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| Assist énci a Social no Brasil: . ° cn a um Direito entre Originalidade| e Conservadorismo lH Ivanete Boschetti Digitalizado com CamScanner 0 campo da assisténcia social, que aparentemente existe para promover 0 bem, 6 na realidade, um jogo de interesses politicos, econémicos, pessoais que implica uma relagao complexa entre Estado e sociedade. A autora do presente livro, Ivanete Boschetti Ferreira, denomina esse campo “nebuloso” (Capitulo |) e, a0 longo de toda a obra, vem destringar ou desenredar 0s fios dessa politica. ‘A autora se propde a dificil tarefa de esclarecer a questo do financiamento ¢ da operacionalizagdo da Politica de Assisténcia Social, depois da promulgagéo da Lei Organica de Assisténcia Social de 1993, e, de maneira competente, faz uma completa varredura dos dados disponiveis no Executivo e no Legislativo. Esse é um trabalho inédito na 4rea da ssisténcia social econtribui para ‘a construgao de uma metodologia de pesquisa que abrange, de forma articulada, a andlise empirica, © aprofundamento tedrico @ 0 questionamento politico. Apesar da recorréncia permanente a dados quantitativos, @ leitura do texto é agradévele fluida. Creio que Wvanete, de quem me honro de ter sido professor € orientador, trouxe, neste estudo, uma contribuigéo significativa para pensarmos a questao da assisténcia social na sociedade brasileira. Muitos académicos e politicos ainda tem uma visdo economicista dessa problematica, seja a direita, pregando (até mesmo de forma fundamentalista) que o mercado pode incorporar @ resolver o problema daqueles que sao aljados do proprio mercado, soja & esquerda, propondo um modelo de crescimento que teria o efeito magico de criaro pleno emprego. 0 modelo desenvolvimentista, durante o pos-guerra, serviu para incorporar os trabalhadores rurais expulsos do campo no processo industrial urbano, mas hoje vemos @ alan de trabalhadores da _prépria indistria, sem uma absorgao dos smos pelos servigos, e sem a Digitalizado com CamScanner AssisTENcia Sociat no Brasit: um DirEtto ENTRE ORIGINALIDADE & CONSERVADORISMO Ew veo o futuro repetivr & Petwietelor Ew veo cea macgere de grandes noviuledes Digitalizado com CamScanner 2 0A 05, Biblioteca Contr | eg. n° S0OIIKS Wah es waren 1.04 20,00 Assisténcia Social no Brasil: / um Direito entre Originalidade e Conservadorismo Wanete Boschetti Capa: Femando de Castro Lopes Revisao: Rosa dos Anjos Oliveira Diagramagao: José Miguel dos Santos Nenhuma parte dessa obra pode ser reproduzida ou duplicada sem autorizagao expressa da autora @by Autora 3 6 y Le 1) Direitos para esta edigao: S 2360 Wvanete Boschetti a-chs (8 a | Grupo de Estudos e Pesquisas em Seguridade Sociale Trabalho-GESST Departamento de Servico Social - SER aa | Universidade de Brasilia - UnB Apoio: Coe Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnolégico 1? Edi¢ao - novembro 2001 -=22! Edieao - setembro 2003 Boschetti, Ivanete __ Assisténcia social no Brasil: um direito entre originalidade @ Conservadorismo / Ivanete Boschetti ~ 2. ed. Brasilia : Ivanete Boschetti, 2003. 298 p.: il; 21 cm, ISBN 85-902331-1-4 I. Titulo CDU: 364 (81) Digitalizado com CamScanner AGRADECIMENTOS, ___ arece dbvio dizer que um trabalho como o que aqui apresento nunca é solitario. Posso estar, como disse certa vez Carlos Drumonnd de Andrade, “repisando obviedades que toda gente sabe” (Jornal do Brasil, 9 jul. 1983). O que toda gente nao sabe, certamente, e merece ser registrado, 6 quem sao algumas pessoas que partilharam comigo o longo caminho que deu origem a este livro. Pessoas com quem aprendi, dividi reflexdes, construi idéias e ideais, de quem incorporei e também refutei opinides que marcaram minha trajetoria e ajudaram a construir meu percurso. O valor do trabalho e suas miltiplas faces - do prazer e do sofrimento - aprendi cedo, com meus batalhadores e incansaveis pais — Amélia e Olivo - que conseguiram mostrar as suas cinco filhas, que o sentido de justiga, de compartilhamento e de entrega se constrdi no dia-a-dia. Cumplicidade e companheirismo sem igual vivo até hoje com minhas manas, “gurias” confidentes. ‘A militancia no Centro Académico de Estudantes de Servico Social, onde acreditavamos fervorosamente que “um mais um é sempre mais que dois”, devo ao meu amigo Perci, com quem até hoje divido ideais. A incursées criticas no aparelho do Estado, onde descobri que as Contradigdes podem e devem ser exploradas e, ainda que elas nao mudem estruturalmente a sociedade, podem assegurar conquistas para os trabalhadores, foram encorajadas por Maria José Lanzetti, a quem agradego as primeiras orientagdes profissionais. A preocupagao com a precisao conceitual, o rigor tedrico- metodoldgico, o gosto pela investigago das politicas sociais foram em mim despertados pela professora e amiga Potyara Amazoneida P. Pereira, com quem tive o prazer (e 0 ganho) de realizar minha primeira pesquisa Digitalizado com CamScanner sobre assisténcia social no ambito do Nucleo de Estudos e Pesquisas em Politica Social (Neppos/Ceam/UnB), no inicio dos anos 90. Ao professor, orientador do mestrado e amigo Vicente de Paula Faleiros, um agradecimento especial por mostrar-me a importancia de perceber as correlagdes de forga e a dimensdo politica presentes na conformagao das politicas sociais, sem desconsiderar suas determinagdes econdmicas e estruturais. O meu olhar sobre a seguridade social e sua relac&o com 0 trabalho No capitalismo tentou incorporar as orientagGes sensiveis e seguras do professor Robert Castel no doutorado, para quem a compreensdo do passado é imprescindivel para ler e entender o presente. Aos colegas do Departamento de Servico Social da UnB, interlocutores cotidianos, com quem partilho amizade, mas também PreocupagGes tedricas e politicas pelo futuro da universidade pUblica e do ensino superior no Brasil. Um agradecimento carinhoso aos integrantes do Grupo de Estudos € Pesquisas em Seguridade Social e Trabalho (GESST), que participaram direta ou indiretamente, desta pesquisa, com quem dividi leituras, reflexdes, debates, tarefas e, sobretudo, companheirismo, em especial a professora Rosa Stein, as assistentes sociais Jucileide Ferreira, Adriane Tomazelli e Marlene de Jesus, ao economista Evilasio Salvador e suas preciosas incursdes pelos emaranhados dos bancos de dados, ¢ as bolsistas Tatyane de Camargo Aranha, Kariny Alves e Erika Rejane. Um reconhecimento especial a Sandra Oliveira Teixeira, bolsista de iniciagdo cientifica durante os quatro anos de duracdo da pesquisa, hoje mestranda, aluna inteligente e dedicada, cuja curiosidade e dedicagao académica indicam que um futuro brilhante se avizinha. Seu empenho e apoio foram fundamentais para realizar este trabalho. Um afago ao Cecéu, ciimplice de sempre, na ousadia dos projetos profissionais, na politica, no amor e na vida. Para finalizar, um agradecimento ao CNPq, por investir na pesquisa desde 1999 e, assim, possibilitar a produgao e socializagao deste livro. Digitalizado com CamScanner Sumario Lista de tabelas, graficos e quadros. 1 Lista de siglas e abreviaturas............ 17 Prefacio a Primeira EdiGdO ........0..ccccceeeee 23 Introdugdo 2 Segunda EdigaO ...........-:ccceeee 27 Introdugdo a Primeira Ediga0 ...........:0:cceceree 31 CarituLo 1 Assisténcia Social e Trabalho: Direitos (In)Compativeis? 4 44 1.1. Assisténcia Social e Trabalho: uma Antiga Tensao 1 2. Assisténcia na Seguridade Social: uma Unidade deContrarios 59 4.2.1. Previdéncia e Assisténcia: uma Justaposigao Classica 61 4.2.2. Seguridade Social Brasileira: entre Seguro e Assisténcia 69 \1.3. Assist@ncia como Direito Social: Dialética da Originaldade edo Conservadorismo 7 tow. —t& 1.3.1. Inovagdes Juridico-Conceituais no Ambito dos Direitos Assistenciais . 79 1.3.2, Natureza dos Direitos Implementados: Seletividade e 84 Focalizagao 1.3.3. Abrangéncia dos Direitos: Redugdo e Residualidade 96 Digitalizado com CamScanner Capituto 2 Recomposicao do Campo da Assisténcia Social: Centralizagao e Colaboragdo Vigiada ............... 2.1. Relagao entre as Esferas Governamental 2.2. Relacao entre Estado e Sociedade Civi 2.2.1. Relagdo entre Estado e Entidades Assistenciais: uma Colaboragao Vigiada 2.2.2. Relagdo entre Estado e Espagos de Controle Democratico: Papel e Atuagao do CNAS 2.3. rua do Poder Lagielaise no Processo de Implementagao da Loas .. 2.3.1. Projetos de Lei e Discursos Parlamentares Referentes a Assisténcia Social ....... 23.2. Atuagdo da Frente Parlamentar em Defesa da Assisténcia Social CarituLo 3 Financiamento e Gasto da Assisténcia Social: Pulverizagao e Regressividade . 3.1. Inovagées Jurfdico-Legais no Orgamento da Assisténcia Social 3.2. Pulverizacao e Dispersao dos Recursos Federais Destinados a Assisténcia Social 3.2.1. Gasto Federal com Assisténcia Social Segundo o Conceito Histérico. ape 3.2.2. Gasto Federal com Assisténcia Social Segundo Fungoes Tipicas 3.3. Financiamento e Magnitude do Orgamento do Fundo Nacional de Assisténcia Social 5 119 136 . 145 172 172 184 193 195 201 204 . 207 Digitalizado com CamScanner X 3.3.1. Fontes de Financiamento: Regressivas e Restritivas . 217 3.3.2. Magnitude dos Recursos do Fundo Nacional de Assisténcia Social 227 3.4. Aplicagdo dos Recursos do Fundo Nacional de Assisténcia Social wae 282 3.4.1. Destinagdo dos Recursos do FNAS: Concentragdo e Auséncia de Critérios 3.4.2. Recursos Marcados: Emendas Parlamentares no FNAS 252 232 Consideragdes Finais: Avangos e Desafios ..........+.-+++eeseseree Referéncias Bibliograficas ..............-cseseeeeeeetererseeeeeneees Digitalizado com CamScanner Assisréncia SOCIAL No BRASIL: uM Dineiro ett A ORIGINALIOADE € COMSERVADORISMO Lista DE TaseLas, Graricos € QuaoRos ————________ Tabelas 1. AgOes de Assisténcia Social Financiadas pelo Governo Federal no Periodo 1994-2002 .. 87 2 Numero de Beneficios de Prestacdo Continuada Assegurados por Modalidade e Ano ..... . oF 3. Pessoas com 67 Anos ou mais com Renda Domiciliar Per Capita (RDPC) Abaixo de 4 e de % Saldrio Minimo no Brasil e Numero de Usuarios do BPC...... 98 4. Numero de Pessoas com 60 Anos e mais com Renda Domiciliar Per Capita (RDPC) Abaixo de Ye Salario Minimo no Brasil e Atendimentos em SAC-Idoso..... 100 5. Namero de Atendimentos em SAC/PPD por An 103 6. Criangas de 0. a6 Anos com Renda Domiciliar Per Capita (RDPC) Abaixo de ¥% Salario Minimo e Numero de Atendimentos em SAC/ Creche no Brasil. see 105 7. Atendimento nos Programas de Assisténcia Social e nos Projetos de Enfrentamento 4 Pobreza por Ano — 1996-2002. .... 107 8. Jovens de 15a 17 anos com RDPC Inferior a ¥% S.M. no Brasil € Participantes do Agente Jovem mates 108: 9. Pessoas de § Anos ou mais de Idade, Ocupadas no Periodo 1996- 2001... 110 " Digitalizado com CamScanner Ivaneve BoscHe™n 10. 11. 12. 16. 17. 18. 20. 21. 22. 23. Proporgao de Criangas Beneficiadas pelo Petiem ne a0 Total de Criangas Trabalhadoras no Brasil... ti Reunides e Resolugdes da Comissao Intergestora Tripartite 1999-2002 Resolugdes Aprovadas pelo CNAS por Ano (1994-2002) e Tipo de Resolugao . Temas dos Projetos de Lei em Tramitacdo na Camara dos Deputados e no Senado em 2002, Apresentados no Periodo 1994- 3178 . Projetos de Lei Referentes a Assisténcia Social por Partido e Ano de Apresentagdo na Camara do Deputados 174 . Projetos de Lei Referentes a Assisténcia Social por Partido e Ano de Apresentagao no Senado Federal Projetos de Lei em Tramitagao na Camara dos Deputados em 2002, com Propostas de Alteragdes na Loas, por Ano de Apresentagado Projetos de Lei com Propostas de AlteragGes da Loas por Partido na Camara dos Deputados Discursos dos Deputados Federais Referentes a Assisténcia Social por Partido e por Ano .... . Discursos dos Senadores Referentes a Assisténcia Social por Partido e por Ano 181 Gasto Federal com AcGes Assistenciais Segundo Conceito Histérico . 206 Gasto Federal com Assisténcia Social Segundo FungGes Tipicas .. 209 Recursos Federais Destinados 4 Fungo Assisténcia Social Segundo Diferentes Classificagoes .... . 212 ia e Financeira das Fontes de Recursos do . 223 Execucgao Orgament: FNAS Digitalizado com CamScanner 24, 25. 26. 27. 28. 29. 30. 31. 32. 33. 34. 35. 36. 37. gs 38. Assisréncin SociA. no Brust. uu Dinerto errr OnIaIMALIOADE € ConSEAVADORISO Execugado Orgamentaria e Financeira das Fontes de Recursos do FNAS em % Arrecadagao da Cofins, CSLL e FSE/FEF e Montante Destinado a0 FNAS w..... ee 225 Participagao dos Recursos Executados pelo FNAS no Orgamento da Seguridade Social e no PIB anes Percentual de Crescimento do FNAS e das FungGes Tipicas em Relacdo ao Ano Anterior — Evolugao da Execugao Orgamentaria do FNAS por Subfuncoes 1996-2002 . atts Evolugdo da Execugdo Orgamentaria do FNAS por Subfungdes em % . 234 Gastos do FNAS por Subfungdes — 2000-200: 237 Montante e Percentual do FNAS Distribuidos entre Servigos, Beneficios, Programas e Projetos por Ano - 1996-2002.......... 240 Recursos Executados no BPC por Segmento — 2000-2002 ...... 241 Montante e Percentagens de Distribuigao dos Recursos entre os Servicos de Agao Continuada - 1996-2002 ..... 243 Distribuigéo dos Recursos do FNAS Entre os Programas e Projetos de Assisténcia Social — 1996-2002.......... . 247 Montante e Percentual dos Recursos do FNAS Definidos por Emendas Parlamentares — 1996-2002 .... 253 Comparagao das Percentagens de Evolugao dos Recursos do FNAS Definidos pelas Emendas e os Nao Definidos (%) .......... 255 Numero de Emendas e Montante de Recurso Aprovados e Executados por Modalidade em 2001 Namero de Emendas e Montante de Recursos das Emendas de Comissao Aprovadas e Executadas por Objeto/Agao para o Ano de 2001 258 Digitalizado com CamScanner Ivaneve BoscHeTT! 39. 40. 41. 42. 43. 14 Numero de Emendas e Montante de Recursos de Emendas Individuais e de Bancadas Aprovadas e Pagas por Objeto/Acao em 2001 - 262 Posigao dos Estados Segundo o Montante de Recursos Aprovados e Executados em Emendas Individuais e de Bancadas em 2001 264 Numero de Emendas e Montante de Recursos das Emendas Individuais e de Bancadas Pagas em 2001 por Regiao.............. 266 Nimero de Emendas e Montante de Recursos de Emendas Individuais e de Bancadas Aprovadas e Pagas em 2001, segundo Afinidade Politica dos Partidos ao Governo Federal e Natureza de Despesa wes a on Numero de Emendas e Montante de Recursos de Emendas Individuais e de Bancadas Aprovadas e Pagas por Partido em 2001... a es Digitalizado com CamScanner Assisténcia SociaL No Brasi.: um Dinetro entaé ORIGINALIOADE E CONSERVADORISMO Graficos 1. Proporcao de Atendimento de Pessoas com 60 Anos ou mais com Renda Domiciliar Per Capita (RDPC) Abaixo de % Salario Minimo em SAC-Idoso 102 2. Evolucao do Atendimento de Pessoas Portadoras de Deficiéncia em SAC com Recurso Federal por Ano — 1989-2002 3. Proporcao de Atendimento de Criangas de 0 a6 anos com Renda Domiciliar Per Capita (RDPC) Abaixo de % Salario Minimo em SAC-Creche 4. Proporgao de Criangas Atendidas a Peti em Relacao ao Total de Criangas Trabalhadoras no Brasil .. w. 112 103 106 5. Recursos Federais Destinados a Assisténcia Social Segundo Diferentes Classificagdes 1994-2002 2 6. _Participagao do FNAS nos Recursos Federais Destinados a Funcao Assisténcia Social 1996-2002 7. Evolugo do Percentual do PIB e da Seguridade Social Executado pelo FNAS por ano 1996-2002 we 229 8. Evolugao Orgamentaria do FNAS por SubfungGes - 1996-1999 235 9. Evolugao Orcamentaria do FNAS por Subfungdes - 2000-2002 235 215 10. Distribuigdo dos Recursos entre Beneficios, Servicos, a e Projetos — 1996-2002 . 11. Distribuig&o dos Recursos entre os Servigos de Acdo Continuada por Ano 1996-2002....... 12. Variagao dos Recursos Aplicados em SAC-Creche — 1996-2002 244 13. Variago dos Recursos Aplicados em SAC-API - 1996-2002... 245 14. Variagdo dos Recursos Aplicados em SAC-PPD - 1996-2002. 245 15 Digitalizado com CamScanner IaneTe BoscHemn 15. Evolugdo dos Recursos Aplicados em Programas e Projetos 1996-2002. ...... 16. Evolugdo do Crescimento dos Recursos de Programas e Projetos com PGRM e sem PGRM — 1999-2000 .. 17. Evolug&o dos Recursos do PET! — 1997-2002 .......sessesscsssssssee 250 18. Distribuigdo dos Recursos do FNAS em 2002 ........cccccsssseeene 251 19. Comparagao entre os Montantes das Emendas Parlamentares Aprovados e Executados 20. Distribuigao dos Recursos das Emendas Individuais e de _ Bancadas Pagas por Regides em 2001... 267 Quadros 1. Competéncias dos Gestores nas Trés Esferas de Governo......... 124 2. Representantes Titulares da Sociedade Civil no CNAS — 1994- 2002 147 3. Comparacao entre as Competéncias do Gestor Federal e aS Competéncias do CNAS na Politica de Assisténcia Social ........ 149 16 Digitalizado com CamScanner AssisTéncia SOci no Bast: uu Dinero Ente ORGINALUDADE E CONSERVADOASHO LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS ABONG — Associacao Brasileira de Organizagdes Nao-Governamentais ACM —Federacao Brasileira das AssociagGes Cristaés de Mocos AEPS ~ Anuario Estatistico da Previdéncia Social Aica —Agdes Integradas para Crianga e Adolescente Amencar —Associagdo de Apoio a Crianca e ao Adolescente Anasselba —Associagao Nacional dos Servidores da LBA Anfip — Associacao Nacional dos Fiscais da Previdéncia Social ANG — Associacao Nacional de Gerontologia ASC — Aces Sociais e Comunitarias BCC — Brasil Crianga Cidada BPC —Beneficio de Prestagdo Continuada CAECA Combate ao Abuso e Exploragaéo Sexual de Criangas e Adolescentes CBIA —Centro Brasileiro para Infancia e Adolescéncia Ceas —Certificado de Entidade Beneficiente de Assisténcia Social CEFF ~Certificado de Entidade de Fins Filantropicos CFESS —Conselho Federal de Servigo Social CB —Comissio Intergestora Bipartite CIT ~Comissao Intergestora Tripartite CMPOF ~Comissdo Mista de Planos, Orgamentos Publicos e Fiscalizagao 17 Digitalizado com CamScanner hasere BosoHeTT: CNAS —Conselho Nacional de Assisténcia Social CNBB —Confederagao Nacional dos Bispos do Brasil CNSS —Conselho Nacional de Servigo Social CNTSS —Confederacao Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social Cofins —Contribuicao Social para o Financiamento da Seguridade Conapae © —Confederagao Nacional das APAES Congemas —Colegiado de Gestores Municipais de Assisténcia Social Corde —Coordenadoria Nacional para a Integragaéo da Pessoa Portadora de Deficiéncia CPMF —Contribuigdo Proviséria sobre Movimentacao Financeira CRB —Conferéncia dos Religiosos do Brasil CSLL -Contribuigdo sobre o Lucro Liquido das Empresas CUT —Central Unica dos Trabalhadores OF — Distrito Federal DISOC —Diretoria de Estudos Sociais DOU — Diario Oficial da Unido DRU —Desvinculagao de Receitas da Uniao ECA —Estatuto da Crianga e do Adolescente Ersas —Escritério de Representagao da SAS FAS —Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social Febec —Federacao Brasileira de Entidades de Cegos Febiex ~—Federagao Brasileira das Instituigdes de Excepcionais FEF —Fundo de Estabilizagao Fiscal Fenapae —Federagao Nacional das Associacdes de Pais e Amigos 40S Excepcionais Fenapsi ~ Federacao Nacional dos Psicdlogos 18 7 a Digitalizado com CamScanner FHC Finsocial FMAS FMI FNAS Fonseas FSE Funac GESST IAPI Ibase IBGE ICMS IDH IGF IGP-DI INESC INPS INSS 1OF IPEA IPI IPTU IPVA ISSQN ITBI AssistéNcik Socia. no Baas: un Dinero ev ORIGIALDADE € CoHSERYADORISHO — Fernando Henrique Cardoso —Fundo de Investimento Social —Fundo Municipal de Assisténcia Social —Fundo Monetario Internacional —Fundo Nacional de Assisténcia Social ~ forum Nacional de Secretarios Estaduais de Assisténcia ‘ocial —Fundo Social de Emergéncia —Fundo Nacional de Agao Comunitdaria Grupo de Estudos e Pesquisas em Seguridade Social e Trabalho — Instituto de Aposentadorias e Pensdes dos Insdustridrios — Instituto Brasileiro de Andlises Sociais e Econdmicas — Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica —Imposto sobre Consumo de Mercadorias e Servicos — Indice de Desenvolvimento Humano —I|mposto sobre Grandes Fortunas —I[ndice Geral de Precos Disponibilidade Interna — Instituto de Estudos Socioecondmicos —Instituto Nacional da Previdéncia Social Instituto Nacional de Seguro Social —Imposto sobre OperagGes Financeiras Instituto de Pesquisa Econémica Aplicada —Imposto sobre Produgao Industrial —Imposto sobre Propriedade Territorial Urbana —Imposto sobre Veiculos Automotores - Imposto sobre Servigo de Quaquer Natureza —Imposto de Transmissao de Bens Intervivos 19 Digitalizado com CamScanner Ivaete BoscHerT! ITR -Imposto Territorial Rural LBA —Legiao Brasileira de Assisténcia LDB ~ Lei de Diretrizes e Bases (da Educagdo Nacional] LDO — Lei de Diretrizes Orgamentdrias Loas — Lei Organica da Assisténcia Social MEC —Ministério da Educagao MNMMR = —Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua MPAS —Ministério da Previdéncia e Assisténcia Social NAF —NUcleo de Apoio Familiar NOB —Norma Operacional Basica OIT — Organizagao Internacional do Trabalho Onedef — Organizacao Nacional de Entidades de Deficiente Fisico ONU — Organizagao das Nagdes Unidas Oscip — Organizagao da Sociedade Civil de Interesse Publico Pasep — Programa de Assisténcia ao Servidor Publico Peti — Programa de Erradicacao do Trabalho Infantil PFL — Partido da Frente Liberal PGRM — Programa de Garantia de Renda Minima; em 1998 passou a denominar-se Programa Nacional de Renda Minima Vinculada a Educagao PIB —Produto Interno Bruto PIS — Programa de Integragao Social PMDB ~ Partido do Movimento Democratico Brasileiro PNAD — Pesquisa Nacional por Amostra de Domicilio PNAS — Politica Nacional de Assisténcia Social PND — Plano Nacional de Desenvolvimento PPB — Partido Popular Brasileiro 20 Digitalizado com CamScanner AssisTeNciA Socia. no Baasi: um Dinero ene OniatiaLionoe € CONSEAVADORISHO PPD — Pessoa Portadora de Deficiéncia Prorural — — Programa de Auxilio ao Trabalhador Rural PSDB — Partido da Social Democracia Brasileira PSL — Partido Social Liberal PT — Partido dos Trabalhadores PTB — Partido Trabalhista Brasileiro RDPC —Renda Domiciliar Per Capita SAC — Servigo de Agao Continuada SAS — Secretaria de Assisténcia Social Seas — Secretaria de Estado de Assisténcia Social Siafi — Sistema Integrado de Administragao Financeira Sidor — Sistema Integrado de Dados Orgamentarios SINPAS — Sistema Nacional de Previdéncia e Assisténcia Social SOF — Secretaria de Orgamento Federal SUS Sistema Unico de Saide 21 Digitalizado com CamScanner Assisrénci Soci Ho Brust: uu Diner entre Onawauioane ¢ Consenvs00risH0 PREFACIO A PRIMEIRA EDICAO. O momento em que, no Brasil, a assisténcia social padece de notdrio desprestigio, um estudo sério e criterioso como este, elaborado por Wvanete Boschetti Ferreira, certamente suscitard muitas reflexdes. Primeiro, porque ele nao sucumbe a tendéncia dominante de relegar a segundo plano este tipo de protegao social, proclamado na Constituigéo da Reptblica vigente como um direito de cidadania, a ser concretizado por politica publica. Segundo, porque ele nao abre mao do pensamento critico, hoje em recesso, inclusive nos meios intelectuais, e, conseqlentemente, se contrapde ao tal do pensamento Unico, de corte neoliberal, de marcante influéncia na vida contemporanea. E, por Ultimo, porque preserva e defende antigos valores e utopias, para muitos considerados anacrénicos, que tém como horizonte a democracia ampliada, a extensao da cidadania e a liberdade igualitaria. Trata-se, portanto, de um estudo que, evidentemente, esta na contramao dos modismos tematicos, analiticos, valorativos e programaticos, de inspiragéo pos-moderna, cuja principal fungao é despolitizar a questao da desigualdade social alarmante e transformar a politica social em mecanismo pragmatico de coesao social. Entretanto, é justamente esse posicionamento transgressor das tendéncias prevalecentes que confere ao presente estudo substancia e originalidade. Isso porque, poucos sao os intelectuais no Brasil que se Propdem a refletir sobre temas sem status ou de conotagdes incémodas; Poucos sao aqueles que, podendo emprestar seu tempo, talento e inteligéncia para ratificar opinides prestigiadas, prefiram o embate direto com problemas cuja decifragao contrariara interesses poderosos. Ou, parafraseando a propria autora, poucos sdo os que preferem a 23 Digitalizado com CamScanner Waneve Boschert aventura de compreender a realidade na busca da supera¢ao das falhag existentes. Entre estes poucos esta certamente Ivanete, que, desde aluna do Mestrado em Politica Social do Departamento de Servico Social da Universidade de Brasilia, decidiu refletir, com rigor analitico, sobre o Teal significado da politica publica de assisténcia social. Nesse empreendimento, demonstrou, nado sé competéncia, mas apreciavel determinagao ¢ maturidade intelectual para quem se iniciava na carreira académica. Tanto 6 que, vinculou-se, a mesma época, ao Projeto Integrado de Pesquisa sobra assisténcia social desenvolvido no Nucleo de Estudos e Pesquisas em Politica Social (Neppos), do Centro de Estudos Avancados Multidisciplinares (Ceam), da Universidade de Brasilia e, logo depois, aprofundou essas reflexdes na Franga, durante o seu doutoramento. Em todas essas atividades, e agora como professora do Departamento de Servigo Social da Universidade de Brasilia e pesquisadora do Neppos, Ivanete tem se pautado pelo esforco de nao reproduzir equivocos metodoldgicos e substantivos, pré-nogGes e idiossincrasias que, a direita e as vezes a esquerda, povoam essa area de conhecimento e agao. Para tanto, vicios metodolégicos mais comuns foram por ela rechagados, tais como: a) encarar a assisténcia social como um fendmeno isento de contradigdes e, portanto, como algo que funciona ou a servigo dos representantes do capital ou do trabalho. Isso explica porque a assisténcia social, até hoje, 6 refém de visdes lineares & maniqueistas, que a percebem alternativamente como negativa ou positiva, sem atinar que, na verdade, ela é uma coisa e outra, isto é: que seus aspectos negativos e positivos fazem parte, a0 mesmo tempo, de uma unidade contraditoria. Em outras palavras, isso quer dizer que a analise da assisténcia social sé tera consisténcia se for relacional-dialética, pois so dessa forma 0 fendmeno analisado perder a aparéncia de contingéncia e de fatalidade que encobre a sua verdadeira natureza; 24 Digitalizado com CamScanner AssisTécia SociaL no Bras: uns Dineito eNTRE ORIGINALIDADE & CONSERVADORISMO b) conceber a assisténcia social como um fato isolado, desgarrado de outros fenémenos e processos e de determinagoes estruturais. Por esse prisma, a assisténcia social afigura-se como um ato mecanico de provisao de beneficios e servigos, sem ser mediada por conflitos de interesses, por processos de escolhas e tomadas de decisao e por formas de regulagao ditadas pela ética capitalista do trabalho e pela esfera produtiva. E essa nogao simplista de assisténcia que a transforma em alvo facil e quase consensual de diferentes tipos de agressdes. Quando nao a “satanizam” com retoricas moralistas, que lembram as prédicas liberais classicas contra a protegao social publica, por entenderem-na antieducativa (Malthus), ou antinatural (Spencer), elegem-na como objeto de uma critica reducionista e estéril. Daf, de um lado, a recorrente e mecanica identificagao da assisténcia social com subsisténcia, tutela, paternalismo, cooptagao, e, de outro, a abundancia de andlises que a percebem como fendmeno congelado no tempo; é que as referéncias privilegiadas dessas analises séo sempre as Leis dos Pobres ou as praticas assistenciais dos estados absolutistas europeus, nao importando as mudangas ou as conquistas democraticas e cidadas observadas na area social no transcurso da historia. Livre dos vicios mencionados e das mistificagdes ideolégicas por eles suscitadas, o presente trabalho tem tudo para ser 0 que de fato é: um proficuo esforgo de anélise da politica de assisténcia social na totalidade de suas determinagdes e manifestagoes. Vale dizer, a autora brinda-nos com uma abordagem que, tomandoa assisténcia social como via de acesso instigante, articula Estado e sociedade, partindo de suas determinagoes estruturais para a critica das falacias do ideario neoliberal dominante e do desempenho social do governo brasileiro, que se rege por esse ideario. Porisso, essa critica nao se atém a denunciar as desmedidas oficiais e privadas no campo assistencial, mas apresenta, sobretudo, importantes resultados de pesquisa, sustentados em evidéncias empiricas, os quais revelam o quanto a assisténcia social brasileira é uma arena de conflitos 25 Digitalizado com CamScanner Wwavere BoscHe™ de interesse. Por meio desses resultados, fica patente uma Constante q, historia social e da politica nacional: 0 descaso pelos pobres; 0 desrespeit, aos direitos e as leis vigentes; 0 autoritarismo estatal, notadamente Oriundy de um Executivo hipertrofiado e de um Legislativo servil ¢ adepto a, clientelismo; e 0 conservadorismo de significativas parcelas da SOCiedada civil - que fazem da assisténcia social um campo de experimentagie, “altruistas", com respaldo do Estado, cujo principal inimigo a Ser enfrentadg nao é a pobreza, mas a ameaca que ela inspira. Entretanto, ao tracar esse panorama desalentador, a autora nao langa olhares nostalgicos para algum passado, por ventura menos tragico. Nao defende a causa do retorno do Pacto social interclassista, que Caracterizoy 0 auge do periodo capitalista regulado (entre os anos 1940 e 1970), até Porque nao ha um caminho de volta e nenhuma solugao nesse sentido. 0 que a atual época precisa é a reafirmagao, pelas condicGes historicas presentes, dos valores e das utopias defendidos neste trabalho. E por isso que eu acho que o seu contetido — por sinal escrito de forma clara e livre de contorgées linguisticas - sobreviverd aos desafios e resisténcias que ele mesmo se imps e constituird uma Contribuigdo oportuna e necessaria a luta pela reafirmagdo desses valores Potyara Amazoneida P. Pereira Peninsula Norte, Brasilia, 21 de novembro de 2001 26 . Digitalizado com CamScanner Assisréwcia Soci. to Brasit: un Dinero ern Ontaiiauiaoe & CONSERYACORISHO IntrobuGAO A Secunoa Enicdo 40 muitas e significativas as mudangas introduzidas nesta edigdo. Ao langar a primeira edigdo em 2001, quando a pesquisa que originou este livro ainda estava em realizagdo, dizlamos que o receio nao era da critica mas de oferecer ao leitor um trabalho ainda inconcluso. 0 temor maior era de que as tendéncias apontadas nas andlises naquele momento pudessem sofrer mudangas de diregdo devido a possiveis alteragoes na Politica de Assisténcia Social nos dois ditimos anos a serem analisados (2001-2002). Findo este periodo e concluidaa pesquisa, apresentamos nesta edi¢ao aanalise da implementacao da Politica de Assisténcia Social pelo governo federal no periodo entre 1994-2002, abordando trés aspectos intrinsecamente relacionados: as caracteristicas dos programas, beneficios, projetos e servigos assegurados, 0 que remete ao debate sobre a concepcao de assisténcia social presente explicita ou implicitamente nestas acces; a forma de organizagao e gestao sustentada pela preocupacao de identificar como foram (re)construfdas as relagdes entre Estado e sociedade e entre as esferas governamentais na estruturagdo da assisténcia social como direito e politica de seguridade social, € 0 financiamento e aplicagao de recursos federais na assisténcia social. Esta versao do trabalho nao incorpora apenas dados Teferentes aos anos de 2001 e 2002. Ela inclui informagGes inéditas também em relagao aos anos 1994-2000. O tempo decorrido, novas incurs6es no universo empirico da pesquisa e atualizacao e aprofundamento das leituras tedricas nao s6 permitiram precisar andlises e conclusGes, sem prejuizo da diregao tedrica e politica do trabalho, como exigiram incluir novos itens, alterar 27 Digitalizado com CamScanner Ivanere BoscreTn titulos e subtitulos, sempre com a preocupagao de dar mais unidade e consisténcia ao contetdo. Nesse sentido, globalmente, a estrutura de apresentagdo do livto foi modificada, com a inversao dos capitulos 2 e 3. Tentando atribuir Maior coeréncia no encadeamento das idéias e informagGes, 0 capitulo sobre g recomposic¢ado do campo assistencial passou a anteceder 0 debate Sobre financiamento e aplicagao dos recursos. Embora os capitulos tenham sofrido substancial acréscimo de paginas, preferimos manter a organizacag original do livro em trés capitulos, de modo a manter a unidade ea l6gica de raciocinio que estruturou o trabalho desde seu inicio. O capitulo | — Assisténcia Social e Trabalho: Direitos (In)Compativeis? — além de ter seu titulo reformulado, recebeu acréscimo de um item, na intengao de melhor explicitar e discutir a relagao entre trabalho e assisténcia social que constitui 0 arcabougo tedrico do livro e referencia a anélise empirica. A inclusao de dados referentes ao periodo 2001-2002 foi enriquecida com a possibilidade de comparar a abrangéncia das ages em todo o periodo analisado com o universo da populagao potencialmente demandante da assisténcia social. Os novos recortes de idade e renda divulgados pela PNAD a partir de 2001 permitiram mostrar de forma mais Clara e segura as tendéncias de redugdo e, sobretudo, de residualidade ja apontadas na primeira edigao. 0 capitulo Il - Recomposigaéo do Campo da Assisténcia Social: Centralizacao e Colaboracao Vigiada — foi o que sofreu menos reformulagao, para além da atualizacao das informagGes referentes aos anos 2001 e 2002 e do aprofundamento na andlise sobre descentralizagao, participagdo e Controle social. A novidade é a avaliagao dos discursos parlamentares no ambito da Camara e do Senado, nao constante na edigao anterior. 0 capitulo II! - Financiamento e Gasto da Assisténcia Social: Pulverizagao e Regressividade — foi bastante alterado, recebendo maior rigor analitico e incluso de muitas informag6es inéditas, 0 que o tornou bastante diferente da primeira edigao. Quanto a estrutura interna do capitulo, esta foi revista e passou a ter quatro t6picos que sinalizam os aspectos do orgamento analisado: 1) as inovagdes legais que orientam como deve ser 28 ——— Digitalizado com CamScanner AsSIsTENCiA Socta io Brast: un Dinero ente Onamaioane € ConSERVADORISHO aestrutura e execugao orgamentaria da assisténcia social; 2) os recursos federais aplicados na Fungao Assisténcia, que nao constava na primeira edigao, € revela todo 0 gasto federal em agdes consideradas pelo governo como assistenciais; 3) 0 financiamento e magnitude do orgamento do FNAS, que aborda as fontes de recursos; e 4) a aplicagio dos recursos do FNAS, que indica sua direcao e distribuigdo entre programas, projetos, beneficios eservigos, bem como analise sobre as emendas parlamentares. Do ponto de vista metodolégico, diferentemente da primeira verséo em que trabalhamos com valores nominais, nesta edigao todos os montantes foram deflacionados més a més pelo IGP-DI a precos de dezembro de 2002. Esta opgdo decorreu da intencao de apresentar uma andlise mais realista dos recursos aplicados na area, sobretudo quando se tenta mostrar a variagao dos recursos ao longo dos anos. Quando se trabalha com séries historicas de valores monetarios em paises com elevados indices de inflagao (como é0.caso do Brasil), os valores nominais ou correntes nao expressam a desvalorizagdo da moeda e tendem a indicar crescimento sempre ascendente. A comparagaéo dos montantes executados pelo FNAS em valores nominais e deflacionados pelo |GP-DI, bem como seu crescimento ao longo do periodo, expressa a seguir, clarifica e justifica esta opgao: Comparagao da Execugao do FNAS em Valores Nominais e Corrigidos pelo IGP-DI 1996-2002 (Em R$ mil) Anos Execugéo % Execugao % FNAS Valores Crescimento FNAS Valores Crescimento Nominais Corrigidos|GP-DI 1996 581.277 - 1.185.582 - 1997 1.240.735 113,45 2.361.742 99,21 1998 1.645.284 32,61 3.030.046 28,30 1999 2.087.707 26,89 3.410.411 12,55 2000 2.666.952 27,75 4.107.532 20,44 2001 3.401.961 27,56 4.450.871 8,36 2002 4.520.481 32,88 5.484.464 23,22 29 Digitalizado com CamScanner Ivanere BoscheTt Acomparacao nao contraria a tendéncla ja apontada de Crescimenty global dos recursos do FNAS, mas revela que os percentuais de Crescimenty com os valores deflacionados sao inferiores aqueles indicados pelos Valores nominais, com diferenga bastante significativa em todos os anos, sobretudg em 2001. 0 terceiro capitulo, assim, teve como base de andlise os valores corrigidos pelo IGP-DI a pregos de dezembro de 2002, considerado como um indice que registra diversas variagGes de pregos e, portanto capta com mais propriedade a desvalorizagéo monetaria decorrente da inflacio.* 4 base de dados utilizada para os recursos foi o SIDOR/SIAFI (Sistema Integrado de Dados Orcamentarios/Sistema Integrado de Administracao Financeira do Governo Federal), disponibilizado pela Diretoria de Estudos Sociais (DISOC) do Instituto de Pesquisa Econémica Aplicada (IPEA). Na primeira edicao utilizamos os valores nominais divulgados pela Seas/MPAS no Demonstrativo de Execugdo Orgamentaria do FNAS. Em todo este capitulo apenas os valores referentes as emendas parlamentares nao puderam ser deflacionados, por néo constarem no Banco de Dados do SIAFI. Para nao deixar de incluir esta andlise optamos por manter e atualizar 0 item, considerando os valores nominais. As reflexdes apresentadas a seguir nao diferem, do ponto de vista das tendéncias e das conclusGes, daquelas formuladas na primeira edicao. Mas, aqui, ganharam maior rigor analitico-metodolégico e maior precisdo tedrico-conceitual, j4 que 0 tempo nos permitiu precisar conceitos e aprimorar andlises. Colina-Brasilia, 27 de agosto de 2003. * Sobre os diversas indices utilizados para deflacionamento, cf. Schwarzer (2001), 30 Digitalizado com CamScanner AssisTeNctA SociAL No Brast: um Dineiro enTae ORIGIALIOADE € CONSERVADORISIO Intropucao A Primetna Epigdg —__ A analise que 0(a) leitor(a) encontraré nas paginas desta publicagdo teve origem no projeto de pesquisa apresentado ao CNPq em 1998, e iniciado em 1999, sob o titulo A Recomposi¢ao do Campo Assistencial: Natureza do Direito, Descentralizacao e Colaboragao Vigiada. O objetivo nuclear da pesquisa era analisar se a implementagao da assisténcia social como direito social pelo governo federal, no periodo entre 1994-1 998, estava em conformidade com o preconizado na Lei Organica da Assisténcia Social (Loas), aprovada em dezembro de 1993. Realizada a primeira etapa da pesquisa, esta foi prolongada com o intuito de-analisar também o segundo mandato do governo Fernando Henrique Cardoso, o que faz com que ela esteja, assim, em fase de realizagao. A decisao de antecipar a socializagéo dos resultados encontrados antes da sua finalizagao foi motivada pela circunstancia especial e propicia ao debate, provocada pela realizado da 3* Conferéncia Nacional de Assisténcia Social, em dezembro de 2001. A tematica desta 3* Conferéncia ~ Politica de Assisténcia Social: Uma Trajetdria de Avangos e Desafios — indica uma dupla intencionalidade: avaliar 0 caminho percorrido e apontar os rumos necessarios 4 consolidagdo desse novo direito social. Acreditamos que os achados da pesquisa podem, ainda que modestamente, contribuir na materializagéo destas intengGes, visto que os aspectos analisados fornecem uma visdo panoramica da configuracao atual da assisténcia social financiada com recursos do governo federal. A pesquisa esta sendo desenvolvida no 4mbito do Grupo de Estudos e Pesquisa em Seguridade Social € Trabalho (GESST), do Departamento de Servigo Social da UnB, que esta assumindo a publicagao deste livro. Formado por alunos da graduagao em Servigo Social, do mestrado em 31 Digitalizado com CamScanner Wanere Bosonern Politica Social e professores, 0 GESST objetiva pesquisar, analisar » acompanhar as politicas de seguridade social e sua relagao com o trabalho nas sociedades capitalistas. Varias comunicagdes dos integrantes do Grupo ja foram apresentadas em Congressos, sendo esta sua primeira publicagag em forma de livro, com apoio do CNPq. Trés dimensées interdependentes foram investigadas, analisadas e estruturam este livro. A primeira refere-se & natureza, abrangéncia e caracterizagao dos direitos previstos na Lei Organica de Assisténcia Social (Loas), bem como 0 significado, as possibilidades e as dificuldades decorrentes de sua insergao Na seguridade social e objetivou, especificamente: a) identificar quais foram as agoes previstas e efetivamente realizados e se estas sao implementadas como direitos; b) evidenciar suas caracter(sticas e se estas apontam para 0 atendimento das necessidades basicas da populagao; e, c) assinalar o numero de pessoas atendidas pelos direitos assistenciais. A segunda abrange a estrutura de financiamento e gasto que se instituiu com a Loas e as tendéncias que marcaram as receitas e as aplicagdes dos recursos, no intuito de mostrar: a) Se 0 recurso orgamentario vem sendo assegurado regular e sistematicamente, de modo a garantir a efetivagao da politica; b) se as fontes de financiamento asseguram um carater progressivo e redistributivo da politica; e, C) se os critérios de distribuigéo de recursos entre Estados e municipios e entre programas seguem os principios de atendimento as necessidades sociais, A terceira dimenso relaciona-se ao modo de Organizagao e gestdo da politica assistencial, tanto no que se refere a relagdo entre as esferas de governo, quanto a relacao entre o poder publico e a sociedade civil, e teve a intengao de demonstrar: a) se esta ocorrendo a descentralizacdo entre o poder central (governo federal) e os poderes locais (estados e municipios); b) se a participagao da sociedade civil nos espagos de controle democraticos (conselhos e conferéncias) esté conseguindo dar diregao a politica assistencial; c) quais sdo as forgas politicas de apoio e de resisténcia a Consolidagao da assisténcia como direito; e, d) se o poder Legislativo vem se constituindo num espago de defesa do direito assistencial. 32 Digitalizado com CamScanner Assist éNcia Socta. io Basi: uy Dineito entre OniaitALOA0E & CONSE RUADORISHO A analise destas trés dimensdes pretendeu sinalizar 0 quadro institucional que da a forma atual a assisténcia social no Brasil e se este difere da configuracao historicamente assumida. Enfim, 0 que se quer mostrar 6 se 0 reconhecimento da assisténcia social como direito alterou, e para qual diregao, a agao piiblica e privada desta politica social. 0 delineamento deste quadro institucional balizou-se por duas preocupagoes tedrico-metodoldgicas. Um esforco de compreensdo dos principais elementos conceituais e tedricos que conformam as politicas integrantes da seguridade social a fim de evidenciar qual 6 a nocao de Estado social subjacente a esta configuracao, tal como foi efetivamente implementada. Consideramos que a compreensao do carater dos direitos assistencial e previdencidrio, na sua relagao com o trabalho, assume especial importancia para a detinicao do sistema de seguridade social e do Estado social brasileiro. E um segundo esforco de identificagao das forcas politicas que agem como apoio e/ou como oposigéo 4 implementagao da Loas. Aintencao nao foi de estudar as representagGes sociais de grupos ligados area da assisténcia social, mas, principalmente, de descobrir como seus discursos e suas agdes contribuem para fazer avangar ou retardar a Materializagao da politica. Este percurso foi, todo o tempo, demarcado pela intengdo de identificar tanto as determinagGes estruturais, quanto aquelas de natureza politica e social, que conformam a assisténcia social brasileira. As principais fontes de consulta utilizadas foram documentacdes que regulamentam a efetiva execugao da politica nacional de assisténcia social e entrevistas semi-estruturadas com sujeitos envolvidos diretamente na Normatizagéo e controle social da Loas. As entrevistas permitiram reconstruir 0 processo e 0 movimento de agdo dos sujeitos, bem como Suas motivagdes e interesses. A documentacao, por sua vez, permitiu constatar o resultado das ag6es, as decisGes ja tomadas e transformadas €m orientagdes e normas legais. Os principais documentos analisados foram: — Lei que regulamentou a assisténcia como direito social; 33 Digitalizado com CamScanner Ivwiere BoscHern — Decretos presidenciais, medidas provisdrias, planos, programas, projetos e relatérios expedidos pelo governo federal, sobretude pela Secretaria de Estado de Assisténcia Social do Ministério da Previdéncia e Assisténcia Social, - Relatorios de Execucao Orgamentaria expedidos pela Secretaria de Orgamento Federal (SOF) e pela Dataprev, — Resolugdes da Comissao Intergestora Tripartite (CIT); — Resolucdes do Conselho Nacional da Assisténcia Social - Discursos proferidos por deputados e senadores em plenario publicados no Diario do Congresso Nacional (DCN); — Projetos de Lei em tramitagéo na Camara dos Deputados 2 no Senado Federal. As entrevistas semi-estruturadas foram realizadas com conselheiros governamentais e néo-governamentais do CNAS e parlamentares integrantes da Frente Parlamentar em Defesa da Assisténcia Social Em relacao ao acesso a esta documentacao, enquanto pesquisadora e cidada, nao posso deixar de registrar as dificuldades e a morosidade 12 liberagao de documentos publicos pelos érgdos governamentais, com excecao da Camara e Senado que, prontamente, forneceram todas as cop dos materiais solicitados. Também a SOF disponibilizou todas as informag6es. As maiores dificuldades encontradas foram quanto ao descuido na divulgacao dos dados, verificado em alguns documentos, seja Porque os dados nao existem, seja porque eles sao inconsistentes, sel Porque eles sdo divergentes nos prdprios documentos que os divulgam, que dificulta, quando nao impede, a atitude investigativa e acompanhamento da atuagao do poder publica pelos cidadaos. E preciso esclarecer, até para que o leitor entenda os dados diferenciados que vai encontrar ao longo do texto, que nos deparames com informagGes discrepantes sobre o mesmo assunto, momento em que tivemos que optar pelo dado a ser analisado. Nesse sentido, é importanté 34 Digitalizado com CamScanner AssisTéNciA ‘SocIAL No Brasi: uw Dinetro ENTRE OniaiaLioAne € CONSERVADORISMO registrar que a Seas/MPAS divulgou dois relatérios relativos a sua atuagao no ano de 2000. 0 primeiro, disponibilizado no site do MPAS em junho de 2001 5 foi a base para a analise apresentada ao longo do texto sobre os atendimentos efetuados em cada beneficio, servigo, programas e projetos. Contudo, em novembro de 2001, as vésperas da 3° Conferéncia Nacional de Assisténcia Social, divulgou-se um segundo relatério relativo ao ano de 2000. Neste, em forma impressa e com data de capa de setembro de 2001, percebemos varias incongruéncias: 1) os dados sobre os atendimentos divergem daqueles divulgados em junho de 2001; 2) os dados sobre recursos aprovados e executados divergem de outro documento expedido pela propria Seas/MPAS e utilizado neste trabalho como base para andlise dos recursos orgados e aplicados - 0 Demonstrativo de Evolugao do Orgamento e da Execugdo do FNAS; 3) os dados diferem no interior do proprio documento: na pagina 23, o relatério indica que o recurso aprovado para creche em 2000 foi de R$ 273.182.069,00 e o executado foi de RS 239.646.313,00, enquanto na pagina 39 informa que o investimento nesta agao foi de R$ 269.932.069,00; ja 0 Demonstrativo de Evolucao do Orgamento e da Execugao do FNAS informa que foi executado, em 2000, R$ 236.425.000,00. Outro exemplo de divergéncia: o relatdrio de setembro, Na pagina 52, informa que foram concedidos 403.207 beneficios de prestagdo continuada para pessoas idosas de janeiro de 1996 a dezembro de 2000; ja na pagina 57 registra que “Desde sua implantagao, até dezembro de 2000, foram concedidos 1.227.249 beneficios, sendo 815.523 para pessoas portadoras de deficiéncia e 411.726 para pessoas idosas”. Os dados relativos ao BPC também diferem daqueles divulgados no Anuario Estatistico da Previdéncia Social (AEPS). Tais exemplos de informacdes divergentes, que se repetem em outras agdes, indicam nado apenas o descuido no acompanhamento e Monitoramento da politica de assisténcia social pelo proprio drgao Tesponsavel legalmente pela sua normatizagao ¢ avaliagdo, mas também o descompromisso com os cidadaos na divulgagao é na prestagao de contas da aplicagao dos recursos pUblicos provenientes de impostos. Estas 35 Digitalizado com CamScanner Ianere Boscrerti dificuldades nos obrigaram a optar por quais fontes de dados seriam a base de andlise. Assim, para os atendimentos efetuados, consideramos os relatorios de 1989 a 2000, sendo que, para o ano 2000, utilizamos og dados divulgados em junho de 2001. Tal opgao foi necessdria porque, ao ser publicada a segunda versao do relatorio, todas as tabelas, grdficos ¢ andlises ja estavam efetuadas e este livro jd estava em fase de editoragao Ainda assim fizemos um esforco para incluir a0 longo do texto, quando necessario, os dados divulgados no segundo relatorio, chamando a atencag para as divergéncias. Para a andlise do financiamento, trabalhamos com os dados da SOF, do Demonstrativo de Evolugao do Orcamento e da Execugdo do FNAS e da Dataprev. As divergéncias constatadas também foram sinalizadas em nota no texto. Acreditamos que tais problemas nao inviabilizam a anilise, ao contrario, referendam o que jd se sabe sobre as dificuldades que se tém no Brasil para a obtengao de indicadores sociais e de acompanhamento da acao publica e comprovam a necessidade de estudos e pesquisas que se dediquem a esmiugar a origem, os destinos e a natureza dos gastos publicos que, sabemos, definem o carater das politicas pUblicas. Os limites do trabalho, entretanto, nao estéo dados apenas por estas dificuldades. A op¢do repentina de socializ4-lo antes do previsto, em fungao da oportunidade ja mencionada, é de nossa absoluta responsabilidade faz com que tenhamos clareza das lacunas que, certamente, o leitor encontrard. O receio nao é o da critica. O temor maior é 0 de oferecer a0 leitor um trabalho ainda inconcluso. Mas, como “todo ponto de chegadaé sempre um novo ponto de partida”, sabemos que as criticas e as contribuigdes que virao nos permitirao avangar e aprofundar esta deliciosa e instigante aventura chamada compreensdo da realidade, na busca pela superagao das falhas existentes. Os resultados obtidos, apresentados de modo a abranger 4S dimens6es mencionadas acima, nao permitem afirmar que a implementagao da politica de assisténcia social vem superando e/ou ampliando @ ProposigGes legais. Apesar de alguns avangos, sobretudo nos aspectos 36 Digitalizado com CamScanner Assisténc M& SOCIAL No Brasi: ‘Uw Dinero entre Onicinatioane € CONSERVADORISHO. relativos a instituigao de mecanismo. sociedade, os preceitos legais, id referéncia ainda inatingivel. Por outr federal, de modo que nao sao abord; indiquem essa situagao no Ambito di $ de controle social e participagao da restritivos, permanecem como uma 0 lado, a anilise se limitou ao ambito adas aqui quaisquer informagdes que 0s estados e municipios. O primeiro capitulo analisa no sistema de seguridade social efetivagao como direito social no abrangéncia e sua consol que se estabelece entre de elevado desemprego 0 Significado da insergao da assisténcia » apontando limites estruturais 4 sua Social No capitalismo, 0 que acaba reduzindo sua idagao Como politica social. A relago contraditéria Previdéncia ¢ assisténcia social em um contexto ; 0 € relagGes informais de trabalho, agravados por baixos salarios, acaba provocando uma dualidade: a previdéncia restringe- se aos trabalhadores Contribuintes ea assisténcia a populacao pobre e, em alguns casos, miserdavel, tidos como incapacitados para o trabalho. Isto faz com que os direitos assistenciais assumam um carAter seletivo e residual. O segundo capitulo dedica-se a destringar o financiamento da politica assistencial, revelando seu carater regressivo e pulverizado. Regressivo Porque as fontes de receita ainda oneram predominantemente a populagao usudria. Pulverizado porque os recursos destinados a assisténcia social em ambito federal sao fragmentados em varios ministérios e Programas que nao se submetem as normas da Loas e reduzem os recursos repassados diretamente ao FNAS. Por outro lado, a andlise da aplicagao dos recursos do FNAS mostra claramente que o aumento dos recursos deve-se fundamentalmente ao beneficio de prestaco continuada, ou seja, a0 Unico direito assegurado constitucionalmente. No terceiro capitulo discutimos a configuragaéo do sistema descentralizado e participativo, ressaltando o papel assumido pelos sujeitos envolvidos na gestao da politica de assisténcia social, bem como sua implicagao na participagao e no controle social da populagao sobre o Estado €as entidades beneficentes de assisténcia social. Os espagos e mecanismos existentes estao consolidados e em funcionamento, com enorme expansao No Brasil, de conselhos, planos e fundos de assisténcia social. Entretanto, 37 Digitalizado com CamScanner Wvanere Boscaern: Percebemos uma tensao entre as inovacdes legalmente aprovadas » instituidas e a mudanga de atuagao dos sujeitos envolvidos. Permanece um tentador conservantismo, alimentado pela historic pratica de centralizagdo e descompromisso com a prestacao de contas ¢ 0 Controle democratico, dai 0 titulo desse livro: Assisténcia Social no Brasiy: um Direito entre Originalidade e Conservadorismo. Esperamos que os dados aqui apresentados e as analises que deles extraimos possam ser mais um estimulo 4 ousadia, a inovacdo e ao desejo de mudar, sempre para além do possivel. Brasilia, 18 de novembro de 2001 38 Digitalizado com CamScanner 0 Brasil éo-que tem talher de prota Ow aquele que sc come com w mia? Ow sera que o Brasil &o que nao come? Gelso Viafora e Vicanta Barreto “Acara do Brasi AssisTéNncia SociAL E TRABALHO: Diretos (In)Compativeis? Digitalizado com CamScanner Assisténon "Soca. No Basi. uu Dincto ere Onamationoe € Coxsenva0oniso AssistéNcia Sociat & TraBatno: Dinetros (IN)Compativeis?——____ N ao constitu exatamente uma novidade afirmar que a assisténcia social, historicamente, se configurou como campo de intervengao politica e social nebuloso. Esta é uma leitura corrente da literatura especializada na area (Sposati, 1985; Faleiros, 1989; Pereira, 1996) e nao parece ser uma caracteristica especifica do Brasil. Em outros paises, como a Franga, que dispde de uma Lei de Assisténcia Social desde meados do século XIX, atualizada pela Loi d’Aide Sociale de 1953, a literatura, igualmente, indica a presenca de relagdes nebulosas entre o poder pUblico eas instituigdes privadas assistenciais e a dificuldade de superar a visdo da assisténcia como filantropia assistencialista' (Bec, 1994; Castel, 1989, 1998). As tentativas de entendimento deste fendmeno apontam para varias diregdes e muitos elementos de explicagao ja foram indicados. Uma das mais correntes é a afirmacao de que aassisténcia social é uma agao publica e privada que, tradicionalmente, nao se constituiu como componente das politicas de desenvolvimento econdmico e social, néo avangando, em conseqiiéncia, para além das classicas medidas reparadoras e/ou amenizadoras das situagGes de pobreza (Alayon, 1989). A questao da definigao (e, por decorréncia, da avaliagao) do que é assisténcia social, de qual deve ser 0 seu campo de agao e quais sao as suas finalidades surge quando se assume politica e legalmente a assisténcia como dever politico determinado por uma condigdo de cidadania e nao como dever moral (Pereira, 1996; Boschetti-Ferreira, 1998a). No caso brasileiro, o reconhecimento da assisténcia social como direito do cidadao, 7 Guta diiculdade Tor de fal porte que a Franga “rebalizou" o termo assisténcia @ na Lei de 1953 as agdes assistencials, sob a dtica do direito, passeram ser denominadas de ajuda social (aide sociale), como se © abandono da expressao também provocasse nova viséo @ novas formas de agdo. 41 Digitalizado com CamScanner Wanere Boscvern Portanto dever do Estado na sua garantia, acontece tardiamente, com 4 Constituigdo Federal de 1988. Embora esse reconhecimento legal seja recente, sabemos que a intervengao do Estado brasileiro institucionalmente organizada data da década de 1940 com a criagao da LBA.? Essa constatagao tarna inevitave| questionar por que so tardiamente a assisténcia social se configurou coma direito social e dever politico, diferentemente de outros paises, em que assumiu o carter de politica social instituinte do Estado de direito (Oonzelot, 1994: Murad, 1993; Castel, 1995a). O que instiga esta questao nao 6 um interesse em comparar paises com situagdes é contextos hist6ricos 8 socioecondmicos diferentes. Trata-se, mais, de apontar indicadores que permitam melhor entender a situagao brasileira, pois os mesmos elementos que retardaram o reconhecimento legal da assisténcia como direito podem estar agindo como obstaculos para sua concretizagao. Nesse sentido, é possivel identificar, ao menos, dois tipos de respostas que podem ajudar a decifrar esta questao.? Existe uma resposta classica, que tenta explicar as dificuldades e entraves 4 consolidagao da assisténcia como direito social com base nas particularidades intrinsecas a propria assisténcia social e que sao, também, uma decorréncia desse nao reconhecimento como direito. Tem-se aqui um movimento circular: a mesma particularidade que dificulta 0 reconhecimento e a materializacdo do direito se alimenta e se reproduz da condigao de nao direito. Entre as particularidades historicamente sinalizadas por diversos autores como inerentes a pratica da assisténcia social brasileira, € possivel destacar: a) sua subordinagao aos interesses clientelistas dos governantes @ de muitos parlamentares que fazem das verbas e subvencdes publicas um patriménio privado; nao esquecamos da CPI do orcamento que, em 1992, desmontou 0 complexo esquema * A Legido Brasileira de Assisténcia (LBA), foi criada em 1942 pelo Governo Vargas ¢ foi extinta em 1985 belo presidente Fernando Henrique Cardoso. Embora a extingdo estivesse prevista na Lei Organica de Assisténcia Social, aprovada em dezembro de 1993, 0 reordenamento institucional realizado por Medida Provisoria foi autortario, sem um perfodo de transi¢do que assegurasse a continuidade dos servigas ¢ 0 debate sobre a nova estrutura a ser implementada i Asreanas ‘Seguintes foram parcialmente desenvolvidas em artigo publicado na revista Katalysis, n° 4, 42 Digitalizado com CamScanner Assisténcia Sociat No Bast: uu Dinero ene Oncmaionoe € Consenvanoriso envolvendo parlamentares, Conselheiros do entéo Conselho Nacional de Servigo Social (CNSS) € funcionarios da Comissao de Orgamento da Camara dos Deputados, revelando o comprometimento de um Grupo de deputados com o desvio das subvengGes sociais e os Projetos/emendas direcionados no orgamento da Unido; b) em consonancia e até decorréncia desse uso clientelista da assisténcia, ela é freqiientemente implementada em fungao dos interesses Politico-econémicos do governo de plantao; sé para ilustrar, 0 gasto com assisténcia social no governo Collor em 1991 representou uma redugdo de 46% em relacdo ao ano anterior (Boschetti-Ferreira, 1993), a0 mesmo tempo em que os recursos destinados a LBA eram utilizados pela familia da primeira dama em Canapi-AL, conforme divulgaram os jornais da época; c) tratada como pratica assistematica e descontinua (governamental ou nao), a assisténcia enfrentou dificuldades até mesmo para receber a nomenclatura de politica social; embora o aparato institucional governamental nao seja recente — a LBA foi criada em 1942, o MPAS em 1974 eo SINPAS em 1977 (lamamoto & Carvalho, 1982; Faleiros, 2000) - somente em 1985 a assisténcia passou a compor um plano nacional de desenvolvimento (1 PND da Nova Republica) recebendo, pela primeira vez, a designagao de politica social; é justamente esse movimento, que se inicia na década de 80, que vai desaguar na criagao da seguridade social em 1988, e que elevou a assisténcia ao patamar de direito social, ao lado da previdéncia e da satide (Boschetti-Ferreira, 1998b), d) a eterna (e muitas vezes intencional) confusao entre assisténcia e filantropia é reforgada pela opacidade das relagdes entre pliblico e privado no Brasil, esta confusao nao é resultado de mero «desconhecimento» das diferengas e, por que nao dizer, antagonismo, entre assisténcia social como politica publica e benemeréncia; trata-se, na verdade, de uma atitude orientada por uma intencionalidade de manutengao da assisténcia sob a otica 43 Digitalizado com CamScanner Wanete BoscHeTT: do dever moral e submetida a interesses clientelistas , paternalistas. Aessas particularidades intrinsecas a pratica hist6rica da assisténgi, brevemente referenciadas aqui, é possivel adicionar uma segunda respogy,’ que extrapola estas caracteristicas. E possivel afirmar que esta politic, social enfrentou muitas resisténcias para ser legalmente reconhecida com) direito e continua sofrendo enormes resistencias na sua implementacay como tal, porque ela é uma politica em constante conflito com as formas de organizagao social do trabalho. Analises historicas mostram que a assisténcia social publica sempr, se debateu para encontrar seu lugar e sua identidade ao lado da organizacap social do trabalho: em uma sociedade fundada no primado liberal do trabalho qual € 0 campo reservado 4 assisténcia? seria direito de cidadania para todos? politica compensatdria e restritiva para as pessoas incapacitadas ao trabalho? politica de complementacao e/ou substituigao de renda aos trabalhadores pobres? politica de promogao e/ou geragao de emprego? Esses sao alguns dos dilemas deste campo de intervengao que sempre esteve presente na cena social e politica e que permeia todas as Politicas sociais (Sposati, 1985; Pereira, 1996). Cabe, portanto, tentar entender porque a assisténcia é uma politica em constante conflito com a organizagao social do trabalho no capitalismo. 1.1. Assisténcia Social e Trabalho: uma Antiga Tensao* Em uma sociedade onde “a ordem social tem como base o primado do trabalho” (Constituigao Federal, Artigo 193), quais sao os atributos eas fungdes destinados a assisténcia social em sua conformagao de direito social? Qual deve ser seu papel na herctlea tarefa de garantir bem-estaré justiga sociais? Pela primeira vez na historia, um principio simples, cravad0 na Constituigao brasileira permite reorganizar sob novas bases a relaga0 * Este item no consta na primeira edigao do livro. 44 Digitalizado com CamScanner ASSIsTENCIA SOCIAL No Bras: um Dineito EnTRE OAIGHIALIOADE € CONSEAVADOAISMO entre trabalho e assisténcia Na construgao do Estado social: “Sao direitos sociais a educagao, a sade, o trabalho, o lazer, a seguranga, a previdéncia social, a protegao a maternidade e a infancia, a assisténcia aos desamparados, na forma desta Constituigéo” (Artigo 6°). Colocada no mesmo registro das demais politicas sociais e do trabalho, a assisténcia, contudo, apresenta uma particularidade: diferentemente dos outros direitos elencados de forma genérica, ela recebe uma qualificagao propria — assisténcia aos desamparados. Aqui, ja aparece a primeira delimitagao deste direito, que nao é de todos, é destinado aos “desamparados”. Mas quem so os desamparados que passam a ter direito a assisténcia social? O artigo 203 da Constituigdo Federal, ao referir-se especificamente a este novo direito social, define a quem ele se destina e (re)produz uma distingao que sera decisiva para a concretizagao deste direito: A assisténcia social sera prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuigao 4 seguridade social, e tem por objetivos: |-a protegao 4 familia, 4 maternidade, a infancia, 4 adolescéncia e a velhice; Il - 0 amparo as criangas e adolescentes carentes; Ill = a promogao da integragdo ao mercado de trabalho; IV-a habilitagao e reabilitagao das pessoas portadoras de deficiéncia @ a promogao de sua integragdo 4 vida comunitaria; V—a garantia de um salario minimo de beneficio mensal a pessoa portadora de deficiéncia e a0 idoso que comprovem no possuir meios de prover 4 propria manutengao, ou de té-la provida por sua familia, conforme dispuser a lei. Jassisténcia é, certo, um direito legalmente garantido. Mas, 6 um direito de quem e para quem? Ao afirmar que serd “prestada a quem dela Necessitar”, assegura que é um direito de todos os “desamparados” ou de todos os que dela tiverem necessidade. Ao desdobrar seus objetivos, entretanto, o texto estabelece uma distingao na aplicacao do direito entre 45 Digitalizado com CamScanner IwaneTe BoscHeTT: aqueles que sao ou nao capazes de trabalhar. Observe-se que a protegao, 0 amparo, a habilitagdo e a garantia de uma renda minima destinam-se especificamente aqueles cuja situagéo nao hes permite trabalhar. maternidade, infancia, adolescéncia, velhice, deficiéncia. Aqueles que nag se inserem nestas situagGes, 0 objetivo é outro: nao assistir, mas promover a integragao ao mercado de trabalho. Assim, 0 reconhecimento legal da assisténcia social como direito retoma e mantém uma distingao entre assisténcia e trabalho, entre capazes e incapazes que estrutura secularmente a organizacao social. O primado liberal do trabalho ou, mais precisamente, do trabalho assalariado, materializou na hist6ria o principio segundo o qual o homem deve manter asi e 4 sua familia com os ganhos de seu trabalho, ou com a venda da sua forga de trabalho (Polanyi, 2000). Este principio esta de tal forma cristalizado, que a perspectiva e/ou iniciativa de sustentagao dos individuos por meio de politicas assistenciais, sejam aquelas de transferéncia de renda (em geral denominadas programas de renda minima) ou agdes de outra natureza, séo profundamente permeadas por debates tedricos tensos, conflituosos e, como nao poderia ser diferente, orientadas por perspectivas politicas e ideoldgicas antagénicas (Boschetti-Ferreira, 1999). Enquanto os liberais “aceitam” politicas assistenciais minimas voltadas para “inaptos ao trabalho” e reconhecem que programas de transferéncia de renda podem garantir a livre oferta da mao-de-obra no mercado, autores com perspectiva social defendem a instituicéo de amplos programas de transferéncia de renda com 0 objetivo de proteger a forca de trabalho excluida do processo produtivo (Ferry, 1995; Gorz, 1997; Mauss, 1996; Leleux, 1998; Euzéby, 1991; Caillé, 1994; Van Parijs, 1995). Este debate, principalmente em momentos de reestruturaca0 produtiva com redugao de empregos estaveis e permanentes, tanto nos paises europeus como na América Latina (Castel, 1995a; Pochmann, 1999), € conseqiente proliferacdo de iniciativas de politicas de transferéncia de renda (Sposati, 1997; Silva e Silva, 1997; Boschetti-Ferreira, 1999), éntretanto, ndo é recente e seus componentes nao constituem novidade. E antiga, tensa e nao resolvidaa relacdo entre o (nao) trabalho e a assisténcia 46 Digitalizado com CamScanner : Assist¢ encM Soct no Brust: un Dero entne Onsonaioaoe € Conservaoonisua social como politica governamentals Analisando as “metamorfoses da questo social”, Castel (1998) reconstrdi o percurso das primeiras medidas de protegao social, publicas e privadas, no ambito do que ele denomina de “social-assistencial” Para demonstrar que “as Populagées que dependem de intervengGes sociais diferem, fundamentalmente, pelo fato de serem ou ndo capazes de trabalhar, e sao tratadas de maneira completamente distinta em fungao de tal critério” (Castel, 1998, p. 41). As populagdes pobres que nao podem trabalhar, devido a algum tipo de incapacidade em fungao da idade (criangas e idosos), de uma deficiancia fisica ou psiquica, de uma enfermidade, ou até de alguma situagao familiar ou social mais vulneravel, sao isentas da obrigatoriedade do trabalho, enquanto os pobres em condig6es de trabalhar (adolescentes, homens e mulheres adultos ndo acometidos por nenhuma das situacdes descritas acima), historicamente foram repelidos pelas agdes assistenciais. Trabalho e assisténcia assim, mesmo quando reconhecidos como direitos sociais, vivem uma contraditéria relagao de tensdo e atragao. Tensdo porque aqueles que tém 0 dever de trabalhar, mesmo quando nao conseguem trabalho, precisam da assisténcia, mas nao tém direito a ela. O trabalho, assim, obsta a assisténcia social. E atragdo porque a auséncia de um deles impele o individuo para o outro, mesmo que nao possa, n&o deva, ou nao tenha direito. Em uma sociedade em que o direito a assisténcia é limitado e restritivo, como sera demonstrado adiante, e o trabalho, embora reconhecido como direito, ndo 6 assegurado a todos, esta relacao se torna excludente e provocadora de iniqiidades sociais. Essa tensdo, levada ao extremo, conduz a pior das serviddes, ou como ressalta Castel (1998, p. 44), “a liberdade sem protego pode levar a pior servidao: a da necessidade”. Nesta perspectiva, sao as diferenciadas formas de organizagao do trabalho e da assisténcia social que conformam os sistemas de protegao social e sua capacidade de responder a questao social, em suas expressdes Contempordneas. Autores como Castel (1998), Polanyi (2000) e Hatzfeld = i * Quando nos referimos a assisténcia social, no enfoque aqui adotado, estamos falando de politica publica, Nao de praticas assistenciais voluntarias e filantrépicas. 47 Digitalizado com CamScanner Ivanere BoscHertt (1989) langam uma forma nova de olhar e perceber 0 papel eas fungdes da assisténcia na organizagao social a partir de sua relagao com 0 trabalho Muitas das caracteristicas predominantes nas legislagdes que regulamentaram as primeiras intervengGes sociais sobre os pobres aptos ou inaptos ao trabalho, ressaltadas por estes autores, podem ser identificadas na primeira lel que reconheceu a assisténcia social como direity no Brasil. Nesse sentido, ao resgatar caracteristicas hist6ricas que foram se tecendo na Europa desde a Idade Média, inicialmente pela via qa filantropia, e, em seguida, pela via das politicas pUblicas assistenciais, Caste (1998, p. 47), afirma que “as disputas contemporaneas da assisténcia ainda sao constituidas em torno de coordenadas de que sO se percebe o sentidg quando relacionadas com as situagdes histdricas em Cujo seio se constituiram desde a Idade Média”. E continua “(...) essa configuracag assistencial interferiu e continua interferindo (para, a0 mesmo tempo, assumi-la em parte e oculta-la) na outra grande face da questao social que 6, sobretudo, a problematica do trabalho”. Quais sao, entao, essas caracteristicas histéricas da assisténcia, que atravessaram séculos e fronteiras, que nao se limitam a estruturar especificamente esta politica em si, mas que interferem na prépria organizagao social a partir de sua relacdo com o trabalho? Sera que tais caracteristicas sao universais, no sentido de que podem explicar a estruturagao da assisténcia social hoje no Brasil? Uma breve visita a tais caracteristicas pode ajudar a responder estas questdes. A primeira caracteristica sublinhada por Castel, (1998, p. 57-59, 69- 94),® 6 que a assisténcia social, mesmo quando ainda nao tinha o status de direito, resulta da construgéo de um conjunto de praticas com fungao protetora, integradora e preventiva, que se inicia em sistemas relacionais comunitarios (familia, vizinhanga, trabalho), sob a ética da benemeréncia, mas que vai se deslocando destas relagdes e origina estruturas de atendimento privado e publico cada vez mais complexos e sofisticados. Ou seja, a assisténcia social como politica publica guarda tragos das * As caracteristicas estao sinalizadas em Castel, 1998 (tradugo brasileira), p. §7-59. A quinta caracterstica. ue interessa mais particularmente para este traballio, esta detalhada nas p. 69 a 94. 48 d Digitalizado com CamScanner Assisréncia Social no Brast: um Direrro Ente ORIGINALIOADE € CONSERVADORISMO primeiras medidas filantropicas, o que ajuda a explicar a insistente permanéncia de confusao entre assistencialismo, assisténcia e benemeréncia. A segunda caracteristica é que tais praticas ja apresentavam esbogos de especializagao que, posteriormente, constituiram os nucleos de profissionalizagao, ou como indica Castel “a delimitagao de uma esfera de intervencao social suscita, assim, a emergéncia de um pessoal especifico para instrumentaliza-la” (1998, p. 58). Em decorréncia desta, a terceira caracteristica sera, justamente, o surgimento de uma tecnicizagao minima, ja que os “prestadores” da agao assistencial assumem atribuigdes como: avaliar as situagdes em que deve intervir, selecionar os “merecedores” de auxilio, definir categorias, conhecer a populacao, seja para assisti-la ou para exclui-la dos beneficios. A quarta caracteristica é 0 surgimento de uma clivagem entre praticas “intra-institucionais”, por exemplo, em internatos, e “extra-institucionais”, por exemplo, atendimentos em domicilio. A quinta, e mais importante caracteristica para os propésitos deste trabalho, é que a assisténcia sempre estabeleceu dois critérios de selegdo da populacao pobre: 0 primeiro, 6 do pertencimento comunitario ou da proximidade, isto é, a prioridade e, as vezes, exclusividade de atendimento, 6 para 0 pobre morador da cidade; o segundo critério, ja mencionado anteriormente, é a inaptiddo para 0 trabalho, pois a assisténcia prioriza a crianca, 0 drfao, 0 deficiente e 0 idoso, 0s quais sao incapazes de suprir sua propria subsisténcia através do trabalho. Para Castel (1998, p. 59), “essa distingdo (...) circunscreve 0 campo do social-assistencial em sua diferenga quanto as outras formas de intervengao social, voltadas para aS populacdes capazes de trabalhar.” Todas as caracteristicas acima é Tealizada pelos 6rgaos publicos desde a década d n 0 Com aLBA, desde a década de 1970 coma criacdo de Secretarias especificas para gestio da assisténcia em ambito estadual e, mais recentemente, nas Prefeituras Municipais que organizaram corpo técnico e definiram regras de funcionamento. Mas 6, sobretudo, aps a Loas que estas caracteristicas Se intensificaram, conforme sera abordado no capitulo dois, inclusive em algumas entidades assistenciais. A quinta caracteristica merece atencao Mais detalhada, pois ajuda a explicar nao apenas o funcionamento da sto presentes na assisténcia social década de 1940 em ambito nacional 49 Digitalizado com CamScanner Wanete BoscHerti assisténcia social enquanto politica publica, mas permite compreender estruturalmente o sentido e a dimensao do direito a assisténcia social. 0 segundo critério — aptidao/inaptiddo ao trabalho — constitui, a meu ver, 0 fio condutor e 0 principio estruturador dos beneficios, programas, projetos e servigos que concretizam os direitos previstos na Loas. Em relagao ao critério do pertencimento comunitario, este deve ser entendido nao apenas como proximidade geografica, mas também como proximidade social. Castel (1998, p. 69) ressalta que o conceito cristao de fraternidade entre os homens esta na esséncia deste critério e mostra como aassisténcia sempre se organizou localmente e historicamente estabeleceu critérios de domiciliagao, no sentido de que nos remotos séculos XVI e XVII cada pardquia era responsavel pelos “seus” pobres. Este critério agia no sentido de excluir e banir estrangeiros, proibir a mendicancia, recensear e classificar os necessitados, diferenciar os auxilios em funcao das Categorias de necessitados e priorizar os auxilios aos indigentes domiciliados e incapazes para o trabalho. Tais medidas, diz 0 autor, adotadas inicialmente em ambito local, foram retomadas pelas legislagdes nacionais em quase todos os paises que hoje constituem a Europa, sendo as mais conhecidas as poor laws inglesas que irao resultar na Lei Elizabetana de 1601,’ mas predominando igualmente na legislagao francesa e dos paises baixos. Na interpretagao do autor, as politicas de reclusdo dos Mendigos nas workhouses, implantadas em escala européia no século XVII, devem se vistas como medidas mais elaboradas de continuidade quelas iniciadas no século XVI com vistas a manter o pertencimento comunitario e manter a ordem social: “Tolerar a condigéo mendicante seria aceitar que se constituisse, no seio da comunidade, um grupo totalmente desfiliado que se tornou estrangeiro a cidade. Diante dessa ameaga, a reclusao é apenas um meio, radical sem duvida, mas que se apresenta como um desvio necessdrio para restaurar o pertencimento comunitario” (Castel, 1998, p. 75). O tratamento era diferenciado segundo a aptidao ou inaptiddo para o trabalho. O autor mostra que, do ponto de vista institucional, o requlamento das workhouses combinava o enclausuramento com trabalho forgado € oragdes para “corrigir” os mendigos. Quanto aos pobres “beneficiados” 7 Pelo seu significado para 0 ponto de vista aqui sustentado, voltaremos a ela adiante, 50 Digitalizado com CamScanner Assisrencia Soci no Bras: uv Dinero ctr OnIGIALIOADE € CoNSERVADORISMO por tais medidas “assistenciais”, a reclusaio visava apenas os mendigos domiciliados, sendo que os estrangeiros e “vagabundos” deveriam sair das cidades e voltar para seus locais de origem sob repressdo policial: “Os individuos tidos como mais dessocializados, mais indesejaveis, mais perigosos, sao assim excluidos da reclusao (e nao por meio da reclusao). (...) Em sua intengao profunda, a reclusao é antes de tudo um instrumento de gestéo da mendicancia, no interior de um contexto urbano, para os indigentes autoctones” (Castel, 1998, p. 77). Do ponto de vista das técnicas de intervencao assistencial no interior das workhouses, 0 autor assinala que a disciplina, o trabalho forgado, as incessantes oragdes, a aprendizagem da ordem e da regularidade nao eram técnicas de exclusdo, mas de inclusao, ja que utilizavam uma pedagogia repressiva e autoritdria que objetivava “reeducar” o recluso e permitir seu retorno 4 comunidade como um “membro Util para o Estado” (Castel, 1998, p. 77). Tais caracteristicas constitutivas da assisténcia, sugere o autor, foram modeladas com base na concepcao e na pratica cristés da caridade® e mesmo sua passagem para a gestao laica, ao assumir status de politica publica e direito social, no significou uma ruptura completa com tais critérios, que continuam Presentes em muitas acdes assistenciais na Europa atual. Este principio da domiciliagao, que predominou com forga repressiva nas origens das medidas assistenciais, nao esta completamente ausente de muitas acGes assistenciais predominantes hoje no Brasil, em sua verso moderna. Nao segue esta mesma ldgica a exigéncia de cinco anos ou mais de residéncia para acesso a programas como bolsa-escola e outros? ou ainda os auxilios concedidos aos migrantes para retornarem aos seus locais de origem? ou ainda as “pequenas” atividades de trabalho que sao Solicitadas como contrapartida aos moradores de albergues pliblicos é 40s usuarios dos programas socials? Em sua versao repressora € autoritaria OU “educadora e emancipatoria”, o principio do pertencimento comunitario € da domiciliagao ainda sustenta muitos critérios de acesso a programas assistenciais contemporaneos. cispensado aos pobres pela “caridade crista", mostrando base na distingdo entre “bons e maus™ ee Nosse sentido, o autor desmistifica o tratamento “A Lenda Evangélica” (p. 60-69). Que 0 cristianismo sempre praticou a selegdo dos pobres com Pobres, Sobre esta questio, of Castel (1996), sobretudo o item 51 Digitalizado com CamScanner Wwanete BoscHeTT! O critério da inaptidao para o trabalho é outro eixo de estruturagi, da assisténcia social, e talvez, o mais definidor de sua esfera de abrangéncj, Nao basta ser pobre ou indigente e cumprir o requisito da domiciliagag Por séculos, a assisténcia dirigiu-se apenas a0s pobres que comprovadamente, demonstrassem sua incapacidade para 0 trabalho, Em sua longa travessia da caridade religiosa e laica ao direito puiblico, “o nticleg da assisténcia constitui-se na interseccao desses dois eixos. Sua extensig depende do sentido, que nao é imutavel, dado a cada um dos critérios”, conforme demonstrou Castel (1998, p. 86) com magistrais exemplos. 0s critérios da proximidade e da inaptidao ao trabalho sao componentes estruturais definidores da amplitude que pode assumir a assisténcia como direito. Quanto mais elasticos. e flexiveis forem tais critérios, maior a extensdo que pode assumir a politica de assisténcia social. Ao inverso, quanto maior a rigidez na sua aplicagdo, mais restritas serao as possibilidades de acesso. E neste ponto de interseccdo que trabalho e assisténcia podem ser direitos opostos ou convergentes. Quanto mais se conjuga assisténcia e trabalho, sem cristalizé-los como direitos para Populagdes clivadas pela aptidao ou inaptidao ao trabalho, maior sera 0 universo daqueles que tero acesso a estes direitos pela sua situagdo de necessidade. Historicamente, 0 que se vé é 0 predominio de uma relagdo de oposigao entre trabalho e assisténcia. Somente no século XX, os pobres sem trabalho mas capazes de trabalhar passaram a ter direito a assisténcia social, em forma de programas de transferéncia de renda, E isso, em alguns paises da Europa. No Brasil, como sera demonstrado adiante, a assisténcia como direito incorporou com toda a forga o critério da inaptidao ao trabalho. Claro que a aplicagao destes critérios nao foi e nao é mecanica e absoluta; sua construgao é hist6rica e processual, e, como tal, modifica-se e insere- se na dindmica dos movimentos e das pressdes sociais e, como sinalizou Castel, “Toda assisténcia se move com essa contradicao. Apresentae reitera a exigéncia da incapacidade de trabalhar para ter os beneficios dos auxilios, e também amilde a adapta e a trai” (1998, p. 92). 52 Digitalizado com CamScanner AssisTéncia Soctat No BRaSiL: um Dineiro entre Onicinatioaoe & CONSERVADORISNO Os pobres e mendigos “invalidos”, até 0 sécuo XIX, sempre puderam contar com medidas assistenciais, sobretudo quando preenchiam o critério da proximidade de domicilio. Para esta populagao, as agdes poderiam ser limitadas, restritas em fungao dos recursos disponiveis, mas nao colocavam problemas de principios e estavam na ordem das prioridades. Os pobres e mendigos “validos”, contudo, sempre foram considerados como vagabundos, como incapazes de exercer um trabalho ou, para usar um termo da época, “maus pobres” (Mollat, 1978), j4 que eram considerados como responsaveis por nao trabalhar, devido a um espirito ocioso € indolente, Para estes, o conjunto de acdes tinha um significado claro: submeter ao trabalho obrigatério. O que aparecia designado como “lei dos pobres” era, na verdade, um conjunto de regulages pré-capitalistas (Pereira, 2000) destinadas a “separar” os capazes dos incapazes, a assistir minimamente os “invalidos” e a forgar ao trabalho e reprimir os “yalidos”. Embora predominantes em toda a Europa, as legislagdes seminais e freqilentemente citadas para retratar esta relacdo de tensao ou oposigao entre trabalho e assist@ncia sao as leis inglesas, que assumiram carater mais sistematico. Elas se iniciam com o Estatuto dos Trabalhadores de 1349, e seguem com 0 Estatuto dos Artesdos (Artifices) em 1563, com as leis dos pobres elizabetanas que se sucedem entre 1531 e 1601, a Lei de Domicilio (Settlement Act) de 1662, o Speenhamland Act de 1795 e a Lei Revisora das Leis dos Pobres (Poor Law Amendment Act) em 1834 (Castel, 1998; Polanyi, 2000; Pereira, 2000; Schons, 1999). Estas legislagdes impunham um “cédigo coercitivo do trabalho” (Castel, 1998, p. 176) € possufam carater muito mais punitivo e repressivo do que protetor (Pereira,.2000, p. 104), mas sao exemplares da intersecgao entre assisténcia social e trabalho. Castel (1998, p. 99) mostra que 0 conjunto destas regulamentagoes, que se espalharam por toda a Europa antes da “revolucdo Industrial”, era sustentado por principios comuns: estabelecer o imperativo do trabalho a todos que dependiam de seus bragos para sobreviver; obrigar 0 pobre a aceitar o primeiro trabalho que Ihe fosse oferecido; proibir a retribuigdo ao trabalho efetuado, ou seja, o pobre nao poderia negociar formas de remuneragao; proibir a mendicancia dos pobres 53 Digitalizado com CamScanner waere Bosctet! validos, obrigando-os a se submeter aos trabalhos “oferecidos”. Nesse sentido, diz Castel, “o cddigo do trabalho é formulado em oposicao explicita ao codigo da assisténcia” (1998, p. 99). Assisténcia e trabalho, assim, se conjugam nas regulagdes da ordem social e na organizagao social do trabalho entao predominante: assisténcia minima aos invalidos e trabalho forgado aos validos. E preciso notar, entretanto, uma diferenca significativa entre estas legislagdes. Todas aquelas promulgadas antes da Speenhamland Act, de 1795, caracterizavam clara oposigao entre trabalho e assisténcia. Conforme jd ressaltado, a assisténcia era garantida mediante dois critérios: domicilio e incapacidade para o trabalho. Polanyi (2000, p. 101), na mesma linha analitica de Castel, afirma que, sob estas leis, “os pobres eram forcados a trabalhar com qualquer salario que pudessem conseguir e somente aqueles que nao conseguiam trabalho tinham direito a assisténcia social; nunca se Pretendeu e nem se concedeu qualquer assisténcia sob a forma de abono salarial’. O principio estruturador destas leis era obrigar ao exercicio do trabalho todos aqueles considerados em situagdo de “capacidade”. A assisténcia, por sua vez, tinha como horizonte induzir o trabalhador a manter-se por meio de seu trabalho. Associada ao trabalho forgado, garantia auxilios minimos (como alimentagao) aos pobres reclusos nas workhouses. Os critérios eram de tal modo restritivos e seletivos que poucos conseguiam ter acesso as medidas assistenciais. E mesmo aqueles que 0 conseguissem, eram obrigados a realizar uma atividade laborativa para justificar @ assisténcia recebida (Polanyi, 2000; Castel, 1992, 1995a, 1998). Estas leis estabeleciam uma distingdo entre pobres “merecedores” (aqueles comprovadamente incapazes de trabalhar e alguns adultos capazes considerados pela moral da época como pobres merecedores, em geral Nobres empobrecidos) e pobres “nao merecedores” (todos aqueles que possuiam capacidade, ainda que minima, para desenvolver qualquer tp? de atividade laborativa). Aos primeiros, merecedores de “auxilio , era assegurado algum tipo de assisténcia, minimalista e restritiva, sustentada pelo dever moral e cristao de ajuda, nao sob a forma de direito, ms cardter esmolar. Nas interpretagdes de Polanyi (2000) ¢ Castel 0 1995a), a principal fungao destas legislacdes era impedir a mobilidade trabalhador e, assim, manter a organizagao tradicional do trabalho. 54 4 Digitalizado com CamScanner Asistencia Soci. no Brust: un Dinero etme Onana.oAoe € CONsePVADORISMO A Lei de Speenhamland, instituida em 1795, ao contrario das anteriores, pode ser entendida como uma medida assistencial de protegao ao trabalhador. A lei garantia um sistema de abonos, em complementacado aos salarios, cujo valor baseava-se no. Prego do pao. Diferentemente das leis dos pobres, a Speenhamland garantia assisténcia a todos (empregados e desempregados) que recebessem abaixo de determinado rendimento, independentemente do critério da inaptidao ao trabalho, mas mantendo o critério da domiciliagao: “Renda minima antes mesmo da definicgao de seu conceito, Mas que tem como contrapartida uma exigéncia estrita de domiciliagéo e a interdig&o da mobilidade geografica da mao-de-obra” (Castel, 1998, p. 178). Esta lei é considerada como a primeira iniciativa de estabelecimento legal de uma politica assistencial de transferéncia de renda dissociada do exercicio de uma atividade laborativa, ou o que se denominaria hoje de renda minima. Embora o montante fosse irrisorio, era um direito assegurado em lei. Na interpretagéo de Polanyi (2000), esta iniciativa protegia o direito a vida e agiu como forma de resisténcia a implantagao da Sociedade de mercado, ja que a instituigdo deste sistema de abonos pela Lei Speenhamland, em 6 de maio de 1795, assegurando aos pobres uma renda minima independente dos seus proventos, “(...) introduziu uma Iovagao social e econdmica que nada mais era que 0 ‘direito de viver’ e, até ser abolida, em 1834, ela impediu efetivamente o estabelecimento de um mercado de trabalho competitivo” (Polanyi, 2000, p. 100). Enquanto as leis dos pobres anteriores induziam o trabalhador a aceitar qualquer trabalho a qualquer prego, a Lei Speenhamland, ao Contrario, “protegia” o trabalhador e Ihe permitia “negociar” o valor de sua forga de trabalho, impondo limites (ainda que restritos) ao mercado de trabalho competitivo, j4 que “durante a vigéncia da Speenhamland Law, o Ndividuo recebia assisténcia mesmo quando empregado, se seu salario fosse menor do que a renda familiar estabelecida pela tabela. Ora, nenhum rabalhador tinha qualquer interesse material em satisfazer seu empregador, ima vez que a sua renda era a mesma qualquer que fosse o seu saldrio” (Polanyi, 2000, p. 101). Em certa medida, esta lei freou ou reduziu o ritmo 9 processo de proletarizagao imposto pela revolugao industrial "ascente, Tratava-se, como indica o autor, de uma primeira medida de 55 Digitalizado com CamScanner Wanete BoscHeTn Protecao “a vida e aos salérios com fundos publicos”. Apesar do otenci inovador desta lei em relagdo as anteriores e de seus efeitos no impedimen,, (ou retardamento) de um mercado de trabalho competitivo, o autor ressalty Seu carter contraditério, pois na mesma medida em que Protegig trabalhador garantindo-Ihe um minimo de subsisténcia, também Contribuiy Para reduzir a produtividade, baixar o valor dos salarios e aumentar a indigéncia, Este paradoxo era inevitavel, considerando a forca Competitivg da sociedade de mercado que se instalava sob a Revolugdo Industrial ¢ que exigia um mercado de trabalho livre, onde os trabalhadores fossem Obrigados a vender sua forca de trabalho ao preco que conseguissem, A sua revogacao, em 1834, pela Poor Law Amendment Act, também conhecida como New Poor Law, marcou o predominio, no capitalismo, do primado liberal do trabalho como fonte tinica e exclusiva de renda, e relegoy a ja limitada assisténcia aos Pobres ao dominio da filantropia. A nova lei dos pobres revogou os direitos assegurados pela Lei Speenhamland, aboliy 0 “direito de viver” nas palavras de Polanyi (2000, p. 105), restabeleceu g assisténcia interna nos albergues para os pobres “invalidos”, re-instituiua Obrigatoriedade de trabalhos forgados para os pobres “capazes” e deixou a propria sorte uma Populacao de pobres e miseraveis Sujeitos 4 “exploragao sem lei” do capitalismo nascente. 0 sistema de salarios baseado no livre mercado exigia imperativamente a aboligao do “direito de viver”. Afinal, Por que alguém trabalharia por um saldrio se pudesse viver da assisténcia? Essa pergunta sustentou um dos principais pilares do liberalismo: 0 principio moral de que a assisténcia estimula o Gcio, a preguiga e desestimula o trabalho, devendo ser ou abolida, ou garantida apenas para Os pobres incapazes de manter sua sobrevivéncia pelo trabalho: criangas, idosos e deficientes (Boschetti-Ferreira, 1993). A necessidade da liberdade de trabalho faz com que o capitalismo regrida mesmo em relacéo a estas formas restritivas de “protecao assistencial” 4 populagao pobre. A “descoberta” do trabalho livre como Produtor de valor de troca e sua potencialidade na e para a acumulagao capitalista (Marx, 1987, p. 41) precisou o significado do trabalho para as relagdes sociais, mas isso néo mudou sua contraditoria telagao com a 56 Digitalizado com CamScanner

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