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Capitulo 1 — O QUE E A SOCIOLOGIA? ‘CONCEITOS ELEMENTARES ‘© CAMPO DE ACGKO DA SOCIOLOGIA: UM PRIMEIRO EXEMPLO DDESENVOLVENDO UMA PERSPECTIVA SOCIOLGGICA Estudar Sociologia. Consequéncie inenclnats 6 niintenclonais onicens ‘Auguste Comte. ne Durkolm . Kart Mare. Max Weber PENSADORES CONTEMPORANEOS ‘Miche Foucauit o Jurgen Habermas [ASOCIOLOGIAE UMA.CIENCIA? ‘COMO PODE A SOCIOLOGIA CONTRIBUIR PARA AS NOSSAS VIDAS? CConsclenoitzapso da derengasculturas Avalagso dos efetos das pois ‘Auto-consciencialrao . 0 pape! do soisogo na sociedad ‘conc.usko ‘SUMARIO NogoES mPoRTANTES 8 CONCEITOS ELEMENTARES - Sociologia . Ciénci Vivemos hoje ~& beira do fim do séoulo vinte ~ num mundo intensamente inguie- tante ¢, eo mesmo tempo, repleto das maiores promessas para o futuro, E um mundo inun- dado por processos de mudanga, mazeado por graves conilitos, tensBes © divisdes sociais, bem como pela destrugto do meio ambiente promovida pela tecnologia moderna. Contudo, temios & nossa disposigdo meios melhores de controlar 0s nossos destinos e dar um outro rrumo as nossas vidas do que era imagindvel pelas geragdes anteriores. ‘Como se desenvolven este mundo? Porque so as nossas condides de vida tio dif rentes das dos nossos pais e avés? Que rumo tomario no futuro os processos de mudanca? Estas questBessio as princpaisinterogagies da Sociologia, um campo de estudos que, conse- queatemente, fem um papel fundamental a desempenhar na cultura intelectual moderna. "A sociovocia & 0 estudo da vida social humana, grupos e sociedades. uma taref {ascinante e constrangedora, na medida em que o tema de estudo & 0 nosso proprio compor- tamento enguanto seres sociais. A esfera de acglo do estudo sociologico é extremamente ‘brangeate, pdendo ir da andlise de encontros casuais entre individuos que se cruzam na rua ‘te & investigasio de provessos socias globais. Um breve exemplo fomecers uma primeira mostra da natureza ¢ objectives da Sociologia. ‘© CAMPO DE ACGAO DA SOCIOLOGIA: UM PRIMEIRO EXEMPLO ‘Alguma vez esteve apaixonado? Esteve quase de certeza, A grande maioria das pessoas a partir de uma certa idade sabe o que 6 estar apaixonado, O amor eo romance propor- cionam, para & grande maioria de nbs, muitos dos sentimentos mais intensos que alguma vez sentimos, Porque € que as pessoas se spaixonam? A primeira vista, a resposta parece Sbvia. (© amor exprime una atracg0 mitua,fisica © pessoal, que dois individuos sentem um pelo ‘outro, Hoje, podemos ser eépticns quanto &ideia de que o amor é «para sempre», mas temos ‘endéncia a pensar que a paixdo é uma experiGncia que nasce de emoyGes humanas universas. ‘Parece natural que um casal que se apaixona quere alcangar uma forme de ealizaglo pessoal « sexual na sua relagdo, porventura sob a forma de casamento. Contudo, esta situagdo, que achamos hoje tio evidente, & na verdade pouco usual [Apaixonar-sendo é uma experiéncia partihada pela maioria das pessoas espalhadas por esse ‘mundo fora — e quando tal acontece raramente se pensa que esthrelacionado de algume forma com 0 casamento, A ideia de amor romantica s6 se difundiu recentemente na nossa sociedade e no existin sequer na maioria das ouras cultures 20 romintico parecem estranhos © até absurdos (até recentements, a maioria da humanidede), Estudar Sociologia ndo pode set simplesmente um processo rotineiro de acumulagio de onhecimentos. Um socidlogo & alguém que ¢ capaz de se libertar do quadro das suas circunstincies pessoais e pensar as coisas num contexto mais abrangente, O trabalho socio- logico depende do que o autor americano C, Wright Mills, numa frase famosa, ehemou a imagisiaglo socioligica (Mills, 1970). ‘A imaginagio sociolbgica implica, acima de tudo, pensarmo-nos fora das rotinas familiares da vida quotidiana de maneira a poder olhd-las de forma diferent. Tetba-se em Consideragio o simples acto de beber uma chévena de café, O que haveria a dizer do ponto de vista sociolégico sobre tal comportamento aparentemente desinteressante? Imenso. Poderiamos comesar por notar que o café nio é meramente uma bebida. Enquanto parte das nossas actividades sociais quotidienas, possui um valor simbélico. Frequentemente 0 ritual que estéassociado a tomar café & muito mais importante do que o acto de beber café proptiamente dito. Duas pessoas que combinam encontrar-se para tomar café estario prova- velment mais interessadas em estarem juntas e conversarem do que em beber, de facto, café ‘Em todas as sociedades, na realidade, beber e comer proporcionam ocasiGes para a interac. ‘0 social e o desempenho de ritais —¢ tal fornece temuticas ricas para 0 estudo sociolé- Bice. Em segundo lugar, o café & ume droga, pois contém cafeina, que exerce no cétebro lum efeito estimulante. Os adictos em café no sSo vistos pela maioria das pessoas no Ocidents como consumidores de droga. O café, como o éleool, & uma droga socialmente accitivel, enquanto a marijuana, por exemplo, nfo 0 &, No entanto, hi sociedades que permi- ‘temo consumo de marijuana e mesmo de cocaina, mas desaprovam tanto o café como © Aleool. Os sociétogos estéointeressados nas razses pelas quais estes contrases existem. [Bm terceiro lugar, um individuo que bebe uma chévena de café esté envolvido numa complicada rede de relagdes sociais ¢ econémicas a um nivel internacional. A produgio, transporte e distibuigio do café implicam transacgSes constantes que envolvem pessoas ‘milhares de quilometros dos consumidores. Estudar estas transacedes globais & uma tarefa ‘importante da Sociologia, na medida em que muitos aspectos das nossas vidas sio hoje afeo- tados por influéncias socisis e movimentos mundias. Finalmente, o seto de beber uma chivene de esfé supe todo um processo de desen- volvimento social e econémico passado, Entre outros artigos hoje familiares nas ditas ‘cidentais ~ como o chi, as bananas, as batatas ¢ 0 agicar~ 0 café tomou-se um produto de consumo generalizado somente nos finais do século xix. Embora seja uma bebida originéria {40 Médio Oriente, 0 seu consumo macigo data do periodo da expansio colonial ocidentl, hd cerca de um século ¢ meio ats. Paticamente todo o café que se bebe nos paises ocidentais provém de éreas (América do Sul ¢ Attica) colonizadas pelos europeus; nio é, de mancica nnenhuma, uma parte «natural da dieta ocidental a ___ASOCIOLOGIA D0 CAFE ‘alr smb. Pa mos Origen bebe a mart 8am as poeoal opt mss tard cra ode som owas Pesscas, um tal mal eo 2.0 seuss. coma ume droge. Mutos beter cae Bara otter mae eno Agape cures pba © ‘Sasso. 3 Rlagoeseconsmicas «soci. ‘A pariaesloger, stouiio easing osm era reno a ir conomlcgs pastas. Ae oe | eeemtore dat ine Foram-se deserved, ‘gaat, «pote mut bam | dsoherse no tro Estudar Sociologia A imaginago socioldgica permite-nos ver que muitos dos fenémenos que pare com dizer respeito apenas a0 aspecto individual, na verdade reflectem questGes mais amplas. O divércio, por exemplo, pode ser um processo muito complicado para quem 0 stravessa — aquilo a que Mills chama «problema pessoal». Mas, como ele refere, 0 divércio & também uma questio piblica ena ondem do dia numa sociedade como a bitfnica nos dias de hoje, onde mais de um tereo dos casamentos acaba a0 fim de dez anos. O desemprego, para dar outro exemplo, pode ser uma tragédia pessoal para quem foi despedido de um emprego e nfo consegue aranjar outro. Contudo, & uma questi que no diz respeito apenas 20 desespero privado, quando dez millées de pessoas de uma sociedade estéo nessa mesma situagEo: € uma questio pablica que expressatendéncias sociis maiores. ‘Tenteaplicar esa espécie de mancira de ve as coisas & sua propria vida, Nio &neces- sii pensar unicamente em fenémenos inquietantes. Considere, por um momento, as razBes 2 elas quis folheia as piginas deste livro~ por que é que est a estudar Sociologia, Pode ser lum estudante relutante de Sociologia, que tenta fazer o curso apenas porque tem de obter ‘uma Ticenciatura, Ou pode ser um enfusiasa que procure saber mais sabre a matéra. Seja qusis forem as suas motivagées, é provaivel que, sem que o saiba necessariamente, tenha ‘muito em comum com outros que estudam Sociologia. A sua decisio privada reflete & sua posiglo na sociedade, As soguintes caracterstcas aplicam-se a si? # novo? E branco? De umm estrato social de profssionais qualficados ou superior? Teve ou tem algum «part-time» que Ihe pemita, ganhar mais algum dinheiro? Procurard encontrar um bom emprego quando acabar a escola, embora no esteja especialmente interessado em continua os estudos? Néo tem a certeza do {que é a Sociologia, embora pense que tem algo a ver com 0 comportamento das pessoas ‘em grupos? Mais de trés quartos de voc&s responderé afirmativamente a estas perguntas Os estudantes universtiris nfo sio uma amostra tipica da populagio no seu todo, mas tendem a ser reerutados nos meios sociais mais privlegiados. E as suas atitudes, por norma, reflectem as dos seus amigos e conheciéos. Os meios sociais de onde provimos desemape- ‘sham um papel crucial no tipo de decisdes que consideramas adequads, ‘Mas suponba que responde negativamente a uma ou mais destas questdes. Poder provir de um contexto social de um grupo minoritio ou de pobreza. Poderd andar na meia~ ~idede ou ser ainda mais velho. ‘Embora todos sejamos influenciados pelo contexto social no qual nos incluimos, nentium de nés tem o seu comportamento determinado unicamente por esses contextos. és possuimos,e criamos, a nossa prépriaindividualidade, E tarefa da Sociologia inves- tigar as relagGes entre o que a sociedade faz de nds e 0 que 0 que nds facemos de nés _Proprios. O que nbs fazenos tanto estrutura ~ dé forma a — 0 mundo social que nos rodeia, como, simultaneamente,é estruturado pelo mundo social © conceito de estratura social é um conceito importante para a Sociologia, Refere-se 180 facto de os contextossociais das nossas vidas no consistirem apenas em acontecimentos © acgGes ordenades slestoriamente; eles estio estraturados, ou padronizadas, de diferentes ‘maneiras. Hé regularidades nas maneiras como nos comportamos ou nas relagées que temos ‘com outras pessoas. Mas a estutura social nfo 6 como uma estrutua fisica, como um edifi- cio, que existe de forma independents das acgdes humanas. Ela é reconstrulda a todo 0 ‘momento pelos virios cblocos» que a compdem seres humanos como ns. Consequéncias intencionais ¢ ndo-intenelonais Este processo permanente de construgdo ¢ reconstrugio da vida social baseia-se no significado que as pessous do ds suas acgGes. Mas as nossas acgSes podem vir ater resulta- 3 dos diferentes daqueles que pretendiamos. Os sociblogos fazer uma isting importante entre os propésitos do nosso comportamento — 0 que pretendemos fazer ou sleangar ~ ¢ a8 consequéncias néo-intencionais do nosso comportamento, Por exemplo, es pais de uma crianga podem querer que 0s seus filhos ajam em conformidade com modos socialmente accites. Nesse sentido, os pais agem de uum modo autoritcio e austero. As consequéncias ‘o-intencionais do seu autritarismo, contudo, poderio levar& rebeldia da crianga, que tenta libertarse de padres de comportamento ertodoxos Por vezes, aopbes tomadas com um determinado objectivo em vista tém consequén- cias que na realidade impedem 0 aleance desse propésito. Hé alguns anos strés, foram intro- duzidas leis na cidade de Nova Torque que obrigavam os propritirios de prédios deteriora- dos localizados em zonas pobres a fazer obras e renové-los minimamente. A intengo era ‘melhorar o nivel bisico das habitagdes acessiveis aos sectores mais pobres da comunidade. resultado foi os proprietirios de prédios em mau estado os abandonarem de todo ou darem-Ihes outros usos, de modo que passou a haver um mimero menor de habitagées ema condigées satisfatérias do que o que exista anteriormente, (© que fazemos durante « nossa vida e 0 modo como as nossas acgSes afectam os cutros tem de ser entendido em termos de uma mescla de consequéncias intencionais ¢ io-intencionais. Estudar 0 equilibrio existente entre a reprodusio social ea transforma- ‘0 social & ume tarefa da Sociologia, A reprodugo social diz respeito ao modo como as sociedades «persistem» no tempo; a transformasao social refere-se ds mudancas pelas quais passam. A reproduo social tem lugar na medida em que hi uma continuidade entre 0 {que as pessoas fazer de dia pars dia e de ano para ano e as priticas socinis que seguem. ‘As mudangas ocorrem, em parte, porque as pessoas tém esse into, e igualmente devido ' eonsequéncias nfo previstas ou esperadas. ORIGENS Nos, seres humanos, sempre tivemos cuiosdade pelasorigens do nosso proprio comportamento, mas durante cxntena de anos as nossastentativas de nos compreendermos abs proprios dependeram de modos de pensar transmitdos de geragHo em gres30,mutas ‘vezes expressos em termos religiosos. (Por exemplo, antes do aparecimento da cigacia ‘modems, muitas possoas areditavam que fenémenos naturais como of terramotos eram causados por deuses ou esprtos) O estudo objectivo e sistemético do comportamento Jnumano © da sociedade & um deseavolvimento relativamente reente,cujos antecedentes remontam 20 inicio do séeulo XIX. O contexto das origen da Sociologia foi definido pelas rmudangas radicais que a Revolugdo Francesa de 1789 e a emergéncia da Revolugio Industrial implicaram na Europa. A destruiglo dos modos de vida traicionis por essas 24 ‘mudangas levou a esforgos de pensadores para desenvolver um nove entendimento dos ‘mundos naturale socal ‘Um desenvolvimento fundamental foi © recurso a cigncia em vez da religifo, no intuito de entender o mundo. O tipo de questies a que os pensadores do século XIX peten. diam dar resposta ~ o que & @ natureza humana? Por que esti a sociedade estruturada tal como esti? Como mudam a sociedades ¢ porqué? ~ so as mesinas questdes para as quais 08 socidlogos tentam actualmente arranjarresposta, © mundo modemo de hoje éradicalmente diferente do do passedo; uma das tarefas da Sociologia ¢ ajudar-nos a compreender 0 nosso ‘mundo € o que o futuro provavelmente tard Auguste Comte Ninguém pode sozinho, por certo, fundar todo um novo campo de estudos, foram ‘muitos aqueles que contribuiram para os comegos do pensamento sociolégico, Contudo, um lugar de destaque & frequentemente atibuido ao autor francés Auguste Comte (1798-1857), ‘nem que seja porque na verdade foi ele quem inventou o termo «Sociologia». Originalmente, Comte usow a expressio aisica socials, mas alguns dos seus rivais inteleetuais da ature ‘também a usavam. Comte queria distinguir 0 sex pont de vista da visio dos seus rivis, de ‘modo que criou 0 termo «Sociologia» para deserevera disciplina que pretendia estabelever ‘Auguste Comte, 25 Comte acreditava que este novo campo podia produzir conhecimento acerca da sociedade com base em factos cientificos. Considerava a Sociologia a itima cigncia a ter-se desenvolvido ~ depois da Fisica, da Quimica e da Biologia ~ mas a mais importante © complexs de todas as ciéncias. A Sociologia, defendia, deveria poder contribuir para 0 progresso da humanidade, usando 0 seu caritercientfico para compreendere, asim, poder prever e controlar 0 comportamento humano. Na fase mais tardia da sua carrera, com base na sua perspectiva sociolégica, Comte teceu plancs ambiciosos para a reconstrugo da socie- dade em geral e da sociedade francesa em especial Emile Durkheim ‘A obra de. out atorfgnets, Hnile Durkheim (1858-1917, teve um impacto mais amplo na Sociologia moderna do que a obra de Comte. Embora tivese prestado atengio a aspects da obra de Comte, Durkheim pensava que muitas das ideias do sex predecessor eramn demasiado copecultivas¢vagas,e que Comte nfo realzaa com sucesso ose programa — dar & Sociologia um earctercientfco. Segundo Durkheim, paras tomar centifie, a Sociologia teria que estudar fects sociais, aspectos da vida social que moldam as nosses acgdes enquanto individu, como por exemplo a situaglo econémica ou ainfluéacia da reigito Durkheim areditava que devemosextadar vida social com amesnaobjetvidade com que dar os factos socitis como coisas». Queria vom isso dizer que a vida social podia ser anali- sada com 0 mesmo rigor com que se analisam objects ou fenémenos da natureza, rte Durkin, sei9n? 6 ‘Tal como os outros prnciaisfandadores da Sociologia, Durkheim estava proocupado com as mudangas que transformavam a sociedade do seu tempo. Acreditava que o que ‘mantinha coesa uma sociedade eram os valores eos costumes partilhados. A sua andlise da ‘mudanga social baseava-seno desenvolvimento da divisdo do trabalho (0 aumento de dstn- ses complexas enre as ocupagdes diferentes). Durkheim defendia que a divisio do taba- In substitlagradvalmente a reliido como a base da coesfo social. A medida que se desen- volve @ divisio do tabalbo, as pessoas tomam-se.cada vee mais dependentes umas das cutras, na medida em que cada pessoa necesita de bens eservigos que s6 outras pessoas com ceupagbes diferentes podem forever. Segundo Durkheim, 0s processes de mudangs no ‘undo modemo so de tal maneia rpidos ¢intensos que do origem a problemas socais importantes, que cle ligou& anomia, um sentimento de auséncia de objective ou desespezo provocado pela vide socal modem. Os padres © meios de controlo tadicionais, formeci- triormente pela rligito, s4 deituides em larga medida pelo desenvolvimento social modemo, 0 que deixa em muitos individios de sociedades modemas wn sentimento de sustncis de sentido nas suas vidos quotidianas ‘Um dos estudos mais famosos de Duskheim diza respeito & andlise do suicidio (Durkheim, 1952; originalmente publicado em 1897). O suieidio parece ser uma acglo Puramente pessoal, o resultado de uma infelcidade pesséal extrema, Durkheim most contudo, que factores sociais exercem uma influéncia fundamental no comportamento suicidirio~sendo a snomia uma dessus inflaacias. As taxas de suicidio mostram padtSes conslantes de ano para ano, ¢ estes padrécs devem ser explicados sociologicamente Podem ser levantadas muitas objeegdes ao estado de Durkheim, mas este continua a ser ‘um estudo clssico eujarelevneia para & Sociologia ndo est, de maneira neshums, utra- passada, Karl Marx As ideias de Karl Marx (1881-83) contrastam radicalmente com as de Comte © Durkheim, mas, tal como eles, Marx tentou explicar as mudangas que ocorriam na €poca dda Revolugdo Industral. As actividades politicas de Marx quando jovem tiveram como cconsequéncia um conflito com as autoridades alemis; ap6s ur breve estadia em Franca, fixou-se, para sempre, no exilio na Gré-Bretanha. A sua obra abrange uma grande diversi- dade de assuntos. Mesmo os seus criticos mais implaciveis consideram a sua obra de ‘grande importincia para o desenvolvimento da Sociologia. Grande parte dos seus escrites ‘contra-se em questbes econémicas, mas, aa medida em que sempre prestou atengao as rela- ‘Ges entre os problemas evonémicos e as instituigbes socias, a sua obra era, e é rica em reflexdes sociolégicas. A perspectiva de Marx baseava-se no que chamava concepsio materialista da historia, Segundo este ponto de vista, nko so (como Durkheim defendia) as ideas ¢ valo- es que os seres humanos partilham as principaisfontes de mudanga social. Pelo contétio, a ‘udanga social € intigada, acima de tudo, por influéncias econémicas. Os confitos entre classes ~ 05 ricos contra os pobres — proporcionam a motivacio para © desenvolvimento historic. Nas palavras de Marx, «toda a hist6ria da humanidade até ao presente & a histria da lute de classes», _Embora escrovesse sobre virias fases da histria, Marx concentrou-se na mudanga nos tempos modemos, Pars ele, as mudangas mais importants estavam ligadas 20 desenvolvi- ‘mento do capitalism, © capitalismo é um sistema de produgio que contrasta de forma radi cal com sistemas econémicos historicamente mais antigos, implicando, segundo a sua lgica, 8 produgio de bens e servis para serem vendidos a ums grande massa de consumidores. ‘Aqueles que detém capital proprio ~ fibricas, miquinas grandes somas de dinheiro~ consti- ‘em a classe dominante. A grande massa da populago consttui uma classe de trabalhado- ses asslariados, ou uma classe operdria, que nfo tem a propriedade dos meios de producto ‘mas que tem de procurar emprego, forecido pelos que detém o capital. O capitalismo &, deste modo, um sistema de classes, no qual o conflito entre classes & um fendmeno trivial 1No futuro, segundo Marg, o capitaismo ser suplantado por uma forma de sociedade sem classes ~ sem grandes divistes ene rcos e pobres. Ao dizer isto, ele no queria dizer aque todas as desigualdades entre os individuosiriam desaparecer, mas que as sociedades no iio mais ser divididas entre uma pequena classe que monopoliza o pader politico e econs- 28 'mico por um lado, e, do outro, uma grande massa de individuos que pouco beneficio rtiram 4a rigueza gerada pelo seu trabalho. O sistema econémico virk a ser de posse comum, sendo estabelecida uma forma de sociedade mais justa do que a que conhecemos hoje A obra de Marx tem tido um efeito de grande aleance no mundo do século XX. Até ‘muito recentemente, antes da queda do comunismo Soviético, mais de um tergo de popula- «0 humana vivis em sociedades cajos governos reivindicavam ser inspirados peas ideas de Marx. Além disso, muitos sociélogostém sido influenciados pelas terias de Marx acerca das classes e divistes do classes, Max Weber ‘Tal como Marx, Max Weber (1864-1920) nfo pode ser simplesmente rotulado como sociGlogo; os seus interesses e preocupacdes abrangem muitas reas. Nascido na Aleman, ‘onde passow a maior parte da sua carrera académica, Weber era um individuo de grande cenudigdo. As suas obras cobrem os campos da Economia, do Diteito, da Filosofia e da Histéria Comparada, bem como da Sociologia, e grande parte da sua obra deva perticular atencio ao desenvolvimento do capitalismo moderno. Tal como outros pensadores do seu tempo, Weber tentou compreender a mudanga socal, Algumas das obras mais importinies de Weber preocuparam-se com a anise das caracteristicas proprias da sociedade Ocidental, em comparagao com as outras grandes civi- lizagées. Estudou as religibes da China, India e Préximo Oriente, e no decorrer desses Pesquisas fez grandes contribuig6es para a Sociologia da religido. Comparando os prineipais Max Weber, aoei900 29 sistemas religiosos da China e india com os do Ocidente, Weber conctuiu que alguns aspec- tos das crengas cristis influenciaram grandemente o aparecimento do capitalism. Este nio ‘mergira, como Mare acreditava, apenas gragas és mudangas econémicas. Segundo Weber, 0 valores ¢ as ideas culturais contribuem para moldar a sociedade e as nossas acgées indi viduais ‘Acconcepgio de Weber sobre a natureza das sociedades modemas ¢ as razbes da dif siio dos modos de vida do Ocidente pelo mundo inteiro estio igualmente em substancial contrast com o que Marx defendia. Segundo Weber, o capitalismo — uma forma distinta de organizasio econémica ~ é umn entre muitos factores importantes que dio forma a0 desea- volvimento social. O impacto da citncia e da buroeracia, subjacente ao capitalismo, foi em certos aspoctos ainda mais fundamental. A cigneia ajudou a moldar a tecnologia modema e in continuar a fz8-1o em qualquer sociedade futura. A burocracia€ 0 tinico modo de orga hizar eficientemente um grande nimero de pessoas, ¢, assim, expande-se inevitavelmente ‘com 0 crescimento econémico € politico. O desenvolvimento da ciéncia, da tecnologia modema e da burocracia foi colestivamente descrto por Weber como racionalizagdo — a organizaglo da vida econdmica e social segundo prinpios de eficiéncia e tendo por base 0 cconhecimento téenico. PENSADORES CONTEMPORANEOS Miche! Foucault e Jirgen Habermas Entre 0s mais proeminentes pensadores socilbgicos de tempos mais recentes, pode ‘mos inclu o autor francés Michel Foucault (1926-84) eo escrtoralemo Jirgen Habermas (a. 1929), Tal como os fundadores éa Sociologia cléssica, nem umn nem outro foram simples ‘mente sociéiogos; tanto um como outro escreveram extensivamente nos campos da flosofia e da historia, Foucault ¢indiscutivelmente ums das personagens mais brilbantes do pensamento social do século XX, Os seus escrtos dizem respeito a matérias que foram assunto das anilises de Weber nos seus estudos sobre a burocracia: 0 desenvolvimento das prises, hospitais, escolas e outras organizagBes em grande escala. A investigagio tardia de Poueault sobre a sexualidade e 0 «eu» tem tido, de igual modo, uma grande inffuéncia, em especial em obras de autores feminists. Segundo Foucault, a «sexualidade» (tal como chamaimos 2 atenyéo, anteriormente, para o caso do amor romantica) nem sempre existia ‘mas, pelo contrrio, tem sido criada através de processos de desenvolvimento social. Nas sociedades modemas, a sexualidade transformou-se em algo que «possuimos» — uma propriedade de cada individuo, 30 © eestudo acerca do poder ~ como os individuos e grupos aleangam os seus fins em. ‘oposisio aos dos outros ~ é de uma importincia fundamental para a Sociologia. Entre os fundadores clissicos, Marx e Weber deram uma énfase particular & questio do poder; Foucault continuou algumas das linhas de pensamento que eles, prime, propuseram. Por exemplo, a sexualidede, no seu ponto de vista, estd sempre relacionada com o poder soci ‘Além disso, pés em cheque a ideia de que a acumulago de conhecimento conduz a uma liberdade cada vez maior. Ao contririo, ele via o saber e conhecimento como um meio de «cotular pessoas» e de as controlar Habermas é, provavelmente,o principal pensador da Sociologia de hoje. Foi espe- cialmente influenciado por Marx © Weber, mas sofret igualmente a influéncia de outras comentes de pensamento. Segundo Habermas, as sociedades capialistas, nas quais a -mudanga estd sempre presente, tender a destrur a ordem moral da quel, na realidade, depen «dem, N6s vivemos numa ordem social em que o crescimento econémico tem tendéncia a sobreporse a tudo ~ mas esta situagdo gera uma auséncia de sentido da vida quotidiana, Neste ponto Habermas etoma o conceit de anomia de Durkheim, embora 0 aplique de uma forma diferente c original ASOCIOLOGIA E UMA CIENCIA? Durkheim, Marx © outros fundadores da Sociologia consideravam-na uma CIBNCIA. Mas poderemos, de facto, estudar cientificamente a vida social humana? Pare responder a esta questfo, é necessirio compreender o significado da palavra ciéncia, O que € a cigncia? Cineia & 0 uso de métodassistemdticos de investigagdo empirica, a anilise de mate- "ial, o pensamentotebrico ea avaliagdo légica de racioeinios, de maneira a desenvolver um corpo de contecimentos sobre detenminado assunto. Segundo esta definigéo, a Sociologia tem Juma ambigéo cientifca, Ela envolve métodos sisteméticos de investigagao empiica, a andlise de factos ea avaliagdo de teorias & luz de provas e argumentos logicos. Estudar seres humanos, contudo, é diferente de observar fendmenos do mundo fisico, © 8 Sociologia nao deveria ser vista como uma eiéacia natural de uma forma directa. Ae contrrio dos objectos da natureza, os humanos sio seres auto-conscientes que conferem significado © propésito as coisas que fazem. Nio podemos sequer descrever a vida social correctamente se nfo compreendermos primeiro os conceitis que os individuos aplicem no seu comportamento. Por exemplo, classficar uma morte como sticidi implica seber se era isso que a pessoa em questio, na altura, pretendia fazer. Um suicidio 86 ocorre quando um individuo tem em mente pensamentos de autodestruigdo activa, Alguém que se atravessa acidentalmented frente de um automével e morte no pode ser considerado um suicida, 31 © facto de nfo podermos estudar os seres humanos exactamente da mesma maneira que 0s objectos da natureza 6, de alguma forms, uma vantagem para a Sociologia. Os inves- tigadores sociologicos beneficiam do facto de serem capazes de levantar questbes drecta- ‘mente relacionadas com aquelas que esti a estudar ~ outros seres humanos, Por outo lado, « Sociologia depara-se com dificuldades que nfo afectam os cientistas da natureza, As pessoas que tém conscigncia de que as suas acgSes sfo centro de atenséo néo actuam da mesma ‘maneira do que fariam normalmente, Consciente ou inconscientemente, representam-se de ‘uma forma diferente, podendo até «ajudaryo investigadar dando respostas que julgam serema as esperadas COMO PODE A SOCIOLOGIA CONTRIBUIR PARA AS NOSSAS VIDAS? A Sociologia tem muitas implicagSes priticas para as nossas vidas, tal como Mills sublinhou quando desenvolveu o seu conceito de imaginago sociologica Consciéncia de diferencas culturais [Em primeito lugar, « Sociologia permite que olhemos para o mundo socal a partir de muitos pontos de vista, Muito frequentemente, se compreendermos correctamente 0 modo como 0s outros vivem, adquirimos igualmente uma melhor compreensio dos seus proble- ‘mas. As medidas polticas que nfo se baseiam numa consciéncia informads dos modos de vida das pessoas que afectam tém poucas hipéteses de serem benéficas. Deste modo, um assistente social branco que tabalhe numa comunidade predominantemente negra ne irk sganhar a confianga dos seus membros, a nko ser que desenvolva uma sensibilidade face as iferengas de experiéncia social que frequentemente separam brancos ¢ negros. Avaliagao dos efeitos das politicas Em segundo lugar, a pesquisa sociol6gica formece uma ajuda pritica na avaliago dos resultados de iniciativas polticas. Um programa de reformas praticas pode simples- ‘mente falhar em conseguir os objectivos que os seus autores pretendiam, ou produzir conse- ‘quéncias nfo intencionais de cariz prejudicial. A titulo de exemplo, referia-se que, n08 anos {ue se seguiram & Segunda Guerra Mundial, se consruiram grandes blocos habitacionais de iniciativa piblica no centro das cidades de muitos paises. A intengZo era providenciar um bom nivel de habitaso, com zonas comerciais e outros servigas piblicas & mio, para 08 2 moradores dos bairros degradados e com baixos rendimentos. Contudo, a investigagio ‘mostrou que muitos dos que se mudaram para esses blocos habitacionsis se sentiam isolados © infeizes. Grandes blocos habitacionais ¢ reas comerciais em muitos casos depressa se , a crianga poderd ou nio ser capaz de responder de uma forma correcta (a resposta é «cdo d’éguay), mas entenderé seguramente por que é que ‘a resposta correcta esti ceria e compreendero humor da questio. ‘De acordo cam Piaget, os trés primeiros estidias de desenvolvimento sfo universais, ‘mas nem todos os adultos aleangam 0 estidio operacional formal. © desenvolvimento deste tipo de pensamento esté dependente, em parte, das processos de escolaridade, Os adultos 56 com uma educagdo limitada tendem a continuar a pensar em termos mais coneretos e reter largos tragos de egocentrismo, Criticas ‘Margaret Donaldson pés em questio a posigdo de Piaget, que defendia que as criangas cram, em comparagao com os adultos, altamente egocéntricas (Donaldson, 1979). As tarefas que Piaget atribuia as criangas que estudou, segundo Margaret Donaldson, eram-lhes apresentadas mais do ponto de vista de um adulto, do que de um que thes fosse conspreenst- vel. O egocentrismo — em certas situagdes ~ é igualmente uma earacterstica do comporta- ‘mento adulto, Para comprovar as suas critica, cita uma passagem da antobiografia do poeta britdnico Laurie Lee, que desereve o seu primeizo dia de escola. Pascale pris da chr pre pareeesbei por ipa, asa tne chad «© que se pass, qurido? Endo no goat de exo?» 80 me der eam preset, Que presente ‘les diseram que me am dau preset. (one cores diston ‘Feo, sim. Dist: “Tu ds o Lae Lee no & verde? Bem, no press, Geass ‘senta. iq send o datos eno ee nexinsn pst Naam voto (La, 955,50), Como adultes, temos tend8acia para pensir que esta crianga, de uma forma eémica, entendeu mal o que a professora disse. Contudo, a um nivel mais profundo, como salient Donaldson, © adulto nfo conseguiu entender a erianca, ao nfo recoahecer a ambiguidade da frase ano presente, fica af sentador (est there forthe present»). O adulto, nfo o rapaz,é que pode ser acusado de egocentismo, © trabalho de Piaget tem sido também muito eriticado devido aos métodos que usou. (Coino podemos nés, a partir de conclusdes que se baseiam em observagSes feitas a um pequeno grupo de criancas que vivem todas na mesma cidade, fazer generalizagies? Nio obstante, na sua maioria, as ideias de Piaget demonstraram a sua solide, luz da enorme ‘quantidade de pesquisas posteriores que contribuitam para gera. Os estos de desenvolvi- ‘mento identificados por Piaget sio, provavelments, menos definidos e claros do que ele afir- ‘mou, mas muitas das suas teorias slo, hoje em dia, accites na sua gencralidade. Relagées entre as varias teorias Existem grandes diferencas entre as perspectivas de Freud, Mead e Piaget; no entanto, 6 possivel trgar-se uma imagem do desenvolvimento da crianga, que se apoie em todas els. 37 Os tés autores aceitam que, nos primeiros meses da infincia, wm bebé nfo tem um entendimento claro acerca da natureza dos objectos ou pessoas no seu meio ambiente, nem 4a sua propria identidade separada. Durante os dois primeisos anos de vide, mais ov ‘menos, antes do dominio de capacidades lingufsticas evolufdas, a maior parte da aprendi= zagem € incousciente, uma vez que a crianga ainda nko tem qualquer consciéncia de si propria. Freud estava provavelmente certo ao afirmar que as formas de lidar com as ansie- dades estabelecidas na infincia ~ relacionadas, em particular, com a interacgo com pai e ‘mile ~continuam a desempenhar um papel importante durante o deseavolvimento posterior da personalidade. provivel que as criangas aprendam a tomar-se seres auto-conscientes através do processo sugerido por Mead ~ a diferenciacio entre um ceu» e um «anim». As eriangas que adquirem um sentido da individualidade retém, todavia, como Piaget sfirmou, modos de ppensamento egocéntricos. O deseavelvimento da autonomia da erianga envolve prov velmente maiores dificuldades emocionais do que Mead ou Piaget pareceram reconecer;difi- cculdades em relagio ds quais as ideias de Freud sfo paricularmente relevantes. Sec capaz de lidar com ansiedades primaries pode muito bem influenciar 0 modo como, posterionnente, ‘uma crianga € capaz de ultrapessar, om sucesso, os estidios cognitivos propostos por Piaget. Até goa, especialmente durante a discusso das torias de Freud e Mead, centrimo-nes sobretudo na infincia ~ e justiticadamente, uma vez que os primeiros anos de vida sio cruciais. E as fases posteriores do ciclo de vida? A vida de um individuo atravessa vérias dessas fase, desde a inféncia, adolescéncia, comegos da idide adulta até & meia-idade e velhice. Ao contririo das secgdes anteriores do capitulo, iremos olhar agora essas fses da vida a partirndo tanto do ponto de vista do individvo, mas mais em termos da maneira como 4s fases do desenvolvimento sio socialmente organizadas. Para isso, necessitamos compreen- der os desenvolvimentos individuais nam contexte social mais abrangente, O CICLO DE VIDA As virias transigdes por que os individuos passam durante as suas vidas parecem sex, A primeira vista, biologicamente determinadas — da infincia & idade adulta e, por fim, a morte. Contudo, as coisas so muito mais complicadas do que parecem, Os esti dios do cielo de vida sio tanto de natureza social como biolégica. Sdo influenciados por diferengas culturais ¢ também pelas circunstincias materiais em que as pessoas vivem nos virios tipos de sociedade. No mundo ocidental modemno, por exemplo, a morte 6 ‘geralmente relacionada com a velhice, uma vez que a maioria das pessoas tem uma espe- tanga de vida de setenta anos ou mais. Nas sociedades tradicionais, por outro lado, morria um maior nimero de pessoas pertencentes a grupos etérios jovens do que © que vivia até a velbice 38 Infancia ‘A maioria de nés tem tendéncia a pensar a infncia como uma fase da vide clara- ‘mente identificdvel. As «criangas», segundo o senso comum, distinguem-se dos «bebésn, E-se crianga entre a primeira inflncia e o inicio da adolescéncia, Contudo, 0 conceito, ‘como tantos outros aspectos da nossa vida social moderna, 86 surgiu nos ‘iltimos dois ou ‘ts séculos. Nas sociedades tradicionais, os mais novos passavam directamente de uma infinciaprolongada a desempenhar um papel activo dentro da comunidade. O historiador francés Philippe Ariés defendeu que a infincia, enquanto wma fase dstinta do desenvolvi- ‘mento, no existia ns época medieval (Ariés, 1973). Nas pinturas da Europa Medieval, as criangas eram retractadas como «pequenos adultos», com feigdes maduras © © mesino estilo de vestuério dos adultos, As criangas tomavam parte no trabalho e nas mesmas acti- vvidades lidicas dos adultos, endo tinham os brinquedos ¢ as brincadeiras que hoje acha- mos préprias da idade, Até ao prinefpio do século 2%, na Gr-Bretanha e na maioria dos paises ovidentais, salgumas criangas comesavam a trabalhar aos sete ou oito anes, o que hoje parece uma idade excessivamente prevoce para esse fim. Ainda hoje, existem muitos paises onde as criangas ‘muito novas trabalham a tempo intero, frequentemente em circunstincias que exigem _grande esforsofisico (como, por exeraplo, em minas de earvo) (UNICEF, 1987). A idea de ‘que a crianga tem direitos especificos © @ nogéo de que o trabalho infantil é moralmente ‘epugnante sio avangos bastante recentes ‘Alguns historiadores, desenvolvendo a perspectiva de Aris, defendem a ideia de que za Europa Medieval a maior das pessoas era indiferente, ou mesmo host, para com os seus filhos. Esta ieia tem sido, contudo, posta de pate por outros, eno é apoiada pelo que sabe- ‘mos da realidade das cultura tradicionais ainda existentes. Muitos progenitores, espe- cialmente mies, tinham, com quase toda a certeza, a mesma relasio afectiva com os seus fithos que hoje ¢ comumm, Apesar disso, devido a longa durasio do que hoje consideramos « Sane Sate ath Get ice get nnd ern naan ums earago ie Taleerrdern etn. rid ich caien ~ tebatta Recetas Ing di Sinn” Runt to oe ‘nc ge aon on eel cn em oan, Behind Sitestedtsiee”™ tzu coemes tar ooh oes enn er na eas sep fin See ee Soe ee Cees scone acne ee reaalae ad monomenaoes ‘Sp Sr gh pC 6 do vloadode peso a nar. Agere a mane Mead raion & ua rng sean eats oo spect, Aabortagem Sepupaetnee ae Heat tong — = lene Tears ou age poco postu capac para aprender ‘Seat eownypetechrdehuat hn: maperotbers pornos marae co «so, Mead nto acetavaa ea Feudana go que o_o algunas efargss nuns angen ee ext, © ‘observadores sugeriram que as criangas de hoje «erescem tio depressa» que o caricter proprio da infincia esti diminuir uma vez mais (Suransky, 1982; Wino, 1983). Mesmo crian- ‘2s bastante pequenas, por exemplo, vEem os mesmos programas de televisio que os adultos, ficando, assim, familiarizadas com 0 «mundo adulto» muito mais cedo do que as geragées precedentes Adolescéncia O conceito de uadolescente» 6 relativamente recente. As mudangas biolégicas que ‘ém lugar na puberdade (a altura em que a pessoa se toma capaz de manter uma actividad sexual adult ¢ reprodutora) sfo universais. Contudo, em muitas culturas isto no produ 0 ‘grau de confusio e incerteza propria dos jovens do mundo ocidental. Quando existe um sistema de grupos etérios, por exemplo, associado a rituas especificos que assinalam a tran- sigdo de um individuo para a idade adults, © processo do desenvolvimento psivossexual parece, de uma maneira pera, ser mais fécil. Os adolescentes nas sociedadestradicionas tem ‘menos a adesaprender» do que os seus parceiros das sociedades modems, na medida que a velocidade das mudangas & bastante mais reduzida. Existe uma altura na vida em que os ‘nosso filhos so obrigados a deixarem de ser eriancas: a arrumarem de lado os bringuedos ‘ea abandonar as brincadeiras infantis. Nas culturastradicionas, onde as crianga jd esto @ trabalhar 20 Indo dos adultos por esta altura, este processo de «desaprendizagern> & regra geral, muito menos violento, ‘Hoje em dia nas sociedades modemas, a especficidade de se ser um vadolescenten péssa tanto pela aplicacdo total dos direitos da crianga como pelo processo de uma edueasio formal. Os adolescentes tentam frequentemente seguir os modos dos adults, emborasejam, legaimente, cris. Podem desejar comegar a trabalhas, mas sio obrigados a permanecer ina escola. Os adolescentes estfo centre» a infincia ea idade adulta, crescendo numa socie- dade que atravessa constants transformagaes. jovem adulto A juvenlidade adulta parece estar a tomat-se cada Vez mais numa fase espectfica do escnvolvimento pessoal e sexual nas sociedades modemas, Em particular no seio dos ‘grupos mais abastados, mas de modo algum limitado a estes, as pessoas com vinte e poucos ‘anos estio a cdar-se tempo» para viajar e explorarfiliagBes politcas, sexuais ereligiosas. provivel que a importineia desta «moratériay ven a aumentar, dado o longo periodo de educagdo por que muitos passam actualmente. 6 dade adulta A tasioria dos jovens adultos no Ocidente modemo pode contar com uma vide que dduraré até a velhice. Em tempos pré-modernos paueos eram os que podiam contar, &partda, om tal futuro com tanta confanga. A morte por doenea, peste ou ofenss fisicas era muito mais froquente em todos os escaldesetirios do que actualmeate e as mulheres, em particular, esta- ‘vam Sob grandes rscos, devido sobretudo & grande taxa de mortalidade associada 20 pato Por outro lado, algumas das tensées que hoje goftemos eram, no passado, muito ‘menos acentuadas. As pessoas mantinham normalmente una relagio mais préxima com os seus pais e restates familiares do que hoje, com populagées mais méveis,¢ as rotinas Iabo- ‘ais que seguiam cram as mesmas do tempo dos seus antepassados, Na nossa sociedade, cenfrentam-se grandes incertezas no casamento, na vida familiar e noutros contextos sociis. Hoje, temos de «fazem» as nossa prOprias vidss, mais do que acontecia antigamente. A cria- ‘0 de lagos sexuais e conjugais, por exemplo, depende hoje da seleeso e iniciativa indivi- dual, em vez de ser estabelecide pelos pas, Isto representa uma maior liberdade individual, tembora & responsabilidade possa também implica tensdese dificuldades. ‘Manter uma «perspectiva optimista» durante a mea idade & de grande importincia nas sociedades modemnas, A maior das pessoas no esté& espera de fazer «a mesma coisa 4 vide todan ~ tal como acontecia habitualmente & maioria da populago nas culturas tradi- cionais. Os homens e mulheres que durante a vida intera tiveram uma s6 ocupagio profi sional podem achar que o nfvel que atingiram na meia dade ¢ pouco satisfatério eque outras ‘oportunidades estio bloqueadas. As mulheres, que passaram o principio da idade adulta @ cuidar da familia e cujos filhos jé safram de casa, podem sentit-e sem qualquer valor socal. fenbmeno da «crise da meia-idade» é uma realidad para muita gente dessa faa etiia, ‘Uma pessoa pode sentir que desperdigou as oportunidades que a vida Ihe proporcionou ou que nio conseguiu os objectivos com que sonfa desde a infincia. No entanto nfo ¢ineviti- ‘vol que as transigdes por que passaram dem origem &resignagio ov a0 desespero desolado; © abandono dos sonhos de infincia pode ser liberador, Vethice ‘Em formas mais antigas de sociedade, as pessoas mais velhas era geralmente devido muito respeito. Nas culturas onde existiam escal6es etirios, os «mais velhos» tinham uma influéneia determinante ~ muitas vezes decsiva —na discussio de assuntos importantes para 4 comunidade. No seio das familias, a autoridade dos homens e mulheres sumentava, com ‘muita frequéncia, com o avancar da idade. Nas sociedades industrializadas, pelo contririo, hha tendéncia para que os mais velhos percam autoridade tanto dentro da familia como na ‘comunidad soval. Apés a reforma de uma actividade labora activa, as pessoas podem ficar

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