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8 GUILHERME DE OCKHAM VERSUS JOAO DUNS SCOTUS Identidade e diferenga entre intelecto agente e intelecto possivel Bento Silva Santos’ SINTESE - 0 presente texto aborda a recepgio critica do pensamento aristotélico no Ocidente latino medieval através da polémica acerca da suposta diferenga entre intelecto ativo ¢ intelecto passivo defendida por J. Duns Scotus e negada por G. de Ockham. Inicialmente, evocamos a problematica do intelecta no livia Hl do De Anima de Aristoteles e sua recepgéo na [dade ‘Média para, om soguida, oxplicitar os efeitos de tal problematica na discussdo entre dois grandes pensadares, PALAVRAS-CHAVE - Duns Scotus. Ockham. Recepgao de Aristételes, Intelecto agente. Into- lecto possivel. Assim, por exemplo, ABSTRACT - This paper approaches the critical reception of aristotelian thinking in latin Middle Ages through the controversy bout the difference between active and passive intellect. This difference is defended by Duns Scotus and denied by Ockham. We begin anelizing the ‘problem of the intellect in the book Ill De Anima of Aristotle and its reception in the Middle Ages. After that, we show the effects of this question in the quarrel between two important thinkers. KEY WORDS - John Duns Scotus, William of Ockham. Arstoile's reception. Agent intellect Possible intellect (positio in libros physicorum Aristo- telis,, G. de Ockham confessa queror ilustrar seu pensamento mantendo a devida distancia, ou seja, com a maxima liberdade sem poupar-lhe criticas e a identifica- ao de algumas lacunas.’ Entre as teses centrais da teoria do conhecimento de G. * Cf, GUILHERME DE OCKHAM, Expasitio in libros physicorum Aristotelis (Prologus et libri L-IIl) (ed. RICHTER, V. & LEIBOLD, G)). (‘Opera Philosophica”, 4). New York: St. Bonaventure, 1985, Entre outras, cf. sobretudo as observagées de G. de Ockham: existem excegdes As duas regras de matriz aristotélica que regem o silogismo: de premissas pariiculares nao deriva uma conclusdo legi- tima; ¢ preciso que uma premissa na segunda figura seja negativa. Na tealidade, tais normas nao valem em sentido absoluto: “Et ideo tales regulae generales ‘ex particularibus nihil sequitur’, ‘opor- tet alteram praemissarum in secunda figura esse negativam’ intelligendae sunt; quod non semper |_VERITAS | Porto Alegre v.49 0.3 Setembro 2004 Pp. 845-852 de Ockham,’ a solu- ao para tal problema ndo deve ser explicada pelo processo classico da produgdo das espécies inteligiveis, e isto simplesmente porque a idéia de identificar a “cog- nitio abstractiva” universal com a “species intelligibilis’ 6 radicalmente rejeitada por Ockham‘ em razao da primazia dade a inteligibilidade do singular.’ mo faz G. de Ockham, significa evocar o problema histérico do intelecto agente, isto 6, 0 texto aristotélico do De Anima (III, IV) De fato, Aristoteles Do. De Anima aborda @ questdo do intelecto como uma espécie de paixdo sob a contingit arguere ex particularibus nec semper ex aificmativis” |..] "Patet etiam quod eliquis dis- cursus €x omnibus particulanbus tenet, sed de talibus non loquitur Philosophus in libro Priorum" (Summa logicae led. BOEHNER, Ph.; GAL, G. & BROWN, $. F (‘Opera Philosophica", 1). New York: St. Bonaventurae, 1974, Fare Ill, 1, cap. 12, p. 397; cap. 16, p. 406, rospeotivamento. > Acerca da Teoria do conhecimento de-G. de Ockham, cf. especialmente M, McCORD ADAMS, William Ockham... 2, Notre Dame: University of Notce Dame Press, 1987, p. 496-623; M. DAMIATA, I problemi di G. d’Ockham 1: La conoscenza. Firenze: Ed. Studi Franciscani, 1996; Sobro o pensa- mento de J, DUNS SCOTUS, cl. L. IAMMARRONE, Giovanni Duns Scotus metafisico e teologo. Le tematiche fondamentaii dolla sua fllosofia o toologia. Roma: Miscollance Frencescena, 1999. Acerca da polémica entre G. de Ockham e J. Duns Scotus, cf. M. DAMIATA, I contenziaso fra Duns Sco- tus ed Ockhar, In Studi Francescani 90 (1993), p. 250-354 * Uma viséio mais detalhada sobre c Universal em G. de Ockham soja om sua pars destruens, soja em sua pats construens, ci. T. DE ANDRES, £! nominalismo de Guillermo de Ockham como filosofia del Jonguajo Madrid: Gredos, 1969; P. ALFERI, Guillaume d'Ockham. Le Singulier. Peris: De Minuit, 1989; C. MICHON, Nominalisme, La théorie de la signification d’Occam. Paris: J. Vrin, 1994, p, 381- 482; P, LEITE JUNIOR, O problema dos Universais: a perspectiva de Boécio, Abelardo e Ockham Porto Alegre: Edipucrs, 2001, p. 83-154 * A obta mais completa sobre a hisiomta da nocdo de species, desde sua introdugéo por R. Bacon até 0 fim do século XIV, é a de K. H. TACHAU, Vision and Certitude in the Age of Ockham. Optics, Epistemalogy. and the Fotindations of Semantics, 1250-1345 Taiden: Rrill, 1988 * A primazia dada ao individuo no campo da ontologia, da flosofia da natureza € da politica permitia definir 0 ockhamismo como uma metafisica do singular: P. VIGNAUX, La problématique du nomi- nalisme méciéval peut-elle éclairer des problémes philosophiques actuals?, Revue Phiioscphique de Louvain 76 (1977), p. 293-390 (tr. it. - La problematica de! nominalismo medievale pud chiarise al- cuni problemi filosafici attuali?, In BRIGUGLIA, G. led.) Medioevo in discussione. Terai, problerni e interpretazione del pensisio medievale Milano: Ed. Unicopoll, 2002, p. 237-276), Cf. também P. AL- FERI, Guillaume d’Ockham. Le Singulier. Paris: De Minuit, 1989 ° Of ARISTOTELES, De J'ame. (Texte établi par A. JANNONS; trad, et notes de E. BARBOTIN). Paris: Les Belles Lettres, 1995 ° Para a significacdo histérica da ps:cologia ockhamista, of. A. GHISALBERTI, Guilherme de Ockham Porto Alegre: Edipucrs, 1997, p. 232-236 * Sobre as interpretagses do intelecto agente, cf. M. GRABMANN, Interpretazioni medioevali del nous poietikés Padova’ Antenore, 1965; F. BRENTANO, Nous poietikas: survey of earlier interpreta- tions, In NUSSBAUM, M. C. & RORTY, A, O, (ed) Essays on Arlsioue's De Aniina.Oxford: Claren- don Press, 1995, p. 313-341 546 Seja qual for a intengéo de Aristételes,"* 6 certo que no processo de conhecimento persiste a tese irrenunciavel de que o intelecto néo pode conhecer diretamente 0 singular; dai a necessidade de introduzir a agao do intelecto agente que torna inteligivel o particular (isto 6, iluminando os “phantas- mata" = inteligiveis em poténcia) universalizando-o, libertando-o das caracteristi- cas individuais e de natureza sensivel N&o € nossa intengéo abordar as solugdes da agente, mas, sim, tratar da justificativa de G. de Ockham dada a identidade entre intelecto ativo e intelecto possivel e, portanto, a correspondente negagao da su- posta diferenga. Em se tratando do intelecto ativo e do intelecto possivel, a unica distingéo possivel para G. de Ockham diz respeito a definica ig ¢ n&o aquela quid rei: ambos os casos, re e satione, sao absolutamente a mesma tealidade. Falar de um intelecto ativo distinto em si mesmo implica uma preguiga mental porque se apdia sem qualquer critica nas auctoritates dos fildsofos e dos Santos. Tudo pode ser explicado somente com o intelecto possivel,” Segundo, G. de Ockham ¢ atividade que se atribui normalmente ao dito intelecto ativo é indevida e usurpadora, uma vez que dever-se-ia atribui-la 4 vontade, mas nao ao intelecto. "Sao dois pontos presentes no texto aristotélico: 1°) Em que sentido o intelecto agente pode ser chamado separado? Somente como uma poténcia espiritual multiplicada segundo os individuos @ subsistente em cada um deles? (cI. solugéo de T. TOMAS DE AQUINO, De unitate intellectus con- tra avorroistas (ed. H. F. DONDAINE, S. Thomae de Aquino Opera Ominé..., t. XLIII [Opuscula IV} Roma: Ed. ci S, Tommaso, 1976, p. 291-314), Ou, entéo, ndo seria antes como um principio trans- cendente € auténomo, tinico para todos os individuos? (solugéo mais comum); 2°) Come entender a imortalidade da elma? Se o intelecto passivo, em particular, 6 comuptivel e o intelecto agente, ttanscendente @ unico, néo se deveré reconhecer cue nao ha imortalidace incividual? (solugao ce Alexandre de Afrodisies © de Avertéis (cf. L intelligence et 1a pensée: grand commentaire du De a- ima. Livre Il (420810-435b25). Introduction, traduction et notes par Alain DE LIBERA. Paris: Flammarion, 1998). "Sobre 0 texto De Anima Ill, cf. M. FREDE, La théorie aristotélicienne do I'intellect agent, In VIANO, , ©.(€c.) Comps et ame. Sur le De Anima d’Anistote.Paris: J. Vrin, 1996, 377-390 * QUILHERME DE OCKHAM, Queestiones vatiae, q. 5 [Quaestio cisputata 3), (ed. BTZKORN, G. L,; KELLEY, FB. & WEY, J.C) ("Opera Theologica”, 8). New York: St. Bonaventure, 1984, p. 155 547 Vejamos, portanto, alguns dos vinte e cinco argumentos que J. Duns Scotus aduz para defender sua propria tese a favor da existéncia de um intelecto ativo:” o principio verdadeiramente em ato no ambito de cada um dos argumentos é a vontade ou Deus, mas nao certamente o intelecto.”* que um efeito nao pode superar em Perfeigao a causa que 0 produz, mas © conceito de albedo, por exemplo — uma qualitas spiritualis - certamente transcende em perfeigao aquele pouco de branco que esta espalmado em uma parede, razdo pela qual se atribuissemos o conceito de albedo aquele branco e nao ao intelecio ativo, desmentiriamos aquele princi- pio.” G. de Ockham rejeita este argumento a partir do proprio J. Duns Scotus: o principio ao qual Duns Scotus recorre s6 é verdadeiro, quando estamos diante de uma causa total e no diante de uma causa parcial.“ J. Duns Scotus errou por ter esquecido que o branco da parede ¢ somente um fator de nosso conhecimento e negligencia a propédsito a intervengaéo de Deus que é a causa parcial onipresente de tudo quanto acontece neste mundo e, portanto, também de nosso conhecimen- to. Conseqiientemente, se o conceito de albedo supera em perfei¢ao o branco da parede, ndo podemos certamente dizer que supere em perfeigdo também a Deus, que € a outra causa parcial daquele conceito.” 2°) Um ato vital , isto 4, a intellectio ~ continua J. Duns Scotus - nao pode ser produzido sendo por um principio ou por uma forma vitalis, que é justamente o intelecto ativo.” Na opinido de G. de Ockham, porém, aquele ato de conhecimento € vital, mas é chamado assim na medida em que encontra lugar na alma que, por definigao, se identifica com a vida e nao porque é produzido pela vida. 3°) Prosseguindo sua argumentagao, insiste J. Duns Scotus: todo efeito de- pende das suas causas, e uma intellectio nado pode depender senao do intelecto Ibid.: “Et aequaliter possunt rationes solvi ponendo eum activum sicut passivum, quod patet dis- currendo per rationes singulas quae adducuntur ab aliis et maxime a Ioanne pro activitate intellec tus” Ibid, p. 190-191: "Bt ita est in multis argumentis quae probant activitatem intellectus, quod plus probant activitatem voluntatis quam intellectus, quia multa talia sino actu voluntatis non possunt salvar” Ibid, p. 155-156: “effectus non excedit suam causam in perfectione,.. Sed intellectio albedinis nobilior est ipsa albedine, sicut qualitas spiritualis ot vitalis est nobilior corporal. $i igitur albedo vel... species... sit tota causa intellectionis albedinis, tunc effectus excederet Ibid, p. 161: "Ad primum istorum ~ argomenti - respondeo, sicut respondet Ioannes...”; p. 162: *Nune autem ~ la propositic ~ nor. est Vera, secundum eum, nisi de causa totali, non de causa pat- tiali* Ibid: p, 162-163: "Dous est causa partialis immediate concurrons cum omni causa ad producen: dum quemcumaue etfectum... Et ideo quantumcumaue... intellectio quaecumque alvedinis sit nobi- lior albedine... tamen ex hoc non sequitur quod... causetur a [sola] albedine in intellecta, quod de- beret probari. Sed bene sequitur quod non causetur ab albedine sicat e causa totali, sed aliquid ne- cessario concurrit cum albedine sicut causa partialis... Ht ilud est Deus"; p. 163: “Et illa cognitio, quamvis sit nobilior albedine, non tamen Deo qui est sltera causa partials’ Ibid., p. 156: “operatio vitalis necessanio causatur a forma vital, sed intellectio est aperatio vitalis” Ibid, p. 163: "operatio cicitur vitalis quia recipitur in anima quae est vita, et non quia causatur a vita", 648 que a produz.” Ao que replica G. de Ockham: certamente o nosso intelecto é causa de intelecgao, mas deve-se entender que ele 6 somente causa materialis na medida em que a intellectio é nele acolhida,” como a forma na matéria © prdprio Aristételes deixa entender que a intellectio 6 um produto do intelecto porque declara inequivocamente que a intellectio 6 uma actio manens.” Na opinido de G. de Ockharn, tal argumentagao 6 gem valor: antes de tudo, porque trata-se simplesmente de um argumento de autoridade, autoridade esta que foi mal-entendida porque Aristételes, afirmando que a intellectio 6 uma actio manens, tinha em vista dizer somente que nenhum efeito € produzido externamente. Além disso, Aristoteles néo se preocupa em dizer-nos por quem € produzida tal agaéo e, quando acena para tal questao, exclui como causa justamente o intelecto.” Neste conjunto desses argumentos G. de Ockham enfatiza o fato de que no conhecimento intelectual o intelecto é mais passivo do que ativo, ou seja, o inte- lecto [passivo] limita-se a acolher o conhecimento intelectual. Nos argumentos que se seguem, G. de Ockham demonstra que a atividade que se desdobra nos diversos campos indicados pelos argumentos de J. Duns Scotus - juizo, conscién- cia, assentimento, discursus, etc. - provém fundamentalmente da vontade e nao do intelecto. 6°) Outro argumento de J. Duns Scotus: existe um juizo em nossa mente, po- sitivo ou negativo, verdadeiro ou falso, que se reduz a uma compositio ou divisio de termos. Quem o produz e donde provém? Nao podemos certamente afirmar gue 0 juizo — compositio ou divisio - nasga do objeto ao qual o enunciado se refe- re, uma vez que 0 objeto agindo naturaliter, ou seja, necessariamente, deveria induzir-nos a formula-lo sempre do mesmo modo. Como se explicaria ent4o 0 juizo falso? E indispensdvel, portanto, que 0 intelecto ativo 0 componha.” Eis a resposta de G. de Ockham: o fato nao exige necessariamente a presenga ativa de um inte- lecto, Borguie este tamibem| (como poténcia natural, agiria sempre do mesmo modo € necessariamente, razao pela qual permaneceria sem explicagao a variedade dos juizos, que sao positivos ou negativos, verdadeiros ou falsas.* Ibid, p. 156: “actus sutficienter dependet ex suis causis etc.; sad intellectio necessario dependet ab intellectu’ Ibid, p. 165-166; "Et ideo dico quod intellectus noster est causa intellectionis etsi non causetur ab intellectu [effective], quia est causa materialis quatenus intellectio illa recipitur in eo” Ibid., p. 157: “intellectio est operatio manens in agente secundum Philosophum, IX Metephysicae, sed manet in intellectu; igitur intellectus est agens” Ibid, p. 166: “ista ratio fundatur super auctoritatem", p. 167: Acistotelas “per actionem imma- nentom intolligit actionom per quam nullus offectus oxtia producitur... Undecumgue talis actio causetur nihil refert": p. 166: “Philosophus non vult quod intaliigere sit opezatio sic manens in agente quod sit effective ab illo in quo recipitu * Tid. p. 187-158: “compositio vera et falsa... et similiter divisio, sunt actus intelligendi... a quo causantut? Non ab obiecto: tum quia non plus inclinat ad causandum compositionem veram quam falsam... Tum quia... si causaret naturaliter solum causaret compositionem veram. Unde igitur causabitur compositio falsa?... Non videtur a quo nisi ab intellect” Ibid., p. 169: “Illa ratio aequaliter concludit si ponatur quod intellectus est activus sicut si... non sit activus. Quia si sit activus, naturaliter agit, ot ite indifferens est ad causandum propositionem 549 | 6) Segundo J. Duns Scotus, outro argumento a favor da atividade do intelecto é 0 assensus que damos a uma proposigao, seja ela verdadeira ou falsa. Donde provém tal assentimento? N&o da apreensdo dos termos singulares nem da propo- sigao tomada em seu conjunto - a nao ser que se trate de principios primeiros evidentes por si mesmos ~ razao pela qual é forgoso fazé-lo derivar do intelecto ativo.” G. de Ockham fornece a mesma resposta dada anteriormente: que o inte- lecto seja ativo ou nao, o problema ainda néo se resolve.” Ha uma solugdo diversa para os diversos casos, mas sempre sem necessidade de postular um intelecto agente. De fato, se a propos.céo 6 per se nota el necessaria, 0 assentimento se baseia na evidéencia dos termos, do juizo que deles resulta (ex notitiis incomplexis terminorum et notitia apprehensiva complexi)," e na intervengao de Deus como causa parcial; se se trata de uma propositio contingens origindria, o assentimento repousa novamente na evidéncia dos termos; se a proposigao é diibia ou neutra, faz-se necessario remontart a uma propositio anterior e mais aprofundada; na falta desta as vezes 0 assentimento se dé porque sugestionados pelas auctoritates e até mesmo porque impelidos por um desejo e vontade de crer.” 7°) J. Duns Scotus prossegue ainda outro argumento: existe o discursus filos6- fico, a demonstragao, a consirugao de um silogismo, a dedugo de conclusées a partir de um principio ou premissas, etc.: todas as operagdes mentais nao podem sel causadas senao por um intelecto ativo.” G. de Ockham insiste em lembrar que, uma vez colocado o intelecto ativo, ndo se explica a variedade, nem a modalidade, nem o tom, por assim dizer, daquelas operagées, porque tal intelecto como poten- tia naturalis agiria sempre e necessariamente de um modo. Esta situacao comple- veramn sicut falsam... Idea dico... quod... concurrit actus voluntaris ~ sive intellectus sit activus sive non” Thid., p, 158: “actus assentiendi propositiont verae et falsee, unde causatur? Non ab apprehensione terminorum nec totius propositionis, quia hoc solum est verum de primo principio"; "A quo icitur. nisi ab intellectu?”. Ibid., p. 170: “aequaliter concludit si ponatur intellectus activus si non ponatur. Quia certum est, si ponatur intolloctue activus, quod assentiondum proposition’ quae noe ost per 99 nota nee nota ex notitia intuitive terminorum sed est neutra... vel diibia... reqmuintur necassario aliquid altud praeter notitiam incomplexam terminocum et intellectum’’ No léxico filoséfico de Ockham, existe a distingio entre conhecimentas complexas que concernem aos enunciados, as proposigSes ou as demonstragdes, e conhecimentos incomplexos que tém por objoto os tormos ou as coisas que estos termes significam. Neste sentido, "incomplexo" é sinénimo de termo (mental, oral ou escrito), contrapondo-se & “complexo”, que ¢ sinGnimo de proposicéo. Ibid., p. 171: “Ideo dico quod propositio cul intellectus assentit, vel est per se nota et necessiria, vel est contingens, vel est sibi neutra... Si primo modo, tune assensus causatur sufficienter ex noti- tis incomplaxis terminorum et notitia apprehensive complext et a Deo... Si secundo modo... aut est prima contingens... tune asserssus causatur.,.— core no caso precedente - ... vel sequitur ex prima evidenter... Si neutra vel dubia, tunc aut habetur aliqua propositio por et evidentior ex qua... DO test necessario inferri"; p. 173: *... aut contingens... tunc ili assentit intellectus aliquando propter auctontatom, aliquando propter voluntatem quia wult creders" Ibid., p. 188; "actus discurrend, syllomzandi, consequentias faciendi non possunt ab aliquo causatt nisi ab intellectu", 550 xa @ flexivel se explica somente com a intervencdéo da vontade e de Deus como causa parcial de nosso conhecimento.” 8°) E ainda assevera J. Duns Scotus: mas existem os universali, as intentiones secundae que, em virtude de sua formagao laboriosa, exigern a obra constante do intelecto ativo.” Segundo G. de Ockham, trata-se de uma admissao indevida, uma vez que os universali e as intentiones secundae florescem espontaneamente na mente a partir dos conhecimentos incomplexos dos termos como, por exemplo, no plano fisico, o calor se desprende do fogo. Neste caso, portanto, nao existe neces- sidade de nenhum principio ativo especial, nem do intelecto ative nem da vonta- de.” 9°) Segundo ainda J. Duns Scotus, as relagdes implicam um confronto entre os termos e, portanto, a obra de um intelecto que os coloca diante uns dos outros.” Na opinido de G. de Ockham, porém, a apreensdo dos termos e a iniciativa da vontade que os coloca, por assim dizer, face a face, explicam suficientemente a Telagao, sem nenhuma necessidade de um intelecto ativo; acrescente-se ainda o fato de que algumas relagdes - os respectus rationis - nada sdo: "respectus ratio- nis sunt nihil”. 10°) Mas ha também o actus reflexus, a consciéncia, que se atinge enquanto 0 intelecto se debruga sobre si mesmo; de fato, o actus reflexus nao pode explicar- se nem com 0 actus rectus - a apreensao dos termos - nem partindo do objeto ao qual os termos se referem; remete, portanto, pensa J. Duns Scotus, para a iniciati- va do intelecto.* Mais uma vez objeta G. de Ockham: se o ato refletido” depen- desse efetivamente do intelecto ativo, o qual é uma poténcia natural que age ne- cessatia e incessantemente, 0 intelecto ativo deveria causar infinitos atos refleti- dos. O ato refletido tem mais causas, mas nao certamente um intelecto ativo: provém do ato “direto”, isto é, do ato pelo qual apreende-se um objeto existente fora da alma, @ da vontade, que se detém sobre tal ato para melhor compreendé- * Ibid., p. 174: “Isti inquam actus sufficienter causantur a notittis incomplexis terminorum et ab actu voluntatis quo voluntas vult talia complexa formare” Ibid, p. 158: “universalia, intentiones secundae et logicae non causantur @ notitia quacumque terminorum; igitur a nullo, vel 2b intellectu” Ibid, p. 175: “dico quod universalia et intensiones secundae causantur naturaliter sine omni activi- tate intellectus vel voluntatis a notitiis incomplexis terminorum”; “notitiae incommplexae terminatae ad albedinem in singula, sive intuitive sive abstractive, causantur naturaliter — sicut ignis calorem ~ .. talem albedinem in esse obiectivo' Ibid, p. 159: “respectus rationis causetur per actu comparativum, Talia non potest competere alicui intellectioni complexae vel incomplexae" Ibid., p. 176: “respectus rationis sunt nihil", “ponendo tales respectus, aequaliter concludit ratio contra activitatem intellectus sicut pro”; “Ideo dico quod iste actus comparatives causatur suffici- eniter a notitiis incomplexis terminoram et actu voluntatis quo vult apprehensa simplici apprehensi- one compararo diversimode" © Ibid., p. 169-160: "actus teflexus non causatur ab actu recto vel objecto actus recti... Igitur... ab intellectu". Entende-se por actus rectus, 0 ato pelo qual apreende-se um objeto existente fora da alma e, por actus reflexus, 0 ato pelo qual apreende-se aquele ato “direto’, Ct. L, BAUDRY, Lexique Philosa- phique de Guillaume d'Ockham. Etudes des notions fondamentales.Paris: P. Lethielleux-Hditeur, 1958, p. 15, 661 lo. A experiéncia testemunha inequivocamente o fato de que a intervengdo da vontade é indispensavel: alguém pode ter um conhecimento, sem, porém, estar consciente do mesmo, mas se 0 ato refletido derivasse efetivamenie do ato “dire- to”, todas as vezes que conhecemos alguma coisa, subita e necessariamente deveriamos estar conscientes de tal conhecimento As argument: ‘iticas expostas sao suficientes para respaldar a tese de G. de Ockham: Acontece, porém, que G. de Ockham, nao obstante uma discusséo meticulosa acerca da suposta diferenga entre intelecto agente e intelecto possivel, reconhece que existem rationes proba- biles a favor do intelecto ativo e remete o leitor exphicitamente ao De anima ce Aristételes. Considerando a autoridade e a santidade de tantos defensores de um intelecto ativo, o proprio G. de Ockham o admite. Tal confisséo certamente néo implica em contradigéo com o seu pensamento, mas deixa entrever o respeito que G. de Ockham nutre para com os doutores e mestres cristaos, mesmo que deva criticd-los. Além disso, a atengao dada a tradigao filosOfica antiga (especialmente a0 pensamento aristotélico) e contemporanea (isto 6, dos séculos XII e XIV) ea originalidade de seu pensamento que aponta decisivamente para 0 novo sem, todavia, libertar-se por completo do peso do antigo, revelam em G, de Ockham um filésofo que acolhe teses “propter auctoritatem Sanctorum et Philosophorum", assimila pensando, avalia selecionando e transforma com rigor logico e originali- dade o saber tradicional." Ibid,, p. 191: depois de tantas criticas: "Tamen teneo oppositum — isto é, a tese do intelecto agente — propter auctoritatem Sanctorum et philosophorum quae non possunt salvari sine activitate intel- lectus, sicat patet de intellectu agente, Il De Anima... Et ad hoc etiam sunt rationes probabiles, li- cet non conchident necessario’. 652

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