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FICHA TECNICA Titulo original: Les Régles de La Méthode Sociologique ‘Autor: Eralle Durkheim ‘TradusSo: © Editorial Presenga, Lda, ‘Tradutor: Eduardo Liicio Nogucira Capa: Sector Gréjico de Editorial Presenca Impressio: Empresa Grafica Feirense, Lila, Ste, Marla de Feira Acabamento:’ Rainho & Neves, Lda., Sta, Maria da Feira 3. edigao, Lisboa, 1987 Reservados toos 6s direitos para a lingua portuguesa & Editorial Presenga, Lda Rua Augusto Gil, 35-A— 1000 LISBOA PREFACIO A PRIMEIRA EDIGAO Estamos to pouco habituados a tratar cientificamente os factos sociais que algumas das proposigSes contides nesta obta correm 0 risco de surpreender o leitor. No entanto, se existe’ uma ciGnoia das sociedades, é de esperar:que ela nfo consista simples- mente numa pardfrase dos preconceitos tradicionais, mas nos mos- tre as coisas de um modo diferente do que parscem ao vulgo, pois © objecto de qualquer ciéncia € descobrir, e. qua‘quer descobrimento desconcerta mais ou menos as .opinides corventes. Portanto, a menos que, em sociologia, se conceda ao Senso comum uma ‘autori- dade que j6 h4 muito nfo tem nes outras citiicias —e nfo verios de onde the poderia vir—o cientista deve tomar resolutamente @ decisio de nio se deixar intimidar pelos resultados # que levam as suas investigecdes, se foram metodicamente conduzidas. Se pro- curar © paradoxo € proprio de um sofista, evitélo, quando im- posto pelos factos, € préprio de um espirito sem coragem ou sem. 46 na citnoia. Infelizmente, & mais féeil admitir esta regra em princfpio © ‘eori¢amenie do que aplicé-la com persevernga, Estamos ainda muito ecostumados a resolver todos estes assuntos segundo as sugest6es do senso comum, para podermos facilmente mantélo afastado das discussbes sociolégicas. Quando dele nos julgamos libertos, ele impSe-nos os seus juzos sem darmas por isso. S6 uma longa ¢ especial prética pode prevenir tais descuidos. Bis o que pedimos 20 Ieitor para ter a bondade de néo perder de vista, ‘Que tenha sempre em mente que as mangiras de pensar a que est mais afeito sio mais contrérias que favoréveis ao estudo cientifico 1 dos fenémenos sociais e, por consoguinte, que se acautele com as suas primeiras impressbes. Se a elas se abandonar sem resisténcia, arrisca-se a julgar-nos sem nos ter compreendido, Assim, poderia scontecer que nos acusassem de querer absolver o crime, sob o pre- texto de que fazemos dele um fenémeno de sociologia normal. A objecgao, no entanto, seria pueril, pois so é normal que, em todas @s sociedades, haja crimes, nio € menos normal que eles sejam puni- dos. A instituicao de um sistema repressivo ndo é um facto menos universal que a existéncia de umta criminalidade, nem menos indis- pensével & saide colectiva. Para que nfo houvesse crimes, seria preciso um nivelamento das consciéncias individuais que, por razdes adiante indicadas, nfo € nem possivel nem desejével; mas, para.que nao houvesse repressio, seria precisa uma austncia de homogeneidade moral que € inconciliével com a existéncia de uma sociedade. Porém, partindo do facto que o crime 6 detestado e detestével, 0 senso comum conclui, erradamente, que ele poderia muito bem desaparecer por completo. Com o seu simplismo habi- tual, nfo concebe que uma coisa que repugna possa ter alguma ra- 0 de ser ‘itil; no entanto, no ha nisso contradig&o alguma. Nao hhaveré no organismo fungSes repugnantes cujo funcionamento regular € necessério & satide individual? Néo detestamos nés © sofrimento? E, no entanto, um ser que 0 nao conhecesse seria um monstro. O caracter normal de uma coisa e os sentimentos de averséo que ela inspire podem até ser solidérios. Se a dor é uti facto normal, é com a condigio de néo ser amada; se o crime normal, € com a condigfo de ser odiado*. O nosso método nfo + Mas, objectam-nos, se a sadde contém clomentes odiosos, como apreseaté-la, tal como o fazemos mais adlaate, como 0 objective Imediato do comportamento? Nko hé nisso contradigfo alguma, Azon- ‘zee frequentemente que uma coisa, edo nociva gor algumas das suns contoquéncias, seja, por outras, il ou a6 necescéria & vida; ora, se ‘08 sous mas gfetos sfo regularmente neutrallzados por uma taflita- cla contréria, acoatece de dacto que ela serve sem prefudlcar, eonti- uando, entretanto; a ser oda, visto que no deixa de constitu por ‘propria um perigo eventual, que" & conjurado pela acglo de uma forga antagéniea, B 0 aso do crime: o mal que fez & socledade € anulado pela pena, so eate funclonar regularmente, Resta, pots, dizer tem, portanto, nada de revolucionério. & até, num sentido, essen- cielmente conservador, visto que considera os factos sociais como coisas cuja natureza, por mais flexivel e maleével que seja, aio 6, no entanto, modificével & vontade. Quanto mais petigosa nfo seré a dqutrina que neles s6 v8 © resultado de combinagées meatais, que um simples artificio dieléctico pode, num instante, abalar completamente! Do mesmo modo, porque estamos tabituados a consi: derar a vida social como o desonvolvimento l6gico de conceitos ‘desis, julgaremos talvea. grosseito um métode que faga depender evolugso colectiva de condigGes objectivas, definidas no espago, € no é imposstvel que nos chamem matetialista. No entanto, poderfamos com mais justeza reivindicar a qualificagio contréria. Com efeito, ao consiste a esséncia do espiritualismo na ideia de que 0s fondmenos psiauicos nfo podem ser imediatamente deriva- dos dos fenémenos orginicos? Ora, 0 nosso método sf é, em parte, mais que uma aplicagao deste princfpio aos factos sociais, Tal como os espititualistas separam o reino psicalégico do reino bio- J6gico, nés separamos 0 primeito do reino social; tal como eles, recusamo-nos a explicar o mais complexo pelo mais simples. Na verdade, contudo, nem uma nem outra denominagio nos convém exactamente; a Ginioa que aceitamos & a de raciondfista, 0 nosso principal cbjectivo, com efeito, & estender 20 comportamento humano © racionalismo cientifico, mostrando que, considerado no passado, ele € redutivel a relacdes de causa a efeito que uma ‘operacéo nfo menos racional pode transformar depois em regras de accfo para o futuro. Aquilo a que se chemou 0 nosso posit vismé € apenas uma consequéncia deste reclonalismo*. S6- se pode ser tentado a ultrapassar os factos, quer para os explicar quer para dirigirthes © curso, quando os supomos irracionais, ‘que, sem causar o mal que implica, ele mantém com as condigdes funda- mentals da vida soclal as relacbes positivas que a seguir veremos. ‘Todavia, como 6 a forga, por assim dizer, que ele 6 tornado inofensivo, ‘09 sentimentos de aversto de que ¢ objecto nfo delxam de ser fundados. 2 Quer dizer que no deve ser confunddo com a metafisica posttiviste ve Comte ¢ de Spencer. Se eles so inteiramente inteligiveis, bastam tento & cién- cia como @ prética: & cincia, porque nfo hé; nese caso, ‘motivo para procurar fora deles as suas razies de ser; & pritica, porque o seu valor dil € uma destas razdes, Parece-nos portanto que, sobretudo neste tempo de misticismo renascente, um tal empreendimento pode ¢ deve ser acolhido sem inquietagfo ¢ até com simpatia por todos aqueles que, mesmo divergindo de nés em alguns pontos, compartitham da nossa f€ no futuro da razdo, 10 PREFACIO A SEGUNDA EDICAO Quando este livro apareceu pela primeira vez, suscitow controvérsias bastante vivas, As ideias corrertes, como que des- concertadas, resistiram, a principio, com uma tal energie que, Gurante algum tempo, foi quase impossfvel fazermo-nos ouvir. Exactamente sobre os pontos em que nos exprimiramos mais expli- citamente, atribuframnos gratuitamente pontos de vista que nada tinham de comum com os nossos, ¢ julgarem refutar-nos refutan- dows. Apesar'de termos declarado repetidas vezes que a cone cifncia, tanto individual como social, néo era para nés nada de subs- tancial, mas’ apenas um conjunto, mais ou menos sistematizedo, de fenémenos sui ‘generis, acusaram-nos de realismo ¢ de onto- logismo. Apesar de termos dito expressamente e repetido de todas as maneiras que 2 vida social era inteiraments feita de represen tagGes, acusaram-nos de eliminer 0 elemento mental da sociologia, Foram 20 ponto de restaurar contra nés prozessos de discusséo que, poderiam julgarse .definitivamente deseparecidos. Imputa- ramos, com efeito, certas opinides que ndo haviamos sustentado, sob 0 pretexto de que eram «conformes com ot nossos prinefpios». ‘A experincia provara, no entanto, todos os perigos deste método quo, permitindo construir arbitratiamente os sistemas que se dis- cutem, permite também triunfar deles sem dificuldede, Julgamos nfo nos enganer se dissermos que, desde entéo, as resisténcias tém enfraquecido progressivamente. Sem duivida, mais de uma ‘proposigdo' nos é ainda contestada, Mas nfo podemios nem espantar-nos nem queixar-nos dessas contestagbes salutares; 6 evi- dente, com efeito, que as nossas {6rmulas estio destinadas a ser uw modificadas no futuro, Sendo o resumo de uma pritica pessoal © forcosamente restrita, devordo necessariamente evoluir & medida que se adquirir uma expriéncia mais vasta e mais aprofundada da realidade social, Em questses de método, alifs, nada se pode fazer que nio seja provisério, pois os métodos mudam & me- dida que a cigncia avanca. Iss0 no impede que, durante estes) ‘ltimos anos, a despeito das oposigses, a causa da sociologia objectiva, especitica e met6dica, tenha ganko terreno sem inter rupgfo. A fundagio da Année Sociologique contou muito, certa- mente, para este resultado. Dado que abarca simultanea- mente todo 0 domfnio da ciéncia, péde, melhor do que nenhuma obra especial, dar a sensacgo daquilo em que a sociologia deve © pode tomarse, Assim, pode verse que ela nfo estava condenada 8 permanecer um mero temo da filosofia geral, e que, por outro Jado, podia entrar em contacto com o pormenor dos factos sem degenerar em pura erudigao, Por isso, nunca seré demais prestar- ‘mos homenagem ao ardor e & devogo dos nossos colaboradores; foi gragas a eles que esta demonstragio pelos factos péde ser tentada e pode prosseguir. No entanto, por muito reais que sejem estes progressos, 6 incontestivel que os enganos ¢ as confustes passadas nfo esto sinda inteiramente dissipados. Bis 0 motivo porque desejamos aproveitar esta segunda edicéo para acrescentar algumas expli cagdes a todas as que jé demos, responder a cerlas criticas ¢ precisar alguns dos pontos focados. I A proposigio segundo a qual os factos sociais devem ser tratados como’ coisas — proposi¢io .que esté na prépria base do nosso métotlo — foi das que provocaram mais controvérsias. Acha- ram paradoxal e escandaloso que assimiléssemos @s realidades do mundo exterior as do mundo social, Era enganar-se singularmente sobre o sentido. o alcance dessa assimilagio, cujo objectivo nio é 0, de rebsixar as formas superiores do ser até &s formas inferiores mas, pelo contrério, seivindicar para as primefras um grau de reali- dade pelo menos igual ao que toda a gente reconhece as segundas. 2 Nao dizemos, com efeito, que os factos sociais so coisas mate- riais, mas sim que so coisas, tal como as materiais, emora de | ‘uma outra manera, © que 6, enti, uma coisa? A coisa opSose a idsin como | ‘oque:se conhece de fora 20 que se conhece de dentro. f coisa todo © objecto de conhecimento que néo é naturalmente compenetravel pela inteligencia, tudo aquilo de que nfo podemos adquirir uma nogéo adequada por um simples processo de anélise mental, tudo © que 0 espftito s6 consegue compreender na condigao de sair de ai préprio, por via de observasies w de experimentagées, passando |. progressivamente das caracteristicas mais exteriores e mais imediata- mente acessiveis as menos visiveis ¢ as mais profundas. Tratar factos de uma certa ordem como coisas, nao é, pois, classificé-los nesta ou naquela categoria do real; observa: em relagdo a eles uma certa atitude mental. & abordar o seu estudo partindo do prinefpio que se ignora por completo 0 que eles eo, e que as suas propriedades caracteristicas, tal como as causas desconhe- cidas de que dependem, ndo podem ‘ser descabertas pela intros: (\ pecgio, por mais tenta que seja. | Com os termos assim definidos, 2 nossi posigfo, Jonge de ser um paradoxo, poderia quase passer por um truismo se no fosse ainda to Jrequentemente ignorada nas ciéncias que tratam do homem, ¢ sobretudo em sociologia. Com efeito, pode dizerse, neste sentido, que todo o objecto de ciéncia é uma coisa, salvo, talvez, os objectos mateméticos; pois, no que respeita a estes, ‘ltimos, por sermos nés quem os constr6i, deide os mais simples ‘aos mais complexos, basta, para saber o que sto, olhar para dentro de n6s ¢ analisar interiormente 0 processo mental de que resultam. Mas, desde que se trate dp factos propriamente ditos, eles so neces | sariamente para née, no momento em que empreendemos o seu es- | tudo, desconhecidos, coisas ignoradas, pois as representagées que deles adquirimos no decurso da vide, tendo sic feitas sem método © sem critica, so desprovidas de valor cientifico © devem por-se de parte, Até mesmo os factos da psicologia individual apre-! sentam esta caracteristica’ e devem ser considerados sob este aspecto, Com efeito, ainda que nos sejam interiores por definigao, a consciéncia que deles temos nfo nos revela a sua natureza interna nem a sua génese. Dénolos a conhecer bem até certo ponto, 15 ‘mas somente como as sensages-nos dio a conhecer o calor ou & luz, © som ou a clectricidade; dénos impresses confusas, passageiras, subjeotivas, mas nao nogdes. claras ¢ dis- tintas, conceitos explicativos. E € precisamente por esta razio que se fundou'no decurso deste século uma psicologia objectiva, cuja regra fundamental é estudar os factos mentais do exterior, isto é, como coisas, E assim deve ser, mormente nos factos sociais, porquanto a consciéncia nfo pode ser mais competente para os ‘conhecer do que para conhecer da sua vida propria*, Odjec- tar-se-d que, como sfo obra nossa, ndo temos mais que tomar consciéncia de n6s mesmos para saber o que af pusemos ¢ como 6s formémos. Mas, primeiro, a maior parte das instituigbes sociais ‘sdo-nos legadas jé feitas pelas geragdes anteriores; nio tomémos ‘parte alguma na sue formagio e, por conseguinte, nado é inter- rogando-nos que podemos descobrir as causas que Ihes deram origem. Além disso, mesmo quando colabordmos na sua génese, € com dificuldade que entrevemos, da mancira mais.confusa e até frequentemente inexacta, as verdadeiras razSes que nos deter minaram a agir @ a natureza da nossa acgZo. Jé quando se trata simplesmente do nosso comportamento privado, sabemos muito mal quais os mobiles celativamente simples que nos guiam; julga- mo-nos desinteressados quando agimos como egoistas, julgamos obedecer ao édio quando cedemos 20 amor, & razéo quando somos escravos de preconceitos itreflectidos, etc. Como poderiamos, entio, possuir a faculdade de discernir com mais clareza as causas, muito mais complexas, de que procedem os comportamentos da colécti- vidade? Pois, quando muito, cada um s6 participa neles numa infima parte; temos uma multidao de colaboradores, e 0 que se passa nas outras consciéacias eseapa-nos. A nossa regra n&o implica, portanto, nenhuma concepgdo me- tafisica, nenhuma especulaglo sobre o fundo dos seres. O que ola reclama 6 que o sociélogo se ponha no estado de espfrito em que 3 Vese.que, para admitir esta proposigie, néo @ necesstrio sustentar que & ida solal ¢ constitaida por algo mals que repre- sentagies; basta estabelecer que as ropresentag6es, Individuals ou coleetivas, 86 podem ser estudadas cientificamente ee forem estudadas objectivamente. 4 estéo fisicos, quimicos. ou fisiologistas, quando se embrenham numa regio ainda inexplorada do seu domiaio cientfico. Deve, 20 penetrar no mundo social, ter consciéncia de que penetra no desconhecido; deve sentir-se em presenga de factos cujas leis sf0 tio desconhecidas como eram as da vida antes da biologia se ter constituldo; deve estar preparado para descobrir coisas que 0 surpreenderio e 0 desconcertatio. Ora, 2 sociologia esté Jonge de atingir este grau de mataridade. intelectual. Enquanto o cienfista que estuda a netureza fisica tem o sentimento vivissimo das resisténcias que esta the ope e das quais tem tanta dificuldade em triunfar, parece, em yerdade, que o sociGlogo se move no mefo de coisas imediatamente transparontes a0 espf- sito, io grande é a facilidade com que o vemos resolver as ques- Ges mais obscuras, No estado actual da citncia, néo sebemos + verdadeiramente nem 0 que slo as principais instituigdes socisis, como 0 Estado ou a familia, o direito de propriedade ou 0 con — trato, a pena e a responsabilidade; ignoramas quase completa- mente as causas de que dependem, as funcGes que desempenham, as eis da_ sua evoluséo; mal eomeyamos, em certos pontos, & entrever algumas luzes. E, no entanto, basta percorrer as obras de sociologia para ver como € raro o sentimento desta ignorancia — e dostas dificuldades. Nao s6 nos consideramos obrigados a dogma- tizar sobre todos os problemas ao mesmo tempc, como até julgamos poder, em algumas péginas ou em algumas frases, atingir a pré- pria esséncla dos fendmenos mais complexos. Isto equivale a dizer que tals teorlas exprimem, no os factos, que ndo poderiam esgo- >} tarse com essa rapidez, mas a prenogio que deles tinha o autor antes da pesquisa. B, sem divida, a ideia que temos das préticas colectivas, do que so ou do que devem ser, $ um factor do seu desenvolvimento. Mas esta ideia 6 om si mesma um facto que, para ser convenientemente determinado, deve, por sua oz, ser estudado do exterior, pois o que importa saber nfo 6 @ maneira como certo pensador individuslmente imagiza uma dada insti tuigGo, mas a concepeio que dela tem 0 grupo; $6, com efetto, esta convepcfo € socialmente eficaz. Ora, ela ao pode ser conhe- cida.por simples observagao interigr, visto que nfo se encontra integralmente em nenhum de nbs; "0 que 6 preciso, portanto, 6 encontrar alguns sinais extoriores que a toraem sensivel. Além 15 disso, ela no nasceu do nada; ela pripria é um efeito de causas externas que devemos conhecer para poder apreciar o seu papel no futuro, Faga-se 0 que se fizer, é pois sempre ao mesmo método que € necessério recorrer, u Uma outra proposigdo foi discutida, nao menos vivamente do que @ anterior: € a que apresenta os fendmenos sociais como exteriores aos individuos. Hoje em dia, concedem-nos de boa von- tade que os factos da vida individual ¢ os da vida colectiva séo fem certa medida heterogéneos; pode mesmo dizerse que uma concordancia, se ndo undnime, pelo menos muito generalizada, esté em vias de se estabelecer sobre este ponto. J4 quase no ha socié- logos que neguem a sociologia qualquer tipo de especificidade. Mas, porque a sociedade nfo € composta sendo de individuos *, parece a0 senso comum que a vida social néo pode ter outro substrato sendo a consciéncia individual; de outro modo, parece ficar no ar ¢ planar no vazio. Conttido, o que tio facilmente se julga inadmissivel quando se trata dos factos sociais € correntemente admitido noutros reinos da natureza, Sempre que quaisquer elementos, ao combinaremse, provocam, pelo facto de se combinarem, fenémenos novos, 6 pre- ciso conceber que esses fendmenos se situam ndo nos elementos, ‘mas no todo formado pela sua unigo. A célula viva no contém sendo particulas minerais, tal como a sociedade nfo contém nada além dos individuos; ©, todavia, ¢ evidentemente impossivel que ‘9 fenémenos caracteristicos da vida residam nos atomos de hidro- sine0, de oxigéneo, de carbono e dé azoto. Pois como poderiam os movimentos vitais produzirse no seio de elementos nio-vivos? Como se repartiriam, aliés, as propriedades biol6gicas entre estes, > A proposigéo 96 6 allés, parclaimente execta, Além dos Individues, hi as colsas que so elementos intagrantes da soctedade. apenas verdade que os individuos aio oe seus dnlcoe clententes activos, ‘7 16 elementos? Nao poderiam encontrar-se igualmente em todos, visto no serem da mgema natureza; 0 carbono néo é 0 azoto e, por conse guinte, nao pode revestir as mosmes propriedades nem desempenher ‘ommesmo papel. Nao é menos inadmissivel que cada aspecto da vida, cada uma das suas caracteristicas principais, se incame num grupo diferente de étomos. A vida nfo pode decompor-e assim; ela 6 ‘una e, consequentemente, s6 pode ter por abrigo a substancia viva nna sua totalidade. Bsté no todo e nfo nas partes, Néo sio as parti- culas néo-vivas da célula que se alimentam, se reprodwem, numa palayra, que vivem; & a propria oflula, ¢ 96 ela. E 0 que dizemos da vida podenia ropetit-se de todas as sinteses possiveis. A dureza do bronze no esté no cobre, no estanho ou x0 chumnbo que: ser- viram para o formar, © que so corpos moles ou, décteis; est nna sua mistura, A fluidez da égua, as sues propriedades alimen- tares © outras, nfo esto nos dois gases de que € composta, mas nna substéncia complexa que formaram pela sua associagio, Apliquemos este princfpio & sociologia. Se, como nos con-| cedem, essa sintese sui generis que constitui qualquer sociedade | dé origem a fenémenos novos, diferentes dos que ovorrem nas consciéncias solitérias, & necessétio admitir que esses factos espe- cificos tesidem na prOpria sociedade que os produz e no nas suas partes, quer dizer, nos seus membros. Sdo, portanto, neste sea- ido, exteriores as consciéncias individuais zonsideradas como tais, do mesmo modo que os caracteres distintivoy da vida sfo exteriozes as substincias minerals que compGem o ser vivo. Nzo podemos reduzi-los aos elementos sem nos contradizermos, uma ‘Yea que, por definigéo, supdem algo mais que o que contém esses elementos. Assim se justfica, por uma nova razio, a separagio que mais longe estabelecemos entre a psicologia propriamente dita, ou ciéncia do individuo mental, ¢ a socilogia. Os factos socials no. diferem apenas qualitativamente dos factos psiquicos; térm! um outro subtrato, nfo evoluem a0 mesmo melo, nfo dependem das mesmas condig6es. Isto nfo significa que no sojam também, de certo modo, psiguicos, visto consistirem :odo3 em manciras de pensar ou de agir. Mas os estados da consciéncia colectiva séo de uma natureza diferente da dos estados da consciéncia indivi- dual; so representagdes de outro tipo. A mentalidade dos grupos nio € a dos particitlares; tem as suas leis préprias. As*duas citn- . 7 clas. so, pois; tio -nitidamente distintds quanto. duas -ciéncias 0 podem ser, quaisquer que sejam as telagbes que, de resto, possam exist entre elas. Todavia, neste ponto, bd que fazer uma distingée que Jan- ‘gard talver, alguma luz sobre 0 debate. ‘Que a matéria da vida social no possa’ explicar-se por facto- es:puramente psicol6gicos, quer dizer, por estados da consciéncia individual, parece-nos de todo: evidente, Com eftito, 0 que as crepresentagSes oblectivas traduzem & a maneira como o grupo se ‘pensa nas suas relagées com os objectos que-o afectam. Ora, 0 grupo io. 6 -constituido do mesmo modo que 0 individue ¢ as ‘coisas que 0. afectam sfo de outra natureza. Representagdes que. ‘nfo exprimem nem-os mesmos sujeitos nem os mesmos objectos ‘no podem depender das mesmas causas. Para compreender a ma- meira-como a sociedade se representa a si propria e 20 mundo ‘que a rodeia, 6 a aatureza da sociedade, © ndo a dos patticulares, que devemos considerar. Os simbolos com que ela se pensa mudam_ de.acordo com o que ela é, Se, por exemplo, cla se concebe como frigindria de um enimal epénimo, € porque forma um desses gruc ‘pos especiais a que se chama clas. ‘Onde o animal & Substituido. por um entepassado humano, mas igualmente mitico, ¢ porque o cli mudou de natureza. Se, ecima das diyindades’. loceis ou familiares, cla imagina outras de que julga depender, & porque os grupos locais ¢ familiares de ‘que se compée tendem'a concentrat'se ¢ a unificar-se, ¢ 0 grat de unidade de um pantedo religioso corresponde ao grau de uni- dade -atingido, nesse momento, pela sociedade. Se ela con- dena cerios modos. de comportamento, é porque ferem alguns dos seus sentimentos fundamentais; e esses sentimentos pertencem ‘a-sia constituiggo, tal como os do individuo ao seu, ‘temperamento fisico e A sua organizagfio mental. Assim, mesmo que @ psicologia individual nfo tivesse jé segredos para nés, nfo poderia dar-nos 4 solugdo de geahum detes problemas, uma ver que eles se sorias de factos que ela ignora. Te tae ‘vez reconhecida esta hheterogeneidade, pode per- guiitarse se as representagdes individuais as representagies ‘colectivas, todavia, no acabarfo. por se assemelhar' pelo facto de arhbes setem reptesentagGes; © se, devido « oxas semelhangas, 1B certas leis abstractas nfo. seriam.comuns aos doi reinos: Os mites, 83 lendas populares, as concepgies religiosas.de-toda a espécie, as, crengas morais, tc, exptimem. uma’ outra redlidade- que nao: individual; mas poderia acontecer.que o mods como se atraem ou repelem, se agregam ou desagregam, fosse independente do seu contetido e apenas dissesse respeito & sua qualidade geral de representagdes. Mesmo sendo feitas de uma matéria diferente, comportarseiam nas suas relagGes mituas como as sensagdes, as imagens ou as ideias no individuo. Nao se poderd pensar, por exemplo, que a contiguidade e 2 semelhanca, os contrastes © 0s antagonismos légicos, actuam da mesma mancira quaisquer que sejam as coisas representadas? Daf o conceberse a possivilidade de uma psicologia inteiramente formal que seia. uma espécie de terreno comum a psicologia individual ¢ a sociologia; e € talvez © que causa 0 escriipulo de cerlos cspiritos em distinguir de forma perfeitamente anitida estas duas cigncias Para falar rigorosamente, no estado actual dos nossos conhe- cimentos, a pergunta assim feita no pode ter solugo categérica. Efectivamente, por um lado, tudo o que sabemos sobre 0 modo como se combinam as ideias individuais se redaz a essas escassas Proposigdes, muito gerais ¢ muito vagas, a que se chama vulgar- ‘mente leis da associagfo das ideias, E, quanto ds leis da ideagio co- lectiva, sio ainda mais completamente ignoradas. A psicologia social, que deveria ter. por tarefa determiné-las, no passa de uma Palavra que designa toda a espécie de generaidades, variadas ¢ imprecisas, sem objecto definido. O necessério, seria procurar, pela comparagéo dos temas miticos, das lendas e das tradigées Populares, das linguas, de que modo as reptesentagSes sociais se atraem ou se excluem, se fundem umes nas outras ou se dis- tinguem, etc. Ora, se o problema merece tentar a curiosidade dos investigadores, mal podemos dizer que comega a ser tratado; e, enquanto mio se encontrarem algumas dessas leis, seri evidente- mente impossfvel saber ao certo se elas repetem ou nio as da Psicologia individual. No entanto, na falta de uma certeza, € pelo menos provével que, se existom semelhangas entre estas duas espécies de leis, ‘8s diferengas no devem ser menos marcadas. Parece, com efeito, inadmissivel que a matéria de que sio feitas as representagSes no 19 tactue sobre os stus modos de combinagiio, B certo qué os psics- Jogos falam as vezes das leis da associagao das ideias como se clas fossom as mesmas para todas as espécies de represeatagses individuais. Mas nada é menos verosimil: as imagens ndo se com- Oem entre si como as sensagSes, nem os conocitos como as imagens. Se a psicologia estivesse mais avangada, comprovat certamente, que cada categoria de estados mentais tem as suas leis formais que Ihe sfio préprias. Se assim ¢, devemos a fortiori esperar que as leis correspondentes do pensamento social sejam especificas, como esse mesmo pensamento. Efectivamente, por ‘pouca pratica que tenbamos desta ordem de factos, ¢ dificil nao ter © sentimento dessa especificidade. Nao ¢ ela, com efeito, que nos faz parecer tio estranha a maneira to especial como es convepgtes religiosas (que so, primeiramente, colectivas) se amis: turam ou se separam, se transformam umas nas outras, dando origem a resultantes contraditérias que contrastain com 0s pro- dutos habituais do nosso pensamento privado? Se, pois, como & presumivel, certas leis da mentalidade social lombram efectiva- ‘mente algumas das que estabelecem os psicélogos, néo 6 porque ‘as ptimeiras sejam um simples caso particular das segundas, mas porque entre umas ¢ outras, a par de diferengas, hi semelhangas que a abstracgdo poderé isolar, ¢ que so, alids, ainda ignoradas. Isto oguivale a dizer que em caso algum a soviologia pode ir buscar pura ¢ simplesmente psicologia esta ou aquela pro- posigdo e aplicé-la tal qual aos factos sociais. Antes, todo o pen- samento colectivo, tanto na forma como na matérla, deve ser) estudado em si mesmo, por si mesmo, com o sentimento do que, tem de especial, ¢ devemos deixar ao futuro 0 cuidado de pro-| curar em que medida ele se parece com o pensamento dos par-| ticulares. # mesmo um problema que pertence mais & filosofia | getal ¢ & Iégica abstracta que ao cstudo cientifico dos factos | sociais*. 1B inGtll mostrar como, deste ponto de vista, a necessidade de eotudar 08 factos do exterlor parece alnda meis evidente, visto cles cesultarem de sinteses que t8m lugar fora de nés ¢ das quals mh0 temos sequer a pereepgio confusa que a consciéacla pode dar-nos ‘doa fenémenos interiores. 20 mL Resta-nos dizer algumas palavras sobre a definig#o que demos dos factos sociais no primeiro capitulo, Consderamos que con! sistem em maneiras de fazer ou pensar, recoahecfveis pela par} ticularidade de serem susceptiveis de exorcer uma influéncia coerciva sobre as consciéncias particulares. Estabelecousp a’ este respeito uma confusto que merece ser apontada. Habituémo-nos de tal modo a aplicar 2s coisas da sociolo- gia as formas do pensamento filos6fico, que esta definigio pre- iminar foi frequentemente considerada uma espScie de filosofia do facto social. Disse-se que explicévamos os fenémenos sociais ‘pelo constrangimento, do mesmo modo que Tarde os explica pela imitagio, Néo tinhamos essa ambigdo, nem sequer nos ocorrera que no-la pudessem atribuir, téo contirie € 2 qualquer método. © que proptirthamos nao era antecipar por uma visio filoséfi ‘as conclusdes da ciéncia mas, simplesmente, indicar quais os sinais cexteriores que permitem reconhecer os factos que ela deve tratar, a fim de que o estudioso posta distinguilos onde estiio ¢ niio os confunda com outros. Tratavase de delimitar o campo da pes- quisa o mais Gem possivel, e ndo de se enlear numa espécie de intuigdo exaustiva. Assim, aceitamos de bom grado a critica que fizeram a esta definigdo de no exprimir todas as cavacteris- ticas do facto social e, por conseguinte, de ndo ser a tinica possivel Nada hé, com efeito, de inconcebfvel no facto de ele poder earac- terizarse de vérlas maneiras diferentes; nfo hé razio ‘para que tenha ume Gnica propriedade distintiva*, Tuo o que € preciso + © poder coercive que she atribulmos 6 2m Ao fraca medida, © essencial do facto social, que pode Igualmonte apresentar 0 carkcter ‘posto. Porque, eo mesmo tempo que as instituleSes ee nos ImpBem, nn6s queremos conservé-las; obrigam-nos ¢ amamo-las; constrangem- nos ¢ Iueramos com 0 seu ¢unclonamento e, até, com esse constrangl- mento, Bsta antitese a que os moralistas frequentemente notaram ‘entre ag duas nogbes do bem ¢ do dever, que exprimem dois aspectos diferentes, mas iguelinente reais, da vida moral. Ora, nfo hf talvez pra= teas colectivas que néo exergam sobre nés esta dupla acgiio, allés 36 a 6 escolher a que parece melhor pare 0 fim que nos propomos. E mesmo possivel utilizar correntemente vérios critétios, segundo fas oircunstincias. E foi 0, que n6s préprios reconhecemos ser por vezes necessirlo em socidlogia; pols hé casos em que 0 cardcter coercivo ‘nfo € facilmente reconhecivel (ver pig. 37). Tudo quanto & necessério, visio que se trata de uma definigéo iniciel, € que as caracteristicas de que nos servimos sejam ime- diatamente discernfveis e possam ser percebidas antes da pesquisa. Ora, esta a condiggo a que nio satisfazem as definigdes que or vezes foram opostas & nossa. Disse-se, por exemplo, que o facto social 6 «tudo 0 que 6 produzido na e pela sociedade», ou ainda, <0 que interessa ¢ de qualquer modo afecta 6 grupos. Mas 16 se pode saber se a sociedade & ou no a causa de um facto, ou se esse facto tom efeitos sociais, a nfio ser quando a cigncia estl: jd avangada. Tals, definig6es nfo podem, portants, servir para doterminar 0 objecto"da investigaséo que comega, Para podermos utilizé-las & preciso que 0 estudo dos factos sociais tenha ido jd suficienteniente Jonge e, por conseguinte, que se tenha descoberto qualquer outro meio prévio de os reconhecer onde eles se en- ‘contram. ‘Ao mesmo tempo que acharam a nossa definigto. demasiado estreita, acusaram-na de ser demasiado, ampla e de compreender quase todo o real. Com efeito, disse-se, qualquer mefo fisico exerce, ‘um constrangimento sobre os seres submetidos & sua: aco; pois es- tes sfo, em certa medida, obrigados a adaptar-se-Ihe, Mas ha entre estes dois modos de coerséo toda a diferenga que separa um meio fisico de um meio moral, A ppressdo exercida por um ou mai corpos sobre outros corpos, ou mesmo sobre as vontades, no pode ser confundida com a que exerce @ consciéncia de um grupo sobre a consciéncia dos seus membros. O que hd de intei- 5 ramente especial na obrigago social ¢ 0 facto de ela se dever. || sparentemeate contraditérla. Se nfo as definimos por esse apego-espe- lal, ,almultaneamente interessado e desinteressado, fol slmplesmente porque ole nlo se manifesta por stnais exteriores faclimente pereepti- vel, © bem tem algo de mais interno, de mats fnlimo, que o dever, logo, de menos apreensivel 22 » exist8nca prop no A rigidez de certos arranjos moleculases, mas ao ptes- tigio de que estio investidas certas representages. E verdade | que 0s hébitos, individuais ou hereditérios, tém, sob certos és” pectos, esta mesma propriedade. Dominamnos, impdem-n0s crengas ou préticas, Simplesmente, dominam-ros de: dentro, po! It esto inteiros em cada um de nés. Pelo contrétio, as crengas © as pritices sociais actuam sobre nés de fora: assim, o ascendente ‘exercido por uns ¢ por outras é, no fundo, mtito diferente. ‘Nao nos devemos espantar, alids, que os ostros fendmenos da nnatureza apresentem, sob outras formas, a mesme caracteristica pola qual definimos os fenémenos sociais, Esta similitude venz simplesmente de que uns © outros sfo colses reais. Pois tudo ‘0 que € real tem uma natureza definida que se impSe, com a qual 6 necessério contar, ¢ que, mesmo quando se consegue neutra- lizé-la, nunca esté completamente vencide. E, no fundo, € isso 0 que hé de mais essencial na nopio de objigacio social,” pois tudo 0 que ela implica é que as maneizas colectivas de agir ou. de pensar tém uma realidade exterior aos individucs que, em cada mo=| ‘mento do tempo, a elas se conformam, Sao coisas que tém a sua © indivfduo encontra-es jé completamente for- madas ¢ nfo pode impedir que existam ou fazer que existam de ‘modo diferente; é, pois, obrigado a tomé-les em consideragéo, e éthe tanto mais dificil (nfo dizemos imposstvel) modifietJas quanto elas participam, ex diversos graus, da supremacia materiale. moral. que 2 sociedade tem sobre os seus membros. Sem dtivida, o individuo desempenha um papel ne sua génese, Mas, ara que thaja facto € ‘pelo menos necessétio que. vétios individuos -tenhai combinado @ sua acco e que desta combinacio tenha resultado algum produto novo. E como esta sfntese tem lugar fora dé cada uml de nés (visto que nela entra uma pluralidade de consciéncias), ela tem necessariamente por efeito fixar, instituir, fora de.nds-certas maneiras de agir ¢ cettos jufzos que nfo dependsm de cada vontade particular tomada isoledamente. Tal como se fez notar®, hié + Va artigo Soclologiay da Grande Bncyelopédie, por Pau connet © Mauss. 23 uma palavra que, desde que se the alargue um pouco a scepyio ‘vulgar, exprime bastante bem esta maneira de set muito especial 6-2 palavrainstituigfo, Pode-se, com efeito, sem desnaturar 0 em" | tido deste expressfo, chemar insitwigdo a todas as orengas ¢ 2 | todos os modos de comportamento instituldos pola colectividade; | a sociologia pode entéo ser definida como: ciéncia das instituigbes, da sua génese e do seu funcionamento*. ‘Nas outras controvérsias que esta obra suscitou, parece-nos inGtil insistir; pois nfo afloram nada de estencial, A otisntagio geral do método nfo depende dos processos preferidos, quer para classificar os tipos sociais, quer para distinguir o normal do patolégico, Alids, estes protestos vieram muitas vezes do facto de se recusar admitir, ou de no se admitir som tesorvas, 0 nosso principio fundamental: a realidade objectiva dos factos sociais. , portento, e Finalmente, neste prinefpio que tudo re- pouss, e 6 2 cle que tudo se reconduz. Por isso nos pareceu «itil pélo uma vez ‘mais om relevo, separando- de toda ¢ qualquer ques- tio secundaria. B estamos seguros de que, atribuindo-the tal pre~ ponderdncia, permanecemos figis & tradigao sociol6gica; no undo, & desta concapgdo que sai toda a sociologia, Esta ciéncia, com efeito, 9% poderia surgir quando se pressentisse que os fenémenos so- siais, embora no sendo materiais, nfo deixam de ser coisas reais + Polo facto de as erengas e as priticas sociais nos chegarem do exterlor, néo quer dizer que as reccbamos passivamente ¢ sem as submetermos a modificagies, Ao pensarmos as institulgbes colectivas, ‘so agsimilé-las, individuallaamo-las @ incutlmos-Ihes em maior ou ‘menor grau 0 n0Ss0 cunho pessoal; € assim que, a0 pensarmos o mundo sensivel, cada um de nés Ihe d& um colorido & sua manelra e que ‘sujeltos diferentes 6o adaptem de modo diferente a um mesmo melo fisico, Eis porque cada um de n6s cria, em certa ‘medida, a ‘94a moral, a sua religito, a sua téentea, Nao thé eonformismno social fque nfo comporte toda uma qama de matizes individuals. O que ‘no impede que 0 campo das varlagées permitidas soja imltado. © nulo ou multo restrito no &mbito dos fenémenos religiosos © morais, ‘onde « varlagéo se toma faoilmente um crime; ¢ mais vasto no que se refere & vide econémloa, Mag, cedo ou tarde, mesmo neste dltimo ‘easo se encontra um lmite que no pode ser ultrapessade, mM que admitem ser estudadas. Para se cheger @ pensar que se devia investigar 0 que sto, era necessério ter compreendido que eles existem de uma forma definida, que tém uma maneira de ser constante, ¢ uma natureza que nflo depende do arbftrio individual ¢ do onde derivam relagSes nevessirias. Por isso, a hist6ria de sociologia nfo € mais que um longo esforgo para precisar este sentimento, pare o aprofundar, para desenvolver todas as conse- ‘quéncias que ele implica. Mas, apesar dos grandes progressos que se fizeram neste sentido, voremos no seguimento deste trabalho ‘que restem ainda muitas sobevivéncias do postulade antropo- céntrico que aqui, como por todo o lado, impede 0 caminho a cién- cia. Desagrada ao homem tenunciar a0 poder ilimitsdo sobre 2 ordem social que durante muito tempo se atribuiu e, por outro lado, pareceshe que, se existem verdadetras forgas colectivas, esté ‘necessariamente condenado a suportias sem as poder modificar. Eis 0 que o inctina a negé-las. Em vio experiéncias repetidas the ‘ensinaram que esta omnipoténcia, na ilusio de qual se mantém com complactncia, foi sempre para ole ume causa de fraqueza; que 0 seu império sobre as coisas s6 comeccu realmente a partir do momento em que reconheceu que estas tém uma netureza propria © se resignou a aprender delas o que sfo. Expulso de todas as outras cigncias, este deplorivel preconceito mantémse pertinzamente em sociologia. Nao hd pois nada mais urgente que (procurar libertar dele dofinitivamente a nossa cifncia; 6 esse 0 objective principal dos nossos esforsos.

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