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eikhenbaum chklovski jakobson tomachevski jirmunski vinogradov TEORIA LITERATURA | formalistas AUSO SS EDITORA GLOBO Copyiaht © 1970 by Editors Globo $.A. 18 diego — maio de 1971 2 edigdo —junho de 1973 BH edizo —margo de 1976 Cape de JOAO AZEVEDO BRAG) Dircits exclusivos desta fm lingua portuguesa, da Porto Alegre — Rio Grand SUMARIO Preféicio — Boris Schnaiderman x ‘A Teoria Literéria dos formlistas russos no Brasil — Dionfsio de Oliveira Toledo : XX PRIMEIRA PARTE ‘A PROBLEMATICA DO FORMALISMO I ‘A Teoria do “Método Formal” — B. Eikhenbaum . 3 ‘A Ante como Procedimento — V. Chklovski cee 39 Sobre a questio do “Método Formal” — V. Jirmunski 31 A Escola poética formalista e © marxismo — L. Trotsky n IL ‘As Tarefas da Estilistiea — V. V. Vinogradov 89 Os Problemas dos Estudos Literitios ¢ Lingisticos — J. nov eR. Jakobson : 95 A Nosio de Construgio — J. Tynianov ” Da Evolugio Literiria — J. Tynianow 105 119 Do Realismo Artistico — R. Jakobson - 168 B. Eikbenbaum citam constantemente come exemplo de construcdo notavel. 1sse romance tem apenas trés personagens ligados entre si por um sogre- do qu; 6 degeoberto no iiltimo capitulo (Hevelation) ; nenhuma.in- triga paralela, nenhuma digressio, nem episédio marginal; defron- ‘tamo-ios eom uma unidade total de tempo, de lugar e de ago, 'ra- tase aqui de um fendmeno radicalmente diferente dos roman- ces de Balzse on de Dickens que buscam sua origem menos na no- ‘vela que nos estudos de costumes ou em estudos ditos fisiolégieos. Assim, a literatura americana earacteriza.se pelo desenvolvi- mento da novela, Essa novela funda-se sobre os seguintes prinet pios: unidade de construgdo, efeite principal no meio da narracio e fort2 acento final, Até a década de 80, essa novela varia, aproxi- mandose ow distanciandose da reportagem; mas guarda sempre seu ceriter sério: moralizante oa sentimental, psicalogico ou fisio- Iégico A partir dessa época (Mark Twain), a novela americana ag um grande passo no sentido da anedota, sublinhando a fungio do narrador humorista on introduzinda clementos do pastiche & da ironia literéria, Mosmo a surpresa final 6 submetida ao jogo da incriga e as expectativas do leitor. Ox procedimentos de cons- truce sio revelados inteneionslmente © tém apenas uma signifiea- io formal; @ motivagio é simplificada, a anélise psicoldgiea desa- parece. Nessa época, aparecem as novelas de O. Henry onde se mo nifesta em seu mais alto grau a tendéneia anedética 1925 B, TOMACHEYSEL A ESCOLHA DO TEMA No decorrex do proces partienlares com. binam-se entre si segundo eeu sentide ¢ realizam ume certs cons- vée de uma idéia ou tema eomum, AS truggo na qual significagées dos elementos particulares da obra constituem uma nidade que € 0 tema (aquilo de que se fala). Podemos também fa- lar do tema d obra on do tema de suas partes. Orda obra escrita numa lingua provida de seatido possui um tema, A obra transracional ¢ 2 nics a nfo ter um tema e por isto nio pasa de uum exercicio experimental, um exerefeio de Inboratério para certas eseolas poéticas. ‘A obra literdria 6 dotada de uma unidede quando construida 8 partir de um tema nico que se desenvolve no decorrer da obra. Por eonseguinte, o processo literirio organiza-se em torno de dois momentos importantes: a escolha do tema e sua eluboragio. A eseotha do tema depende estreitamente da aceitaglo que en- contra junto ao leitor. A palavra “‘leitor”” designa em geral um 170 B. Tomachevski ciroulo bastante mal definido de pessoas, do qual muitas vezes, 0 préprio eseritor no tem um conheeimento preciso A figura do leitor esti sempre presonte na eonseitneia do es- critor, embora abstrata, exigindo o esforgo deste para ser 0 leitor de sua obra. Esta imagem do leitor pode ser formulada num en- dereco elissivo, como aquele que encontramos numa das ditimas estrofes de Bugénio Oneguin ‘Soja quem for, men leitor, Amigo ou inimigo, ew quero de yoo Despedir-me afetuosamente, Adeus. Seja o que for que procara em mim, Nestas estrofes indolentes A reeordacio de uma emogio, Un refrigério apés 0 trabalho, Quadros vivos, palavras de espirito Ox erros de gramética, Cuide Deus para que neste livro, Para o divertimento, para 0 sonho, Para 0 coracdo, para a polémica dos jornalistas ‘Vout eneontre nem que seja uma migalha; E agora, separemo-nos, adeus, Esta preseupacio com um leiter abstrato traduzse na nog de “interesse”” A obra deve ser interessante. A nogio de interesse guia o autor jit na eseolha do tema, Mas o interesso pode tomar formas bastante variadas. As preoeupagies de oficio si0 familiares a0 escritor, aos leitores mais préximos, ¢ pertencem aos méveis mais fortes do de- senvolvimento literario. A aspiragio a uma novidade profissional, @ uma obra-prima, foi sempre o trago distintivo das maneiras ¢ cescolas literdrias mais progressistas. A experiéneia literdria, a tra- ‘digo & qual se refere o eseritor, revelam-se-lhe como uma tarefa fegada por seus antecessores, tarefa euja realizagio exige toda sua atengdo Por outro Indo, 0 interesse dé leitor meutro, estranho aos problemas do ofieio, pode tomar formas diversas, partindo da exi géncia de uma qualidade puramente reoreativa (satisfeite pela Ti terature “de passatempo”? de Nat Pinkerton a Tarzan) i combi nagio de interesses literdrios com questdes de interesso geral Temitica m ‘Neste sentido, 0 tema atual, isto 6, aquele que trata dos proble- mas culturais do momento, sausta o leitor. Assim, uma imensa literatura jornalistica acumulouse em tor no de cada romance de Turguemey, interessada menos pela obra de arte e mais pelos problemas de cultura geral, e sobretudo, pelos problemas sociais, Esta literatura jornalistiea era inteiramente le- gitama enquanto resposta ao tema escolhido pelo romancista, Us temas da Revolucio, da vida revoluciondria sio atuais, con- temporaneos, e penetrain em toda a obra de Pilniak, Bhrenburg ¢ de outros prosadores e poetas como Maiakovski, Tikhonov, Asseev. A forma clementar da atualidade nos 6 dada pela conjuntura quotidiens. Mas as obras de atualidade (o “bilhete", as estrofes do cancioueiro) sifo sobrevivem a este interesse temporirio que as suscitaram. A importaneia destes temas 6 reduzida porque nao sio adaptéveis & variedade dos interesses quotidianos do piblico, In- Yersamente, quanto mais o tema for importante e de um interesse durével, mars a vitalidade da obra seré assegurada, Repelindy as sim 0s limites de atualidade, podemos chegar aos interesses univer- sais (os problemas de amor, da morte) que, no fundo, permanecem 08 mesmos ao longo de toda a historia humana. Entretanto, estes temas universais devem ser nutridos por uma matéria comercia.¢ se esta matéria no esta ligada a atualidade, eolocar estes proble mas 6 um trabalho destituido de interesse Nilo € neeessirio compreender a atualidade como uma repre- sentagio da vida contempordnea. Se, por exemplo, o interesse pela revolugio 6 de atualidade hoje, isto significa que o romance histérieo retratando uma época de movimentos revolueionétios, ou o roman utdpieo que desereve a revolugio numa sitnagio fantéstica, podem ser atuais, Relembremos aqui, por exemplo, a série de pecas de teatro a Gpoca das revolugdes apresentadas nos paleos russos (Ostrovsk Alexis Tolstoi, Tehaev, ete., ao mesmo tempo que obras de Kosto. ‘marov), que mostram que os temas histéricos referentes a uma ép0- a, mesmo que distantes, podem ser atuais e suscitar talvez maior interesse do que poderia fazé-lo a representagio da vida contempo- rinea. Enfim, 6 preciso saber que os aspectos desta vida sio repre- sentéveis. Nem tado que & coutemporaneo 6 atual ou provoca 0 mesmo interease. Assim, as particularidades da 6poca que assiste 2 eriagio da obra literdria sio determinantes no que eoneerne ao initeresso pelo tema, Acrescentemos que a tradigio literéria e as tarefas propostas por ela tém um papel preponderante entre estas condigdes hist6- im B, Tomachevski No & suficiente escolher um tema interessante. B preciso sus- tentar o interesse, estimular a ateneio do leitor, O interesse atrai, a atengéo retém, © elemento emocional contribai muito para eativar @ atemgao. Nio 6 sem razdo que, segundo sua caracteristica emocional, elassifi- cam-se an comédias e tragédias us pogas destinadas a agir divetamen. te sobre um grande piblico. Suseitar ume emogao 6 0 melhor meio para cativar a atencio, © tom frio do relator que constata as etapas do movimento revolucisnézio nfo 6 suficiente. H preciso simpatizar, indignar-sc, rejubilarse, revoltarse. Dessa mancira, a obra tornase atual no preciso sentido do termo, porque age sobre 0 leitor acordando nele emogées que dirigem sua vontade, A maioria das obras postieas & construiia a partir da simpatia ou antipatia perecbida pelo autor, @ partir de um julgamento de valor, transferida para o material proposte & nossa atengdo, O herdi virtuoso (positive) © 0 malévalo (negative) representam uma expresso direta deste elemento valo- rativo da obra literaria, O leitor deve ser orientado na sua simpa- tia, em suas emosées. Bis por que o tema da obra literiria é habitualmente colorido pela emogio, provoca entio um sentimento de indignacio on de simpatia e provocaré sempre um julgamento de valor. Por outro lado, & preciso nfo esquecer que o elemento emovional encontrase na obra, que nio é introduzido pelo leitor. Nao se pode debater o carter positive ou negative de um personagom (por exemplo, Petchorine de Lermontov). & preciso descobrir a relagio emocionél contida na obra (mesmo que esta nio seja a opinizo pes- soal do tutor). Este colorido emocional, que fiea evidente nos neros literdrios primitives (por exomplo, no romanee de aventuras, onde a virtude é reeompensada e o vicio punido), pode ser muito fino ¢ eomplexo nas obras mais elaboradas e por veies tio distorcida que nfo a possamos exprimir por uma simples férmula. Entr tanto, em geral, & 0 momento de simpatia que guia o interesse © mantém a atengio, obrigando o leitor a participar do desenvolvi- mento do tema, VABULA E TRAMA © tama apresenta uma corta unidade, B eonstituido de peque- nos elementos tematicos ispostos numa cert ordem, Temitics 13 A aisposigdo destes elementos taméticos far-se de scordo com dois tipos prineipais: obedecendo ao principio de causalidade e ins- erevendo-se numa certa cronologia, ou expondose sem consideragio temporal numa sncessio que nao abedece a nenhuma eansalidade interna, No primeiro easo, tomes obras “com trama”” (novela, r0- manee, poema épico), uo segundo as obras sem trama, doseritivas (poesia deseritiva e didatiea, Hrica, esoritos de viagem: Cartas do tim Viajante Russo de Karazine, A Fragata Pallas de Gontche- ov, ete.) H preciso sublinhar que a fabula nfo s6 exige um indice tem- poral, como também um indice de causalidade, A viagem pode ser relatada como uma sucessio eronolégice, ‘mas se no limitamos a uma narragio das impresses do viajante, om lugar de apresentar suas aventuras pescoais, ento temos apenas uma narragéo sem uma trama, Quanto menos aparece a causa, mais o tempo tem importancia, 0 enfraquecimento da intriga transforma o romance com trama nu- ‘ma erénica, uuma deserigéo no tempo (08 Anos de Infancia do Ba: grov Menino, de Aksakov). Detenhamo-nos sobre & nogio de fibula. Chamase fibula o conjunto de acontecimentos ligados entre si que nos sio comunik dos no decorrer da obra. Bla poderia ser exposta de uma maneira pragmética, de acordo com a ordem natural, a saber, « ordem ero- polégica o ‘causal dos acontocimentos, independentemente da ma- neira pela qual estio dispostos e introduzidos na obra, ‘A. fabula opiese & trama quo é constituida pelos mesmos acontecimentos, mas que respeita sua ordem de aparigae na obra © a seqidncin das informagies que se nus destinan. ‘A nogio do tema é uma nogio suméria que une & mati bal da obra. A obra inteira pode ter seu tema, ao mesmo tempo quo cada parte da obra, A decomposiedo da obra consiste ent isolar suas parles caracterizadas por wma unidade temitien espesfica ‘Assim, a novela de Pushkin, O Piro de Pistola, pode ser decompos ta em duas estdrias: a dos encontros do narrador com Silvio e 0 Conde ¢ a do conflito entre Silvio © o Conde. Por sew turno, a primeira decompoe-se na estéria da vide no regimento e na estéria da vida no campo; e na segunda, separemos o primeiro duelo de Silvio com 0 Conde, do seu segundo encontro. 1 Na realldade, a fibula é © que se passou; a trama & como o loiter toma conhecimento dele 174 B. Tomachevski Através desta decomposiséo da obra em unidades teméticas, chegames enfim as partes indecompostas, até as pequenas particulas do material tematico: ‘+A noite cain”, “*Raskolaikoy maton a ve tha", “‘o her6i morren"’, “‘uma earta ehegou”, ete. O tema desta arte irdecomposta da obra chama-se um motivo. No fundo, cada Proposigéo possui seu préprio motivo. Devemos fazer aqui algumas ressalvas no que concerne ao ter- ‘mo ‘‘motivo’’: em poétiea histérica, em estudo comparativo das tramas variéveis seu emprego difere sensivelmente daquele intro- Guzido aqui, ainda que os dois sejam geralmente definidos da mess ma maneira, No estudo comparativo, chama-se motivo a unidade temética que encontramos em diversas obras (por exemplo, 0 rapto da noive, 08 animais que ajudam o heréi a cumprir suas tarelas, ete.). Bstes motivos sio inteiramente transmitidos de um esquema narrativo a outro. Importa pouco para a postica comparativa que 08 possamos decompor em motivos menores, Importa encontrar sempre no quadro do géuero estudado estes motivos inalterados. Conseqiientemente podemos evitar no estudo comparativo a palavra “‘indecomponivel”” e falar de elementos que permanecem indecom- ostos durante a histéria literdria e conserva sua unidade no Aecorrer de suas peregrinacées de obra para obra, Com efeito, nue ‘merosos motives provém da postiea comparativa ¢ assim permane- ecm do ponto de vista da poétiea tedriea. Os motives combinados entre si constituem o apoio tematico da obra, Nesta perspectiva, a fabula aparece como o conjunto dos motivos 2m sua sucessio cronolégica e de causa e efeito; a trama aparece como o conjunto destes mesmos motives, mas na sucesso em que surge dentro da obra. No que concerne & fibula, pouco im- porta que 0 leitor tome coniecimento de um acontecimento nesta ow naquela parte da obra e que este aeontecimento Ihe seja comu- nicado diretamente pelo autor, através do eserito de um personagem ou através de alusdes marginais. Inversamente, s6 a apresentacio dos motives participa da trama. Um fato qualquer nio inventa- do pelo autor pode servirthe eomo fibula, A trama & uma cons- trugdo inteiramente artistiea, Os motivos de uma obra sio heterogéneos. Uma simples expo- sigio da fébula revela-nos que certos motivos podem ser omitidos sem, entretanto, destruir-se a sueessio da aarragio, enquanto que outros néo o podem, sem que seja alterada a ligaedo de causalidade ‘que une os acontecimentos. Os motives que no podemos excluir ‘io chamados de motivos associados; os que podemos excluir sem que Temética 175 anulemos a sucessio cronolgica e causal dos acontecimentos sao (08 motivos livres. $6 os motivos associados importam para a fabula. Mas no enredo sio sobretudo os motivos livres que tém uma fangdo domi: nante e determinam a construgio da obra. Estes motives marginais (as mimticias, ete.) sio introduzidos devido A eonstrugio artistiea da obra e sio portadores de diferentes fungées as quais voltare- mos mais adiante. A introdugdo destes motivos 6 determinada mi- ma larga medida pela tradigfo literdria e cada eseola se caracteri- za por um repertério de motivos livres, enquanto que os motivos associados, geralmente mais vivos, aparecem sob a mesma forma nas obras de diferentes escolas. 1 certo que as tradigées litersrias par- ticipam consideravelmente do desenvolvimento da fébula (por exem- plo, a novela da década de quarenta do séeulo xix earacteriza-se por uma fabula que narra os males de um pequeno funcionario © Capote de Gogol, As Pobres Gentes de Dostoiewski; a da década de vinte, pela fabula bem conhecida do amor infeliz de um europen Por uma estrangeira: O Prisioneiro do Ciueaso, Os Ciganos de Pushkin). Este fala em sua novela 0 Mereador de Ataides da tra- Gigdo literéria dos motivos livres “‘Amanbi, exatamente ao moio-dia, 0 fabricante ¢ suas filhas safram pelo portio da casa comprada tecentemente e foram até 0 seu vizinho, Nao desereverei o eafeta rnsso Adriano Prokhoro. viteh, nem os vestidos & européia de Akulina e Daria, afastando- me entio do uso consagrado pelos romancistas de hoje. Entretan- to, nao ereio supérfluo indicar que as duas mocas haviam colocado 8 peqnenos chapéus amarelos e sapates vermethos, 0 que faziam apenas em oeasides solenes”. Aqui a deserigio do habito dicional para esta época (1830). Entre os motivos livres, podemos distinguir uma classe parti- cular de motives introdutérios que exigem outros motivos® suple- mentares. Assim, a situagio que consiste em dar uma tarefa ao hherdi 6 earacteristica do género “conto”. Por exemplo, 0 rei quer desposar sua prépria filha, Para evitar o casamento, a moga encar- reza-o do misses impossiveis. Ou entiio & o herdi quem reecbe a filha do rei em easamento. Para evitar este casamento odioso, a filha do rei o enearrega de missdes & primeira vista irrealiniveis (ef, em Pushkin, 0 Conto de Balda), Para desembaracar-se de seu erin: do, 0 sacerdote pede-the que eobre as dividas do diabo. Fate mo- tivo de misses precisa ser sustentado pela narragio conereta das préprias missdes e introduz a narragio concernente ao herdi jada como um motivo livre tra- 176 B. Tomachevski que 6c seu agente. O mesmo se dé no exso de 0 motivo servir como retardamento da aciio, Em As Mil e Uma Noites, Sheherazade re- tarda « execucio que a ameaca contando algumas histérias. mo. tivo da narracio 6 wm procedimento que serve para introdwzir 10- vos coxtos. Tais sio os motives de persegnieio nos romances de aventuras, ete. Habitualmente, a introdugio de motivos livres na novela 6 apresentada como o apoio do motivo introdutério; este ‘ltimo sendo um motivo assoeinde, € insepardvel da fabula. % preciso classifiear por outro lado os motives segundo a agio objetiva quo eles descrevem. © desenvolvimento da fibula & habitualmente eonduzido gra gas a presenga de algans personagens on heréis ligados por inte. esses communs ou outros motivos (por exemplo, o parenteseo). As relagées miituas dos personagens num dado momento eonstituem uma situagio, Por exemplo, o heréi ama a heroina, mas a heroina ama sei rival. As ligagdes sio: amor do herdi pela herofna ¢ 0 amor da heroina pelo rival. A situagio tipiea 6 a que contém Ii gagdes contraditérias; og diferentes personagens querem modifiear esta situagio de varias maneiras. Por exemplo, o heréi ama a he roina © € amado, mas os pais impedem o casamento. O herdi ea heroina aspiram’ao casamento, os pais aspiram a separagio dos herdis. A fibula representa a passagom de uma situagio & outra. Esta passagem pode ser produzida gracas A introdueio de novos personagens (a situacio se torna eomplesn), desapareeimento de antigos personagens (a morte do rival) on A modifieagio da liga- Os motivos modifieadores da situagio chamam-se motivos dint. mieos_¢ 08 ndo-modifieadores, estitieos. Tomemos por exemplo a situagio anterior ao fim da novela de Pushkin, A Senhorita Aldea: Alexis Berestov ama Alulina, O pai de Alexis obriga-o a desposar Lisa Muromskaia. Nio sabendo que Akulina e Lisa sio um tinico personage, Alexis resiste ao easamento imposto por seu pai. Ble parte para explicar-se com Muromskaia ¢ reeonkece Akulina em Lisa. A situacio esti modifienda: as preveucdes de Alexis contra este casamenta eaem. O motivo do reeonheeimento de Akulina em Lisa 6 um motivo dintiico, Os motivos livres sio habitualmente estitieos, mas nem todos 0s motivos estitieos so livres. Suponhamos que o her6i tivesse necessidade de um revélver pata a conclusio de um assassinato nocessério & fibula. O motivo do revélver, sua introdugio no eampo visual do leitor ¢ um motivo estétieo, mas ao mesmo tempo asso- Temdtica v7 lado, porque uiio se poderia cometer o assassinato sem ele, Veja- mos, por exemplo, A Filha sem Dote de Ostrovski. AS desorigies da natureza, do lugar, da situagio, dos persona- gens e de sous caracteres sig motivos tipicamente estéticos; o8 fa. tos e gestos do herdi sio motives tipieamente dindmicos. Os motives dinésaicos sio centrais on motores da fabula. Tn- versamente, acentuam-se por vezes no enredo 03 motivos estaticos Podemos facilmente distribui-los conforme sua importéncia para a fibula. Os motivos dindmicos tomam o primeiro Ingar, se- guides dos preparatérios, dos determinantes da situacéo, ete. A comparacio entre uma exposigdo condensada ¢ uma exposi¢éo mais, frouxa da narragio demonstra-nos a importancia tomada por um motivo na fébala, odemos earacterizar 0 desenvolvimento da fabula como a pas- gem de uma situagio para outra®, sendo cada uma earacterizada pelo conflito de interesses, pela Inta entre os personagens. O de- senvolvimento dieléticn da fabula 6 anilogo ao desenvolvimento do processo social © histérieo que apresenta cada novo estado his- tSrico como o resultado de um conflito de classes sociais no estado precedente, e ac mesmo tempo como o campo em que se choeam os interesses de grapos sociais que constituem o regime social pre. sente, Bstes interesses contraditérios o a Inta entre of personagens so segnidos pelo reagrupamenta destes ‘iltimos e pela tatica de eada grupo em suzs ages contra um ontro. O desenvolvimento de ago, 0 conjunto de motives que a earacterizam chama-se intriga (propria sobremdo A forma dramétiea) © desenvolvimento da intriga (ou, no caso de um reagrap: mento complex de perscnagens, 0 desenvolvimento das intrigas paralclas), conduz ao desaparceimento do conflito on eriagio de novos conflitos. Hahitualmente, 9 final da fibula é representado por ms situagio em que on eonflitos esti suprimidos e os inte- rosses reconeiliados. A sitnagin de conflito suseita nm movimento Aramético, porque uma eoexisténcia prolongada de dois prinefpios opostos nio 6 possivel, ¢ um dos dois deverd superpor-se. Ao con. trério, a siluaeio de “'reconcilingio” no aearreta um novo mo. 2 Tambim na novela pelcolégica, onde a sério de personagens muss relapses nfo substituidas pela extéria interior. Go um ‘nico personagern, Os motivon palcoldgicos de. suas agen, on diferentes lados Ge mba ida cespiritual, ‘seus Instintos, suas paixéen, ete, ttm a funeao doa persont Bens habituais, Podemos generallzar neste’ sentida tide 0 que Tol dito fe tudo 0 que se din 178 B. Tomachevski ‘vimento, nfo desperta a atengio do leitor; porque tal situagio apa- eee no final e chama-se desfecho. Assim, os antigos romances mo- rralistas inieiam por uma situagio na qual a virtude est oprimida ¢ 0 vicio triunfa (conflito de ordem moral), enquanto que, no des- fecho, a virtude & recompensada e 0 vicio punido. Por veres, ob- servamos nma sitnacio equilibrada no inicio de fabula (tipo “Os Herdis viviam placidamente. Repentinamente aconteceu, ete.” Para colocar em acho a #ébula, introduzimos motivos dinfmicos que Gestroem © equilibrio da situagao inieial. O conjunto dos inotivos, ‘que visla a imobilidade da situagio inicial e provoea a acio, cha ‘ma-se né. Habitualmento o né determina todo o desenrolar da f dula e # intriga redns-se As varineses dos motives Drinefpais intro- Avizidos pelo nd. Pstas varingdes chamam-se peripécias (a passagem de uma sitnacko & outra) Quanto mais os conflitos que earacterizam uma situagio sio complexos e os interesses dos personagens opostos, mais a situagao ¢ tensa. A tensio dramétiea tanto mais aumenta quanto mais se apro xima 0 desfecho de uma sitnagio. sta tensio geralmente & obtida pela preparagio deste desfecho. Assim, mo romance de aventuras estereotipado, os adversirios que querem a morte do her6iestio sempre em superioridade, Mas, no iltimo minuto, quando tal mor. te torm-se iminente, o heréi fica subitamente livre ¢ as maquina: ces dismoronam-se. A tensio aumenta gracas a esta preparagio. A tensfio chega a seu ponto culminante antes do desfecho, ste ponto culminante é geralmente designado pela palavra alema Span- nung. Nesta construgao dialética da fabnla mais simples, 0 Spannung aparece como a antitese (sendo 0 m6 a tose, e 0 desfecho, a sintese) © material da fébula forma a trama ao passar por diversas tapas. A situagio inicial exige uma introdugio narrativa, © relato das cireunstineias que determinam o estado inicial dos percona- sens e suas relagdes chama-se exposigio. Uma narragio, porém, nao se inieia forgosamente pela exposigio No caso mais simples, quando o autor inicialmente nos fax co- nhecer 0s personagens participantes da fabula, temos 0 processo de ‘uma exposicio direta. Mas o exdrdio toma também, por vezes, uma outra forma que conviria chamar de exérdio ex-abrupto: © relato inicia-se pela agio j4 em desenvolvimento, é apenas com 0 desen- BD ponto de vista dn disposicia do material narrative, © comece faa narracto characte exérdio, ¢ 204 fim, final. O exérdio pode no con- ter nem a exporicko. nem o m6. Da mesma magnelra, o final pode no cconeidis com 0 deafech. Vemitica 179 rolar que o autor nos di @ conhecar a situagto inieial do her6i, Nes- tes casos, temos o processo de uma exposigio retardada, ste retar- damento’ da exposigio dura por vezes um longo tempo: a introdu- gio dos motivos que coustituem s exposi¢io varia sousivelmente. Por vores, compreendemos a situagto gragas a alusies marginais. BH a soma destas anotagSes incidentais que nos 46 a imagem defini- tiva, Nestes eases, nflo temos um processo de expasieto no sentido exato da palavra: nfo existe parte narrativa inintorrupta onde seriam reunidos os motives da exposigio. ‘Mas, por vezes, apés ter deserito um acontecimento que nio sabomos situar no esquema geral, o autor explica-o (seja em inter- veneio direta, seja através da fala de um personagem) por uma exposigio, isto 6 por um relato sobre o que jé foi contado, Esta transposiedo de exposicio representa um caso partienlar de defor- ‘magio temporal no desenvolvimento da fébula, ‘Este retardamento da exposigio pode sor prolongado até 0 fim: em toda a narraeio, 0 leilor ¢ mantido na ignoréneia de eer- tos detalhes necessérios A compreensio da agio. Habitnalmente, esta ignorincia do leitor corresponde no releto 20 desconhecimen- to destas ciremnstincias, do qual também participam grupo ini- cial de personagens, isto 6, 0 leitor 6 informado unieamente do qne 6 conhecido por um corto porsonagem. Hsta cireunstincia ig- norada & comunieada no desfecho. O desfecho que inelui elementos da exposicdo © que representa o esclarecimento em torno de todas as peripéeias conhecidas desile o exposto precedente, chama-se des- fecho regressive. Suponhamos que o leitar de A Senhorita Alded, assim como Alexis Berestov, nfio eonheca a identidade de Akulina ¢ de Lisa Muromskaia. Neste ea:0, a informacdo quo o desfecho nos daria sobre esta identidade teria possufdo uma forga regressiva, isto 6, nos teria eonduzido a uma nova ¢ verdadeira eompreensio de todas as sitnagdes preeedentes. Assim 6 a construgio de A Tem- pestade, novela estraida da colori Narragses do Palecido Tuan Pe troviteh Biclkine, de Pushkin. Uste retardamento da exposiefo € habitualmente introducido como um conjunto complexo de segredos. Sio possivels as seu tes combinagées: o leitor sabe, os personagens no stbem; uma par- te dos personagens sabe, outra parte néo; o leitor e uma parte dos personagens nijo sahem; ningném sabe, a verdade & descoberta por feaso: os personagens sahem, 0 leitar nfo sabe, uustes segredos podem dominar a narragio inteira ou apenas abarear certos motives, Neste caso, © mesmo motivo pode figurar muitas vezes na eonstrugio da trama, ‘Tomemos o seguinte proce- 180 B. Tomacheoski Aimento, proprio do romance: o filho de um dos personagens foi raptado tempos antes que se inicie a agi (primeiro motivo). Um novo personagem eparece e compreendemos que ele foi eduendo noma Familia que nao era 8 sta ¢ no conboceu seus pris (segundo motivo). Mais tarde, eonhecemos, gragas @ uma confrontagio de datas e cireunstfineias on através do motivo ‘sinal’” — amuleto, tragos de beleza, ete, —, que a eriance criada fundese com 0 outro heréi. Estabelecemos, desta maneira, a identidade do primero. ¢ fo segando motivo. Esta repetigao do motivo sob uma forma mo- ificaca earncteriza o modo de eoustrugio da trama em que os elementos da fibula nio sio introdurides na ordem cronolégies na- tural. © mative repetido é geralmente o indice desta relagko pro- posta pela fibula, entre as partes do esquema composiefonl, Assim, se 6 anvieto & 0 sinal de reconhecimento no exemplo citado anterior. mente, o reeonheeimento da erianga perdida”’, entéo 0 motivo deste smnleto acompenha tanto o relato do desaparecimento de criangs quanto a biageafia do novo personagetn, (Ver Os Tnacentes Culpados de Ostrovski.) [As inversies temporais da narragio slo possiveis gragas & gagio que os motivos estabelecrm entre as partest. Nibo 6 n exposi fio, mas wma parte qualquer da fibula, pode ser couhecida do Ieitor mesmo depois de este tltimo ter tido conhocimento do que fe pasion em seguida, A exposigio sucessiva de uma grande parte dos acontecimen: tos, tendo precedido a estes no decorrer dos quais esta exposigéo € introdusida, chama-se Vorgeschichte. A exposigio retardada é ‘uma forma eomum da Vorgeschichle, assim como a biografia de lum novo personagem introduzide wuma nova situagio. Podemos encontrar numerosos exemplos nos romances de ‘Targueniev. Um easo mais raro.é 0 Nackgeschichte, o relato do que se pas- sa ulteriormente, ¢ que é inserido na narraglo antes que os acon- tecimentos preparatérios desta situagio sobrevenham, A Nuckyes chichte toma por vezes a forma de im sonho fatidieo, de uma pre (, de suposigies mais ou menos justas acerea do futuro. narrador é importante no caso do desenvolvimento indireto 4 Quando motivo 6 ropetido mais ou menos feegiientomente © so- bretudo quando é livre, isto &, exterior fabuin, fnin-te de um leitmotiv. ‘Assim, alguna personagens que aparccem sob diferentes nomes no de- correr da narragde (Glefarce), fo acompanhados por um motive cons: fante, a fim de que o Toller’ posse. reconhectlos, Vemitica as dia fibula, porque a introdug tlcorre do carder da nareagto. (© atrrador pode diferir segundo as obras: a narragho pode ser apresentade cbjeivamente, in nome do autor, como ume sin ples informasio, sem que ae hos explique como tomanos cone Inonto destesacontecimentos (rlato objetivo) ou emnome do iar. Fador, do uma ceria pessoa bem defividn, Por ves, ste narre- dor 6 inteodusido eomo um tersiro, informado por outros perse- hnagena (0 narrador das novelas do Poshin O Tivo de Pitas, © Chefe das Correos), ox como nia tsternh, on anda eomo tm dos partcipantes da ‘agio (0 herdl em A Fithe do Capito de Pashkin). Por vores, esta testemanha cu eonhecedor pode. nio ser dor deseobriu ouvit, ninda que cle no participa do gue’ & re Iatado (Mfelnothe, 0 komem errante de Muthutin). Dor sezes sho ulizados métodon compleson cle narragio (por exeiplo en Os I” tndos Koramazo,o nazrador § jntrodurido eomo ona testers fntrotanto clo ndo estd prewite no romance a narragio & con. dlusida como relat objetivo) ‘Asim, exintem dois moddlos principai de narragio: a objetiva ¢ a wubjeliva. No sistema da narrayio objetiv, © autor sabe te do, até om penaamentossoeretos do hori. No rello suhjtiv, sgt. mona narragio através des olbos do narrador (ot teu tereivo 0. need), ¢ part cada informagio.disponos Uo ume explicagzoz nhecimento do fato. iad Os sistemas mistos slo igualmente possiveis, No relato objetivo, © que este novo personagem fez on aprenden. Assim, o herdi é 0 fio eondutor de narragio, sto 6 também cle & am nartedor; 9 a. weiss, 0 fato. do. que’o heréi-seja 0 fio conor da wareagie. 6 sufcionte pra determine a construgao inteira da obra, Oma tevial da fibula eontintaria 0 meso, mas © heel podren wotrer igumas moditien “Analisnremo life Cegorha das diferentes partes de trema es se 0 anitor seenisse um outro personagem, a titulo de exemplo, 0 conto de W. Hanif, 0 Ca: Um belo dis, 0 califa Kasside © seu via 182 B, Tomacheoski eador ambulante uma tabaqueira cheia de uma pélvora misterio- sa, com uma nota ecerita em latim. O sibio Selim 16 esta nota onde se diz que quem tomar este p6 e pronunciar a palavra mutabor seré transformado num animal & ea escotha. BMfas 6 preciso nio rir apés esta transformacio, seno a palavra seri esjuecida ¢ im- possivel retornar ao estado humano. Q califa e seu visir transfor- mame em cegonhas; seu primeiro encontro com outras os fax rir. A palavra 6 esquecida. As duas eegonhas, 0 califa e o vizir, condenados a fiear passaros para sempre. Voando sobre Bagdad, ‘véem mma turba nas ruas ¢ oavem gritos de que o poder foi tomado por um certo Mizra. Uste ailtimo & 0 filho do magico Kachnur, 0 pior inimigo de Kasside. As cogonhas you entiio para o timulo do profeta para af encontrar a libertagio dos sortilégios. No eami nho, pousam numas rufnas a fim de af passarem a noite. Iii en- contram uma cornja que fala a Yingua dos homens e que Thes narra sua histéria. Ela era a filha niea do Rei das indias. 0 méxico ‘que em vio a havia pedido em easamento para seu filho ‘Mizra; apés ter-se introduzido no palicio disfarcado em negro, dew A princesa wma bebida migiea quo a transformou em eoruja, em sogaida a transporton para estas ruinas, dizendolhe que ela fi caria como cornja até que algmém eonsentisse em desposi-la. Por outro lado, ela onviea em gua infincia uma predicio segundo a qual a felicidade Ihe seria trazida pelas cexonhas. Ela propio a0 califé indiearthe 0 meio de lihertar-se do sor! com a con- diedo de ane ele prometa desposi-la. Apés algumas hesitacdes, 0 calif consente © a coruia dirige-o ao quarto em que se rovinem os migivos, TA o ealifa surpreende a narragio de Kachnur, na qual ele reconhece o mereador ambulante: este iltimo narra como con- segni enganar ao califa, sta conversacio devolve-he a palavra esqnccida: ‘‘mutabor””, 0 califa eo vizir transformam-se em ho- mens e também a.coruja; todos voltam a Bagdad onde se vingam de Mizra e Kachnur. © conto chamase O Califa Cegonha, isto 6, 0 herdt 6 0 ealita Kasside, porane € 0 sent destino que o aritor segue na narracio, A histé-ia da princesa comin 6 introduzida ua narracdo pela fangio que ea tem jnnto ao ealifa no deentso de seu encontrn nas rvinas B suficiente mudar ligeirnmente a disnosieko do material para fazer da, prineesa coraja a herofna: 6 preciso contar em primeiro Tngnr ane histéria ¢ introdnzir a do califa por um relato que tera Ingar antes da Vihortassio do soetilégio, A fabula continaari « mesma, mas a trama ter sido modifi- Vemétics 183 vada sensivelmente, porque o fio condutor da narragio nio seré o Anoto aqui a transposigdo dos motives: 0 motivo do mereador ambulante e 9 motivo de Kachnur, pai de Mizra, sio 0 mesmo no momento em que 0 ealifa cegonha surpreende 0 magico. O fato dla transformagio do-califa eneerra as maquinagdes de seu inimigo, transformago que nos 6 comanieada no final do conto e nio 10 io, como deveria ser na exposiedo pragmética. Quanto & fébula, ele 6 dupla: 1. A estéria do califa enfeitigads por, Kachnnr gragas a uma fraude; 2. A est6ria da princesa enfeitigada pelo mesmo Kachnur. LUstes dois eaminhos paralelos da fibula cruzam-se no momento do eneontro e das promessas miituas entre os dois personagens. Em seguida, » fibula segue um nico trago: sua libertagio e a puniggo do magico, © esqnema da trama segue o destino do califa. Sob uma for- ‘ua veladi, o eaiZa € aqui 0 uarmador, isto & relato eom aparéncia objetiva conta-nos 0 que é couhecido pelo califa e na ordem segundo 4 qual ele a conhoee, Isto determina toda a eoustrugio da trams. Este caso 6 bastante fregiiente ¢ o hendi é habitwalmente wn narras dor dissimulado (potencial). Por isso a novela utiliza por veres a coustrucéo propria das memérias, isto 6, obriga o heréi a coutar sua histéria. Assim, 9 procedimento de observas senvolvide, © o5 motives expostos ¢ a ordem respeitada por estes encontram sua motivacio, Na andlise da composicio do obras eoneretes, 6 preciso con. eeder uma atencas especial & partieipacio da tempo e liga narragio. # preciso distinguir na obra literiria o tempo da fébnia © da narracio. 0 tempo da fibula 6 aquele em que 0s acontecimen- tos expostos esto supostamento desenrolande-se; 0 tempo da nar ragio 6 0 tempo nevessirio & Ieitura da obra (a duragio do espe- tieulo}. Bste iltimo tompo refere-se & novio que temos da. dimen- sio da obra, © tempo da tabula nos é dado 1. Pela data da acio dramética, de uma mancira absoluta (quando situamos og aconteeimentos no tempo, por exemplo “As duas horas apés 0 almoco de 8 de janeiro de 18..”” ou “* no inver- no”) on relativa (pela indicacio da simultancidade dos aconteci- ‘mentos ou de stia eonexio temporal: “dois anos mais tarde”, ete.) 184 B, Tomachevski tempo ooupados pelos aconte- meia hora”, ‘a viagem pros- eles chegaram a 2, Pela indi ceimen‘os ("a conversa Segui durante trés meses”, ou indiretamente: sen destino no quinto dia’) 3, Ao se erfar a imps gio das disenrsos, A duvagi0 normal de indérios, medimos aproximadam simentos expostos. £ preeiso not eeira forma bastante livremer \dos exa lapsos de tempo wslio desta duragio: devido & dura nte © tempo tomado pe dices 5 emprega estat com diseursos proloi fnversamente, alongando-os em palavras breves © uch sobre longos perfodos. Quanto 3 eseolha do lugar daa recteristicos: 0 ease estitico, quando todos os herdis redinem-se nm mesmo local por que os hotéis e seus equivalentes ofe- fonizos inesperndos, so Wao freatien os heréis mndam de local para ch vviegens) 5 que 0 escritor e, interealando-a , existem dois casos ex. reeenio & possibilidar tes) » 0 caso einétivo gar 40s encontros nevessirios (a OTEVAGAO © sistema de wotivos que constituem a tematica de uma obra deve apresentar uma unidade estética, Se os motives on o comple Xo de motivos nd0 sio suficientemente coordenados na obra, s¢ o lei:or 9 com as Tigages entre ese complex © obra inteira, ‘ste complexo nao se integra na obr So todas as p niadas, esta se dissolve, Bis por que a introdugio de todo motivo particular ou de cada conjanto de motives deve ser justifieada (motivada). O sistema de procedimentos quo justifies rata tres ¢ seus conjuntos ehama-se ‘‘motivagio . ‘Os procedimentos de motivagio sto mnito diversos pela sua natureza © sen carter. Por isso 6 preciso classified-tos: 1. MOTIVAGKO COMPOSICIONAL: Seu principio con siste na economia 0 utlidade dos motivos. Os motives partieuares podem earacterizar os o loeadas no campo visaal do leitor {os acessérios) ou entdo as agies dos sna (os. episédios) Nenium acessério devo fiear imutilizado pela fibula, Tehekov pen. son na motivagio composieional dizendo que se no inicio da novela fica insatisfe es da obra so mal coor dos motivos part Temetica 185 dinse rego 1a parede, 6 justamente neste prego que o herdi deve se eniorear. , - : Observamos una ullizagfo similar dos actesérios em A. Fike Som Dote de Ostrosky 0 que coheerne a aim. Av indicagben de encenagan do terecice ato conte; Sobre 0 dls, ama tapegaria por cia da qual esto suspensss algunas araas”. No intl, ela Mhotigio & apenas um detalhe. da decoragio, a tito de indeag se Karandicher, No seto quad, ata etathe pelos seguintes replicas: © que vou’ tem af NSON: Nao, aquilo que esté pendu sos? Trultagées' Objetos fal. tagdest So armas turcas”” neia ridieulariza estas armas, ssdo; A declaracZo de sex mau Entio 0 estado seguese «ia “KARANDI E por PARATOV (pegando a KARANDICHEV: BI do, cla est carregada’ PARATOV: Nao medo. Hstoja ola carregada ou nao, © perigo é 0 mesmo. De toda a mancira, nio dis- Fique 8 cineo passos de mim e pode fala da parede). ): — Esta pistola? que Gsta pistola, por ‘KARANDICHE’ PARATOV: Sim, para pregar pres pistola sobre a mesa) No fim do ato, Karandiehev, ao partir, pega a pistola de cima da mesa, No quarto ato, atint com esta pistola em Larissa, A introdugio do motivo da arma tem aqui uma motiva: composicional, Esta arma 6 necessiria ao destecho. ‘easo de motivagio composicional. 0 segundo & a introdugao de motives como procedimentos de earacteriza Os motives devem permanecer em harmonia com a dintmica da fabula, Sempre em A Filha Som Dote, o motivo do vinho da Bor Oh nio, esta pistola ainda pode ser stil os na parede (ele jo cho ‘gonha, fabrieado pelo mereador de um falso vinho vendido a bs xo prego, caracteriza a existéncia miserével de Karandichev e pr para a partida de Larissa, 186 B. Tomacheoski les detelhes caracteristicos podem so bs:monizar com a aio 1. Através de uma analogia psicolégica (# psisagem romin- tiea: iuar pare uma cena de amor, tempestade ou borrasca para 3 cenas de morte ou crime). 2. Por contraste (o motivo da natureza indiferente, ete). Ainda em A Fike Sem Dote, no momento em que Larissa morre, escuta-se pela porta do restaurante 0 canto de um coro cigano. Tanbém 6 preciso lovar em conta uma possivel falsa motiva- go. Alguns acessérios e episédios podem ser introduzidos a fim de desviar a atengio do leitor da verdadeira intriga. Este proce- dimento figura comumente nos romances policiais em que um certo nimero de minécias 6 dado a fim de levar o leitor (e uma parte de sous personagens), por exemplo em Conan Doyle — Watson ou 2 polieia, para uma pista errada. O autor deixanos su- por um falso desfecho. Os procodimentos de falsa motivagio sio fregiientes sobretudo nas obras fundsmentadas numa grande tia- digdo titeréria. O leitor esta habituado a interpretar cada detalhe da obre de uma mancira tradicional. O subterfigio se revela 20 final ¢ 0 leitor compreende que todos estes detalhes foram introdu. ‘xidos ecm 0 tinico fito de proporcionar um desfecho inesperado. ‘A false. motivagio 6 um elemento do pastiche literério, como uum jogo de situagdes literdrias conhesidas, pertencentes a uma sblida tradigéo ¢ utilizadas pelos escritores com uma fungio ni ‘tradicional. 2, MOTIVAQAO REALISTA: Exigimos de cada obra uma iluséo elementar: @ obra seria tio convencional e artificial, que deverfanos pereeber @ agio como verossimil. iste sentimento de ‘verossimilhanga & extremamente forte no leitor ingénuo e este po de erer na autenticidade do relato, pode ser persuadido de que os personagens existem realmente. Assim, Pushkin, apenss_termni- nada a Historia da Revolta dq Pugatchov, publica A Fitha do Copitdo, na forma de Memérias de Griniov com o seguinte prélogo: "0 manuscrito de Piotre Andreeviteh Griniov foi fornecido por jum de seus netos, quie soubera de que nos ocupivamos de um tra- dalho eoneernente & época deserita por seu avd. Decidimos, com a permissio dos parentes, publicar o proprio manuserito””. Di-nos le a ilasio de que Griniov © suas memérias aio auténticas, ilusio accita sobretudo por alguns tragos da vida pessoal de Pushkin eonhecidos pelo pablico (suas pesquisas sobre a histéria de Pugat- chov), acreditada também pelo fato de que as opinides © convie- Temética 187 Ges apregoadas por Griniov no coincidem sempre com as opi expressas pelo préprio Pushkin, Para um leitor mais informado, a ilusdo realista toma uma forma de exigéncia de verossimilhanga. Sabendo do eardter inven- tado da obra, o leitor exige, entretanto, uma certa eorrespondéncia com a realidade e vé o valor da obra nesta eorrespondéneia. Mesmo 03 leitores conhecedores das leis de composigio artistiea nio podem ibertar-se psicologicamente desta ilusio. Neste sentido, eada motivo deve ser introduzido como um provével motive para a situagfo dada. 2Bfas Ji que as leis da compostedo do enredo nada tém de ¢o- mum com a probabilidade, cada introdugo de motivos & um com- proiisso entre esta probabilidade objetiva e a tradiglo literdvia. Gracas a seu caréler tradicional, ao pereebemos o absurdo rea lista da introdugfo tradicional de motives. Para mostrar que estes motivos so inconeitidveis com @ motivagio realista, € preciso fazer ‘um pastiche. Lembremos 0 pastiche de mise-en-seéne da opera Vam- puka que ainda & represemada no paleo do “Kspelho deforma- dor" e que dé espeticul de um repertorio do situagies tradicio- ais de épera congregadas num espirito eémico. ‘Nao salientamos, por estarmos habituados “a téeniea do ro: ‘mance de aventuras, ‘0 absurdo do fato de que o heréi sempre & salvo cineo minutos antes de sua morte iminente; os espectadores, dz antiga comédia ou de Moliére salientavam 0 absurdo do fato do que no iiltimo ato todos os personagens descobrem-se como pi- entes préximos (0 motivo do parenteseo reconhecido, eonforme 0 desfectio de O Avarento de Moliére). © mesmo provedimento figura na comédia de Beaumarchais, 4s Bodas de Figaro, mas ji sob a forma de pastiche, porque este procedimento jé estava morrendo nesta época. Bntretanto a peca de Ostrowski, Os Inocentes Culpa- dos, em que a heroina reeonhieee ao final no herdi sew filho per- dido, demonstra que este motivo est sempre vivo para o drama. Este’ motivo do parentesco reconhecido facilitava muito o desfecho (© parentesco conciliava os interesses modificando totalmente & situagio) ; por isso entrou definitivamente na tradigéo. A expli 40 de que os reencontros de um filho e uma me perdida eram moeda corrente na Antiguidade, néo tem sentido. Eram moeda eor- ente unieamente no paleo gracas & forga da tradiglo litersria. 8 ‘5 Teatro satitico de Leningrado. 188 B. Tomachorski Quendo uma escola poétics a4 lugar a outra, a nova destrdi fa tradiéo © couserva, por conseguinte, a motivagio realista de introdugio de motivos. Kis por que toda a escola literdria, opon- dose & mancira precedente, inclui sempre em seus manifestos, sob uma forma qualquer, uma declaragio de fidelidade para com a vida, a realidade. Assim eserevin Boileau, tomando no século xvi a‘defesa do jovem Classicismo contra as tradigées da anti- a literatura francesa; assim no séewlo xvit, 09 enciclopedis- tas defendiam os géneros burgueses (o romance familiar, 0 dra ma), contra 03 velhos edntones; assim no séeulo XIX, os rominti- cos insurgiraim-se contra os edmones do classicismo tardio em nome da vitelidade ¢ da fidelidade & natureza desmasearada. A escola ‘que os fez surgir tomou o préprio, nome de escola. naturalista, Em geral, no século XIX, pululam numerosas escolas cujos nomes contém ‘uma altsio & motivagio realista dos procedimentos: realismo, ns- turalismo, naturismo, romance de costumes, literatara populista, ete, Em nossa época, os simbolistas substituiram os realistas em nome > um natural sobrenatural (de realibus ad reatiora, do real a0 mais real) 0 que nfo impedia # aparigio do Acmelsmo, que exige da poesia um cariter mais substancial e conereto, e a do futuris- m0, qué 20: principio rejeitou o esteticismo ¢ quis reproduair 0 ‘verdaceiro”” processo erindor ¢ mais tarde deliberadamente tra- balhou em motives “'vulgares”, isto 6 realistas De escola para escola, permanece a exortacio ao natural. Por ‘que niio criamos a ‘‘verdadeira’”? escola natural que nio deizaria lugar @ nesihuma outrat Por que podemos aplicar o qualificerivo de realista a cada escola (e ao mesmo tempo a nenhuma delas)? (Os inginuos historiadores da literatura utilizam este termo como tuma qualidade superior para um eseritor: “Pushkin era realisva"” 6 uum tipieo cliché da histéria literaria que no se dé conta do fato de que uo tempo de Pushkin se empregava esta palavra com sen- tido diverso daquelo que The damos hoje.) Mate fendmeno sempre se explica pela oposigfo da nova escola a anterior, isto é, pela subs tivuigéo das antigas convengGes, perecbidas como tais, por outras ‘que no so ainda pereebidas como ednones literérios. Por outro lado, o material realista nio representa em si uma construgio ar- tistiea @ para que ele venha a sé-lo, 6 necesstrio. aplicar-ine leis especificas de construgdo artistica que, do ponto de vista da rea- lidade, sordo sempre convengées. Assim a motivagdo realista tem como fonte seja a confianga ingénua, seja a exigéncia de ilusio, Isto nao impede o dessnvolvi- mento da literatura fantéstica. Se os contos populares aparecem habitualmente num meio popular que admite a existéncia real de Temética 189 bruxas e génios familiares, sua existéncia ulterior 6 dovida a uma ilusio consefente em que ‘0 sistema mitolégico, a eoncep¢éo fan- ‘éstioa do mundo ou a admiseio de possibilidades nfo sf0 real. mente justifiedveis, mas apenas uma hip6tese voluntéria, Sobre estas hipbteses slo construfdos os romances fantésticos ao Wells; este autor satisfar-se habitualmente nfo com um siste- ma mitolégico inteiro, mas com uma admissio isolada inconciligwel com as leis da natutezn (encontramos uma eritiea aos romances fantésticos do ponto do vista da irrealidade de sas premisay na interessante obra de Perelman Viagens aos Planétas) B interossante notar que num meio literirio evolufdo, 08 relatos Zantistieos oferecem a possibilidade de uma dupla interpretagio da fabula, em virtude des exigéncias da motivagio realista: pode. mos conpreendé-los de uma s6 vez como acontecimentos teais ¢ como acontecimentos fantisticos. No seu preféieio ao romanes de Alexis Tolstoi, O Vompiro, que é um bom exemplo de construgio fen. tstiea, Vladimir Solovioy eserevia: ‘“O interesse essencial da sig. nifieagio fantistica em poesia baseia-se ma certezn que tudo 9 que aconteee no mundo ¢ sobretudo na vida humana depende, além ‘de caasas presentes e evidentes, de-uma outra eausalidade mais profunda universal, mas menos clara. Vejamos o trago distintivo do verdad 10 fantistico: ele no surge nunca como uma forme desvelada, Seus acontecimentos no devem jamais constranger a erenga nO sentido mistien dos acontecimentos’ da vida mas devem antes de tudo sa. gerir, fazer alusio a isto, No verdadeiro fantistice, guardase yom. re & possibilidade extexior e formal de wma explicagio simples dos fenémenos, mas ao mesmo tempo esta explicagio completa mente privada de probabilidade interna, Todas as mintoias deyem ter um cariter quotidiano, mas eonsideradas em seu eongunto, de- vem indiear uma outra eatsalidade””. Se retiramos destas pelavras o distaree idealista da filosofia de Soloviov, encontramot elas uma formulagio bastante precisa da téenica de narraglo fentis- tica do ponto de vista das normas da motivagio realista. Tal 6 2 téenica das novelas de Hoffmann, dos romances de Radcliff, ete Os motivos habituais que oferecem a possibilidade de uma dupla interpretacio sio 0 sonho, o delivio, a ilusio visual ou outra, ete (GE. esto ponto de vista na eologio de novelas de Brussov, 0 Lizo da Terra.) A introdugio na obra literiria de um material extraliterério, isto 4, de temas que tam uma significagdo real fora do deseaho artistico, & facilmente compreendida sob 0 Angulo da motivagio realista do construefo da obra. 190 B, Tomachevski Assim, nos romances histérieos, colocam-se em cena persona- gens histéricos, introduz-se esta ou aquela interpretagio dos acon- tecimentas. Vemes em Guerra ¢ Paz de Leon ‘Tolstoi toda wma conexio de estratégia militar sobre a batalha de Borodino e o in: e@ndio de Moscou, que provocou uma polémiea na literatnra os pecializata. As obras contemporiness apresentam costumes fa- miliares a0 leitor, trazendo & tona problemas de ordem moral, 0 cial, politica, ete, numa palavra, introduzem temas que tém uma ‘vida fora da literatura. Mesmo num pastiche conveneional, no qual observamos estes procedimentos, frata-se enfim, a propésito de uum caso partienlar, da diseussio de problemas préprios & postica. A revelaio do procedimento, isto & seu emprego fora de sua mo- tivagio tradicional, 6 uma demonstragio do carater literério da ‘obra, no género de “enconagio numa cneenagio” (por oxemplo, a representagio teatral em Hamlet de Shakespeare, o fim de Kean de Alexandre Dumas). 3. MOTIVAGAO ESTETICA: Como afirmei, a introdugio os motivos resulta do compromisso entre a ilusio realisia e as exigineias da construgio estétiea. Tudo o que 6 tomado emprestado da realidade nio eonvém forgosemente a uma obra literéria. 1 so- bre isto justamente que Lermontoy insiste quando esereve @ pro- pésito da prosa jornalistica contempordnea (1840): De quem pintam os retratost ‘Onde entdo buseam estas conversas? E mesmo que as tenham ouvido, io queremos eseuta-las. Boileau jé falara deste problema com esta frase: “O verds- deiro pode algumas vezes nio ser verossimil””, designando por ‘“ver- dadeiro”” 0 que tem a motivacio realista, © por ‘‘verossimil’” 0 que tem ume motivasio estética. A negacio do earater literério da obra dentro dels mesma, & uma expressio de motivacio realista que encontramos freqie ‘temente, Conhecemos a férmula: ‘Se isto se passasse num roman- ce, mew her6i teria feito assim, mas porque nos encontramos. na realidade, veja 0 que acontece, ete.”. Mas 0 proprio fato de diri- gir-se & forma literdria j4 confirma as leis de eonstrugio estética. Cade motivo real deve ser introduzido por uma certa forma a constragio do relato © deve beneficiarse de um esclarecimento particular. A prépria escolha dos temas realistas deve ser jus- tifieada estetieamente. ‘As discussdes entre as antiges ¢ novas escolas literdrias sur Temética 191 em a propésito da motivagéo estética. A antiga eorrente, tradi- cional, nega a existéncia do caréter estético daz novas formas Ii- torérias. Tsto manifesta-se, por exemplo, no Téxieo poético que deve harmonizar-se com as tradigées Titerérias estéveis (fonte de pro- saiamos, palavras proibidas & poesia), Deter-me-ci no procedimento de singularizagzZo como um caso particular da motivacéo estétien. A introdugio do material extra- literério numa obra deve justificar-se por sua novidade e indivi- dlualidade a fim de que ako se oponha ao outros constituintes dela, £8 preciso falar do antigo e do habitual como do novo © do nnao-habitual. O nsnal deve ser tratado como insite. ‘Wstes procedimentos que tornam singulares os objetos usuais, so habitualmente motivados pela refragio destes problemas na vsiqué do her6i de quem so desconhecidos. Conhseemos o proce imento de singularizagio de Leon Tolstoi que, para descrever 0 sonselho de guerra na aldeia de Filles (Guerra ¢ Pac), introduz come personagem uma pequena eamponesa que observa e interpre- fa 4 sua maneira infantil tudo © que farem e dizem os participan- les, sem nada disto eompreender, Também, ainda em ‘Tolstoi, em sua novela Kholstomer, as relagies humanas nos siio dadas através «la psiqué hipotétien de um eavalo (cf. a novela de Tehekoy, Kacktanke, em que estamos colocados em presenga da psiqué igual. mente hipotétiea de uma pequena eadela, procedimento utilizado apenas para singularizar a exposicio. A novela de Korolenko, 0 ‘Misico Cego, em que a vida dos que véem se passa através doen. tendimento de um ecgo, 6 exempla idéntico. Swift usou muito este procedimento de singularizagio em As Viagens de Gulliver a fim de atacar 0 quadro satirico dos rer res sociais © polticos da Buropa. Gulliver, perdido no pave de Mouyhnhnms (cavalos providos de entendimento), desereve @ seu hospedeiro-eavalo os usos em vigor na sociedade humana. Obriza- lo a ser extremamente conereto em sug narraeso, levantaso en- voltério das belas frases e tradicionais justfieagies fietivins para ‘0s fendmenos como a guerre, os eonflitos de classes, a politicagem parlamentar profissional, ete. Privados de seu envoltério verbal costumeiro, estes temas tornam-

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