You are on page 1of 19
7 Cultura e Sociedade Por Marina de Andrade Marconi * Este capitulo explica, em termos sociolégicos e antropolégicos, 0 con- tetido e a estrutura da cultura. Apresenta: Diferentes conceitos de cultura, localizagao e esséncia da cultura Significado da cultura, mostrando como a capacidade cultural do homem pode levélo ao dominio e & manipulagao do meio ambiente, 3. Anélise da cultura material, imaterial, real e ideal, 4. Relativismo cultural, etnocentrismo, fungio e estrutura da cultura, facilitando a descrigao e andlise da'mesma, 5. Processos culturais, que possibilitam a compreenséo de como se for- ma, se estrutura e se difunde a cultura. 8. Importancia do contato entre individuos e sociedade na transmissao da cultura. yo 7.1 NATUREZA DA CULTURA A cultura, para os antropélogos em geral, constitui-se no “conceito bé- sico e central de sua ciéncia”, afirma Leslie A. White (In: Kahn, 1975:129). O termo cultura (colere, cultivar ou instruir; cultus, cultivo, instrugo) nao se restringe ao campo da antropologia. Varias dreas do saber humano — agronomia, biologia, artes, literatura, sociologia, histéria etc. — valem- se dele, embora seja outra a conotacao. Marina de Andrade Marconi & Doutora em Ciéncias ¢ Professora de Antropologia da Faculdade de Histéria, Direito e Servigo Social — UNESP — Campus de France, SP. 127 Muitas vezes, a palavra cultura é empregada para indicar 0 desenvol- vimento do individuo por meio da educagio, da instrugdo, Nesse caso, uma pessoa “culta” seria aquela que adquiriu dominio no campo intelec- tual ou artistico. Seria “‘inculta” a que nao obteve instrugdo. Os antropélogos nao empregam os termos culfo ou inculto, de uso popular, e nem fazem juizo de valor sobre esta ou aquela cultura, pois nao consideram uma superior 4 outra. Elas apenas sao diferentes a nivel de tecnologia ou integragdo de seus elementos. Todas as sociedades — rurais ou urbanas, simples ou complexas — possuem cultura. Nao ha individuo humano desprovido de cultura exceto o recém-nascido e o homo ferus; um, porque ainda nao sofreu o processo de endoculturagao, ¢ 0 outro, porque foi privado do convivio humano. Para os antropélogos, a cultura tem significado amplo: engloba os modos comuns ¢ aprendidos da vida, transmitidos pelos individuos e gru- pos, em sociedade. 7.1.1 Conceituagéo Desde o final do século passado os antropélogos vém elaborando int- meros conceitos sobre cultura. Apesar da cifra ter ultrapassado 160 defi- nigdes, ainda nao chegaram a um consenso sobre o significado exato do termo. Para alguns, cultura € comportamento aprendido; para outros, nao € comportamento, mas abstracéo do comportamento; e para um terceiro grupo, a cultura consiste em idéias. Hé os que consideram como cultura apenas os objetos imateriais, enquanto que outros, ao contrario, aquilo que se refere ao material. Mas também encontram-se estudiosos que entendem por cultura tanto as coisas materiais quanto as nao-materiais. Alguns conceitos, para melhor esclarecimento, serfio apresentados aqui, obedecendo a uma ordem cronolégica ¢ com as diferentes abordagens. Edward B. Tylor (1871) foi o primeiro a formular um conceito de cultura, em sua obra Cultura primitiva. Ele propés: “Cultura... € aquele todo complexo que inclui o conhecimento, as crengas, a arte, a moral, a lei, os costumes ¢ todos os outros hébitos e aptiddes adquiridos pelo ho- mem como membro da sociedade” (In: Kahn, 1975:29). O conceito de Tylor, que engloba todas as coisas e acontecimentos relativos ao homem, predominou no campo da antropologia durante varias décadas. Para Ralph Linton (1936), a cultura de qualquer sociedade “consiste na soma total de idéias, reagdes emocionais condicionadas a padrdes de comportamento habitual que seus membros adquiriram por meio da ins- trugdo ou imitagdo e de que todos, em maior ou menor grau, participam” (1959:316). Este autor atribui dois sentidos ao termo cultura: um, geral, 128 significando “a heranga social total da humanidade”; outro, especifico, re- ferindo-se a “uma determinada variante da heranga social”. Franz Boas (1938) define cultura como “‘a totalidade das reagdes e atividades mentais ¢ fisicas que caracterizam 0 comportamento dos indivi- duos que compéem um grupo social...” (1964:166). Malinowski (1944), em Uma teoria cientifica da cultura, conceitua cul- tura como “o todo global consistente de implementos e bens de consumo, de cartas constitucionais para os vérios agrupamentos sociais, de idéias ¢ oficios humanos, de crencas e costumes” (1962:43). © mais breve dos conceitos foi formulado por Herskovits (1948), em- bora este ndo seja o tnico: “a parte do ambiente feita pelo homem” (1963:31). Kroeber e Kluckhohn (1952), em Culture: a critical review of concepts and definitions, referem-se & cultura como “uma abstragao do comporta- mento concreto, mas em si prépria néo é comportamento”. Beals e Hoijer (1953) também sio partidérios da cultura como abs- tragdo. Afirmam eles: “a cultura é uma abstragdo do comportamento e nao deve ser confundida com os atos do comportamento ou com os artefa- tos materiais, tais como ferramentas, recipientes, obras de arte e demais instrumentos que o homem fabrica e utiliza” (1969:265 e seg.). Para Felix M. Keesing (1958), a cultura é “comportamento cultivado, ou seja, a totalidade da experiéncia adquirida e acumulada pelo homem ¢ transmitida socialmente, ou, ainda, o comportamento adquirido por apren- dizado social” (1961:49). Leslie A. White (1959), em O conceito de cultura (In: Kahn, 1975: 129 e seg.), faz diferenga entre comportamento e cultura. Para ele, é: © Comportamento — “quando coisas e acontecimentos dependentes de simbolizagdo séo considerados e interpretados face @ sua relacdo com organismos humanos, isto é, em um contexto somatico” — relative ao organismo humano; © Cultura — “quando coisas e acontecimentos dependentes de simboli- za¢éo sdo considerados e interpretados num contexto extra-somatico, isto 6, face & relaco que tém entre si, ao invés de com os organismos humanos” — independente do organismo humano. Dessa forma, comportamento pertence ao campo da Psicologia e cul- tura ao campo da Antropologia. Para White, esse conceito “livra a Antropologia Cultural das abstra- Ges intangiveis, imperceptiveis e ontologicamente irreais e proporciona-lhe uma disciplina verdadeira, s6lida e observavel”. 129 G. M. Foster (1962) descreve a cultura como “a forma comum e apren- dida da vida, compartilhada pelos membros de uma sociedade, constante da totalidade dos instrumentos, técnicas, instituigdes, atitudes, crengas, mo- tivagées e sistemas de valores conhecidos pelo grupo” (1964:21). Mais recentemente, Clifford Geertz (1973) propde: “a cultura deve ser vista como um conjunto de mecanismos de controle — planos, receitas, regras, instituigdes — para governar 0 comportamento”. Para ele, “meca- nismos de controle” consiste naquilo que G. H. Mead e outros chamaram de simbolos significantes, ou seja, “palavras, gestos, desenhos, sons musi- cais, objetos ou qualquer coisa que seja usada para impor um significado & experiéncia” (In: Geertz, 1973:37). Esses simbolos, correntes na socieda- de e transmitidos aos individuos — que fazem uso de alguns deles, enquan- to vivem —, “permanecem em circulagéo” mesmo apés a morte dessas pessoas, Pelo visto, o conceito de cultura varia no tempo, no espago e em sua esséncia. Tylor, Linton, Boas ¢ Malinowski consideram a cultura como idéias. Para Kroeber ¢ Kluckhohn, Beals e¢ Hoijer ela consiste em abstragdes do comportamento. Keesing e Foster a definem como comporta- mento aprendido. Leslie A. White apresenta outra abordagem: a cultura deve ser vista nfio como comportamento, mas em si mesma, ou seja, fora do organismo humano. Ele, Foster € outros englobam no conceito de cultu- ta os elementos materiais e nao-materiais da cultura. A colocagio de Geertz difere das anteriores, na medida em que propée a cultura como um “mecanismo de controle” do comportamento. Essas colocagGes divergentes, ao longo do tempo, permitem apreender a cultura como um todo, sob os vérios enfoques. A cruz, por exemplo, pode ser vista sob essas diferentes concepgdes: a) idéia — quando se formula a sua imagem na mente; b) abstragéo do comportamento — quando ela representa, na mente, um simbolo dos cristéos; ©) comportamento aprendide — quando, os catdlicos fazem o sinal da cruz; ) coisa extra-somética — quando é vista por si mesma, independente da aco, tanto material quanto imaterial; ©) mecanismo de controle — quando a Igreja a utiliza para afastar o de- ménio ou para obter a reveréncia dos fiéis. A cultura, portanto, pode ser analisada, ao mesmo tempo, sob varios enfoques: idéias (conhecimento e filosofia); crengas (religiio e supersticaio); valores (ideologia e moral); normas (costumes e leis); atitudes (preconcei- to e respeito ao préximo); padroes de conduta (monogamia, tabu); abstra- g40 do comportamento (simbolos e compromissos); instituigdes (familia e sistemas econémicos); técnicas (artes e habilidades) e artefatos (machado de pedra, telefone). 130 Os artefatos decorrem da técnica, mas a sua utilizagio é condicionada pela abstrago do comportamento. As instituigées ordenam os padrées de conduta, que decorrem de atitudes condicionadas em normas ¢ baseadas em valores determinados tanto pelas crengas quanto pelas idéias. 7.1.2 Localizag¢éo da Cultura As coisas e acontecimentos que constituem, a cultura, segundo Leslie A. White, encontram-se no espago e no tempo, e sao classificados em: a) “intraorganica — dentro de organismos humanos (conceitos, crengas, emogées, atitudes); 5) interorganica — dentro dos processos de interagdo social entre os seres humanos; ©) extra-organica — dentro de objetos materials (machados, fébricas, fer- rovias, vasos de ceramica) situados fora de organismos humanos, mas dentro dos padrées de interagao social entre eles”, Para esse autor, um item qualquer — conceito, crenga, ato, objeto — deve ser considerado um elemento da cultura, desde que: @) haja simbolizagfo (representacao por meio de simbolos); b) _seja analisado em um contexto extra-somético. 7.1.3. A Esséncia da Cultura A cultura, para os antropdlogos, de forma geral, consiste, como jé foi mencionado, em idéias, abstragSes e comportamento, Idéia, Séo concepces mentais de coisas concretas ou abstratas, ou seja, toda variedade de conhecimentos e crengas teolégicas, filoséficas, cientificas, tecnolégicas, histéricas e outras. Exemplo: linguas, arte, mitologia etc. Para alguns estudiosos, a cultura consiste em idéias, sendo, portanto, um fenémeno mental que exclui os objetos materiais e © comportamento observavel, Essa concepgio, segundo White, € “ingénua, pré-cientifica ¢ ultrapas- sada”. A cultura, na verdade, é constitufda de idéias, mas em parte; ati- tudes, atos evidentes e objetos também sao cultura. Abstragées. Consiste naquilo que se encontra apenas no dominio das idéias, da mente, excluindo-se totalmente as coisas materiais. Varios autores afirmam que a cilltura é uma abstragio ou consiste em abstragdes, ou seja, coisas e acontecimentos nao observaveis, nao palpd- veis, nao tocdveis. 131 Novamente, Leslie A. White discorda dessa colocagio. Para ele, abs- tragdo significa algo “imperceptivel, imponderével, intangivel... ontologi- camente irreal”, 0 que estaria fora 'do campo cientifico. Comportamento. Sio modos de ‘agir comuns a grupos humanos ou conjuntos de atitudes e reagdes dos individuos face ao meio social. Inémeros antropélogos consideram a cultura como comportamento aprendido, caracteristico dos membros de uma sociedade, uma vez que o comportamento instintivo é inerente aos animais em geral. Sob esse ponto de vista, os instintos, os reflexos inatos e outras formas de comportamento predeterminadas biologicamente devem ser exclufdos. Cultura resulta da invengdo social; € aprendida e transmitida por meio da aprendizagem e da comunicagao. Para White, os atos (acontecimentos) e os objetos (coisas) nfo sio comportamento humano, mas “uma concretizagio do comportamento hu- mano”. A cultura consiste, portanto, em uma série de coisas reais que po- dem ser observaveis, ser examinadas num contexto extra-somatico. Para ele, hé trés tipos de simbolados (significados): 1. idéias; 2. atos evidentes; 3. objetos materiais. 7.1.4 Relativismo Cultural A posicao cultural relativista tem como fundamento a idéia de que os individuos so condicionados a um modo de vida especifico e particular, por meio do processo de endoculturagao. Adquire, assim, seus préprios sistemas de valores e a sua propria integridade cultural. As culturas, de modo geral, diferem umas das outras em relago aos postulados bésicos, embora tenham caracterfsticas comuns. Toda a cultura € considerada como configuragdo saudavel para os in- dividuos que a praticam. Todos os povos formulam juizos em relagao aos modos de vida diferentes dos seus. Por isso, o relativismo cultural nao concorda com a idéia de normas e valores absolutos e defende o pressu- posto de que as avaliagdes devem ser sempre relativas a propria cultura onde surgem. Os padrdes ou valores de certo ou errado, dos usos e costumes, das sociedades em geral, esto relacionados com a cultura da qual fazem parte. Dessa maneira, um costume pode ser vélido em relacio a um ambiente cultural e ndo a outro e, mesmo, ser repudiado. Exemplo: no Brasil, come-se manteiga; na Africa, ela serve para untar © corpo. Pescogos longos (mulheres-girafas da Birmania), labios deforma- 132 dos (indigenas brasileiros), nariz furado (indianas), escarificagio facial (entre australianos), deformagGes cranianas (indios sul-americanos) séo va- lores culturais para essas sociedades. Esses tipos de adornos significam be- leza. O infanticidio e 0 gerontocidio, costumes praticados em algumas cul- turas (esquimés), séo totalmente rejeitados por outras. 7.1.5 Etnocentrismo © conceito de etnocentrismo acha-se intimamente relacionado ao de relativismo cultural. A posicao relativista liberta 0 individuo das perspec- tivas deturpadoras do etnocentrismo, que significa a supervalorizacio da propria cultura em detrimento das demais, Todos os individuos so porta- dores desse sentimento e a tendéncia na avaliacdo cultural é julgar as cul- turas segundo os moldes da sua propria. A ocorréncia da grande diversi- dade de culturas vem testemunhar que ha modos de vida bons para um grupo € que jamais serviriam para outro, Toda referéncia a povos primitivos e civilizados deve ser feita em termos de culturas diferentes e no na relagdo superior/inferior. O etnocentrismo pode ser manifestado no comportamento agressivo ou em atitudes de superioridade ¢ até de hostilidade. A discriminagao, o pro- selitismo, a violéncia, a agressividade verbal so outras formas de expres- sar © etnocentrismo. Entretanto, 0 etnocentrismo apresenta um aspecto positivo, ao ser agente de valorizacio do proprio grupo. Seus integrantes passam a consi- derar e aceitar 0 seu modo de vida como o melhor, o mais saudavel, o que favorece o bem-estar individual e a integragio social. 7.2 ESTRUTURA DA CULTURA Para analisar a cultura, alguns antrop6logos desenvolveram conceitos de tragos, complexos e padrées culturais. 7.2.1 Tragos Culturais Em geral, os antropélogos consideram os tragos culturais como os me- nores elementos que permitem a descricio da cultura, Referem-se, portan- to, & menor unidade ou componente significativo da cultura, que pode ser isolado no comportamento cultural. Embora os tragos sejam constituidos de partes menores, os itens, estes néo tém valor por si s6s. 133 Exemplo: uma caneta pode existir com um objetivo definido, mas 86 pode funcionar como unidade cultural em sua associagéo com a tinta, convertendo-se assim em um trago cultural. O mesmo ocorre com os éculos: precisa da associacgdo da lente com a armagdo; 0 arco ¢ a flecha (arma). Alguns tragos culturais so simples objetos, ou seja, cadeira, mesa, brinco, colar, machado, vestido, carro, habitagdo etc. Os tragos culturais ndo-materiais compreendem atitudes, comunicaco, habilidades. Exemplo: aperto de mio, beijo, oragdo, poesia, festa, técnica artesa- nal etc. Nem sempre a idéia de trago é facilmente identificdvel em uma cultu- ra, face A integrago, total ou parcial, de suas partes, Muitas vezes, fica diffcil saber quando uma “unidade minima identificdvel” pode ser consi- derada um trago ou um item. Exemplo: 0 feijéo, como prato alimenticio, € um trago cultural ma- terial; mas o feijao, como um dos ingredientes da feijoada, torna-se apenas um item dessa dieta brasileira. Os estudiosos da cultura, na verdade, estio mais preocupados com 0 significado e a maneira como os tragos se integram em uma cultura do que com o seu total acervo. © mesmo material, utilizado e organizado por pessoas pertencentes a duas sociedades diversas, pode chegar a resultados diferentes; vai depen- der da utilizago e da importancia ou do valor do objeto para cada uma dessas culturas. Exemplo: um artesio pode, com fibras de junco, confeccionar cadeiras (Brasil) ou casas (Iraque). Em cada cultura, portanto, devem-se cstudar ndo s6 os diferentes tra- 0s culturais encontrados, mas, principalmente, a relaco existente entre eles. “Todo elemento cultural (White In: Kahn, 1975:140-1) tem dois aspectos: subjetivo objetivo” (0 objeto em sie o seu significado). Atualmente, parece que os antropélogos tém preferido o termo ele- mento cultural, em substituigéo a trago cultural. Hoebel e Frost (1981:20 e seg.) definem elemento cultural como “a unidade reconhecidamente irre- dutivel de padrées de comportamento aprendido ou o produto material do mesmo”. 7.2.2 Complexos Culturais Complexos culturais consistem no conjunto de tragos ou num grupo de tragos associados, formando um todo funcional; ou ainda, um grupo de caracteristicas culturais interligadas, encontrado em uma 4rea cultural. 134 O complexo cultural é constituido, portanto, de um sistema interliga- do, interdependente e harmGnico, organizado em torno de um foco de in- teresse central. Cada cultura engloba um numero grande e varidvel de complexos in- ter-relacionados. Dessa maneira, 0 complexo cultural engloba todas as ati- vidades relacionadas com o trago cultural. Exemplo: o carnaval brasileiro, que reine um grupo de tragos ou ele- mentos relacionados entre si, ou seja, carros alegéricos, miisica, danga, ins- trumentos musicais, desfile, organizagao etc. A cultura do café, que abran- ge técnicas agricolas, instrumentos, meios de transporte, m4quinas. O com- plexo do fumo, entre sociedades tribais, envolvendo cultivo, produto, e os mais variados usos sociais e cerimoniais; 0 complexo do casamento, da tecelagem caseira etc. 7.2.3 Padrées Culturais Padrées culturais so, segundo Herskovits (1963:231), “os contornos adquiridos pelos elementos de uma cultura, as coincidéncias dos padroes individuais de conduta, manifestos pelos membros de uma sociedade, que dao ao modo de vida essa coeréncia, continuidade e forma diferenciada’ © padrao resulta do agrupamento de complexos culturais de um in- teresse ou tema central do qual derivam o seu significado. O padrao de comportamento consiste em uma norma comportamental, estabelecida pe- los membros de determinada cultura. Essa norma é relativamente homo- génea, aceita pela sociedade, ¢ reflete as maneiras de pensar, de agir e de sentir do grupo, assim como os objetos materiais correlatos. Herskovits aponta dois significados nos padres, que embora parecam contraditorios, na verdade, so complementares: a) Forma — quando diz respeito as caracteristicas dos elementos. Exemplo: casas cobertas de telha @ no de madeira. b) Psicolégico —- quando se refere a conduta das pessoas. Exemplo: comer com talher e néo com pauzinhos, Os individuos, através do processo de endoculturagio, assimilam os diferentes elementos da cultura ¢ passam a agir de acordo com os padrées estabelecidos pelo grupo ou sociedade. © padrao cultural €, portanto, um comportamento generalizado, es- tandardizado e regularizado; ele estabelece o que é aceitvel ou néo na conduta de uma dada cultura. 136 Nenhuma sociedade é totalmente homogénea. Existem padrées de com- portamento distintos para homens e mulheres, para adultos ¢ jovens. Quan- do os elementos de uma sociedade pensam e agem como membros de um grupo, expressam os padrées culturais do grupo. O comportamento do individuo é influenciado pelos padrées da cul- tura em que vive. Embora cada pessoa tenha cardter exclusivo, devido as proprias experiéncias, os padrdes culturais, de diferentes sociedades, pro- duzem tipos distintos de personalidades, caracteristico dos membros dessas sociedades. O padrao se forma pela repeticéo continua, Quando muitas pessoas, em dada sociedade, agem da mesma forma ou modo, durante um largo periodo de tempo, desenvolve-se um padrao cultural. Exemplo: 0 matriménio, como padrio cultural brasileiro, engloba o complexo do casamento, que inclui varios tragos (ceriménia, alianga, rou- pas, flores, presentes, convites, agradecimentos, festa, jogar arroz nos noi- vos, amarrar Jatas no carro etc.): o complexo da vida familiar, de cuidar da casa, de criar filhos, de educar as criangas, Ir a igreja aos domingos, participar do carnaval, assistir futebol, co- mer trés vezes ao dia so alguns dos intimeros padres de comportamento que constituem a cultura total. 7.2.4 Configuracées Cultural Configuragao cultural consiste na integragao dos diferentes tragos © complexos de uma cultura, com seus valores objetivos mais ou menos coe- rentes, que lhe dio unidade. Ruth Benedict (s.d.: 37), que introduziu a idéia de configuragao cul- tural na Antropologia moderna, escreve: “uma cultura é um modelo mais ‘ou menos consistente de pensamento e ago (...). Nao é apenas a soma de todas as suas partes, mas o resultado de um Gnico arranjo e tnica in- ter-telagdo das partes, do que resultou uma nova entidade”. A configuracdo cultural é uma qualidade especifica que caracteriza uma cultura. Tem sua origem no inter-relacionamento de suas partes. Desse modo, a cultura deve ser vista como um todo, cujas partes es- tao de tal modo entrelagadas, que a mudanga em uma das partes afetaré as demais. Ao estudar uma cultura, deve-se ter visio conjunta de suas instituigdes, costumes, usos, meios de transporte etc. que estejam influindo entre si. Duas sociedades com a mesma soma de elementos culturais podem apresentar configuragdes totalmente diferentes, dependendo do modo co- mo esses elementos esto organizados e relacionados. Exemplo: indios Pueblos e Navajos das Planicies (EUA). 136 7.2.5 Areas Culturais As éreas culturais sio territérios geogréficos onde as culturas se asse- melham. Os tragos ¢ complexos culturais mais significativos esto difun- didos, resultando um modo peculiar e caracterfstico de seus grupos cons- tituintes, A Area cultural refere-se a um tetritério relativamente pequeno em fa- ce ao da sociedade global, no qual os individuos compartilham os mesmos padroes de comportamento. ___A area cultural nem sempre corresponde as divisdes geograficas, ad- ministrativas ou politicas, O conceito, que a principio referia-se mais A cultura material do que a outros aspectos, tornou-se com o passar do tem- po, face as pesquisas realizadas, mais abrangente. © estudo das areas é importante para 0 conhecimento de povos égra- fos ou para anélise histérica das tribos antigas, a fim de descobrir a ori- gem ¢ difusdo de tragos culturais. E importante também para verificar as mudangas que ocorrem na cultura, 7.2.6 Subcultura O termo subcultura, em geral, significa alguma variagdo da cultura total. Para Ralph Linton, a cultura é um agregado de subculturas. Subcultura pode ser considerada como um meio peculiar de vida de um grupo menor dentro de uma sociedade maior. Embora os padrées da subcultura apresentem algumas divergéncias em relagéo a cultura central ou & outra subcultura, mantém-se coesos entre si. A subcultura nao tem conotagdo valorativa, ou seja, nao é superior ou inferior 4 outra; séo apenas diferentes, devido & organizagao e estrutura de seus elementos. Também nao esta necessariamente ligada a determina- do espago geogréfico. Uma area cultural pode corresponder a uma subcul- tura, mas dificilmente ocorre 0 inverso, isto é, uma subcultura identificar- ‘se com determinada érea cultural. Alguns antropélogos associam 0 termo subcultura a certos grupos re- gionais, étnicos, castas e classes sociais. Exemplo: os quichuas do Perd, os indios das Planicies (EUA), a cul- tura do Nordeste brasileiro. 7.2.7 Tipos: Folkways, Mores e Leis A maneira de viver de um grupo social implica normas de compor- tamento, muitas delas estabelecidas ha tempos atrds. 137 As normas de comportamento social foram clasificados por Sumner em duas categorias diferentes: os folkways (usos) e os mores (costumes). Esta divisiio dos padrées de comportamento se estende, portanto, desde os de menor importancia até os obrigatérios e universais. Entre os usos mais frouxos € os costumes mais rigorosos forma-se um continuo que, tendo-se em vista as variedades dentro de cada categoria, dificulta a delimitago das fronteiras entre um e outro. Essa passagem, fluida e imprecisa, torna di- ficil classificar alguns padrdes situados nesse continuo, por parecer perten- cerem as duas categorias. Nesse caso temos as regras sobre o recato no trajar, o consumo de bebidas alcodlicas etc, Folkways, Padrées nao obrigatérios de comportamento social exte- rior constituem os modos coletivos de conduta, convencionais ou esponta- neos, reconhecidos e aceitos pela sociedade. Praticamente, regem a maior parte da nossa vida cotidiana, sem serem deliberadamente impostos. Indi- cam 0 que € adequado ou socialmente correto, Nao tém cardter obrigaté- rio, mas so bastante difundidos. Segundo Sumner, surgem de uma necessidader coletiva para a solu- Sao de problemas imediatos. A pessoa que infringe um folkway pode ser taxada de excéntrica, distrafda, mas a infragdo ndo constitui uma ameaga a0 grupo. As sangdes séo brandas, quase despercebidas, como o riso, 0 ridiculo. Os usos nao sao superficiais e tampouco transit6rios, mas mudam com © tempo. As mulheres de hoje, por exemplo, exercem algumas profissées que no passado eram consideradas somente como tarefas dos homens. A linguagem também muda. Exemplos de folkways: convengées, formas de etiqueta, celebragdo da puberdade, estilos de construgGes, rituais de observancia religiosa, rotinas de trabalho e lazer, conveng6es da arte ou da guerra, maneiras de cortejar, de vestir etc. Mores. “Sao as normas moralmente sancionadas com vigor”, se- gundo Ely Chinoy (1971:60). Constituem comportamento imperativo, tido como desejével pelo grupo, apesar de restringir ¢ limitar a conduta. Séo essenciais e importantes ao bem-estar da sociedade e aparecem como nor- mas reguladoras de toda cultura. Apesar da obrigatoriedade e imposicao, so considerados justos pelo grupo que os compartilha. Os mores tém cardter ativo e seu controle pode ser consciente ou in- consciente; sdo sancionados pela tradigéo e sustentados pelas pressGes da opiniao de grupos: ridiculo, mexerico, castigos, no aceitagdo. Como for- ma de controle natural, penetram nas relagdes sociais. Suas normas de conduta regulam o comportamento social, restringindo, moldando e repri- mindo certas tendéncias dos individuos. Tém maior contetido emocional do que os usos. 138 ‘A nfo-conformidade com os mores provoca desaprovacéo moral. A reacdo do grupo € violenta e séria, como no adultério, roubo, assassinio incesto, na sociedade ocidental. Entretanto, hé amplas variagdes nas ati- tudes dos grupos em relagdo a essas regras, de acordo com as diferentes culturas. ‘Quem obedece aos costumes recebe o respeito, a aprovacao, a estima publica. Quem os viola, além do sentimento de culpa, cai no ostracismo e sua reputagéo sofre desvios. E apedrejado, ridicularizado, encarcerado, agoitado, exilado, degradado, excomungado, morto. O desertor, o traidor, a mae que abandona os filhos e o estuprador sfio repudiados pela sociedade, e as sangdes a eles aplicadas servem mais como exemplo para os outros do que propriamente corrigenda para eles, Exemplos de mores: atos de lealdade e patriotismo, cuidado e trato das criangas, enterro dos mortos, uso de roupas, monogamia etc., em nossa sociedade, Os mores variam de sociedade para sociedade. Coisas terminantemen- te proibidas em determinadas culturas podem ser aceitas, permitidas e mes- mo encorajadas em outras. Em algumas sociedades € permitido matar re- cém-nascidos e velhos desamparados, ter varias esposas. Esses mores, ra- dicalmente diferentes dos conhecidos por nés, nao s6 escandalizam como também causam repulsa e horror. Tanto os mores quanto os folkways estio sujeitos a mudangas que nem sempre sao lentas. A escravidao é um exemplo: considerada moral no passado, é imoral hoje. © comportamento nas sociedades simples € regulado principalmente pelos costumes; nas sociedades complexas, além dos mores, hé as leis. Leis. Sao “regras de comportamento formuladas deliberadamente impostas por uma autoridade especial”, escrevem Biesanz ¢ Biesanz (1972: 58). Sao decretadas com a finalidade de suprir os costumes que comecam a desintegrar-se, a perder o seu controle sobre os individuos. Nas socieda- des pequenas e unificadas, as presses ¢ sangdes informais so suficientes para manter 0 comportamento grupal; nas sociedades complexas sio neces- sérios controles mais formais, decretados ¢ exercidos pelas instituigdes po- liticas, juridicas ou pelo Estado. A linha diviséria entre leis ¢ mores também nfo é€ fécil de ser traga- da, tanto nas sociedades simples quanto nas complexas. Assim como os costumes podem transformar-se em leis, estas podem tornar-se mores. As leis servem a diferentes propésitos: © impoem os mores aceitos pelo grupo cultural; © ‘regulam novas situagbes, fora dos costumes; 139 wie ‘© substituem costumes antigos ¢ ineficazes; ‘© congregam os padrdes reais com os ideais e os valores imperantes. Exemplos de mores impostos por lei ou por ela reforgados: monoga- mia, bem-estar da esposa ¢ dos filhos, a punig&o do roubo, do estupro, do assassinato etc. 7.3 PROCESSOS CULTURAIS Processo ¢ a maneira, consciente ou inconsciente, pela qual as coisas se realizam, se comportam ou se organizam, As culturas mudam continuamente, assimilam novos tracos ou abando- nam os antigos, através de diferentes formas. Crescimento, transmissio, di- Fuso, estagnacao, declinio, fusdo so aspectos aos quais as cultures esto sujeitas. 7.3.1 Mudanga Cultural Mudanga € qualquer alteragdo na cultura, sejam tracos, complexos, Padrées ou toda uma cultura, o que é mais raro. Pode ocorrer com maior ou menor facilidade, dependendo do grau de resisténcia ou aceitagio. O aumento ou diminuigéo das populagSes, as migragSes, os contatos com po- vos de culturas diferentes, as inovagées cientificas e tecnoldgicas, as catds- trofes (perdas de safras, epidemias, guerras), as depressdes econémicas, as descobertas fortuitas, a mudanga violenta de governo etc. podem exercer especial influéncia, levando a alteracdes significativas na cultura de uma so- ciedade. -. Quando o ntimero de elementos novos, adotados, supera os antigos, que cairam em desuso, tem-se o crescimento da cultura. As mudangas po- dem ser realizadas com lentidao ou com rapidez (como ocorre atualmente, face aos meios de comunicagao) devido aos contatos diretos e continuos entre povos. A mudanga pode surgir em conseqiiéncia de fatores internos — end6- genos (descoberta e invengao) ou externos — exdgenos (difusio cultural). Assim, tem-se mudanga quand 8) novos elementos sao agregados ou os velhos aperfeigoados por meio de invengées; 5) novos elementos sao tomados de empréstimo de outras sociedades; 140 ¢) elementos culturais, inadequados ao meio ambiente, séo abandonados ou substituidos; d) alguns elementos, por falta de transmisséo de geracdo em geragao, se perdem. © crescimento de uma cultura nao é uniforme nem continuo, no espa- go € no tempo, pois est sujeito a variagdes. Quando os povos mantém-se isolados ocorre a estagnagio, pois a cul- tura permanece relativamente estdtica, modificando-se apenas em conse- qiiéncia de ages internas. Mas s6 as culturas totalmente isoladas podem manter-se estaveis. Se os elementos culturais desaparecem, tem-se o declinio cultural. Mui- tas vezes, condigdes religiosas, sociais e ambientais levam ao desapareci- mento ou mudanga de um complexo cultural. Por um lado, se um simples traco ou toda uma cultura pode desaparecer, por outro lado, o renascimen to cultural pode ocorrer, em conseqiiéncia ‘de fatores endégenos ou exd- genos, Quando os elementos novos, acrescentados a uma cultura, forem me- nos significativos em relaco aos anteriores, desaparecidos, a cultura per- manece estaciondria ou declina, O crescimento, no ambito geral de uma cultura, nao se Processa no mesmo ritmo, em todos os setores. Esse retardamento ou diferenca de mo- vimento entre as partes de uma cultura recebe 0 nome de demora ou re- tardamento cultural. As modificages na cultura, segundo Murdock (In: Shapiro, 1966:208 © seg.), esto relacionadas com quatro fatores: inovagdes, aceitacHo social, eliminagao seletiva e integracdo. Inovagao. Sempre comega com o ato de alguém e¢ pode ser efetuada de cinco maneiras: a) Variaggo — representada por uma ligelra mudanca nos padrées de comportamento; b) Inveng&o ou descoberta — através da criatividade. Os processos de descoberta e invenc&o podem ser atribuidos & casualidade ou a ne- cessidade. Algumas invengdes séo absolutamente locais; outras exi- gem um meio geografico propicio para se desenvolverem, por isso, 840 em nimero reduzido. No campo das inovasées, deve-se fazer distingo entre: @ descoberta — aq (eletricidade, vapor); © invengéo — aplicagéo da descoberta (lampada, maquinas). As inveng6es, em geral, séo atribuidas a substancias concretas, mas o termo pode ser aplicado as coisas imateriais, como um novo costume, uma nova organizacéo. A invencao pode ser néo volutiva ou acidental, e volutiva, ou seja, resultado de um processo racional. igo de um elemento novo, coisa jé existente 141 No crescimento da cultura, cada novo trago cultural nada mais é do que o desenvolvimento de elementos culturais existentes anterior- mente. Mesmo que parecam totalmente novas, as invengdes so com- postas de velhos elementos, como os sindicatos, cuja origem se en- contra na organizacao dos trabalhadores por oficios. Poucos elementos de uma cultura sao inventos locais: a grande parte da heranca cultural brasileira, por exemplo, proveio de Portugal, de algumas regides da Africa, da Europa e de outras localidades. ¢) Tentativa —- quando surgem elementos que tenham pouca ou nenhuma ligagéo com o passado. Exemplo: méquina de escrever e computadores. d)Empréstimo cultural — elementos vindos de outra cultura, De todas as inovagdes, o empréstimo cultural é 0 meio mais comum € importante. Depende do contato humano e, nesse caso, o inovador € apenas © seu introdutor. O empréstimo cultural no necessita ser completo; as vezes, a Unica coisa emprestada é a forma, Muitas vezes resulta do desejo de adocéo de um elemento cultural mais adequado. Exemplo: fumo, arado, zen-budismo, Papai Noel etc. €) Incentive — elemento alheio, aceito por um povo quando atende as suas necessidades. £ essencial a0 empréstimo cultural. Exemplo: radio, televisio, robé e computador. Aceitacéo Social. & a adocéo de um novo traco cultural através da imitagao ou do comportamento copiado. No inicio, esse elemento pode ser aceito apenas por um individuo, estendendo-se depois aos demais. Pre- conceitos preexistentes dos membros de uma sociedade receptora facilitam ou bloqueiam a aceitacdo ou o empréstimo de uma nova possibilidade cul- tural, A aceitagdo de um traco depende, muitas vezes, do seu significado. Ele € avaliado, aceito com ou sem modificagdes ou rejeitado, pela cultura receptora, A aceitagio vai depender de sua utilizacdio ou necessidade. To- davia, a sociedade pode aceitar tracos nfo utilitérios como um jogo, uma ideologia, mas a aceitagdo é mais demorada. Eliminagao seletiva. Consiste na competigéo pela sobrevivéncia fei- ta pelo elemento novo. Quando um trago cultural ainda se revela mais compensador do que suas alternativas, ele perdura; mas quando deixa de satisfazer as necessidades do grupo, cai no desuso e desaparece, numa es- pécie de processo seletivo. Exemplo: a liteira, a carruagem, o trole, que foram substituidos pelo automével, a bicicleta, a motocicleta etc. Integracdo cultural. O processo de integracdo, segundo Ralph Lin- ton (1959:377), consiste no “desenvolvimento progressive de ajustamento cada vez mais completo, entre os varios elementos que compéem a cultura total”. A integracdo nunca é perfeita, pois hé sempre modificagoes na cul- tura. Na integracdo deve haver adaptacéo progressiva, ajustamento reci- proco entre os elementos culturais. 142 7.3.2 Difusae Cultural Difuso “é um processo, na dindmica cultural, em que os elementos ou complexos culturais se difundem de uma sociedade a outra”, afirmam Hoebel & Frost (1981:445). As culturas, quando vigorosas, tendem a se estender a outras regides, sob a forma de empréstimo mais ou menos con- sistente. A difusio de um elemento da cultura pode realizar-se por imi- taco ou por estimulo, dependendo das condigées sociais, favoraveis ou nao, & difusio. O tipo mais significativo de difusio é 0 das relacdes pacificas entre os povos, numa troca continua de pensamentos e invencdes. Nem tudo, porém, € aceito imediatamente: ha rejeiges em relagdo a certos tra- gos culturais. Quase sempre ocorre uma modificago no trago de uma cultura tomado de empréstimo pela outra, havendo reinterpretag&o poste- rior pela sociedade que 0 adotou. Um trago, vindo de outra cultura através do empréstimo, pode so- frer reformulagées quanto & forma, & aplicagao, ao significado e & fungio. . ,.,4S_condigdes geograficas e o isolamento so fatores de impedimento 4 difusdo cultural, que inclui trés processos: a) gprpsentagao de um ou mais elementos culturals novos @ uma socie- lade; b) aceitagéo desses elementos; ¢) integrago na cultura existente, de um ou mais elementos. 7.3.3 Aculturagao Aculturacdo € a fusdo de duas culturas diferentes que entrando em contato continuo originam mudangas nos padrées da cultura de ambos os grupos. Pode abranger numerosos tragos culturais, apesar de, na troca reciproca entre as duas culturas, um grupo dar mais e receber menos. Dos contatos intimos e continuos entre culturas e sociedades diferentes resulta um intercambio de elementos culturais. Com o passar do tempo, essas cul- turas fundem-se para formar uma sociedade e uma cultura nova. O exem- plo mais comum relaciona-se com as grandes conquistas. Assimilagdo. A assimilagio, como uma fase de aculturacdo, seria o processo mediante o qual os grupos que vivem em um territério comum, embora procedentes de lugares diversos, alcancam uma “solidariedade cul- tural”, O termo aculturagao, no entanto, vem sendo empregado ultimamente, também, como fusao de subculturas ou cultura rural versus cultura urbana. No processo de aculturago deve haver a fusio completa dos grupos de origens diversas, supressio de um grupo ou de ambos, e a persisténcia dos dois no equilibrio dinamico da sociedade. 143 x rai Segundo Herskovits, 0 termo aculturagao “nao implica, de modo al- gum, que as culturas que entram em contato se devam distinguir uma da outra como ‘superior’ ou ‘mais avangada’, ou como tendo um maior ‘con- tetido de civilizacao’, ou por diferir em qualquer outra forma qualifica- tiva”. Exemplo: a cultura brasileira resultou, em princfpio, da fusio das culturas européia, africana e indigena. © processo de aculturagio inclui o proceso de sincretismo e trans- culturagio. Sincretismo. Em religiao, sincretismo seria a fusio de dois elemen- tos culturais andlogos (crengas e priticas), de culturas distintas ou nao. Exemplo: macumba, que contém tragos do catolicismo, do fetichismo africano ¢ indigena e do espiritismo. __Em linguagem, consiste no uso de uma forma gramatical particular, a fim de realgar as fungdes de outra ou de outras, além da sua, Exemplo: abacaxi (fruta ou problema); po (alimento ou rapaz bonito). Transculturagao. Consiste na troca de elementos culturais entre so- ciedades diferentes, Exemplo: os sirio-libaneses trouxeram 0 quibe, a esfiha para o Brasil, e adotaram 0 arroz com feijao. A aculturaco consiste, pois, em uma forma especial de mudanga. A sociedade que sofre o processo de aculturagio modifica a sua cultura, ajus- tando ou conformando seus padrées culturais aos daquela que a domina. Entretanto, embora sofra grandes alteragdes no seu modo de vida, conser- va sempre algo de sua propria identidade. No processo de aculturago, a mudanca surge como um desvio das normas consuetudindtias existentes, afirmam Hoebel e Frost. O desvio é realizado de formas diferenciadas, ou seja, com “entusiasmo, desprezo, totalmente desaprovado, sancionado levemente ou lentamente ou totalmen- te rejeitado”. Em nenhuma sociedade os processos de aculturagio ocorrem total ou instantaneamente; a mudanga é sempre mais rdpida e aceita com maior facilidade em relagdo a tragos materiais. Quando um trago novo entra em competi¢éo com outro jé existente € o substitui, tem-se a deculturagao. Exemplo: 0 fogio a gés que substituiu 0 de lenha. 144 7.3.4 Endoculturagao © processo de “aprendizagem e educagdo em uma cultura desde a in- fancia” € chamado endoculturagdo tanto por Felix Keesing quanto por Hoe- bel e Frost. Herskovits emprego o termo enculturagdo para conceituar a mesma coisa, significando, além disso, 0 processo que estrutura 0 con- dicionamento da conduta, dando estabilidade a cultura, Cada individuo adquire as crengas, 0 comportamento, os modos de vida da sociedade a que pertence. Ninguém aprende, todavia, toda a cul- tura, mas estd condicionado a certos aspectos particulares da transmissio de seu grupo, As sociedades ndo permitem que scus membros ajam de forma dife- renciada. Todos os atos, comportamentos ¢ atitudes de seus membros sio controlados por ela. 7.4 CULTURA E SOCIEDADE Segundo Hoebel e Frost (1981:28), a sociedade e a cultura “ndo sao uma coisa s6. A sociedade humana é constituida de pessoas; a cultura é constituida de comportamento de pessoas. Podemos dizer que a pessoa per- tence & sociedade, mas seria erréneo afirmar que a pessoa pertence a uma cultura; o individuo manifesta a cultura”. Para Fichter (1973:166), a sociedade consiste em uma “estrutura for- mada pelos grupos principais, ligados entre si, considerados como uma unidade e participando todos de uma cultura comum” (ver Capitulo 15). As culturas atendem aos problemas da vida do individuo ou do grupo, e as sociedades necessitam da cultura para sobreviverem. Ambas estéo in- timamente relacionadas: nao ha sociedade sem cultura assim como nao ha cultura sem sociedade (homens). 145

You might also like