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02-6699 epp.15 8 158 Marlene Guirado PSICOLOGIA INSTITUCIONAL (Com um texto de José Augusto n Albuquerque) 28 edigdo revista e ampliada <2. €DITORA PEDEGOGICA € UMIVERSITARIA LTDA. Sobre a autora Marlene Guirado & psicslog: USP e a 2" edligéo revista ¢ ampliada, 2004, ‘expressa e por escrito da Eira, sujetars 6.895, de 17-12-1980, 8 pen saber: reelusso de wm a quate Sumario Preficio geral da colecio ..... Apresentagiio da 2° edigho revista ¢ ampli Preambulo Das Psicologias hi ionais 1. A psicologia institucional de Bleger I. O psicélogo, a comunidade e a instituigio: da conceituagiio da ciéncia a intervengaio 1.1.1, O conceito de Ciéncia 1.2, O conceito de Psico- 1.1.3. Psicologia 1.2. Psicologia Institucional: elementos para a compreensiio das relagées ins 1.2.1. O sincretismo e a identidade do sujeito 1.2.2, A comunicagdo e 0 grupo 1.2.3. A instituigdo € a organizagao ... 1.3, Da compreensdo a postura psican: . A anilise institucional de Georges Lapassade... 2.1, Os és niveis da rea i 2.2. 13 21 39 54 2.5.1. A andlise institucional e 0 Estado .. 2.5.2. Andlise Institucional x Andlise Organizacional .. 2.5.3. As vias de Andlise: palavra x agao 2.5.4. A critica ao movimento e ao conceito de Andlise Institucional 2.6. Bis um livro ambiguo bre as relagdes interpessoais e grupais no Ambito das insti- tuigdes ¢ das comunidades. Consideremos que seus trabalhos t8m o valor politico de, no inicio da década de 60, levantar uma discus silo inédita, no campo da Psicologia, como profissao ¢ cién- cia. Se agora é até possivel aponta-la como controvertida, resgatd-la em alguns aspectos ¢ critica-la em outros, é sinal de que esteve ¢ esta viva na nossa pritica concreta. No capitulo seguinte, apresentamos um outro autor: Georges Lapassade. Do angulo da psicossociologia — e até certo ponto distante da psicandlise — Lapassade formula iscurso sobre as instituigdes e, com isto, abre es- para uma pritica psicoldgica diversa junto a elas. Reu- \do recursos te6ricos que provém sobretudo da Sociolo~ gia, ele convida a um tipo de atuagao que tem sido as vezes efetivada ¢ também chamada (taivez inadvertidamente) de Psicologia Institucional. Ele proprio a denomina Andlise Institucional. 50 2 A andlise institucional de Georges Lapassade Referimo-nos, na abertura deste livro, 2 div teorias ¢ priticas com Psicologia nas instituigdes. Apresen- tamos no primeiro capitulo a proposta de J. Bleger, ¢ afirma- mos que apenas este autor se utiliza do termo Psicologia Institucional para dar nome 2 intervengao do psicélogo nes- se contexto, Esta foi, inclusive, a raziio pela qual 0 escolhe- mos para abrir a série das Psicologias Institucionais que vi- samos ora expor. Georges Lapassade nos permite prosseguir, situando mais uma contribuigio te6rica a prética da Psicologia em institui- Gio. Anilise Institucional é a denominagiio que ele mesmo dia essa forma de compreender e intervir em grupos ¢ orga- \cdes. Conforme se poderd notar, trata-se de um discurso dife- rente do de Bleger. Implica, portanto, uma proposta de agio também diferente. No Brasil, o pensamento de Lapassade passa a ser mais conhecido a partir de meados da década de 70. Coloca-se sempre como uma abordagem predominantemente sociol6- gicae politica ao trabalho institucional, muito embora tenha se originado da psicossociologia ou da psicolo; pos. Apresenta-se, portanto, como alternativa & abor« ica de Bleger lise institucional é trazida, no contexto deste livro, como a maneira singular de entender o que sio as relag6es nstituidas, bem como a forma de “trabalhé-las”, ou agit so- bre clas como psicélogo. Considerado um “Movimento”, teve sua origem na Franga, década de 60, com o préprio Lapassade e René Lourau (39). Parece adequado falar em moviniento de Andlise Institu- cional, visto que caminharam, sempre pari passu, tanto as intervengdes em instituigdes ou organizages quanto as teorizagdes a respeito. Proposta como um método para decifrar as relages que individuos ¢ grupos mantém com as instituig6es (40), a And- se Institucional tem suas rafzes tedricas na intersecgiio de diferentes disciplinas, como a Psicologia Social, a Sociolo- giac a Pedagogia. ‘Suas bases concretas encontram-se nas experiéneias da pedagogia institucional que, criticando uma pedagogia au- toritaria, procurou constituir uma outra que redimensionasse 0 espago, o tempo e a relagiio educador-educando; encon- tram-se ainda, essas bases, nas pritticas da psicoterapia institucional, esta apontando para uma agao sobre as instéin- cias institucionais que impedem a cura a que se propdem; encontram-se, por fim, na psicossociologia, compreendida como 0 estudo ¢ 0 trabalho com pequenos grupos. ‘A maioria dessas priticas tinha, em comum, algo que a Anillise Institucional retoma de maneira definitiva: a critica As instituigdes. E cla o faz, ndo a partir do questionamento de sua eficdcia, ou seja, no se discute sua fungZo ou desfungao porque se reconhece que, de certa forma, as insti- tuigées sempre cumprem sua “Fungo soci é (até quando aparentam ser ineficazes). Faz, sim, a contestagao da “natu- 52 mesma das instituigdes. Este movimento se propée, no dizer de Guilhon de Albuquerque (41), a ruptura da leal- dade institucional. Assim, o termo Andlise Institucional acaba por nomear, de um lado, uma determinada concepedo de 0 que seja a institui- do e uma teoria para sua andlise ¢, de outro, uma forma de intervengao que visa a transformé-la, provocando-a, revelan- do sua estrutura (42), subvertendo-a Teoria ¢ interveneaio, no entanto, estabeleceram-se sobre~ tudo a partir de experiéncias concretas ¢ de sua avaliago eri- tica. Sao freqiientemente denunciados, pelos préprios autores sucessos ¢ falhas ora atribuidas a situagdes circunstanciais como, por exemplo, a variedade de institui- ilisadas (o que dificulta uma constincia nas técnicas Utilizadas), ora attibufdas 2 andlise institucional em si como método. De forma talvez até coerente com sua proposta de provocar e revelar estruturas, este movimento néo se poupa. Coloca-se constantemente em cheque e, quando se revé, nao se confirma, Estas avaliagSes, entretanto, nfo anulam a importancia da proposta da Andlise Institucional. De um lado, pela forga que historicamente teve este movimento c, de outro, por se constituir, sobretudo, numa forma de andlise polftica da rea- lidade social ¢ institucional (o que tem muito a acrescentar Aqueles profi: igados a psicologia). Se as implicagdes priiticas dese modelo deixam a dese- Aqueles mesmos que o criaram e o efetivaram, isto no nos impede de conhecé-lo (até em suas criticas) para, inclu- sive, redimensionar tais erfticas a partir de nossa realidade social e profissional. No momento em que nos dispomos a entender esse mo- vimento, tomamos Lapassade, entre tantos, como objeto de estudo. Por qué? 53 Primeiro, porque Lapassade se encontra na origem do pensamento ¢ da prética da Andlise Institucional. Depois, porque seus trabalhos stio melhor divulgados entre nés. Além disso, é ele quem, de forma mais harmOnica e num discurso s acessivel, articula o nivel da intervencao ou da a em situagio, ao nivel do estudo, da pesquisa, da teoria— a Anilise Institucional em si. Por fim, porque ele 6, antes de tudo, um provocador: seus trabalhos, contrariamente aos demais, so sempre um convite ao pensar ¢ ao repensar; um convite ao tentai Escolhemos, como textos basicos para a elaboragaio des- le capitulo, Grupos, Organizagdes ¢ Instituigdes (43) e “EL encuentro institucional” (44). Neles o autor situa sua teoria sobre as instituigdes, os grupos ¢ as organizagées, buscan- do, via de regra, retomar as outras teorias a respeito e critica- las, O ponto de partida para a critica é a condigiio que estas teorias apresentam para que se questione o instituido, cons- tituinte da vida dos grupos no cotidiano, Com base nisto, Lapassade formula a proposta de intervengio por meio da aulogestio. Af configura o campo politico da Andlise Insti- tucional. Mais ainda: em meio a todo esse movimento do pensamento e da ago, questiona o que cle mesmo propoc, até ndo mais permitir que esta Andlise Institucional se sus- tente como proposta tedrica ¢ de atuagao. Vejamos, no decorrer dos subitens que se seguem, como isso se di. 2.1. Os trés niveis da realidade social A Anilise Institucional considera a realidade social como acontecendo em trés niveis: 0 do grupo, o da organizagio © 0 da instituigao. S4 Toda relagio social se faz, sempre, nos grupos. Estes, por sua vez, podem vir a configurar organizacdes € sio, ambos, sobredeterminados pelas instituigdes. O primeiro nivel é 0 clo grupo: & a base da vida cotidiana. Na escola, é a classe; no trabalho, € o escrit6rio ¢ a oficina: no resto da vida, a familia. Este nfvel j4 tem a marca da instituigdo nos horérios, nos ritmos de operagio, nas nor mas, nos objetivo é manter a ordem, organiza dugao, segundo Lapassade. temas de controle, nos estatutos ¢ papéis. Seu o aprendizado ¢ a pro- vivemos (d que prevé horas de entrada ¢ safda, formas de trabalho e de relagwio, respostas aceitas ¢ premiadas ou rejeitadas ¢ puni- das, vivemos cotidianamente o institufdo no contato face a face, na fala direta a outro elemento do mesmo grupo. Hi sempre, portanto, a mediatizagio da instituigiio no grupo. Ele é, inclusive por isso, o que Lapassade chama de um pri- meiro nivel institucional. Com base nessa compreensiio, podemos dizer, por exemplo, que o professor é 0 represen- tante do Estado na relagdo com os alunos O segundo nivel da realidade ou do sistema social 6 0 da organizacdo, com seus regimentos ¢ regulamentos: um tabele ino ou administrativo, uma fabr assim por diante. Agui ja existem normas juridicas fazendo igacao entre a sociedade civil e o Estado, E nesse segundo nivel que Lapassade situa a burocracia 1, determinados grupos encontram-se excluidos da elabo- ragiio e prescrigdo dos regimentos e das normas de conduta, gem que traduzem, sempre, as I 55 stado. E neste nivel que a diregaio dos estabelecimentos, como uma universidade, por exemplo, representa 0 poder central ¢ esta em relagao direta com ele. Oterceiro nivel é 0 do Estado, ainstituigio propriamente dita. 0 Estado, entendido como o conjunto de leis que re- gem a conduta social, quem criva a organizagiio ¢ 0 grupo. A instituigio E interessante notar que Lapassade, definit im o conceito é depurado, livrando-se daguilo que é, no senso comum, sua identificagao maior: a identificagio com a organizagiio, 0 estabelecimento, 0 equipamento. Lapassade atribui ao termo instituico um sentido especifi coc 0 distingue de organizagio, que seria uma forma singu- lar de instituigtio, Nesse nivel (organizagio), fala-se do equi- pamento, das con: s, do espago ffsico, do esta- belecimento ¢ do organograma (que distribui pessoas ¢ gru- ou hospital. |z0 como “o inconsciente de Freud ¢...) std presente nas agdes aparentemente menos significativas ¢ isso nao nos é dado a consciéncia. 56 E algo como uma forma geral das relagGes sociais. Em “El encuentro institucional” (46), Lapassade mos importancia da distingZo entre os dois conceitos (de institui 0 e organizacsio). Caso contratio, corte-se 0 risco de se estar fazendo uma andllise “organizacional” e nfo “institucional”. Cita, como exemplo, as préticas de Psicoterapia Institucio- nal do inicio da década de 40: os profissionais que faziam a ntervengwio chamavam de instituigao 0 estabelecimento em que dado com a instituiczo que oferecia certos cuidados”, mobi- Jizando seus servigos terapéuticos © pert rassem os doentes no interior mesmo das gdes mater das instituigdes, apenas modificando-as. , Devese ie alm es limites para poder pensar as instituigdes. No caso da loucura, por exemple, o isolamento, a separagao entre lou- cos € normais, a instituigo da doenca mental é que deve ser considerada a instituigdo, endo um hospital em particular. Este é apenas um dispositivo material para que a separagio se dé. Neste nivel se definira o objeto da andlise institucio- J. A andlise organizacional implicaria na andlise da situa- do de um hospital em particular. Os hospitais so as formas se particular istituigdo; cles a instrumentam. Da mesma mancira, poder-se-ia falar das instituigdes de ensino e do seu modo de produgio como instituigio. Nao as escolas ou as faibricas, mas aquilo que sobredetermina o tipo de relago pedagégica ou relagao de trabalho é que seria mado de instituigao. Nao se deve, entretanto, ignorar que essa sobredletermi- ” da instituigao nas formas Jo. Por isso Lapassade usa, ais vezes, 3 termos distintos, para significar 3 niveis da reali- 57 segundo e a instituicdo 0 terceiro). ‘No curso da conceituacho de instituigio, ainda, Lapassade ‘az uma distingio entre dois outros termos: institufdo e instituinte, O primeiro significa o que esta estabelecido; é 0 carter de fixidez e cristalizagdo das formas de relagio. O segundo significa o movimento de criagiio: ¢ a capacidade de inyentar novas formas de relagdo. institufdo, Lap: movimento da instituigao; € ele que garante, em tiltima ins- Lancia, a possibilidade de mudanga. No processo de institu- cionalizacdo, 0 instituinte acaba institufdo. Mas permanece sempre, ainda que sob controle, na condigao de retornar como o reprimido, numa analogia a Freud (47). Compreendendo a instituigdo como 0 que as funcionamento do grupo, Lapassade faz a critica do * da realidade social (48). Na teoria de Marx, como parte integrante das superestru turas, as instituigdes na so do que um reflexo ou uma forma secundaria (derivada) do modo de produgiio. O que Lapassade procura destacar € que as proprias relaces de produgiio sfo institufdas; que, como dissemos acima, 0 modo de produgao é uma instituigio. Ainda, L. Althusser faz uma distingdo entre a infra ea superestrutura, situando, naquela, as condigdes materiais © as relagdes econdmicas ¢ nesta, as instancias juridico-politi- cas. Tal distingZio nao permite perceber que a Escola — uma 58 producdo), politica (supde relagdes de poder ¢ esta vineula- da ao Estado) ¢ ideolégica (produz e veicula a ideologia do saber cientifico como saber neutro, bem como a da educa- 20 “neutra”). ‘Comeste raciocinio, Lapassade chama a atengaio para o fato de que no nivel da superestrutura de uma encontra € apenas o aspecto institucionalizado da institui- cio. Ba lei, 6 0 cédigo, é a regra escrita. E a constit (49). Para ele, no entanto, a instituigio vai além desses limites, para supor outros instituidos nao diretamente percebidos, como, a exemplo, a questo dos hordrios ¢ das rotinas dos grupos e das organizagoes. ma que a instituig’io nfo é “um nivel ou festacao da formagao social” (50), mas é a manei- mesma como a realidade social se organiza, sobredeterminada como esta pela mediagao do Estado. ‘Além disso, no marxismo, perde-se de vista o movimen- to do instituinte nas instituigdes. Enfatiza-se apenas o insti- tuido, ¢ como reflexo das relagdes econémicas. a Lapassade, quando se admitem os movimentos do instituido ¢ do instituinte, 0 conceito de instituigdo se ‘rans- forma e passa a ser um importante instrumento de andilise das contradigdes sociais (51). Esse esforgo de eliminagao de certas ambigiiidades do conceito é uma preocupagio central deste autor; isto para que se possam usar, com algum rigor, palavras ¢ termos que permitem definir com maior clareza 0 que € 0 objeto de in- tervengiio na Andlise Institucional Antes, porém, de nos determos na compreensio de 0 que soja este método de andlise, convém entender outros concei- tos presentes na formulacao lapassadiana do Sistema Soci- al. Por essa raziio, destacamos a seguir ideologia, Estado © burocracia. 59 2.3. Estado e Ideologia Lapassade considera 0 Estado a instituigao primeira, aque- la que legitima toda ¢ qualquer outra institui condigao de instrumento privilegiado das classes dominan- tes € alei e, por ela, a repressio. Até aqui nao ha qualquer novidade. Mas vai surgir quan- do Lapassade originalmente afirma que 0 que o Estado re- prime (€ 0 faz permanentemente) é 0 sentido daquilo que se © sentido da ago. Nao se trata aqui, necessariamente, repressio fisica ou policial. Acontece que a pritica de regramentos, é uma pratica que se aliena ¢ aliena os su- Jjeitos nela envolvidos. O impedimento exterior passa a ser jugado como se encontra em infinitas normas mo coletivo de repressiio, determinante do I, que € a ideologia. Assim, a ideolo- imples ignorancia das estruturas ¢ do jonamento da sociedade” por parte de seus membros, im, um “desconhecimento do sentido estrutural de seus atos, do que determina suas opcdes, suas preferéncias, rejei- des, opinides ¢ aspiragdes, pela ago do Estado, através das mediag6es institucionais que penetram em toda a socieda- de” (52). este um desconhecimento provocado pela repressiio social do sentido daquilo que fazemos, pensamos ou fala- 10s no cotidiano. E quem faz esta repressao do sentido € 0 Estado, a instituigéo por exceléncia que, controlando a edu- cagao, a informagiio e a cultura, nos grupos e nas relagdes face a face, instaura a autocensura e impede a “verdadeira comunicagio”. No momento em que Lapassade atribui este “controle ao Estado, denuncia a vertente mais radical ¢ ao mesmo tempo mais envolvente de seu pensamento, de sua claboragao tedrica, Ele diz. que, com isto, 0 Estado reprime a Revolugio. npo em que evita 0 ago" (53). Seu discurso sobre a Revolugio, como a libertagao da palavra social dos grupos, termina (ou comeca?) por propor a destruigio do Estado burgués. O Estado é a “cabega” da sociedade capitalista, ¢ segundo ele, quando esta for decapi- tada, deix: O caminho para isto, em sua concepgiio, nao € o golpe de Estado, mas sim a construgio de um novo sistema itucional, O Estado seria substitufdo por uma “socieda- de polimorfa”, uma sociedade revoluciondria, em que néo se permitiria a cristalizagao em instituigdes dominantes, nem a centralizagio do dominio. Lapassade coneretiza estas novas formas de vida social quando cita os clubes, as associagées, tudo 0 que permite a (0 coletiva (como, por exem- plo, as assembléias gerais permanentes). Estas sio as tuigoes da revoluciio. ‘A revolugio supée, portanto, nao apenas a destruigio do que existe, mas o esforgo instituinte de novas pautas para exercicio social; pautas estas que nao se transformardo em instituices acabadas. A regra que se exige cumprir parece ser, inclusive, a de impedir 0 enrijecimento das novas for- mas instituidas. Trata-se de uma revolugiio permanente, ge- rando insidncias que se articulem de tal forma que “a sobe- rania coletiva nfo se aliene em instituigdes que novamente se tornam aut6nomas” (54), ol Tal proposta prevé que os grupos se regulem, tenham suas normas. Mas que as tenham ndo voltadas para as exigéncias de instituigdes dominantes centralizadas no Estado e sim, para garantir sempre 0 movimento de continuar © possibilitando a criagao. As regras existem sim, mas para regular a nao alienagao no institutdo, Adverte ele, no entanto, sobre o risco de se criarem no- vas formas de repressiio social no seio da revolugao perma- nente: a contra-revolugao; é 0 refluxo, a “distorgao do sen- ido, no interior da ideologia revolucionaria, para transfor- mar um discurso verdadeiro sobre a sociedade em ideologia dominante” (55). (0 entre a forga instituinte ¢ o ins necessidade de luta e de ago dos grupos so juido nasce a 2.4. Burocracia e podei Na concepgiio de organizagiio da vida soc! la pelo ado, Lapassade atribui um lugar fundamental & buroc: Normal}mente, quando se falaem burocracia pensa-se em papéis, oficios, demoras e memorandos, Lapassade, no en- tanto, tem uma concepgao diferente. Vai além, situando a buroeracia, antes de tudo, como uma questdo politica: um certo tipo de relagiio de poder que atravessa toda a vida soci- al, desde as relagdes de produgao até o lazer, passando pelos partidos politicos, pela pesquisa cientifica e pela educagio. Nao se identifica apenas com o corpo administrative do Es- tado (como diria Marx), ou da empresa (como se costuma pensar). Mas existe onde quer que se separe a decisiio da execugiio, ¢ © pensar do fazer. Lapassade afirma, com isso, que a burocracia € a “orga- nizagio da separagao”. ‘Vejamos como se di essa separagio, nas diferentes tncias da vida social 62 As excursdes programadas pelas agéncias de viagen ropagandas que encorajam 0 consumo das diversdes ¢ do atureza” ou com temas de ‘descontragaio”, ao mesmo tempo em que popularizam o lazer, burocratizam-no. O “prazer” do turista é “planejado” © antes dele, pela agéncia. Orienta-se 0 que ele pode mirar”, em que ritmo como. Burocratizam-se também os trabalhos académicos, medida em que estes se organizam nas “panelas” que ratifi- cam 0 professor “realizado” e o “principiante”, ou & medida em que se baseiam “na recomendagao, no nepotismo, na admiragdio, na participagiio em fundos de pesquisa” (56). Até mesmo um certo tipo de pesquisa social evidencia esse trago de trabalho burocratizado: aquele empirista, em que o pro- cesso se caracteriza pela racionalizagao de cada fase do es- tudo, baseado como estd na estatfstica, em entrevistas fe~ chadas ¢ resultados computadorizados. Idealiza-se aqui 0 or metodolégico e submete-se, com isto, o préprio pensa- nto. Quanto aos partidos politicos, Lapassade afirma que eles se tornam tio organizados que os cleitos se excedem na autoridade sobre 0s eleitores, e os delegados sobre os que delegam. A organizagio do partido torna-se um fim em s ¢ “esquece-se 0 projeto inicial, para trabalh vimento do préprio partido. Tudo p: a sero lema, Passa-se a recrutar membros go, a fazer aliangas, a fortalecer, de todas orga 10" (57). Nas relages de trabalho, a burocratizagio se manifesta no controle da gestiio produtiva pela forma de trabalho m¢ ado, padronizado, sujeito A cronometragem ¢ d racionali- zagiio das normas, Todos os movimentos do homem que pro- duz (0 operario) sao decididos, normatizados ¢ controlados a partir (¢em fungi) do exterior. A mesma alicnagdo vai se dar m no desenvol- do: tal passa pre- maneiras, a 63 nos trabalhos em escritério, enquanto existem divisiio ¢ espe cializagaio cada vez maiores e enquanto se limitam a tarefas repetitivas padronizadas, mecanizadas e, da mesma forma, a0 grupo de trabalho que exccuta a tarefa. Na educagdo, otrago burocritico se apresenta basicamente a resisténcia a que os alunos assumam 0 processo como doles. Bste parece ser do dominio dos educadores, nas suas hierarquico. Para o professor, de um lado, fica a impressiio de que decide a respeito dos contetidos ¢ normas ¢, de outro, 0 “lugar” de-representante do stato. & "da compen do aluno (¢ esperado dele), seguir normas e assimilar con- tetidos. E, do conformismo (que € também uma forma de resisténcia) ao conflito (que é seu contraponto), constitui-se © campo de luta possivel para a transformagdo desse (des)equilibrio de forgas. nessa discussao sobre a burocratizagdo da pedagogia edo trabatho que Lapassade denuncia com mais clareza 0 que, para cle, 6 0 trago definidor da burocracia: uma forma de organizagao do poder, em que hd uma alienagao da con- e grupos (ou dirigentes) que, embora em relacio, ndo alinham seu esses aos dos grupos ou individuos executores. A relagio burocratizada 6, pois, uma relagio entre desi- guais quanto ao poder para definir 0 gue deve ser feito & ambém o como deve ser feito. Essa desigualdade ew alienagao, que € seu corolitio, sto de alguma forma representadas, internalizadas as. Por ade afirma: o4 sem que ou seja consultado” (58). Na quase totalidade das vezes, entretanto, sequer esta impressiio de estar sendo lesado na sua capacidade de deci- io chega & consciéncia do sujeito. E 0 fechamento do ciclo desigualdade/poder decistio/alienagao. ‘Apresentada, portanto, como a organizagio da separagiio, a burocracia, em Lapassade, sai do Ambito das organizag6es econ6micas © politicas, para significar a organizagdo, no poder, que “penetra todos os poros da existéncia social”.(59) Com raizes no modo de produgio, a burocracia extrapol 0s limites do capitalismo, atingindo toda ¢ qualquer organiza- cio da produgiio em que determinados grupos (ou cl stinguem-se dos demais, para fazer 0 controle da politica, da educagio, da informagio e da economia, entre outros. Compreendendo desta forma a burocracia, Lapassade detém-sc, num certo momento, a conjeturar sobre o destino do mundo: seria ele o da burocratizacao, ou de alguma outra forma de organizagao social? Se Hegel esta certo, o cami- nho é da burocratizaciio generalizada © progressiva, por- que a organizagiio é a Razao, Se é Marx quem esté correto, cla sera dialeticamente superada, porque a organizago é a Desraziio. Lapassade se pergunta, cntao, sobre a significa- Zio de um sistema niio burocratico, sobre como imaginé-lo. E afirma que a questo continua em aberto. Parece interessante, no entanto, destacar como todo 0 curso de seu pensamento aponta para a definicao de uma “burocracia tradicional”, mas acena com a possibilidade de uma neo-burocracia (“mais flexivel e capaz de presidir mudanga”) com jovens dirigentes, 0 que permitira, em seu sei, 0 movimento autogestionario organizativo das bases. Isto porque con: alizvel 0 sonho da burocraci 65 que se recusem & transformagio e que se “preservem em seu ser” (60). inacabado estara, sempre, presente, de forma mais ou menos implicita, nos diferentes tipos de poder paralelo, de ito, de aio criador “de novas normas que definem no- vos estados, considerados como relatives © como su: veis de evolugio”. Procisamos hoje em dia, a0 mes: importincia ea relativa au das empresas e das Lapassade no chega, entretanto, a negar que em determina- do momento da Histéria ¢, especialmente, no momento atu- al cm paises do Terceiro Mundo, o instituido e a ordem bu- rocratica mostram-se em toda sua forga e vigor. E nessa si- tuagao que se expressam aquelas que sio as caracterfsticas fundamentais da burocracia tradicional. Lapassade assim as descreve: 1. A burocracia nao € uma “doenga”, um mau funciona mento ou um desfuncionamento de uma gestiio; ¢ 0 conflito nao é uma desordem na auto-regulagio do corpo social (mo- dclo bioldgico de compreensio do social). Pelo contrario, uma forma determinada de estruturagdo das relagées de poder 2. “A burocratizagio implica uma alienagiio das pessoas nos papéis e dos papéis no aparelho” (62), isto porque os papéis sdo sempre previstos ¢ distribuidos de maneira im- hando sentido apenas em fungiio da organiza- 66 ¢40 para a qual forem definidos, “O universo buroeritico & ;mpessoal” (63). 3. As decis6es siio sempre tomadas por instancias anéni- mas, desconhecidas. 4. As comunicagées dilo-se, via de regra, num sentido apenas — de cima para baixo —e o retorno nao é esperado, recebido ou efetivado; os porta-vozes da base podem até existir, mas nfo so ouvidos; suas mensagens sao “empana- das”; no existem canais para tanto, . A estrutura de poder em dois andares alimenta-se na ideologia do saber ¢ apéia-se numa pedagogia diretiva na citpula, esto os que sabem; na base, os que ignoram, para se atingir o saber tem-se que passar pelo “batismo bu- rocratico”. Ou seja, serdo “ensinados para que amadurecam”, ca condigao de aprendizagem exige que se iniciem nos pro- cedimentos da burocracia, que se coloquem no lugar de quem nio sabe. A desigualdade é assim perpetuada. Este “esforco pedagégico” vai formar nos grupos, cada vez mais, indivi- duos heterénomos, “armados, segundo Riesman, de um ra- dar para se adaptar e se conduzir no terreno social” (64). 6. Com isso, desenvolve-se 0 conformismo, preserva-se a de iniciativa c ratifica-se a separacio nos dois niveis da organizagao burocratica. 7. Os individuos ¢ os grupos heterdnomos, voltados para © cumprimento de normas estabelecidas de fora, a pedago- gia da hetetonomia, bem como as caracteristicas até agora apresentadas, contribuem para que a autonomia seja, na la se torna no um meio dade, a da propria organizagio. para que um fim seja atingido (como, por exemplo, a educa- iio de um grupo de criangas), mas sim, um fim em si mes mo. Hé um deslocamento de objetivos. Com isso, a fidelida- de dos membros ¢ grupos A organizagio acaba sendo uma exigéncia para que se tenham satisfagdes ¢ valores propri- 08"; uma exigéncia que acaba sendo “percebida” como do 67 sujeito: ele se sente pertencendo ao conjunto, quando se tor- na usuario do discurso ¢ das atitudes desenvolvidas no inte- rior da burocraci 8. A burocracia supde, portanto, continuamente, a re téncia & mudanga; mesmo quando certas estruturas oui for- mas de funcionamento se mostram inadequadas. Assimila- se mais do que se busca modificar. Ha aqui, uma recusa do tempo, da histéria, uma rigidez ideolégica, uma reagao 2 crf tica c & novidade, oposicao e conflito. 9. Assim, a burocracia é a fonte do comportamento desyiante © dos grupos fragmentarios ou informais. Toda qualquer forma de organizagiio que nao “pertenea” a esta, que nao comungue de seus “vicios” basicos, sera percebida como excluida, como banida. E, no término desse processo, a fragdo ndo chega a ser sequer uma frago do grupo; trans- forma-se num grupo exterior, num corpo estranho A organi- ico. Formam-se subunidades, isto ¢, subgrupos que aca- bam por se dedicar a objetivos particulare: 10. Por fim, hi que se destacar, na burocracia tradicional, ‘© movimento dos que se servem da organizacdo para confi- gurar uma “earreira” que brota da fungao ou do papel ocu- de todas as ndo ali, pa , subir, fazendo concessdes aq ‘obter uma boa posigio. Citadas essas dez caracteristicas, podemos dizer que 6 a se logica. A insergio dos sujcitos ¢ dos subgrupos nos procedi- mentos buroeraiticos é a via preferente para que o coti seja a singularizagao das instituigdes sociais. E a maneira privilegiada de os grupos e sujeitos submeterem-se a sobre- do presente capitulo). Viver a ordem burocritic: dimensio oculta e, portanto, determinante do que se da no 68 fvel dos grupos ¢ das organizagdes. A insergdo nesta or- dem e a fidelidade a ela sto a maneira pela qual se da a conformagiio ao Estado ¢ suas leis De uma forma ou de outra, as condigées burocratizadas de vida e de trabalho so a alienagao primeira, que faz com que necessidade absoluta, o que é necessidade de um determinada organizacao social, politica e econé mica. A burocracia é, portanto, o ritual de inieiago no univer so institucional. 2.5. A Andlise Institucional E com vistas A suspensio das instituigdes dominantes (en- quanto dominantes), “provocando” as relagdes de poder ri- gidas ¢ hicrarquizadas, que Lapassade propde a Andlise Ins titucional E portanto, com vistas ao rompimento do ciclo burocrati- co que ela se define. Nao sera facil, no entanto, aprescntar de forma didética e compreensiva ao leitor como Lapassade define Andlise Institucional. Seu pensamento muda muito, em fung&o da sua prética ¢ do momento histérico em que se escreve, jo, uma breve colocagiio a respeito dessas mudan- gas. Ao que parece, no decorrer da déeada de 60, Lapassade anuncia a importancia de tal tipo de trabalho para que se transforme a natureza mesma das instituigdes sociais. A re~ belidio de 1968 na Franga parece, entretanto, ter-Ihe mostra- do as limitagdes do método. E Lapassade, com a mesma for a.com que 0 propde, desacredita-o. Nem sempre fica claro, ho cntanto, se sua critica, nessa hora, atinge a Anilise Ins tucional como um todo ow a forma como vinha sendo levada (os seminarios de Formagio nas Universidades). Tudo in- 09 dica que @ explicitagao da dimensao institucional oculta nas agdes cotidianas, a seu ver, deva acontecer (é a finalidade iitima da andlise). Mas a Andlise Institucional, ral como a pensavam até enido seus criadores € os que participavam do movimento como técnicos-analistas, ndo se mostrava mais 0 instrumento adequado. importante, no entanto, esclarecer que Lapassade revé a Andlise Institucional como pratica ¢ nao como teorizagdo (que aqui apresentamos) sobre a burocracia: os trés niveis de realidade social, 0 conceito de instituicdo de Estado e de Ideologia. Estes permanecem. Ele questiona 0 alcance de transformagiio que 0 método de Andliise Institucional possa ter nesse sentido, Os escritos de 1973 trazem Lapassade fazendo interven- ges S6cio-analiticas novamente. Quase nao usa mais o ter~ mo anéilise institucional, exceto como andlise institucional em situagao, & modifi do analista. Agora, como 0 detonador da andlise. Tem-se 2 impressiio de que @ critica, feita anos antes, com relagio ao papel do técnico-analista ndio se mantém: este profissional pode continuar existindo, desde que reformule os meios para a andlise, ¢ desde que nao cric vinculos de dependéncia; deve ao contrario desencadear, com forga, a incisio, um pro- cesso que 0 dia-a-dia dos grupos em organizagoes se encar- regardo de prosseguir, fazer ou recriar, ‘Além disso, na nudanca da proposta observa-se tam- bém uma oscilagdo do referencial tedrico: logo apés 68, andlise sociolégica e politica do papel do analista é 0 ponto de partida das criticas de Lapassade; um ou dois anos de- pois, resgata a compreensdo psicanalitica das relagdes insti- tuidas ¢ do possivel lugar do analista; dois ou trés anos mais. revé a andlise concebida desta forma ea redimensiona com base na teoria das técnicas da psicologia existencial- 70 jumanista ¢ da bioenergética (a via de libertagiio das amar- ras institucionais no sera a palavra, mas 0 corpo). Em meio a toda esta variagio, para que se possa dar a conhecer ao Ieitor a andlise institucional de Lapassade com um minimo de continuidade, apresentaremos scus textos na ordem quase inversa do tempo em que foram escritos. Parti- mos do Chaves. . (1971) ¢ do “El encuentro institucional (1973), para chegar ao “Prélogo a 23 edigio” de Grupos, Organizagbes ¢ lnstituigdes (1970). Esta é uma linearidade meramente formal, construida da nossa perspectiva como estudiosos de Lapassade, visando a facilitar a compreensio do conccito. nte, no entanto, reafirmar que isto em nada cor- esmo do pensamento e da priitica respon Japassadiana. ‘Tanto quanto possivel, tentar-se-é retornar a esse movi- mento. Convida-se assim, o leitor, ao tortuoso caminho desta linearidade forjada... Refaz-se 0 convile, para que nao se prenda ala, a fim de que nao perea a riqueza das contribui- des de Lapassade. 2.5.1.A andlise institucional eo ‘stado Em Chaves da Sociologia (1971), Lapassade det nstitucional como um método de andlise da te: |, bem como wm método de intervencao. Enquanto método de andlise, aa stitucion forme dissemos anteriormente, redefine o conceito de insti- wiciio, afastando-se, até certo ponte, da teoria marxista clis- sica. Com isso, permite compreender o que se passa nos gru- pos € nas organizag6es como sobredeterminado pelas insti- tuigdes de uma sociedade. Permite compreender a experién- mW m sistema a cotidiana como estando aprisionada 1 stitucional inquanto intervengdo, prop&e-se ser a condigdio concre- 1 para que se revele a determinagio institucional, oculta pela repressao do sentido ¢ pelo encobrimento ideoldgico. Pro- yocando © grupo a falar e atuuar, promove-se @ andilise em situacio ¢ desvendam-se as instituigdes determinantes do discurso e da agio grupal. ‘Como se pode notar, ao definir Andlise Tr 1971 (em Chaves da Sociologia), Lapassa tos dos pressupostos sobre organizagao social que desenvol- ye em 1970 no “Prdlogo A 2 edigio” de Grupos, Organiza- oes ¢ Institwigées. Ele considera a sobredeterminagio do que se passa nos grupos, a redefinigao do conceito de insti- twig, a repressio do sentido e 0 envolvimento ideolégico. E € sobre isto que se dard a intervengaio ou ago do analista nstitucional Lapassade afirma, em 1970, que “ha uma dimensfio ocul- ta, ndo analisada e, portanto, determinante”, nos grupos: a dimensio institucional. A ani i jonal é o método que “visa a revelar nos grupos, esse nivel oculto de sua vida ede scu funcionamento” (65). Com isso, 0 que a andlise institucional faz é chegar ao Estado que criva 0 cotidiano das instituigées. Mas 0 Estado a que se chega é o Estado de Classes. Assim, a andlise stitucional, uma vez. efetiva, atingira, em questao das relagdes sociais de cl Lembramos que a repressio do sentido acontece nos gru- pos, para que neles se cale a possibilidade de revolugiio © que © simbolo da revolugo ¢ 0 rei decapitado, porque se lizador do Estado. em principio, € esse caminho Estado no fazer didrio dos ¢ institucion para destacar a presenga desse 72 grupos ¢ das organizagses. Esta é a cia que se quer desvendar. E, no entanto, sobretudo nesse momento — ainda sob o feito do fervilhar dos movimentos sociais de 1968 na Fran- — que Lapassade menciona o Estado como alyo da At lise Tastitucional. Em outras ocasides, especialmente nos tra bal as que mais ci mento, os partidos politicos, a Igreja entre outros. To en- tanto, que permanece como objetivo da unillise institucional a revelagao da presenga da as colocacdes sobre o fim tiltimo da nstitucional, outras nos parecem também significativas ¢ a clas nos dedicamos a partir de agor: ituigdo por excel 2.5.2. Andlise Institucional x Andlise Organizacional Em Chaves da Sociologia (1971), Lapassade estabelece uma diferenciagao entre a andlise institucional © a organizacional, Embora no primeiro caso seja 0 grupo, tal como se configura nas organizagées, o lugar da intervengio, deve-se, no trabalho com ele, colocar em questiio sua di mensio institucional e no, buscar a reorganizagiio ou a re- cuperagdo da buroera: A andlise organizacional parece calcada numa concep- g cas, “Tem, muito freqiientemente, a tendéncia a trata presa como uma ilhota social ¢ cultural, com suas Ie elagdes € i de recuperagao da estrutura é apenas ur so sutil, pas- 73 abalho nega sua fina ima, que 60 de explicitar 0 quanto as relagdes que se criam na empresa sofrem um corte transversal de outras instituigSes, sobretudo do Estado. Deixa-se de lado todo o movimento histérico que perpassa 0 conjunto das relagdes instituidas e, com ele, 0 interjogo da contradigao no “interior” de uma dada organi- agiio (como uma empresa, uma escola, um hospital). Para Lapassade, “o sentido das organizagGes ¢ dos gru- pos é sempre externo a cles; esté na histéria, no modo de produgiio ¢ na formagao social em que csta organizagiio é constituida” (67). Por essa razio, ele propée a andl nstitucional como um instrumento de an: Ges sociais, enquanto, como dissemos, revela a oculta do que se passa nos grupos. Ele enfatiza que esse “aspecto oculto nada tem de misteri- oso ou metafisico”. E 0 que niio se sabe; ¢ 0 néio saber é deter- minado pelo lugar que se ocupa na produgio € nas relagdes de classe. Desse lugar, 0 que € conhecido s6 0 é da perspectiva que esse lugar permite e, jamais, da perspectiva de quem esta acima da estrutura e coma “visio do todo”. Assim, pela posi- Gio que se ocupa no modo de produgio, pela classe a que se pertence, tem-se determinada possibilidade de “saber" sobre Co que se passa nas relagées. E isso é verdadeiro até para aque- les que ocupam lugares privilegiados na ordem das coisas. Hi, Sempre, e para todos, uma regido de “ndo-saber”. Desenvolvendo este raciocinio em Chaves da Sociolo- gia, Lapassade requinta o seu entender sobre o que é objeto de analise nos grupos. Ele afirma que o que é analisivel 6, exatamente, a “relagdo com o nio-saber wstitucional assume por objetivo o fazer surgir na sua a (1 expressfio dos atores), 0 0c negitivo de tod pecto di 74 lise institucional é “provocar™ (suscitar) a ‘-la audivel, de tal maneira que esses “atores jante de si “o negativo da imagem que formam de si mesmos e da sociedade” (68). Aquilo que no se sabe, uma vez defrontado, faz. mover a pratica social. Fica cada vez mais definida, entdo, a diferenga entre a zacional. Sio méto- mo, diversas. Julgamos oportuno trazer a luz tais diferenciagses, coi derando-se a utilizagtio cada vez mais freqiiente da Andlise Organizacional por profissionais de Psicologia, dizendo-se fazer Andlise Institucional. 2.5.3. As vias de Andlise: palavra x agdo Além das questdes relativas & definigio da Andlise Insti- tucional, de seu objeto ¢ de seu Ambito, existem outras ain- da, trazidas por Lapassade — sempre em fungito da reflexiio que ele faz sobre sua pratica. Por isso, em geral, conflitivas. ‘Uma delas, a que nos interessa mais de perto no momen- to, pelo lugar central que ocupa no movimento da Anilise Institucional, é a questao das “vias” de andlise, ou seja, das téenicas mesmas pelas quais se procede a na palavra, visando inclusive a libertagiio da palavra social Quando, entretanto, }é-se “EI encuentro institucional (1973), essa dirego nao se mantém. Embora permaneca como “norte” a revelagao do oculto (institucional) e, como cont ago do instituido, a autogesto dos grupos, Lapassade revé a maneira de se atingir isto. Propoe 75 autilizagao de técnicas originadas da Bionergética ¢ da Psi- cologia do Potencial Humano, em oposigao ao que ele passa a chamar Socioandllise, bascada no discurso, na linguagem. A Socioaniilise, segundo ele, 86 romperii com a cultura © estabelecera a novidade.c a possibilidade de tansformagao quando se utilizar do trabalho com 0 corpo, quando se utili- zar do grito, dos momentos criticos de transe, da terapia de ataque & exacerbagdio das emogSes, os elementos da gestalt- terapia c da bioenergia. Assim, ela provoca a autogestdo em ato naio s6 em palavras; uma ago politica, de fato. Assim, cla € mais “ativa”, mais subversiva. E 0 rompimento neste cl 6 0 verdadeiro rompimento, para Lapassade. E a con- digo de andlise das “amatras institucionais”, ao mesmo tem- po em que se da sua efetiva negagao. Note-se, inclusive, que 0 autor, nesta 973, jaqu nao fala cm Andlise Institucional. Prefere 0 termo Socio- anilise, definido como andlise institucional em situagao, mais especificamente, como um enconiro institucional (con- forme se esclarecera adiante). Lapassade retoma nesta redefinigaio da técnica, os grupos de encontro de Rogers (com maratonas e happenings). Como uma forma de intervengio, originalmente concebida para promoyer mudangas individuais ¢ grupais, passa a ser pen- sada como uma forga de intervengdio que possibilita mudan- Gas na organizagio e na instituigio. Para isso, € necessiirio econsiderar os grupos de encontro da perspectiva teérica que formula a relagio entre organizagio e instituigio. E ne- cessario ainda, fazer, o enxerto a estas técnicas de trabalho corporal. Conservando, portanto, os fins tiltimos da socioanilise, transformam-se as vias de acesso, tendo em vista um romy mento que se dé pelo impacto ¢ pela provocagiio, $6 assim se reverte a apatia, a inatividade e a desisténcia que, segun- 76 é ituigdes no momento histéri- co em que escreve sobre isto (década de 70). Ha alguns anos (provavelmente a década de 60), as caracterfsticas do movi- mento social eram outras ¢, portanto, as técnicas podiam ser outras também. Agora nao. Para quebrar o “fazer nada”, 56 por meio de um “fazer direto, breve ¢ ruidoso”. Afirma, ento, categoricament “Que fazemos? Crise-andlise. Instituimos, no tempo breve (teés dias 20 ritmo de ‘maratonas) de uma intervengio, uma crise na organizagiio-cliente s que logo cles poderiio apropriar-se da anélise © f-la, Este 6 0 aspecto didatico de nossas yemos, exatamente, como 6 descncadead , profissionais), s ta, ou ainda mbém se questi ituigzio Polo eque os aboradas sobretudo para conduzir grupos, como se vé nos grupos de encontro, de gestalt © de bioenergia. Em socioanilise, a0 contrério, com muita permanece-so na compasigio, pratica'se como diz iva institucional” (42), R. Hen, di Os recursos as técnicas corporais ¢ de grupos de encon- tro, bem como a durago breve (maratonas de 7 na), retiram da intervengao a idéi de mudant progressiva e de longa duragao. A “andlise” portanto, transforma-se num ‘encontro” institucional e, como intervengao, Lapassade Ihe atribui o mesmo sentido de remeximento das instituigdes, como se 0 se Ou uM encontro nao alte- rasse as condigGes de possibilidade, a natureza ¢ a intensi- dade da mudanga provocada, jo, que no “encontro” o lugar do sta 6 0 de “provocador” de um processo que, pretende- Se, seja tomado nas miios pelos atores institucionais, finda a intervengo. Daf, como afirma Lapassade, o seu carter datico. Se ele € 6 detonador da mudanga, a hipétese é a de que a anidlise seja uma ago do grupo sobre si mesmo (¢ especialmente) na auséneia do analista 2.5.4. A eritica ao movimento e ao conceito de Andlise Institucional Como vimos, no texto de “El encuentro institucional” (1973), Lapassade critica a questio da técnica, ou melhor, qual vinha se dando a andlise No “Prologo & 2 edigdo” de Grupos, Organi- cacdes ¢ Instituigdes (1970), no entanto, acontece, surpre: endentemente, no mesmo texto em que se define o conceito, a mais cristalina “derrubada” da anélise institucional, por seu criador. Isto causa surpresa até porque a “derrubada” & proposta de “Encontro”, 0 que sugere que Lapassade, em medida, reconsiderou o destino aque langa institucional em 1970. Em 1970, numa revisao erftica do movimento de 1968 na Franga, Lapassade contrapde a andlise institucional (tal como 78 desenvolvida nos Semindrios de Formagio nas universida- stas ou técnicos) a ago direta dos grupos cuja palavra social é reprimida. E esta agfio que ise. E ela que transforma. E ela a pratica subversiva. Hi, fundamentalmente, aqui, o questionamento de um tipo de pratica em que os técnicos se colocam como preceptores da mudanga, repetindo, muitas vezes, a relagiio de poder que condenam, ou que se propdem terminar. Hi, também, o ando entendida como ‘azer pela palavra’ artificial” de grupos monitorados por esses tenicos. Ela ndo teria a forga trans- formadora da agdo que € diretamente pensada e executada pelos grupos a quem as decisdes siio imped Embora ndo fique claro neste “Prologo...” parece, entretan- to, que o que cle critica é a experiéneia socioanalftica ou de andlise institucional por meio dos chamados Seminario de Formagiio em que 0 sociélogo ou psicdlogo denunciava a traigaio dos dirigentes” ou apontava para os “defeitos buro- craticos da instituigao” (69). Se chamamos de andl: (0 trabalho no plano daautogestao (ou seja, da aproximacio entre 0 decidir ¢ 0 executar, o pensar ¢ 0 fazer, num mesmo grupo) hi, também ao que parece, 0 que resga- far nesse movimento. Mesmo assim, permanece a crit artificialidade desses trabalhos, no caso de a autogestao 3 a tecer pela ago liberadora primeira do analista, determinan- do, com sua presenga, a “condigio de possibilidade” da autogestio. Essa critica encontra-se forte ¢ “calorosamente” coloca- da pelo autor em alguns trechos de seu discurso. Vamos re- Jos, para que 0 leitor se coloque em contato com jusGes quanto as possibilidades de els 0 que se tomou e' 79 Jo que pensdvamos preparar c al veio de outta ps jos, nos guetas dos yossos colegas que a ids como uma aberrag’o — até o dia em que c vel de um poder que as Quando os esta: ‘Algumas tentativas experimentais (...) dos Semindrios de ‘ormagiio ¢ das intervengbes socio: Redescobrimos ¢ experimentamos o que signi nguagem buroertiea, da consulta ou da cle para Lapassade, entio, a alternativa possivel de r sentido do que acontece no cotidiano. tomada do 80 2.6. Kis um livro ambiguo.. Ecomesta frase que Lapassade inicia o ultimo pardgrafo do “Prélogo A 2% edigaio” de Grupos, Organizagées e Insti- tuigdes. Considerando aniilise institucional que, num es- forgo de clareza tusconos apresentar neste capitulo, consi- derando © movimento de seu pensamento, bem como as la- unas que permanecem a um Ieitor atento de scus trabalhos ¢ a um profissional que procura em suas idéias respaldo ocasitio de reflexao, poderfamos dizer que o que ele chama de ambigitidade, estende-se nilo apenas ao livro em questio, a0 conjunto de seu discurso, aos tés trabalhos que aqui izamos para compreender a andlise institucional, Lapassade, o politico-anarquista do “Prélogo a 28 edi- Gao” que propde a decapitagao do rei, a destruigiio das insti- (uicdes dominantes, a autogestéio e o emparelhamento entre © decidir ¢ o executar, parece ter pouco a ver com o autor ja no mesmo livro. Parece, ainda, ter pouco a ver com o analista que assina 0 capitulo sobre nstitucional no Chaves da Sociolo- gia, falando sobre 0 “negativo e © positivo” nos grupos, © sobre o cariter “fantastico” do desconhecimento das deter- minagoes institucior Parece, finalmente, ter pouco a ver com aquele que propde a“revolugaio do semtido” p tacao do corpo, no “El encuentro institucional”, ‘Causa surpresa ¢ sensagao de insuficiéneia, pereeber que depois de sua formulagio sobre os trés niveis den social, sobre burocracia ¢ autogestzo, Lapassade at uma maratona de fi 1 0 papel de promove se € a transformacio, Parece-nos que atribuir a crise-anali- se, tal como a propée, a ordem institucional ¢ soci mo, uma questio de fé... 81 Em nenhum momento, no entanto, deixa de ser desafia- dor € apaixonante 6 contato com seus trabalhos Entre o anarquistae o analista, Lapassade nos confunde. ‘Talvez esteja aqui o grande valor de se conhecerem suas idéias. 82 3 A andlise das instituigdes concretas de Guilhon Albuquerque ges, espe: igo idtricas. 0 pensamento de Michel Foucault ganhou espaco entre nds, deli- neando a concepgao de Joucura como produzida pela maneira mesma como a sociedade lidava com aqueles que, pelo no reconhecimento de valores ¢ normas sociais, significavam uma. ameaga & ordem institufda, Naquele momento, José Augusto Guilhon Albuquerque, socidlogo ¢ professor de Ciéneia e Politica na Universidade de ‘So Paulo, destacou-se por sua forma especial de pensar a ques- Zo, Entre suas intimeras publicagdes destacamos duas, veram repercussao: Metdforas ca Desordem (73) ¢ Instituigdio ¢ Poder (74) m Meidforas da Desordem, partindo do tema da institui- 40 da loucura, Guilhon propée os “Elementos para uma andli- se da pritica institucional” — texto este que serve de base para ste capitulo. Af encontram-se: a) adefinicio de instituig20, como conjunto de priticas soci- ais, configuradas na apropriagaio de um determinacio obje- to, um determinado tipo de relagao social sobre 0 qual rei- vindica 0 monopélio, no limite com outras praticas; 83

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