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ecdnomie O Direito Publico Econémico no Brasil Alberto Venancio Filho RENOVAR Digitalizado com CamScanner Capitulo 1 Aspectos gerais da intervencao do Estado no dominio econémico O Estado Liberal que emergiu da Revolucgdo Francesa, e que predominou durante o século XIX, operou uma dissociagio bem nitida entre a atividade econémica e a atividade politica.! 1. Excede os limites deste trabalho um estudo da intervencdo do Estado no dominio econémico, a partir mesmo da Antigiiidade. Para uma sintese da legislacio romana do Baixo Império, V. RINCK, GERD — Wirtschatsrecht. KOLN, CARL HEYMANNS, 1963, pag. 7. Para um exame da fase mercantilista, V. HECKSCHER, ELI F. — Mercantilism (revised edition edited by E. F. SODERLUND). London, Allen & Unwin, 1955, 2 vols. Na pagina 21 do Vol. I assim se expressa o historiador suéco: “O Estado era a0 mesmo tempo o sujeito ¢ 0 objeto da politica econdmica mercantilista”. A respeito das experiéncias de JOHN LAW no século dezoito, GARDELLINI e COUAILLIER tecem os seguintes comentarios: “No inicio do século XVIII, as proe- zas financeiras de LAW constituiram uma primeira experiéncia de economia dirigi- da: O Estado se fez banqueiro e mesmo comerciante para fazer frutificar os capitais dos quais se tornou depositério. Embora engenhoso, esse sistema fracassou; essas operacées econémicas, com um carter delicado € novo, exigiriam na sua execugio mais prudéncia e maturidade econdmica; pessoalmente, LAW era talvez mais um ‘Jogador do que um homem de Estado”. Jn GARDELLINI ROBERT ¢f COUAILLIER, PIERRE — LiIntervention de UEtat dans le domaine économique. Revue Administrative, 5:244.948, maijuin 1952, pag. 245, Para a evolugio do pensamento liberal, V. LASKI, HAROLD J. — The Rise of European Liberalism. London, ALLEN & UNWIN, 1955, 3 Digitalizado com CamScanner O mesmo movimento doutrindrio que ofereceu 0 molde para o Estado do século XIX, caracterizado por uma posi¢ao restrita @ limitada, ramificou-se também no dominio econémico por uma atitude que impos o afastamento do Estado desse setor, regido pelo que foi denominado de “mio invisivel”.” Convém, entretanto, ter presente a observagao de GUAL VILLABI de que “de tal modo o econdmico esteve sempre subordinado ao politico, que, inclusive, quando a economia é deixada num regime dc liberdade, é porque a politica entende que este sistema liberal € 0 que convinha aos interesses sociais e quando a politica entendeu que devia sujeitéla, 0 fez sem maior dificuldade”.* Embora se possa discutir se, a rigor, esse Estado Liberal, em sua forma pura, existiu nos varios paises europeus, ou se encontra com preciso absoluta nas obras de doutrina, é evidente que a posicao que o Estado assumiu durante esse periodo caracterizou-se sobre- maneira pela sua auséncia do dominio econdmico. Se examinarmos a posicéo doutrinaria de um representante tipico do liberalismo econémico, como seja ADAM SMITH, verifi- camos que, em 1776, considerava ele que “de acordo com sistema de liberdade natural, 0 soberano (leia-se o Estado) tem somente trés deveres a cumprir; trés deveres de grande importincia, na verdade, mas claros ¢ inteligiveis ao senso comum: primeiro, o dever de proteger a sociedade da violéncia e da invasio por outras socie- dades independentes; segundo, o dever de proteger, na medida do possivel, cada membro da sociedade da injustiga e da opressio de qualquer outro membro, ou o dever de estabelecer uma adequada administracio da justiga; em terceiro lugar, o dever de erigir e manter certas obras piiblicas © certas instituigdes ptiblicas que nunca seri do interesse de qualquer individuo ou de um pequeno niimero de individuos erigir © manter; porque o lucro jamais reembolsaria as despesas para qualquer individuo ow mimero de individuos, embora pig. 287. Cabe ressaltar a observagio da pagina 243; “Nossa époe: ve ti M43; teve tio Heocupada coun as formas polltcas «vila que se eaquecen de tever cor conta adequadamente a dependéncia day bases econdmicas por elas manifestadas.” 2 Ho ERIC — A History of Beonomic Thought. New York, Prentice Hall, 1942, a . 1942, 8. = apud MACIA, JOSE BORRELLY — Bl futervencionismo det B ivi econdmicas, Barcelona, Bosch, 1946, pig. 6. eden ls ectoidades 4 Digitalizado com CamScanner possa freqiientemente proporcionar mais do que o reembolso a uma 4 sociedade maior” . Aextensao que se possa dar a esse conccito de obras ¢ instituigdes ptiblicas nao consegue esconder as fungées perfeitamente limitadas do Estado, ao iniciar-se 0 século XIX. Nas expressoes de ALEXANDRE PARODI, “todo regime estatal implica um minimo de intervengao nas atividades econdmicas dos individuos; a coletividade piblica nao poderia se desinteressar das relagées que, de um lado podem com- portar certos abusos e de outro condicionam a riqueza ¢, em con- seqiiéncia, todo o desenvolvimento do pais. Ao contrario, e salvo o caso muito excepcional de um estado de tipo inteiramente socialista, do qual a histéria sé fornece 0 exemplo muito recente da Rtissia Soviética (trabalho escrito em 1935), todo regime estatal, admitindo a propriedade individual, admite, por esse motivo, que um minimo de relacdes econémicas se desenvolva fora de sua acao. Entre esse minimo de intervenco ¢ esse minimo de liberdade, o regime estatal comporta, em matéria econdmica, as modalidades de acdo as mais diversas: do simples exercicio de poderes gerais de legislacao e de policia necessarios para estabelecer 0 quadro juridico das atividades privadas ec manter a ordem pitiblica, até o grau de intervencao que implica em que o Estado assuma a responsabilidade de organizar e de dirigir 0 conjunto da economia do pais. O Estado moderno se constituiu sob a influéncia da primeira dessas concep¢des. Pode-se observar como uma de suas caracteristicas, durante todo o século XIX, a demarcagao nitida entre as fungdes da autoridade ptiblica e o dominio das atividades econdmicas reser- vadas somente 4 iniciativa privada” . E, caracterizando melhor a posi¢ao desse Estado liberal, comenta © mesmo autor: sofia “A concepgio liberal do Estado nasceu de uma dupla influéncia: de um lado, o individualismo filos6fico e politico do século XVIII e da Revolugdo Francesa, que considerava como um dos objetivos essenciais do regime estatal a protecdo de certos direitos individuais contra os abusos da autoridade; de outro lado, 0 liberalismo econd- mico dos fisiocratas e de ADAM SMITH, segundo o quala interven¢ao 4. SMITH, ADAM — The Nature and Causes of the Wealth of Nations. (The Works of ‘Adam Smith. Vol IV) London, Cadell, 1811, pag. 42- 5 Digitalizado com CamScanner a falsear 0 jogo das leis econdmicas, ben. da coletividade nao deve! < a coletividade era imprépria para exercer fazejas por si, pois que ¢: fungdes de ordem econdmica. Essa concepcao, prossegue A. PARODI, essencialmente negativa do papel do Estado no dominio econémico provoca 0 aparecimento dum duplo principio que conservava até ha algum tempo toda a validade juridica: “E inicialmente que a atividade privada pode exercer-se livre- mente em matéria econdmica: a liberdade do comércio e da indtistria €um dos aspectos da liberdade individual; como as outras liberdades, ela 86 pode sofrer restrigées em virtude da lei e esta protegida pelo conjunto das garantias juridicas que asseguram os direitos individuais. E em seguida — ¢ devido principalmente 4 jurisprudéncia do Con- selho de Estado — que o principio da liberdade do comércio e da industria profbe ao Estado e a seus 6rgaos descentralizados (depar- tamentos, comunas) intervir, com 0 peso excepcional dos recursos coletivos, na concorréncia industrial ou comercial”.* HENRY LAUFENBERGER mostrou a relatividade dessas formas extremas: “Sem diivida, mesmo no apogeu do capitalismo, o ideal de liberdade e de individualismo nao foi jamais inteiramente reali- zado, nem no ambito externo onde o ‘laisser passer’ foi atenuado mais ou menos fortemente pelo protecionismo, nem internamente onde a politica monetaria, fiscal ¢ social do Estado entravou desde cedo a disposicdo absolutamente livre dos produtos de troca e dos instrumentos de producao. O individualismo foi, alids, desde logo temperado pelas concep¢oes coletivas do sindicalismo e dos grupa- mentos econdmicos no setor privado, pelo protecionismo comercial, pela empresa do Estado ¢ pela percepcao de certos impostos no setor ptblico, Donde resulta que o capitalismo é inconcebivel sem um minimo de interyengao,”* Os resultados desse regime liberal foram, de fato, extraordinarios, como comprovam as expressdes de FRANCISCO AYALA: “O grande impulso econdmico e técnico, em virtude do qual nossa civilizagao chegou a ser o que é hoje, se cumpriu, como é sabido, debaixo do 5. PARODI, ALEXANDRE — La vie publique et la vie économique, Encyclopédie Francaise —Tome X — L'Elat Moderne, Paris, Encyclopédie Francaise, 1985, pags. 10. 20-6. 6. LAUFENBURGER, HENRY — L'Tntervention de U'Etat en matidre economique. Paris, Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence, 1939, pag. 3. 6 Digitalizado com CamScanner principio da abstengao do Estado nas relagées sociais de produgio e distribuicao de bens. A parte mais caracteristica e intensa desse impulso teve lugar no curso do século XIX: se se compara 0 tonus médio da vida na Europa ¢ na América antes da Revolugao Francesa com o que chegou a adquirir quando, em 1914, estalou a Primeira Guerra Mundial, 0 resultado da comparacao evidenciara uma dife- renga assombrosa” , acrescentando em seguida: “Seria, supostamente, uma falsa implicagao a de que o grande impulso econdmico e técnico que transformou a fisionomia de nossa civilizagéo em tao breve lapso seja um resultado de certos principios doutrindrios. Mas, em todo caso, a Revolucao Industrial foi presidida pelo principio fundamental da abstencao do Estado nas relagGes sociais de tipo econdmico, e ninguém pode pensar que se trata de uma conex4o acidental. Em fendmenos desta natureza a casualidade desempenha papel secun- dario.”” Nessa mesma linha de pensamento, assim se expressou CALVIN HOOVER: “O sistema capitalista poderia logicamente ser repre- sentado nao somente como altamente eficiente e universal, como poderia ser plausivelmente considerado sem uma alternativa. Os sistemas econdmicos do passado foram nitidamente superados pela maior eficiéncia do capitalismo. Os criticos, apresentando as alter- nativas para o capitalismo, podiam oferecer somente construtos puramente intelectuais ou eram reduzidos a tirar conclusdes de varias experiéncias utépicas como Brook Farm ou comunidades religiosas como Amanax. Nenhum outro sistema econdmico efetiva- mente operativo apareceu como uma alternativa contemporanea do capitalismo.”® Esse sistema reflete-se diretamente no pensamento juridico e politico com a elaboracao das varias constituigGes que passam a reger a vida politica dos Estados europeus no século XIX e que foram imitadas pelos paises da América Latina, ao conquistarem sua inde- pendéncia. Essa doutrina politicojuridica, denominada de “consti- tucionalismo”, pode ser também considerada como a “prépria dou- 7. AYALA, FRANCISCO — El Intervencionismo del Estado en las Actividades Econémicas. Montevidéu, Consejo Interamericano de Comércio y Produccién, 1947 (mimeo) dg. 2. + HOOVER, CALVIN — The Economy, Liberty and the State. New York, Twentieth Century Fund, 1959, pag. 14. Digitalizado com CamScanner trina politica do liberalismo” ,’ configurando 0 que foi cognominado, com felicidade, de “Estado burgués de direito”.'” Um analista de nossos dias, GEORGES BURDEAU, qualificou esse regime politico de “democracia governada”, fundada no poder da Nagio.' O funcionamento do regime liberal exigiria, no entanto, como demonstrou ANDRE PIETTE, uma moral de homens honestos ¢ teria como pressuposto uma certa aldade, requerendo, ademais, uma competicio equilibrada. Como esses pressupostos nao foram alcangados, surge a crise da liberdade, caracterizada pela crise social do século XIX, a crise econémica do periodo entre as duas grandes guerras ¢ os desequilibrios internacionais do presente.’ Com efeito, durante todo o transcorrer do século XIX, impor- tantes transformagdes econdmicas ¢ sociais vao profundamente al- terar o quadro em que se inscrira esse pensamento politico-juridico. As implicagées cada vez mais intensas das descobertas cientificas € de suas aplicacdes, que se processam com maior celeridade, a partir da Revolucao Industrial, o aparecimento das gigantescas empresas fabris, trazendo, em conseqiiéncia, a formagao de grandes aglome- rados urbanos, representam mudancas profundas na vida social e politica dos paises, acarretando alteragdes acentuadas nas relacdes sociais, 0 que exigird que paulatinamente, sem nenhuma posicao doutrindria preestabelecida, o Estado va, cada vez mais, abarcando maior numero de atribuicées, intervindo mais assiduamente na vida econémica e social, para compor os conflitos de interesses de grupos e de individuos. Por outro lado, o regime politico adotado pelo constitucionalis- mo, aliado a uma extensio bastante ampla das oportunidades edu- cacionais, aumenta cada vez mais a base em que se assentam, com uma participagdo mais intensa de camadas mais numerosas da po- pulacao no processo politico, trazendo para o debate da vida politica seus problemas e suas reivindicacées, 9. MELLO FRANCO, AFONSO ARINOS — Estudos de Direito Constitucional. Rio de Janeiro, Revista Forense, 1957, pag. 224. 10. SCHMITT, CARL — “Teoria de la Constituicién”, Madrid, Editorial Revista de Derecho Privado, 1934, pag, 145. 11. BURDEAU, GEORGES — Traité de Science Politique. 7 vol. Paris, Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence, 1953. Tome V, pag. 350. 12, PIETTRE, ANDRE — La Liberté Economique et son évolution Encyclopédie Francaise —Tome X — L ‘Etat — Paris, Encyclopédie Francaise, 1964, pags. 100-101. 8 Digitalizado com CamScanner Do ponto de vi ¢ 0 aparecimento, a doutrinario, o crescimento das escolas socialistas m 1848, do Manifesto Comunista de KARL MARX metralmente opostas. é entio existentes, mas cuja vigéncia pratica s6 ocorreria bem mais tarde, Ainda em 1882, escrevendo sobre 0 papel do Estado na ordem econdmica, em obra premiada pelo Instituto de Franca, EDMOND VILLEY referia-se as atribuigdes necessarias do Estado, aquelas destinadas 4 conservagio ¢ progresso da sociedade, € as atribuigdes naturais do Estado, referentes as maté comum que nao sao, por natureza, insuscetiveis de serem entregues a iniciativa privada, mas nao o scriam com todas as garantias neces- sirias.'* No dizer de GEORGES BURDEAU “as transformacées da vida econdmica ¢, especialmente, as conseqiiéncias da revolucdo indus- tial, agravando as condi¢ées materiais da vida dos trabalhadores, revelaram a disparidade entre a nobre estatura do cidadao ea situacao do proletario, penalizado por todos os constrangimentos econdmicos. Dai entdo, um povo que se pode dizer integralmente novo tende a se substituir, na concepcao da democracia, 4 Alegoria Nacional. Apés varias tentativas prematuras, das quais o Cartismo na Inglaterra, a Revolucio de 1848 e a Comuna de 1871, na Franga, assinalam o fracasso, o surgimento desse povo real se afirma por meio de institui- Ges estabelecidas pelo acesso regular de representantes das massas operarias ao Parlamento da democracia burguesa. Com este acontecimento, um ser totalmente novo aparece na cena politica: o homem concreto, definido nao pela sua esséncia ou por sua afinidade com um tipo ideal, mas pelas particularidades que deve a situacdo contingente onde esta colocado. Este homem que existe, menos do que € produzido, é o “homem situado”; é aquele que encontramos nas relag6es da vida quotidiana, tal como o caracterizam sua profissao, seu modo e meios de viver, seus gostos, suas necessida- des, as oportunidades que se Ihe oferecem. Em resumo, éohomem condicionado pelo seu meio ¢ que se revela pela observagio de sua maneira de ser, e nao por uma reflexdo metafisica sobre seu ser.” indicam 0 eclodir de novas concepgées politicas, 13, VILLEY, EDMOND — Du Reéle de U'Etat dans Vordre économique, Paris, Guillaumin, 1882, pag. 59. cn BURDEAU GEORGES — La Démocratie (essai synthéthique). Bruxelles, Office de Publicité, 1956, pag. 19. 9 Digitalizado com CamScanner A necessidade de atender as exigéncias ¢ reclamos desse “homem situado” vai impor o alargamento das atribuigées do Estado, justifi- cando a afirmagio de VON MISES de que “o acontecimento mais importante na histéria dos tiltimos cem anos foi a substituigao do liberalismo pelo estatismo”.'® Esse estatismo, na expressao de VON MISES, nao obedece a nenhum plano predeterminado, mas € baseado em medidas puramente emergenciais, na base de uma atuacao ca- suistica e empirica, de fundo puramente pragmatico. A prépria incerteza de terminologia em definir 0 fenémeno da intervengao do Estado no dominio econémico denota a falta de sistematica dessa intervengdo. Nas palavras de LAUFENBURGER, “como mostrou SAITZEW na sua contribuigéo aos Estudos FLEINER, a expressao intervencionismo cobre toda uma série de expresses tais como: economia dirigida, controlada ou organizada, capitalismo regula- mentado ou planificado, neocapitalismo, neomercantilismo, refor- mismo social, estatismo, corporativismo, etc. A tltima concepcao parece ao menos resumir admiravelmente o exclusivismo que com- porta esta nova férmula, se é verdade, como pretendeu MUSSOLINI definindo o corporativismo, que se tratava de banir o capitalismo e © socialismo. Mas contrariamente a esta formula negativa, a palavra intervencionismo parece implicar um fato positivo, uma a¢do cons- trutiva do Estado. Mas qual é ela? Liga-se ela a uma coordenagcio, a uma conciliagéo de formas capitalistas ¢ socialistas? E em caso afirmativo, esses dois sistemas se fundem num sistema econémico novo? Toda a questo af esté colocada”.'® Jé para VON MISES. O género estatismo compreendia duas formas: socialismo e interven- cionismo.’” A esses fatores que ja por si s6 alterariam, profundamente, a concepcao do papel do Estado no dominio econdmico, acrescentase jA no século XX o aparecimento, a partir de 1914, das economias de guerra, em que algumas nacdes de 1914. 1918 e maisintensamente de 1939 a 1945, tiveram que se preparar para 0 esforgo bélico, 0 que exigiu a mobilizagio de todas as suas atividades econdmicas para esse objetivo, acarretando, também, indiretamente, o alarga- 15. VON MISES, LUDWIG — Omnipotent Government, New Haven, Yale University Press, 1945, pig. 44, 16, LAUFENBURGER, op, cit, pag. 7. 17. VON MISES, op. cit, pag. 44, 10 Digitalizado com CamScanner mento das atribuigdes do Estado. No dizer de VIGORITA, “a Primeira Guerra Mundial rompe a tradigao do liberalismo econémico, acele- rando violentamente a agio dos fatores desagregadores. De fato, tal guerra: a) dilata desmesuradamente as ¢: igéncias de armamento e aprovisionamento, demonstrando a necessidade do controle integral e coativo da vida econémica; b) em virtude disso, constitui uma experiéncia concreta da total disciplina ptiblica da economia, assu- mido como modelo de futuros objetivos autoritarios de politica econdmica; ¢ ao mesmo tempo cria habitos e métodos dirigistas dificilmente anulaveis; c) provoca excessos dimensionais e distribui- Ges erradas na industrializacao, com predisposi¢ao 4 ruina por falta de capital ¢ de demanda, ¢ conseqitente “absorcao” estatal para evitar a crise; d) fraciona o mercado internacional pelo surgimento de novos Estados e de um novo nacionalismo econdmico, determi- nando ademais 0 definitivo deslocamento do equilibrio econémico em favor dos Estados Unidos e em prejuizo da Europa; e) provoca o desenvolvimento numérico e o despertar classista das massas ope- rarias, de quem acresce o peso politico e a forca organizatoria, colocando em posicao de condicionar a tradicional supremacia das antigas classes dirigentes e de exigir a revisao em sentido social do intervencionismo””. Apés a Primeira Guerra Mundial e 0 surto de prosperidade que ela trouxe, ocorre a débacle da depressao de 1929, que se irradiou pelo mundo inteiro, levando a anilise econémica a esforcar-se para encontrar os meios que pudessem diminuir, senao debelar o apare- cimento de tais crises e depress6es. Por isso, a formulagao econdmica que JOHN MAYNARD KEYNES elaborou para o combate ds grandes depressdes representa, como ja foi acentuado “a racionalizacao e os fundamentos da doutrina de que um Estado organizado — even- tualmente um grupo de Estados — pode estabilizar, estimular ¢ dirigir o rumo de sua economia sem apelar para a ditadura e sem substituir um sistema baseado na propriedade por um sistema de poder ostensivo. Assim, KEYNES recriou a concepgio de que a economia e a politica estio indissoluvelmente ligadas”.” O apare- 18. VIGORITA, VINCENSO SPAGNUOLO — L'Iniziativa Econémica Privata nel Diritto Publico, Napoli, Jovene, 1959, pags. 170-172. 19. BERL ADOLF A ea Economic Republic, London, Sidgwick and Jackson, 1963, pag. 4. u Digitalizado com CamScanner al do Emprego, Juro ¢ iro de KEYNES 10 NOGUEIRA, “consubstanciou em intervengao estatal na jar as forgas econdmicas am automaticamente a res cimento da “Teoria Gi em 1936, no dizer de prinefpios teéricos a filosofia moderna d atividade econémica, com o fim de suple que, como supunham os classicos, tenc tabelecer o equilfbrio, numa posigao correspondet ocupagao plena”. E mais adiante observa 0 mesmo autor: “A economia con- temporanea encontrou em KEYNES 8 seguidores os construtores do que hoje se convencionou chamar a economia do berm-estar social, em que sao reconciliados os dois maiores fatores de estabilidade econdmica: a iniciativa privada e a agéo governamental. Ea acio controladora do Estado que, sem regulamentar a atividade particular, procura distribuir os seus frutos de forma mais justa, com 0 fito de atender ao interesse coletivo.”” No piano histérico, o periodo posterior 4 Grande Depressao é caracterizado por duas experiéncias importantes de intervencionismo totalitario, o regime nazista ¢ o regime fascista.”! Num € noutro caso, tratase de experiéncias profundamente marcadas de um espirito antiliberal, nas quais o Estado passa a enfeixar uma soma extraor- dinaria de poderes, controlando, inclusive, todo o processo econd- mico. Da mesma época, 0 exemplo da Unido Soviética, com a socializagéo dos meios de producao, ¢ logo apés a tentativa libera- lizante da NEP (Nova Politica Econémica), a adocao dos Planos Qiinqienais, e a introdugao da técnica do planejamento naatividade governamental, que posteriormente encontraria plena acolhida no mundo ocidental.” No mundo ocidental, também se acentuam os exemplos de intervengao do Estado no dominio econdémico: nos Estados Unidos, na Presidéncia ROOSEVELT, o esforco do “New Deal”, numa das inio Econdmico.” . 1953, pag. 42- 20, NOGUEIRA, DENIO — “A Intervengio do Estado no Do: Revista do Conselho Nacional de Economia — 2 (14-15); 42-46, jun./j 46. 21.A bibliografia sobre a matéria peca pela parcialidade, seja em tom apologético, seja em tom denegridor. Para uma anilise objetiva, V. os capitulos da Encyclopédie Francaise — Tome X — L'Etat — 1935: le Régime fasciste pigs. 10. 84-1 — 10.8417: Le Régime nationat-socialiste, pigs. 10.86-1 — 10.86.17. 22. V. BETTELHEIM, CHARLES — La Planification Soviétique, 3™ éditi i ene fication Sovittique, 8 édition. Paris, 12 Digitalizado com CamScanner mais extensas experiéncias de intervencao, visando, em curto prazo, conjurar os efeitos da Depressao, a que se segue em 1946 a promul- gacio do “Employment Act”, dando ao Governo Federal poderes de orientagio da economia, ¢ mais recentemente os projetos da “Nova Fronteira”, do Presidente JOHN KENNEDY, e da “Grande Sociedade” , do Presidente LYNDON JOHNSON.” Na Gra-Bretanha, o esforco do Gabinete trabalhista dirigido pelo Premier CLEMENT ATLEE, logo apés 0 ténnino da 2? Guerra Mundial (1946-1950), realizando uma intensa politica de nacionalizacées, as quais foram, na maioria, mantidas pelo Gabinete Conservador que se seguiu no poder™ na Franga, as tentativas do Gabinete LEON BLUM sob a égide do “Front Populaire” em 1936, a que se segue, logo apés a Libertacao em 1945, uma extensa politica de nacionalizagées que vai encontrar sua plena fundamentagao legal no dispositivo do pream- bulo da Constituicao francesa da IV Reptiblica, de 27 de outubro de 1946, que dispde que “todo bem, toda empresa cuja explora¢io tem ou adquire as caracteristicas dum servico ptiblico nacional ou de um monopélio de fato deve tornar-se propriedade da coletivida- de”, iniciando-se, logo em seguida, com o Plano Monnet um dos mais significativos esforgos de planejamento democratico.” Também na Italia, apds o malogro do regime fascista, permanece uma politica acentuada de intervengdo, com grande parte da economia do pais sob controle estatal como € 0 caso do Instituto de Ricostruzione Industriale (IRI), empreendendo-se também uma politica de desen- 23. Para uma andlise do New Deal, V. BROGAN, D. W. — Roosevelt and the New Deal —London. Oxford University Press, 1952, pag. 259, Para a evolucio posterior, V Berle, op. cit; 0 capitulo “Planning of economic development in the United States of America”. In — Planning for Economic Development — Vol. Il “Studies of National Planning Experience.” Part 1. “Private Enterprise and Mixed Economies”. United Nations (A/5533/rev. 1/Add, 1), 1965, pigs. 220-237, 24.V. ATTLEE, c. R. — As It Happenned. London Heinemann, 1954, pig. 227. ROMSON, WILLIAM A. — Indiistria Nacionatixada ¥ Propriedad Publica, Madtia, Tecnos, 1964, pig. 499, KALF COHEN, R.-Nationalisation in Britain —~ The Bnd of a Dogma. London, Macmillan, 1.959, pag. 310. 25. V. CHENOT, BERNARD — Les Enterprises Nationatisées. Paris, Presses Universita. res de France, 1963, pag. 126. — CHENOT, BERNARD — Organisation Economique de 'Etat, Paris, Dalloz, 1965, pag. 543. Para a experiéncia do planejamento francés, V. BAUCHET PIERRE — La Planification francaise. Paris, Editions du Seuil, 1962, Pag. 318. 13 Digitalizado com CamScanner volvimento das regides menos evoluidas do Sul, através sobretudo da Cassa del Mezzogiomo.* Se a todos esses fatores adicionarmos, apds a Segunda Guerra Mundial, o esforco de independéncia dos paises afro-asidticos e o despertar dos povos coloniais, com uma consciéncia cada vez mas viva do fendmeno do subdesenvolvimento e da necessidade de su- perélo em curto prazo, € com o desejo das populacées desses paises de atingir a niveis mais clevados de renda e de bem-estar social, ter-se-d mais uma condicionante da intervengao do Estado no dominio econémico. O surgimento da consciéncia do subdesenvolvimento aparece freqientemente aliada ao recrudescimento do fendmeno do nacio- nalismo,”’ que se acentua nas sociedades subdesenvolvidas, exigindo a presenca do Estado, pois nessas sociedades, em regra emergentes de uma situacao colonial, nao se observam os supostos de uma posicao meramente ancilar e eventual do Estado, de acordo com a caracterizacao de CANDIDO MENDES: “a) a prosperidade dos setores privados se pode, muitas vezes, fazer em contradicao com a prosperidade nacional; b) _inexiste, dados os seus quadros socioldgicos rigidos, qualquer mobilidade social que permita, no inicio do processo, aos setores salariais, um poder de barganha ou reivindicacao social capaz de ampliar a sua parcela da renda nacional; c) a acumulacao se da de forma concentrada e, via de regra, em termos de transferéncia do territério em que se gerou; d) normalmente, os fatores de decisio econdémica e politica se acham fora do quadro nacional; 26.V. Revue Economique n® 3, mai 65 € n* 5 septembre 1965, ambos dedicados 4 economia italiana, 27, £ vast{ssima a bibliografia moderna sobre o nacionalismo. v, a bibliografia publi- cada no Boletim da Bibliografia da Cémara dos Deputados, 11 (1): 165-176, jan./junho 1962, Para duas importantes contribuigdes do pensamento brasileiro, v. MENDES, CANDIDO — Nacionalismo e Desenvolvimento, Rio de Janeiro, Instituto Brasileiro de Estudos Afro-Asititicos, 1963, pag. 898; JAGUARIBE, HELIO — O Nacionalismo na Cente Brasileira, Rio de Janeiro, Instituto Superior de Estudos Brasileiros, 1958, ig. 305. 14 Digitalizado com CamScanner e) © comportamento dos fatores econdmicos e sociais nao se articula de modo a propiciar um clima de prosperidade ou de expansio crescente da renda nacional, mas, sim de sua polarizacao aguda, ds expensas da proletarizagao da grande maioria da coletividade.”* A correcao desses elementos negativos tem de ser procedida através da intervencio do Estado no dominio econémico, que se exerce em sua forma mais elaborada através do mecanismo de planejamento, dos quais no mundo subdesenvolvido o exemplo mais significativo é o da India.” Se, nas expressées de GUNNAR MYRDAL., “o termo ‘economia planificada’ contém, naturalmente, uma crassa tautologia, pois a palavra ‘economia’ por si implica a disposicao de meios disponiveis para alcangar um fim ou objetivo” , também, acres- centa o mesmo autor “é parte da ironia da historia durante as tltimas décadas que o planejamento seja freqientemente a alternativa mais ‘liberal’ para o verdadeiro caos criado pela intervencao estatal des- coordenada e desorganizante”. Mas, afirma ainda GUNNAR MYR- DAL, “como matéria de puro fato histérico, a intervencao estatal nos paises ocidentais nao foi o resultado de uma decisao consciente de planejar, mas geralmente precedeu ao planejamento. A seqiéncia natural foi que a intervencao causou o planejamento. E o planeja- mento, quando se desenvolveu, tornou-se uma coisa bastante dife- rente.”*? Essa ‘intervencdo estatal descoordenada e desorganizante” foi entre nés denominada com felicidade de “plano inclinado da eco- nomia dirigida” *! em que uma intervencao determinada provoca a 28. MENDES, CANDIDO — Antecipacées do Pensamento de Joio XXIII na “Pacem in Terris’, Sintese Politica, Econémica Social. 5 (18); 34-58, abr./jun. 1963, 36-37. 29. V, SINGH, TARLOK — “Planning for economie development in india”. In — Planning for Economic Development (V. nota 23), pags. 63-108. 80. MYRDAL GUNNAR — Beyond the Welfare State. London, Duckwth, 1960, pags, 1415. 31.“O maior problema da economia organizada consiste, entretanto, em poder limitar 0 dominio da interferéncia do érgio controlador. Nao ha como prever todas as conseqiiéncias de uma intervengio que nio acarrete a necessidade de outras providéncias, para solucionar problemas que ela prépria vai criando. Por isso, declarci, certa feita, que a economia dirigida, nesse aspecto, era como um plano inclinado.” LIMA SOBRINHO, BARBOSA — Aedo do JAA — Relatério como Presi- dente da Comissio Executiva no periodo de maio de 1988 a abril de 1946. Rio de Is Digitalizado com CamScanner necessidade de outras providéncias, dando margem 4 observagao de PAULO SA: “E o Estado-educador, € 0 Estado-armador naval, é 0 Estado-ferrovidrio, é o Estado-construtor de automéveis, € o Estado usineiro-metaliirgico, é o Estado-industrial, é 0 Estado que controla os bancos, que segura (¢ nao paga) os empregados de toda espécic, que vende secos-e-molhados ¢ que por toda parte mostra a sua enciclopédica imcompeténcia para fazer aquilo que nao é, € nao foi jamais, fungao prépria sua.” Do ponto de vista doutrinario, a onipresenga do Estado impée 0 exame dos limites dessa intervengao, pois, segundo A. PIETTRE “a intervencao crescente do Estado colocou-o numa verdadeira po- sicdo de instabilidade: como permanecer liberal em politica, quando a economia se inclina para o dirigismo? Nessa contradi¢ao esta inscrita a histéria contemporanea de nossas instituicdes.”™ Para uma elaboracao teérica que acompanhe a mutacéo da atividade estatal, convém voltar as vistas para a doutrina social da Igreja, desde a Enciclica Rerum Novarum de LEAO XIII de 1891 aos recentes pronunciamentos pontificios. No dizer de ALCEU AMO- ROSO LIMA, “a Rerum Novarum langou o principio de adequacao; a Quadragesimo Anno formulou o principio de suplementacao e a Mater et Magistra explicou o principio da socializagio” Na Enciclica Rerum Novarum assim se manifesta LEAO XIII: “O que se pede aos governantes é um concurso de ordem geral que consiste em toda a economia das leis ¢ das instituigdes; queremos dizer que devem fazer de modo que da mesma organizagao e do Janeiro, 1946, pag. 11. Entre nésa contribuicao pioneira a respeito da matéria parece ser a tese de JOAO LYRA FILHO, apresentada ao 1° Congresso Brasileiro de Estudantes de Direito realizado em 1926 em Belo Horizonte. “Levadas em conta as atuais condicdes brasileiras, quando ¢ até onde se legitimara a intervengao do Estado na ordem econémica?” e da qual foram publicados trechos sob o titulo “Para onde Vamos” In Epoca, 21:32 183, ago./set. 1926. V. no mesmo volume, pags. 128-131, stimula dos debates, onde se verifica a oposigao ferrenha apresentada 4 referida tese. Para uma anilise recente do papel do Estado no desenvolvimento econémico brasileiro, V. ANNI, OCTAVIO — Estado e Capitalismo. Rio, Civilizacao Brasileira. 1965, pag. 270. 52. SA PAULO — “Producao, Produtividade ¢ Iniciativa Privada”. Sintese Politica Econémica Social. 4:37-50, out./dez 1959, pag. 43. 33. PIETTRE, ANDRE — of. cit. pag. 102. 34. LIMA, ALCEU Amoroso — “Principio da Socializacio”, itica Econémic Seubecnreeenee ian inci jo da Socializacio”, Sine Politica ‘a Digitalizado com CamScanner governo da sociedade brote espontancamente o officio da prudéncia civil e o dever préprio de todos aqucles que governam", E em outro passo: “Dissemos que nio ¢ justo que o individuo ou a familia sejam absorvidos pelo Estado, mas é justo, pelo contrério, que aquele € esta tenham a faculdade de proceder com liberdade, contanto que nao atentem contra o bem geral ¢ nfo prejudiquem ninguém. Entretanto, aos governantes pertence proteger a comunidade, porque a natureza confiou a sua conservacio ao poder soberano, de modo que a salvagio ptiblica no é somente aqui a lei suprema, mas a causa mesma ¢ a raziio de ser do principado."™ Quarenta anos mais tarde, pela voz de Pio XI, assim se pronunciava a Igreja Catélica: “Ao falarmos na reforma das instituigdes, temos em vista sobre- tudo o Estado: nao porque dele sé deva esperar-se todo o remédio, mas porque 0 vicio do ja referido “individualismo” levou as coisas a tal extremo que, enfraquecida ¢ quase extinta aquela vida social outrora rica ¢ harmonicamente manifestada em diversos géneros de agremiagGes, quase s6 restam os individuos ¢ o Estado. Esta defor- magao do regime social nao deixa de prejudicar o préprio Estado, sobre o qual recaem todos os servicos que as agremiacées suprimidas prestavam e que verga ao peso de negécios ¢ encargos quase infinitos. Verdade é, ¢ a histéria o demonstra abundantemente, que devido A mudanga de condicées, 86 as grandes sociedades podem hoje levar a efeito o que antes podiam até mesmo as pequenas; permanece, contudo, imutavel, aquele solene principio de justica social: assim como € injusto subtrair aos individuos 0 que cles podem efetuar com a propria iniciativa e industria, para o confiar A coletividade, do mesmo modo passar para uma sociedade maior ¢ mais clevada © que sociedadades menores ¢ inferiores podiam conseguir, e uma injustica, um grave dano e¢ perturbacdo da boa ordem social. O fim natural da sociedade e da sua acao é coadjuvar os seus membros, ¢ nao destruf-los nem absorvé-los.”** Na Mater et Magistra, de JOAO XXIII, que provocou o espanto de T. Y. CALVEZ pelo niimero de ocasides nas quais se faz alusio 35. LEAO XIII — Sobre a Condigéo dos Operdrios. Enciclica Rerum Novarum. Documen- tos Pontificios 2. Petrépolis, Editora Vozes, 1959 pags. 21-23. 36. PIO XI — “Sobre a Restauragio ¢ Aperfeigoamento da Ordem Social”. Enciclica Quadragesimo Anno. VI edicio, Petrépolis, Editora Vozes, 962, pags, 27-28 17 Digitalizado com CamScanner A intervencdo do Estado,” a matéria se apresenta com bastante nitidez; resumindo a posicao da Rerum Novarum, assim se manifesta; “O Estado, cuja razao de ser é a realizagao do bem comum na ordem temporal, nao pode manter-se ausente do mundo econdmico; deve intervir com 0 fim de promover a producdo duma abundancia suficiente de bens materiais, cujo uso é necessario para 0 exercicio da virtude, ¢ também para proteger os direitos de todos os cidadaos, sobretudo dos mais fracos, como sao os operarios, as mulheres e as criangas.” E mais adiante: “Mas é preciso insistir sempre no principio de que a presenca do Estado no campo econémico, por mais ampla ¢ penetrante que seja, nao pode ter como meta reduzir cada vez mais a esfera da liberdade na iniciativa pessoal dos cidadaos; mas deve, pelo contrario, garantir a essa esfera a maior amplidao possivel, protegendo, efeti- vamente, em favor de todos e cada um, os direitos essenciais da pessoa humana.” Expondo em seguida o principio da socializagao (tradugdo das express6es latinas “incrementa rationun socialium” e “progressus vitae Socialis”), como a multiplicagao progressiva das relagées dentro da convivéncia social, afirma a Mater et Magistra: “Concluimos que a socializacao pode ¢ deve realizar-se de maneira que se obtenham as vantagens que ela traz consigo ¢ se evitem ou reprimam conseqiiéncias negativas. Para o conseguir, requer-se, porém, que as autoridades ptiblicas se tenham formado, ¢ realizem praticamente uma concep¢ao exata do bem comum.” E referindo-se a propriedade publica, contém as seguintes ex- presses: “O que fica dito (referéncias 4 propriedade particular) nao exclui, como é dbvio, que também o Estado e outras entidades piiblicas possam legitimamente possuir, em propriedade, bens pro- dutivos, especialmente quando estes chegam a conferir tal poder econdmico, que nao é possivel deixd-lo nas maos de pessoas privadas sem perigo do bem comum.”*® 87. CALVEZ, J. Y. — Eglise t Socité Economique, Tome IL. LEnsei ial de Jean XXIII, Paris, Aubier, 1963. pag, 63. st ann 38.Joio XXIII: Mater et Magistra. Sintese — Politica Econémic 57-106, jul/set. 1961, pags. 61, 67, 68, 69 ¢ 78. pos sonal ott 18 Digitalizado com CamScanner Da rapida andlise empreendida, resulta evidente, quer por mo- tivos doutrindrios, quer por motivos de ordem pratica, através do cxemplo das sociedades contemporineas, a intervencio do Estado no dominio economico. O Estado moderno, na feliz expressio de ROLAND MASPETIOL, se converte em centro das macrodecisées, cabendo ao jurista o exame das “técnicas juridicas da economia global”.” MASPETIOL. ROLAND — “Les Techniques Juridiques de Economie Globale” edten sump da Dock Nounelle Série. 1952. Le Distinction du Drowt Provd ot des Loree Petite: et CExaegen Paditegue Pig, 124. 7 Digitalizado com CamScanner Capitulo 5 Principios gerais Ao analisar o Direito Regulamentar Econémico, BERNARD CHE- NOT considera que esse ramo se desenvolveu pelo alargamento e deformacao da nocao de policia, e conclui afirmando que, hoje ainda, apesar do abrandamento de certas restricGes, a legislacdo ¢ a regulamentacao das atividades econémicas transbordaram larga- mente a nogao de policia.’ Também entre nés foi inicialmente a nogao de poder de policia ajustificativa doutrinaria para essa intervencao, considerado tal poder ja por RUI BARBOSA, como “poder organico elementar, fundamen- tal a que estao ligadas as exigéncias capitais de conservacdo da sociedade”.? O Prof. CAIO TACITO assinala que Rui BARBOSA, ja em 1915, se referiu sob a invocagao de FREUND 4 dilatagao do territério afeto ao poder de policia nos seguintes termos: “Pratica- mente os interesses em que consiste 0 bem publico, bem geral ou bem comum, public welfare, cometido a discrigao do poder de policia abrangem duas grandes classes: os interesses econdmicos, menos diretos, menos urgentes, menos imperiosos, mais complexos, € os 1. CHENOT, BERNARD — Verbete “Droit Public Economique”, In: Dictionnaire des Sciences Economiques, Tome I. p. 422. / 2. BARBOSA, RUY — Comentirios & Constituicdo Federal Brasileira (coligides por HO- MERO PIRES), Sio Paulo, Saraiva, 1984, Vol. V. Pag. 315. 83 Digitalizado com CamScanner interesses concernentes 4 seguranga, aos bens, costumes, 4 ordem, interesses mais simples, mais elementares, mais preciosos, mais ins. tantes em qualquer grau de desenvolvimento social nas coletividades organizadas ¢ policiadas.”* O Prof. CAIO TACITO, numa sintese feliz, assim definiu o poder de policia: “O poder de policia, que € o principal instrumento do Estado no processo de disciplina ¢ continéncia dos interesses indi- viduais, reproduz, na evolugao de seu conceito, essa linha ascensional deintervengao dos poderes ptiblicos. De simples meio de manuten¢ao da ordem piiblica ele se expande ao dominio econémico ¢ social, subordinando ao controle e 4 a¢ao coercitiva do Estado uma larga porgio da iniciativa privada."* Eadiante: “O conceito moderno ultrapassa, porém, as fronteiras conservadoras para reconhecer ao Estado um papel mais amplo e ativo na promogio do bem-estar geral, estabelecendo, nao somente no tocante 4 ordem piiblica, mas sobretudo no sentido da ordem econémica e social, normas limitadoras da liberdade individual que se exercem, em grande parte, por meio do poder de polici $ E em outro trecho: “O poder de policia é, em suma, 0 conjunto de atribuig6es concedidas 4 administracao para disciplinar e restrin- gir, em favor de interesse ptiblico adequado, dircitos ¢ liberdades individuais. Essa faculdade administrativa nao violenta o principio da legalidade, porque é da prépria esséncia constitucional das ga- rantias do individuo a supremacia dos interesses da coletividade. Nio ha Direito Piiblico subjetivo absoluto no Estado moderno. Todos se submetem, com maior ou menor intensidade, 4 disciplina do interesse puiblico, seja em sua formacio ou em seu exercicio. O poder de policia é uma das faculdades discricionarias do Estado, visando a prote¢ao da ordem, da paz ¢ do bem-estar sociais.”° E prossegue 0 Prof. CAIO TACITO: “O exercicio do poder de policia pressupée, inicialmente, uma autorizacdo legal explicita ou implicita, atribuindo a um determinado érgao ou agente adminis- trativo a faculdade de agir. A competéncia é sempre condigao vin- 3. TACITO, CAIO — “O Poder de Policia ¢ seus Limites”. Revi iret TAC - Revista de Direito admi- nistrativo, 27:1 — 11, jan./mar. 1952. Pag. 4. ie 4. Ibid., pag. 2. 5. Ibid., pag. 3. 6. Ibid, pag. 8. 84 Digitalizado com CamScanner culada dos atos administrativos, decorrentes neceseariamente de pré- via enunciagao legal.”” ) poder de policia se manifesta por intermédio de regulamento de atos administrativos. Aqueles estabelecem condigées gerais de exercicio de direitos ou interesses legitimos ¢ diseiplinam 0 modo 10 das autoridades administrativas. Os tiltimos concretizam a relagao juridica administrativa, quer permitindo ow limitando a atividade privada (autorizagdes, permissoes, licengas) quer determi- nando a conduta individual (ordens administrativas).” “A competéncia de policia pertence, segundo a matéria, a esfera federal, estadual ou municipal, podendo ser concorrente ou exclusiva. Nas hipéteses legais (como por exemplo nos casos dos artigos 18 § § 3° da Constituigio) poderd, ainda, ser delegada ou transferida. Dependera, sempre, no entanto, de determinacao legal specifica, ou genérica, néo podendo ser presumida ou deduzida por analogia ou extensio.”* A fim de nao nos estendermos numa ampla discussio doutrinaria, para os objetivos desta introdugao, caberia apenas mencionar que ja VEIGA CABRAL, em 1859, escrevendo sobre o Direito Adminis- trativo Brasileiro, em rela¢ao aos fins da sociedade, incluia os seguintes t6picos: “Instituigdes de crédito, mineragées, obras ptiblicas; estradas de ferro; navegacio, correios ¢ telégrafos.”* Ao procurar examinar o amplo quadro do Direito Regulamentar, cujo tratamento do ponto de vista juridico ainda nao ganhou uma definicao precisa, socorremo-nos da classificagio econdmica de COL- LIN CLARK, dividindo a atividade econdmica em trés setores: 0 o setor secundirio 10; € © setor tercidrio — servigos."” Assim, faremos, nesta pi A anilise da intervengado do Estado: no dominio econdmico, ¥ cultura © nas indtistrias extrativas: (setor primério); nas induistrias de wansforma setor secundiirio); no setor de servigos, aqui com uma diss detalhada, setor primario — agricultura ¢ industria extrativ — indiistrias de transforma 7. Ibid., pig. 9. 8. Ibid., pig. 11, . 9. Apud CAVALCANT!, THEMISTOCLES — “O Di Revista Forense, 98:521 — 530, jun, 1944, Pag, 522, 10, CLARK, COLLIN — he Conditions of Economic Progress. London, Macmillan, 1957. Srd Edition, 720 p. ito Adiinistrativo no Brasil”. 8 Digitalizado com CamScanner abrangendo inicialmente dois campos basicos da vida econédmica sector da energia ¢ © setor dos transportes, para em seguida trate, do setor do comércio, com énfase especial no tabelamento de pregos. do setor financeiro, abrangendo o regime dos bancos, 0 metcade, de capitais ¢ os capitais estrangciros; do comércio exterior, incluinds, a exportagao e importagao ¢ 0 regime de cambio, € da intervencin no setor dos seguros. Na parte final examinamos, ainda, 0 problema da legislacao antimonopolistica ¢ as questées de politica de desen. volvimento regional, legislagio estadual € politica de integragic latino-americana, para, afinal, tratar do Direito para o desenvolyi- mento econdmico, apreciando, especialmente, nesse aspecto, as ques t6es do planejamento econdmico. Se o tratamento dado foi de carter puramente setorial ¢ analitico caberia nessa introducio referir-se, sinteticamente, ao problema dos instrumentos juridicos adotados. Na doutrina alema, aponta MICHEL VASSEUR, as intervengées autoritdrias (eingreifendey Massnahmen) as intervencées de influéncia (fordernde Massnahmen) "! Estudan- do as técnicas juridicas da economia global, ROLAND MASPETIOL aponta trés sistemas gerais de atuagao do legislador: um método contratual, caracteristico da economia dos Estados Unidos, mas que se vem espalhando por outros paises, pelo qual a obtengao de determinadas vantagens se encontra condi jonada a obrigacdes con- tratuais; um segundo método, consistindo no estabelecimentos seja pela lei, seja mais freqiientemente em regulamento administrative ou profissional, de normas de operagoes técnicas eficazes € progres sivas, cuja inobservancia da lugar a diversas sangdes e mesmo 2 condenagées penais, e 0 terceiro método, mais administrativo, qua lificado por MASPETIOL de método continental, a que recorre mais freqiientemente a economia global francesa. Este tltimo metodo utiliza autorizagdes, derrogagdes, subvencdes, facilidades diversis subordinadas As condigdes conformadas pela previsio do plano. Ela supde um contato muito mais direto com a administragao, chamada a tomar medidas individuais, comportando uma ampla margem de apreciagio discriciondria,"* 11. VASSEUR, MICHE! Economies Régionales, Pai Pag, 31. 12, MASPETIOL — “Les techniques juridiques de Peconomie globale”. Archives de Philosophie du Droit, Nouvelle Série (La Distinction du Droit Privé et du Droit Public UEnterprise Publique). 128-145, 1952. — Le Droit de la Réforme des Structures Industrelles et des . Librarie Générale de Droit et de Jurisprudence, 1959 86 Digitalizado com CamScanner Foi sobre 0 primeiro desses aspectos, 0 método contratual, que MICHEL VASSEUR apresentou importante contribuigio," analisan- do os aspectos juridicos da economia concertada e contratual, ¢ 0 novo desenvolvimento do conceito contratual assinalando que “o fato da época contemporinea é que, seguindo uma evolugio que remonta ha bem longe, 0 contrato tende a se tornar o instrumento principal de execugao do plano e, mais largamente, o procedimento por exceléncia da organizagio econdmica e social, seja que o Estado deixa realizar-se a contratagao fora dele, sem portanto se desinteressar da acao assim realizada, seja que ele contrata diretamente”.'* A aplicagio do Direito Regulamentar envolve sobretudo uma questio da jurisdigéo técnica bastante apontada pela doutrina ita- liana," ¢ que consiste no fato de conceder-se ao 6rgao administrativo competéncia para decidir em concreto sobre determinados fatos econdmicos. E por isso que a legislaco regulamentar do Direito Piiblico Econémico se utiliza amplamente dos standards legais, ofe- recendo, assim, amplos meios de discrigao ao érgio administrativo.'° Numa sintese feliz assim se expressou GEORGES RIPERT: “Proi- bir, autorizar, ordenar, fiscalizar e explorar, eis a gama das inter- vengoes do Estado nos interesses privados.”!” A complexidade das questées que incumbem aos érgios admi- nistrativos conduzem a ampliacdo da maquina estatal; por outro lado, as formas de Direito Puiblico Econémico que retiram do érgio administrativo certa dose de arbitrio, revelam-se ineficazes ¢ inade- 1, VASSEUR, MICHEL — “Un Nouvel Essor du Concept Contractuel — Les Aspects Juridiques de I'Economie Concertée et Contractuelle, * Revue Trimestrielle de Droit Givil, 34, jan./mar. 1964, 14, Ibid, pag. 9. 15, V,; entre outros, ALESSI, RENATO — Sistema Istitusionale det Divito Ammunisiratioo Htaliano, Milano, Giuffré, 1958. Pigs. 192-197, Ct. tb. as expresdes do Ministre MARIO GUIMARAES em voto proferido no Recurso Extraordinatio 19.873, Recor rente Sociedade Cooperativa dos Produtores dle Leite «le Sorocaba versus Estado dle Sio Paulo: “O caso das cooperativas veio mostrar quanto ¢ dificil legislar sobre assuntos econdmicos! E, quantas vezes as idéias que 0s livros dlivulgam, postas 1 Prética, produzem os piores resultados. Revista de Direito Administrativo 9602-77, abr./jun. 1954, Pag. 68. 16. Al — Sanhoury A.A. — “Le Standard Juridique™ — In... Recweid detudes sur les sources du droit en honneur de Francois Geny, Paris, sd. Tome Ul, pags. 144-156, 17, RIPERT, GEORGES — Le Déclin du Droit. Paris, Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence, 1949. Pag. 42. 87 Digitalizado com CamScanner quadas. Por isso, cabe destacar as express6es irénicas de OLIVEIRA VIANNA, a respeito de uma dessas lei “Recordo-me, de passagem, da primeira lei que regulou 0 con- trole do agticar. O érgio administrativo incumbido desse controle ficou com a sua atividade tio estritamente regulada que 0 préprio preco da mercadoria, que Ihe cabia controlar, vinha ja prefixado no texto da lei; a ele cabia apenas a aplicacao deste prego, legalmente fixado, aos casos concretos — operagéo material ¢ mecanica que poderia ser feita, com a mesma perfeita exatidao, por um génio, um cretino ou uma maquina Hollerith.” a E assim 0 Direito Regulamentar nitidamente vinculado 4 eficién- cia da maquina administrativa, 0 que contribui para a necessidade de reformulagado dos métodos da administragao ptiblica. As normas do Direito Ptiblico Econémico serao letra morta, ou se revelarao inadequadas se a elas nao se juntar uma maquina administrativa eficiente e um corpo administrativo competente j4 chamado com propriedade de “burocracia apostélica”.' 18. VIANNA, OLIVEIRA — Problemas de Direito Sindical, Rio, Max Limonad, 1944. Pag. XI. : 19. CAMPOS, ROBERTO DE OLIVEIRA — Economia, Plangjamento ¢ Nacionalismo. Rio de Janeiro, Apec Editora, 1963. Pag. 91. Cf. tb, as expresses de VICENTE CHERMONT DE MIRANDA, com relagio As atribuigdes do Instituto do Aciicar € do Alcool na implementagio da legislagio canavieira: “J4 temos dito mais de uma vez para executar o Estatuto da Lavoura Canavieira, o IAA nao precisa de funcion- rios, mas de apéstolos. MIRANDA, VICENTE CHERMONT DE — O Estatuto 4a Lavoura Canavieira e sua Interpretacdo, Rio de Janeiro, s.e., 1943 — pag. 178. Digitalizado com CamScanner

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