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DIREITO PENAL FUNDAMENTOS DOGMATICOS E POLITICO-CRIMINAIS HOMENAGEM AO PROF, PETERHUNERFELD Oak AR aN te) MANUEL DA COSTA ANDRADE JOSE DE FARIA COSTA; ANABELA MIRANDA RODRIGUES: HELENA, MONIZ: SONIA FIDALGO Coimbra Editora INDICE Apresentasio (QUESTOES FUNDAMENTAIS ‘DO DIREITO PENAL José Manvet, Menta PIZanno BELEZA — O conde do Lavradio e 0 seu epro- jecto de melhoramento das prisses em Portugal, Paris, 1834 JOsE DE Fania Costa — Prelidio e variagées sobre o dizeco penal Pauno Fnnana Chai, Uta nai — Ura (sis lic cone titucional da eigncia do direito penal Fasio Ronexro D'Avita — O direito penal na “luta contra o terrorism AUGUSTO DA SitvA Dias — A experiéncia Milgram e a responsabilidade juréico-penal: um ensaio sobre a banalidade do mal JORGE De FicumIREDO Diss — O Problema do Direito Penal no Dealbar do ‘Terceiro Milénio ' ‘Mania PAULA LEITe RIQEIRO DE FaRia — A adequasio social da conduca no diteito penal (ou a relevancia do simbolismo social do crime). Feawawpo ANDRADE FERNANDES — A pequena criminalidade ¢ 0 direito [ANDRE Lawas LEIT — «Nova penologias, punitive urn e Direito Criminal quo vadimns Polos caminhot da incertesa (p6s )moderna Paulo DE SOUSA MeNDES — Julgar Eichmann no interesse da Jusiga Hum Mon — Cine gave plo eld: paral d presen ionalidade nen Furwando CONDE MONTEIRO — O dirito penal como exprestio de jogos elon ov nae epitope alent amo juridico. son FFennana PALMA — Exclusio do dalo por erro Frepeiuco DE Laceapa ba Costa PINTO— Extrema necesidade: a construcdo histrica a diferenciagao siscemdtia SELMA PEREIRA DE SANTANA — Garantismo penal & brasileira Colne Eda Pog 1s 125 11 185 aun 253 273 343 395, a 503 589 613 637 657 10 Direito Penal: Fundamentos Dogméticos ¢ Pollico-Criminais [Luzia BeBIANA DE ALMEIDA SEBASTIAO — Os efeitos da declaragé de incons- ‘itucionalidade de notte penal evogada DIREITO PENAL — PARTE ESPECIAL Mawuet pa Costa ANDRaDE — A tela penal da imagem na Alemanha ¢ an Fou bog» Camaro Bsc de un Now Paige Normativ) “Manus Joko ANTUNES — Diseito penal sal — algumas quests da jurispru- dtnciaconstieuional Goncato Sons DE Meio BANDEIRA — A Responsabilidade das Empresas pelo Crime de Corrupeo: Caso Poreugus a partir de uma Perspetiva de Direto Penal, mas também de Criminologi. JOsE M, DaMtAO DA CUNHA— Da Corrupgio (Do seu enquadramento jurfdico no atmbito da eatela penal dos interesses do Estado, Eros lgilatvos Jacunas de punibildade) Manus 04 Conceicho FeRntrna Da Cunt — A tutela penal ds familia © do interes da crianga — Reflrio acerca do crime de subtracgéo de menor € sua dsingo face aos crimes de sequsto ceapro de menor Soma Ronco — Reena pr do mac incertae de formagdo Jorce Goointio — Para uma eforma do tipo de crime de “rence de capitis. MAnio FERREIRA MoNT# — O crime de volagio de segredo de justiga (are 371.* do CP): Ambito de wea e elagfo com outa incriminagées. Da sparen simpli ti daca iplenvamene prtias Vena Lcia RaPOso — Aqueles que naceram (breve excuso sobre 0 enqua- ramenco penal das lesbes pré-nata) ‘Susana AIRES OE SOUSA — Os cme ici na Alemanha eem Poregal ene semelhangas diferengas Paulo VINICIUS SPORLEDER DE SOUZA — Propo juriico-penal de dados genéticos para fins médicos eo diteio penal brie. Fereano TorRAo — O crime de poluiggo (artigo 279.° do Céigo Peal). Dirsito Penal do Risco? PROCESO PENAL E CONTRA-ORDENAGOES [NUNo BRANDAO — Desobediéncia e retstncia @ ordene de autoridade no periodo das ordenagdcs “Tenesn Quineia DE BRITO — Quests de provae modcos legais de espon- sabilidade contsa-ordenacional e penal de ents colectivos. Pig. 685 235 787 805 849 s19 975; 995 1013 1065 mn 1139 157 183 1209 Indice Jose Mounaz Lopes — Celeridade e diferenciagio: a sentenga nos processos cexpeciais, sumario e abreviado. ALIA Manaanspa Costa ANDRADE — Observagies 20 cegime jusdico do disito de superficie ( dividas que da resultaram) J.J-Goues Cuno — A Rese i Fags de Conic x Defoe dds Governance [ELAN GERSiO — Un del de justiga de menores em Portugal (No centenrio 1a Lei de Proveeséo 3 Infinca, de 27 de Maio de 1911), Joko Cantos Lounsito — Oueeo dero € possve:cvlizagao (da tn corpo e procriagio — Tiépicas de um roteico em rorno da maternidade de subsituigao se Cointe Eton Pie. 1265, 1289 1347 1365 1387 AQUELES QUE NASCERAM (BREVE EXCURSO SOBRE 0 ENQUADRAMENTO PENAL DAS LESOES PRE-NATAIS) Vera LOcia RAPOSO Embora o ditcito criminal esteja edificado em torno das pessoas € dos respectivos bens, a protecgio de (ainda) nio-pessoas nio Ihe é estra- nha, Porém, classicamente esta tutela operava mediante 0 delito de aborto, ot seja, pressupunha que a ndo-pessoa nem chegava a ser pessoa, isto é, a nascer. A partir de certa altura, sobretudo na segunda metade do século passado, os penalistas comegaram a defrontar-se com ofensas cometidas a nio-pessoas (embriGes ou fetos) mas que nfo sio impeditivas do seu nascimento. Pelo contrério, nascem, tornam-se pessoas ¢ adquirem os respectivos dircitos, mas sofrem (muitas vezes durante toda a vida) as sequelas das lesdes praticadas in utero (anos mais tarde comegou a vexata quacstio das lesbes causadas in vitro), e muitas vezes acabam por morrer em consequéncia das mesmas. Como trata o direito penal aqueles que nasceram? 1. APOSICAO DO NAO-NASCIDO NO DIREITO CONSTITU- CIONAL A vida humana nao nascida é declaradamente um bem constitucio- nalmente tutelado, tal como tem sido afirmado pelos vérios Tribunais © Professors Ausiliar da Faculdade de Dircita da Universidade de Coimbra. Advogeda 1066 a 7 Vera Licia Rapro Constitucionais europeus, Ainda que nao the seja reconhecida a titula- ridade de direitos fundamentais, é-lhe pelo menos estendida a tutela dcrivada da dimensio objectiva dos referidos direitos ®, no seguimento das célebtes decisoes do BVerfGE ©, depois perfilhadas também pelo “Tribunal Constieucional Portugués (doravante TC) face ao art. 24.° da Constituigio da Republica Portuguesa “ (doravante CRP). Esta leitura encontta sustento na prépria letra da norma do nosso art, 24.° CRP, que protege a vida humana em geral ¢ ndo a pessoa humana individualizada ®. E desta proteccéo objectiva que se tém feito (José Carlos Vieira de ANORADE, Os Dircitos Fundamensais,..(2007), . 113/117; Francisco BALAGUER CALLE}ON, Manual de Derecho Consitucional . 35137; ‘Exnst-Wolfgang BOCKENFORDE, Fcritos sobre Derechos Fundamentale, p. 104 sx: J.) Gomes CaNOTILHO, Direito Consttucionale Teoria ds Consttuigdo, p. 1255 sss E FER NANDEZ SEGADO, “La Teoria Juridica...", p. 207/211; Alfredo GALLEGO ANABIZARTE, Derechos Fundamentals... p. 30 ss; Helmut GOERLICH, “Fundamental Constitutional Rights..." p. 58; Peter HABERLE, “Linee di Svluppo...", p. 2888/2890 e Le Garan- fas» p. 71 3835 Kontad HESSE, “Significado de los Derechos Fundamentales’, 91 83 Jonatas MACHADO, Liberdade de Expresio..., p. 378/385; Jorge Reis NOVAis, As Resrigoes aos Dircto... p. S7I53; Cristina QUEIROZ, Incerpretago Constitucional.. . 63.5; Carlos ROMEO Casasow, El Derecho y la Biotic... p. 70 58; Ingo SARLET, A Bhicdeia des Direits Fandamentas, p. 150 58.3 Daniel SaRMENTO, Direits Funda ‘ments ¢ Relates Privadas, p, 105 ss H. P. SCHNEIDER, “Peculiaridad y Funcién.. . 7 353 Christian STARCK, "Constitutional Interpretation”, p. 63/64, ‘8 A tese da dupla dimensio do diteito & vida comegou por set afiemada pelo BVerfGE, em 1975 (BVesfGE 39,1) a propésivo do 5. 2 Abs, 2 da GG ("Jeder hat das Recht auf Leben’), por forga do qual declarou a inconstitucionalidade do regime do aborto derivado da quinta teforma penal. Alguns anos depois riterou esta ideia na decisdo BVeriGE 88, 203 (1998) '® “[S]6 as pessoas podem ser ttulares de direitos fundamentais (..) pelo que © regime consttucional de protecgio do dircito & vida (..) nfo vale directamente de pleno para a vida intra-uterina e para os nasciruros”(acérdfo do TC n.° 85/85, de 29 dde Maio), mas “para além de garantir «todas as pessoas umm direto fundamental & vida, subjectivado em cada individuo, integra igualmence uma dimensio objectiva, em que Se enguada a proseesio da vida humana intra-uterina, a qual consid uma verdadetra imposigio consttucional” (acérdio do TC n.° 288/98, de 17 de Abril). © Ainda mais expresivas no sentido da proteegio da vida humana nfo-nas- ida sio as constituigdes da América Latina (por exemplo, o 3.° da Constituigao da (Guatemala: “El esado garantiza y protege la vide humana desde su concepcin, asf Aueles que nasceram 1067 derivar algumas limitagSes juridicas em sede de aborto (tratando-se de embrides uterinos) ¢ em sede de FIV («ratando-se de embriges in vitro), no sentido de atribuir & vida de embrides e fetos uma protecgio jur(dica conforme ao valor que thes é jutidicamente reconhecido. Todavia, quest6es paralelas se colocam a propésito da integridade fisica embrionéria ¢ fetal, pois a dupla dimensio que reconhecemos no direito a vida deve igualmente ser transposta para o dreito & integridade fisica. Ou seja, também a integridade fisica do embrido/feto sio bens jutidico-constitucionais, parte integrante da dimensio objectiva do dircito & integridade fisica ©, logo, susceptiveis de aproveitar também Aqueles a quem a titularidade do respectivo direito esta vedada. 2. A TUTELA CRIMINAL DE BENS CONSTITUCIONAIS Nao existe uma estrita cortespondéncia entre os bens juridico-cons- titucionais ¢ 0 bens jurfdico-penais . A doutrina maioritéria afasta ‘como la integra y la seguridad de la persons’) e, excepcionalmente no caso europe, 2 inlandesa, que proclama expressamente o dircito & vida a partir da concepeo, A distingéo entre “ser humano” e “pessoa humana” em Vera Liicis RAPOSO, Catarina Prat, Isabel O. de Ouivetra, "Human Rights”, p. 96/98, {© Chr Luis Garcia MaRTtN, Comentarios al Cédigo Penal... p. 614; Marla José Ropniurz Mesa, “Algunas Consideraciones...", p. 1076; Carlos Maria Romeo CAsaBonAa, El Derecho y la Biotica.... p. 118; J. M. Vate MURiz, M. Gonzdusz GowzAuez, “Urilzacién Abusiva.., p. 144 © Sobre a nogio de bem juridico-penal « as vérias teorias possiveis, Manel sda Costa ANORADE, “A Nova Lei...",p. 73/96, e Consentimentoe Acordo... p.51 Ss Eduardo CoRREIA, Direito Criminal, p. 277 ss; Jonge de Figueitedo Dias, “Os Novos Rumas...",p. 16, Temas Basico... p. 43, ¢ Divito Penal — Pare Geral... p. 113/154 ("a expressio de um interesse, da pessoa ou da comiinidade, na manutencao ou ine sridade de um certo estado, objecto ou bem em si mesmo socialmente relevant e por isso juridicamente reconhecido como valioso”); Augusto Silva Dias, “Delica In Se. P. 669 (“objecto de valor experimentado como fundamental pela comunidade de Sujitos na perspectva da sua realizacio individual e social); José Francisco de Faia Costa, "O Fim da Vida e 0 Direito Penal”, p. 768/770; Conceigio CuNttA, Constitui- 6%0 ¢ Grime..., p. 8090; José Manuel GOMEZ BENETE2, “Sobre la Teri..." p. 85 564 1068 Vera Licie Raposo aideia de uma relagio de identidade entre 0 bem juridico-constitucional € 0 bem juridico-criminal em prol de uma relagio de analogia substan- cial entre ambos ®, fundada no estatuto de quadro orientador que cabe a0 texto supremo do ordenamento juridico. ‘Mesmo quando um bem juridico-constieucional goza de tutcla penal sta € sempre fragmentéria, pois a natureza de siltima ratio do direito penal nao permite protegé-lo de todos os ataques ¢ em todas as cizcuns- tincias. Ou seja, nem todos os bens com dignidade constitucional desfrutam da concomitante dignidade criminal ®, No caso da vida humana nao nascida devemos comesar por apontar que sua cutela constitucional corresponde tradicionalmence algum nivel de proteccio a titulo penal, sem que daqui derive 0 reconhecimento a estes entes (embrides ¢ fetos) de qualquer direito. O diteito penal pro- ‘ege bens juridicos objectivaveis, independentemente da sua subjectivi- dade juridica “, mas essa proteccio néo € suficiente para os elevar a sujeitos de direitos fundamentais. Seigio ROMEO MALANDA, Intervenciones Genética... p. 37s Os Crimes Fiscis.... p. 1711239; "Sobre 0 Bem Jucidien ‘Tonio, “A Propésito do Bem Juridica..." p. 548/554, ("Esta relagio de miitua referencia "nfo serd de identidade ou mesmo 6 de reelproca cobertur", mas de analogia material, fundada numa “essencal correspon. Adéncia de sentido e— do ponto de vista da sua eutcla — de fins” Jorge de Figueizedo Duns, Temas Bisco... p. 47, ¢ Direito Penal — Parte Geral I... p. 120, numa con. cepgio hoje perfilhada pels doutrina dominante, entre outtos, Conceicio CUNIIA, Constewigdo e Crime... p. 196 5.) Sobre a relagio entre os ordenamentos constinicional « penal sinda Jo Francisco de Fatia Costa, Direito Penal... p. 28 8; Juan José GONZALEZ RUS, Bien Juridice. ¢ ‘Ana Paula GUIMARAES, Alguns Problemas.... p. 133/147; Sergio ROMEO MALANDA, Intervenciones Genética... p. 44 883; Francesco PALAZ20, Valores Constitucionais. 7.86. Dentro do quadro constivucional papel principal na delineasao do bem juridico tabe aos DLG (Sergio ROMEO MALANDA, Intervenciones Genética. p. 69/71) % Conceigio Cunt, Conttuigto ¢ Crime, p. 288 ss, A discussio desta problematica ea referéncia ts virias correntes sobre o tema em Joio Carlos LOuREiRo, "Abort..." p. 353. Laie Gracia Martin, Estrella ESCUCHURI AISA, Las Dlitor.., p. 26 sana Aires de SOUSA, + p. 622/629; Fernando 069) Agueles gue nazceram Embora a vida humana pré-natal seja um bem juridico-constitucio- nal, merecedor de tutela neste ensejo, a proteccio que o Cédigo Penal Pornugués (doravante CP) the confete restringe-se a actos dolosos, que incidam sobre embrides jé nidados, e apenas quanto aos actos que afec- tem a sua vida e jd ndo a sua integridade fisica, Os efeitos juridicos destas restrigbes resultam numa grave lacuna do nosso ordenamento criminal, que passaremos de seguida a analisar 3. A PROTECCAO PENAL DO EMBRIAO/FETO NO CODIGO PENAL PORTUGUES OCP contém um capitulo dedicado aos crimes contra a vida intra- vuterina, mas repleto de espacos de impunidade. Desde logo, apenas tutela embrides jf nidados. Esta restrigio no consta expressamente de nenhuma norma do nosso CP, mas seguindo ‘0s ensinamentos da doutrina alema (de resto, expressamente plasmados ‘no § 218 do Cédigo Penal alemao, doravante StGB) a protecgzo penal apenas se inicia apds a nidagio, considerando assim atipicas as conducas impeditivas da fecundacéo ¢ da nidagio. Nem poderia ser de outra forma, jd que antes desse momento muitas das vezes nem sequer & pos- sivel certificar a existéncia de um embriao (e por isso mesmo muitas sociedades cientificas fazem coincidiro inicio da gravider com a nidagao uterina), pelo que causa algumas dificuldades juridicas punie a titulo de aborto condutas que destroem embri6es nao nidados. Por esse mesmo motivo to-pouco o CP confere guarida penal a0 embriao in vitro, ncccesariamente néo nidado. A proteccio que o sistema legal Ihes con, cede advém sobretudo da Lei n.° 32/2006 (Lei de 26 de Julho, sobre técnicas de reprodugio assistida) que, em congruéncia com o principio da protecgéo gradual da vida humana, reserva para estes embrides uma tuela que tem em conta a volatilidade e incerteza da sua existéncia Se a razdo de ser desta primeira restrigio & protec¢io penal de embriGes ¢ fetos encontra uma explicasio légica ¢ incontorndvel, jé as restrigbes que a seguir exporemos nos suscitam maiores dificuldades de apreensio, 1070 Vere Lidia Raposo A outra resttigio prende-se com 0 comportamento do agressor, no sentido de punir unicamente condutas dolosas. Abortos negligentes apenas podem dar origem a compensagées conferidas aos pais em sede de respon- sabilidade civil , Teoricamente a morte do ‘nascituro, ainda que causada de forma negligente, poderia ser usada para agravar a medida da pena referente ao crime de ofensas corporais cometidas na pessoa da mée “2, mas esta solugio esté arredada do nosso ordenamento criminal dado que ‘no goza da necessiria previsio expressa nesse sentido, ¢leinuras analdgicas so proibidas pelo principio da legalidade, além de que tal solucio equipa- taria 0 nascituro a um érgéo materno. Ou seja, entze nés 0 aborto negli- gente no gova de turela penal. Exactamente por este mesmo motivo ¢ que a fronteita que separa o crime de aborto do crime de homicidio € 0 inicio do trabalho de parto ¢ nao, como sucede no direito civil para efeitos de attibuiggo da personalidade juridica, 0 nascimento completo ¢ com vida “, E que se assim néo fosse — e se punissecriminalmente o aborto negligente — condutas negligentes do médico praticadas durante o parto permane- ceriam impunes, ndo obstante estar em causa uma forma de vida humana que se aproxima perigosamente da pessoa, logo, do crime de homictdio, Além disso, © CP apenas sanciona as condutas por forga das quais a vida do embrido (referimo-nos a embrides uterinos, pois a destruicéo de embrides in vitro € proibida em alguns casos mas, pelo menos entre nds, ‘do dé lugar 2 uma sangio criminal, nem sequer contra-ordenacional “) (9 Capelo de Sousa defende que a protecsSo dispensada a0 nascituro abrange ‘nfo apenas actos que violem a sua personalidade fsica ou moral, mas também omissBes ilctas, capazes de fundamentar uma reparagio a luz do art. 486.° do Cédigo Civil (Rabindranath Capelo de Sousa. O Disrin Gora! de Peronalidade,p. 164, 168) ')" Na linha do entendimento tradicional que concebe o embrigo enquanto parte do seu corpo (Catl WetimaN, “The Concept of Fetal Rights’, p. 70/72). "Ngo existe no direito penal um preceito que assinale, como no diteico ivi, a delimitagéo, para os pertinentes efeitos, da consideracio da pessoa (...) a con ceptualizagio da pesoa a partir do momento em que se inicia 0 nascimento situa-se na linha de maior efectividade dos diteitos& vida 4 integridade fsica€ saide” (deci- sio do Supremo Tribunal espanhol de 22 de Janeiro de 1999). “A tniea prtieacriminalmente sancionada é a utilizagio de embrises para fins cienuficas fora dos casos legalmente admitidos (art. 40.2/1 da Lei n° 32/2006). Coimie Eton Aagueles que nasceram tort ou do feto € destrufda, nao jé quando é lesada sem com isso impedir 0 nascimento. Tal como jé referimos em relagio a0 ponto anterior, esta lesdo podcria ser atendida para agravar a pena relativa ao crime de ofen- sas corpora softidas pela mae, mas nao s6 este é um facto incerto (a mae pode nio softer qualquer lesio no seu corpo), como tal hipétese no ‘vem legalmente prevista, além de que implicaria tratar 0 embriéo como tuma parte do corpo materno. A PROTECCAO PENAL DA INTEGRIDADE FISICA DO EMBRIAO/FETO. A questio da protecgio da integridade fisica de embrides ¢ feos tem-se vindo a discutir a propésito de actos cometidos pela propria mie, nio 56 fentativa frustradas de aborto (que no impedem 0 nascimento da crianga, mas que efectvamente lhe provocam danos), mas também comportamentos ‘maternos considerados de risco, tais como consumo de dlcool ou bebidas alcoslicas ou a pritica de desportos perigosos, bem como a recusa de ceras intervengées médicas destinadas a potenciar 0 bem-estar do concebido ‘Mas a questio assume acuidade igualmente face a actos de terceitos, tis como _médicos ou agressores da mae que acabam pot lesarigualmente o conccbido, Actualmente este leque de condutas ¢ criminalmente irtelevante entre és, mesmo que praticadas com dolo, O que o ordenamento juridico portugues admite sto processos civis destinados a pedir uma Compensagio relativamente a lesées provocadas int utero € que se véern @ manifesta na pessoa nascida. Em contrapartida, o diteito penal clés- sico manteve-se silencioso quanto ao tema. Nem mesmo os avangos sécnicos em sede de procriacin medicamente assistida, ¢ as moderns leis daf resultantes, se debrugaram sobre a questo. Efectivamente, a Lei n° 32/2006 nao comina sangbes penais para os embrides transferidos 1 A auronomizacio do embrito/feto face & mac defronea 9 médico com dois pacientes individualizados, sendo que por vezes a beneficéncia face a um delesredunda {m prsjufzo do outro, Discutindo o dever de cuidado dos médicos para com 0 embritolfeto, ea concomitanteconsideragio do nfo nascdo como paciente auténomo, Carl Wetman, “The Concept of Fetal Rights’, p. 73/75. 1072 Vera Licia Raposo que venham a nascer com sequelas derivadas de actos softidos in vitro, limicando-se a proibir a transferéncia de embrides sujeitos a experimen. tagao (art, 40.°/2 da Lei n.° 32/2006). Afastada a aplicacio dos tipos clissicos (aborto, homicidio, ofensas corporais), parece que as les6es causadas a0 embrigo/feto caem numa terra de ninguém, ‘Todavia, numa altura em que varios ordenamentos juridicos passaram a incluir 0 tipo de “lesées ferais” " urge reflectit acerca da utilidade © necessidade da sua introducio no nosso ordena- mento criminal. O ordenamento juridico espanhol conta hoje com uma incrimina- fo espectfica para esta situacdo, Como reacgéo as criticas de lacunas de punibilidade °” que alguns quadrantes doutrinais Ihe apontavam, em 1995 © Cédigo Penal espanhol introduziu um capitulo dedicado ’s les6es fetais: 0 Titulo IV do Livro Il (art. 157.6 para as condutas dolosas €art, 158.9 para as negligentes "© Utiizamos 0 termo “lesdes fetais" porque de facto é o que se vulgarizou, smbora nos parega que a designasio mais acertada sea “lesdes embrionstio-fetais Gi. Carlos Romeo Casson, “Genética y Derecho Penal...”, p. 163, € Los Deltos Contra la Vida... p. 255. Por forga deste vazio os tribunas viram-se na contingéncia de estender 0 émbico ‘iva norma em sede de homictdio, 9 ‘Tambéim contra a aplicagio das ofensas corporsis neste ensejo, J. E HIGUERA Guwens, Bt Derecho Penal y la Genetica, p. 322; J. M, PERIS RIERA, Le Regulacn Penal. p. 61; Eduardo Ratnén RiB4s, El Deliv de Lsines al Fat, p. 386 8 "Antonio CutRDa Ruezu, “Limites Juridico-Penales..., p. 421 Muito menos ¢ pensivel a aplicasto do crime de dano, nao $6 porque também {St pressupde a imediaticidade da ofensa, mas sobretudo porque o embriao no ¢ uma “coisa” susceptivel de ser objeto do crime de dano, CCointes Edoa® Aiqueles que nescerem 1079 Nem sequer se pode cogitar 0 agravamento da pena do agente agressor correspondente & viola¢do da integridade fisica materna em fungio das les6es provocadas no concebido, pois a lesio a0 embrigo/feto rio preenche os pressupostos do tipo de ilicito de ofensa & integridade fisica grave do art. 144.9 CR nem de ofensa & integridade fisica qualif- cada do art. 145.° CB, jd para ndo referir os casos em que tal lesio nem sequer existiu Esta solugio encontraria eventualmente acolhimento A luz do velho adégio do diteito romano “mudieris porto vel vivcerum”, hoje em dia abandonado para afirmar a existéncia auténoma do ente uterino face & mae, pois embora a vida daquele primeiro seja dependente desta itima, consticuem na realidade 2 organismos bioldgica e juridi- camente aurénomos. 4.3. O tipo legal de homicidio A tejeigio da aplicagio do tipo legal de homicidio & questo que fos ocupa ¢ evidente, ¢ por 2 ordens de razées: nlo sb porque este tipo legal pressupde que a leséo seja praticada a uma pessoa jé nascida , ‘mas cambém porque exige necessariamente a morte da pessoa ¢ as es6es ferais nem sempre conduzem a este desfecho. Quando as lesdes causadas a embrides/fetos vém a provocar a sua ‘morte apés 0 nascimento encontramo-nos nui limbo de punibilidade inabarcével por nenhum dos tipos legais existentes: 4) no é um crime de aborto, uma vez que 0 nascituro nao foi impedido de nascer, ii) no € um crime de homicidio, porquanto a conduta foi praticada quando ainda néo existia pessoa 0 momento chave para a delimitagao do crime 2 Pense-se por exemplo, num acto médico conforme as lees arti, pratcado 'na mic com o consentimento desta, ¢ sem lhe provocar qualquer leo, mas que cause ddanos no embrigo ou no feto; ou ainda nos casos de danos derivados de ingestio de ‘medicamentos, de que falaremos de seguida. Om T= No crime de aboreo (art, 140, do CP), 0 bem jucico protgido & 4 vida do feto, ou seja, a vida humana em gestago, H— Estando em causa bens jutfdicos pessoas e, por isso, ncessariamente dife- entes, existe concurso ideal heterogéneo entze os crimes de homitdio e de abort (acérdio do Supremo Teibunal de justiga de 21/01/98) 1080 Vera Licia Raposo €0 da prética da conduta activa ou omissiva (art, 3.° do CP) ¢ néo 0 da ocorréncia dos respectivos efeitos Nestes casos despontam 2 possiveis hipreses de punigio: ou apenas 4 titulo de lesées fetais agravadas pelo resultado ° ou por via de um concurso entre 0 delito de lesdes fetais dolosas ¢ 0 delito de aborto negligente ° (pressupondo que os ordenamentos juridicos prevéem estas figuras) ou, praticado com dolo eventual pois, como faz notar Romeo Casabona ®, o ataque & integridade fisica do concebido implica a Possibilidade de the causar a morte, de modo que o agente do delito certamente cogitou essa hipérese. Porém, parece-nos que esta tiltima solucao fica irremediavelmente afastada pela circunstincia de a morte ocorter jé no estédio de pessoa Quando muito serd subsumivel no tipo de les6es fetais — quando exista — pois a morte causa necessariamente lesdes, mas nem este tipo de ilfcito abarca perfeitamente a situagio em anilise, excepto quando aparega sob a forma de lesGes fetais agravadas pelo resultado morte 4.4. O tipo legal de aborto A aplicagao do tipo legal de aborto as ofensas corporais defronta-se com o singelo obstdculo deste pressupor a morte do embrio/fero ¢ de tal consequéncia aqui nem sempre ocorrer. Nem sequer é pensével a invocacio do crime tentado de aborto, pois que neste timo a intencio do autor (isto é, o elemento volitivo do dolo) dirige-se & lesio da vida, 0 passo que no caso em andlise a intencio haverd de se ditigir 8 lesio da satide e da integridade corporal ©, ainda que reconhegamos a cnorme (09 Bate idcia em Jorge de Figueiredo Das, “Art. 131.9", p. 8,9. Eduardo Ramén Riss, El Delito de Leones al Feo.» p. 466 (8 Ignacio Francisco Benrrez ORtUzAR, Arpector Juridica Peale... p. 435; Lis Gracia Magri, Estella EsCUCHURI Als, Las Deli... p. 59; Antonio CUERDA Ruzzu, “Limite Juridico Penales..., p. 420, 8 Carlos RoMEO CasaBonA, "Genética y Derecho Penal.",p. 163 9 Antonio CueRDA Riezv, "LimitesJuidico Penales.., p. 430. Agueler gue naseram 1081 dificuldade que pode rodear a resposta a este quesito. De modo que entre ambos os tipos legais intercede a mesma distingfo que separa as ofensas corporais consumadas do homicidio tentado ™, e que impedem a aplicago do tipo legal de homicidio, ainda que sob a forma tentada, 0s casos em que a intengéo do agente era agredir e no matar. 5. A ARQUITECTURA DE UM POSSIVEL TIPO DE “LESOES EMBRIONARIAS E FETAIS” A introdugio de um tipo legal desta nacureza no nosso ordenamento criminal pressupde a prévia resolucéo de uma série de questbes que ultrapassam ja discusséo acerca da sua conveniéncia (a qual se tem por adquirida) ¢ tocam a prépria estrutura e respectiva insergio sistemstica. 5.1. O bem juridico protegido O tipo de lesdes fetais protegerd o embriio/feto em si mesmo ou a pessoa que ird nascer com os danos Propomo-nos de seguida analisar os principais argumentos invoca- dos em favor de ambas as teses em discussio, de forma a desconstrui-los chegar a uma conclusio sobre 0 bem juridico efectivamente proegido pelo tipo de lesbes fetais. Quanto & distingio entre ambos veja-se o acdrdio do Supremo Tribunal de Justiga de 17/12/2002. 68" Defendendo esta posigio I, F Benrrez ORTUZAR, Aspects Juridico-Penales., p. 419/420; Maria del Carmén Gomez Rivexo, “Titulo IV..." p. 22: Calas ROMEO Casnsone, "Genética y Derecho Penal..", p. 164: VASQUEZ IRUZUMETA, Muewo Cédigo Penal Comentade, Ley 1011995, de 23 de Noviembre, Madvid, 1996, p. 239, apud Pedro FeMeNta LOPEZ, Status furdico del Embrién Humano..., p. 323, (i Afirmando sero feto apenas o object, ¢ 0 bem juridico protegido a inte- tridade da crianga nascida viva, Maria José RODRIGUEZ MESA, “Algunas Consideracio- nes..." p: 1079, 1080. Parecendo apontar para ambos os bens juricos (os da pessoa e os da nio-pesto), J.C. Carsowent Mareu, J. L, Gowzstez Cuassac, Derecho Penal... 143, 082 Vera Licia Raporo 5.1.1. Concatenagao entre a pena do aborto ¢ a pena das lesées fetais Uma das maiores objecgdes apresentadas contra a tese de que 0 bem juridico protegido pelas les6es fetais & a integridade fisica do embrido/feto radica na construgao do tipo legal de lesées ferais nos ‘ordenamentos juridicos que prevéem esta incriminagao, j4 que les fazer corresponder uma pena superior Aquela cominada para o crime de aborto. Como explicar que a destruigao da vida nao nascida seja mais levemente sancionada que a lesio da sua integridade fisica? ‘Uma primeira explicagio possivel é considerar que tal se deve a0 facto de o primeiro tipo legal tutelar bens jurfdicos pertencentes 20 embrigo/feto, ao passo que o segundo protegeria bens da tivularidade da pessoa, sendo que a pessoa e respectivos bens juridicos assumem maior relevancia para o dircito criminal (assim como para o direito constitu cional), por conseguinte, a respectiva pena terd de ser necessariamente superior. Esta versio tem servido para imputat ao crime de lesées fetais 4 protecgdo de bens pertencentes & pessoa. ‘Mas existem outras justificagbes para esta discrepancia sancionatéria, € que coincidem na configuracio das lesses fetais como um tipo legal de proseccio da satide e integridade fisica do embrifo/feto. Segundo uma delas a pena prevista para o crime de aborto resulta de uma ponderagéo entre vitios direitos e interesses conflicuantes — por um lado, a protecgéo da vida embriondria (¢ para alguns autores inclusive © seu direito a nascer); por outro lado, os direitos & integridade fsica ¢ a0 desenvolvimento da personalidade da mie — o que explica que a pena correspondente & destruigéo da vida humana tenha que ser atenuada, precisamente porque no esté apenas em causa a protecgio dessa vida mas também a protecgio de bens juridicos pertencentes & mie. Seria injusto que esta (ou aquele que age a seu pedido) fossem sancionados sem ter em conta a respectiva posigio juridica , Diferentemente, no crime de ‘© Eduardo Ramén Rusa, H! Delt de Lesions al Feo.» p. 36338 E precismente a auséncia de um tl conflito que explica, para Eduardo Ramén Rusa (EI Delite de Levine al Fo... p. 366s, 372 8, 38488), que a pena do boro Agueles gue nasceram eee = ton lesdes ferais no existe nenhum bem juridico que deva ser concatenado com o valor da integridade fisica embrionéria © com a sua satide, pelo que 0 direito penal pode fazer-lhe corresponder uma pena que expelhe com maior rigor o valor destes bens juridico-ctiminais. A esta luz nfo existe incongruéncia entre as penas cominadas para os 2 tipos legais, ambos protectores de bens juridicos pertencentes a0 embrio/feto, De acordo com uma outra explicacio poss(vel a disparidade de penas deve-se a0 diferente peso que os bens juridicos em causa assumem quando se trata de seres humanos no nascidos. Enquanto no caso da pessoa a vida sobreleva o valor da integridade flsica “, jé no caso de néo-pessoas 2 integridade fisica que assume primazia, Esta conclusio — que é a ‘nossa — funda-se ainda no papel central desempenhado pela pessoa no ‘mundo juridico ¢ na maior tutela que esta pode reivindicar Face & nao-pes- soa. Se assim é, entio, & mais grave lesar a integridade fisica de uma pessoa do que impedir o seu nascimento, porque nesse caso no pode hhaver dano efectivo para a pessoa pelo simples facto de que esta nem sequer braticado sem consensimento da mulher seja manifestamente superior & do aborto com ongentimento (vejam-se os arts. 140.1 © 2 do CP ¢, em termos andloges, o» ants. 144.° 145.° do Cédigo Penal espanhol), ‘A perspectivagio do aborto como um conta de interesssé particularmente cara Aagueles que atribuem igual valot vida humana em todas as fases do seu desenvoli- ‘mento segundo esta perspectiva, porque no aborto se verifies uma confluenela de interessesinexistente no caso do homieidio,o legisladorviu-se forgado 1 atender ewes intereses,€a nfo pun os seus titlares com a pena que em prinepio corterponde 8 ‘aniquilagio de qualquer vida humana e que é cominada no crime de homicidio, \ejeac a exposivio das critics diigidas a esta teoria em Eduatdo Ramin RIBAS, Ei Delito de Lone al Ft... 374, 375, ¢ a descrigio de uma teoria aernativa, que justifies 0 cardcter mais leve da pena atribufda 20 aborto praticado pela mulher come luma questio de menor exigibilidade da conduta, isto é, de culpa (posigio esta naten. ‘ada por LAURENzD CoPtio, Comentarios al Cidigo Penal, Parte Especial. 2861287, ‘pud Eduardo Ramén Rina, El Delito de Lesones al Fete... p. 379). ‘© E mesmo esta afirmagio tem vindo a ser enfiaquecida pelas ctescentes ‘ivindieagbes em toro da qualidade de vida face & quantidade de vida eratando-se de Pessoas com doengas terminais e causadoras de grande softimento (José Francisco de Faria Costa, “O Fim da Vida e o Divito Penal" p. 759 ss, ¢ “Vida e Morte em Ditete Penal...”, p. 171 s) 1084 chega a existir (0 nico dano que se verfica respeita & entidade que ante- cede a pessoa, cujos danos so menos valorados pelo mundo juridico) Em suma, em nossa entender esta diferenciagio no quantum das Penas radica no facto de na primeira hipétese & violagio do valor da vida humana intra-uterina se adicionar o valor da integridade fisica ¢ da liberdade pessoal da mulher, materializados no crime de coagio (e, actes- centaremos nés, no valor da autodeterminagso reprodutiva, enquanto liberdade para ter filhos) Mas concordamos igualmente com 0 argumento apresentado por Ramén Ribas: se a mulher ndo pretendia a interrupcio da gravidee niio se verifica aqui aquela fricgio de interesses que explica que 0 crime de aborto com consentimento da mulher seja mais levemente punido do que a pena que seria ditada unicamente atendendo ao valor da vida intra-utetina, Nio negamos a perspectiva conflitual que orienta a puni- Sto do crime de aborto, porque sem diivida que se verifica ali um conflito ‘entre posigées jurfdicas dignas de atengio pelo direito (como se demons. tra pelo facto de a pena atribuida ao aborto sem consentimento da mulher srivida, prevista no n.° 1 do art. 140.° do CR, ser substancialmente mais clevada do que a pena relativa a0 aborto com consentimento da mesma, fixada no n° 2 do referido preceito). Ou seja, uma vez que a proteccio Penal da vida intra-uterina se processa & custa de valores aos quais o ordenamento juridico € sensivel, optou o legislador por impor ao titular desses direitos ou interesses (a mulher que pratica 0 aborto ou a pedido de quem ele ¢ praticado e, por atrastamento, a pessoa que o pratica “9 “t)_Esca disparidade justiica-se pelo facto de no aborto scm consentimento “Vida ¢ Morte em Dircico Penal Esquisso de Alguns Problemas e Tentativa de Auronomizacio de um Novo Bem Juridica)”, Revita Portuguesa de Ciencia Griminal, ano 14, 2 1 €2, 2006. > Dircto Penal Expecial — Contributo a tina Sizematicagzo des Problema “Exp.

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