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Transformando.o Planeta 291 dobrou (poliploidia) o pareamento poderia acontecer € a espécies se tornariam férteis, Espécies po! pléides hibridase férteis formadas dessa mancira incluiram uma outra importante espécie cultivavel, a emmer (T. trgidum), com 28 cromossomos. Jé o trigo de pao do periodo moderno (Z. aestium) possui 42 cromossomose provavelmente surgiu como resultado de poliploidia conseqiiente da hibridagao da ‘emer com alguma outra espécie selvagem, T tauschit. Esta espécie é origindria do [ra e provavelmente cruzou com a emmerem conseqiiéncia do transporte daquela espécie de trigo para essa rea através da migracao de populagdes humanas. Assim, povos agricolas ancestrais comecaram nao apenas a modificar seus ambientes, mas também a manipular a genética das suas espécies domésticas. Pesquisas mais sofisticadas utilizaram nao apenas a quantidade de cromossomos, mas identifi- cagio por DNA de sementes de trigo, Manfred Heum, da Universidade Agricola da Noruega, e seus colaboradores [26] analisaram 338 amostras da espécic de trigo mais primitiva, cinkorn, que ainda cresce selvagem no Oriente Préximo. Seu objetivo era determinar a localizagao precisa da primeira ocorréncia de domesticagio do trigo. Eles adotaram duas premissas importantes como base para seu trabalho: primeira, que a constituigao do DNA das espécies nao se alterou substancialmente desde que ocorreu a domesticagao; ¢, segunda, que eles poderiam determinar a proximidade nas relagbes entre as populagoes de plantas de acordo com suas segdes especificas na seqiiéncia de DNA. Eles conseguiram localizar populagdes de einkorn selvagem em uma regiao das Montanhas Karacadag, no sudeste da Turquia e préximo ao Rio Eufrates, que proporcionaram evidéncias genéticas de serem cs ancestrais do einkorn domesticado, Sem sombra de diivida, a aplicacao de técnicas moleculares no estudo da domesticagao e da origem biogeografica de muitas plantas e animais se tornard cada vez mais importante na solucdo de questdes cruciais, algumas ha muito nao respondidas. Outras plantas selvagens do Oriente Médio também cresciam ¢ eram cultivadas por humanos (Fig. 11.7), entre as quais a cevada, o centeio, a aveia, o linho, a alfafa, a ameixa e a cenoura [27]. Mais este, na bacia do Mediterraneo, outras plantas selvagens foram também domesticadas, incluindo a ervilha, a lentilha, o feijao ¢ a beterraba. Uma andlise de todos os dados acumulados nas investiga- ges arqueolégicas da Europa mostra como essas plantas cultivaveis comecaram a ser gradualmente usadas de modo extensivo através do continente ¢ como novas espécies foram adotadas em regides =a ine © Feito ayocoe Wm Aregue Boece vere f vee g cai n taka ‘ woe, ee V vine 0 ‘ conn * i see Ot ew areca Coral Nie % $= Ora tert a vee nent eco im Gm, SA # v0 eee y ba) o— [om bee ay mn { a sas W rows senana OO :. Eo One ] tend = tne Desist Bivens A cvatoaitcs {| cansonscicar Boom Ye cata & ona PRR re Co 4 Q Aarti to vero nde FRR cwame Yo aves 11.7 Areas em que diferente aint plantas faram domesicades pela primeira ver. 392 Copiule Onze ‘onde 0s fatores climaticos limitavam 0 emprego de tipos mais antigos. Alguns desses resultados sao apresentados na Fig. 11.8. As lentilhas Lens culinare, L. orientalis e L. nigricans se mostraram espécies cultivaveis dteis no Oriente Préximo, mas os fatores climaticos impediram que fossem utilizadas de modo extensivo na Europa Setentrional. A cevada (Hordeum zulgare), no entanto, se mostrou muito © Fig. 11.8 Diagramas ilutrativos da dispersie de espécies agricalas de Oriente Préximo até a Eurepa. O eixo vertical representa percentual de lacaisem que a espécie encantra-se presente, € w cixe herizontal,otempe em milhares de anes BB por datagio por radiacazbono. Ox varios sgnifcam fala de dados. As expéciearepresentadas se: a) Tis monzocum (sige eisorn, b) Lens alae, 1. oneal eT. mgricans lentils), (6) Herd eulwe (cevada), Segundo Hubbard (27) Transformando o Planeta 293 mais adequada a0 cultivo na Europa do que em locais mais antigos de domesticagio no sudoeste da Asia. A partir de informages como estas é possivel rastrear a disseminagdo da idéia de agricultura durante o Holoceno, a partir do Oriente Préximo para todo continente curopeu (Fg, 11.9). Ainda é discutivel se esse processo envolveu o deslocamento de pessoas ou a difusio de uma nova técnica. Se a agricultura se mostrou um meio eficiente para estabilizagio dos suprimentos alimentares € prevensio de algumas catistrofes aleatbrias da caca e da coleta, deve ter levado & expansi popula- cional¢ A necessidade de deslocamento para novas areas. Alguns arqueélogos como Colin Renfrew, de Cambridge, Reino Unido, investigaram a associago entre a disseminagao da agricultura ea hipé- tese de dominancia por certos grupos lingiisticos. Na Europa e na Asia, por exemplo, 144 linguas sio origindrias de um grupo conhecido como Indo-Europeu, ¢ a razio dessa dominancia pode ter sido sua dispersio com a agricultura no Holoceno Inferior [28]. As linguas dos agricultores ances- trais podem muito bem ter se tornado idiomas “rolos compressores” na medida em que extrapo- lavam as fontes de domesticagao, Aiidéia da domesticagao vegetal parece ter evoluido de modo independente em muitas partes do globo (Fig, 11.10) cem muitos momentos diferentes. Em cada area, espécies localmente adequadas foram exploradas: no sudocste da Asia havia paingo, soja, rabanete, cha, péssego, abricé, laranja e limo; na Asia Central havia espinafte, cebola, alho, améndoa, péra e maga; na India e no Sudeste Asidtico havia arroz, cana-de-asicar, algodio e banana, Milho, algodio do Novo Mundo, sisal ¢ pimenta vermelha foram originalmente encontrados no México e no restante da América Central, enquanto tomate, batata, tabaco, amendoim ¢ abacaxi cresceram inicialmente na América do Sul. Em muitos casos deve ter havido cultivos independentes da mesma espécie, ou de espécies seme Inantes, em diferentes partes do mundo. Assim, o trigo emmer pode ter se originado de modo inde- pendente no Oriente Médio e na Exipia. Acredita-se que a agriculturado Novo Mundo tenha comesado na América Central como cultivo de trés culturas principais: milho (Zea may), feijio (Phaseolus vulgar) e abbora (Cucurbita pepe). Alguns argumentos tém cercado o momento desse desenvolvimento agricola independente, especialmente ig. 11.9 Mapa da Eurepa mostrandoa dispersio da agricultura desde a rea de “Crescente Féril”. As datas sio em anes BE @ padrie foi extremamente simplificade e existem problemas no que ve refere & exatidio das datas ea diregio de dispersio em algummas reas, come nos Bales (25) 294 Copiule Onze Fig. 11.10 @s quatro principais centres exn que foram desenvalvdes sistemas agricola independentes entre si com relagao s origens da agricultura em outras partes do mundo, Datages por radiocarbono em. sementes de abébora de cavernas em Oaxaca, México, situam seu cultivo em cerca de 10.000 anos atrés, portanto jé esta bem estabelecida uma origem antiga para a agricultura do Novo Mundo (0) Uma mudanga repentina na dieta pode ser rastreada nas populacdes que habitavam as regides costeiras da Inglaterra no periodo em que a agricultura chegou (por volta de 5.500 anos atras) [34] ‘Naquele tempo, os habitantes do litoral se alimentavam fartamente de frutos do mar, principalmente de mariscos que eram coletados na costa. Esse tipo de material tem alto teor de "C quando compa- ado com o dos cereais, ¢ a razdo de isétopos ficou registrada no colageno de ossos dos esqueletos desse periodo, O emprego de isstopos estaveis tem se mostrado extremamente vitil na reconstrugao de dietas primitivas (veja tépico “Tsétopos em biogeografia” no Capitulo 13) Adomesticacao de determinados animais deve ter precedido a das plantas. Existem muitas evidén- cias, por exemplo, de que culturas primitivas haviam domesticado o lobo, ou, em algumas comuni- dades da Africa do Norte, 0 chacal, Aparentemente esses animais tiveram uso notavel como tragio, rastreio e caga de presas feridas, mas o uso das técnicas arqueol6gicas convencionais provou ser uma tarefa dificil determinar quando 0 cachorro foi domesticado. Ossos de cachorro/lobo associados a assentamentos humanos (encontrados com até 400.000 anos) podem, afinal de contas, significar que (08 povos se alimentavam desses animais e nao que os haviam domesticado. Sao conhecidos sepul- tamentos conjuntos que fornecem uma indicagao razoavel de domesticagao, datados do Holoceno Inferior no Oriente Préximo, mas pouco se sabe a respeito de associagoes anteriores. Estudos mole- calares podem novamente fornecer a melhor pista. Carles Vila, da Universidade da California, em Los Angeles, e scuscolaboradores [35] analisaram amostras de DNA mitocondrial de 162 lobos ¢ 140 cachorros, representando 67 linhagens diferentes. Eles sustentam a idéia de que o cachorro evolu Transformando.o Plneta 295 do lobo, mas as diferengas entre os dois grupos sugerem que a separacio evoluciondtia (presumida- ‘mente associada a domesticacao e ao isolamento dos cachorros em relagao aos lobos) ocorreu cerca de 100,000 anos atrds. Isto situaria a domesticacdo do cachorro como sendo, no minimo, tao antiga quanto o iltimo interglacial. Entretanto, aparentemente muitos dos outros animais que se tornaram associados aos humanos, como as ovelhase as cabras, foram domesticados durante o Periodo Neolitico Inferior, muito depois do cultivo de plantas. Estes foram inicialmente mantidos em rebanhos devido 4 carne e ao couro, mas também devem ter sido fonte de leite, uma vez que eram suficientemente mansos para serem conduzidos. Os primeiros tragos de domesticagao de ovelhas vém da Palestina por volta de 6000 aC. Devem ser origindrios de uma das trés espécies de ovelhas européias ¢ asiticas ou podem ter resultado do cruzamento entre essas espécies. A ovellia Soay, que sobreviveu nas Ilhas Hébridas Exte~ riores, na Escécia, quase certamente originou-se do carneiro selvagem europeu Onis musimon ou do asidtico ©. orientalis. A domesticacao desses animais deve ter resultado da adogao de animais jovens que ficaram drfaios em conseqiiéncia da atividade de caga. Em Israel existe uma mudanga na dieta centre 10,000 8.000 anos atrés, com a gazela ¢ 0 cervo sendo substituidos por cabras ¢ ovelhas. Esta foi possivelmente uma conseqiiéncia da domesticacao [36] Os auroques, Bos primigenius, foram habitantes freqientes das matas mistas deciduas que se disper- savam para o norte através da Europa durante o periodo pés-glacial. Ossos desses animais foram encontrados em muitos locais em que remanescentes dessas florestas foram preservados, tais como ‘em turfas enterradas ¢ areas submersas. Os auroques agora esto extintos, mas por muito tempo se supés que 0s rebanhos curopeus teriam resultado da domesticacao desse bovino selvagem. A andlise do DNA em rebanhos modernos levou, entretanto, a uma conclusio diferente [37]. Os rebanhos domésticos da Europa (que foram posteriormente introducidos na América do Norte) possuem um DNA muito diferente daquele encontrado nos ossos fésseis de auroques, € muito mais préximo do Cannone 396 Copiule Onze DNA do B. taurus do Oriente Médio. O rebanho da Africa e da india, por outro lado, parece ser criundo de um tronco distinto, o que sugere que a domesticagao dos rebanhos teve origem em muitas localidades diferentes ¢ foi bascada em espécies de bovideos também distintos A blogeogratia das doensas parasitarias humanas Qz a nossa espécie evoluiu pela primeira vez, como qualquer outra espécie, esteve sujeita a luma gama variada de doengas, algumas causadas por virus e bactérias, outras por organismos parasitarios. Alguns destes devem ter infectado os ancestrais do homem primitive, como o Homo abil © o H. erectus. Assim, nossos primeiros ancestrais afficanos foram, provavelmente, capazes de disseminar infecgdes por nematelmintos (Ascaris) e ancilostomideos (Necator) e amebase (Entamoeba Fistobtica). Todas estas ttm estigios de infecgao que sao transmitidos pelas fezes do individuo infectado € aguardam no solo ou na agua até serem ingeridos pelo préximo individuo. No entanto, como cagadores ¢ coletores nas planicies da Africa, nossos ancestrais padeceram menos dessas doengas do que as populagies atuais. Seus habitos de deslocamento continuo, entre acampamentos temporiios, deve ter garantido que nao ficassem por tempo suficiente proximos de suas proprias fezes, que, por sua vez, podem ter funcionado como agentes infecciosos por conterem ovos ou larvas dos parasitas. Além disto, 08 membros de cada grupo pequeno e independente devem ter sido aparentados uns com 0s outros ¢, portanto, devem todos ter adquirido certa imunidade a qualquer infeegao viral ‘ou bacteriana. Assim, qualquer dessas infecgdes poderia levar rapidamente & morte os individuos mais vulneraveis de um determinado grupo, mas os sobreviventes seriam aqueles mais resistentes a faturas infecgdes. Em conseqiiéncia, nossos ancestrais nao devem ter softido com epidemias que se espalhavam de um grupo para outro. ciclo de vida da maioria dos parasitas envohe nao apenas o hospedeiro final, “definitivo” (como ‘um humano}, mas também hospedeiros intermediarios, ou “vetores”, no corpo dos quais 0 para- sita se multiplica e é transformado em um estagio que pode infectar um novo hospedeiro definitivo. Insetos que voam e sugam sangue sao especialmente adequados ao papel de hospedeiro intermedi- rio ¢, provavelmente, foram répidos em tirar proveito da pele fina ¢ da cobertura capilar reduzida dessa nova espécie de hominideo, mesmo que ainda formassem reduzidas densidades populacionais. Atualmente, a mais conhecida dessas doengas é a malaria, transmitida pelo mosquito Anopheles € causada por um protozoério (Plasmodium) que vive na corrente sangiiinea de humanos; uma espécie aparentada do Plasmodium infecta 0s macacos. O mosquito Aedes, de maneira similar, transmite 0 virus que causa a febre amarela e, junto com outros géneros de mosquito, transmite os estagios infecciosos dos vermes nematédeos (Brugia © Wuckereria) que causam a elefantiase. No entanto, os mosquitos nio sio os dinicos responsiveis pelas doengas transmitidas por insetos. Os flebstomos (Phlebotomus) transmitem os estagios infecciosos da doenga africana conhecida como leishmaniose, as muutucas Chrysops transmitem o estagio infeccioso do nematédeo Onchoceca, que causa a cegueira de rio, e€a mosca tsé.tsé Glossina transmite 0 protozostio infeccioso Tiypanatoma, que é responsével pela doenga do sono. Finalmente, os vetores da doenga conhecida como bilharziase ou esquistossomose so caramujos que vive em cérregos, ros e lagos e 0 estigio infeccioso se desenvolve no corpo de humanos infectados quando entram na gua A biogeografia de qualquer doenca parasitaria que requeira um hospedeiro intermedirio é obviamente, limitada pelas necessidades ambientais tanto do hospedeiro final quanto do vetor. O ciclo sazonal no clima das reas tropicais e subtropicais proporciona um ambiente propicio para todos eles e, portanto, no causa espanto que nossos ancestrais tenham sido acompanhados por quase todas essas doengas 4 medida que se dispersaram para o norte a partir da Africa. Apenas a doenca do sono nao se disseminou com sucesso para a Asia, provavelmente porque a mosca tsé-tsé é restrita a Africa e& peninsula ardbica. As demais slo prevalentes no sul da Asia, incluindo o subcontinente indiano, enquanto a leishmaniose também é encontrada no sul da Europa e a malaria ja ocorrew ‘Go ao norte quanto o sul da Inglaterra. (Também é possivel que todas essas doencas ja estivessem presentes na Eurdsia, tendo sido levadas anteriormente quando 0 ancestral do Homo sapiens, 0 H. erectus, se dispersou para aquele continente.) Transformando o Planeta 297 A jornada para o norte, no rumo da Eurdsia, também levou humanos para terras em que os alimentos no eram tio abundantes quanto nos trépicos. Esse pode ter sido o principal motivo para a sua préxima grande mudanga no modo de vida, de cagadores a coletores em povos assen- tados em lares mais permanentes, cercados por animais ¢ plantas que haviam domesticado. No entanto, a proximidade com esses animais trouxe uma grande variedade de doengas. A solitaria Taenta encontrou seu hospedeiro intermediério no rebanho, enquanto doengas humanas como a variola, a tuberculose e o sarampo so todas fortemente relacionadas com doencas similares do rebanho. De modo semelhante, 0 verme nematédeo Trickinella, que se encista nas células muscu- lares, infecta os humanos quando estes ingerem carne de porco malcozida (o que pode explicar a razio de 0s porcos serem considerados impréprios para consumo humano no Oriente Médio) No mesmo periodo, os sistemas de irrigagao que os primeiros fazendeiros construiram no Cres- cente Fértil do Oriente Médio, ao deslocarem os cursos de égua permanentemente para perto de seus vilarejos, podem ter facilitado a proliferagio de doengas infecciosas transmissiveis por ‘mosquitos (cujas larvas vivem na agua). Ao mesmo tempo, suas casas ¢ seus armazéns devem ter proporcionado abrigo ¢ alimento para ratos dos quais devem ter contraido tifo, Finalmente, as grandes densidades populacionais que acompanharam todas essas mudangas devem ter tornado esses humanos mais vulneraveis a epidemias. Neste sentido, certamente houve retrocessos, tanto quanto vantagens, com 0 desenvolvimento da domesticacao. Porém, quando os humanos se dispersaram para terras mais frias do norte da Asia e através do estreito de Bering para o Novo Mundo, deixaram para tras quase todas essas doencas parasitarias, pois os hospedeiros intermediérios nao eram capazes de sobreviver nas terras mais frias pelas quais, assavam os colonizadores das Américas. Talvez 0 tinico parasita encontrado naturalmente tanto no Velho Mundo quanto no Novo Mundo seja o anciléstomo Ankylostoma. Mas, na América do Sul, evoluiu uma versio da leishmaniose do Novo Mundo independente daquela do Velho Mundo, causada por uma espécie diferente de parasita ¢ transmitida por uma mosca diferente. A América do Sul também é o lar da doenga de Chagas, causada por uma espécie de Trypanosoma aparentado daquele que causa a doenga do sono na Africa. Este & conhecido em miimias que datam de 2000 a.C. (E interessante saber que, embora seja endémico no gambé, marsupial da América do Sul, este raramente é afetado pela infeccao, talvez porque este habitante ancestral do continente tenha tido, diferentemente dos humanos, varios milhdes de anos para se adaptar as relagdes infecciosas e mitigar seus efeitos) Outro fator que reduziu a prevaléncia de doengas nos povos pré-colombianos da América do Norte foi nao terem obtido na domesticagio dos grandes mamiferos daquele continente 0 mesmo sucesso obtido por seus ancestrais na Eurdsia. Os motivos para isto sao discutidos pelo biélogo norte-americano Jared Diamond [38], que levantou as razdes pelas quais a versao oriental da civilizagao veio a conquistar ou dominar o resto do mundo. A biogeografia, em uma escala mundial, foi importante. A Eurdsia é a maior porgao de massa terrestre do mundo, estendendo-se amplamente de oeste para leste e, assim, possui uma grande variedade de ambientes temperados, subtropicais e tropicais. Em conseqiiéncia, um grande mimero de mamiferos de grande porte, que devem ter sido candidatos a domesticagao, evoluiu naquela area mais do que em qualquer outro continente. Além disso, devido ao acaso, muitos daqueles na Eurasia puderam ser domesticados {p.ex., bovinos, ovelhas, cabras, porcos e cavalos), enquanto 0 mesmo nao ocorreu com nenhum dos grandes mamiferos da América do Norte e apenas com a lhama na América do Sul. (Mesmo hoje em dia, nenhum dos grandes mamiferos da América do Norte ou da Africa foi domesticado. (O mesmo ocorre na Australia.) No entanto, a auséncia de animais domesticados no Novo Mundo também significa que seus povos nao foram expostos ao aumento das doengas que acompanharam. a domesticacao no Velho Mundo. Entretanto, essa vantagem para os humanos do Novo Mundo veio acompanhada de uma desvan- tagem correspondente, pois essas populagies ndo dispunham de defesas imunologicas quando foram. confrontadas com a expansio populacional oriunda do Velho Mundo. Assim, as doengas que os eurasianos haviam contraido de seus animais domésticos (variola, sarampo, gripe ¢ tifo) devastaram os nativos americanos pré-colombianos do Novo Mundo, matando 95% dos habitantes da América Coptulo Onze do Norte € 50% dos astecas, no México, € dos incas, no Peru, Particularmente a variola, de modo similar, devastou os povos do sul da Africa, da Austria e das ilhas do Pacifico. Por outro lado, como os europeus que colonizaram o resto do mundo vieram de latitudes distantes, ‘onde as doengas tropicais eram raras ou inexistentes, por varios séculos essas doengas funcionaram como barreiras para a colonizacio européia da Africa em grande escala; a drea que hoje denomic nnamos Costa do Marfim ja foi conhecida como “wimulo do homem branco”, Assim, a geografia, 0 lima e a evolugao dos mamiferos, juntos, exerceram um papel importante no controle da variedade na incidéncia das doengas que flagelaram a nossa espécie. Tnevitavelmente, a incidéncia de muitas dessas doengas foi afetada pelo impacto crescente da hhumanidade e por suas atividades. Por exemplo, atividades humanas como a mineragio, o desfio- restamento e a construgio de estradas acarretaram um aumento nas taxas de Plasmodium falciparum (a espécie mais virulenta, que causa malaria cerebral) em detrimento de seu parente P vivax, que causa um tipo de maliria mais brand, Tal fato foi auxiliado também pela evolugio de linhagens de P falciparum resstentes aos medicamentos e pela construgio de represas e de projetos de irigagéo em grande escala, que ampliaram a area de cobertura de 4guas nas quais os mosquitos podem procriar, além de dispé-las nas proximidades dos locais em que as pessoas vivem. O colapso das ‘medidas de controle nas terras altas da Africa Oriental e de Madagascar apés a década de 1950 também levou a um aumento de maliria nessas regibes, 0 que em Madagascar foi agravado por ‘uma elevagao da temperatura no perfodo de dezembro a janeiro, época de maxima abundancia do mosquito. Todas essas atividades humanas também aumentaram 0 tamanho e a distribuigéo das popula- «Ges humanas disponiveis para a Leishmania e 0 Trypanosoma cruzi. O aumento da aridez em partes do sul da Africa causou 0 deslocamento das moscas tsé-tsé ¢ do borrachude Simulium para novas reas, ocasionando um aumento da doenga do sono ¢ da cegueira de rio. Por outro Tado, a perda de floresta em algumas regides da Africa acarretou a perda desses vetores e uma conseqiiente reducio dessas enfermidades (39) Impacto ambiental das culturas humanas originais Aerercrsee de dtimo climatico pés-glacial terminou e as condigdes nas regides temperadas se tornaram generalizadamente mais frias ¢ tmidas, 0 conceito de agricultura voltou a ser disseminado nas altas latitudes e com ele veio o incentivo para modificar o ambiente a fim de torné-lo mais adequado ao aumento da produtividade de plantas animais domésticos. As florestas, temperadas so inadequadas para o crescimento de plantas domesticadas, cuja maioria tem origem ‘mais meridional ¢ grande demanda por iluminagao. De forma semelhante, animais domésticos, como as ovelhas € as cabras nio esto no seu habitat mais favordvel, que sio as grassland abertas. Bovinos e porcos, por outro lado, podem ser mantidos em rebankos na floresta, apesar de serem mais ‘bem conduzidos em um habitat mais aberto. Mesmo no periodo pré-agricola do Mesolitico, povos do norte da Europa descobriram que a derrubada de florestas e as queimadas para manutengao de clareiras proporcionavam maior produtividade do cervo-vermelho (Cerous elephas). Assim como ‘muitastribos nativas da América do Norte, que se tornaram muito dependentes do bisao, 0s povos ‘europeus da Idade da Pedra Média confiavam no cervo-vermelho (conhecido na América do Norte como alee), ‘A intensificagao do desmatamento com a chegada da agricultura no norte da Europa fica muito evidente nos diagramas de pélen (veja a Fig. 10.20), nos quais se vé que o pélen de espé- ies de habitats abertos (como gramineas, tanchagem ¢ urze) aumentou € a proporgao do pélen das arbéreas diminuiu. O padrao exato dos desmatamentos ¢ o desenvolvimento de urzais, grass land, charnecas ¢ areas de brejo, em conseqiiéncia dessa atividade, varia de uma érea para outra, dependendo das condigdes locais e do padrao dos assentamentos humanos. Cerca de 2.000 anos atrés o impacto foi intenso em grande parte da Europa Central e Ocidental, embora as florestas Transformando o Planeta 299 ‘mais distantes do norte tenham sido pouco influenciadas pela humanidade nesse periodo. Alguns dos desmatamentos mais intensos, a julgar pelos registros de pélen, ocorreram no noroeste da Europa, incluindo as Mhas Britdnicas. Talvez esta tenha sido a regiao em que a floresta foi menos capaz de se recuperar do impacto humano e a permanéncia de intensas pastagens manteve a érea relativamente aberta Na América do Norte, a agricultura na zona temperada no periodo pré-curopeu ficou restrita em grande parte ao cultivo de milho ¢ outras espécies daninhas, incluindo a beldroega (Portulaca oleracea). Isto envolveu o desmatamento de pequenas areas de floresta, ¢ seus efeitos podem ser detectados ‘em diagramas de pélen [40]. Embora esses desmatamentos tenham aparentemente se recuperado © haja poucas evidéncias de destruicao em larga escala da floresta, como no caso europeu, howe mudangas na composigio das florestas da América do Norte que podem ter sido conseqiiéncia da atividade de povos agricolas. A queima € 0 corte de florestas esto sempre associados & perda de determinadas espécies, como o bordo e a faia, ¢ aumento na abundancia de pinheiros e carvalhos resistentes ao fogo, junto com um aumento generalizado de bétulas. Desmatamentos intensivos no lado ocidental dos Estados Unidos e do Canada foram retardados até a chegada dos colonizadores ‘europeus nos séculos XVIII e XIX. Este fato esta freqiientemente assinalado nos diagramas de pélen pelo aumento da ambrésia-americana (Ambrosia). ‘Asmudangas ambientais foram aceleradas nos iltimospoucos séculos ea face da Terra esta se modi- ficando cada vez mais aceleradamente. A Fig. 11.11 ilustra as taxas de destruigao da floresta priméria nos Estados Unidos ao longo dos iltimos 400 anos. A destruigao que as nossas florestas temperadas experimentaram durante esses séculos recentes esté agora sendo repetida nas florestas tropicais. Vamos ‘examinar as possiveis conseqiiéncias da continua mudanga ambiental no Capitulo 15. Fig. 11.11 A extensie de faresta vrgens ende hej slo 0s Estades Unidos da América, em 1620, 1850 e 1920, mostrando a destruigie pragres- siva da antiga loresta ameticana 300 Copilo Onze Delcourt HR, Delcourt PA. Quaternary Ecology: A Paleoecological Perspective. London: Chapman & Hall, 1991 Mannion AM. Agriculture and Environmental Change. Chichester, UK: Wiley, 1995 Melntosh Ry, TainterJA, Meltosh SK. The Way the Wind Blows: Climate, History, ‘and Human Action. New York. Columbia University Press, 2000, Pielou EC. After the Tce Age: The Return of Life to Glaciated North America, (Chicago: University of Chicago Prest, 1991. Roberts N. The Holocene: An Environmental History, 2nd edn, Oxford: Blackwell Publishers, 1998. Russell EWB. People and Land through Time: Linking Ecology and History. New Haves, CN: Yale University Press, 1997 Whitney GW. From Coastal Wilderness to Fruited Plain. 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