucos dias foi juntando tudo e minha casa fo; rata Choy nas Cimn MOgrafin wi O Faia Rana Digitalizado com CamScanner ai CD OSsté ESPECIAL: "GENERO E SisTeMA PuniTivo" 79 A leitura realizada pela representante lo Ministério Publico, em consonan cia com os repertdrios entunciados em entrevista, 20 vislumbrar a pacificagao no caso de Carla, em seguida, requer 0 arquivamento do feito, Em sua visdo a desnecessitio o processo penal, uma vez que o agressor conseguiu ay emprego, mostrow-se envergonhado ¢ pediu desculpas para.a familia da vitime lestando, por fim, de volta ao lar. : Como conclusio, 0 MP afirma “a senhora esté casada ha trinta anos ¢ isso foi um caso isolado que aconteceu, ouvindo o seu pronunciamento, eu vejo aa € caso de arquivar”. Carla responde, com voz trémula, “foi o fim do mun- 0, foi o fim do mundo [...] eu convivo com ele ha 30 anos” (Processo “H”), Um abismo se abre entre as referidas falas. Vislumbrar as narrativas como um “fato isolado” demarca a distancia entre vitima e profissional, mas também demonstra tragos de uma faléncia da compreensao das dinamicas de género, afeto, emogdo, raga e classe imbricadas na dimensao do conflito doméstico e familiar. A incorporacao do “sentimento” de Carla ao processo deixa de lado suas experiéncias concretas, evitando a concretude de violéncias perpetradas dentro de um relacionamento de mais de 30 anos. A literatura feminista alerta que agressdes vivenciadas no contexto do lar dificilmente resultam de fatos isolados. As dinamicas advém de disputas desi- guais ¢ didrias responsveis por uma construgao gradual e cotidiana da violén- cia. Frequentemente as agressdes — na complexa situacao de se darem em meio aafeto, expectativas, dependéncia, amor e dor — impée as vitimas elevado grau de ofensividade (MACHADO, 2002), o qual dificilmente € percebido dentro do modelo da racionalidade penal moderna cuja gravidade do crime mede-se pela medida da pena (Pires, 2004). Tais descompassos e falhas na tradugao demonstram, antes de mais nada, a necessidade de problematizar, nesses cenarios, o raciocinio por tras da vincula- ¢4o entre a constatacao, pela profissional, de se tratar de mero “fato isolado” — a despeito do grau da narrada graduacdo e do grau de ofensividade vivenciado pela vitima —e a resolucao do conflito atingida por meio das desculpas feitas pe- lo marido e da reconciliacao do casal. Os vinculos assim expostos nos levam a problematizar, primeiramente, a propria nocdo de pacificacao ou resolugao do conflito analisado. Em sua materialidade contextual, a ideia de pacificagdo encontra-se im- pressa na construcdo social da “cordialidade brasileira” e na busca incessan- te por, a qualquer custo, encontrar uma suposta resolucdo apta a extirpar os conflitos. Essa tendéncia revela, em intimeros cendrios, ocultamentos mais do que superacdes, ao mesmo tempo que indica, em verdade, um retorno a for) - da “harmonia social”, cujo fundamento encontra-se permeado por hierarquias rgéneia da vitima na Pranic, Camila Cardoso de Melio; Costa Renata Cristina de Faria Gongalves. A emerg 2. Cama gna domestica umn etnograia sobre o suet, ocorfito «0 Fe Revista Brasileira de Ciencias Criminais. vol. 146. ano 26. p. $7-80. Sao Paulo: Ed. RI, agosto Digitalizado com CamScanner Jas na ocasiao da irrup hold UM co, » enfrentadas 1 alterar significatiy; adas ou nao entreniaeay TT aflito, alterar significativas got por mei¢ 4 nao problemat to. Assim, a oportunidade de, vada, pois. afinal, encom F Je ser ent 7 na tras hierargaeas de pode, dest de oT 2008) a “pacificagao” (DA MATTA, 1997 ; a, aparecem como renao a vitima, af um \ olucao do conflito & le a Daca rrido esvazia a necessidage As desculpas, direcionadas af See dette mento central de restauragio, wma Te lo. 0 060 ; em entao rompida, Tod + avaliacao da le cagao de uma ordem entio rom] _conforme avaliacio da profs encom ; onflito ja se encom apuragao penal pois o conllito j dircito, restaurado ledatles oct nal de direito, restav 1s nas sociedades ocidentas,«. am as mulheres € meninas es fam as, imersa osculps -se, poreém, que as desct r Oeulta-se, porem, q implic c s domesticos, pecialmente em conflitos de Ce de, com isso, restaur car rela iares romp . i. correlato dever de perdoar ¢ P Jas (STUBBS, 2007). . : * 5 ‘ae desse ideal hegeménico sobre a ae juleameng advindos do afastamento de esterestipos de genero pcs cme “onan tos conjugais tradicionais (PETRUCCI, 2002 apud S Perea OF iss0, aceitagao da desculpa como forma de resolucdo judicia © “pacificacao” de um conflito familiar pode significar a confirmacao de “expectativas dos papeis & género de que as mulheres vitimas devem perdoar” (STUBBS, 2007, p. 178), De outro lado, os estudos sobre violéncia doméstica ja alertam quanto 4 possibilidade de as desculpas serem uma forma de controle dos agressores 8a bre as mulheres ou, ainda, uma pausa, dentro do ciclo da violencia, Para um retorno de agresses ainda mais graves. O recurso a resolugao do contflito — preenchida por TepresentacOes sociais de género - como argumento apto a justilicar o arquivamento assume. ainda, outras roupagens nos dramas sociais etnografados. Em diversas audiéncias = Socla-se, a constatacao da pacificacdo, também a necessidade de arquivamento Para evitar maiores desgastes e desprotecao a Propria vitima. 5? " - (Processo “1"), i icada. Caso de ea Conse a fling” (p UENCia, se a senhora alega alias” (Process ‘”), Prosseguimento [...] 4 : "Renata Cristi uma istina de Far; nan AH sobre g an @ Goncalves, VOI. 146, ann 9 SUilto,o passe” MENENCia da vitima wa Digitalizado com CamScanner Dossié especiat: "Genero & Sistema Punmivo" 81 “MP: Sea sitwagao esta pacificada, € melhor [arquivar]. tr responder proces- so, pode até trazer ele de volta para a sua E melhor para a senhoraa sua tranquilidade ¢ paz” (Processo “K”) Como visto, o arquivamento, nas palavras da promotora de justica e do juiz substituto, surge como pega para manuter taro agravamento do conflito ou experié mesma forma, un io de uma suposta “paz” ¢ para evi- neias de revitimizacao. Contudo, da scrie de representacdes tradicionais de género encontram- Se ocultas nas estruturas discursivas destacadas, Uma delas corresponde ao padrao social no qual mulheres devem proteger- “Se ¢ evitarem, a qualquer custo, a violencia da qual s nessa logica, sio desresponsabilizados, pois cabe a mulher no “provocar” agressOes ¢ ser “estratégica” para evitar, assim, o acirramento de animos do ca- sal (ANDRADE, 2007). Nota-se, ainda, em suas falas, a inevitabilidade da construcao do processo enquanto vivéncia de dor, agravamento de contflitos e exposicao a revitimiza- Ao perpetrada, nessa instancia, pelo proprio Judiciario. Inexistem fissuras, em suas falas, aptas a ouvir as vitimas e compreender, para elas, 0 que 0 processo significa. 10 vitimas. Os homens, Nesse cenério, ¢ interessante notar como as premissas do arquivamento do proceso para evitar a dor se aproximam de conclusoes desenhadas por crimi- nologias criticas voltadas a andlise dos custos sociais e individuais de proces- sos penais. Nesse sentido ¢ a analise de Baratta (2004, p. 632) quando expoe que “a violencia penal pode agravar e reproduzir os conflitos nas areas especi- ficas em que aquela intervém”. Outros estudos na area da criminologia critica também se posicionam na mesma linha para a qual o sistema criminal nao s6 agrava os conflitos, mas também gera a revitimizacao das mulheres (ANDRADE, 2007; MELLO, 2015). De fato, a violéncia institucional é, sem chividas, uma realidade constatada em diversas pesquisas. Ocorre que as conclusdes diagnosticadas em alguns es- tudos criminol6gicos criticos aparecem como tinica realidade possivel - uni- formatada, imune as fissuras e rizomas do real (DERRIDA, 2010; DELEUZE, GUATARRI, 1995) — ou mesmo como uma verdade que pode coincidir com uma postura antiestatal, apta a aprofundar, a seu modo, violéncias de genero e desigualdades, seja pela reprivatizacao dos conflitos domésticos, seja pela coa- ¢40 ao arquivamento. A andllise das estratégias discursivas que permeiam 0 arquivamento em ra- Zio da pacificacao do confflito, da desnecessidade da pena ou da protecdo das proprias vitimas contra a violéncia — institucional ou doméstica -, como visto, Paanoo, Camila Cardoso de Mello; Cos, Renata Cristina de Faria Gongalves. A emergéncia da vitima na vilercia domestics uma etoarafa sobre o suet o Conti to Enero. Revista Brasileira de Ciéncias Criminais vol. 148. ano 26. p. §7-80. Sao Paulo: Ed. RT, agosto 2018. Digitalizado com CamScanner mas tambM SC ENCONgs ; enero responsa yectivas " “de genero TESPONSAVeig possui conexdes com pers? rs soci esentacoe permeadas por rept eu permeadas | r se canceitOS jos einograficos, UMA Teoriens dar substincia a ess esses al F dos Estudos de Ge r vecim, no comiexto < Socials que informam es Propae-se, ass ges das is ¢ penais ‘am gao = a partir das contrib igs proces ge desdobrara no topjg, roe do dee 38 eats Ea cua 0 de ratificac’ decisdes ¢ audignicias ¢ seguinte . « yin EMPODERADA, wycin INSTITUCIONAL: viTiMa : 5, A REINSCRIGAO DA VOLE \iTiMA SUBJUGADA E A PA da vitima na engenh 1a, como enw ra. o debate com aria processual das audiéncias de ratificg. neiado ao inicio deste trabalho, pode nog Acmergencia = as teorias criticas criminolégicas cao na Lei Maria da Penh servir como uma abertura pa vena. com as teorias do direito p' Qs estudos criticos criminologicos, desde sua leitura_macroestrutural, quando banalizados, produzem homologias entre os sistemas politicos/econg. micos e o sistema de justia criminal, atribuindo indistintamente aos primeiros. os efeitos da reproducao da desigualdade e da produgao da violéncia estrutural ¢ institucional. No entanto, apontamos por meio dos nossos achados de pes. | quisa a necessidade de compreender os sistemas de justica criminal e 0 direito, em especifico, como campos de autonomia relativa (BOURDIEU, 2007). Ainda assim, seguimos advertidas por Bourdieu para, ao criticarmos as ho- ‘mologias produzidas pelo campo da critica, que as torna incapazes de capturar praticas e inovacdes do campo, nao venhamos a recai i : ' ‘air no erro de w i nominalista. Segundo Bourdieu (2007, p. 239) me Nos 0S que Pray ti Ont Sek de Melo 20 isto Rn 8 omens C5, Renan compreendem cam Digitalizado com CamScanner Dossié especiat: "Genero & Sistema Punmtrvo" 83 uma mimes dos mpos sociais ¢ politicos. De outro, os que apostam no di- Teito como o higar ce onde se transforma o mundo sem tomar em consideracao 6s limites de sua autonomia ¢ “o conjunto das relagé objetivas entre o campo juridico [...] eo campo do poder e, por meio dele, 0 campo social no seu con- junto” (BOURDIEU, 2007, p. 241). O campo criminolo; mulher ao longo d O olhar de pesqui gico critico tem reproduzido a tese da revitimizacao da lo processo em razio da reprodugao dos valores patriarcais, que, no entanto, se recuse a compreender as dinamicas e os modos como a revitimizagio se apresenta ao longo «lo processo tendem a inversamente produzir dois efeitos: a desresponsabilizacao dos agentes e das instituicdes do sistema de justica, bem como a propria invisibilidade do modo como se produz a violencia institucional, Ao analisarmos em profundidade os casos etnografados observamos que as intervencdes de profissionais do direito a0 longo das audiéncias produzi- ram modos préprios de silenciamento da vitima e de reproducao da hierarquia de genero. Os modos como as perguntas, as interrupcdes, 0 uso do proceso © as representacdes dos profissionais repercutiram em um alto ntimero de ar- quivamento de processos nos sugerem que a reproducao da desigualdade e da tevitimizacao obedecem a dinamicas proprias que séo de responsabilidade de instituicdes do sistema de justica criminal. O que, diante de um compromis- so de democratizacao dos sistemas de justica, sio achados que podem orientar politicas institucionais e dialogar com outros modos de intervencao ao longo do processo, evitando assim uma teificagao da critica. A preocupacao que se originou em relacdo ao alto numero de arquivamen- tos nao nos coloca, de outro modo, ao lado da reinvindicacao de um direito penal que cumpra com suas fungées declaradas de prevencao e retribuicao em defesa da sociedade. No entanto, ao nos encontrarmos com a complexidade da engenharia processual proposta pela Lei Maria da Penha, podemos compreen- der que o fim do processo com 0 arquivamento produz outros efeitos para além da auséncia de julgamento, condenacao e pena, conforme as conexdes natura- lizadas pela racionalidade penal moderna (PIRES, 2004). Diante de uma tragica politica de equipamentos publicos de atendimento a mulheres vitimas de violéncia, ao longo do processo iniciado com o Bole- tim de Ocorréncia, as mulheres acessaram, ainda que precariamente, servi- 0s ptiblicos (como os atendimentos multidisciplinares) ou intervencdes do direito (tais como as medidas cautelares inominadas e medidas civis), que € certo, sao também objeto de criticas e discussées. O fim do processo, no en- tanto, indica no mais das vezes o encerramento do acesso da mulher as poli- ticas de Estado. Pranoo, Camila Cardoso de Mello; Costa Renata Cristina de Faria Gongalves. A emergéncia da vitima na vvioléncia doméstica: uma etnografia sabre o sujeito, o conflto eo género, si Revista Brasileira de Ciéncias Criminais. vol. 148. ano 26. p. 7-90. Sao Paulo: Ed. RT, agosto 201 Digitalizado com CamScanner . IS Bb 84 Revista Brasiterra oe Ciencias Criminars 201 dade para fugir da morte depo, que apenas uma andlise que toa Mya de justica pode evitar que +6 de mudar de ¢ ndemos jo do sis! 1 violé| Dalva declara que preten arquivado 0 processo. Dat depree ac! ncia institucional do sister, a em conta a complexidade da at is violencia institucion a Mal aulheres diante da nome da defesa das 1 Ce ene al, nao se produza inve! justica crimina reforco de desigualdades. vedo alrtto, os achados dess om as teork est De otra parte, no debate com veveion e de a te De outta partes He sussto SODTC OS veitos ce pessoa ¢ de AUtOnOMIa Gye lo nos remetem a discussao $ ae atiaea do nos remetem a di oe as Fepresemtacoes € AUUACEES dos pg fundam os debates penais. Com prese' andicneias parrem de wma fissionais do direito as val co determini Fa de pelviitl sob um psa HDCTaT © 0 determinismo advindo dq eee iltima representacao se relaciona com 5 cao das mulheres. S es ¢ relaciona idcias criminologicas da Escola Positiva, # primeira ¢ tributaria da ideia de ay. ean uso pelas tcorias do direito penal. tonomia individua No direito penal, os debates dogmaticos sobre a vitima no campo da fi. picidade, por meio da andlise da auto € heterocolocagao em perigo (ROXIN, 5902), bem como os debates sobre paternalismo juridico-penal direto e indire. to se vem diante do fundamento do conceito de autonomia da pessoa humana _ desde uma perspectiva liberal. Quando institutos penais se encontram coma necessidade de enfrentarem 9 fundamento de pessoa humana que os subsidia, os debates costumam se anta- gonizar sob uma perspectiva comum de autonomia que nao se organiza a partir de um contexto de constrigdes socialmente situadas e poder de agéncia. Pre- valece, ao contrario, a perspectiva de uma autonomia atomizada e desencar- nada que esbarra, no duplo oposto, em ideias de incapacidade ou perturbacao psicologica, tais como “propensoes irracionais, deficiéncias na cognicdo cat lore ae ‘gnorancia inevitavel ou evitavel” (DWORKIN, 2009, . uridade, enfermidade mental, pressa i sagele sobrearga emecional” (SCHUNEMANN, 2009, p. 65). Pee dualidade que transita ey, patolog arafiasokecs atid Gonaives Chiming a — 15. V0 146, Suto, o conta ¢™eTGENCia da vitima na Digitalizado com CamScanner Dossié especial: “GéNeRO & SisteMA Punitivo” 85 abstratamente livres de constricdes ow das mulher mesma lentes, que er 's loucas ¢ incapazes. Essas m1 conceitos de autonomia do direito penal e repre- sentagoes de género, tendem a traduzir, sob a ética familista, 0 conflito no qual as vitimas estao inserida Se o conflito, sob aquela lente, interpretado como uma desarmonia nos arranjos familiares hegem@nicos, 0 aceno em audiéncia de que de algum modo esses arTanjos Se recompuseram promove um estranho uso da ret6rica critica das politicas minimalistas A estratégia minimalista da solucao de conflito e da desnecessidade da in- tervencdo penal, proposta por Baratta (2004), materializada e apropriada no caso de Carla, preenche-se por valores patriarcais familistas responsaveis por reificar padroes de género. Desse modo, a proposta barattiana que tem origi- nalmente o objetivo de limitar a violencia estatal torna-se ela mesma, no uso da cena etnografada, o suporte dessa violencia, ao promover, de um lado, a despo- litizagao do conflito fundado em suas dimensoes de género e, de outro, a repri- vatizacao desse mesmo conflito reenviado a esfera doméstica. 6. CONSIDERACOES FINAIS A encenacao dos dramas vividos nas audiéncias de ratificagao apontou pa- ra modos de intervencao dos profissionais do direito que obstaculizaram a in- clusao das vitimas no processo, bem como promoveram um alto mimero de arquivamentos. Em parte, tais dramas estiveram envolvidos pelas representacdes dos atores do direito em torno da articulacdo entre teorias penais e criminoldgicas e re- presentacdes de género que, a seu modo, reinscreveram dinamicas de violencia institucional no sistema de justica. As representac6es dualistas sobre mulheres subjugadas ¢ mulheres empo- deradas se articulam com perspectivas da autonomia individual no campo das teorias penais. A ideia de uma autonomia desencarnada supostamente ence- nada por um sujeito atomizado promove o silenciamento e a incapacidade de escuta das vitimas que, a0 contrario, est4o encarnadas em suas formas de agén- cias imperfeitas e producao de preferéncias nas interagées sociais socialmente desiguais. As escutas sobre 0 medo, os afetos ¢ as expectativas das mulheres também sao interditadas pela representacao dos atores que condicionam a ca- pacidade de decidir 4 autonomia individual desencarnada e as representagdes patologizantes de género. Por sua vez, a ideia de desnecessidade do processo fundada tanto na “pa- cificagao do conflito”, entendida como a reorganiza¢ao do arranjo familiar Piano, Camila Cardoso de Mello; Costa, Renata Cristina de Faria Gongalves. A emergéncia da vitima na ‘violencia domestica: uma etnografia sobre o sujeito, 0 confito e o género. evista Brasileira de Ciéncias Criminais, vol. 146, ano 26. p. 57-80. S40 Paulo: Ed. RT, agosto 2018. Digitalizado com CamScanner pilidade da tevitimizagy, 1 evitabl ompreensag ), quant¢ impede a cc e > exercicio do perdao, 4 ro que . ou as exert prodnzem a ete cse modo, tamben i mulher, tambem proc og de gene te, SEM reprodys: eas lentes wais que, ue litizacao do conflito desde vacses proc ' terditam escutas © possiveis in ualificd are » acolhimento publicg 4& a. possam q! racionalidade penal moderna, | quele conflito. s estudos de gener 10 didloge com 0: J am ao dia njetivo de promover conversaay leorias criticas ¢ as teorias pena azo, entre aS clencas ee ° © 4 Prody medio pre ntro com a empiria, Nesse caminy : we em deslocamentos das teorias do : corias criticas, Com vistas 4 Tea. encaminhari Tais achados nos encam farcemtore ver agendas possiveis, em curto ¢ ore tedrica ¢ dogmatica do dire Re Permite-nos avancar, ainda que lent Ley direito © dogmaticas, hem como das | ‘a0 de direitos. é LIOGRAFICAS : . Ressivons . ina Pereira de. 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