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8, MARXE A CRITICA DA IDEOLOGIA Karl Marx (1818-83) nasceu em Trier, na regiao do Reno, na Alemanha, de familia de origem judaica. Estudou Direito na Universidade de Bonn e doutorou-se (1841) em filosofia na Universidade de Berlim, com uma tese sobre a diferenga entre as filosofias da natureza de Demécrito e de Epicuro, fildsofos materialistas da Antigiii- dade. Em Berlim, entrou em contato com os discipulos de Hegel conhecidos como “jovens hegelianos”, ou “hegelianos de esquerda” (ver 111.7.D). Logo em seguida, tomou conhecimento dos socialistas utépicos franceses como Proudhon e Fouriere, em 1844, foi para Paris, onde conheceu Friedrich Engels, seu amigo e colaborador de toda a vida, ¢ leu a obra do socialista Saint-Simon (1760-1825). Por problemas politicos, teve de se transferir de Paris para Bruxelas. Em 1847 fundou com Engels 0 Partido, ou Liga (Bund), Comunista, cujo programa publicaram em 1848, 0 Manifesto do Partido Comunista. Perseguido, exilou-se em Londres, onde viveu 0 resto de sua vida escrevendo na Biblioteca do Museu Briténico, tendo em 1864 participado da organizagao da! Internacional dos trabalhadores. Marx nao foi estritamente um fildsofo, embora tenha uma obra filoséfica impo tante; sua filosofia, bem como suas idéias revolucionarias, foram forgas tedricas & politicas fundamentais do séc.xx. Historiador, cientista politico, socidlogo, econ mista, jornalista, ativista politico e revolucionario, além de filésofo, Marx via su obra superando os limites estritos e os rumos tradicionais da filosofia tedrica mod” ee ee eee ate Manuscritos bie Sil io “ificos de 184, trabalhos me int it mat 5 © 0 capital (1876), uma d ees de 1844, a Critica da economia polite eal Como jornalista, escreveu emi versos pe cacbres © ales a2 Peco vtucion™ ros durante toda aera iversos periddicos e revisias socialistas er agra Jamilia (1845), em que ae m filosofia suas obras principals foram -eolos + os hegelianos e sua filosofia especulativa, 4 ~ ye alema (1845-46), que comentaremos adiante, eA miséria da filosofia (1 ga7),em4 ataca o socialismo utépico de Proudhon. SEAS ee LAAT en “a A. Marx fildsofo: a radicalizagao da critica Embora Marx considere a filosofia teérica da tradigdo como uma simples forma de idealismo, Yesvincutada da realidade social Goncreta €, nesse § imples forma d wad Z ntido, inutil — como} — dig na faniosa"X7 Tee Sobre Feuerbach”; “Os fildsofos se limitaram a interpretaro_ | muiido de diferentes maiieiras; 0 que importa € transformé-to'|—, podemos situar sei proprio pénsimento como parte'da tradi¢ao moderna da filosofia critica. _ Nos capitulos anteriores sobre Descartes, Kant e Hegel, procuramos tragar um determinado itinerario de desenvolvimento da idéia de critica no pensamento moder- no. No inicio da modernidade, a critica consistia na necessidade de examinar o préprio processo de conhecimento para evitar os erros ¢ ilusdes das antigas filosofias e teorias pseudocientificas, combatendo os preconceitos, as superstigdes, 0 falso sa- ber, Fildsofos como Descartes e Bacon preocupam-se, como mostramos, com as ilu- sdes da consciéncia com a importanicia dé se encontrar um método que as evitasse. Em Bacon temos 0 método experimental, a observagao da natureza. | Em Descartes, oracionalismo subjetivista que encontra os critérios de certezana propria subjetivida- de. O individuo torna-se assim o ponto de partida da critica, aquele que julga ¢ avalia_ as pretensdes ao conhecimento e que decide sobre sua legitimidade. Com a perda de autoridade da Igreja, devido as lutas da Reforma e da Contra-Reforma, ¢ coma perda de credibilidade da ciéncia antiga devido 4 revolugao cientifica, o individuo passa a ser entio a tinica autoridade digna de crédito. A experiéncia individual para os em= piristas e a razio natural para os racionalistas passam a cumprir este novo papel, antes atribuido as escolas filoséficas, as teorias classicas, 4 tradico. A filosofia de Kant procede na mesma linha, elaborando e desenvolvendo o proprio conceito de critica fomo “0 tribunal da razio”. Também em Kant é 0 sujeito — agora considerado “cujeito transcendental”, a estrutura universal da subjetividade — que desempenha este papel. Estabelecido o modelo de conhecimento que Kant formula, uma pretensio_ ao conhecimento ser4 legitima na medida em que estiver de acordo co odelo, que fornece assifii 68 critérios para a critica e a fundamentagtio do conhecimento. Algo andlogo sé da no campo do agir moral. Hegel talvez seja o primeiro a mudar os rumos dessa questio. Assim como Kant pretendeu radicalizar a concepgiio de critica dos empiristas € dos racionalistas, buscando superar a oposigdo entre ambos e estabelecer um principio ainda mais fundamental que 0 cogito ou a experiéncia, em seu caso o “sujeito transcendental”, Hegel igualmente faré uma critica a Kant, buscando, mais uma vez, radicalizar a critica e encontrar algo de mais fundamental, Para ele, trata-se agora da qu dio sobre, a origem e a formagio (Bildung) da consciéncia através de um processo histrico. $6 através de uma consideragao da histéria, da niarcha do Esp! Zito para 0 Absoltito e a Liberdade, pode, de fato, a filosofia ser radicalmente critica. HegeLrompe assim definitivamente com o privilégio da individualidade eda subjetividade..Na primeit a fase do pensamento moderna,.g individuo concebido. 10, dotade de. Uma. razio natural, ou da capacidade de ter experiéncias, & visto como auténomo € origifiario’ exataritente porque 6 dessa maneita sé pode réjeitar a auitoridade Tis titucional, a cultura ¢'a tradigio, Vistas como lugar do erto e da incerteza, Hegel 28 INICIACAO A HISTORIA DA FILOSOFTA mostra, por meio da consideracao dahistoricidade d{consciéneia indivi rsrpeeivel-sendo pura mgeniidade tentar considerar.o individuo como dey ; ey 880 lado da tradigio, da cultura e da sociedade a que inevitavelmente, pettenee. “To consciéncia € consciéncia de seu tempo. A consciéneia individual — que se vé g nt a — “omo separada ¢ até mesmo em oposigao as outras consciéncias = € uma conscién alienada, Trata-se na verdade de mais uma forma de ilusio. Portanto, as primeins tentativas de constituir uma teoria critica pelos modernos foram em vao. A ottig, e contrario, supée a visdo do proprio processo de formagao da consciéncia, a inter. taco do sentido da historia, que, olhando para o passado, pode compreender opresente como resultado desse processo €, assim, ver 0 futuro, apreendendo a totalidade, Podemos situar o pensamento de Marx precisamente nessa linha que se inaugura a de um método filos6fico para combater ay no inicio damodernidade, com ad jlusdes da consciéncia e assim libertar 0 homem. Marx pode ser visto, ports, também como um filosofo critico, que procura radicalizar ainda mais 0 projeto de critica da modernidade, Assim como Hegel criticou Kant por nao considera-lo sufi- cicnteniehte THTICS, Marx, igualmente, criticara Hegel por nao considerd-lo tampou- co suficientemente critico. A critica de Marx a Hegel e aos hegelianos diz respeito jmentalmente a sew ¥dealismo, A interpretagao hegeliana do processo histérico e da formacdo da conscigiicia restringe-se ao plano das idéias ¢ Tepresentagoes, do saber e da cultura, nao levando em conta as bases materiais da sociedade em que este ‘saber'é esta cultura sao produzidos e em que a consciéncia individual ¢ formada, Por issoy esse exame critico nao é suficientemente radical, nado chegando a examinar as_ causas liltimas, OSpressupostos mais fundamentais. Segundo aanilise de J. Habermas (ver lil. 78), Hegel teria, em suas Ligdes de Iena, levado em conta trés dimensdes da formagiio da consciéncia: a vida moral, as formas de simbolizagao (linguagem) eu trabalho, sendo que Marx viria a privilegiar o trabalho como a mais fundamental O proprio Marx diz que seu objetivo é “inverter o homem de Hegel”, que tem 0s pés na terra e a cabeca nas nuvens, mostrando que sua cabega, isto é, suas idéias sio determinadas pela “terra”, ou seja, pelas condigdes materiais de sua vida. A consciéa” cia que é considerada livre ¢ autodeterminada passa a ser vista como condicionad pelo trabalho. Hegel, ao contrrio de Kant, j4 admitia o conhecimento como soit mente determinado, existindo formas de consciéncia que correspondem a momentes historicos determinados, $6 a partir da consideragio da totalidade pode-se 7 ; reconstrugio dessas diferentes formas. A alienagio consiste em uma ‘visao parcial partir de uma tnica forma, ou de um tnico momento. Isto, no entanto, s°U ndo ME é ainda manter-se exclusivamente no plano das idéias ¢ da cultura, 0.44 cou também em uma for de alienagao, ~ ° Minha pesquisa me levou & conclusio de que as relagdes legais ¢ aS formas polit poderiam ser explicada, seja por si mesmas seja como provenientes do ass" chs desenvolvimento geral da mente humana, mas que, ao contririo, elas s© origin st condigdes materais da vida ou da totalidade que Hegel, segundo 0 exemplo 405 Fd ores (..) do sée. xvi, engloba no termo “sociedade civil” (Contribuigde anit economia politica, 1859, apud Santos (1990, p.135-6]). A questo central da analise de Marx passa a ser portanto 0 trabalho, questao, alias, praticamente ausente da anilise dos fildsofos desde a Antigiiidade. O trabalho éumarelagao invariante entre aespécie humana e seu ambiente natural, uma perpétua necessidade natural da vida humana. Esse sistema de ago, instrumental, contingente, surge na evoluciio da espécie, mas condiciona nosso conhecimento da natureza 80 interesse nO po! sivel controle técnico dos processos naturais. O processo autoforma- tivo da especie humana é condicionado, 0 que vai contra a idéia hegeliana de um movimento do Absoluto. Depende assim de condigées contingentes da natureza. O. Espirito nao é, como queria Hegel, 0 fundamento absoluto da natureza, mas, a0" contririo, a natureza é 0 fundamento do “Espirito”, no sentido de um processo natural que da origem ao ser humano e ao meio ambiente em que vive. Ao reproduzira vida nessas condigdes naturais, a especie humana regula sua relagio material com @ natureza através do trabalho, constituindo assim 0 mundo em que existimos: As~ formas especificas segundoas quais a natureza é objetificada mudam historicamente, dependendo da organizagio social do trabalho. $6 temos acesso a natureza através de categorias que refletem a organizagio de nossa vida material. No processo de trabalho nio sé a natureza é alterada, mas o proprio homem que trabalha, nao havendo assim uma esséncia humana fixa. “A Historia € a verdadeira historia natural do homem”, diz Marx. Seu materialismo hist6rico, portanto, pretende ser uma teoria cientifica da historia. Marx analisa entéo os diferentes estagios, caracterizados através da nogio de “relagdes de produgao”, que levaram a humanidade, desde a sociedade primitiva, passando pela sociedade escravocrata e pela sociedade feudal, até a sociedade burguesa de sua época. Podemos considerar, de certa forma, a filosofia de Marx como uma “filosofia do fim da filosofia”. Isto quer dizer que a Filosofia, tal como concebida tradicionalmente, (_ esgotada e é incapaz de realizar efetivamente a criticaa qu propoe, Para Marx. a filosofia indica a necessidade da priti a Tevolucionitia, de “transformaro mundg”, | nas palavras da “xT ese sobre Feuerbach”, citada 3 acima. A analise filosofica | tradicional deve dar lugar assim a uma analise economica, politica, histérica, soci logica. E a reflexiio filoséfica teorica deve dar lugar a uma Pratica revolucionana transformadora, através de uma concepsiio de unidade entre teoria e pritica. hed B. A critica da ideologia A anilise critica da tradigio filosofica racionalista, sobretudo de Hegel e dos hegelianos, € encontrada principalmente no texto da Ldcologia alema de Marx € Engels, sendo que a nogio de ideologia ai definida tomou-se central no deseny olvi- mento da filosofia contemporinea € na definigdo mesma de uma teoria ¢ de um método critica, em todos os campos das ciéneias com mais detalhe essa nogio. Essa obra, publicada postumamente 5 cados “hegelianos de esquerda”, em especial L udwig Feu Stimer, procurando mostrar como esses fildsofos, embor sociedade da época € fitis aos ideais modemos ¢ dlumumist humanas € socias. Fxaminemos dedica-se auma cried daconcepedo filosofi- ; jerbach, Bruno Bauer e Max ase pretendendo criticos da as, se mantém dentro do

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