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Depois de anos trabalhando como bartender pela Europa, Shay Lavji

viu quase tudo que o continente tem a oferecer, mas há um país que ela
ainda não riscou de sua lista de desejos: a Noruega. Não é que ela não
queira visitar a terra do sol da meia-noite – longe disso; ela é obcecada
pela cultura e está morrendo de vontade de ver os majestosos fiordes
por si mesma.

O que ela não está morrendo de vontade de fazer é encontrar seu ex-
namorado norueguês, Anders Johansson, que partiu seu coração na
América há oito anos antes de retornar para sua casa ancestral. A
última vez que ela viu Anders, ele era um adolescente arrogante,
rebelde e torturado que não conseguia parar de apertar todos os seus
botões – bons e maus. Mas Shay não vai deixar Anders atrapalhar seu
desejo de viajar e, além disso, é um país grande, certo?

Ela não conta com Anders procurando por ela no momento em que
descobre que ela está em sua casa. Quando Shay o vê novamente, ela
fica chocada com sua transformação em um fazendeiro e pescador
barbudo tatuado que valoriza a família acima de tudo. É possível que
o tempo tenha domesticado esse ex-bad boy? Shay quer acreditar que
tudo pode ser novo e brilhante novamente sob o sol do verão, mas ela
sabe, quando se trata de Anders, a escuridão nunca está muito longe.
Acho que perdemos nossa vez

Voltando

Você acharia que eu aprendi

Aqualung – Morcheeba
Por Anders Johansen

À deriva

Eu olho para o mar.

Ondas brilhando como vidro

afiadas o suficiente para silenciar

os gritos mais vazios.

Meus gritos.

Engoliu

para uma escuridão como o inferno

de onde eles vieram

o inferno

que ela me traz

o inferno que me fez amá-la

o inferno que o amor cria.

Este mar, ela vê

mas não sabe.

Ou talvez ela saiba.


Talvez seja essa a piada.

Que vamos morrer aqui

juntos

o mar

e eu.

E então há a água,

em que derivamos.

agora mesmo.

Quem não se importa conosco.

não se importa com o amor não correspondido

ou corações em chamas

ou o próprio coração

isso me afoga.

Apenas os anos vazios

depois de ser salvo.


OITO ANOS ATRÁS

— Você está perdido?

Quando não estou, penso comigo mesmo. Não tenho


pressa em me virar e descobrir quem está fazendo a pergunta.
Não tenho pressa em fazer nada, inclusive descobrir onde
estou.

Perdido.

Quem não está?

A voz feminina não vem de novo, embora eu possa sentir


sua presença atrás de mim, como se ela estivesse esperando
por uma resposta. Ela não percebe que não vai conseguir uma.
Se ela conseguisse, isso iria insinuar que preciso de ajuda.

E não preciso.

Finalmente.
Olho para a programação em minhas mãos e o mapa de
merda que o diretor me deu. Amasso o mapa, jogo no chão e
chuto. Ele desliza pelo corredor vazio, passando por armários,
fontes de água e a horrível tinta bege que está empilhada nas
paredes. Os americanos não sabem nada sobre cores.

Eu respiro pelo nariz e contemplo andar para frente,


ignorando a voz, e pular a próxima aula, esta primeira aula
aqui na Westminster High School. Ou posso me virar e parar.

Encontrar meu caminho.

Viro-me e vejo a garota.

É isso, penso, de pé, piscando para ela. Ela não era


ninguém para mim antes, apenas uma voz, mas agora ela é.

Ela é linda. Mas essa palavra parece muito simples, muito


comum, uma palavra que você usa para descrever um pôr do
sol ou um carro clássico encerado deslizando lentamente pela
rua.

Essa garota é além de bonita. Ela é uma mistura de


defeitos que se combinam até que ela esteja certa. Um galo no
nariz. Cicatrizes de acne no queixo, cobertas com maquiagem
um pouco clara demais. Suas sobrancelhas podem custar-lhe
alguns amigos. Mas seu corpo está maduro, como um pêssego,
macio e mais feminino do que qualquer pessoa no colégio
deveria ser. Sua pele é de um marrom suave. Seu cabelo fica
pendurado em volta dela como um escudo; E me pergunto se
ela se esconde por trás disso. E seus olhos... quentes como
mel... são o que me fazem parar e olhar e me perguntar por
que não me virei antes. Eles queimam. Eles gritam. Eles
anseiam. Ela tem olhos que já me pedem para levá-la para
longe e nunca mais olhar para trás.

Eu já amo os olhos dela.

Eu quero que eles me amem também.

Limpo minha garganta, porque não posso levá-la a lugar


nenhum, a menos que eu fale. O inglês que geralmente é tão
natural para mim é embaralhado e levo um momento para
falar.

— Estou procurando a Sra. Chaffey — digo a ela.

Seus olhos se arregalam ao ouvir meu sotaque. Não sou


apenas um menino, sou um estrangeiro. Talvez eu não possa
levá-la a lugar nenhum. Ou talvez possa levá-la longe demais.

— Sra. Chaffey? — Ela repete. — Você tem espanhol com


ela?

Concordo. — Eu deveria estar lá cinco minutos atrás.

— Eu também — diz ela com uma inclinação tortuosa em


seu sorriso, o tipo que me diz que somos iguais, ou pelo menos
ela quer que eu pense assim. — Siga-me — acrescenta ela,
passando por mim, com a cabeça erguida, me olhando como
se eu fosse um segredo. Mas suas palavras distorcem, seu tom
é trêmulo, como se estivesse sendo corajosa pela primeira vez
hoje.
— Você está na décima segunda série? — Eu pergunto,
caindo na fila ao lado dela.

— Sim, uma veterana — ela diz, colocando o cabelo atrás


da orelha e desviando o olhar, seu sorriso agora mais tímido
do que antes. Talvez porque estou andando perto, tão perto
que posso sentir o cheiro dela. Um perfume frutado. Isso me
lembra os verões em Todalen1, as macieiras ao lado da casa, o
sol e o ar fresco e a leitura de uma cópia esfarrapada de
Huckleberry Finn2. O passado cheira bem nela.

— De onde você é? — Ela pergunta.

— Noruega — digo a ela, observando-a de perto. A


maneira como as pessoas lidam com essa informação sempre
me diz muito sobre elas.

Ela balança a cabeça, enlaçando os polegares nas alças


de sua mochila de couro. — Frio. Europa.

— Você já foi? Para a Europa?

Ela balança a cabeça e seus brincos, estrelas douradas,


captam a luz fraca que entra pelas janelas. Ela tem orelhas
pequenas. Me pergunto se ela gosta de ter palavras carregadas
sussurradas nelas. À queima-roupa.

— Não, — ela diz. — Mas um dia. Eu quero muito ir.


Talvez no próximo verão, depois de me formar. Ou talvez na

1Todalsøra ou Todalen é uma vila no município de Sobadadal, no condado de Møre og Romsdal, na


Noruega.
2As Aventuras de Huckleberry Finn é um romance do escritor norte-americano Mark Twain,
publicado em 1884.
faculdade. Eu preciso economizar muito dinheiro. O que
significa que preciso de um emprego. Mas é difícil conseguir
um trabalho de meio período e ouvi dizer que este ano vai
chutar a nossa bunda de qualquer maneira, então acho que
não irei a lugar nenhum até a faculdade. Eu já estive na Índia
algumas vezes, então isso é algo. Certo?

Ela está divagando. É fofo. Eu posso apenas deixá-la


nervosa.

— Qual o seu nome? — Pergunto.

— Shay, — ela diz. — Shay Lavji.

Eu não ofereço minha mão. Fui ensinado a fazer isso, mas


não parece certo, não enquanto nós dois caminhamos pelos
corredores. Em vez disso, sorrio. — Eu sou o Anders.

— Anders. Legal — ela diz novamente. Parece legal


quando ela diz.

Ela aponta para uma porta fechada. — Esta é a Sra.


Chaffey, — diz. — Ela nem é espanhola, é tão chato. Você
perdeu a primeira aula, não é? — Eu concordo. — Bem, de
qualquer maneira, não se preocupe. Ela é durona, mas é muito
mais legal com os meninos do que com as meninas.

Shay abre a porta e saímos de nosso mundinho privado


no corredor para uma sala de aula cheia de olhos cansados e
elétricos, todos olhando para mim.
Eles são estranhos. Eu sou estranho. Meu cabelo é
comprido, meu rosto desalinhado, como um cachorro de rua.
Visto principalmente preto. Tenho muitas tatuagens e
pretendo fazer mais. Pareço diferente, sou diferente.

E isso me convém muito bem.

Eles me colocaram em um papel e irei interpretá-lo.

Se eles querem que eu seja mau, então serei pior.

Nem mesmo olho para a professora. Não importa. Ela não


importa.

Tudo o que importa é a garota com olhos ansiosos, sorriso


tímido e orelhas pequenas.

Ao encontrar uma cadeira vazia no fundo da sala de aula,


sei que até o final da semana estarei sussurrando naqueles
ouvidos, estarei dizendo a ela coisas que ela quer ouvir,
promessas que posso não ser capaz de cumprir. Eu serei seu
salvador.

E ela será minha.


NOS DIAS DE HOJE

Meu rosto está a centímetros de um pênis flácido e de um


par de bolas flácidas, a chuva de mais cedo ainda brilhando
nas dobras esculpidas.

Como se meu dia não pudesse ficar mais estranho.

— Bolas! — Michelle grita antes de explodir em risadas


rápidas, e a vejo me espiando do outro lado dos apêndices
pendurados. Estou tentada a tirar uma foto para rir mais, mas
tirar uma foto de uma criança emoldurada pela anatomia
masculina é provavelmente errado.

Claro, ajuda que esta é uma estátua, habilmente


esculpida em granito pelo renomado artista Gustav Vigeland e
essas estátuas incrivelmente realistas – e enormes – estão
espalhadas ao longo do Parque Frogner de Oslo. Jovens e
velhos, homens, mulheres, crianças – para onde quer que você
olhe, há um rosto de pedra esculpido olhando para você com
admiração, tédio ou desprezo.
Ou, você sabe, um pênis e um par de bolas pesadas.

Ciente de que estou inclinada um pouco perto demais da


estátua para me sentir confortável, dou um passo para trás e
finjo olhar para outro lugar. Posso sentir os olhos estudiosos
de granito da estátua me observando, talvez esperando que eu
lhe faça um elogio.

— Michelle, venha aqui — a mãe de Michelle grita,


acenando para que ela os siga escada abaixo e pelo resto do
parque, que parece monótono sob o céu cinza opressor.
Michelle sorri para mim, metade de seu rosto obscurecido pelo
capuz azul de sua capa de chuva, e conto dois dentes faltando.
Sempre fui muito ruim com a idade das crianças, mas acho
que ela tem cerca de seis ou sete anos.

Ela corre até a mãe e a mãe – de novo, estou esquecendo


o nome dela – me dá um meio sorriso cauteloso. Ela não tem
certeza do que fazer comigo. Nem eu, para ser sincera, mas
estou aqui no parque de estátuas de gente nua, na capital da
Noruega, com uma família que nem conheço.

Sim. Estou tendo alguns dias difíceis. Vou tentar não


entediá-lo com os detalhes, mas me escute primeiro, e depois
irei chegar à parte de porque estou acompanhando estranhos
em uma cidade estrangeira.

Por vários motivos (ok, um motivo, e falarei sobre isso


mais tarde), desde que era adolescente sou obcecada pela
Noruega. Talvez a maioria dos jovens de dezesseis anos anseie
por estrelas pop, mas eu estava pesquisando a Noruega,
aprendendo sobre sua comida, cultura, paisagem (e então o
show Vikings apareceu, oh Ragnar) e sonhando que um dia eu
mesma iria visitar o país. Até tentei pegar alguns livros de
áudio – Aprender norueguês – da biblioteca, mas desisti deles
depois de alguns dias.

Só depois que decidi ir para a Europa com meu então


namorado Danny é que visitar a Noruega se tornou uma
possibilidade distinta. O único problema na época era que
Danny não tinha nenhum interesse pela Escandinávia e queria
ficar o mais perto possível do sol do Mediterrâneo, por isso nos
acomodamos na linda e mágica ilha de Capri, na Itália.

Para ser honesta, no começo eu nem estava tão


interessada na Europa em geral. No ano anterior, eu tinha
acabado de me formar na faculdade e estava procurando
encontrar algum tipo de normalidade na minha vida, e na
minha cabeça pensei que isso significava que Danny e eu
voltaríamos a dividir um apartamento no Brooklyn
(dependendo da situação do trabalho, que significa que sou
uma millennial e toda essa situação é bastante desoladora).
Independentemente disso, pensei que seria o início da vida que
sempre desejei e precisei.

Mas Danny decidiu pela Europa, e eu não iria deixá-lo ir


sem mim. Nós economizamos. Ficamos meses em Capri. Fiz
amigos, consegui empregos como bartender e ganhando
dinheiro por baixo da mesa, vivia la dolce vita.

E então…
Ele me largou. De repente, toda a decisão dele – vamos
para a Europa nos divertir – tornou-se menos sobre nós termos
uma nova experiência juntos, e mais sobre ele não querer se
estabelecer e se comprometer. De repente tudo fez sentido.

Não deveria ter ficado surpresa. Quer dizer, eu sabia que


nosso relacionamento não era perfeito – sabia que ao longo dos
meses as coisas entre Danny e eu estavam tensas, eu tinha
aquela sensação mesquinha na nuca de que as coisas não
estavam bem. Muitas vezes me ocorria tarde da noite, quando
ele estava dormindo ao meu lado. Eu o amava, mas... era isso?
Eu já tinha experimentado borboletas e fogos de artifício uma
vez – isso era coisa do passado? Seria assim entre ele e eu para
sempre?

Naturalmente, a beleza de Capri era uma distração fácil e


enterrei esses sentimentos longe, até que ele terminou comigo.
Não posso mais dizer que estou chorando por causa disso – já
se passaram mais de quatro meses desde que deixei Capri e
ele voltou para Nova York -, mas isso não significa que já estou
bem. Meu coração e meu orgulho estão em modo de reparação
desde então. Esse tipo de rompimento é como quando você
deixa cair o smartphone no chão – a tela pode estar rachada e
difícil de ver, mas você ainda pode usar.

Então, com Danny fora de cena, estou sozinha. Sozinha.


Este é o modo padrão de Shay Lavji, como estou acostumada
a operar, e estou escolhendo ver o lado bom. Que é,
principalmente, agora estou livre para ir aonde eu quiser, ver
o que eu quiser, e não há uma única pessoa ou coisa por aí
pela qual eu seja responsável.

Suspiro quando a chuva começa a cair novamente, uma


gota aqui e ali ondulando nas poças sob as estátuas. Mesmo
que eu seja livre como um pássaro, não posso ignorar a
percepção assustadora de como pode ser incrivelmente
solitário quando você não tem alguém para quem escrever em
casa.

Provavelmente é por isso que fiz algo meio louco esta


manhã.

— Shay, — Michelle grita com sua voz cantante. — Você


está vindo?

Sorrio e aceno com a cabeça, notando a mãe me dando


um olhar de pena antes de eu andar atrás delas, o pai e o filho,
Stuart, já no fundo da escada esperando por nós.

Esta é a família Wright, de Birmingham, Inglaterra. Os


conheci esta manhã quando estava tomando café da manhã na
sala de refeições do hotel, comendo uma comida típica
norueguesa (que o hotel proclamou como – o melhor café da
manhã em Oslo -, mas sendo nova no país e na cidade e nunca
ter comido antes o café da manhã norueguês, não consigo
atestar isso. Não tenho certeza se os melhores cafés da manhã
têm mais peixes defumados, secos ou em conserva ou menos
defumados, secos ou selecionados peixes.
De qualquer forma, esta manhã acordei meio deprimida.
Ontem cheguei a Oslo apenas para encontrar a cidade fria,
úmida e miserável. Ao contrário da Irlanda, onde eu acabara
de passar três meses trabalhando em uma pousada em uma
pequena cidade, as pessoas aqui não sorriem, não olham em
seus olhos. Mesmo durante o pior vendaval que soprava pela
terra, os irlandeses sempre encontravam uma desculpa para
manter aquele brilho nos olhos.

Isso não começou exatamente com o pé direito minha


experiência na Noruega. Talvez porque eu tivesse muitas
esperanças e expectativas – este era o país dos meus sonhos,
afinal – mas fiquei um pouco decepcionada. Percorri as ruas
tentando capturar imagens para minha conta de viagem no
Instagram, mas acabei de volta ao hotel encharcada até os
ossos e solitária. Mesmo uma longa conversa em tempo real
com minha amiga Amber em Capri não levantou meu ânimo, e
não há nada como um quarto de hotel para fazer você perceber
o quão sozinho e sem amarras você realmente está.

Então, enquanto equilibrava camadas de salmão


defumado e pepino em cima de pão crocante de quebrar os
dentes esta manhã, não pude deixar de escutar a família ao
meu lado, conversando com seu sotaque britânico cadenciado
sobre seus planos para o dia. Primeiro, eles iriam dar uma
olhada no Museu Viking, depois no Parque Frogner, depois
iriam até o palácio real para fazer ooh e ahh sobre os guardas
e toda aquela merda chique.

E então fiz algo que nunca esperava.


Inclinei-me, sorri com a boca cheia de salmão e perguntei:
— Posso ir também?

A mãe me olhou como se eu fosse louca – porque


obviamente estou, porra – e trocou um olhar preocupado com
o marido. Sem dúvida ela tinha ouvido algumas histórias de
terror estranhas ao longo dos anos sobre turistas solitários
enlouquecidos. Mas Michelle disse: — Claro que você pode!
Qual o seu nome? — e quando me apresentei como Shay, seu
irmão, alguns anos mais velho, disse: — Você não tem família?

Sorri através disso, embora doesse como o inferno. —


Claro que tenho. Mas estou sozinha na Noruega e poderia
apreciar a companhia. — Olhei para os pais. — Sinta-se à
vontade para me dizer não, eu sei que essa é uma proposta
estranha. Acabei de chegar a Oslo ontem e, até agora, não
estou muito impressionada. Talvez ver tudo através dos seus
olhos ajude.

A mãe refletiu sobre isso por um tempo antes de o pai


falar. — Você é mais que bem-vinda para se juntar a nós, Shay.

E foi isso. Então, juntos, vimos o Museu Viking esta


manhã, que foi um bom descanso da chuva e pude mostrar
minhas habilidades geográficas, contando a eles sobre os
vários navios Vikings e a história do povo (que eu manquei
junto de livros didáticos reais, Lonely Planet e vikings binge-
watching), e então pegamos o bonde e caminhamos um pouco
até o Parque Frogner e o Parque de Esculturas Vigeland no
meio de tudo isso.
Em um belo dia de verão, este lugar deve ser nada menos
que incrível. Mas aqui é final de abril e não só temos de
enfrentar o tempo sombrio, mas os botões mal aparecem nas
árvores e, embora o ar tenha um cheiro doce, há frio suficiente
para penetrar em seus ossos.

Você pensaria que eu estaria acostumada com esse clima,


já que passei muito tempo na Irlanda, mas havia algo naquele
lugar que tornava tudo mais suportável. Acho que foi Mumsy,
o estalajadeiro a quem eu estava ajudando e os habitantes da
cidade que conheci. Até Capri teria alguns dias sombrios e
tranquilos no outono, mas, estando perto de amigos e me
mantendo ocupada com o trabalho, nunca prestei atenção
nisso.

Desnecessário dizer que isso me pegou de surpresa. Por


tudo o que eu esperava com a Noruega, me senti pessoalmente
ofendida porque o país não trouxe os sorrisos e o sol só para
mim. É meio maluco pensar isso, eu sei, mas estou me
juntando a uma família britânica que não conheço, então o que
você esperava?

Desço as escadas, sentindo o cheiro fresco da chuva e


tentando encontrar o positivo. Decidi passar mais um dia em
Oslo, mas espero pegar um trem e seguir para o norte, onde
realmente quero ir.

Meu coração começa a bater forte com o pensamento,


uma inquietação correndo por mim. Até agora, tenho planos
para o trem me levar a Trondheim, então posso ir para o norte
para Tromso no Círculo Polar Ártico antes de voltar para a
costa, talvez pegando a balsa ao longo dos fiordes. Há um
milhão de lugares diferentes para explorar neste país alto e
estreito, mas o fato de eu estar indo para Trondheim me deixa
um pouco nervosa.

Supõe-se que Trondheim seja apenas um pulo, um salto


e um passo de Anders Johansen, a razão pela qual fiquei tão
obcecada pela Noruega para começar.

— Você está pronta para ver o palácio real, Shay? — O


pai pergunta quando me aproximo deles, fazendo com que o
pensamento de Anders desapareça da minha mente. — Você
não está com frio?

Balanço minha cabeça e dou a todos meu sorriso mais


apaziguador. — De jeito nenhum. O palácio parece
maravilhoso. — Sorrio para Michelle. — Eu sempre quis ver
uma princesa, você não?

— Vimos a Duquesa de Cambridge passar por nós em seu


carro, — diz Stuart, parecendo entediado e orgulhoso. — Ela
enfiou o dedo no nariz.

— Stuart, — sua mãe o advertiu rapidamente, enquanto


o pai tentava conter uma risada. — Não falamos sobre Kate
Middleton dessa maneira.

— Bem, — digo a eles — li que a princesa da Suécia era


uma plebeia quando conheceu o príncipe.
— Como você e eu? — Michelle pergunta. — Pessoas
comuns?

— Isso mesmo. O que significa que é possível para


qualquer garota se tornar uma princesa, se desejar.

— Isso significa que você tem que viver com um menino,


— diz Stuart com inteligência. — Isso não sou eu. Ele
provavelmente seria pior do que eu.

Michelle puxa o lábio entre os dentes e parece pensar a


respeito. — Não sei. Aposto que poderia descobrir uma
maneira de ser uma princesa sem ter que viver com nenhum
menino.

Sorrio para seus pais. — Ela tem uma boa cabeça sobre
os ombros.

— Sim, espero que ela continue assim — diz seu pai,


enquanto saímos do parque.

O resto do dia correu bastante bem. Nós encontramos


nosso caminho para o palácio, que fica empoleirado no final
das ruas mais icônicas de Oslo, presidindo sobre ele como um
bolo de casamento gigante, e vemos os guardas se pavoneando
enquanto Stuart faz alguns comentários bem engraçados sobre
eles. Parece que todos os britânicos nascem com o melhor
senso de humor.

Nosso hotel fica perto do palácio, então acabamos nos


separando depois, comigo dando à família meu e-mail e nome
do Instagram, caso eles queiram manter contato. Mesmo que
tenha sido um pouco estranho às vezes ter passado o dia com
esta família – e tenho certeza de que dei a eles uma experiência
da qual eles vão se lembrar, senão esquecer – quando volto
sozinha, sou atingida com uma pontada de tristeza. É a mesma
sensação que tive ontem à noite, depois de me comunicar com
Amber e mandar uma mensagem de texto para minha irmã, a
percepção de que, embora eu queira estar aqui, todos de quem
estou perto estão a um milhão de quilômetros de distância.

E a única pessoa que posso conhecer aqui é alguém que


nunca mais quero ver.

Para acabar com a solidão e aproveitar o clima calmo,


caminho pelas ruas que parecem contos de fadas com muitos
restaurantes e butiques implorando para serem compradas,
tirando fotos artísticas atrás de fotos artísticas para o meu
Instagram, esperando que isso acalme esse sentimento. Entro
em um café de aparência aconchegante, uma xícara de café é
a única coisa remotamente acessível nesta cidade, e pego meu
Kindle, folheando meu guia Lonely Planet para a Noruega. Os
cheiros reconfortantes de café moído e pastéis com cobertura
de cardamomo permeiam o ar e eu reúno coragem para
reservar o trem para Trondheim.

Bebo meu café lentamente enquanto tento bolar um


plano de jogo. Tiro o diário da bolsa e o espalho sobre a mesa
de madeira retorcida e faço uma lista dos lugares que quero
ver, das coisas que quero fazer. Tenho três meses aqui se
quiser usá-los, mas, por precaução, planejo apenas um mês.
O país vai roubar minhas finanças mais rápido do que eu
pensava e não acho que seja fácil conseguir um emprego sem
ser cidadão.

Então, é claro, há a questão de – o que acontece depois


disso? – Mas não quero me permitir pensar tão à frente.

Minha vida além desta viagem é um buraco negro


iminente.

A cafeteria está quase fechando – ficou cada vez mais


silenciosa com apenas uma música fraca de cantor e
compositor tocando e um barista curvado, varrendo entre as
mesas vazias – quando acho que descobri meu plano de
viagem. Como eu realmente quero ir para o norte e me aquecer
nas noites em que o sol não se põe, decido partir amanhã para
pegar o trem para a cidade de Trondheim e descobrir a melhor
rota para o Círculo Polar Ártico. Eu gosto bastante de Oslo,
mas não é por isso que vim aqui. É melhor começar de novo
amanhã.

Sentindo-me melhor com um plano, fecho o diário e,


usando o wi-fi gratuito, carrego uma foto anterior do meu café
com leite no Instagram, com a legenda: Planejamento de
viagem em um café em Oslo. Decidido ir de trem para Trondheim
amanhã. Até agora, a Noruega é tudo que eu esperava que
fosse.

Claro, fiz parecer que estava me divertindo melhor do que


estou, como se tivesse me encontrado aqui. Quero dizer, esse
é o objetivo da mídia social às vezes, não é? Enterrando sua
realidade, postagem por postagem.
E embora tenha tentado ao máximo não pensar nele o dia
todo, na caminhada de volta da cafeteria ao hotel, sob a luz do
crepúsculo das nove da noite, não consigo evitar.

Anders se insinua em meus pensamentos, como um


fantasma. Ainda posso vê-lo, cheirá-lo, como se oito anos atrás
fosse ontem. É tudo emoção. Esse choque. Aquelas mãos
úmidas e pulsações velozes e arrepios que sacodem você até o
âmago. São as emoções do meu primeiro amor, todas
embrulhadas em um pequeno pacote enganoso e patético.

Mas Anders não era apenas aquele primeiro amor para


mim, ele era muito mais. Ele era a única pessoa que me fez
sentir como se eu tivesse uma casa, mesmo que ele fosse o
estrangeiro em uma terra estranha.

E isso é triste. Muito triste. Porque, realmente, se eu


deveria estar sofrendo por alguém, deveria ser por Danny. Ele
é o homem com quem eu estava viajando, morando no
Brooklyn, que roubou meu coração na faculdade, que me fez
esquecer Anders e me fez acreditar que nem todos os homens
nascem para machucar você, que nem todos vão ferrar com
você. Naturalmente, isso era uma mentira. Danny não era
melhor do que Anders no final, talvez um pouco mais honesto,
mas mesmo assim foi embora do mesmo jeito.

— Isso é o que os homens fazem, — disse minha mãe


certa vez. — Eles partem. — Ela estava certa sobre isso e
errada sobre muitas outras coisas.
Quando volto para o hotel, o dia já me atingiu e estou
exausta. Subo na cama confortável, cobrindo-me com as
cobertas para me proteger contra o ar condicionado incessante
que não consigo descobrir como desligar, e fecho os olhos para
o meu segundo dia na Noruega.

Amanhã começo de novo.


ANTES

— Como você acha que é o pau de Jeremy Renshaw? —


Everly sussurra.

Quase cuspi a Sprite que estava na minha boca, minhas


mãos voando até meus lábios. Boa coisa, porque se uma das
bibliotecárias visse que coloquei um refrigerante aqui, ela
pegaria minha cabeça. Não sei por que sou sempre o alvo
número um.

Quando meu acesso de tosse fica sob controle, dou a ela


um olhar carregado e sussurro de volta: — Eu pensei que você
já tinha visto o pau dele. — Eu faço uma pausa, balançando
minhas sobrancelhas. — E mais um pouco.

Everly revira os olhos, mas há aquele rubor revelador em


suas bochechas. Talvez ela não tenha visto, mas ela quer. Eu
sei muito sobre ela. Ela quer ver o pau de todos.
Eu, por outro lado? Eles me assustam muito – e não de
um jeito bom. Além disso, você sabe, não há um único garoto
nesta escola que eu tenha curiosidade.

Ou não havia até recentemente.

No ano passado, quando estávamos no décimo primeiro


ano, tive algumas fantasias sobre perder minha virgindade
com Elliot Zane, que era um ano mais velho. Mas ele já se
formou e agora tenho os meninos da minha série ou os de
baixo. Everly diz que não posso ser exigente e ela
provavelmente está certa, mas mesmo assim.

— Eu ouvi que Jenny Bishop ficou com ele no fim de


semana — Everly sussurra, seus olhos correndo em volta dela.
Não seria a primeira vez que falamos sobre alguém para
encontrá-lo atrás de nós ou ao alcance da voz. O ensino médio
é apenas um grande exemplo de pessoas ouvindo coisas.

Eu quero fazer um comentário sobre Jenny Bishop ficar


com todo mundo, mas decido que isso me faz parecer ciumenta
e mesquinha. Isso é algo que escondi de Everly, embora ela
seja minha melhor amiga, mas sempre tive ciúme das garotas
que andam por aí. A ideia de sexo me deixa tão tensa e nervosa
que gostaria de poder dormir com quem eu quisesse. Mas estar
nua, tão íntima, com alguém... já estou me sentindo corada,
minhas mãos úmidas, só de pensar nisso.

E não é só sexo. Eu meio que gostaria que as pessoas


fofocassem sobre mim do jeito que Everly e eu fofocamos sobre
todo mundo. Parece estúpido, eu sei – quem em sã consciência
gostaria de fazer parte do boato? Mas às vezes acho que não
estou no meu juízo perfeito.

— Oh meu Deus, lá está ele — Everly diz em um sussurro.

— Jeremy? — Eu pergunto, seguindo seu olhar para a


entrada da biblioteca.

Mas não é Jeremy de jeito nenhum.

É o Anders. Anders Johansen, o estudante de


intercâmbio estrangeiro da Noruega.

E minha obsessão atual.

Tento não ficar olhando. É difícil não fazer isso.

Anders acabou de se mudar para cá há algumas


semanas, o que o torna agora o segundo cara mais alto da
nossa série (depois de Nick “Smu” Rodham, que joga no time
de basquete). Ele tem cabelos escuros compridos que se
enrolam um pouco na nuca, olhos azul-acinzentados escuros
e pelos faciais que a maioria dos caras da nossa idade só
sonharia em ter. Além disso, ele tem o sotaque e as tatuagens
mais sexy. Ele é o menino mau taciturno por excelência, como
Heathcliff foi transportado do livro Wuthering Heights3 que
tínhamos que ler no ano passado e mergulhou em nossa
escola, vagando pelos corredores em vez dos pântanos.

3 O Morro dos Ventos Uivantes


— Ele é tão gostoso, — diz Everly, sonhadora. — Embora
também um pouco assustador.

— Assustador? — Pergunto, observando enquanto


Anders para no meio da biblioteca e olha em volta, um polegar
enganchado sob a alça de sua mochila, parecendo sem esforço
legal. — Por que, só porque ele se veste todo de preto?

— Sim, — diz ela sem fôlego. — Mas é um bom tipo de


assustador.

Reviro meus olhos. — Tanto faz. — Everly pode querer ver


o pau de todo mundo, mas ouvi-la falar sobre Anders dessa
forma realmente me irrita.

Quer dizer, sei que não tenho direitos sobre ele. Ele falou
comigo nos corredores um dia e sou um caso perdido depois
disso. Ele tem um jeito tão intenso de olhar para você que dá
vontade de fazer o mesmo com ele. Quando ele não está
olhando, é claro. Nas últimas semanas, tornei-me muito boa
em olhar para ele quando ele não sabe disso.

Agora, porém, estou falhando.

Porque ele apenas olhou em nossa direção.

E encontrou meus olhos.

Merda.

— Ah não! — Eu grito, tentando me esconder atrás do


Sprite. — Ele apenas olhou para mim!
— E agora ele está vindo para cá — diz Everly, alegre
demais.

— O que?! — Meu coração parece que vai pular do meu


peito. — Não! — Olho para cima e, porra, sim, lá está ele,
caminhando em nossa direção, um sorriso fraco nos lábios.
Merda, merda, merda!

— Ei, Anders — Everly diz a ele, sorrindo, e me pergunto


se posso me esconder embaixo da mesa. E se eu fingir que
deixei cair algo e estou procurando? Isso poderia funcionar.
Talvez ele vá embora. Vale à pena experimentar.

Inclino-me, minhas mãos no tapete sujo, esperando que


ele não possa me ver.

— Ei Everly — ele diz com seu sotaque sexy, e vejo seus


Doc Martens pretos pararem bem ao lado da mesa. — Shay
está por aí?

Oh meu Deus, ele está perguntando por mim! Ele se


lembra do meu nome!

E então meu rosto fica vermelho como uma beterraba


quando percebo que provavelmente minhas costas ainda estão
aparecendo e ele pode me ver perfeitamente. Bem, e agora?

— Oh, Shay está por perto, — diz Everly, e sinto seus


olhos em mim. — Ela parece estar ocupada no momento.

— Isso é bom. Eu queria saber se você poderia passar


uma mensagem para mim.
Oh meu Deus.

— É claro — diz Everly, e posso dizer que ela está


tentando não rir.

— Eu estava me perguntando se ela queria sair comigo


sexta à noite.

— O que?! — Exclamo, me endireitando e batendo minha


cabeça com força no fundo da mesa. Ai, foda-se!

Mas a dor dura pouco porque então estou colocando


minha cabeça para cima, meu cabelo na cara, tentando
parecer tão legal quanto um pepino na frente dele e falhando
loucamente. Ele não poderia simplesmente ter dito o que eu
pensei que ele disse, poderia?

Anders apenas sorri para mim. — Ah, aí está você. Acho


que posso perguntar a você mesmo. Você está livre na sexta à
noite?

Freneticamente escovo meu cabelo do rosto, tentando não


parecer estúpida e falhando.

— Você está... me convidando para sair? — Não posso


acreditar que acabei de dizer isso, mas tenho que ter certeza
antes de perder a cabeça.

— Claro, um encontro, — ele diz. — Há um filme que eu


quero ver, Prometheus. Ficção científica. A prévia de Alien.
Michael Fassbender está nisso, se isso ajudar.
Quer dizer, sim, ajuda, mas eu ficaria bem em assistir Nic
Cage também, contanto que estivesse com Anders.

— Oh meu Deus! — Exclamo. — Eu amo ficção científica!


E Alien. E filmes. E-

Everly levanta a mão. — O que ela está tentando dizer é


sim.

Lanço um olhar de agradecimento para ela, porque sei


que ela me salvou de dizer a Anders que eu também o amava.
Meu Deus, esse garoto está transformando meu cérebro em
mingau.

— Ótimo — Anders diz, seu sorriso fazendo o coração


pular duas batidas de uma vez. — Vou adicionar você ao meu
Facebook, enviar os detalhes antes disso. Tudo bem para você?

Aceno, entusiasmada demais.

Então ele pisca. Ele pisca para mim! Como se ele estivesse
transando com James Dean ou algo assim, e então ele se vira
e sai da biblioteca.

Imediatamente desabo na minha cadeira, a mão no meu


peito, conseguindo olhar para Everly com os olhos arregalados.
— O que diabos aconteceu?

Everly parece chocada e divertida, um sorriso torcendo


seus lábios. — Não faço ideia. Mas sua puta sortuda. Ele te
convidou para um encontro. Achei que você nunca tivesse
falado com o cara!
— Uma vez, — digo, apontando meu dedo para o ar. —
Falei com ele uma vez. Foi isso. Ele está nas minhas aulas,
mas não conversamos. Apenas fico olhando para ele. Isso é
tudo.

— Bem, eu acho que ele quer que você olhe para ele a
uma distância mais próxima. Puta merda, Shay. Você vai sair
com Anders.

Vou sair com o Anders!


NOS DIAS DE HOJE

— Você está no Instagram? — Espen pergunta, olhando


por cima do ombro para o meu celular.

Encolho os ombros, fecho o aplicativo e coloco o telefone


no meu jeans. Eu dou a ele um olhar casual. — Quem não
está?

— Homens. Os homens não estão no Instagram, — diz


ele, me olhando de cima a baixo, como se estivesse prestes a
revogar minha masculinidade. — Nunca confie em um homem
que tira selfies.

Sorrio para ele. — Eu posso apoiar essa teoria, — digo,


mas não elaboro. Na verdade, não uso minha conta do
Instagram, apenas entro no aplicativo para assistir a algumas
contas. Alguns podem dizer – perseguir – alguns relatos,
principalmente um relato, e sei que é o que Espen diria se eu
contasse a ele, então deixo por isso mesmo. Ele pode pensar
que eu tiro selfies o dia todo.
O fato é que, quando estou com ele, trabalhamos o dia
todo. Quando estamos no mar, levantamos às cinco da manhã
e nos acomodamos para comer frios, sopa e pão às oito da
noite. Às vezes, dormimos apenas duas horas por vez. Depende
do peixe. Não há selfies, não há tempo de inatividade. É só
dirigir o barco enquanto Espen e os marinheiros colocam as
redes e puxam as redes para cima. É um trabalho frio, úmido,
escuro e brutal.

Mas o final sempre vale à pena. Acabamos de sair de uma


viagem de três semanas no Mar do Norte e pesamos todo o
bacalhau. Embora eu às vezes (ok, muitas vezes) deseje não ter
assumido os negócios da família para meu pai, são os grandes
lances e os salários ainda maiores que me mantêm em pé. Isso,
e o fato de que a fazenda da família não está indo muito bem
e, se não fosse por mim, meu tio Per estaria se debatendo ainda
mais.

— Ei, tire uma selfie disso — diz Espen, segurando seu


cheque de pagamento e levantando os polegares.

Bato em seu braço, embora isso faça pouco para mover o


homem. Espen nunca poderia ser acusado de ser vaidoso. Ele
tem mais de um metro e oitenta, ombros enormes e uma
barriga igualmente enorme. Sua barba faz a minha parecer
uma amadora – está na fronteira de Gandalf – e o homem ronca
e peida como um cavalo alcoólatra.

— Vamos lá, — diz ele, enquanto descemos as docas —


vou te pagar uma cerveja.
Ele é bom para isso – comprar cervejas suficientes
quando chegarmos a terra e beber até acharmos que ainda
estamos no mar. Claro, ele também é o melhor amigo e
pescador que alguém pode ter quando está trabalhando com a
umidade e o sal que grudam em seus cílios, em seus ouvidos,
vivendo em seus ossos. A outra equipe vai e vêm, alguns deles
amigos de longa data que aparecem quando precisam do
dinheiro. Normalmente, eles têm problemas com drogas ou
jogos de azar, ou devem dinheiro às pessoas, mas pelo menos
quando estão no navio, eles fazem o trabalho. Mas Espen é
sempre bom para rir, sempre confiável.

Hoje, porém, mantenho a cerveja para um. Vamos ao


nosso bar de sempre em Kristiansand, um lugar degradado
com todo o charme de um cachorro de rua. Todo mundo lá é
pescador, todos fedem como o mar, com as mãos calejadas e a
pele com crosta de sal. A iluminação projeta sombras escuras,
as paredes de um verde pegajoso, o ar cheio com o cheiro de
cerveja derramada e o som das máquinas caça-níqueis no
canto, onde muitos homens estão desperdiçando seus ganhos.
Todo mundo aqui é mais duro do que o pão de um mês.

Continuam chegando mensagens de minha irmã, Astrid.


Normalmente passo uma noite no hotel aqui ao lado do bar
antes de voltar para casa. Mas ela está de volta em casa, na
remota cidadezinha de Todalen, onde moro quando não estou
no barco, junto com uma de minhas outras irmãs, Lise. Elas
estão visitando para 01 de maio, nosso dia de trabalho, que é
em poucos dias. Astrid mora em Paris, então raramente
consigo vê-la.

Além disso, para ser honesto aqui, ficar semanas sem


sinal no celular me deixa ansioso para colocar algumas coisas
em dia e não quero perder meu tempo no bar, com Epsen, no
telefone. Ele pode ter que revogar meu cartão de
masculinidade, afinal.

Depois da cerveja, nos despedimos e eu sei que Espen


estará no bar à noite toda, talvez até amanhã, antes de
finalmente rastejar de volta para sua esposa e filhos no litoral.
Eu ando até o meu carro, dando tapinhas carinhosos no capô,
sempre feliz em vê-la. Ela é uma Datsun de 1974, 260Z,
vermelha como cerejas da primavera. Ela está ronronando
como uma gatinha agora, mas levou anos de trabalho para
deixá-la em ótimas condições. Comprei-a depois da primeira
viagem no mar, com meu primeiro salário. Todo o resto foi para
meu tio.

Quando herdei o navio após a morte de meu pai, não


sabia o que diabos estava fazendo. Fazia anos que eu não
pescava e só saí uma vez com meu pai, quando tinha dezesseis
anos. Foram duas semanas de inferno que deveriam nos unir
– ou assim ele esperava – mas isso só nos afastou ainda mais
e a mim indo para a América. Então, embora precisasse
assumir o legado de meu pai, principalmente por culpa,
principalmente por necessidade, trouxe o primeiro imediato de
meu pai, Dag, que assumiu o comando por um ano e me
ensinou como funciona. Foi um ano infernal, mas aprendi
muito e, embora ainda me pergunte se deveria ser capitão, sou
o homem do navio, e isso supera tudo.

A viagem de Kristiansand a Todalen leva menos de duas


horas, através de vários túneis, passando pelos fiordes e
pequenas cidades sempre presentes e uma travessia de balsa.
No momento, o clima temperamental da primavera está sendo
mantido sob controle, com raios de sol entrando pelas nuvens
altas, e paro em um mirante turístico para comer uma maçã e
tentar colocar minha cabeça no lugar certo.

Sempre há uma grande mudança entre minha vida no


mar e minha vida em Todalen. Na minha aldeia, existe
restrição. Por mais linda e cenicamente inspiradora que seja a
cidade, é também o lugar onde cresci, o lugar onde minha vida
desmoronou, o lugar de onde tentei escapar. Não importa o que
eu fizesse, para onde fosse, quem me tornei, isso me trouxe de
volta, encurtando a guia. É onde todos sabem seu nome e o
conhecem – ou, pelo menos, pensam que conhecem.

No mar, você está sozinho. Sim, há seu primeiro imediato,


como Epsen, e marinheiros, mas como capitão você fica
sozinho a maior parte do tempo, com apenas fuzz no rádio
como companhia. Não há restrições que você possa ver ou
sentir, apenas as ondulações cinza-escuras, a inclinação
familiar do barco, o horizonte que está sempre se movendo,
sempre acenando para você continuar. Mas o mar é um lugar
perigoso. Tirou a vida do meu pai. Promete liberdade, mas essa
liberdade só leva à morte.
Eu vivo duas vidas.

Eu gostaria de poder viver uma terceira.

Embora já faça isso há anos, sempre preciso de um


momento para me ajustar antes de voltar para casa.
Principalmente agora com Astrid e Lise na fazenda. Estou feliz
que a gêmea de Lise, Tove, não esteja lá. Parece horrível dizer
isso de sua irmã, mas ela é uma bagunça total e a rainha da
agressão passiva. Dizer que os relacionamentos em nossa
família são complicados é um eufemismo completo.

A balsa segue em frente e me inclino sobre o capô do carro


e vejo como nuvens escuras vêm ondulando sobre as
montanhas ao norte. Minha mente gira em um poema. Faz
muito tempo que não escrevo e estou bem com isso. Talvez eu
devesse deixar essa parte de mim ir, como um pássaro no
vento. Mas essas nuvens estão vindo de Trondheim e rolando
com a promessa dela.

As nuvens rolam impunes

Cheias, redondas, curvas

Lábios, quadris, pernas

Deslizando suavemente sobre a crista de uma montanha

Isso já foi um homem.

Ou talvez seja o homem

Quem já foi uma montanha.


Imóvel.

Impenetrável

Preso.

E aí vem ela

Não para libertá-lo

Mas para seguir em frente.

Sem nunca olhar para trás.

Porra. Eu acho que. Merda completa, como sempre. Se eu


pudesse desintegrar o papel em meu cérebro, eu o faria.

Mas o fato ainda permanece.

Shay estará em Trondheim amanhã.

Não deveria ter baixado o Instagram no mês passado. Isso


foi um erro. Eu estava entediado e esperando que Epsen
chegasse às docas, horas para matar, luz do sol fraca nas
minhas costas.

Everly Madison me adicionou como amigo no Facebook


anos atrás. Não mantive contato com ninguém daquele ano na
América, então foi uma surpresa. Não posso dizer que foi uma
boa surpresa, mas gostei de Everly. Mesmo em tenra idade, ela
tinha essa atitude de garota durona que de alguma forma a
deixava à vontade. Isso é tudo que eu sempre quero nas
pessoas – sem besteira.
Eu não podia fingir, porém, que Everly não era meu
próximo passo para Shay. Então, talvez eu estivesse cheio de
besteiras. Nunca tive coragem de acrescentar Shay, de mandar
uma mensagem para ela, de dizer que sentia muito, que ainda
sinto muito por tudo que fiz a ela.

Por isso, continuei amigo de Everly e, embora raramente


nos falássemos, a não ser por um gosto aleatório ou um
comentário sobre um status, eu revia suas fotos de vez em
quando, examinando Shay.

Gostando do que vi.

Não, amando o que vi.

Apenas de coração partido pelo que vi.

A garota com o cabelo rebelde e cicatrizes de acne e os


lábios mais doces que já enfeitaram meu corpo se transformou
em uma mulher a quem palavras não podiam fazer justiça.
Acredite em mim, eu tentei.

Tornou-se uma espécie de vício. Logo eu estava sempre à


espreita, me sentindo culpado por fazer isso, como se fosse
algum tipo de perseguidor. Inferno, eu sou uma espécie de
canalha, não adianta contornar a linguagem aqui. Então eu
estava me sentindo culpado pela maneira como as coisas
terminaram entre nós, a merda que deixei na poeira.

Então Shay estava na Europa. Na Itália.

Com o namorado, mas ainda assim.


Perto. Ainda tão longe.

E então, no ano passado, assim, como se ela soubesse,


todas as suas fotos se tornaram privadas. Eu não conseguia
mais vê-la. Então, no mês passado, vi Everly postar uma foto
do Instagram no Facebook. Ela mencionou Shay na legenda,
marcou-a.

Eu baixei o Instagram.

Encontrei Shay. O perfil dela, público.

E meu mundo começou a girar mais uma vez.

Passei a hora inteira vendo todas as fotos dela, da Itália à


Irlanda. Então entrei no barco, deixei suas imagens e recepção
para trás.

Até esta manhã.

Ela estava em Oslo.

Agora ela está em Trondheim.

Ela está aqui.

Suspiro e encolho os ombros, tentando tirar os nós deles.


Um dos marinheiros machucou o braço há alguns dias, então
eu estava trabalhando quando pude, para ajudar a trazer as
redes. Observo enquanto as nuvens continuam a rolar em
minha direção, alcançando a água, alcançando-me, depois
virando antes que possa me pegar.

Eu volto para casa.


— Então, Anders, quem é a garota? — Astrid pergunta.

Congelo, minha garfada de batata parou a meio caminho


da minha boca. Olho minha irmã enquanto ela vai até a
geladeira para pegar uma cerveja, atenta o suficiente para
pegar uma para mim também.

— Que garota? — Pergunto, antes de enfiar a comida na


minha boca.

— Sim, que garota? — Lise diz inclinando a cabeça,


sorrindo maliciosamente para mim. — Anders tem tantas, é
difícil manter o controle.

— Oh, eu não sei, — Astrid diz, se jogando de volta na


mesa e deslizando uma das cervejas para mim. Ela sorri para
mim, seus dentes da frente têm uma pequena fenda que a faz
parecer eternamente uma garotinha, apesar do que ela faz para
viver. — A última vez que soube, Britt Solberg pegou sua
imaginação. Ela tem uma boca barulhenta. Não sei por que
você não pode brincar com uma das garotas mais caladas da
cidade.

— Nesta cidade, não há garotas quietas, — Lise


acrescenta com uma risada, tirando o cabelo escuro do rosto.
— Todo mundo sempre sabe tudo. Por que você acha que me
mudei para Oslo?
Enquanto isso, tio Per permanece em silêncio durante
tudo isso, embora ele me lance um olhar de simpatia antes de
voltar para sua refeição. Isso é Per. Sempre em silêncio, sempre
ouvindo. Sempre comendo.

Tenho como objetivo compreender um pouco de sua


determinação. Não digo nada. Especialmente sobre Britt
Solberg. Ou Anita Dahl. Ou Heidi Olsen. O estereótipo do
marinheiro não difere do pescador. Depois de semanas no mar,
uma mulher é exatamente o que você precisa para colocar sua
cabeça – e corpo – de volta à realidade. O único problema é que
sempre volto aqui para ver as mesmas meninas. Todas elas já
conhecem minha reputação, mas isso não as impede de se
divertirem de vez em quando. Graças a Deus por isso.

Além disso, nunca fui de beijar e contar. As garotas vão


geralmente seguindo as palavras, – aquele cara de merda – ou
algo semelhante, mas eu apenas sorrio e sigo em frente.

Ainda. Não posso evitar. Não vejo Astrid há semanas e


não seria muito parecido com um irmão se eu não a
derrubasse.

— Você é quem fala, — digo a ela. — Quantos franceses


você pegou depois do expediente?

— Anders — Per me repreende.

— O que? — Exclamo, palmas levantadas. — Não é justo


que ela possa me dar um soco, mas eu não posso fazer um
contra ela. Onde está a igualdade nisso?
Enquanto isso, Lise está rindo baixinho para si mesma e
Astrid está me olhando feio. Ela é assustadoramente boa nisso
e eu sei, enquanto crescia, que ela o usava em todos os homens
da cidade. É por isso que meu comentário é mais engraçado do
que qualquer coisa.

— Sou uma dançarina burlesca, não uma prostituta, —


diz Astrid, erguendo o queixo de maneira arrogante. — E
mesmo se eu fosse, e daí?

— Eu também não sou um prostituto — eu a lembro.

Ela continua me encarando até eu finalmente desviar o


olhar. Ela vence novamente.

Astrid sempre foi difícil enquanto crescia. Depois que


minha mãe trocou nossa família pela América e se casou com
um maldito nova-iorquino, ela me deixou, o mais velho,
encarregado de minhas irmãs. Com o tio Per ocupado com a
fazenda e meu pai sempre ausente pescando, toda a
responsabilidade recaiu sobre mim.

E na época, a responsabilidade era um veneno para


minha alma.

Astrid era quem estava se metendo em mais problemas,


não exatamente com os meninos, mas com seu grupo de
amigas que pareciam estar à flor da pele nesta cidade. Como
estamos separados por apenas dois anos, ela não recebeu
ordens minhas, nem de ninguém. Lise e Tove nem eram
adolescentes na época e ficaram tão perturbadas com a partida
de nossa mãe – como todos nós – que eram muito mais fáceis
de controlar.

Acho que não foi nenhuma surpresa que, quando Astrid


fez dezoito anos, ela se mudou para Oslo. Em seguida, para
Copenhague. Depois, Amsterdã. E agora Paris, onde ela mora
há alguns anos e trabalha como dançarina burlesca.
Naturalmente, sendo seu irmão, nunca vi nenhum de seus
programas e não tenho absolutamente nenhuma vontade de
vê-lo, embora Lise e Tove me digam que ela é boa no que faz.

Eu não tenho nenhum problema com isso – o que quer


que a faça feliz. Mas tenho que admitir, às vezes a invejo muito.
É uma sensação estranha ter inveja da sua irmã, como se fosse
contra a corrente, mas o sentimento está lá. Astrid está
fazendo o que quer da vida. Ela está fazendo o que quer – ponto
final. Não tenho esse luxo e, para ser sincero, nem mesmo se
o tivesse merecia.

Com a briga entre eu e Astrid acabada, ela e Lise


começam a discutir sobre um livro que ambas leram. Sentado
na cozinha em que cresci, ainda posso sentir o cheiro dos
waffles que minha mãe costumava fazer todas as manhãs, os
montes de geleia e creme recém-feito das vacas. Minha mãe
nunca foi muito carinhosa, mas ela sabia como lidar com a
cozinha. Como sempre, meu estômago borbulha de nostalgia
tóxica.

Tomo um longo gole de cerveja e pergunto ao tio Per como


estão os cordeiros. Ele oferece algumas palavras, me
informando no que estarei ajudando no próximo mês – a
primavera é movimentada – antes que eu embarque
novamente, embora ele não consiga esconder sua careta
quando se ajusta na cadeira. A saúde do tio Per nunca foi das
melhores. — Muita manteiga, muito uísque, — meu pai
costumava dizer, e eles foram lentamente alcançando-o ao
longo dos anos, agora dando seu golpe. Ele tem ido ao médico
e até agora tudo parece bem, mas ele é um homem velho e
infeliz, e temo que este último possa ser a sua verdadeira morte
um dia.

Meu tio nunca se casou. Astrid uma vez me disse que ele
se apaixonou por uma mulher quando era muito jovem e eles
estavam prestes a se casar, mas ela morreu em um acidente
de carro. Eu acho que ele jurou amor – e pelo menos as
mulheres – depois disso. Nunca conheci nada diferente. Eu
cresci nesta casa de fazenda com o quarto dos meus pais em
uma extremidade do longo corredor do andar de cima e meu
tio na outra. Eu sei que os dois herdaram a fazenda dos meus
avós e eles fizeram isso trabalhando juntos. Éramos uma
grande família um tanto feliz.

Então, quando os tempos ficaram difíceis e a fazenda


sofreu um golpe, meu pai se tornou pescador para
complementar a renda.

Dizer que me tornei filho de meu pai me apavora em sua


exatidão.
— O que você acha? — Astrid diz, e eu percebo que ela
está falando comigo.

Levanto minhas sobrancelhas. — Não me diga que isso é


sobre uma garota de novo.

Ela olha para o nosso tio. — Você precisa que Anders


comece a ajudar amanhã ou isso pode esperar um dia?

— Por que? — Eu pergunto, desconfiado.

— Achei que você, eu e Lise poderíamos passar o dia em


Trondheim. Roar está chegando, vou buscá-lo na estação de
trem. — Ela olha nosso tio. — Tio Per, você pode ir também.
Pode ser bom fugir deste lugar.

Mas eu mal estou ouvindo enquanto eles falam sobre


isso.

Trondheim.

Seria engraçado se eu não tivesse realmente tido a ideia


de ir para lá de qualquer maneira.

Indo lá por capricho.

Por todas as razões erradas.

Razões muito erradas.

Trondheim não é uma cidade grande, mas é


movimentada. As chances de eu ver Shay lá são quase nulas,
mesmo se eu a perseguir no Instagram, tentando traçar cada
movimento dela através de suas histórias. E mesmo se eu
topasse com ela, o que eu diria? Eu sinto muito? Ela me bateu
tão rápido que nem consegui pronunciar as palavras, e ainda
me lembro de como era o punho dela. Eu ainda me lembro de
como ela é toda, e foder Britt Solberg um milhão de vezes
nunca, jamais apagará isso.

Os primeiros amores devem ser uma besteira, e ainda


mantenho isso.

Mas, inferno, se essa merda não fede para sempre.

— Estou dentro, — digo rapidamente, me desculpando


para o tio Per. — Se estiver tudo bem.

Ele acena com a cabeça, balançando a papada e ajeitando


os óculos. — Sim. Tudo bem, Anders. Mas vou ficar aqui. A
cidade já não é o que era.

O que acho que ele quis dizer é que não quer ficar preso
em um carro por duas horas com seu sobrinho e sobrinhas.
Nem tenho certeza se quero isso também.

Mas a atração está aí.

As nuvens estão rolando sobre as montanhas.

E ela estará do outro lado.


O cenário voando pela minha janela é quase lindo demais
para ser considerado real. Tiro foto após foto, xingando a mim
mesma quando sou muito lenta para ver aquela bela casa
vermelha em meio a um campo de trigo dourado, ou quando
recebo o brilho do sol em vez disso, estragando uma foto de
nuvens de algodão doce acima de um campo sem árvores de
uma vista alpina. Não posso acreditar que quase desisti deste
país por causa de alguns dias ruins em Oslo, porque esta
viagem de trem sozinha é uma das mais empolgantes que já
fiz.

Eu tenho um assento confortável perto da janela, sem


ninguém ao meu lado, em frente a uma mulher que está
viajando com um galgo4 em miniatura enrolado em camadas
de cobertores e parecendo totalmente em casa. O trem tem um
carrinho de bar e, embora seja um pouco antes do meio-dia, já

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comecei a comprar uma lata de cidra de pera crocante e um
waffle achatado que você deve comer com queijo marrom doce.

Se eu estava preocupada em encontrar meu lugar, minha


direção, isso tudo está sendo deixado para trás nos trilhos do
trem. Agora eu realmente sinto que estou viajando. Estou
avançando e vendo o país à medida que vou avançando.

Às vezes, o trem acelera ao longo de rios tão turquesa que


parece que Deus jogou aquarela neles. Outras vezes, passamos
por fazendas pitorescas com celeiros vermelhos gigantes e
casas brancas com detalhes escuros e um gramado no telhado.
Sim, um gramado. Todo mundo aqui tem grama no telhado,
todo mundo também parece manter os quintais e as casas
mais arrumadas da história de todos os tempos. Não há lixo
em lugar nenhum, não há pintura descascada ou cores
desbotadas. Cidade após cidade, tudo que vejo são as casas
mais pitorescas, fofas e arrumadas que já vi. Até as florestas
aqui parecem ser ordenadas, os pinheiros altos e imponentes
marchando em uma fileira, flanqueando lagos imaculados
como guardas em alerta.

Quando o trem chega a Trondheim, sinto como se tivesse


me afogado em sensações visuais. Também estou muito
dolorida e cansada, considerando que foi um passeio de oito
horas, embora tenha provado ser fascinante o caminho todo.
Tenho quase certeza de que irritei todo mundo no meu
Instagram com minhas fotos, embora a maioria das pessoas
em casa ainda esteja dormindo. Ninguém quer ver um milhão
de postagens de campos verdes ofuscantes, paisagens alpinas
ou fotos da minha sidra, mas isso não me impede. O que mais
você deve fazer? Meu diário já está cheio de bobagens e meu
cérebro está ficando um pouco cansado de mim mesma.

Além disso, uma parte de mim quer que Danny veja.


Depois que ele terminou comigo, o arranquei da minha mídia
social e aumentei minhas configurações de privacidade ao
máximo. Mas Instagram é meu forte e mantenho essa conta
pública, então às vezes me pergunto se ele está me seguindo
secretamente. Embora Danny não ocupe mais meus
pensamentos, há aquela parte mesquinha de mim que quer
provar a ele o quanto estou me divertindo, como estou melhor
sem ele. O tempo apenas suaviza a dor da rejeição, nunca a
apaga completamente.

Quando paramos, coloco minha jaqueta, olhando para a


chuva que está começando a atingir a estação de trem,
descendo as janelas e pego minha mochila no porta-malas
entre os carros. Por alguma razão, quando me imagino
viajando para algum lugar, sempre imagino que o tempo está
ensolarado. Eu faço isso independentemente da estação e
sempre vem para me morder na bunda.

Desta vez, reservei um quarto privado em um pequeno


hotel na – cidade velha – de Trondheim e, embora parecesse
uma curta caminhada no mapa, agora que a chuva está caindo
e o GPS do meu telefone está me dizendo que é mais como 30
minutos, decido ficar parada na estação de trem e
esperançosamente esperar. Há táxis do lado de fora e não
consigo descobrir se o Uber opera aqui, mas me concentro em
economizar dinheiro sempre que posso. Além disso, não pode
chover para sempre e a caminhada vai me fazer bem para
queimar aqueles waffles com o estranho queijo marrom.

Mas quando uma hora se transforma em duas e estou


ficando entediada e ansiosa esperando na estação, bebendo
garrafas de Brus – um suco de maçã com gás que é incrível –
decido andar. Está mais frio aqui do que em Oslo e realmente
atravessa você, até mesmo na estação de trem.

Eu fico nos degraus procurando por táxis ou carros com


um sinal do Uber, mas não vejo nada até que uma perua VW
cinza escuro para em uma vaga de estacionamento e uma
garota da minha idade com cabelo ruivo desgrenhado sai,
enrolando um lenço amarelo mostarda em volta do pescoço de
sua jaqueta de couro e acendendo um cigarro. Posso ver que
algumas pessoas ainda estão no carro, mas não vão sair.

Ela sobe os degraus até estar ao meu lado sob o abrigo


da saliência e espia pelas janelas de vidro da estação antes de
me dar um sorriso rápido e dizer algo em norueguês.

— Desculpe... — começo a dizer, não entendendo ela.

— Oh, você não fala norueguês, — diz a garota


rapidamente, dando uma tragada no cigarro. Como a maioria
das pessoas que conheci aqui, seu sotaque é suavizado quando
ela fala inglês e ela fala perfeitamente. — Isso é bom. Eu só
estava me perguntando se o trem tinha chegado.
— Eu estava em um de Oslo, cheguei algumas horas
atrás, mas é isso.

Ela franze a testa para mim e conto um punhado de


sardas em seu nariz. — Você está na estação de trem há horas?
Estou lhe dizendo, não é o melhor que Trondheim tem a
oferecer.

— Estava esperando a chuva diminuir e depois caminhar


até a cidade, então pensei em pegar um táxi, mas não vejo mais
nenhum.

Ela olha para o céu. — Não está diminuindo. Não choveu


muito aqui nesta primavera, então está realmente caindo. —
Ela olha para mim. — De onde você é? Canadá?

— Nova York — digo a ela.

— Legal, — ela diz com um aceno de cabeça. — Minha


mãe mora lá, mas eu nunca fui. Mas está na minha lista de
desejos.

— Você mora em Trondheim?

Ela balança a cabeça. — Na verdade, eu moro em Paris.


Estou apenas visitando a família, amigos. — Ela suspira e me
dá um sorriso bobo. — Venho aqui algumas vezes no ano, é tão
fácil com os voos. Mas mesmo assim, cada vez que venho tenho
que fazer a ronda e visitar todos que conheci. Vou buscar meu
amigo hoje, depois vou voltar para ver minha família e depois
voltar para Paris. Um dia vou sair de férias para realmente
relaxar.
— Parece ocupada, — comento, grata por essa garota ser
tão aberta e falante. — Eu amei Paris, gostaria de ter ficado
mais tempo. Muito caro.

— E, no entanto, aqui está você na Noruega.

Eu rio, tirando minha franja do rosto e me afastando


ainda mais da chuva. — Eu sei. Os preços estão me matando
até agora. Só cheguei há Oslo outro dia, mas já sinto minha
conta no banco esgotando. Mas tem sido meu sonho vir aqui e
algumas coisas valem a pena, sabe?

— Totalmente, — diz ela, soprando uma nuvem de


fumaça por cima do ombro e para longe de mim. — Isso era
tudo para mim e Paris. Eu trabalho lá. Mas é tão fácil fazer isso
aqui na UE. Você está apenas viajando? Vagando?
Trabalhando?

— Um pouco de tudo isso — digo a ela.

Ela acena com a cabeça e faz um pequeno ruído em


concordância, o tom aumentando no final. — Bem, onde você
está indo agora? Você quer uma carona?

— Oh, eu não poderia — digo a ela. Embora eu esteja


emocionada por ela ter oferecido, a última coisa que eu quero
é colocar essa estranha para fora.

Ela me dá um olhar desdenhoso. — Vamos. Não tem


problema. Onde você está ficando?

— O Hotel Gustav. Acho que está na cidade velha.


— É do outro lado do rio. Ao lado de um pub incrível.
Assim que Roar sair do trem, nós a levaremos até lá. Beba um
copo. Ele mora naquela direção de qualquer maneira e está
visitando a família também, então não acho que ele esteja com
pressa de voltar para casa.

— Tem certeza? Não quero me impor em seu tempo com


seu amigo...

Ela me encara diretamente, o vento soprando um pedaço


cacheado de ruivo em seu rosto. — Ouça. Está tudo bem. Está
combinado. Eu tenho meu irmão e minha irmã no carro de
qualquer maneira. — Ela sacode a cabeça em direção à
caminhonete e estende a mão. — Eu sou Astrid, a propósito.

— Shay — digo a ela, e fico surpresa com a força de seu


aperto de mão. Seu nome faz minha cabeça girar. É familiar de
alguma forma.

Ela sacode a cabeça em direção ao estacionamento. —


Vamos, vou colocar suas coisas no carro antes que ele chegue.
Quem sabe quantas coisas ele está trazendo.

Astrid pega minha mochila e vai em direção ao carro.


Ainda estou surpresa com sua simpatia e generosidade, e há
uma sensação estranha no meu estômago que está crescendo
e crescendo. Como déjà vu, mas não exatamente. Como se algo
estivesse acontecendo, que as engrenagens da máquina que é
minha vida estivessem girando, rodas em movimento, fazendo
com que as coisas aconteçam.
Começo a descer as escadas atrás dela, quando de
repente tudo passa em câmera lenta.

Enquanto ela joga minha bolsa no porta-malas, a porta


do lado do passageiro se abre e um homem alto sai, os ombros
como montanhas.

Ele me olha, me encara.

Olhares em mim.

Como se ele pudesse ver meu coração começando a bater


forte no peito.

Não. Não. Não.

Não pode ser.

Pisco porque há algo errado com meus olhos. A chuva


está nublando-os.

Juro que estou olhando para um homem que se parece


exatamente com o que Anders seria agora.

A barba.

Esse cabelo bagunçado e desgrenhado.

Essas maçãs do rosto.

Claro, a maioria dos homens bonitos que vi na Noruega


até agora são exatamente assim, mas ainda assim.
— Shay? — ele pergunta incrédulo. Sua voz está muito
mais profunda agora, e ainda assim soa como ontem, mesmo
enquanto ecoa por este estacionamento.

Tenho dezesseis anos de novo.

E é aí que quase deixo cair minha mochila.

Isso não pode estar acontecendo.

Ele não pode ter chamado meu nome.

Esse realmente não pode ser ele.

Anders Johansen.

Quero dizer a ele que não o conheço. Que meu nome não
é Shay. Que ele cometeu algum erro.

Mas não consigo. Eu só posso olhar, assim como ele só


pode olhar. Há muita chuva e nosso passado entre nós.

— Vocês dois se conhecem? — Astrid pergunta, olhando


entre nós dois. Então, algo surge em seu rosto. — Oh... Anders.
Esta é... esta é a garota?

Eu sou a garota?

— Shay — Anders diz novamente, como se não o tivesse


ouvido, a voz mais suave agora. — Eu não posso acreditar... —
ele pisca algumas vezes, balança a cabeça e um pedaço de
cabelo preto molhado gruda em sua testa. — Por favor, entre
no carro. Nós a levaremos aonde você precisar ir.
Onde eu preciso ir é de repente a milhares de quilômetros
de distância daqui. Estou tão tentada a simplesmente passar
por eles ou dar meia-volta e voltar para a estação de trem.
Fingir ignorância. Fazer de conta. Salvar o rosto, o coração e a
alma.

Mas não consigo. Não há sentido. Porque depois de tudo


que se interpôs entre nós, aqui estamos nós de novo. Como
você pode não acreditar no destino quando estamos nos
encarando depois de todos esses anos, chuva em meus olhos,
medo em meu coração?

Merda. Meu pulso está batendo tão rápido que temo que
vá explodir na minha pele.

Eu concordo. — Ok — digo, minha voz tremendo.

Minhas pernas em câmera lenta, desço o último degrau e


ele anda ao redor do capô do carro, com a mão estendida para
tirar minha mochila dos meus ombros. Conforme ele se
aproxima, eu o vejo agora em detalhes assustadores.

A chuva escorrendo por sua testa franzida. Seus olhos


azul-acinzentados, como o mar mais profundo e escuro. Seu
nariz romano, ligeiramente torto no centro, como se tivesse
levado um soco por algumas pessoas (além de mim).

Ele não está sorrindo para mim, apenas olhando, talvez


com curiosidade, talvez com medo.

Porque me lembro de tudo como se fosse ontem.


A raiva, a vergonha e o arrependimento não foram
embora.

Ele engole e vejo seu pomo de adão balançar em sua


garganta e mais uma vez fico impressionada com o quão maior
ele é agora, todo homem e musculoso. As tatuagens em seus
dedos aparecem quando ele pega minha mochila, que eu tirei
dos meus ombros sem nem perceber. O pardal. Essa foi à
tatuagem dele para mim. Eu era o pássaro na gaiola, aquele
que ele queria libertar.

— É você — ele sussurra, sua voz rouca, como se


estivesse presa em algum lugar em sua garganta. Ele me olha
atentamente, em busca da realidade.

Por que o tempo foi tão bom com ele?

Mas há algo queimando em seus olhos, a maneira como


ele se mantém, o leve aperto em sua mandíbula, que me diz
que talvez o tempo não tenha sido tão gentil, afinal.

Antes que eu possa me mover ou fazer qualquer coisa, a


porta ao meu lado se abre e uma garota, talvez em torno de
vinte anos, com olhos de mar profundo como ele e um corte de
cabelo de duende escuro põe a cabeça para fora.

— Vocês vão absorver toda a chuva ou o quê?

Anders simplesmente passa por mim, perto o suficiente


para eu sentir um leve cheiro de algo à base de ervas, como
endro, e joga minha mochila no porta-malas.
Astrid dá a ele um olhar perplexo por um momento antes
de olhar para a estação onde o trem está parando.

— Eu volto já! — ela diz. — Não discuta nada. Eu quero


saber todos os detalhes sobre o que diabos é isso. — Ela mexe
os dedos para nós e corre para a estação de trem, espirrando
poças.

De alguma forma, meus pés se movem sem que eu diga a


eles e vou em direção à parte de trás do carro, onde Anders
mantém a porta aberta para mim. — Você ainda quer dar uma
volta? — ele pergunta, e em seus olhos eu posso ver que ele
quer que eu diga sim. Ele está me dando às boas-vindas, este
encontro casual.

Mas estou começando a me perguntar quanto disso é


acaso.

E quanto disso era eu vindo aqui, esperando que isso


acontecesse.

Me pego balançando a cabeça, ainda me sentindo como


se estivesse em um sonho surreal, então eu deslizo para o
banco de trás. Dou um sorriso agradecido, embora estranho,
para a garota ao meu lado, sabendo que ela deve ser uma das
irmãs de Anders, seus olhos são os mesmos, assim que ele
entra no carro ao meu lado. Só quando ele fecha a porta é que
me dou conta de como estou molhada. O carro está engolfado
pela umidade bolorenta da chuva, os limpadores de para-brisa
funcionando a mil por hora.
E estou pressionada contra Anders.

Puta merda.

Ele se vira no assento para me encarar, aquela mecha de


cabelo ainda grudada em sua testa, e pergunta: — Para onde
você estava indo?

Eu engulo. — O... — E assim, esqueci o nome do hotel,


embora tivesse acabado de dizer a Astrid. Tiro meu celular do
bolso da jaqueta, os dedos tremendo enquanto tento abri-lo.

— Então, me desculpe, — a garota ao meu lado diz. —


Mas quem é você? Quero dizer, como você conhece meu irmão?

— Longa história — digo a ela com um sorriso rápido,


antes de tentar abrir meu GPS. Meus dedos estão molhados,
tornando isso impossível, e ter o ombro de Anders bem contra
o meu não está facilitando as coisas.

— Eu fui para a escola com ela na América — diz Anders,


falando mais sobre nosso passado do que eu estava disposta a
desistir.

— Oh, — a garota diz com uma carranca. Então suas


sobrancelhas levantam. — Oh.
Espere. O que aquele segundo oh significa? Ela sabe
sobre nós? Porque Astrid teve quase a mesma reação.

A garota...

— O que você está fazendo na Noruega? — ela continua.

— Talvez devêssemos levá-la ao hotel — diz Anders, e algo


sobre isso ferve meu sangue, como se ele estivesse tentando se
livrar de mim tão rápido. Novamente.

— Calma, calma. — A menina está levantando as mãos e


balançando a cabeça. — Nada disso faz muito sentido. — Ela
respira fundo. — Ok. Shay... esse é o seu nome, certo?

Eu concordo.

— Tudo bem, Shay. Você e Anders se conhecem desde o


colégio. Vocês não se viram desde então, estou certa? Então,
isso é muita coincidência, não acha? Vocês dois se
encontrando novamente assim. E agora, Anders, você quer
levá-la para o hotel e simplesmente deixá-la e pronto? — Ela
olha para ele, os olhos se estreitando brevemente. — Não. Eu
sinto muito. Não para vocês dois. Shay, meu nome é Lise. Você
conheceu Astrid. Anders é nosso irmão. Nosso irmão não está
para ser ouvido, ele acabou de sair de um navio depois de estar
no mar por três semanas e seu cérebro não está funcionando
direito. Você sabe como as pessoas conseguem pernas do mar?
Ele tem cérebro do mar. Por favor, perdoe-o. E perdoe meu
inglês também.
Estou prestes a dizer a ela que seu inglês está bom
quando ela liga.

— O que eu acho que precisamos fazer, a menos que você


tenha uma reunião de negócios na próxima hora ou algo assim,
é ir para o bar na cidade velha, tomar alguns drinques e
discutir que coisa louca é isso, certo?

De repente, a porta traseira se abre e a bagagem é jogada


para dentro, sacudindo o carro. Então Astrid sobe no banco do
motorista enquanto o lado do passageiro se abre e um cara alto
e magro com barba entra. Deve ser sempre a temporada dos
lenhadores na Noruega.

— Ok! — Astrid diz, batendo palmas. — Hoje temos o


carro cheio! Roar, essa é Shay. É Shay, certo?

Eu concordo. — Prazer em conhecê-lo, Roar.

Roar se vira em seu assento e sorri para mim. Ele tem


uma cara de bobo que equilibra a barba. — O mesmo para
você. Astrid disse que você é amiga de Anders.

— Bem, é isso que estou tentando descobrir, — Lise diz


ao meu lado. — Ele quer deixá-la no hotel dela.

— Eu não disse isso — Anders protesta rispidamente.

— Ha! — Astrid diz, ligando o carro. — Você vai primeiro


conosco ao bar. Em seguida, iremos levá-la ao seu hotel. Você
é nossa refém agora.

Lise pula ao meu lado, diz outra coisa em norueguês.


Anders olha para mim. Eu não consigo lê-lo. Não tenho
certeza se quero.

Ser deixada no meu hotel provavelmente seria o melhor,


mas e depois? Eu passaria o resto da noite, o resto dos meus
dias aqui, talvez até o resto da minha vida, me perguntando o
que diabos aconteceu.

Não posso fingir que não vim para este país esperando
que isso acontecesse.

Esperando, secretamente, sem meu coração saber.

Mas eu sei disso agora.

E isso não deveria ser possível.

Então eu acho que devo pelo menos isso.

Mesmo que eu não deva nada a ele.

Todo mundo está olhando para mim, esperando por uma


resposta.

— Adoraria beber alguma coisa — digo, enquanto Astrid


sai do estacionamento. Não tenho certeza se eu tinha muita
escolha nisso de qualquer maneira.

Posso ver Anders franzindo a testa com o canto da minha


visão. Ele se vira e acena com a cabeça. — Uma bebida, então.

— Bom, — diz Astrid, pisando no acelerador com tanta


força que minha cabeça voa para trás contra o encosto de
cabeça. — Desculpe! — ela diz, piscando para mim no espelho.
— É a sua primeira vez em Trondheim? — Lise me
pergunta, enquanto cruzamos as ruas de paralelepípedos,
passando por lojas coloridas e pessoas amontoadas sob
guarda-chuvas.

Mal consigo absorver tudo. Tudo o que consigo pensar é:

Isso é real, isso é real, isso é real?

É realmente Anders sentado ao meu lado?

Meu primeiro amor.

Talvez meu único amor.

E a primeira pessoa que me mostrou como é quebrar.


Basta dizer que Lise me faz a maioria das perguntas
durante a viagem, todas as quais eu respondo no piloto
automático.

Primeira viagem à Noruega.

Acabei de chegar aqui.

Já estive na Irlanda antes.

Não faço ideia do que vem por aí para mim.

Nenhuma ideia.

— Deve ser bom — diz Lise, enquanto cruzamos uma


ponte que atravessa o rio e as margens são ladeadas por
antigas casas de barcos decoradas em cores ricas: dourados,
azuis e vermelhos que refletem na água escura.

— Bom? — Eu repito.

— Sim, — ela diz. — Para fazer o que quiser, vá aonde o


vento te levar. Não ter planos, nenhum lugar para ir.
Sim, eu acho. Mas às vezes você quer um lugar para ir. Um
lugar para estar.

Astrid estaciona o carro em uma estrada estreita e


acidentada e todos nós saímos. Tento não olhar na direção de
Anders e enquanto puxo minha jaqueta por cima do cardigã,
olhando para as manchas molhadas em meu jeans, me
pergunto se minha maquiagem está escorrendo pelo meu
rosto. Felizmente, a chuva diminuiu para uma garoa.

Mesmo com o tempo ruim, Trondheim parece e se sente


muito diferente de Oslo. Os prédios são mais antigos, menos
modernos e mais pitorescos, o tráfego é baixo, as ruas de
paralelepípedos cheias de motoqueiros jovens e bem-dispostos,
sorrindo na chuva, saindo das estradas principais.

— Esta é a cidade velha de Trondheim, — Astrid anuncia


enquanto eu ando ao lado dela, ficando à frente de Anders.
Quando cruzamos a estrada principal chamada Nedre
Bakklandet e quase somos atropelados pelo que parece ser um
fluxo interminável de gente jovem e bonita em bicicletas (quem
anda de bicicleta neste tempo?), Ela aponta para um prédio
perto da ponte. — E esse é o meu bar favorito. A cerveja é boa
e barata.

O bar se chama Den Gode Nabo – não tenho ideia do que


isso significa, parece um planeta de Star Wars – e por dentro é
deliciosamente quente e escuro, como um bar de mergulho
escandinavo, mas limpo e cheio de personalidade. Os pisos
inclinados, as paredes, até mesmo os tetos baixos de onde
pendem lustres velhos e empoeirados, são todos de madeira
nodosa. Há longas mesas com bancos empilhados com
cobertores e travesseiros e muitas cabines e mesas enfiadas
em cantos escuros. Eu me sinto como se estivesse em uma
velha e tradicional casa de barcos, o que provavelmente é o
caso. Há até uma seção na parte de trás que desce por uma
rampa para um pátio flutuante no rio, embora nem mesmo um
norueguês se atreveria a tomar um drinque lá com esse tempo.

— Aqui, — diz Astrid, apontando para uma mesa no


canto. — Roar e eu vamos pegar as bebidas. O que você quer?
Cerveja? Cidra?

— Cidra está bom — digo a ela, pegando minha carteira,


mas os dois já estão se afastando para o longo bar no final.
Espero que Lise fique conosco, mas ela corre atrás deles.

Deixando eu e Anders sozinhos.

— É por conta dela, — diz Anders, sentando-se e


gesticulando para minha carteira. — Você vai precisar
economizar o máximo de dinheiro que puder neste país. — Ele
acena com a cabeça para o lugar em frente a ele. — Por favor,
sente-se.

Prefiro não. Me sinto mais confortável em pé na ponta da


mesa, olhando para ele. É como se eu tivesse um pé fora da
porta, pronta para correr. Ainda não sei o que dizer ou como
agir. Nada disso parece real.
— Por favor — diz Anders, franzindo as sobrancelhas. Há
gravidade em sua voz. Sinceridade. Talvez eu seja louca por
ainda guardar rancor contra ele. Quer dizer, a maioria das
pessoas não se importaria. Everly nem piscaria. Esquecer o
passado. Passado é passado. E o que um garoto de dezessete
anos fez ao seu coração não deveria importar quando você tiver
vinte e quatro.

Então eu me sento.

Acho que respiro pela primeira vez desde que saí da


estação de trem.

— Então, — ele me diz, e tira sua capa de chuva,


dobrando-a e pendurando-a ao longo da borda lisa da cabine
de madeira. — Estou achando isso muito interessante.

Levanto minha sobrancelha. — Bem, sim.

Interessante. E muito estranho.

— Você é provavelmente a última pessoa com quem


imaginei topar, — diz ele com cuidado, pegando um porta copo
e olhando para ele enquanto o vira. — Devo dizer que ainda
não consigo acreditar. — Ele me olha rapidamente. — Como
você tem estado?

Como eu estou? Por onde eu começo?

— Ainda em Nova York? — ele pergunta, incitando-me.

— Sim, — digo, me ajustando no assento. Ainda estou


com um pouco de frio por causa da chuva – e de todo o choque
– então puxo um dos cobertores sobre o colo. — Bem, é para
onde irei quando tudo isso acabar. De volta ao Brooklyn.
Embora eu tenha saído quando fui para a faculdade. Consegui
meu diploma.

— Em quê?

— Besteira, — digo a ele, oferecendo um meio sorriso. —


Bacharel em história da arte.

— Mesmo? — ele pergunta. Ele quase parece


impressionado. — E o que você faz com isso?

Encolho os ombros. — Nada. Exceto ir para a Europa e


visitar todos os museus e galerias de arte que puder, porque
pela primeira vez você conhece a história por trás de cada
pintura. Fora disso, estou perplexa.

— Você nunca pareceu muito interessada em pintar na


aula de arte, — ele me diz, e eu imediatamente me sinto
congelar por dentro, aquela convocação do passado. — Era
mais fotografia, não era? Você sabe, ainda tenho algumas das
fotos em preto e branco que revelamos.

— Oh? — Devo ficar lisonjeada aqui por ele os ter


guardado? — Bem, eu ainda amo fotografia, acabei de ficar
preguiçosa com meu iPhone, sabe.

— A Noruega é linda demais para desperdiçar em um


telefone, — ele me diz, pressionando os dedos na mesa para
dar ênfase. — Você precisa fazer justiça com uma câmera
adequada. Você trouxe uma com você?
Balanço minha cabeça. Eu tinha uma, uma Nikon, mas
era de Danny. Ou, em outras palavras, era nossa, mas quando
ele saiu, ele pegou. Na época, eu estava bem com isso. Algumas
pessoas acreditam que a câmera captura sua alma. Acreditei
que aquela capturou nosso relacionamento medíocre.

Agora, porém, gostaria de ter segurado isso. Um iPhone


faz pouco.

— Eu tenho uma que você pode ter, — diz Anders. — Na


verdade, tenho algumas.

— Você tem algumas câmeras? — Eu pergunto. Não sei


por que pareço tão surpresa. Anders sempre teve algumas
câmeras. De volta ao colégio, ele iria à loja de penhores e
pegaria qualquer coisa que o interessasse, mesmo que ele já
tivesse um monte deles, mesmo que não tivesse intenção de
usar. Ele costumava dizer que estava – resgatando – o item,
como se ele tivesse alma e sua casa fosse trazê-lo vivo. Lembro
que ele tinha uma caixa cheia de Zippos e outros isqueiros de
prata que não tinham combustível ou não funcionavam, mas
não importava. Ele continuou a adquiri-los e eles continuaram
se acumulando.

Estou tentada falar sobre isso com ele, no estilo “Lembra-


se daquilo que você costumava fazer?” Mas não me atrevo. É o
que velhos amigos fazem com cerveja e pizza.

Nós não somos isso.


— Sim, — ele continua. — Eu as coleciono. Mas eu sei
que você se lembra disso sobre mim. Você realmente deveria
vir para Todalen conosco. Já que você não tem planos.

Dou uma olhada para ele. — Primeiro você estava ansioso


para me deixar no meu hotel, agora você quer me levar para a
sua aldeia? — Sempre me lembrei do nome da cidade em que
ele cresceu. Ele sempre fez soar tão impressionante, como
tenho certeza que qualquer poeta amador faria.

Ele desvia o olhar e encolhe os ombros. — Eu pensei que


estava tornando as coisas mais fáceis para você. Para ser
honesto, ainda não tenho certeza se você vai me bater de novo
ou não. — Suas feições se suavizam, as linhas de sua
sobrancelha se suavizam. — Shay, olhe...

— Lá vamos nós — Astrid anuncia em voz alta, fazendo-


me pular na cadeira. Ela e Lise colocam minha sidra e suas
cervejas na mesa, a espuma transbordando, enquanto vejo
Roar deslizar para fora com um cigarro.

Astrid desliza para o lugar ao meu lado e mal tenho tempo


de sair do caminho. Ela levanta o copo. — Para Shay, de quem
já sinto pena, por encontrar gente estranha como nós.

O resto de nós levanta nossas taças.

E então as meninas começam a falar.

Bem, realmente Astrid começa a falar, embora Lise a


interrompa de vez em quando. Anders permanece em silêncio,
seus olhos profundos em mim o tempo todo. Só posso esperar
que o rubor em minhas bochechas seja por causa da cidra forte
e nada mais.

Fiquei sabendo que Astrid viaja pelo mundo,


perpetuamente solteira e trabalha como dançarina burlesca
em Paris. Não é bem o Moulin Rouge, diz ela, mas é bom o
suficiente. Embora seu rosto, com o punhado de sardas em
seu nariz de salto de esqui e seu sorriso cheio de dentes, a faça
parecer mais jovem do que é, sua atitude e corpo violento
(sério, Christina Hendricks não tem nada contra ela),
certamente se encaixam no papel.

— Então, o que você gosta de fazer? — Astrid me


pergunta. — Quer dizer, que tipo de trabalho? Ou que tipo de
hobby um trabalho sustentaria?

— No mundo ideal, adoraria fazer mais fotografia, — digo


a ela. — No colégio, tive várias aulas e gostei muito. — Sinto os
olhos de Anders em mim. — Não tive nenhuma formação
profissional desde então, mas tenho feito muitos tutoriais
online ao longo dos anos, conseguindo o melhor equipamento
que podia pagar. Desde que estou viajando, acho que encontrei
minha vocação. Eu tiro muitas fotos para minha conta do
Instagram e sei que parece idiota, mas já vi contas semelhantes
ficarem muito grandes, especialmente se a pessoa for fácil para
os olhos. Eles voam por todo o mundo apenas para tirar fotos
e publicá-las. Esse é o meu trabalho ideal.

— Esse também parece meu trabalho ideal — diz Astrid.


— Sim, — Lise. — Sabe, parece um sonho, mas também
é o que está acontecendo com você agora. Não está tão fora de
alcance. Se você construir, ele virá.

— Certo, bem, muitas pessoas agora têm a mesma ideia.


Você viu o número de contas de viagens no Instagram?

— Sim, mas isso não deveria impedi-la, — Astrid me diz.


— É melhor continuar fazendo o que você está fazendo aqui e
tentar, do que voltar para os Estados Unidos e ter que
conseguir um emprego que você não gosta.

— Se eu conseguir um emprego, — admito com um


suspiro, meus ombros caindo levemente com o peso figurativo.
— Toda a educação do mundo não parece importar agora. Quer
você trabalhe na Target ou na sua área de graduação, todos os
empregadores querem a experiência de três anos para um
emprego inicial e, mesmo assim, você está recebendo um
salário mínimo.

Astrid me dá um sorriso simpático e me pergunto o


quanto ela atrai para seus filmes de dança em Paris. Estou
supondo muito. — Pois bem, a sua solução é nunca mais voltar
para casa. Talvez você possa ficar aqui e se casar com um
norueguês. — E com isso ela sorri para Anders.

Eu sinto meu rosto corar.

Anders apenas ri. — Receio que a maioria dos homens


noruegueses não seja civilizado o suficiente para Shay.
Instintivamente bato em seu braço. — Você está tentando
dizer que estou exigindo muita manutenção?

Ele reprime um sorriso. — De jeito nenhum.

— Eu definitivamente não aconselho isso, — diz Lise,


tomando um gole de sua bebida. — Vimos como Tove acabou.

Lise então nos diz que sua irmã gêmea, Tove, é divorciada
e mãe solteira que mora no Círculo Polar Ártico. Quando
menciono que quero ir lá, Lise me diz que devo entrar em
contato com ela, embora Astrid diga que o filho de Tove, Harry,
é um menino de seis anos que é um terror e eu teria um terrível
tempo lá.

— Você não vai dizer nada? — Astrid pergunta a Anders.


Ele está carrancudo, perdido em pensamentos e desvia os
olhos de um ponto vazio na mesa para olhar para ela. —
Contribuir para a conversa?

— Sobre o que? O quão louca Tove é? — Ele pergunta,


pegando sua cerveja com as mãos grandes. Sempre tive uma
queda pelas mãos dele e gostaria que aquele pardal não
estivesse olhando para mim. Meus olhos percorrem as outras
tatuagens em seus dedos – o peixe, a pá, o olho, a ampulheta,
a âncora, a roda do capitão e a flecha. Apenas a âncora e a pá
estavam lá quando o conheci. Ele acrescentou o pardal para
mim, mas eu nunca soube o que os outros dois significavam.
Ele apenas encolhia os ombros quando perguntado. Disse que
não significavam nada para ele, o que sempre achei uma forma
estranha de se expressar.
— Adicione qualquer coisa sobre você. Você sabe, para
uma amiga que você não vê há anos, — Astrid diz, arrastando-
se para fora da cabine. — Eu vou ver o Roar, mais alguém quer
alguma coisa?

Balanço minha cabeça. Já estou bastante tonta com as


duas cidras, o que está me deixando em um estado quente e
aconchegante. E eu não posso ter isso, não quando Anders
está sentado à minha frente, seus olhos ocasionalmente
encontrando os meus e os mantendo como reféns.

Eu odiava o quão lindo ele era naquela época, e estou


odiando o quão mais lindo ele é agora. Isso torna difícil pensar.

— Não há muito a acrescentar, — diz Anders, enquanto


Astrid sai. — Eu assumi o barco de pesca do meu pai depois
que ele morreu. Eu tripulo o navio quando posso para
sustentar a fazenda e ajudo meu tio com o trabalho de parto o
resto do tempo. Eu não tenho exatamente uma vida
emocionante.

Meu coração dói com sua admissão. Eu sei que ele está
tentando ser autodepreciativo quando diz isso, mas não posso
deixar de ver o olhar de derrota em seus olhos.

— Sinto muito pelo seu pai — digo a ele. Lembro que seu
pai e ele tinham um relacionamento difícil. É por isso que ele
se mudou para a América para ficar com sua mãe, embora o
relacionamento deles tenha ficado muito difícil também.
Anders foi expulso da escola um mês antes da nossa
graduação e mandado de volta para a Noruega – sua mãe não
conseguia mais lidar com ele. O que foi tão bom na época, já
que terminamos algumas semanas antes. Em um instante,
Anders deixou de ser tudo para mim e saiu da minha vida para
sempre.

Esqueça, tenho que me lembrar. Concentre-se no agora.

— Como ele morreu? — Pergunto, mesmo sabendo que a


pergunta pode ser um pouco rude.

— Ele estava perdido no mar, — Lise diz baixinho,


olhando para suas mãos. — Quatro anos atrás.

— Tempestade terrível, — diz Anders. Ele se inclina para


trás em sua cadeira, seus olhos procurando distraidamente o
bar enquanto sua mandíbula inferior mexe. — Eles
encontraram o barco, mas ele foi varrido. Ele estava tentando
salvar um marinheiro quando isso aconteceu. Ele estava com
um traje de sobrevivência na época, mas... não importou.

— Oh meu Deus. — Minha mão vai para o meu peito, meu


coração afundando. — Eu sinto muito. E esse é o barco que
você tem agora?

— Midnattsol, — diz ele. — O Sol da Meia-Noite. Ele


costumava chamar minha mãe de sol da meia-noite, então
acho que foi amaldiçoado para começar.

Então você está trabalhando em um maldito barco? Eu


quero perguntar. Mas não quero. O assunto parece
compreensivelmente delicado. Não consigo imaginar o que
seria ter um pai morrendo assim, de forma tão vaga,
desamparada, sem corpo para enterrar, e depois herdar o
próprio navio, o próprio trabalho, que o matou. Não consigo
entender como Anders faz isso, mas estou começando a
entender aquele olhar assombrado em seus olhos. Quando ele
era mais jovem, havia pelo menos uma capa de rebelião
adolescente jovial mascarando a escuridão. Mas agora,
especialmente na penumbra deste bar, ele parece dilacerado
pela guerra e cansado.

— Mas, — diz Lise, colando um sorriso e olhando para


Anders, — nosso pai sabia o que estava fazendo. Ele era muito
bom em seu trabalho e conhecia os riscos. Todos nós
gostamos. Acontece muito lá fora e era apenas o plano de Deus
para ele.

Anders bufa e dá a ela um plano zombeteiro. — Você fica


repetindo o plano de Deus, Lise, mas não tenho certeza se sabe
o que isso significa.

Ela levanta o queixo. — Eu sei o que Deus significa para


mim. O que ele é para você?

— Um poeta, — diz Anders depois de um momento, sem


sorrir para ninguém em particular. — Um desagradável.

Oh garoto. Espero não estar prestes a ser pega em um


debate teológico entre irmãos.

— Então, por quanto tempo você está no mar? — Eu


pergunto a ele, tentando colocar a conversa em um caminho
mais suave.
Ele me olha com atenção e acena com a cabeça quase
imperceptível, como se soubesse o que estou tentando fazer. —
Normalmente três semanas, às vezes um mês. Às vezes, mais
tempo. Depende da época. O menor tempo que estive fora foi
de duas semanas. Foi um desastre, não consegui encontrar
peixes em lugar nenhum – mas foi o que ganhei por
experimentar novos fundamentos. O mais longo foi de seis
semanas. A pesca foi fantástica pra caralho e quando você tem
a chance de ganhar mais dinheiro, você aproveita.

— Mas quando você faz isso, — diz Lise, — e trabalha em


turnos de dezesseis horas, vai se esgotar mais cedo do que
imagina.

Anders dá de ombros. — Eu sou jovem. Não estou exausto


ainda. E faz com que trabalhar na fazenda pareça férias.

— E por quanto tempo você trabalha na fazenda? —


Pergunto, totalmente intrigada sobre como sua vida acabou.
Me faz sentir como se tivesse literalmente feito merda. Sim, me
formei e consegui alguns empregos. Mas nenhum deles foi
particularmente desafiador.

Nenhum deles significava nada.

— Depende da safra, do bacalhau, dos preços, — diz. —


Estarei aqui por um mês, a menos que algo mude.

Um mês. A mesma quantidade de tempo que disse a mim


mesma que provavelmente ficaria no país.
Estou me enganando se acho que isso significa alguma
coisa.

— Estamos nos comportando? — Astrid diz enquanto


coloca um copo de água na mesa, Roar ao seu lado, bebendo
uma cerveja.

— Só você está diz Lise.

— Bem, estou nos levando de volta para Todalen esta


noite, — diz Astrid. — Alguém tem que estar sóbrio. — Seus
lábios se contraem enquanto ela olha entre mim e Anders. —
Ei, Lise, — ela diz, olhando para a irmã com ironia. — Venha
comigo para 7-11.

Lise franze a testa. — Agora?

— Sim, eu quero companhia.

— Mas é na porta ao lado, — Lise diz, e agora Astrid está


puxando as sobrancelhas na direção de Anders, de uma forma
excessivamente dramática. Os lábios de Lise formam um – O –
e então acena com a cabeça. Ela diz algo em norueguês,
baixinho, e se levanta. — Se vocês me derem licença — ela diz
para nós, antes que elas corram pelo bar e saiam pela porta.

Eu olho para Roar para ver o que ele vai fazer, mas ele
apenas levanta sua cerveja em um 'brinde' e então vai para o
bar, conversando com o barman, que ele obviamente conhece
bem.

E estamos sozinhos novamente.


Lentamente olho para trás para Anders e limpo minha
garganta.

Ele está olhando para mim, cabeça baixa, sobrancelha


franzida. — Você vai ficar em Trondheim? — ele pergunta com
cuidado.

— Só por uma ou duas noites, — digo a ele. — Então


talvez faça o meu caminho para o norte.

— Você também tem que ir para o sul — diz ele.

— Eu vou. Eu tenho um plano.

Finalmente.

— Você tem que vir para Todalen.

Totalmente não fazia parte do plano.

— Veremos — é a única coisa que posso oferecer a ele.


Quando digo isso, sempre significa não.

— Hoje à noite — ele acrescenta.

Agora, isso me pega de surpresa.

Inclino minha cabeça com os olhos arregalados. — Esta


noite?

— Sim, — diz ele com um aceno de cabeça, nem mesmo


sorrindo. — Esta noite. Podemos levá-la de volta ao seu hotel
e você pode cancelar a sua estadia.
Balanço minha cabeça. — Serei cobrada pela noite por
fazer isso.

— Vou falar com eles, prometo que não, — diz ele,


acrescentando: — Posso ser muito persuasivo.

— Eu sei disso, — não posso deixar de dizer. — Mas não.

Não. Não. Porque Todalen não faz parte do plano, nem


Anders.

— Por que não? — ele pergunta, e ele é completamente


genuíno.

— Porque, — eu digo, atrapalhada com as palavras. —


Não é... eu tenho planos.

— Portanto, mude seus planos. Você mesma disse antes


que não tinha ideia do que faria a seguir.

— Eu quis dizer na vida.

— Não é um bom começo saber o que você está fazendo


esta noite?

— Eu sabia que iria passar uma noite em Trondheim —


indico. Preciso da minha determinação para permanecer fria
como o gelo e afiada como uma navalha.

— Você pode passar uma noite aqui a qualquer hora.


Quando estou em casa? Quando você está na Noruega? Quais
são as chances de nos encontrarmos assim? Vamos... você não
acha que deveria pelo menos ver a aldeia em que cresci, aquela
de que sempre falei com você?

E eu quero, eu quero, droga. Quero experimentar este


país da maneira real, fora dos caminhos tradicionais, nas
aldeias, com os locais.

Com meu ex-namorado.

Que agora é um deus nórdico.

Eu simplesmente não consigo decidir se ele é Thor ou


Loki.

— É o destino — ele oferece, e seus olhos são tão sinceros


que quase acredito nele.

— Destino?

Ele encolhe os ombros. — Claro, por que não? Estou aqui.


Minhas irmãs estão aqui. Temos um carro. Estamos voltando
para lá depois disso. A casa da fazenda tem espaço de sobra.

Olho para ele com desconfiança. — Você está tentando


me levar como um fazendeiro extra?

Finalmente ele sorri, apenas uma contração de seus


lábios. — Pode ser.

É tentador. Realmente tentador. Mas não parece certo.


Não deveria ser assim, tão fácil. Patético ou não, ainda estou
brava com o cara, e sei que não somos mais as mesmas
pessoas, mas sou teimosa pra caralho e além disso, quem disse
que quero ficar perto dele.

Só porque ele fica me olhando do jeito que faz, do jeito


que está mordendo o lábio inferior esperando minha resposta,
o que me faz lembrar a maneira como seus lábios eram nos
meus, no meu corpo, como todo o seu ser me despertou para
prazeres que nunca pensei possível. Éramos tão jovens e ainda
assim ele deixou sua marca, profunda e forte, dentro de mim,
e ainda posso sentir isso, senti-lo, sentir como ele me fez ser
bonita.

Não, digo a mim mesma bruscamente, quase me dando


uma chicotada. Pare de olhar para o lindo Viking antes que
fique bagunçado. Você está se lembrando de velhos sentimentos
que não significam mais nada.

— Sinto muito, — digo a ele, embora algo em meu coração


aperte quando digo isso. — Obrigada pela oferta, mas acho
melhor eu ficar aqui. Essa viagem toda foi feita para ser por
mim, sozinha, sabe. Me descobrindo e tudo mais.

— Você não acha que eu poderia te ajudar? — ele diz. —


Eu fiz uma vez antes.

Eu expiro pelo nariz ruidosamente. — Sim. E olhe para a


forma em que você me deixou. Oh, espere, eu acho que você
não poderia, já que você saiu imediatamente.

Ele franze a testa, parecendo aflito. — Eu mereço isso. Eu


fui um idiota.
— Não é o ponto, — eu digo rapidamente com um aceno
de minha mão, não querendo entrar nisso agora, ou nunca. —
Só estou dizendo... obrigada, mas não, obrigada. Na verdade,
provavelmente devo ir logo. — Pego minha bolsa ao meu lado.
— Meu hotel fica na cidade velha de qualquer maneira, deve
ser fácil de encontrar.

— Por favor, não vá ainda — ele me diz, estendendo a mão


sobre a mesa e tocando meu braço. Ele me encara suplicante
e leva tudo para não me perder naqueles tons de azul
acinzentado, parecendo extra rico no bar escuro.

Eu sou trazida de volta em minha mente para nossa


primeira briga. Foi por causa de algo estúpido, mal me lembro.
Talvez ele tenha olhado para uma garota um pouco demais e
eu tenha ficado com ciúmes. Ele me chamou de paranoica. Eu
o chamei de mentiroso. Fizemos isso nos meus degraus da
frente e acabou com ele rastejando aos meus pés, me pedindo
para ficar com ele.

O engraçado é que esse deveria ter sido meu primeiro


sinal de alerta. Ele provavelmente estava olhando para uma
garota um pouco demais e se eu soubesse melhor, ele
provavelmente estava dormindo com ela também.

Mas a retrospectiva é vinte e vinte.

Engulo e consigo sorrir. — É melhor eu ir fazer o check-


in.
— Vou acompanhá-la então, — ele diz para mim,
deslizando para fora da cabine. — Deixe-me pagar no bar.

Eu contemplo apenas sair de qualquer maneira, minhas


memórias trouxeram esta horrível sensação de vergonha e
constrangimento, quando Astrid e Lise voltaram para o bar,
sacolas da 7-11 em suas mãos.

— Trouxemos alguns doces noruegueses para você, — diz


Astrid alegremente, sacudindo uma barra de chocolate para
mim. Então ela percebe que Anders está pagando no bar. —
Ele está pagando? Aquele idiota.

— Caramba, se eu fosse você, eu deixaria, — diz Lise. —


Quem sabe quando ele será tão generoso de novo.

Mas mesmo depois de tudo que acabei de pensar, não


posso deixar de ficar incomodada com esse comentário. Pelo
que entendi, Anders trabalha na pesca para manter a fazenda
em funcionamento. Parecia que Anders era muito mais
generoso do que nunca.

— Aqui, — Astrid diz, colocando a sacola em minhas


mãos. — Há Lakerol e Melkesjokolade e o que vocês chamam
de gomas. O suficiente para manter seu doce dente feliz. — Ela
então me olha de cima a baixo. — Você está indo embora?

Eu aceno, dando a ela um sorriso rápido. — Achei melhor


fazer o check-in no hotel. Está em algum lugar perto daqui.

Eu ainda pego o saco de doces. Eu não estou deixando


isso passar.
— Tem certeza? — ela pergunta. — Esperávamos que
Anders pudesse convencê-la a vir para Todalen conosco. — Ela
troca um olhar com Lise. — Sei que não nos conhecemos de
verdade, mas Lise e eu ficaremos lá por mais alguns dias e
seria bom ter outra pessoa para conversar que não fosse o tio
Per e nosso irmão. Roar vai ficar aqui na cidade. E as meninas
da aldeia são chatas.

— Mesmo que Anders não ache isso — Lise acrescenta


com um sorriso malicioso.

Esse comentário vai mais fundo do que deveria. Astrid


lança um olhar de advertência para Lise.

— Eu ia acompanhar Shay até o hotel dela — diz Anders


ao voltar. Ele pega sua jaqueta e a veste e eu faço de tudo para
não olhar para seus ombros.

— Tem certeza de que não podemos convencê-la? — Lise


me pergunta.

Tenho que admitir, é muito bom ser desejada, mesmo por


pessoas que você mal conhece. Muito bom. Mas eu me decidi.

— Obrigada, mas vou apenas manter meu plano original.

Astrid parece desanimada. — Ah, bem, espero que você


se divirta na Noruega, de qualquer maneira. Foi muito bom
conhecer você.

Ela me puxa para um abraço rápido e Lise faz o mesmo.


Anders pega as chaves de Astrid e me dá um aceno de
cabeça. — Pronta para ir?

— Você sabe que posso encontrar o lugar sozinha, tenho


meu telefone — digo a ele enquanto aceno mais uma vez para
suas irmãs e saio pela porta. A chuva está caindo novamente,
um vento frio soprando forte.

— Você está em uma cidade que nunca visitou e sobre a


qual sei tudo, — diz ele. — Estou acompanhando você até o
seu hotel. É o mínimo que posso fazer.

Ele está certo sobre isso. Subimos a pequena colina para


pegar minha mochila no porta-malas do carro. Digo o nome do
hotel e volto para onde ficava o bar, seguindo para a esquerda
na estrada de paralelepípedos. Ainda está claro, embora pareça
que deveria estar escuro e, apesar da chuva, mais e mais
pessoas passam de bicicleta por nós.

— Todos aqui devem ser super saudáveis — eu comento,


enquanto uma garota com longos cabelos loiros molhados
passa andando de bicicleta, parecendo totalmente renovada.

— Precisamos tirar toda a cerveja — diz Anders,


agarrando a barriga, embora provavelmente não tenha nada
além de músculo magro.

Pergunto-me o quanto seu corpo mudou. Se há mais


tatuagens. Se minhas mãos o tocassem novamente, elas
reconheceriam sua pele?

Fique focada, digo a mim mesma. Quase lá.


— Você sabe que a oferta está em cima da mesa, — ele
me diz. — Se você mudar de ideia. A qualquer momento.

— Obrigada.

— Sabe, pensei muito em você.

Oh Deus. Por favor, não comece.

Faço um pequeno grunhido, a única resposta que posso


reunir.

Ele continua. — Muitas vezes pensei em entrar em


contato com você, mas não sabia como.

— Você se tornou amigo de Everly no Facebook — aponto.

— E, honestamente, era apenas para ficar mais perto de


você.

Oh foda-se. Por que ele está me dizendo isso?

Minha garganta está grossa e tenho problemas para


engolir. — Bem, você está muito perto de mim agora.

— E eu gostaria de chegar mais perto.

Paro de andar e dou a ele um olhar incrédulo. — Você


está dando em cima de mim?

Ele para também. Fica alto, me olhando com um sorriso


fraco. Se não fosse por sua barba, eu veria suas covinhas. —
Você saberia se eu estivesse dando em cima de você, Shay. Só
estou sendo honesto, só isso. — Ele acena para algo por cima
do meu ombro. — Esse é o seu hotel bem ali.

Viro-me e vejo uma casa de barcos vermelha como uma


pousada. Ele tem razão.

— Então, — ele diz, estendendo a mão. — Eu acho que


isso é um adeus. Nunca conseguimos fazer certo da primeira
vez.

Droga. Parte de mim deseja que ele continue lutando.

Eu fico olhando para sua mão. É uma oferta de paz. É o


encerramento.

É um pensamento positivo.

— Tudo bem — digo a ele. Coloco minha mão na dele e


ele a agarra com força.

É apenas um aperto de mão. Só uma forma de dizer


adeus.

Apenas pele com pele.

Mas é muito mais do que pele com pele.

É assim que minha mão se encaixa na dele, como sempre


fazia.

São memórias, tanto amargas quanto doces.


De repente, a última coisa que quero fazer é soltar seu
aperto quente e forte. Acho que nunca me senti tão ancorada
e sem amarras ao mesmo tempo.

— Boa noite — eu sussurro. — Adeus.

— Adeus, Shay, — diz ele, apertando minha mão. — Foi


muito bom ver você de novo.

Então ele me solta e é como se eu estivesse perdendo um


membro.

Ele se vira e desce a rua de paralelepípedos brilhante.

Eu quero gritar atrás dele.

Mas não sei o que diria.

Ainda há muito a dizer.

Em vez disso, viro-me e vou para o hotel para fazer o


check-in.

Naquela noite, deito na cama, sem conseguir dormir, os


sentimentos me rasgando, me deixando vazia.

Eles são sentimentos de fome.


Eu me sinto imprudente e carente. Como se eu quisesse
ceder.

Lembro-me de um poema que li uma vez.

Ela quer muito, demais

por coisas que não a querem

para coisas que não são coisas

para corações que não são corações.

Ela quer tanto,

que eu dou a ela tudo de mim

e ela mal percebe

que é o que ela sempre quis.


ANTES

Sexo.

É tudo em que penso.

O tempo todo, porra.

E para ser honesta, nem tenho certeza se isso é normal.


Everly e eu falamos sobre sexo muito vagamente. Eu sei que
ela fez sexo com seu ex, Jeff, mas além de alguns detalhes
básicos, ela nunca toca no assunto. Embora ela fale sobre pau
o tempo todo, geralmente é de uma forma bem-humorada.

Depois, há minha outra amiga, Jen Brown, que dorme


com orgulho por aí. Ela entenderia meus pensamentos sexuais
malucos, mas ela tem esse jeito de fazer você se sentir
particularmente chata se você perguntar qualquer coisa, como
se você fosse muito mais jovem e ela soubesse de tudo. Eu não
estou indo por esse caminho.
E, de qualquer forma, também não vou falar com minha
irmã sobre sexo. Hannah pode ser mais velha, mas garanto
que ela é virgem também. Nunca vi um menino perto dela,
mesmo agora com ela indo para a universidade. Sexo,
meninos, maquiagem, álcool – qualquer coisa remotamente
legal e Hannah nem pisca. Ela provavelmente crescerá e se
tornará a cientista que descobrirá a cura para o câncer, mas
não será capaz de encontrar seu próprio ponto G.

Não que eu tenha. Mas eu tentei. As revistas Cosmo são


uma riqueza de conhecimento.

E há minha mãe, com quem eu provavelmente nem


falaria mesmo se ela estivesse aqui conosco e não agisse como
uma idiota por causa de nosso pai em Mumbai. Desde que ela
o aceitou de volta (porra, ela nem aceitou de volta, ela implorou
para tê-lo de volta depois de tudo o que ele fez com ela. Quem
faz isso?), resolvi nunca mais aceitar um conselho dela.
Escolher o pai em vez de nós – de novo – quando ela deveria
estar correndo para as montanhas e pedindo o divórcio.

Eu não entendo, e quanto mais penso sobre isso, mais


furiosa fico.

Então talvez seja uma coisa boa eu ter sexo na cabeça.

Quer dizer, como não posso quando tenho Anders para


me distrair.

Estou saindo com Anders há um mês.

Nós apenas nos beijamos.


Ok, eu não deveria dizer que apenas nos beijamos.

Seus beijos são mais do que quaisquer beijos que já tive


antes. Eles são devastadores.

Inesquecíveis.

E altamente viciante.

Claro, ele também me apalpou mais do que algumas


vezes, e algumas vezes, quero dizer, ontem à noite, e eu não
estava prestes a afastar suas mãos porque ele sabe exatamente
o que está fazendo com elas. Ele não me apalpa como Phil
Hadzocos fazia quando namorávamos, como se meus seios
fossem tratados como uma bola de estresse.

Talvez seja porque Anders é estrangeiro e tem aquele


sotaque ridiculamente sexy, e aquele corpo esguio lindo e
aquelas palavras maravilhosas que ele ronrona em meus
ouvidos.

Você tem gosto de poeira estelar.

Eu tenho o céu em minhas mãos.

Você vai me sentir mesmo quando eu partir.

Veja o que quero dizer sobre inesquecível?

Tenho certeza de que suas palavras são cafonas para


alguns, talvez. Mas não do jeito que ele diz. Não com aqueles
olhos intensos dele, os que me rasgam, que me provocam com
segredos que posso nunca descobrir sobre ele. Suas palavras
são ele e eu acredito nelas com cada parte de mim.

Não quero nada mais do que perder minha virgindade


com Anders Johansen.

Alguns podem até dizer que estou apaixonada por ele.

Mas como é terrivelmente trágico estar apaixonado,


especialmente quando é o primeiro. Porque isso nunca pode
funcionar. As pessoas não se casam mais com seus namorados
do ensino médio, e se o fizerem e fizerem funcionar, tenho
certeza de que são um dos poucos sortudos. Eu sou realista.
Eu sei o que o mundo nos dá. Eu sei que se você se apaixonar
uma vez, você deve estar preparado para se apaixonar
continuamente. Com tantas pessoas diferentes quanto
possível. Porque como você sabe que é amor se você não tem
nada para comparar?

Mas é por isso que é tão assustador e por que atualmente,


enquanto estou sentada no meu quarto, com pilhas de revistas
em meus pés, unhas dos pés recém-pintadas, me recuso a
esquecer o assunto. Em vez disso, sou tudo sobre sexo. O sexo
é mais fácil de lidar. Eu acho. Eu espero. Porque e se você se
apaixonar, perder o cara e depois mais tarde na vida, muitos
amores depois, você percebe que o primeiro amor foi o único
que realmente durou.

Então o que?

Isso não pode ser eu.


Recuso-me a me apaixonar pelo meu namorado.

Mas guarde minhas palavras, vou dormir com ele antes


que a semana acabe.
AGORA

Eu não consigo dormir

Me viro e me reviro, meus cobertores me envolvendo ao


ponto de quase estrangulação.

Desde que fiz o check-in no meu hotel, não consigo parar


de pensar em Anders. Nem mesmo por um segundo. Eu nem
me preocupo em atualizar minhas redes sociais ou enviar
mensagens de texto para Everly como deveria, ou mandar um
e-mail para minha mãe como ela pediu.

Eu apenas ando pelo meu quarto ou olho pela janela para


o rio abaixo, desejando não estar tão sozinha.

Desejando ter dito sim.

Teimosa. Sou teimosa e estúpida. Nos restos do meu


subconsciente, sei que esperava, rezava, para encontrar
Anders, tanto quanto esperava que não o faria. Agora que eu
fiz, parece tão... mesquinho... apenas deixar como fiz.
Talvez tenha sido o destino, talvez não – mas algo me diz
que qualquer força que o colocou no meu caminho significava
que algo mais aconteceria. Depois de todos esses anos, todas
as coisas que imaginei dizer a ele, nenhuma delas foi dita. Não
houve encerramento. Nada foi resolvido. Tudo o que meu
encontro com Anders fez foi me lembrar que eu tinha a chance
de finalmente falar com ele, deixar o passado para trás, ouso
dizer, superá-lo, e eu fui teimosa demais para até mesmo
aceitar sua oferta.

Quando chega às três da manhã e estou meio fora da


cama, olhando para o teto e ouvindo a chuva com o coração
batendo forte, sei o que tenho que fazer.

Não acabou.

E com isso na minha cabeça, finalmente adormeço.

Quando chega a manhã, a primeira coisa que faço, além


de esfregar meus olhos turvos e me perguntar por um
momento onde diabos eu estou, é pegar meu telefone e entrar
no Facebook. Eu nem tinha pensado em dar a ele meu número
ou pedir o dele na noite passada, nem mesmo uma maneira de
manter contato.
Vou para a página de Everly e percorro sua lista de
amigos (como diabos ela tem tantos?) e quando encontro
Anders, prontamente o adiciono como amigo.

Eu tomo um banho e me arrumo devagar, a cada dois


minutos pego meu telefone e verifico se ele aceitou meu pedido
de amizade ou não. Sei que poderia enviar uma mensagem a
ele, mas iria apenas para a pasta – Outros – no Facebook e não
sei quem se lembra de verificar isso. Geralmente está cheio de
avanços sexuais indesejados de homens que querem que você
seja sua noiva em troca de algum dinheiro para eles.

Quando chega onze da manhã, eu sei que estou sem


sorte. Tenho meia hora para avisar a pousada se vou ficar mais
uma noite ou serei cobrada por isso.

Às 11h16, Anders aceita meu pedido de amizade.

Pulo sobre ele como um animal e disparo uma mensagem


rápida, sem tempo para pensar:

Ei, você sabe que eu estava pensando que não me


importaria de ir para Todalen, afinal. Como eu chego lá?

Sua resposta é quase imediata: Fique onde está. Estarei


no hotel em duas horas. Há um café do outro lado da rua
chamado Beanz se você precisar sair.

Bem, eu não esperava por isso. Rapidamente respondo,


dizendo que está tudo bem, ele não tem que fazer isso por mim
e estou feliz de pegar um trem, se houver um, ou um ônibus.
Mas quando ligo para a recepção do telefone do meu quarto e
informo que vou fazer o check-out mais cedo, minha
mensagem para ele não foi lida.

Merda. Acho que ele está vindo.

Sento-me na cama por um momento, dobrando uma


perna debaixo de mim e sentindo cada pedacinho da
adolescência de novo. Estou até mordendo meu lábio. Meu
coração está disparado e há uma sensação curiosa em meu
peito, como se fosse um céu azul sem fim, cheio de promessas.

Estou tonta. É isso que é.

E com medo.

E nervosa.

E um milhão de outras coisas.

Merda.

Isso não é bom.

Eu não planejei isso.

Agora estou repentinamente tomada pelo impulso de


parecer melhor do que antes. Pelo menos melhor do que ontem.
Eu sei que tenho que sair o mais rápido possível, mas coloco
um pouco mais de maquiagem no meu rosto. Minha pele está
mais pálida do que o normal graças ao inverno irlandês, então
pego o bronzeador e blush, ajeito a franja e passo um batom
fosco neutro nos lábios. Isso me lembra o quão louca eu
costumava ser naquela época, tentando impressionar Anders.
Eu me derramaria sobre todas as revistas, especialmente
Cosmopolitan, levando todas as dicas de maquiagem e dicas
de sexo a sério, esperando até que eu pudesse experimentá-
las. A maioria das dicas de maquiagem era para meninas
brancas, mas eu fiz funcionar de qualquer maneira. Engraçado
como não mexo naquela revista há anos – acho que ninguém
com mais de vinte e dois anos ainda a lê.

Olho-me no espelho e acho que estou bonita. Não é


exatamente sexy, já que estou vestindo um suéter norueguês
que comprei em Oslo, jeans e botas, mas bom o suficiente.
Quando você está viajando há tanto tempo quanto eu e
essencialmente vivendo com uma pequena bolsa de lona e uma
mochila gigante, suas roupas – sexy – tendem a ser jogadas de
lado para qualquer coisa confortável e fácil de lavar. Eu
costumava ser uma garota feminina no Brooklyn, mas aqui
estou em jeans elásticos, leggings e cardigans na maior parte
do tempo.

Rapidamente arrumo minhas malas e desço as escadas


para o saguão. O proprietário do hotel é muito legal e não se
importa que eu fique sentada, embora depois de um tempo (e
um milhão de fotos da vista do rio e das casas de barcos
coloridas do outro lado) eu esteja entediada, então pego
minhas coisas e atravesso a rua até a cafeteria que Anders
mencionou.

Eu sinto que estou esperando um encontro aparecer.


Tenho certeza de que se eu não tivesse minha bolsa no chão e
minha mochila na cadeira em frente a mim, eu ficaria assim
também. Continuo tomando goles cuidadosos do meu café –
droga, eles bebem tão forte aqui – e olhando pela janela.
Sempre que alguém entra na cafeteria, olho para cima e,
quando não é Anders, sinto uma curiosa mistura de alívio e
arrependimento. Eu me pergunto qual emoção vai vencer no
final.

Pelo menos estou vivendo o momento agora, porque estou


sentindo absolutamente tudo. Tenho que me lembrar de
relaxar, para não me deixar levar. Provavelmente seria o
melhor se eu fizesse tudo o que pudesse para esquecer que já
namorei Anders, o amei, perdi minha virgindade com ele, tive
meu coração severamente dilacerado por ele. Se eu pudesse
apenas fingir que ele era alguém novo entrando em minha vida,
um estranho bonito, quente e rude como o inferno que entra
neste café e me leva embora, mesmo que apenas para um
pequeno vilarejo para um sabor local.

Trago meu diário para me distrair, imaginando se Anders


ainda escreve no seu. A poesia que ele rabiscava dia após dia
ainda permanece comigo até hoje.

Pare com isso, digo a mim mesma. Não há passado,


apenas agora.

A campainha da porta dispara, ecoando pela loja.

Eu olho para cima.

Anders entra, imediatamente me avistando, seus olhos


escuros encontrando os meus. Juro que nossas pupilas devem
estar magnetizadas porque, quando ele me encara, sou
incapaz de desviar o olhar.

Meu coração pula enquanto ele caminha para frente com


seu grande corpo, movendo-se entre as mesas com facilidade,
e me lembro de uma época em Capri, escalando até o topo de
um monte de pedras altas e lisas e se equilibrando por um
momento inebriante, eu e o ar e o mar, antes de mergulhar
direto para baixo.

É aquela sensação do desconhecido.

A liberdade.

Então a queda.

Oh meu Deus. Este homem vai me quebrar tudo de novo.

Mas não posso correr. Eu quero, mais do que qualquer


coisa. Não posso fugir do meu passado mais do que posso
correr para ele. Porque meu passado está chegando até mim.

— Oi — ele diz para mim, a voz como creme. Esse sotaque


é sempre a cereja do bolo.

— Oi — digo, olhando para ele. Eu sorrio.

Ele sorri de volta. Com os lábios fechados e um pouco


perverso. É quase um alívio ver o jeito confuso e taciturno que
ele estava ontem à noite.
— Eu estava pensando, — digo a ele enquanto me levanto,
pressionando minhas mãos sobre a mesa. — Que talvez
devêssemos começar de novo.

Ele inclina a cabeça e uma mecha de seu cabelo


despenteado cai sobre sua testa. — Recomeçar?

— Finja que estamos nos encontrando pela primeira vez.


Hoje. Agora mesmo.

Ele franze a testa, enfiando as mãos nos bolsos de sua


capa de chuva verde escuro. — Apagar o passado.

Encolho os ombros. — Talvez não apagar. Apenas...


esquecer, por enquanto. — Esfrego meus lábios, estremecendo
ligeiramente. — Por favor. Eu acho que vai ajudar.

Por favor, não me faça explicar o porquê. Você deve saber


o porquê.

Ele balança a cabeça, desviando o olhar por um momento


antes de olhar para trás e estender a mão. — Anders Johansen.
Eu sou seu motorista hoje, levando você para a cidade há
muito esquecida de Todalen. Somos famosos por fazer
caminhadas e nossos bolinhos de batata.

Coloco minha mão na dele e assim como na noite


passada, aquela emoção quente corre da minha palma e pelo
resto do meu corpo. — Shay Lavji. Brooklyn, Nova Iorque.
Famosa por nossa cerveja e ironia.

— Prazer em conhecê-la, Shay.


— Prazer em conhecê-lo, Anders, — digo a ele. Não posso
deixar de sorrir para ele e quando o faço, algo em seus olhos
se ilumina. — Obrigada por vir me buscar.

— A qualquer hora, — diz ele, soltando-se e pegando


minha bolsa, balançando-a sobre o ombro. — Você está pronta
para ir?

Eu digo a ele que sim e estou prestes a pegar minha


mochila quando ele a pega também. Agradeço enquanto ele se
afasta e o sigo para fora do café. Minha visão dele por trás não
é tão ruim – jeans e botas de trabalho – embora eu deseje que
sua capa de chuva não cubra sua bunda do jeito que está. Eu
preciso dar uma boa olhada nisso. Você sabe, para efeito de
comparação.

Hoje está nublado, com um vento leve que empurra os


galhos das árvores em flor, mas pelo menos não está chovendo.
Para minha surpresa, ele me leva a um carro esporte vermelho
vintage.

— Isto é seu? — Eu pergunto, olhando para o lindo carro.

— É — diz ele com orgulho, abrindo a escotilha e jogando


minhas malas dentro. — O VW pertence ao meu tio, mas esse
bebê é todo meu.

— Que tipo de carro é?

— Um Datsun. Apenas o melhor para essas estradas.


Realmente não cabe mais do que duas pessoas nele, então
espero que você não se importe com uma viagem apertada. —
Me importar? Meu estômago fica todo espumoso pensando em
ficar sozinha com ele no carro pelo que parece ser uma longa
viagem.

Ele abre a porta do passageiro para mim. — Depois de


você — ele diz.

Mesmo quando adolescente, no centro de toda aquela


rebelião, ele ainda tinha boas maneiras.

Pare com isso, me repreendo. Recomeçar.

— Obrigada — digo a ele, entrando.

— Então, o que você fez ontem à noite depois do bar? —


ele pergunta enquanto dirige o carro estrada abaixo, as rodas
quicando sobre os paralelepípedos.

— Fiquei no meu quarto — digo a ele, olhando pela janela


e observando todas as pessoas indo e vindo. Normalmente eu
ficaria maravilhada com tudo isso, com a estranheza, com a
novidade, e começaria a me perguntar como seria morar nesta
cidade. Mas com Anders ao meu lado, aquelas mãos grandes
no volante, nossa proximidade, é além da distração. Em vez de
ser uma verdadeira viajante e me concentrar no mundo ao meu
redor, minha mente fica girando de volta para o mundo dentro
do carro, como um pêndulo.

— Você nem voltou para fora? — ele pergunta incrédulo.


— O que você fez para o jantar?
Dou a ele um olhar envergonhado. — Eu comi todos os
doces que suas irmãs me deram.

Ele revira os olhos e sorri. — Bem, eu vou te dizer uma


coisa, assim que chegarmos em Todalen eu vou te levar para o
único restaurante. Espero que goste de bolinhos de batata,
porque é tudo o que eles têm.

— Uma coisa no menu? Que moderno.

— Não bata até tentar.

Tenho que admitir, meu estômago está roncando com o


pensamento.

— Desde que não esteja coberto de arenque, vou ficar bem


— digo a ele. Meio brincando, porque eca.

— O que aconteceu com a comedora aventureira que


gostava de experimentar de tudo? — ele pergunta, rindo
baixinho. — Lembra daquela vez que saímos para comer sushi
e você comeu... o que era, ouriço do mar?

Eu sorrio para ele com força.

— Oh, desculpe, — ele diz, as sobrancelhas escuras


unidas. — Eu esqueci. Não mencione o passado. — Seus nós
dos dedos apertam o volante por um momento antes de
relaxar. — De qualquer forma, acho que devo mostrar a você a
Catedral de Trondheim enquanto estamos aqui.

Ele me leva por uma rua estreita repleta de árvores e cafés


onde as pessoas estão tentando aproveitar o sol fraco. Do outro
lado da rua está uma catedral gigante, gótica, de aparência
quase assustadora que supera os piqueniques relaxando no
extenso gramado abaixo.

— Nossa igreja medieval mais famosa, a Catedral de


Nidaros, — ele explica enquanto para em uma vaga de
estacionamento. — O mais antigo da Escandinávia também.

Saímos do carro e damos a volta, olhando para as torres


com telhados de cobre, agora de um verde leitoso, sentindo o
relógio de gárgulas e rostos esculpidos nas portas. É lindo e
assustador ao mesmo tempo, e levo um momento para
absorver e me perguntar como diabos essa coisa foi construída
há tantos séculos.

— Quer entrar? — Eu pergunto a ele enquanto paramos


nas portas da frente gigantes. Você pode sentir o cheiro de
bancos mofados lá dentro e a qualidade herbácea de tantas
ofertas vindas do interior escuro.

Ele balança a cabeça. — Já fui julgado o suficiente — diz


ele, enfiando as mãos nos bolsos.

Dou a ele um olhar curioso, mas ele não continua. Não


me lembro do adolescente Anders tendo problemas com igrejas
ou religião. Mas, novamente, havia muito – muito – que eu não
sabia sobre ele.

Termino de tirar algumas fotos com meu telefone, focando


nas estátuas de pedra esculpidas na frente, antes de voltarmos
para o Datsun e fazer o nosso caminho para fora da cidade,
passando por subúrbios e shoppings que me lembram de casa.
Se a casa fosse colorida com aquela inclinação escandinava
moderna e organizada.

Ficamos em silêncio durante a maior parte da viagem, o


que eu não me importo. E por alguma razão, o silêncio não é
estranho, é confortável.

Pela primeira vez, permite que eu me concentre na


jornada e, embora esteja ciente da presença de Anders o tempo
todo, sinto minha mente vagando alegremente. Passamos por
pequenas cidades, vilas, assentamentos. Os vales são tão
exuberantes e verdes que machucam meus olhos, as
montanhas e florestas se erguendo atrás de celeiros vermelhos
e casas de fazenda brancas. Para onde quer que você olhe, há
uma fotografia esperando para acontecer, e quando abro a
janela, o ar cheira a feno, grama e vida renascendo.

Fecho meus olhos, sorrio, sentindo o sol no meu rosto e


o vento doce no meu cabelo e penso, estou feliz.

O pensamento quase veio como um choque. Não consigo


me lembrar da última vez que realmente senti isso.

Ou talvez os momentos tenham estado muito distantes


entre si. Essa é a coisa sobre a felicidade. Ela vem e vai.
Existem momentos de ser feliz, de experimentá-la com pureza,
seguidos de momentos de apenas ser. Não há nada de errado
em ser qualquer um, colocar um pé na frente do outro, ar
dentro e ar fora.
Mas o mundo que te faz pensar que você precisa se sentir
feliz o tempo todo. Não acho que isso seja possível, pelo menos
não comigo. Talvez a verdadeira felicidade seja passar por
momentos como este e encontrar uma maneira de mantê-los
enquanto você puder. Talvez a felicidade deva ser racionada e,
quando você se esgota, precisa criar sua própria felicidade para
preencher as lacunas.

— Sobre o que está pensando? — A voz sedosa de Anders


desliza em meus pensamentos.

Mantenho meus olhos fechados, o sol no meu rosto.


Deveria saber que ele estaria me observando. Ele sempre teve
esse jeito de ser. Acho que esse é o poeta nele. Sempre olhando,
sempre observando. Mesmo quando ele deveria estar vigiando
a estrada.

Hesito por um momento, sem saber o quão profundo


quero chegar com ele. — Felicidade.

Ele pondera sobre isso.

— E quais são seus pensamentos sobre isso? — ele


pergunta curiosamente.

Olho pela janela para as montanhas que passam. — Acho


que é um mito que as pessoas podem e devem ser felizes o
tempo todo.

— Eu concordo.

— Acho que é uma emoção que vem e vai.


— Como a maré. Ele entra, mas sempre volta para fora.
Isso não o torna bom ou ruim. Apenas isso. É a vida.

— Sim. — Viro minha cabeça para olhar para ele. Ele está
com óculos agora, então não consigo ver sua expressão,
embora ele esteja mordendo o lábio inferior de um jeito que me
dá vontade de mastigar também. Eu olho para trás para a
estrada e limpo a imagem da minha cabeça. — Pessoalmente,
quando penso nos momentos em que fiquei muito feliz, sabe,
quando você está apenas flutuando e não consegue parar de
sorrir e quer largar tudo e dançar um pouco, geralmente é
porque algum evento especial aconteceu com você. Você não
está acordando assim todos os dias porque a vida é muito boa,
a menos que por acaso você seja uma pessoa louca de sorte
onde esses eventos continuam se acumulando, um após o
outro.

— Parece exaustivo.

— Seria. O acúmulo de felicidade.

— Porém, alguns podem chamar isso de se apaixonar, —


diz ele, tão casualmente que estou começando a acreditar que
ele realmente esqueceu o passado. — Você sabe. Cada dia é
apenas mais uma pilha, até que fica muito opressor e você não
consegue nem se mover.

Parece muito preciso, eu acho. — E então o que você faz?


Espera pelo resgate? — Eu pergunto suavemente.

— Você sai — ele diz simplesmente.


E ele saiu bem. Sem um único arranhão nele, me
deixando sozinha nos destroços em chamas, deixando-me
rastejando sozinha.

Isso é amor para você.

— A menos que você seja Pharell, — acrescenta Anders


rapidamente. — Ele tem aquela coisa 'feliz' a seu favor. — Ele
olha para mim, os ombros parecendo erguer-se, a sobrancelha
suavizando. — Então, como... me fale sobre sua família, — ele
diz, brincando. — Você tem irmãs ou irmãos?

Ainda estou magoada com sua observação sobre o amor,


mas sou grata pela distração, por ele fingir não saber nada
sobre minha família quando sabe. — Uma irmã, Hannah. Ela
é mais velha e um pé no saco. Você se lembra... bem, não, você
não lembraria. Na América, temos esses livros chamados
Baby-Sitters Club Series e eu costumava ser obcecada por eles
quando era pequena. Havia centenas deles, todos escritos por
escritores fantasmas, algo que aprendi recentemente que
arruinou totalmente o meu mundo, mas de qualquer forma,
um dos personagens, Claudia, ela tinha uma irmã mais velha,
Janine. Esta nerd completa e não do jeito das nerds fofas. Ela
raramente sorria, não parecia ter senso de humor e passava
todos os dias estudando. Ela deveria ser um gênio, embora
tivesse apenas quinze anos e fosse o oposto de Claudia em
todos os sentidos. — Faço uma pausa e respiro, embora Anders
já saiba tudo o que estou dizendo a ele. — Bem, essa é a
Hannah. Quem diria que eu seria capaz de me relacionar tão
bem com um personagem de ficção escrito por fantasmas?
Agora ela está na faculdade, obtendo seu doutorado em algum
setor de ciências que não entendo, e mora com um homem
mais velho em Boston.

— Não parece uma pessoa fácil de se relacionar —


comenta Anders.

Balanço minha cabeça. — Ela não é. Nós melhoramos


desde... bem, ao longo dos anos. Mas, considerando que ela
era como minha mãe substituta durante a maior parte do
ensino médio, você pensaria que seríamos mais próximas de
alguma forma.

— Não funciona assim com a família, — diz ele. — O


sangue não o aproxima mais do que a distância. Eu deveria
saber.

Eu o observo. Aquele aperto no volante, o pardal ficando


distorcido e pálido. — Oh sim?

Ele balança a cabeça, mas pressiona os lábios e não


continua. Ele sempre foi assim. Tirar informações dele era
quase impossível. Claro, ele poderia recitar poesia ou alguma
confissão, mas tinha que vir dele. Você nunca conseguiria tirar
isso dele sozinho. Ele deu a você o que você queria apenas
quando ele decidiu. Isso explica por que, durante os oito meses
de namoro, ele ainda permaneceu um mistério para mim.

Para minha surpresa, ele continua. — Meu pai e eu...


antes de ser enviado para a América, meu pai me trouxe a
bordo para uma viagem de pesca de duas semanas. Na época,
não estávamos indo muito bem. Nosso relacionamento, quero
dizer. Quando minha mãe nos deixou, todos sofremos muito e
todos tivemos que fazer o que tínhamos que fazer. Mesmo se
não fosse o que queríamos.

Ele lambe os lábios e consegue um olhar distante. O ar


entre nós fica pesado e acho que talvez ele tenha parado de
falar. — De qualquer forma, sei o que meu pai estava tentando
fazer. Para me fazer ver como ele ganhava a vida. Para me fazer
entender. As dificuldades, os sacrifícios. Todas essas coisas
para as quais você não dá a mínima quando é jovem, não até
ficar mais velho e ser tarde demais. Eu não gostei disso. Eu
não me vinculei a ele. Tudo o que fiz foi piorar as coisas. Nós
até brigamos uma noite e... — ele para. Dá uma sacudida
rápida com a cabeça. — Não importa. Sangue ou não,
relacionamentos não podem ser forçados. Mais do que isso, a
empatia não pode ser forçada. Compreender. Você sabe?

Eu concordo. — Eu sei.

Dirigimos em silêncio por mais alguns momentos, antes


de pegar um desvio que leva entre montanhas altas, seus picos
carecas com pedras e arbustos alpinos. Eles parecem monges,
em meditação profunda, em sua eterna busca pela felicidade.

— Você está feliz? — Pego-me perguntando a ele.

Ele me dá uma olhada rápida. — Tópicos tão sérios para


pessoas que acabaram de se conhecer.
Sorrio com expectativa e olho para ele em busca de uma
resposta.

Ele olha de volta para a estrada, momentaneamente


mordendo o lábio em pensamento. — Não.

Não sei por que estou surpresa, considerando o que


acabamos de falar. — Nem às vezes?

— Oh, todo mundo é feliz às vezes. Exatamente como você


disse. Mas quando esses às vezes são poucos e distantes entre
si, acho que não é a única resposta. — Ele olha para mim
novamente. — Posso dizer que fiquei feliz esta manhã.

— Você ficou?

— Eu vi sua mensagem no Facebook. Isso me deixou feliz.

Desvio o olhar, ocupando-me com a paisagem. — Oh —


eu digo. Não tenho certeza de como me sinto sobre isso, mas
minhas bochechas ficam quentes.

Logo estamos passando por túneis até que o mundo à


minha direita se abre e estamos navegando em um verdadeiro
conto de fadas.

Puta merda. É ainda mais bonito do que eu jamais


poderia imaginar.

— Bem-vinda a Todalen — diz Anders, parando em um


pequeno mirante na beira da estrada.
Eu saio e sou imediatamente dominada por tudo isso.
Atrás de nós estão as montanhas íngremes e arborizadas que
chegam aos nossos pés, à estrada estreita serpenteando ao
longo da base e entrando em um vale pitoresco. À nossa frente
estão mais montanhas com cumes cobertos de neve que
parecem surgir diretamente do mar azul como uma mandíbula
antiga. No espaço entre nós e a terra, gaivotas dançam acima
de um pequeno barco de pesca cortando as águas.

— Uau, — eu digo, sentando em uma borda na beira do


penhasco, um caminho estreito abaixo levando alguns metros
para as águas profundas. — É impressionante.

— Ja, — diz ele, de pé ao meu lado, as mãos na cintura.


— Devo dizer que sempre que volto para casa é bom ter essa
vista me cumprimentando.

O sol está mais forte aqui e estou tirando rapidamente o


suéter e estendendo os braços, tentando aproveitar o sol
enquanto posso. — Acho que não sinto o sol desde que saí da
Itália.

— Aposto que você tem muitas histórias sobre aquele


lugar, — diz ele, sorrindo para mim. — Uma garota como você.

Olho para ele, estremecendo com o sol em meus olhos. —


Uma garota como eu?

Ele apenas acena com a cabeça. — Vamos. — E dá a volta


no carro, entrando.
Honestamente, eu poderia apenas ficar sentada aqui para
sempre, segurando a felicidade, mas me levanto, limpando
minha bunda e pulo de volta.

O motor acelera e com um sorriso rápido de Anders,


decolamos.
A solidão é um cachorro maltrapilho

uivando na sua porta

Isso te assombra

Afunda em seus ossos

Porque você sabe que esses cachorros estão em toda parte

Esperando do lado de fora da porta de todos

Chorando, choramingando, tremendo

Implorando para entrar

Tudo bem deixá-los entrar uma vez

Deixe-os farejar

Mijar no seu coração

Enrolar-se ao pé da sua alma

Mas sempre deixe-os sair pela manhã

E nunca, jamais os alimente.


Eu tenho que me beliscar.

Meus dedos cortando a palma da minha mão devem


resolver.

Mas não há truques para fazer tudo parecer real.

Essa realidade impossível.

Shay Lavji está sentada à minha frente no restaurante,


bebendo delicadamente um copo d'água e se esforçando para
não olhar para todas as pessoas e os pontos turísticos ao seu
redor, assim como as pessoas estão se esforçando para não
olhar para ela. São todos moradores locais – principalmente
idosos – neste lugar e raramente temos alguém que se pareça
com Shay.

Mas se ela percebe, não demonstra. E ela nem sempre é


boa em fingir.

Essa é uma das razões pelas quais eu me apaixonei por


ela em primeiro lugar.

Eu podia ler tudo em seus olhos.

Eu gostei do que vi.

Até que me vi refletido de volta neles.

Eu não gostei muito disso.


— Então, bolinhos de batata são tudo o que eles fazem —
diz Shay, mantendo a voz baixa como se tivesse medo de
ofender alguém. As pessoas aqui não se importam. Todos eles
me conhecem, embora finjam que não, e estão simplesmente
felizes por estar comendo.

— Quando você tem algo que funciona, você faz — digo a


ela.

O restaurante em que estamos é o único da aldeia. Não


está aberto todos os dias, às vezes apenas para o almoço, às
vezes apenas para o jantar e raramente fora da temporada
turística. É também uma antiga pousada, o único lugar da
cidade para ficar. É uma coisa grande e antiga,
tradicionalmente decorada com um interior de pinho, junto
com a grama no telhado pela qual Shay parece tão fascinada.
Para ser honesto, o telhado precisa de um pequeno
acabamento.

— Você sabe qual é a principal causa de morte na


Noruega?

Ela me olha com curiosidade. — O que?

Aponto para o teto. — Cortar o telhado. Eu não posso te


dizer quantas vezes aqueles cortadores de grama acabam
esmagando alguém.

Seus olhos se arregalam, tão grandes, lindos e castanhos.


— Mesmo?
Eu sorrio para ela e aceno. Vou deixá-la acreditar pelo
tempo que quiser.

— Ah, Anders, não vejo você há muito tempo — Hilde me


diz em norueguês, com um grande sorriso e mostrando a falta
de um dente enquanto nos entrega nossos pratos de bolinhos.
Ela olha para Shay. — Oh, desculpe, — ela diz, em um inglês
atrofiado. — Estou tão feliz por ter visitantes em nossa cidade.
Bem vinda.

Hilde afasta seu traseiro excessivamente rechonchudo


para executar um pedido em outra mesa.

— É ela quem dirige o lugar? — Shay pergunta enquanto


olha para a refeição. Eu sei que ela parece um pouco insegura,
mas aos meus olhos parece delicioso pra caralho. Bolinhos de
batata fofos, salsichas e cenouras e cebolas cozidas. É o
suficiente para alimentar duas pessoas.

— Ela cuida da comida e o marido cozinha, — digo a ela,


apontando para o canto da sala onde estão a jarra de água, as
xícaras e o café. — Você precisa de uma bebida, pegue você
mesma. É assim que funciona há décadas. — Corto a salsicha.
— Acredite em mim, você nunca teve uma refeição em um
restaurante como este antes. É o que você chamaria de
'negócio real'.

Ela parece mais do que insegura. Delirantemente fofa.


Mas enfrenta o primeiro bolinho.
— Oh, — ela diz, os olhos brilhando enquanto mastiga. —
É bom pra caralho.

— Eu te disse — digo a ela, e minha mente pisca com um


rolo de memórias, todas passando uma pela outra. Quando
namorávamos, quando estávamos juntos, eu faria tudo ao meu
alcance para que ela tentasse coisas novas, se esforçasse. Quer
fosse sair para comer sushi, ou tentar surfar no meio do
inverno em Long Island, ou invadir a piscina da comunidade
no meio da noite (eu não disse que todas essas coisas eram
legais), ela sempre protestava no começo e sempre terminaria
com eu avisei.

Mas não posso tocar nisso porque ela quer fingir que não
nos conhecemos.

Eu sei por que ela está fazendo isso. Sei que a machuquei
e, embora o tempo tenha passado, sei que ela ainda está com
raiva. Sei disso porque ainda estou com raiva de mim mesmo,
então não consigo imaginar como ela se sente. Oito anos é
muito tempo para carregar um caixão de sentimentos, as
pontadas enferrujadas da culpa e do arrependimento.

Então, estou indo em frente com isso. É apenas mais


difícil do que eu pensava. O que somos um para o outro agora
não pode ser baseado em nada além do que éramos um para o
outro. Mesmo estando com ela há menos de um ano, aquele
ano deixou uma cicatriz em mim e ela fez parte disso. Ela era
a ferida e o bálsamo.
Honestamente, não posso acreditar na minha sorte. Não
estou mentindo para ela quando digo que foi o destino que nos
uniu. Talvez o destino não tenha uma conta no Instagram, mas
eu realmente não esperava vê-la nos degraus da estação de
trem. Eu estava assistindo suas histórias, sabia que ela
chegaria a Trondheim às três da tarde, mas saímos tarde da
cidade, então realmente não achei que teria chance de
encontrá-la. Achei que ela estaria perdida em algum lugar da
cidade, para nunca ser encontrada, e ela não estaria aqui, em
Todalen, entre todos os lugares, comigo, jantando.

Cavo minhas unhas com mais força na palma da minha


mão.

Elas mal doem, mas pelo menos eu sei que não estou
sonhando.

Shay come vorazmente, como se eu nem estivesse aqui, o


que eu gosto. Há algo absolutamente sexual em assistir uma
mulher devorar sua comida, como se ela pudesse fazer o
mesmo com você. A comida dá prazer e o prazer não deve ser
negado. Além disso, acho que ela está confortável comigo.

Infelizmente, ela levanta os olhos de seu banquete e me


pega olhando para ela. Quero desviar o olhar, pelo menos agir
com vergonha, mas não o faço.

— Desculpe — ela diz com a boca cheia, pegando seu


guardanapo.
— Não se desculpe, — digo a ela. — Estou feliz que você
esteja gostando.

Cristo, ela é realmente linda, mesmo quando está


enchendo o rosto. Claro, ela era deslumbrante de se ver nas
fotos do Instagram, embora fossem principalmente selfies, que
geralmente não são genuínas. Tudo colocado com um
propósito falso. Mas em pessoa, vendo-a agora, como uma
mulher em carne e osso, ela é indescritível.

Não. Não indescritível. Eu posso fazer melhor que isso. Se


eu tivesse que escolher uma palavra, seria seda. Tudo nela é
sedoso, desde a pele lisa e castanha até os cabelos grossos, os
olhos aveludados e os lábios exuberantes, a forma como as
curvas se juntam, como um rio escuro em uma noite quente.
Ela me chama para dar um mergulho, para me afogar nela. E
ela nem sabe disso.

Engulo e tento comer o resto da minha comida.


Momentos atrás parecia tão apetitoso, mas agora meu corpo
está faminto por outra coisa. Meu peito se ilumina como um
clarão na escuridão. Não há nenhuma maneira romântica de
descrever minha ereção, que está pressionando contra meu
jeans e felizmente escondida pela mesa.

Quando terminamos a refeição e Shay está esfregando a


barriga de forma exagerada, rapidamente acerto a conta com
Hilde e voltamos.

— Todalen é uma cidade tão pequena que a maioria dos


noruegueses nem sabe onde fica — explico a Shay enquanto
ela observa os arredores, parecendo entrar em coma alimentar.
— O que tem a ver com isso é uma localização incrível, bem no
final do Vinjefjorden. Nos velhos tempos, você podia pegar um
navio a vapor subindo o fiorde até Kristiansand e o mar,
embora agora a cidade seja um beco sem saída, exceto para os
caminhantes que desejam ir para as trilhas nas montanhas
circundantes ou o famoso Parque Trollheimen. Temos uma
fábrica de móveis que é o principal empregador, uma escola
primária que vive sob ameaça de fechamento, uma igreja, o
restaurante-bar em que você acabou de entrar e um armazém
geral. Não temos nem bar, mas isso não importa muito, já que
todo mundo encontra motivos para festejar. Há muitas
fazendas neste vale e poucos vizinhos para irritar com o
barulho excessivo. E acredite em mim, podemos ficar
turbulentos.

Um sorriso conhecedor puxa seus lábios. Ela lembra. —


Parece que você poderia escrever brochuras turísticas para
este lugar.

— Se algum dia eu precisar de um terceiro emprego, vou


manter isso em mente.

A fazenda está localizada no lado sul do fiorde, passando


por um punhado de casas que margeiam a costa. Shay olha
para fora da janela, fazendo oohing e ahhing pelas coisas que
tiro como garantidas todos os dias: floreiras cheias de flores,
casas pintadas de cravo e cerejeira, frágeis janelas de sótão
escondidas sob arcadas ornamentadas. As casas então dão
lugar a florestas com pisos de musgo, raios de luz dourada
passando pelas copas das árvores. Pela primeira vez, sinto o
que me rodeia, só de ver através dos olhos dela. Parece uma
terra que Tolkien teria sonhado.

Também sinto uma estranha onda de orgulho


percorrendo meu corpo, como se tivesse acabado de engolir
uma dose dele. Acho que esta é a primeira vez que mostro
minha casa para alguém, alguém cuja opinião me interessa.

— Oh, uau — Shay diz quando passamos por uma


fazenda que se inclina para o mar, pequenas cabanas
vermelhas com telhados cobertos de musgo. Desacelero para
que ela possa abrir a janela e tirar uma foto com as montanhas
refletindo no fiorde e as vacas na beira da água, embora eu
saiba que ela terá muitas oportunidades mais tarde para
caminhar por esta estrada e tirar um milhão de fotos para o
conteúdo de seu coração. Mal posso esperar para dar a ela uma
de minhas câmeras e vê-la realmente ganhar vida com ela.

— E aqui está ela, — digo a ela, estacionando o carro ao


lado da cerca. — Casa.

A fazenda fica bem no final da estrada, a casa gigante de


dois andares mais sótão, pintada de branco desde que me
lembro, com enfeites vermelho-ferrugem e um telhado
crescido. Se toda essa coisa de cortar os telhados fosse
verdade, nossa casa precisaria de um acabamento.

De um lado da casa está o gramado que leva a uma


pequena praia, faixas de água e turquesa na parte rasa antes
que o fundo do mar desça em profundezas escuras e turvas.
Do outro lado, as montanhas se erguem como soldados de
guarda. Quando eu era criança, era assim que eu sempre os
comparava, como se a terra estivesse cuidando de mim.
Embora eu deva dizer que quando os tempos ficavam difíceis,
não era difícil imaginá-los como gigantes ameaçadores,
esperando para me esmagar durante o sono.

Por fim, para além da casa estão os celeiros onde


guardamos as vacas leiteiras e as ovelhas, embora não sejam
muitas. Essa é principalmente a nossa fonte de renda, em
termos de fazendas. Há muitas fazendas de ovelhas e leite no
vale, mas acho que, como minha família tem essa fazenda há
mais de um século, ainda podemos ter alguma influência na
comunidade. Não paga todas as contas – daí meu barco de
pesca – mas por enquanto estamos nos saindo.

— Não acredito que você mora aqui, — diz Shay,


absorvendo tudo enquanto sai do carro. — Isso é como... algo
de faz-de-conta. Espero que um troll apareça atrás dessas
rochas a qualquer segundo.

— Ei, — digo severamente, tentando não sorrir — não


diga nada mal sobre os trolls. Eles podem ouvir você.

Ela mostra a língua para mim de brincadeira e ri.

Eu tinha esquecido que som lindo era aquele. Isso rompe


algo duro, preto e escuro dentro de mim.

— Aí está você! — Astrid diz, correndo para fora de casa.


Lise está atrás dela, jogando um lenço em volta dos ombros e
bebendo em uma caneca. — Achamos que você nunca mais
voltaria.

Empurro minha cabeça para Shay. — Eu a levei para a


casa de Hilde para jantar mais cedo.

Astrid levanta as sobrancelhas, incrédula. — De Hilde? —


Ela lança um olhar de desculpas para Shay. — Que romântico,
hein? Ele leva você para jantar às quatro com todos os velhos.
O que você bebeu? Café ou água? — Ela ri e se aproxima de
Shay, puxando-a para um abraço rápido. — Que bom que você
está aqui.

— Tudo bem, Astrid — digo a ela, fazendo um gesto de


enxotar com as mãos. — Vá correndo agora.

— Acho que não, — ela diz, aproximando-se para me dar


um tapa no braço. Eu posso sentir o cheiro de cerveja nela. Ela
e Lise provavelmente já abriram algumas garrafas. — Ela
precisa de um tour. E não a turnê de Anders, que é apenas
grunhir para objetos e chutar coisas. — Franzo a testa para
ela, completamente confuso. — Vamos Shay. — Ela agarra o
braço dela, levando Shay em direção à casa e Lise. Shay olha
para mim e encolhe os ombros.

Eu suspiro, passando minha mão pelo meu cabelo, e tiro


as coisas de Shay do porta-malas.

A casa é velha, mas bonita, e se você gosta de história e


da maneira como as coisas eram, especialmente como as
coisas eram feitas, então é praticamente um baú de tesouro.
Felizmente, Astrid sabe o que ela faz sobre a casa e está
contando a Shay sobre meus avós e seus avós e assim por
diante, enquanto elas vão do saguão para a sala de lama, para
a cozinha, para a sala de jantar, para a sala de estar. Eu sigo
atrás com as bolsas, captando trechos da risada de Shay e
seus comentários impressionados sobre as tapeçarias feitas à
mão nas paredes, para os tapetes no chão, as cortinas de renda
e as esculturas de madeira e tudo o que faz esta casa o que é.

Na verdade, é Astrid quem fez a maior parte da decoração


da casa. Quando nossa mãe estava aqui, ela guardava todas
as coisas da nossa família em caixas no sótão, acho que para
deixar sua própria marca. Olhando para trás, isso
provavelmente era uma bandeira vermelha em si, como se ela
sentisse que seria apagada se suas coisas não estivessem ao
seu redor. Então, depois que nossa mãe nos deixou, pegamos
todas as coisas dela e colocamos no sótão. Como a mulher
mais velha da casa, Astrid decidiu dar à casa um toque
feminino. Eu odiaria pensar no lugar que ela se transformaria
se fôssemos apenas eu e o tio Per.

Por falar no tio Per, ele está na sala de estar, assistindo


TV e comendo um prato de gingersnaps.

— Tio Per, — Astrid diz em norueguês quando entramos


na sala, a luz do sol entrando sorrateiramente pelas cortinas
de renda. — Esta é a namorada de Anders, Shay.

— Ei — digo a ela bruscamente, meus olhos indo para


Shay e vice-versa, incrivelmente grato por ela não entender o
norueguês que estamos falando. — Amiga da América. Do
ensino médio.

Tio Per está olhando para mim com um olhar de 'sim,


certo' em seu rosto. Ele olha para Shay, olha-a de cima a baixo
e então grunhe. — Diga a ela que ela é bem-vinda, seja ela
quem for.

Shay tem aquela expressão estranha no rosto que você


fica quando não entende a língua que todo mundo está
falando. — Ele não fala inglês, — explico a ela. — Mas ele diz
que você é bem-vinda, sinta-se em casa.

— Oh. — Shay olha para o tio Per e lhe dá um sorriso


genuíno e ofuscante que derreteria o mais frio bloco de gelo. —
Tusen Takk.

Bem, eu serei amaldiçoado. Pela primeira vez, meu tio


abre um sorriso. E embora seja bastante fácil lembrar como
dizer muito obrigado em norueguês, o som que vem dos lábios
de Shay mexe com algo em minha alma.

Depois disso, Astrid mostra a Shay o quarto em que ela


vai ficar, o de Tove, e sugere que todos tomem algumas cervejas
e relaxem perto do fiorde.

Devo dizer que, por mais que adoraria participar, tenho


trabalho a fazer. Pulei cedo para ir buscá-la, e posso dizer, pelo
jeito que o tio Per está assistindo TV, meio em coma, que ele
terminou o dia. Além disso, não estou exatamente com vontade
de compartilhar Shay com minhas irmãs – Deus sabe o que
dirão a ela. Eu prefiro tê-la sozinha e para mim.

Para que? Eu me pergunto. Você realmente acha que ela


estaria interessada em você desse jeito, depois de tudo o que
aconteceu? Depois de todo esse tempo? Já faz tanto tempo.

Engulo em seco e tento me colocar no espaço certo.

Não é fácil.

Enquanto as meninas descem para a água, vou para os


campos. É a época dos partos, o que significa que geralmente
tio Per ou eu acordamos de madrugada para ver se nasceram
alguns cordeiros durante a noite. Isso não acontece com
frequência, considerando que não temos muitas ovelhas
sobrando, e a temporada de parição se estende por alguns
meses. Já chegamos ao fim, mas mesmo assim sei que há duas
ovelhas que ainda não deram à luz.

Alimento os cordeiros e as ovelhas no curral, certificando-


me de que eles tenham grãos frescos, feno e água, depois vou
para o celeiro principal e faço o mesmo. As vacas estão
pastando, e dou uma volta pelo perímetro verificando a cerca.
Amanhã de manhã estarei assumindo o primeiro turno,
levando as vacas para serem ordenhadas e então é um dia
inteiro. Tive a sorte de tirar o dia de folga enquanto o fazia.

Com esse pensamento, volto para a casa, me lavo e coloco


a chaleira no fogo para o chá. Eu espio pela janela, esticando
o pescoço para ver se as meninas ainda estão perto da água.
Já se passaram duas horas e eu sei que Lise está encarregada
do jantar esta noite.

— Ei.

Me viro para ver Shay parada na porta, sorrindo insegura


para mim. Suas bochechas estão coradas, provavelmente por
causa do álcool, embora eu goste de pensar que é por causa de
mim.

— Oi, — respondo, recostando-me na pia. — Está ficando


frio lá fora.

— Eu sei, não fui feita para este clima nórdico como você,
— diz ela. — Eu ia comprar um suéter. Talvez um lenço.

— Minhas irmãs deveriam vir agora de qualquer maneira;


Lise deve cozinhar esta noite.

— Vocês todos se revezam?

— Bem, eu costumo cozinhar quando sou só eu e meu


tio, mas quando as meninas estão aqui, tenho que colocá-las
para trabalhar, mesmo quando o jantar é cozido sob a
influência.

Ela ri. — Elas estão muito bêbadas.

— E você?

Ela me dá um sorriso preguiçoso. — Estou me sentindo


muito bem. Embora, cara, Astrid pode falar até perder o
ouvido.
Eu rio assim que a chaleira começa a assobiar. — Isso ela
faz. Eu tive que andar por aí com protetores de ouvido quando
era mais jovem.

— Não…

— É verdade. Quer um pouco de chá?

— Claro, — ela diz. — Contanto que não me mantenha


acordada à noite.

— Não essas coisas, — digo a ela, pegando um saquinho


de chá extra para ela e servindo-lhe uma xícara. — Não há
cafeína na camomila. Tenho que acordar às cinco e meia da
manhã.

— Por quê?

Caminho até ela, entregando-lhe a caneca. Nossos dedos


roçam um no outro enquanto ela o tira de mim, e eu não quero
desviar o olhar de seus olhos. Eles me engolem inteiro e estou
mais do que disposto a ir.

— Trabalho, — eu digo a ela, minha voz baixa. — As vacas


precisam ser ordenhadas, as ovelhas precisam ser verificadas.
Meu tio fará um pouco, eu farei o resto.

Ela morde o lábio por um momento. — Posso ajudar?

Não posso deixar de sorrir. — Você quer se levantar tão


cedo e ajudar na fazenda?
— Por que não? — ela diz com um encolher de ombros,
andando em volta de mim e se sentando à mesa do café. —
Você está me deixando ficar aqui e comer sua comida e beber
sua cidra, é o mínimo que posso fazer.

— Sim, mas, — começo, sentando em frente a ela. Tenho


que fazer uma pausa porque a visão de nós dois à mesa,
canecas de chá fumegantes nas mãos, na minha cozinha, na
Noruega, não é nada surpreendente. E mais do que isso,
parece certo.

Se eu pudesse fazer o certo por ela. Desta vez.

— Mas o que? — ela pergunta.

Coloco minhas mãos em volta da caneca. — Mas você é


minha convidada aqui. Você não precisa fazer nada. Você não
precisa levantar um dedo.

Ela sorri timidamente, uma espessa mecha de cabelo


caindo em sua bochecha. Leva tudo de mim para não estender
a mão por cima da mesa e enfiá-lo atrás da orelha. Para sentir
como é o cabelo dela novamente. Para estar tão perto. Meus
dedos estão praticamente coçando.

Em vez disso, tomo um gole de chá, mesmo que escalde


minha garganta.

— Você sabe que vou ajudá-lo amanhã, não sabe? — Ela


diz depois de um momento.
— Tive um pressentimento — admito. Teimosa como
sempre.

Gostaria que pudéssemos ficar sentados ali por horas, só


para ter uma desculpa para falar com ela, olhar para ela e
apenas ser.

Mas Astrid e Lise logo aparecem, rindo e bêbadas, e


assumem a cozinha com muita atividade. Os momentos de
silêncio entre nós se foram.

Mais tarde, depois do jantar, quando está escuro e as


estrelas brilham e é hora de dormir, desço o corredor. Posso
ouvir Lise e Astrid conversando no quarto de Lise. Tio Per está
roncando. A porta de Shay está fechada, mas a luz brilha por
baixo.

Eu paro do lado de fora, esperando não estar


interrompendo.

Bato em sua porta. — Shay? — Digo suavemente.

Ouço as tábuas do piso rangerem.

A porta se abre.

Ela está de pijama e uma camisola branca rendada que


queima sua pele como fogo. Seu rosto está sem maquiagem,
fazendo-a parecer mais jovem, vulnerável. Bela.

E pensar que alguém como ela ainda está em busca de


sua felicidade.
Ela está me olhando com olhos curiosos.

Sorrio para ela suavemente, tentando manter meu olhar


focado em seu rosto. — Só queria verificar se você não mudou
de ideia sobre amanhã. Da próxima vez que eu bater nesta
porta, serão quatro e quarenta e cinco da manhã.

Sua boca cai por um momento. — Você disse cinco e


meia.

— Eu disse que você tem que acordar às cinco e meia.


Você vai pressionar soneca mais do que algumas vezes. A
menos que você pense que não pode lidar com isso.

— Oh, eu posso lidar com isso. Eu estarei de pé e pronta


para ir antes mesmo de você bater — ela dispara de volta, sua
mão na borda da porta.

— Tudo bem então, — digo a ela. — Estaremos com os


pardais. Boa noite, Shay.

— Boa noite — ela diz, e me viro antes de vê-la fechar a


porta para mim.

Caminho pelo corredor, exalando lentamente, as tábuas


do assoalho rangendo sob meus pés.

A porta de Lise se abre e Astrid coloca a cabeça para fora.

— Ei — Astrid sussurra asperamente, e caminha atrás de


mim.

— O que? — Eu pergunto, parando na minha porta.


Ela me dá um tapinha no ombro, embora já tenha minha
atenção.

— Eu quero ter uma palavra com você, — ela diz, e olha


para o corredor vazio e para trás. — É sobre Shay.

Levanto minha sobrancelha. — O que sobre ela?

— O que você fez com ela?

Franzo a testa, engolindo em seco. — O que você quer


dizer?

— Não sei, — ela diz, balançando a cabeça. Seus olhos se


estreitam, a alguns milímetros de distância de seu brilho
mortal. — As meninas podem sentir coisas. Você transou com
ela, não foi? O que você fez? Traiu ela?

A vergonha é um câncer do coração

Comendo fora

Até que seu baú esteja vazio

E a única coisa que bate

Isso te mantém vivo

É ódio.

— Foi há muito tempo, — digo a ela em voz baixa. —


Ensino médio, Astrid. Você sabe como eu era.

— Sei como você estava antes de partir e sei que estava


ainda pior quando voltou.
— Aonde você quer chegar? — Estou ficando farto dela no
meu negócio, especialmente no passado.

— O que quero dizer, Anders, é que passei horas


conversando com ela e gosto dela. Ok? Eu gosto dela. — Ela se
aproxima, seu dedo no meu rosto. — Não foda com ela. Eu sei
que você quebrou o coração dela uma vez. Não se atreva a fazer
isso de novo.

Ela se vira e volta para o quarto de Lise sem olhar por


cima do ombro.

Suas palavras picam, farpas em minha pele.

Adormeço ainda sentindo-os.

Eu faria qualquer coisa para não ser essa pessoa


novamente.
ANTES

Estamos namorando há seis semanas.

Amanhã é o Halloween.

Ainda não fizemos sexo.

Estou começando a achar que há algo errado comigo. Por


que não vamos progredir além das mãos nas calças e do estágio
de chupada? Quer dizer, é bastante óbvio que se eu tiver o pau
dele na minha boca, estou pronta para alguma coisa. E, bem,
ele também. Literalmente.

Para ser justa, ele quer cair em cima de mim, mas sou eu
quem o está empurrando. Não sei. Eu simplesmente não
consigo imaginar por que ele iria querer. É nojento, não é? E
por algum motivo ele fica me perguntando. Eu não entendo por
que um cara iria querer sua boca lá embaixo.

Portanto, estou me concentrando em me tornar mais


atraente para ele, na esperança de que possamos superar o
estágio de carícias pesadas (que, para ser honesta, é mais
como dedilhar pesado). Estou revirando minhas revistas,
tentando aplicar a maquiagem – digna de sexo -, para ter
certeza de que minhas pernas e linha do biquíni estão sempre
raspadas, para ter cabelo e pele tocáveis. Hálito fresco é hálito
beijável, então estou mascando chiclete e bombeando balas
toda vez que estou na presença de Anders.

O que é muito. Estou com ele literalmente todos os dias


depois da escola e sempre em minha casa. Só estive na casa
dele uma vez, porque sua mãe insistiu em me conhecer. Foi
um jantar infernal. Você poderia ter cortado a tensão entre
aquela família com uma faca de manteiga. Sua mãe era gentil,
mas tinha a determinação de sua geladeira de aço inoxidável.
Seu padrasto era silencioso e mal olhava para qualquer um de
nós. Então, depois disso, decidimos apenas continuar saindo
na minha casa. Afinal, minha irmã mal está em casa e meus
pais estão para sempre na Índia. Você pensaria que seria a
configuração perfeita para toneladas de sexo épico.

Ou apenas um pouco de sexo.

Só uma vez.

Even Everly me perguntou se já tínhamos feito, ao que


lhe dei a mesma resposta que ela me deu: — Existem outras
maneiras de se divertir.

Então, para o Halloween, estou indo com tudo. Estou me


vestindo como Cleópatra e usando a coisa mais safada que
posso usar na escola, já que podemos usar nossas fantasias, e
então naquela noite eu estou levando ainda mais roupas. Se
isso não chamar a atenção de Anders, não tenho certeza do
que irá.

Mas, algumas horas depois, Anders aparece na minha


porta sem avisar.

Atendo a porta e ele está parado na escada. Está


chovendo um pouco e o ar cheira a fogos de artifício e a ameaça
de neve. Sua jaqueta de couro está salpicada de água, seu
cabelo úmido e comprido. Está quase na altura dos ombros
agora. Everly diz que é o visual – Euro Trash -, mas acho que
combina com ele.

— Você caminhou? — Eu pergunto a ele, olhando por


cima do ombro e não vendo o Mustang que ele geralmente pega
emprestado de seu padrasto.

— Eles saíram, esconderam as chaves — diz ele. Há algo


estranho na maneira como ele está olhando para mim. É
intenso. Eu sei que ele pode ser um cara intenso e taciturno
às vezes, propenso a voos de fantasia em um momento e
cabeça quente no próximo, mas esse olhar, esse olhar, me tem
em seu domínio.

— Você deveria ter me contado, — digo a ele. — Eu


poderia ter pegado o carro de Hannah e ido buscar você. Ou
da minha mãe, ela disse 'apenas emergência', mas quem se
importa.
— Você é minha emergência, — ele diz. — Eu não podia
esperar.

Eu sorrio com cautela, intrigada. — Esperar pelo quê?

— Para dizer a você algo que venho pensando em dizer a


muito tempo.

Meu peito se contrai. Temor. Há algo muito selvagem em


seu visual.

Perigoso.

Real.

Puta merda. Ele está terminando comigo.

Meus olhos crescem, meus pulmões param de funcionar


junto.

Ele não pode... ele não pode...

— Shay — diz ele, subindo e parando no degrau abaixo


de mim, então estamos da mesma altura. Sua voz é suave, mas
áspera. Como se o que ele está prestes a dizer fosse quebrar
nós dois.

Ele agarra meu rosto em suas mãos e eu vejo as gotas de


chuva deslizarem por suas bochechas, suas sobrancelhas
úmidas e pretas franzidas juntas. Seus olhos fixam-se tão
profundamente nos meus que sei que ele vê tudo o que sou.

Ele tem muito poder agora. Muito.


— Eu te amo — ele diz.

Eu pisco, não tenho certeza se ouvi direito. Todos os


sentimentos deixam meu corpo.

— O que? — Eu pergunto, quase um sussurro.

— Estou apaixonado por você, — ele diz novamente, e


agora reconheço a expressão em seus olhos. Febril. Louco. —
Eu não conseguia mais manter isso para mim.

Ele me ama.

— Eu... — eu começo a dizer.

Ele me ama!

Ele passa o polegar pelos meus lábios. Estou feliz por ter
usado ChapStick com sabor. — Eu não quero que você diga
isso de volta. Nunca.

Estou pasma. — Nunca?

— São as minhas palavras para você.

— E se eu me sentir da mesma maneira?

— Não se preocupe. Eu saberei quando você fizer isso —


ele diz, antes de me beijar.

E se essas palavras, essas palavras, não tivessem


roubado todo o meu fôlego, esse beijo roubou.

Este beijo tem a profundidade de um oceano.


Dedos no meu cabelo, no meu rosto, na parte inferior das
minhas costas.

Este beijo é o prelúdio dos meus sonhos.

Lábios travados, nós tropeçamos de volta para dentro de


casa.

Subo as escadas.

Para o meu quarto.

A porta se fecha.

Deito na cama.

Estou nervosa. Estou tão nervosa. Anders não está se


movendo, ele está parado ao pé da cama, me prendendo com
os olhos. Há tantas emoções girando neles que não sei em qual
me agarrar. Há esperança, admiração, dor, angústia e luxúria.
Luxúria pura.

Eu decido me agarrar à luxúria.

Porque é isso que estou sentindo também.

Até meus ossos.

Mesmo assim, Anders não se move. Ele continua a olhar.

E quanto mais ele me encara, mais minha mente começa


a vagar. Pensar. A pensar demais. A se preocupar.

Mas então ele sai dessa.


Se move rápido.

Um borrão, removendo sua jaqueta e jogando-a no chão,


depois sua camisa.

Em seguida, ele sobe na cama, pairando sobre mim, as


mãos roçando os lados da minha camisa. Sua pele é fogo
contra a minha, sua palma derretendo no meu seio enquanto
ele tira meu sutiã, meu top.

Estou nua agora, minha pele queimando sob seu toque,


sob seu olhar enquanto ele me olha.

Por favor, não me machuque, eu penso.

E não me refiro ao sexo. Eu sei que vai doer um pouco,


que vai parecer estranho no começo.

Mas esse menino me ama.

E eu amo ele.

E estou prestes a dar a ele minha virgindade.

Se isso não durar, se não funcionar, estarei arruinada.


Eu sei isso. Ele sempre viverá bem na minha vida como o cara
com quem dormi pela primeira vez. Isso é algo que nunca pode
ser apagado ou retirado.

— Eu te amo — ele sussurra para mim enquanto abre


meu jeans, puxando-o para baixo sobre minhas coxas.

— Eu te amo — eu digo de volta, embora ele tenha me


dito para não fazer.
Seus olhos brilham com escuridão e desejo e algo mais
que não posso descrever.

A emoção dispara direto no meu coração.

Ele tira a calça, pressiona seu corpo contra mim, o


comprimento duro dele entre minhas pernas e eu sei que é
isso.

Ele se empurra dentro de mim.

Dói um pouco. É desconfortável, para dizer o mínimo.

Mas é ele. Tudo dele. É o que eu queria.

Tento esconder isso do meu rosto, mas ele faz uma pausa,
beijando meus lábios, minha mandíbula. — Você está bem?
Quer que eu pare?

Balanço minha cabeça, estremecendo, pressionando


minhas mãos nos músculos rígidos de suas costas. — Não
pare.

Não podemos parar o que já está em movimento.


AGORA

Estou sonhando com uma piscina. Minhas lágrimas


enchendo-a, transbordando e afogando o mundo inteiro. Então
há batidas. Sempre batendo, como se alguém estivesse no
fundo da piscina, querendo sair.

Anders.

Eu gemo e rolo, com lã áspera na minha bochecha.

Onde diabos estou?

A batida novamente. Mais alto agora.

Aqui.

Não um sonho.

— Shay?

O som de uma porta se abrindo.


Rolo novamente e tento me sentar, para abrir meus olhos.
O quarto é cinza nebuloso, à beira da escuridão. Eu vejo uma
silhueta familiar na porta.

— Você está acordada? — Anders pergunta, sua garganta


ainda mais rouca na escuridão da manhã. — São cinco. Eu te
dei quinze minutos extras para dormir.

Meu Deus, estou cansada. E desorientada pra caralho. Só


agora estou percebendo que estou na casa dele em Todalen.
Ainda não sei por que ele está me acordando nesta hora ímpia.

Oh, certo. Fiquei bêbada ontem à noite e disse a ele que


gostaria de ajudar nas tarefas da fazenda.

Eu sou uma idiota.

— Uh, — eu digo, minha garganta parecendo cheia de


algodão. Eu tusso. — Estou de pé. Eu, uh... estava em um sono
muito profundo.

— Posso deixar você voltar a dormir, — diz ele. — Eu não


vou pensar menos de você.

— Vou pensar menos de mim — digo a ele, embora já me


odeie por ser tão teimosa. Procuro o interruptor da luz na
mesinha de cabeceira e o ligo. Mesmo o brilho fraco queima
meus olhos e eu rapidamente os cubro com as mãos. — Como
você faz isso todas as manhãs? — Eu murmuro.
— Imagine ter apenas duas horas de sono, em um beliche
fedorento, em um navio em movimento, no frio congelante, dia
após dia, — diz ele. — Isto é moleza.

Eu o observo por entre os dedos. Ele está totalmente


vestido com jeans, uma camisa de flanela verde floresta e uma
jaqueta de algodão encerada marrom, um gorro preto puxado
para baixo em sua cabeça. Ele está segurando duas xícaras do
que eu oro que seja café nas mãos.

— Se você se levantar, — diz ele, erguendo as canecas. —


Você pode ter um destes. É café, está quente e é forte.

— Vendido, — eu digo, prestes a sair da cama, mas então


percebo que tirei minhas calças do pijama no meio da noite.
Estou apenas usando um abraço de renda e uma camisola. —
Uh, talvez você possa trazê-lo aqui, eu não estou tão decente.

Ele me dá um sorriso malicioso que causa alguns arrepios


sérios nas minhas costas. — Oh sério?

E eu sei o que ele está pensando – não é nada que ele não
tenha visto antes.

Dou a ele um olhar penetrante até que ele se aproxime,


colocando a caneca em minhas mãos. — Você tem cinco
minutos para se preparar. Podemos tomar café da manhã
depois.

Não consigo nem imaginar comer agora de qualquer


maneira. Eu deveria estar dormindo.
Ele sai do quarto e me sento na cama por mais um
minuto, bebendo o máximo que posso do café sem me escaldar,
rezando para me acordar. Então me visto em um instante,
vestindo jeans e várias camadas sob um suéter. Posso sentir o
frio contra as janelas de vidro.

Termino o resto do café e desço correndo as escadas,


notando que as portas de Lise e Astrid estão fechadas, as
cadelas sortudas provavelmente estão dormindo
profundamente.

— Eu estava começando a achar que você não viria, — diz


ele, de pé na cozinha e servindo café em uma caneca de viagem.
— Isto é para a estrada.

Ele sai da cozinha para o foyer e o sigo pela manhã.

Estou surpresa com o quão claro está lá fora, ao ponto de


que deveria ter trazido meus óculos de sol. O sol já está
aparecendo por cima das montanhas e brilhando nas gotas de
orvalho.

— Jesus, — eu digo — a que horas o sol nasce aqui?

— Quatro da manhã, — ele diz. — Quando chega junho,


chega às duas.

Balanço minha cabeça. — Isso é loucura. Não admira que


vocês, noruegueses, sejam loucos.
Ele ri. — Isso nós somos. — Ele me entrega a caneca de
café para viagem. — Vamos. Meu tio está cuidando dos
cordeiros, então nós temos as vacas.

Caminhamos em direção ao celeiro, o ar da manhã


gelado. Os pássaros cantam nos pinheiros no canto da
propriedade e, quando levanto o pescoço para trás para olhar
as montanhas sombreadas, quase tenho que me agarrar a
alguma coisa. A massa e a altura deles são tão
impressionantes que sou abatida pela vertigem.

— Já andou de moto antes?

Estou ansiosa para ver Anders parado ao lado do que


parece ser um híbrido de motocicleta/moto encostado na
lateral do celeiro vermelho.

— Uh o quê? — Eu pergunto, avançando.

Um pequeno sorriso puxa o canto de seus lábios e ele dá


um tapinha afetuoso na motocicleta.

— É assim que reunimos as vacas.

Ele agarra a motocicleta pelo guidão e a puxa para frente


antes de passar a perna sobre ela e ligá-la. O motor ruge e
estala alto.

— Você realmente espera que eu suba nisso? — Eu


pergunto. Lembro-me da minha época em Capri. Minha amiga
Amber estava namorando um piloto de moto (agora eles são
casados) e eu costumava vê-los voando por toda a ilha. Tenho
que admitir, parecia divertido, mas agarrar-se a algum italiano
gostoso enquanto passava por pomares de limoeiros e
enseadas cristalinas é muito diferente do que agarrar-se ao seu
ex-namorado enquanto saltita por um campo esquivando-se de
bosta de vaca.

Não que Anders não seja um norueguês gostoso. Quero


dizer, enquanto ele está montado na motocicleta, grandes
mãos tatuadas no guidão, olhando para mim com um brilho
perverso em seus olhos azuis tempestuosos, acho que nunca
vi um espécime tão masculino e quente em minha vida. O que
torna subir na moto uma loucura.

Pelo menos meus hormônios parecem pensar assim.

Coloco a caneca de café perto do celeiro e endireito os


ombros, dando a ele um olhar frio. — Dê-me algum espaço
então — eu digo a ele.

Ele arqueia uma sobrancelha e avança no assento. Eu


agarro seu ombro – puta merda, isso é muito músculo – e
balanço minha perna. Ok, eu sou baixa, então não é nada
elegante, mas eventualmente estou sentada.

— É melhor você se segurar, — ele me diz, olhando-me


por cima do ombro. — Se você cair, provavelmente vai cair na
merda.

Esfrego meus lábios ansiosamente por um momento


antes de cuidadosamente colocar minhas mãos em torno de
sua barriga. Seu estômago duro como pedra. Meu corpo inteiro
começa a acordar, dos dedos das mãos aos pés, uma
queimação lenta começando no meu núcleo. Não ajuda que
minha virilha esteja pressionada contra sua bunda.

— Preparada? — ele pergunta, e antes que eu possa


responder, a motocicleta dá um solavanco para frente. Eu vou
de segurá-lo suavemente para envolver totalmente meus
braços em torno de seu abdômen de aço. Meu nariz está contra
sua nuca e posso sentir o cheiro de sua pele, sabonete e algo
fresco, como se os prados estivessem permanentemente
embutidos nele.

Não cheira como o Anders de que me lembro. Aquele


menino cheirava a água fria de Davidoff e cigarros. Isso cheira
como alguém novo, como o quase estranho que eu quero que
ele seja. Ele cheira como um homem que eu quero conhecer
direito e tudo de novo.

— Você está bem aí atrás? — ele grita contra o vento frio


enquanto dirige a motocicleta através de um portão aberto e
estamos quicando, voando sobre a grama.

— Sim! — Grito de volta. Mesmo que os sentimentos que


estão borbulhando em mim sejam bem-vindos ou não. Tento
arrancar isso de mim, concentrando-me no fato de que
estamos indo direto para um rebanho de vacas marrons e
brancas perto de um canteiro de álamos em flor. Tento ignorar
o quão estranhamente isso parece certo, pressionada contra
este homem, meus braços ao redor dele e segurando firme.
À medida que nos aproximamos, as vacas se animam.
Elas obviamente sabem o que fazer. Anders começa a piar para
elas e a gritar em norueguês, girando a motocicleta em volta
delas até que comecem a se mover em direção ao celeiro, os
sinos em volta de seus pescoços tocando, seus úberes
balançando para frente e para trás.

— Então você as nomeou? — Eu pergunto alto em seu


ouvido.

Ele sorri. — Claro. Aquela de cara morena é Gertrude. A


mais branca é Maria...

— Mesmo?

Ele chupa o lábio inferior por um momento, os olhos


dançando.

— Você é um mentiroso, não é? — Digo a ele.

Andamos ao lado das vacas em um ritmo mais lento. Ele


encolhe os ombros. — Bem…. — ele diminui e acena com a
cabeça. — Sim, sou cheio de merda. Mas ei, você acha que
colocamos cortadores de grama em nossos telhados.

— Você não coloca?

Ele começa a rir. Que idiota!

Aperto em seu estômago, com força, e ele grita. — Ei!


Estou dirigindo.

— Não acredito que caí nessa — murmuro.


— Honestamente, também não consigo acreditar.

Saímos rápido em direção ao celeiro, então não tenho


escolha a não ser segurá-lo novamente.

Saímos da motocicleta e eu o ajudo a colocar as vacas no


galpão de ordenha enquanto ele olha cada uma, avaliando-as.
Seu tio, um velho engraçado, já está lá dentro, conduzindo as
vacas para as estações de ordenha. É incrível como cada vaca
sabe mais ou menos para onde ir.

— Você quer tentar ordenhar uma? — Anders pergunta,


balançando as sobrancelhas enquanto começa a levar as
ventosas para o úbere de uma vaca, depois de limpá-lo com
jornais embebidos em iodo. A vaca está mastigando, não
parece notar nada.

— Talvez mais tarde — digo a ele, olhando seu tio


enquanto ele aplica os jornais nas outras vacas. Tenho certeza
de que ele não gostaria que uma novata como eu estragasse
toda a sua operação.

Eu vou e pego minha caneca de café agora fria e vejo os


dois trabalhando, tentando ficar fora do caminho. É incrível a
quantidade de trabalho que dá, embora eles tenham talvez
vinte vacas, e não tenho ideia de como seu tio lida com isso
quando Anders não está lá.

— O que eu posso fazer? — Pergunto a Anders enquanto


o leite está sendo levado pelos tubos para um barril de leite.

— Algo que acho que você pode gostar — diz ele.


Ele agarra minha mão, brevemente, apenas o suficiente
para me levar para longe da sala de ordenha e para o resto do
celeiro. Ele desaparece na sala de alimentação e sai com duas
garrafas gigantes de leite que parecem ter sido feitas para
bebês monstros e balança a cabeça para que eu o siga.

Ele abre a porta de uma cabine e nós entramos. Há uma


vaca bebê, talvez do tamanho de um grande dinamarquês,
balançando o rabo e olhando para nós com olhos castanhos
claros.

— Oh meu Deus, — exclamo baixinho. — Ele é tão fofo.

— Ela, — diz Anders, me entregando uma garrafa. —


Nasceu na semana passada.

— Mas ela já é tão grande!

— Eu sei, e um punhado. — Ele lambe os lábios e acena


com a cabeça para a bezerra que está de olho em nós dois,
perguntando-se por quem ela deveria ir. — Continue. Apenas
coloque a garrafa para fora, ela aceita.

— Eu?

— Tenho que alimentar o outro bezerro que temos no


momento, — diz ele, dirigindo-se para a porta. — Você vai se
sair bem.

— Anders! — Chamo atrás dele com medo, mas ele


caminha pelo corredor até uma barraca mais abaixo.
Agora a bezerra está realmente me olhando. É grande o
suficiente para me derrubar no chão.

E agora ela está caminhando em minha direção.

Eu recuo, meus pés presos no feno, tentando sair do


caminho da novilha até que estou encostada na parede.

Esta bezerra não para.

Eu grito e rapidamente empurro a garrafa na minha


frente em desespero.

A bezerra se agarra ao mamilo vorazmente, sua longa


língua serpenteia pelas minhas mãos enquanto tento segurar
a mamadeira. Eu não posso deixar de rir. Na verdade, é a coisa
mais fofa de todas, o jeito que continua sugando e engolindo o
leite, aqueles grandes olhos castanhos parecendo fixos nos
meus. Nunca estive tão perto de uma bezerra antes, e esta é
absolutamente adorável.

— Está se divertindo aí? — Eu ouço Anders chamar do


celeiro.

— Acho que sim! — Eu grito de volta, tentando obter um


melhor controle da garrafa.

Porém, eventualmente, a garrafa está vazia e a vaca – o


cabelo em volta do focinho todo branco e minhas próprias
mãos uma bagunça completa de baba de vaca e leite – quer
mais.
— O que agora? — Eu grito, a vaca me cutucando com o
focinho.

Anders aparece na porta da cabine, sorrindo ao me ver.

— Você sai daí, — ele diz. — Antes…

A vaca pisa para frente, dando uma cabeçada no meu


quadril. Eu grito e tento sair do caminho, mas meus pés se
enroscam na palha e estou caindo. Eu bato no chão e rolo no
momento em que a vaca começa a mordiscar meu cabelo.

— Ahhh! — Eu grito enquanto ela puxa uma mecha.

Bato na bezerra, tentando fugir, assim como sinto Anders


ao meu lado, suas mãos passando por baixo dos meus braços
e me puxando para cima.

— Você está bem? — ele me pergunta, colocando-se entre


mim e a vaca teimosa.

Meu cabelo está uma bagunça, todo no meu rosto, e ele


gentilmente o afasta dos meus olhos, colocando-o atrás das
minhas orelhas. Estou desmaiando um pouco com o toque dele
e profundamente envergonhada com o que acabou de
acontecer. Não ajuda o fato de Anders parecer que está prestes
a cair na gargalhada.

— Estou bem, — digo a ele rapidamente, olhando para a


vaca que está cutucando a cabeça em torno de Anders,
aparentemente não terminou comigo. — Mas acho que é justo
dizer que a vida na fazenda não é para mim.
Ele tira um pedaço de palha do meu cabelo. — Tem
certeza? — Ele começa a sorrir. — Você parece ter um talento
natural para isso. — Então ele começa a rir.

Bato no braço dele. — Você nunca me avisou que eu seria


atacada por uma bezerra.

— Ei, Gertrude Jr. não pode evitar, você é irresistível.

— Oh, cale a boca, — eu digo a ele. — Terminamos agora?

Ele ainda está sorrindo para mim. — Sim, terminamos.


Se Astrid e Lise não estiverem de ressaca, deve haver um farto
café da manhã na mesa.

Saímos do celeiro e ainda estou colhendo feno quando


chegamos em casa. Antes de entrarmos, Anders agarra minha
mão e a aperta. A ação me pega de surpresa e me paralisa. A
sensação de sua pele é nada menos que uma faísca quente e
ígnea.

— Eu só queria agradecer. Tusen takk — diz ele.

— Pelo que? — Eu pergunto, consciente de que ele ainda


está segurando minha mão. Ele está me olhando com tanta
sinceridade que não tenho certeza do que está acontecendo.
Meu coração começa a bater mais forte, minha boca seca.

— Por me ajudar, — diz ele. — É só que... você sabe,


nunca tive ninguém interessado no que eu faço. Acho que
porque o que eu faço não é muito excitante ou interessante.
Agricultura, pesca. É o que todos aqui fazem. — Ele desvia o
olhar para o celeiro. — Eu tenho que dizer, quando fui para a
América, era dessa vida que eu estava fugindo. Agora estou de
volta aqui e... bem, acho que o que estou tentando dizer é que
esta manhã você me fez sentir como se não fosse tudo um
desperdício. — Ele engole e aperta os olhos para mim.

Não tenho certeza do que dizer. Eu não esperava por isso.


— Oh. Bem, não foi nenhum problema. Além da vaca me
atacando. — Ele sorri com isso. Quero dizer a ele que me
ofereci para ajudar, não apenas porque me sentia em dívida
por estar aqui, mas porque queria ver sua vida diária. Eu
queria passar um tempo com ele, conhecendo esse Anders, o
fazendeiro, o homem de família.

Eu também quero dizer a ele que ele me impressionou.

E eu quero saber mais.

Muito mais.

Mas o passado tem esse jeito de me invadir e, mesmo


agora, enquanto estamos na varanda de sua casa de fazenda,
o cheiro de bacon soprando de dentro, tenho medo de me
aproximar.

Ele nem sabe da metade.

Puxo minha mão da dele e dou um sorriso rápido. —


Vamos comer alguma coisa?

Ele me estuda por um momento, seus olhos procurando


meu rosto. Não tenho certeza do que ele está procurando.
Então ele acena com a cabeça. — Absolutamente. Você
vai precisar de sua força para quando fizermos a ordenha da
tarde.

— Cale a boca — digo a ele, socando-o de leve no


estômago.

Entramos em casa rindo.


ANTES

— Não seja covarde — diz Anders para mim.

Phhhf. Estamos prestes a entrar na piscina comunitária.


Eu digo a ele para ir em frente, para escalar a cerca antes de
mim, mas ele quer que façamos isso ao mesmo tempo.

— Eu não sou covarde. — Eu olho para ele de brincadeira.


Porque eu não sou. Eu sou o oposto. Eu farei o que ele disser.
Ele me faz sentir invencível, imparável. Mesmo no frio de uma
noite de final de abril, de pé apenas com meu maiô, os pés
descalços no concreto, sinto apenas o calor dele ao meu lado.

Ele está me olhando, sorrindo preguiçosamente, e toma


um gole da garrafa de rum. Passa para mim. — Acabe com
isso.

Eu abaixo, tentando não tossir, e lambo meus lábios.


Ele murmura algo em norueguês, um olhar vidrado
surgindo em seus olhos. Ele coloca as mãos no meu cabelo, na
parte de trás da minha cabeça, e me puxa para ele.

— Já fez sexo em uma piscina? — ele pergunta com a voz


rouca.

Minha pele formiga com a pergunta. Eu balanço minha


cabeça. — Você sabe que eu só dormi com você.

Ele sorri e me beija suavemente nos lábios. — Apenas


checando. — Ele acena para a cerca. — Vamos.

Ele começa a subir e sigo o exemplo. Nunca escalei uma


cerca de arame gigante antes e é meio assustador. Os fios estão
congelando e queimando na planta dos meus pés, nas solas
dos meus dedos. Mas eu subo cada vez mais, alimentada por
meu amor por ele e desesperada por seu afeto.

O fato é que não fizemos sexo nenhuma vez no último


mês. Quase não nos vimos. Ele se tornou tão retraído e
temperamental, bêbado na maioria das vezes, mesmo na aula.
Ele foi suspenso na semana passada por fumar e depois
reclamar com o professor que o pegou. Não tenho ideia do que
ele estava fazendo enquanto estava fora da escola, e ele só
voltou hoje, entrando na minha aula de química como um
fantasma.

Sinto que não o conheço mais e estou ficando cada vez


mais paranoica por não ser boa o suficiente para ele, por ele
não me amar mais, por haver algo – alguém -, outra pessoa.
Não quero pensar nas minhas dúvidas. Eu quero
acreditar em seu amor por mim, mesmo que ele não tenha dito
isso recentemente. Anders é a melhor coisa que já aconteceu
comigo, a única coisa na minha vida que me faz continuar os
dias. Ele é o único que me faz sentir desejada, que me faz sentir
necessária. Com minha mãe voltando apenas para o Natal e
depois voltando para a Índia, escolhendo o meu pai em vez de
mim e Hannah novamente, Anders é a única constante em
minha vida. Ele é minha estrela do norte, minha estrela
nórdica.

Então essa paixão alimenta minha escalada e, antes que


eu perceba, estou escalando o topo e descendo pelo outro lado.

— Esse é o meu pardal — ele me diz, agarrando-me pela


cintura e me levantando no ar.

Eu rio, emocionada com seu toque, seu abraço. Sinto


neste momento, sob as estrelas, entre a eletricidade do seu
coração e do meu, que tudo está bem. Estou inteira e feliz
novamente. É o velho Anders, antes de começarmos a lutar,
antes de começar a chorar à noite, com medo de nosso futuro
juntos.

Amo você, quero dizer a ele. Eu quero gritar isso. Mas ele
sempre insistiu que eram suas palavras para me dar e não o
contrário, e ele fica tão estranho quando eu digo isso.

Então mantenho isso dentro de mim e faço o que posso


para ter certeza de que ele sente, sabe disso. Ele é o único
menino para mim. Agora e sempre.
— Primeiro as damas — diz ele, depois de me colocar de
volta no chão, apontando para a água que brilha fracamente
sob a luz solitária do centro comunitário fechado.

— Sim, certo, — digo a ele, batendo-lhe no braço. — Você


sabe que eles diminuem o aquecimento à noite.

— Bem, por que você não vai verificar — diz ele.

Dou a ele um olhar desconfiado e ele levanta a palma da


mão.

— Eu prometo que não vou forçar você — diz ele.

Então, eu acredito em sua palavra. Ando até a borda, o


concreto áspero em meus pés e olho para a água, leves jatos
de vapor saindo dela. Não pode ser tão frio então, pode?

Antes que eu possa registrar, Anders está se movendo,


correndo em minha direção. Ele agarra minha mão e salta no
ar, puxando-me com ele.

Por um momento, fico sem peso. É horrível e libertador


ao mesmo tempo. Se eu fosse um pardal, continuaria voando,
mas caio, segurando Anders até que a água nos atinja.

Eu afundo, abro minha boca para gritar e quase engulo


um balde de cloro frio. Quando minha cabeça surge na
superfície, estou ofegante. A água está muito mais quente que
o ar, mas ainda é um choque para o meu sistema.

Eu remo freneticamente, tentando me orientar, e olho


para Anders.
— Seu idiota, você prometeu! — Eu grito, cuspindo água.

— Eu prometi que não iria empurrar você — diz ele,


nadando em minha direção, seus longos cabelos para trás da
testa. Ele parece sexy pra caralho, embora eu o odeie no
momento. — Eu puxei você, isso é diferente.

— Você é um idiota — digo a ele novamente.

— E você fica linda quando está molhada. — Ele balança


as sobrancelhas e envolve os braços em volta da minha
cintura, sua pele deslizando como seda contra a minha.

Ele nada para frente até que minhas costas estejam


contra a borda da piscina, então uma mão está desaparecendo
na parte inferior do meu biquíni e sua boca está na minha,
com gosto de produtos químicos e rum. Sua língua está
quente, mas eu ainda estou tão brava com ele, e ao mesmo
tempo meu corpo está respondendo como se eu estivesse sendo
trazida de volta à vida. Estou com fome, insaciável, por cada
parte dele. Para ele ser apenas meu novamente, cada
centímetro, corpo e alma.

Meu pescoço estica para trás enquanto seus lábios


molhados sugam meu pescoço, e rezo para que ele deixe
chupões em mim como costumava fazer, quando
costumávamos marcar um ao outro e todos na escola saberiam
o quão loucamente apaixonados éramos. Isso impediria Everly
de me perguntar por que ela não viu mais Anders perto de
mim, por que parei de falar sobre ele, jorrando como antes.
Isso impediria todas aquelas garotas de olhar para ele, se virem
que ele ainda é meu e eu ainda sou dele.

Abro os olhos para as estrelas e sua boca está no meu


seio, livre da parte de cima do biquíni e envolvo minhas pernas
em volta de sua cintura enquanto ele empurra minha calcinha
de lado.

Eu nunca o quis, precisei dele, mais.

Ele sussurra algo em norueguês, a voz rouca, e eu suspiro


alto quando ele se empurra para dentro. A água faz com que a
fricção pareça dez vezes maior, e não de uma maneira boa. Isso
dói.

Mas ele puxa devagar e depois volta para dentro e eu o


agarro com mais força e enquanto ele se exercita para dentro
e para fora, mais fácil fica. Eu me abro para ele, unhas
arranhando suas costas, uma mão na minha nuca. Quanto
mais ele empurra em mim, mais minhas costas esfregam em
carne viva contra a borda da piscina. Dói, o concreto raspando
a pele, mas da melhor maneira possível.

Mal posso esperar para mostrar as marcas a Everly


amanhã. Vou vestir as cicatrizes com orgulho.

— Oh, Shay — Anders geme em meu pescoço antes de


encontrar meus lábios. Nossas bocas estão quentes, úmidas,
as línguas estão dançando, alimentando o fogo.

Eu sou tão perversa, penso comigo mesma. Nós somos tão


ruins. Fazer sexo em uma piscina pública. Não conheço ninguém
na minha escola que tenha feito isso. Talvez sejamos os
primeiros.

Anders vem primeiro, forte e alto. Eu realmente não posso


reclamar, já que nem sempre gozo durante o sexo, de qualquer
maneira. Adoro ouvir seus sons, saber que sou eu, e só eu, que
o faço se sentir assim. Me sinto tão bem. É poder, e o único
poder que tenho.

Ele olha para mim, respirando com dificuldade, e começa


a pisar na água. O olhar mais estranho e assombrado surge
em seus olhos. Ele não parece nem um pouco saciado.

— Sinto muito — ele sussurra.

Balanço minha cabeça por um momento, sem entender.


Então eu entendo.

— Oh. Ei, não se preocupe com isso. Faz muito tempo, eu


entendo — digo a ele, puxando as pontas do meu biquíni de
volta no lugar certo. — Apenas me faça gozar da próxima vez e
eu estarei bem. — Eu atiro para ele um sorriso para que saiba
que está tudo bem.

Ele aperta os olhos e cospe água. — Certo.

O som da porta de um carro batendo nos faz levantar a


cabeça.

— Devemos sair daqui — diz Anders, puxando-se


rapidamente para fora da piscina. Ele estende as mãos e me
puxa para fora, bem a tempo de um par de faróis brilhar na
área da piscina, errando por pouco sobre nós. Um carro entrou
no estacionamento.

Ficamos nas sombras e corremos para a cerca, tentando


nos levantar e subir o mais rápido que podemos. Eu até pulo
a última parte, em seus braços, assim que ouvimos vozes e
vemos o facho de uma lanterna.

Ele segura minha mão e nós rapidamente corremos pela


estrada, mas ele me solta alguns momentos depois, enquanto
descemos apressados outro quarteirão do subúrbio até onde
ele estacionou o Mustang.

Ele não pega minha mão de novo pelo resto da noite.

E seus olhos nunca param de parecer assombrados.


AGORA

Nunca pensei que diria isso, mas Shay Lavji acabou se


revelando uma excelente garota de fazenda.

Ela tem acordado todas as manhãs comigo às 5 da manhã


nos últimos três dias e, embora ainda seja um pouco enjoada
quando se trata de alimentar os bezerros, ela está bem ao meu
lado fazendo tudo o que eu faço. Temos alternado a ajuda com
as vacas e as ovelhas, o que significa que o tio Per está tendo
uma pausa bem-vinda para ficar em casa e trabalhar nas
finanças da fazenda e manter registros.

Astrid e Lise têm até contribuído aqui e ali, embora


tenham realmente abraçado seus papéis de donas de casa. Ou
melhor, donas de casa bêbadas, já que abrem as cervejas e a
cidra todas as tardes. Mas são as férias delas e as duas
raramente conseguem se ver, então quem sou eu para julgar.
Eu faria exatamente o mesmo, só que não consigo me lembrar
da última vez que realmente tive que ir embora. A pesca e a
vida na fazenda me mantêm amarrado, 365 dias por ano.
Mas todas as férias chegam ao fim e Lise e Astrid já
deixaram Todalen, Lise subindo para Tromso para ver Tove por
alguns dias antes de ir para Oslo, e Astrid de volta para Paris.
Cada vez que elas partem, uma nuvem pesada parece descer
sobre a fazenda. Elas trazem muita luz e vida para o lugar, por
mais irritantes que possam ser.

Desta vez não vai ser tão ruim, já que Shay ainda está
aqui, embora eu não saiba por quanto tempo ela planeja ficar
por aqui. Não estou exatamente oferecendo a ela uma vida
emocionante aqui, e sei que há muito mais do país que ela quer
ver. Gostaria de poder encontrar uma maneira de levá-la
comigo, mas com a falta de tio Per contratar outra pessoa, não
tenho certeza se poderia funcionar.

Além disso, embora eu esteja captando cada vez mais


esses olhares tímidos e sedutores de Shay, notando a maneira
como ela se inclina para falar comigo, a maneira como ela me
toca, seja me batendo de brincadeira ou apenas roçando meu
ombro quando ela passa, não tenho certeza se ela gostaria de
ver a Noruega comigo ao lado dela. Embora ela esteja muito
mais confortável perto de mim agora, e até comece a falar sobre
eventos inócuos do passado, eu sei que as chances de ela sair
com nosso relacionamento completamente restaurado são
mínimas.

Acima de tudo, nem tenho certeza se temos um


relacionamento. Definitivamente somos mais amigos do que
primeiros amores e ex-amantes, e essa é provavelmente a
maneira certa de fazer isso.
Mesmo assim, às vezes não quero nada mais do que
agarrá-la, beijá-la, perguntar se ela se lembra de como era me
amar, me querer. É puro egoísmo da minha parte, mas esses
sentimentos estão realmente começando a me ferrar.

Até comecei a escrever de novo como costumava fazer,


apenas algumas linhas antes de dormir. É tudo uma merda,
como sempre, mas o fogo está lá, as chamas crescendo. Ela é
tão inspiradora como sempre foi, e não preciso pegar um livro
de Bukowski para encontrar a motivação e as ideias. Só de
olhar para ela faz com que as nuvens se movam, a terra se
mova sob meus pés, para aquela eletricidade que gera a criação
em minhas veias.

Eu me sinto como uma adolescente de novo, para o bem


e para o mal.

Naquela época eu estava uma bagunça. Às vezes, quando


sinto que minha vida se desintegrou como as correntes
enferrujadas do meu barco, tudo o que tenho a fazer é pensar
na época do colégio. Shay era a única coisa que me sustentava,
uma garota que me amava com todo o seu jovem coração, mas
mesmo ela não era o suficiente para me impedir da destruição
total.

Eu era uma pessoa horrível, por completo. O pior é que


foi só o começo. Depois que saí de Nova York e voltei para cá,
minha espiral descendente tornou-se mais rápida, mais
profunda, até que me tornei uma casca de mim mesmo.
E ainda, apesar de tudo, eu ainda escrevi. Mesmo nos
meus dias mais sombrios, escrevi. Os diários que estão
empilhados em caixas de sapatos debaixo da minha cama são
a prova disso, a prova de que minha dor mais profunda
produziu mais arte. Não estou dizendo que estava tudo bem.
Minhas palavras de adolescente estão atoladas em prosa roxa
e drama enquanto eu tentava descobrir o que significava para
Shay e o que ela significava para mim e como nós dois
estávamos em um mundo sozinhos, dançando até não haver
mais nada entre nós. Mas o fogo estava lá.

E agora está de volta, porque ela está de volta.

Só não sei o que isso significa. Se tê-la aqui está nos


trazendo de volta ao jeito que éramos naquele ano turbulento,
cheio de cicatrizes, de formação, ou que estou prevendo como
as coisas vão acabar entre nós... de novo.

— Anders?

Olho para cima da minha mesa para ver Shay de pé na


porta, parecendo tão doce e insegura ao mesmo tempo que
meu pau imediatamente salta para atenção.

Limpo minha garganta. — Pode entrar.

Ela hesita antes de entrar, e é então que percebo que ela


está segurando duas garrafas de cerveja. Diz muito sobre o
quanto sua beleza rouba minha atenção quando nem percebo
o álcool em suas mãos.
— Astrid me disse para beber todas as sobras de cerveja
dela, — diz Shay. — Achei que você poderia tomar uma. Espero
não estar interrompendo nada.

Ela para ao meu lado, seus olhos vagando pelo diário


fechado, o lápis na minha mão. Sempre escrevo a lápis. Eu
odeio a permanência da tinta. Meus pensamentos são tão
fluidos quanto o mar, não adianta fazê-los durar. Eu acho que
é para isso que servem as tatuagens.

— Você não está — digo a ela, oferecendo um sorriso.

Ela me entrega a cerveja, nossos dedos roçando. Meu


coração brilha elétrico, embora eu sinta um pouco de tristeza
no comportamento de Shay.

— Já sente falta delas? — Pergunto a ela, me referindo a


Astrid e Lise. Acho que Shay ficou bastante chateada com a
partida delas. Ela realmente parecia se dar bem com minhas
irmãs, especialmente Astrid, e houve muitos abraços antes que
a amiga de Lise as levasse para Trondheim.

Honestamente, pensei que talvez Shay tivesse ido com


elas, mas ela ainda está aqui. Agora, sem a proteção das
minhas irmãs, parece que a casa é um pouco menor e nós dois
estamos um pouco mais próximos.

— Um pouco, — ela diz. — Mas você não é uma má


companhia.

Vou considerar isso uma vitória.


— Então, o que você quer fazer esta noite? — Pergunto a
ela, depois de um gole de cerveja. — Eu sei que Astrid
geralmente era responsável por planejar as festividades
noturnas.

Shay ri e se senta na beira da minha cama, uma visão


perigosa.

— Esta é a festa noturna — diz ela, levantando sua


cerveja em exibição.

Viro-me na cadeira para encará-la adequadamente,


levando meu tempo para estudar seu rosto. Ela está nervosa,
só um pouco. Ela ainda morde o lábio quando está ansiosa,
tenta empurrar a franja atrás das orelhas sem sucesso. Ela
está se contorcendo um pouco sob o meu olhar, como
costumava fazer. Mas naquela época eu gostava de deixá-la
desconfortável. Eu queria uma reação dela, mesmo que fosse
negativa. Algo que me fez saber que ela me viu por tudo o que
eu era, o bom e o mau, embora eu achasse que restava muito
pouco do bom.

Agora, só quero causar a impressão certa. Para fazê-la


sorrir, rir, ver aqueles olhos dançarem, sabendo que estou
dando a ela um gosto indescritível de felicidade.

Mas, como sempre, estou lendo muito sobre as coisas,


para sempre preso em minha própria cabeça.

Me levanto e caminho até ela, então caio de joelhos. Ela


me olha surpresa até que chego embaixo da cama e pego um
recipiente baixo. Embora a maioria dos meus diários esteja em
caixas de sapato, é aqui que minhas câmeras moram, bem
como pequenas coisas que chamaram minha atenção ao longo
dos anos.

— O que é tudo isso? — ela pergunta, inclinando-se para


frente.

— Onde minhas câmeras dormem — digo a ela. Pego uma


Pentax vintage, a mesma que usei no colégio. E estendo para
ela, e ela pega de mim. — Parece familiar?

— De jeito nenhum, — ela diz, virando-a nas mãos. Ela


tira a tampa da lente e olha pelo visor. — Você ainda tem isso.

Eu fico olhando diretamente para a câmera, esperando


que ela goste do que vê. — Claro.

Ela a abaixa depois de um momento e me lança um olhar


pensativo. — Sabe, eu estava tão maravilhada com você
naquela época. Sua arte, o que você foi capaz de criar.

Encolho os ombros, voltando minha atenção para a caixa,


procurando por mais coisas para mostrar a ela. — Só um
garoto punk, — digo a ela. — Eu dificilmente chamaria isso de
arte. — Para provar meu ponto, pego uma pilha de grandes
gravuras em preto e branco e as entrego a ela. — Experimente
dar uma olhada agora, de uma nova perspectiva. Você verá que
eles são lixo.
Ela coloca a câmera ao lado dela e começa a folhear as
fotos. Suas sobrancelhas levantam, os olhos arregalados. —
Oh meu Deus. Anders.

Ela vira a fotografia. É uma dela, sentada no canto da


cama em seu quarto, da mesma forma que ela está sentada
agora, com uma perna dobrada debaixo dela. Na foto, o cabelo
dela está caído no rosto da maneira que ela costumava fazer,
fingindo ser aquela garota assustadora do The Ring, mas há
uma fatia de seu rosto visível. Bochecha redonda, olhos largos
e inocentes, um sorriso tímido. Essa parte está em foco
enquanto todo o resto está um pouco borrado.

— Eu não posso acreditar que você ainda tem isso, — diz


ela, virando-a de volta e se maravilhando com ela. — Meu
quarto. Oh, esse top. Eu amava aquela blusa. — Ela me olha.
— O que você quer dizer com isso não é arte?

— Se é arte, é só porque o assunto é, — digo a ela,


tentando encontrar a alça da câmera. — Caso contrário, é
muito enfadonho. Você é a única coisa que o está salvando. É
granulado, o contraste é baixo, muito monótono. Eu não sabia
de nada. Achei que sabia tudo.

Posso sentir seus olhos em mim, seu olhar ardente e


curioso, mas mantenho minha cabeça baixa. Ela começa a
folhear o resto das fotos. — Oh meu Deus, somos você e eu no
desfile de Natal. Lembra que eu arrastei você para isso e
começou tarde, então tivemos que esperar no frio para sempre?
Quem tirou a foto? Minha irmã?
— Eu duvido. Eu só encontrei sua irmã algumas vezes —
eu a lembro. Mesmo que passássemos noventa e cinco por
cento do tempo na casa de Shay, sua irmã estava estudando
em seu quarto ou fora, enquanto nós basicamente apenas
ficávamos no quarto de Shay. Os pais de Shay nem estavam
nos Estados Unidos, então era como o sonho de todo
adolescente quando se tratava de ter uma namorada. Sem pais
para tentar impressionar, sem se esgueirar. Ninguém para se
preocupar.

O engraçado é que isso me incomodou em algum nível.


Como se eu quisesse ser aceito pela irmã de Shay, Hannah, ou
ser apresentado aos pais dela. Acho que, por não ser aceito na
casa de minha mãe e meu padrasto, estava procurando família
em outro lugar.

— Huh, — ela reflete, passando para a próxima foto. —


Certo. Everly deve ter tirado. Você sabe, estou surpresa que
você ainda tenha isso.

Olho para ela, franzindo a testa. — Por quê?

Ela me dá um sorriso rápido. — Não sei. Acho que quando


soube que você foi embora, imaginei você deixando todos os
vestígios de mim, da escola, de tudo para trás.

Sinto a culpa enegrecida rolar através de mim como às


vezes acontece. Pego minha cerveja e a alça da câmera e me
sento na cama do outro lado da Pentax. — Acredite ou não, eu
não queria ir. — Eu faço uma pausa. — Depois que nos
separamos, tudo desmoronou. Ser expulso foi a gota d'água,
especialmente tão perto de terminar a escola. Minha mãe me
expulsou. Disse que não conseguia mais me controlar. Eu
tinha alguns dias antes que ela reservasse meu voo de volta
para Oslo. Parte de mim queria apenas seguir em frente, mas
não consegui. Sabia que você me odiava e ainda... eu não podia
deixar você ir. — Fico olhando para ela, sem saber como vou
fazê-la ver o quanto estou triste sobre a maneira como a tratei.
— Eu era uma pessoa diferente, Shay, nunca quis te
machucar. Eu...

— Pare — ela diz rapidamente, os olhos brilhando. Ela


levanta a cerveja defensivamente, como uma barreira entre
nós. — Por favor. Simplesmente pare. Isso está no passado. O
que aconteceu, aconteceu e você está certo. Éramos pessoas
diferentes.

É o que ela diz, mas não explica a maneira como ela


mantém distância de mim, como se ela pensasse que vou ferrar
com ela de novo, não explica que às vezes posso sentir sua
raiva, sua decepção comigo. As pessoas dizem que você tem
que seguir em frente, mas muitos de nós estamos presos ao
passado, mesmo quando sabemos que devemos deixá-lo ir.
Shay pode dizer que deveríamos deixar o passado no passado,
mas há algo bem no fundo dela que não quer que ela o faça.
Não vou deixar.

E quero saber por que isso acontece.

Eu quero saber por que, quando ela olha para mim, ainda
há essa batalha, essa guerra atrás de seus olhos, como se ela
nunca fosse capaz de me perdoar e ainda assim desejasse que
pudesse. É uma coisa de orgulho? Ou eu a machuquei de
maneiras que nem posso imaginar? Depois de tantos anos,
nada disso deveria importar mais, e ainda...

Pego a câmera e prendo a alça, em seguida, estendo para


ela. — Aqui. Isso é seu agora.

— O que você quer dizer?

— Quer dizer, eu disse que tenho muitas câmeras e sei


que você precisa de uma.

— Esta é uma câmera de filme, Anders.

— Então? Você não acredita mais na magia disso? A


espera para ver o que você capturou?

Ela balança a cabeça, rindo baixinho. — Eu tiro uma foto


e posto no Instagram imediatamente. Não há espera comigo.

— Isso não é verdade, — digo a ela. — Você tira muitas,


muitas, muitas fotos, depois edita as fotos e depois publica.
Você aprendeu um pouco sobre paciência. Você apenas tem
que esticar mais. Você não sabe como é a sensação de
gratificação adiada? Quando você finalmente consegue o que
estava esperando?

Minha voz está rouca agora, e do jeito que o rosa está


subindo em suas bochechas, posso dizer que ela sente todas
as insinuações que coloquei nessas frases. Ainda assim, ela
não morde. Ela tem mais paciência do que imagina.
Ela limpa a garganta. — Não posso aceitar esta câmera.

— Por favor, — digo a ela, e estendo a mão, fechando


minha mão sobre a dela, pressionando-a contra a Pentax.
Estou me inclinando para perto, o cheiro de seu shampoo
fazendo meu coração pular uma batida, meu sangue correr
quente. — Isso é seu agora. Meu presente para você. É o
mínimo que posso fazer.

Ela esfrega os lábios, olhando profundamente nos meus


olhos. — Você já fez o suficiente, — diz ela suavemente. Ela
balança a cerveja na minha cara. — Me deixando beber sua
cerveja…

— Cerveja de Astrid.

— A cerveja da sua irmã. Me deixando ficar em sua casa.

Eu sorrio para ela. — Tecnicamente, você está ganhando


a vida ajudando na fazenda. — Pressiono minhas mãos com
mais força e, em seguida, me afasto, ficando de pé. — Fique
com a câmera. Pegamos um filme para você amanhã e pode
começar a filmar.

Ela encara a câmera como se tivesse sido confiada a uma


criança. — E você tem um lugar para revelar o filme em
Todalen?

— Claro. O velho Thor Ragnorok na rua tem uma loja de


fotos de uma hora em seu closet.
— Thor Ragnorok? — ela repete. Então ela ri e me bate
no braço. Forte. — Cala a boca!

Porra, amo o som de sua risada. É muito bom ouvir a


felicidade em sua voz, mesmo que seja às custas de eu estar
puxando sua perna.

Isso me dá esperança.

Depois disso, passamos o resto da noite no meu quarto,


examinando fotos, câmeras antigas, souvenirs, coisas
estranhas que eu costumava colecionar, como chaves mestras,
isqueiros, tampas de garrafa, facas de manteiga esculpida e
castiçais. Bebemos cerveja e conversamos sobre os velhos
tempos, ignorando as partes feias do fim do nosso
relacionamento. Eu até li para ela algumas das minhas poesias
terríveis de antigamente, então examinei todas as fotos antigas
que pude encontrar.

Pareceu como nos velhos tempos e senti como novos


tempos.

E fui dormir desejando que ela estivesse na minha cama,


desejando que eu pudesse ser corajoso o suficiente para
caminhar pelo corredor até o quarto dela e nos dar uma
segunda chance, mesmo que apenas por uma noite.

Talvez haja outra chance amanhã.

Mas só temos algumas chances faltando.


Na manhã seguinte, levantamo-nos novamente com os
pardais e conduzimos as vacas para o celeiro. Pensei ter
convencido Shay a aprender a ordenhar uma vaca com as
mãos, mas agora que estamos ao lado da vaca, prontos para
ir, ela cruza os braços, parecendo insegura.

— Pensando bem, talvez ordenhar uma vaca seja uma


habilidade de que eu realmente não precise, — diz Shay com
cautela. — Não tenho certeza se isso vai servir em um
currículo.

Eu sorrio para ela e aceno com a cabeça em direção à


vaca que está olhando para ela, tipo, vá em frente. — É tarde
demais. Ela está esperando por você. Além disso, — estendo
minha mão — me dê seu telefone. Vou documentar no seu
Instagram. Veja, agora é uma habilidade digna.

Ela pesa isso em sua cabeça e para minha surpresa, ela


abre o zíper de seu macacão cor de vinho e enfia a mão no
bolso, tirando seu telefone. Ela o entrega para mim, em
seguida, fecha o zíper do macacão de volta. Ambos estamos
usando, eu por solidariedade, já que se sujar é uma segunda
natureza para mim.
Em seguida, ela posa ao lado da vaca, parecendo adorável
com o macacão e as botas de borracha enormes, o cabelo preso
em uma trança.

— Eu pareço legal? — Ela pergunta, enquanto tiro


algumas fotos, acertando o enquadramento.

— Você está bonita, — digo a ela. — A garota de fazenda


mais sexy que eu já vi.

Ela parece satisfeita com isso quando devolvo o telefone e


ela o enfia de volta dentro do macacão. — Ok, e agora?

Puxo o banco baixo e o balde. — Aqui. Sente-se.

— Você se senta, — ela diz. — Eu preciso que você


demonstre.

— É melhor aprender à medida que avança. Eu vou te


guiar. Sente-se.

Ela suspira e se estatela no banquinho, olhando para os


úberes da vaca. A vaca solta um mugido baixo e eu bato em
seu lado afetuosamente. Ela precisa ser ordenhada e ficará
impaciente se não nos apressarmos. Ela está acostumada a ser
ligada à máquina junto com o resto de suas amigas.

Então eu me agacho bem atrás de Shay, pressionando


meu peito contra suas costas, meus braços envolvendo seus
braços, minhas mãos sobre as dela, guiando-a no lugar.

— Assim como no filme Ghost — digo a ela, meus lábios


roçando seu cabelo, perto de sua orelha. Posso senti-la
enrijecer embaixo de mim, estremecer ligeiramente, como se
eu tivesse lhe causado arrepios. Só espero que seja do tipo
bom.

— Aqui, — digo a ela, tentando não respirar em seu cabelo


com cheiro de maçã. — Deixe-me te mostrar.

Movo sua mão sobre as tetas da vaca, fazendo-a segurar.

Ela suspira e ri. — Ahhh, isso é estranho. É estranho para


a vaca?

Eu rio. — Provavelmente? A vaca está acostumada com a


eficiência e a máquina não dá risadinhas.

Ela tenta tirar as mãos. — Eu não posso fazer isso. Isso é


muito estranho. Eu vou fazer bagunça.

Eu suspiro e solto suas mãos, mas não me movo.


Estendo-me e começo a ordenhar a vaca sozinho, tentando
demonstrar a técnica.

— Vê como estou apertando no final?

— Pare de tornar isso sexual.

Eu começo a rir, minhas mãos caindo. A vaca muge de


impaciência. — Sexual? Bem, agora você tornou isso estranho.

— Foi você quem acabou de comparar isso com a cena da


cerâmica Ghost.

Ok, então ela tem razão sobre isso.


— Tudo bem, tudo bem, — digo a ela. — Basta tentar.

Ela exala, ajustando-se no banquinho, endireitando os


ombros. Então tenta novamente. Ela meio que faz isso certo.
— Sim, bom. Continue.

— Shhhh, — ela me diz. — Você está tornando tudo


estranho de novo.

Olho para a vaca, que me encara de volta. Eu juro que vi


a vaca balançar a cabeça.

Mas Shay aprende rápido. Eu fico agachado atrás dela,


observando, mas a deixo fazer tudo isso, deixando que ela
descubra a melhor técnica para si mesma. Não demora muito
para que ela esteja em um ritmo fácil, o leite enchendo o balde,
e a vaca pareça calma e feliz.

— Aí está, você está fazendo isso. Quer que eu tire uma


foto?

— Isso envolveria você abrir o meu zíper e enfiar a mão


no bolso da minha calça.

— Ah, e você não quer tornar isso sexual — eu a lembro.

— Talvez seja melhor deixar algumas memórias para nós


e não para a internet — diz ela depois de um tempo, com as
mãos ainda trabalhando.

— Agora você está falando minha língua, — digo a ela,


balançando nos calcanhares. — Sabe, quando estou no mar
não temos sinal de celular. São semanas e semanas de nada.
Às vezes eu levo uma câmera, principalmente se há baleias por
perto, mas nunca posto nada. Eu acho que é bom guardar as
coisas para você.

Ela encolhe os ombros. — Às vezes é. Mas às vezes você


quer compartilhar com o mundo. Qual é a diferença entre isso
e sua poesia? Ou as outras fotos que você tira?

— Eu não compartilho isso com ninguém.

— Você fez comigo.

Sim. E agora você é meu mundo.

Mas é claro que não digo isso.

— Você sabe que em algumas semanas eu terei que estar


de volta ao navio. Ir para o mar novamente.

Ela acena com a cabeça. — Sim. Quem sabe onde estarei


então.

— Bem... e se você estivesse comigo?

Shay para de ordenhar e olha para mim por cima do


ombro, segurando meu olhar. A vaca bate o pé com
impaciência, fazendo Shay voltar ao trabalho. — O que você
quer dizer? No navio?

— Não. Antes disso. E se... e se eu conseguir descobrir


como tirar uma folga? Os cordeiros estão todos contabilizados
agora, então há menos trabalho. Per pode cuidar das vacas e
eu posso pegar Kolbjorn, ele ajuda quando eu for embora.
Talvez pudéssemos fazer uma viagem juntos, apenas alguns
dias. Uma semana.

Ela desacelera por um momento e posso senti-la tentando


descobrir isso. Eventualmente, ela pergunta: — Essa é uma
boa ideia?

— Claro. Por que não?

— Por que…

— Somos amigos, não somos? Amigos viajam juntos. E


seria mais barato dividir o custo dessa forma. Você ia viajar de
qualquer maneira.

— Eu ia ficar em albergues. O que você está pensando?

Obviamente, eu estava pensando em dividir um quarto de


hotel.

E uma cama.

E ela sabe disso.

— Anders, — ela diz suavemente. — Eu sinto que... o que


temos, seja o que for, é tão frágil. Tão perto de me complicar, e
eu realmente não consigo lidar com as complicações da minha
vida agora. Eu não posso.

— Nem eu. Portanto, não complicamos.

Ela esfrega os lábios por um momento e volta a ordenhar.


— Eu acho que isso é impossível.
— Você não sabe disso, a menos que tente.

— Bem, talvez eu esteja com muito medo de tentar. Talvez


devêssemos apenas...

— Continuar ordenhando a vaca? — Faço uma piada.


Dou a ela uma maneira fácil de sair disso.

— Sim. Isso.

Eu aceno e lentamente fico de pé, minhas costas doendo


por ficar agachado por tanto tempo. Estico os braços sobre a
cabeça e, quando olho para baixo, Shay parou de ordenhar.
Ela está me olhando com uma expressão curiosa.

— O que? — Eu pergunto.

Ela parece que está prestes a me dizer algo, então


instintivamente me inclino.

Em seguida, ela espirra leite bem na porra da minha cara.

— Que porra é essa? — Eu exclamo, passando meu braço


pela testa.

Enquanto isso, ela está quase caindo do banco de tanto


rir. Até a vaca dá uma gargalhada, como se tivesse sido ideia
dela.

Felizmente, sei exatamente como obter minha própria


marca de vingança.

Shay é muito sensível. Principalmente nas costelas. Eu


usei isso como um mecanismo de flerte quando era jovem, uma
maneira de nos fazer rolar na cama (ou no chão), e não tenho
muito orgulho de dizer que estou prestes a fazer o mesmo pelo
mesmo motivo. Bem, isso e ela merece.

Levanto meus dedos, balançando-os para ela, e sua boca


cai com a expressão no meu rosto, aquele olhar que diz que
vou pegá-la.

— Não! — ela grita baixinho, e então se levanta,


derrubando o banquinho. Ela tenta passar por mim, mas eu a
agarro pela cintura e a viro, tentando segurá-la com uma mão
enquanto faço cócegas nela com a outra. É um trabalho difícil,
considerando que ela está em um macacão folgado, mas até o
pensamento a faz rir e ofegar.

— Não se atreva! — ela grita, enquanto tento passar


minhas mãos pelo seu lado. Fios de cabelo se soltaram de sua
trança, fluindo em seu rosto, uma risada ansiosa saindo de
seus lábios. Deus, ela nunca esteve tão bonita.

Antes mesmo de saber o que estou fazendo, antes de ter


a chance de pensar, parar e refletir sobre as consequências,
estou pressionando-a contra a parede do celeiro, nossos rostos
a centímetros um do outro, meu corpo contra o dela, corações
acelerados.

E eu a beijo.

O mundo para.

Vira.
Inverte o curso por um breve momento, quando me
lembro exatamente como era beijar aqueles lábios macios e
ansiosos, ter Shay sem fôlego contra minha boca, sentir seu
corpo ceder lentamente às minhas mãos.

Então nós dois paramos, respiramos, o mundo parando


mais uma vez antes que ela olhe nos meus olhos e então tudo
se move para frente com fogos de artifício, meu sangue se
enche de urgência.

Eu cubro sua boca com a minha, sua língua me


provocando, me alimentando, enquanto minhas mãos
desaparecem em seu cabelo, segurando-a no lugar, me
aterrando. Todos os anos de sonho, os anos de culpa e
vergonha e arrependimento, e agora ela está aqui, nosso beijo
apaixonado, selvagem, crescendo com emoção e desejo,
tentando compensar o tempo perdido. Tentando desfazer todos
os erros.

Uma garganta é limpa atrás de mim, seguida por —


Anders — em uma voz severa.

Porra.

É o Per.

Afasto-me de Shay, respirando com dificuldade, e me viro


para vê-lo na entrada do celeiro, não parecendo muito
satisfeito. Então, novamente, esse é seu rosto natural.

— Coloque-a de volta onde ela pertence, — diz ele,


apontando para a vaca, embora por um momento eu ache que
ele também está se referindo a Shay. Em seguida, ele acena
para Shay e diz em um inglês ruim: — Preciso de ajuda com
uma ovelha.

Olho para Shay e ela está acenando de volta para ele,


alisando o cabelo. — Certo. Claro.

Ela me lança um olhar cauteloso, seus olhos parecendo


atormentados e tensos, o suficiente para deixar meu coração
no limite, e então ela se afasta da parede e caminha em direção
a Per.

Observo enquanto eles caminham juntos para a luz


brilhante do lado de fora, suas silhuetas desaparecendo.

Esfrego meus lábios, ainda provando-a.

Acho que acabamos de cruzar essa linha do complicado.


ANTES

Oh Deus, vou ficar doente.

Não vomito desde os sete anos de idade e estou com dor


de estômago, e realmente não quero quebrar essa onda.

Mas meu tempo acabou. O tempo está acima. Eu pulo da


minha cama, jogando as cobertas, meus dedos apertam minha
boca enquanto corro para o banheiro, caindo de joelhos. Eu
mal coloco minha cabeça sobre o vaso sanitário antes de estar
vomitando e o vômito encher o vaso com um barulho
nauseante.

Nojento. Tão, tão nojento!

Sinto uma mistura de decepção por não me conter mais


e preocupação, porque, bem, por que diabos estou vomitando?

Nervos, digo a mim mesma. Isso faz mais sentido. Acordei


com o coração apertado, essa sensação de pavor total no peito
como se algo estivesse terrivelmente errado.
Apenas, não há nada de errado. Pelo menos, nada de
novo.

Quer dizer, ok, não vejo Anders há mais ou menos uma


semana. Ele está praticamente me ignorando na escola e,
quando o vejo, é apenas uma olhada no corredor. Nunca pensei
que diria isso, mas o Viking não parece muito bem. Olheiras,
cabelo pegajoso... estou começando a achar que ele pode estar
usando drogas, o que explicaria muito, mas certamente espero
que não seja verdade.

Estou no fim da minha corda. Já mandei muitas


mensagens de texto para ele, persegui-o no Facebook e,
quando consegui falar com ele, ele me disse que tem estado
muito ocupado (não vou dizer com o quê!) e que me avisará
quando estiver livre. Não explica por que ele finge não me ver
quando estou olhando bem na cara dele.

Eu realmente pensei que estávamos avançando. Depois


de nossa manobra na piscina da comunidade (da qual estou
profundamente desapontada por ninguém ter falado sobre
isso), voltamos a sair quase todos os dias. E mais sexo. Quer
dizer, não tem sido exatamente o mesmo de antes, há uma
estranha sensação de distanciamento e ele não me olha nos
olhos, mas estou tão feliz que ele ainda está comigo, que ainda
somos um casal. Eu realmente pensei por um tempo que ele
iria terminar comigo e eu não conseguia imaginar nada pior
acontecendo. Meu mundo inteiro se dividiria em dois e eu seria
dilacerada.
Mas tenho dado espaço a ele. É o que a Cosmo diz para
fazer. As meninas são pegajosas, as mulheres sabem quando
deixar o homem fazer o trabalho. Eu quero ser uma mulher
aqui, não uma adolescente apaixonada. Quero dar a ele todo o
espaço de que ele precisa, fazer tudo certo. Ser perfeita. Eu
posso fazer isso, certo?

Lentamente me levanto do chão e dou a descarga antes


de ter outro vislumbre do meu vômito e fazê-lo acontecer de
novo. Eu rapidamente enxáguo a boca e escovo os dentes até
que o gosto ácido desapareça e, em seguida, jogo água fria em
todo o rosto.

Felizmente é sábado e não tenho para onde ir. Everly está


fora da cidade com sua família, e com Anders fingindo que eu
não existo, só tenho a mim mesma como companhia.

Na verdade, isso não é verdade. Há Hannah, mas não a


verei muito. Ela já me disse que estuda o fim de semana todo.
O que é algo que acho que devo fazer, considerando que tenho
uma prova final de ciências chegando, mas estou muito doente
para me concentrar nas tarefas escolares agora.

Deito-me na cama, posição fetal, tentando inspirar e


expirar, esperando que a náusea passe. Ontem à noite
comemos comida chinesa, mas comi o que sempre como, e você
geralmente não fica doente imediatamente se for uma
intoxicação alimentar? Esta manhã eu comi cereal, mas,
novamente, nada incomum.
Enquanto tento refletir sobre minhas escolhas
alimentares ultimamente, sinto outra onda de náusea me
percorrer. Eu corro para o banheiro novamente, chegando bem
a tempo.

Quando não há mais nada para vomitar, dou a descarga


no momento em que a porta do meu quarto se abre e Hannah
me encara com os olhos arregalados.

— Shay, você está doente?

Mal consigo encontrar energia para acenar com a cabeça.


— Obviamente.

Tento me levantar e ela está lá, me puxando para baixo


dos braços. Ela nunca foi muito carinhosa comigo, mas ela
agarra meus ombros e me olha de perto. Bem, não muito perto.
Eu provavelmente estou fedendo.

— O que você comeu? — Ela pergunta, virando o assento


do vaso sanitário e me fazendo sentar nele. Em seguida, ela vai
até a pia e lava as mãos com uma tonelada de sabonete, por
pelo menos meio minuto. — Divida tudo.

— Ontem à noite eu comi carne com brócolis e rolinhos


primavera. Esta manhã eu comi Lucky Charms e leite.

— O leite estava vencido?

Dou a ela o olhar mais sujo que posso reunir. — Eu


pareço beber leite vencido?
Ela cruza os braços sobre o peito e se inclina contra a
parede, olhando para mim como se estivesse tentando ler
minha mente. É assim com a Hannah, ou ela olha para você
com indiferença ou você é um desafio matemático impossível.
Não há nada no meio.

— E quanto ao seu período? Quando foi sua última


menstruação?

Minhas bochechas ficam vermelhas. Eu não falo com


Hannah sobre coisas como esta.

— Eu ainda estou esperando por isso — eu digo, olhando


para o esmalte rosa lascado em minhas unhas. Eu tinha feito
ontem, mas comprei o esmalte em uma loja de um dólar, então
o que eu esperava?

Quando ela faz um som sufocado, eu olho para ela.

— O que?

— Você está esperando por isso? Quer dizer que você


perdeu?

Balanço minha cabeça. — Quero dizer que vai vir. Está


atrasada. Eu não perdi.

— Oh, meu senhor — ela diz, sua boca formando uma


linha firme que me lembra nossa mãe quando ela fica brava.
— Quando foi à última vez que você fez sexo?

Minhas bochechas ficam ainda mais vermelhas e,


enquanto estou envergonhada com essa conversa, o medo está
começando a assumir o controle do constrangimento, fazendo
minha pele ficar ainda mais úmida. — Quem disse que eu
estava fazendo sexo?

Hannah estreita os olhos. — Shay! Eu não sou uma


idiota. Eu moro nesta casa também.

— Não saberia, você nunca está em casa — eu digo como


um soco. Então eu rapidamente desvio o olhar antes que ela
possa me lançar seu olhar novamente.

— Quando foi à última vez, Shay? Faz um tempo que não


vejo Anders aqui...

Que maneira de me lembrar. Eu tento pensar. — Não sei.


Talvez duas semanas atrás.

— E antes disso?

Encolho os ombros. — Era frequente. — Exceto quando


não era.

— Você está tomando pílula?

Balanço minha cabeça, me sentindo envergonhada, como


uma criança. — Não. Eu... eu não sabia como fazer isso. Mas
estávamos usando preservativos!

Exceto…

Meu rosto cai.

A piscina.
— O que? — Hannah pergunta.

Tento engolir, falar, mas é difícil. — Mas uma vez. Nós


não usamos. Um mês atrás…

Então tudo vem à tona.

Lágrimas, desta vez.

Começo a chorar, o rosto enterrado em minhas mãos,


tentando manter tudo junto e falhando.

Este é o momento em que percebo o quão sozinha estou.

E como estou fodida.

Eu choro por alguns minutos, Hannah esfregando


minhas costas e fazendo ruídos suaves.

Então ela acende e apaga as luzes para chamar minha


atenção.

Eu fico olhando para ela através das lágrimas.

— Não perca a cabeça ainda, — ela me diz com


determinação. — Vou ao CVS e trago um teste de gravidez para
você. Depois de fazer o teste, se for positivo, descobriremos o
que fazer. Ok? Venha aqui. — Ela estende a mão e eu coloco a
minha na dela. Ela me leva para fora do banheiro e para a
cama, me fazendo deitar. Ela me entrega um travesseiro para
segurar. Eu o embalo como costumava fazer com Frank, nosso
velho golden retriever que morreu um dia depois que meus pais
anunciaram o divórcio. Então ela sai e eu fico sozinha.
Parece que minha irmã se foi para sempre. Com o tempo,
mando uma mensagem para Everly só para ver como ela está,
querendo tanto contar o que está acontecendo, mas não quero
estragar sua viagem de fim de semana, especialmente porque
não sei o que é. Não quero que ela pense menos de mim.

Mas já penso menos de mim. Por me meter nessa


confusão, por ser tão desleixada e descuidada, por
basicamente me foder só para ficar com Anders.

E Anders... o que diabos eu vou dizer a ele? Ele já está


distante, isso só o afastará ainda mais, provavelmente de volta
à Noruega. Ele não vai querer nenhuma parte disso, nenhuma
parte de mim. Já vi algumas garotas da minha série
engravidarem na esperança de ficar com o cara, e isso nunca
funciona.

Minha irmã volta antes que eu possa ficar totalmente


nervosa, embora eu tenha derramado mais algumas lágrimas
nesse meio tempo. Ela joga o saco plástico ao meu lado e tira
um frasco de Pedialite, um remédio anti-náusea e dois testes
de gravidez.

— Você vai fazer um também? — Eu brinco debilmente


enquanto tento me sentar.

Hannah não está com humor para brincadeiras. — Nós


temos que ter certeza. Agora vamos. — Ela me põe de pé e me
dá uma caixa. — Vá lá, siga as instruções. Não importa o
resultado, vamos tentar novamente. Ok?
Parece bastante simples.

Vou ao banheiro, leio as instruções, faço xixi no palito e


espero.

A espera mais longa da minha vida só para ver duas


linhas rosa aparecerem.

Eu gemo — Hannah! — e ela vem se intrometendo. Eu


agito o palito para ela, chorando.

— Tente de novo, tente de novo — ela diz, recusando-se a


tocar no teste.

Ela fecha a porta novamente, e o segundo resultado é


igual ao primeiro.

Estou grávida.

Consigo manter minha gravidez entre mim e Hannah a


semana toda. É difícil. Acabo perdendo minhas aulas da
manhã na terça-feira porque estava vomitando muito, mas
felizmente isso para quando estou na escola. Não quero que
ninguém fique com a ideia errada; todo mundo é tão rápido em
espalhar boatos e eu já sinto que eles estão falando pelas
minhas costas de qualquer maneira, porque Anders nunca
mais está por perto da escola, muito menos perto de mim.

Não que eu tenha mandado uma mensagem para ele, ou


mesmo para Everly, tanto assim. A Hannah marcou uma
consulta para mim com o médico amanhã, sábado, assim não
tenho que faltar às aulas. Estou morrendo de medo, mas sei
que vamos apenas fazer mais testes e conversar sobre nossas
opções. Eu só queria que isso fosse um sonho, que isso
estivesse acontecendo com outra pessoa. Continuo pensando
que, se me esforçar o suficiente, posso voltar no tempo com
minha mente. Ou que posso apenas dar um tapa no rosto,
beliscar a pele ou balançar a cabeça com força suficiente e as
coisas vão voltar a ser como eram.

Mas isso nunca acontece. Isso não muda. Esta é minha


realidade agora.

E nunca me senti tão sozinha.

Embora, graças a Deus por Hannah. Ela realmente se


intensificou e nos tornamos mais próximos de várias maneiras.
Ela não é uma substituta para minha mãe e ela não quer ser,
mas eu sei que estaria totalmente perdida sem ela.

— Shay — Everly diz atrás de mim enquanto fecho meu


armário. Mais uma aula e então começa o fim de semana. Oh,
alegria.

Viro-me para encará-la com um olhar de desculpas no


meu rosto, esperando que ela me dê uma merda por estar
distante e estranha a semana toda. Mas esse olhar desaparece
quando vejo como ela parece chateada. Isso não é sobre mim.

É isso?

— E aí? Você está bem?

Ela balança a cabeça lentamente, piscando. — Ok. Bom.


Você ainda não ouviu. Eu queria que você ouvisse de mim.
Acabei de ouvir e tive que te encontrar e te contar.

Meu coração cai no meu estômago.

— O que? — Eu sussurro. — Alguém morreu?

— Não. Mas você gostaria que alguém tivesse. — Ela


respira fundo e olha ao seu redor no corredor. — Há um
boato... eu ouvi esta manhã, mas não queria acreditar. Jenny
Bishop me contou. Ela disse que ouviu isso de Meghan Stovell.
Meghan é amiga de Jen.

— Jen Bishop.

— Não. Jen Brown. — Nossa amiga, Jen Brown, que


parou de sair conosco no Natal, que começou a namorar o ex
de Everly, Jeff. Sim. Foi uma jogada de vadia.

— Sobre o que você está falando? O que sobre ela? — Eu


pergunto.

Everly esfrega os lábios e, em seguida, se inclina. — Jen


está dormindo com Anders.

Meu coração para.


— O que?! — Eu grito.

O Sr. Hill, o professor de história, para e nos lança um


olhar de advertência. — Vocês meninas não têm aula?

Eu mal presto atenção nele. Meu coração dá uma queda


livre em meus pulmões, minhas entranhas, direto em mim. Eu
não consigo respirar. Raiva e tristeza estão me dilacerando
como lobos lutando por uma carcaça. — Não, — sussurro,
encostando no meu armário. — Isso não pode estar certo.

— É verdade. Eu confirmei com Jeff. Eles terminaram. Ele


os pegou...

Balanço minha cabeça. — Não. Anders não faria isso


comigo... — Mas sou imediatamente inundada com imagens
deles juntos. Jen é loira, magra e dura como as unhas. Na
verdade, ela é uma vadia, do jeito que ela é super má com as
garotas, mas super legal com os garotos, de modo que se você
reclamar dela, todos os caras ficarão na dela — Do que você
está falando, ela é tão doce? — e blá, blá, blá.

Porra!

Isso está fazendo sentido agora. Eu não quero,


especialmente depois dessa merda de semana, o fato de que
estou fodidamente grávida da porra do bebê dele, mas de
repente eu sei que o que Everly está dizendo é real. É real. É
por isso que ele está se afastando.

Porque ele encontrou outra pessoa.


Oh meu Deus.

Viro-me e soco o armário ao meu lado, com força.

Ai! Dói como o inferno. Por que eu fiz isso?

— Shay! — Everly grita. — Não se machuque. Ele não vale


à pena.

— Como ele pode fazer isso comigo? — Eu choro baixinho,


sacudindo meu punho, ciente de que as pessoas estão olhando
para mim. — E ela! Ela deveria ser nossa amiga. Minha amiga!
Aquela vadia estúpida e safada!

— Sim, bem, eu entendi depois que ela começou a


namorar Jeff. Pena que não sinto pena dele.

Não posso acreditar. Lágrimas correm para meus olhos,


meu peito parece que vai fechar todo o ar. Eu preciso sair
daqui. Eu não posso mais ficar aqui.

— Vou para casa — digo a ela, tentando evitar que as


lágrimas caiam. Eu pego minha mochila e fecho o armário,
minhas mãos tremendo enquanto eu abro. — Eu andarei.

— Eu vou levar você — ela diz, colocando o braço em volta


de mim.

— Você não pode pular o inglês. Você está falhando.

— Apenas me observe. Você é minha melhor amiga Shay,


não vou te deixar em um momento como este.
Eu suspiro, sentindo tanta tristeza me sufocando, mas
grata por Everly.

Só quando entramos no carro dela digo em meio às


lágrimas: — Bem, já que você é minha melhor amiga, há outra
coisa que preciso lhe contar. Algo que aconteceu comigo esta
semana.

— O que?

E então eu conto sobre os testes de gravidez.

E então sobre como meu relacionamento com Anders


estava se desintegrando silenciosamente nos últimos meses.

E que ainda não contei a ele.

Não tenho certeza se vou agora.

Na verdade, nunca mais quero vê-lo.

Mas quando Everly chega e pedimos pizza com Hannah,


quando estamos conversando no meu quarto mais tarde sobre
tudo, Everly recebe uma mensagem de Jenny Bishop.

Há uma festa hoje à noite na casa de Doug Campbell.

E Anders está lá.

Eu pulo de pé e imediatamente vou para o meu armário.

— O que você está fazendo? — Everly diz.


— Estou encontrando o vestido mais sexy que tenho, —
digo a ela, folheando, raiva e vingança vibrando por mim. — E
então nós vamos para aquela festa.

— Shay, — diz ela com cuidado. — Não acho que seja uma
boa ideia. Você está grávida.

Viro-me e olho para ela. — Essa é a desculpa? Estou


grávida? Você não tem que ir. Mas estou indo. Vou dizer a ele
que terminamos e que eu sei. Vou garantir que todos saibam
que idiota mentiroso e trapaceiro ele é.

Everly suspira, olhando para o tapete por um momento.


Então ela olha para mim e encolhe os ombros. — Ok. Posso
pegar um vestido emprestado?

Nós duas atacamos meu armário novamente, procurando


as coisas perfeitas para vestir. Everly é menor do que eu, tanto
em peso quanto em altura, mas eu tenho um vestido bodycon
preto que comprei na Wet Seal que fica bem nela. Eu decido ir
para algo igualmente curvilíneo, meu top de cetim amarelo
emparelhado com meus saltos amarelos e jeans skinny escuro.
Tenho seios bastante grandes que gosto de manter sob
controle, mas Anders era apaixonado por meus seios, então
acho que devo exibi-los enquanto posso e fazê-lo se arrepender
de ter me perdido assim.

Estou no banheiro, ajustando minha blusa, quando de


repente sou atingida pela enormidade do que está
acontecendo. Quase desabo no chão, tenho que me segurar na
beirada da pia para me manter de pé.
Ele me traiu.

Anders fez sexo com uma amiga minha.

Ele ficou nu na frente dela. Ela ficou nua na frente dele.


Eles estavam juntos, seu pau estava dentro dela. Ele a fez
gemer, talvez até a fez gozar. Ele definitivamente gozou. Ele era
íntimo dela de uma maneira que ele só deveria ser comigo.
Achei que ele me amava. Eu pensei que era especial para ele.
Ele sempre me chamou de seu pardal, esse pássaro que ele se
sentia tão sortudo por segurar na palma da mão, e tudo o que
ele fez foi me atrair para ele, me manter presa e então fechar
sua mão sobre mim até que eu fosse esmagada.

Eu nem percebi. Nem percebi o que ele estava fazendo


comigo. Eu sabia que ele havia se afastado, senti o frio e a
distância, mas só esperava que pudéssemos superar isso. Que
voltaríamos juntos como antes, mas mais fortes. Dei espaço a
ele porque queria ser a namorada perfeita, aquela que ele
amaria para sempre. Eu fiz tudo certo

E ele não se importou. Ele me usou. Usou meu coração.


Usou meu corpo.

E agora estou fodidamente grávida. Na verdade, estou


grávida do bebê dele e... não quero contar a ele. Eu não vou
contar a ele. Vou fazer um aborto e pronto. Vai ser horrível e
estou com muito medo, mas não posso dar à luz a este bebê,
especialmente se eu sei que ele não vai estar por perto. Havia
uma pequena parte de mim que pensava que talvez, apenas
talvez, se eu dissesse a ele que estava grávida, que ele iria
querer que eu ficasse com o bebê, que eu faria por ele,
pensando que ficaríamos juntos.

Eu sei. Foi uma parte estúpida de mim, e de certa forma


estou feliz que a terrível notícia tenha sido dada de uma forma
tão devastadora, porque percebo o quão terrível isso seria.
Claro, talvez funcione para outras mães adolescentes e elas
acabem dando certo, mas pelo que sei, Anders fugiria da
cidade e voltaria para a Noruega se descobrisse.

E então, ele não vai descobrir.

Vou manter isso em segredo, entre mim, Hannah e


Everly.

E vou descobrir uma maneira de seguir em frente sem


Anders.

Eu só tenho que confrontá-lo primeiro.

Olho-me no espelho, respirando fundo pelo nariz,


tentando acalmar meus nervos. Eu deixei a raiva fluir porque
é melhor ficar com raiva do que triste. Eu posso lidar com a
raiva.

Pulo para fora do banheiro, me sentindo como um milhão


de dólares, alimentada pela vingança. — Vamos.

Já que não estamos planejando beber ou ficar na festa


por muito tempo, Everly nos leva até a casa de Doug. Fica na
periferia da cidade, então demora um pouco para chegar lá e,
quando ela puxa o carro pela rua sem saída, as pessoas
estacionam a esmo em todos os lugares, estou tentando lutar
contra uma onda de náusea novamente. Estou tão nervosa,
com raiva e doente, não tenho certeza do que fazer comigo
mesma e estou questionando tudo.

Deus, espero que Jen não esteja aqui. Não sou uma
pessoa violenta e minha mão ainda dói de socar o armário
antes, então não consigo me imaginar dando um soco no rosto
de alguém. Mas estou com tanta raiva, não sei o que vou dizer,
e Jen é uma daquelas garotas que adora brigar com outras
garotas. Olhando para trás, não tenho certeza de por que
Everly e eu éramos amigas dela para começar. Acho que ela
parecia mais legal do que nós. Acontece que ela não era. Ela
era apenas uma vadia.

— Podemos voltar para casa — Everly me diz enquanto


estaciona o carro.

Balanço minha cabeça, segurando meus punhos com


tanta força que minhas unhas fazem marcas em minhas
palmas. — Não. Vamos entrar. Estou bem.

Tudo mentira, claro.

Saímos do carro e atravessamos a rua. A música está


batendo forte, há algumas pessoas que reconheço beijando na
varanda. O bairro é tranquilo e embora as outras casas não
sejam tão próximas, provavelmente não demorará muito até
que a festa seja encerrada.
Entramos, Blurred Lines de Robin Thicke explodindo, e
eu juro que todos estão olhando para mim. Eu sei que sempre
penso isso, mas desta vez eu sei que eles estão. Eles sussurram
um para o outro atrás de seus copos de plástico vermelho, e
eu ouço alguém dizer: — Puta merda, Shay está aqui.

O que significa que todo mundo já sabe que Anders me


traiu com Jen Brown.

Posso ver em seus olhos. Pena. Todos eles sentem pena


de mim.

Levanto meu queixo e finjo que não me importo.

— Shay — Erin Spence, com quem eu tenho matemática,


vem até mim. Acho que ela nunca falou comigo antes. — O que
você está fazendo aqui?

Dou a ela um olhar desagradável, o suficiente para ela se


encolher um pouco. — Sou amiga do Doug.

— Não, eu sei, mas... — ela se inclina. — Anders está


aqui. Eu ouvi o que aconteceu...

— Onde ele está? — Eu pergunto, meus dentes rangendo.

Ela acena com a cabeça em direção à porta de correr na


sala de jantar que leva ao quintal.

Eu olho para Everly por cima do meu ombro e seus olhos


se arregalam. Talvez ela não tenha pensado que a primeira
coisa que eu faria seria procurar Anders, mas não estou aqui
para me misturar e não estou brincando.
Marcho passando por Erin, passando pelo grupo de caras
que dizem — Oooooh nãããão aí vem ela! — e pela sala de
jantar, abrindo a porta deslizante, Everly na minha cola.

Lá fora há apenas algumas pessoas circulando, bebendo,


rindo, e então vejo Anders conversando com Ted Lee, no que
parece ser uma conversa profunda e bêbada.

Tudo em mim se acalma. Anders tem uma expressão


turva nos olhos e ainda não olhou para mim. Eu o observo por
um momento, consciente da multidão de pessoas às minhas
costas, desejando poder ficar a sós com ele.

Mais do que tudo, gostaria de poder voltar no tempo.


Queria poder voltar a quando senti Anders se afastar, gostaria
de ter feito algo, qualquer coisa, para impedi-lo de dormir com
outra pessoa. Eu gostaria que pudéssemos voltar aos
primeiros dias, quando éramos tão apaixonados, quando não
precisávamos de nada, exceto um do outro.

Meu coração está dilacerado e sangrando por ele e nada


mais será o mesmo.

Finalmente, Anders levanta a cabeça. Olha para todos.

Olha pra mim.

A vergonha passa por sua testa.

E a raiva dentro de mim eleva sua cabeça feia.

Antes de saber o que está acontecendo, estou


atravessando o gramado de Doug em direção a Anders.
Marchando, na verdade. Uma garota de coração partido com
tanta dor para dar.

— Anders! — Eu lato para ele, e alguém no fundo diz —


ooooh, — mas eu nem me importo mais se as pessoas estão
assistindo. Deixe-os ver.

Ted me olha com medo, provavelmente por causa da


violência em meu rosto, e rapidamente dá um passo para o
lado, se afastando de Anders, abandonando-o.

— Shay — diz Anders, sua voz me fazendo desvendar


ainda mais.

Eu não consigo me conter.

Ando até ele e bato com força no rosto dele.

Ele me encara, perplexo.

Minha palma está doendo.

A adrenalina corre através de mim.

Atrás de nós, a multidão solta um suspiro silencioso.

— Como você ousa! — Eu grito com ele. — Como você


ousa dormir com ela? Como você se atreve a fazer isso comigo!

E então eu bato nele novamente, desta vez com mais


força.

Sua boca cai aberta, sua mão vai para sua bochecha.
Estou respirando com dificuldade, tentando não chorar,
meu peito desmoronando.

E estou olhando para ele, esperando que ele diga algo, me


diga o porquê. Estamos todos esperando por isso.

Mas ele não diz nada. O olhar de culpa e vergonha fica


mais pesado em sua testa e ele apenas balança a cabeça
levemente.

— O que!? — Eu grito, jogando minhas mãos para fora.


— O que é? Me conte algo! Nada!

Ele engole em seco. — Eu sinto muito.

Eu pisco, meu rosto está quente. — É isso? Você está


arrependido? Isso é tudo que eu recebo?

Seus olhos ficam úmidos. — Eu estraguei tudo. Eu


estraguei tudo, Shay, e sinto muito. — Sua voz falha.

Não é bom o suficiente.

Estou perto de dizer a ele que estou grávida, de realmente


esfregar isso. Mas não quero que meus colegas saibam. Eles
me julgariam. Eles me julgariam especialmente depois de fazer
um aborto. Tenho que manter esse segredo escondido, para
sempre.

— Foda-se, — digo a ele. — Foda-se por me fazer confiar


em você. Foda-se por quebrar meu coração! Eu te amei! Eu te
amei e você jogou fora!
— Shay — diz ele, fazendo um movimento para mim, mas
eu saio do caminho dele.

— Não! — Eu grito, as lágrimas agora escorrendo pelo


meu rosto, colapso iminente. — Não ouse tentar me tocar.
Acabou. Terminamos. Nunca mais quero ver você.

Eu me viro e marcho para o portão ao lado da casa, Everly


correndo atrás de mim.

— Não se preocupe, você não vai — ouço Anders dizer


baixinho.

Eu também acredito nele.

Meu coração parece que está quebrando de novo.


AGORA

A maneira mais segura de transformar uma situação boa


em estranha é deixar seu ex-namorado beijar você em um
celeiro enquanto ordenha uma vaca, e então ser pega por seu
tio desaprovador.

Esse era exatamente o tipo de coisa que eu estava


tentando evitar.

E acredite em mim, eu estava tentando evitar isso.

É difícil quando... bem, foda-se. É difícil quando é o


Anders. Eu sei que temos toda essa história tumultuada entre
nós, que nunca tivemos o encerramento que precisávamos um
do outro, ou pelo menos eu nunca tive, mas mesmo se eu não
tivesse tudo isso com ele, estaria superando minha cabeça.

Quer dizer, olhe para ele. Ele é construído como um deus


nórdico, lindo da cabeça aos pés, e definitivamente acumularia
todos os views se ele colocasse um Tik Tok com ele cortando
lenha ou fazendo outras coisas viris nas montanhas ou o que
seja. E então há sua alma. Tão danificada e macia que ele nem
tenta esconder. Ele tem o coração de um artista batendo sob o
corpo de um trabalhador e às vezes há tanta pureza nele que
me pega desprevenida. Qualquer mulher que se preze se
sentiria reverenciada, respeitada e adorada em sua presença.

E, no entanto, não consigo esquecer o que ele fez comigo.


E eu sei que foi há muito tempo, eu sei que não deveria me
importar mais, mas tornou-se uma grande parede de aço que
se fecha toda vez que penso em ceder a ele. Cada vez que
penso, talvez isso possa funcionar? E mesmo se não puder,
talvez possa funcionar por agora? O que há de tão errado em
ficar com seu ex por algumas semanas antes de se separar?
Não é isso o que a maioria das pessoas faz, especialmente se
houver negócios pendentes entre elas? Talvez eu seja o
problema aqui.

Na verdade, eu sei que sou. Porque naquele breve


momento quando ele me pegou antes que as paredes
pudessem cair, quando ele me beijou, eu senti algo dentro de
mim se abrir, algo que eu estava tentando esconder.

Fiquei morrendo de medo de ter aquela sensação de novo,


de me sentir viva, mesmo que só durasse enquanto seus lábios
estivessem nos meus, que suas mãos passassem por meu
corpo, sentindo muito mais do que nunca.

E agora, bem, tudo está estranho. Per nos pegou em uma


situação comprometedora e imediatamente precisou da minha
ajuda com as ovelhas. Felizmente ele não tocou no assunto de
novo (e se o fez, eu não percebi – marque um por não entender
muito do norueguês) e, quando terminei, voltei ao celeiro para
trocar meu macacão enorme, Anders havia decolado em sua
motocicleta.

Ele se foi à maior parte do dia.

Eu não sabia o que fazer comigo mesma.

Fiquei andando pela casa um pouco, tentei bater um


papo com o Per, mas não é fácil quando nenhum de vocês fala
a mesma língua, então me sentei na sala de estar com ele, no
sofá forrado de flores, e assisti a algumas reprises de MASH,
com legenda em norueguês, e depois nos fiz cortar peras com
queijo de cabra local e biscoitos, que acho que Per a
contragosto gostou (apesar de ter seu próprio pomar, acho que
nunca vi um pedaço de frutas cruzando seus lábios).

Agora, bem, eu percebi que não havia sentido em ficar


cozinhando no meu quarto. Decido pegar a velha câmera que
Anders me deu e dar uma longa caminhada pela estrada, na
esperança de encontrar algumas das casas realmente
fotogênicas. Ainda há filme na câmera e não tenho ideia de
quantos anos tem, mas acho que vale a pena tentar. No
mínimo, isso me dá tempo para pensar sobre o que aconteceu
e analisar demais a merda toda. Você sabe, o que eu faço de
melhor.

Caminho pela estrada, respirando fundo pelo nariz,


sentindo o cheiro do ar fresco. No limite da propriedade, há
uma sugestão do oceano, que é calmo como um lago. Algumas
ovelhas caminham à beira da água, mordiscando flores. Do
outro lado, as montanhas sobem cada vez mais, seus picos
desaparecendo por trás de nuvens. A princípio as montanhas
me fizeram sentir enraizada, estando tão encerrada neste vale,
mas agora tenho uma sensação de vertigem, como se eu
olhasse para o alto a montanha fosse me esmagar.

Mas isso é apenas uma metáfora, não é?

Porque estou com medo.

Com medo de que estar com Anders, fisicamente,


intimamente, de alguma forma desfaça toda a minha decisão.
Ele me arruinou tanto que levou muito tempo e energia
emocional para aprender a ser a pessoa que nunca cometeria
aquele erro novamente. Sim, as coisas com Danny foram para
o sul, mas nunca senti que meu coração, como a minha alma,
estivesse em jogo.

Agora, parece que sim. Não deveria. Mas saber disso não
faz com que a sensação desapareça. Se eu ceder a Anders, se
tornarmos as coisas ainda mais complicadas do que já são,
serei forte o suficiente para sair ilesa desta vez?

Continuo andando e tirando fotos até que o filme acabe.


Não sei quanto tempo se passou, é difícil quando o sol fica alto
até tarde, mas os pássaros cantam e sopra uma brisa fresca
no ar. Cada canto é uma nova vista esperando para tirar seu
fôlego.
Honestamente, em outra vida, eu poderia morar aqui.
Estar rodeada por essa beleza o tempo todo, desacelerar para
um ritmo de vida simples. É o tipo de lugar que faz seu coração
sonhar.

Eu ouço a moto atrás de mim, lentamente ficando mais


alta, e minhas costelas de repente parecem muito tensas. Em
instantes, o som me envolve e Anders puxa para cima,
parecendo muito legal para a escola, uma mochila pendurada
no ombro.

— Onde você está indo? — ele me pergunta, como se eu


fosse um estranho que precisa de uma carona.

— Só vou dar um passeio, — digo a ele. Eu levanto a


câmera. — Tirando fotos.

Ele consegue sorrir. — Estou feliz que você a esteja


usando. Existe mesmo filme?

Eu concordo. — Mas usei tudo.

— Ah, mas esse é o tipo de câmera que sempre dá uma


última foto.

— Uma última foto?

— Parece que está feito, continue girando. Mas se você


apertar o obturador, vai tirar outra foto. — Levanto-a, mirando
em seu rosto. Ele balança a cabeça. — Não se atreva a
desperdiçá-lo comigo.
Eu fico olhando para ele através das lentes, gostando de
deixá-lo desconfortável pela primeira vez. Então eu abaixo e
dou uma olhada para ele, e agora? Vamos falar sobre você me
beijando? Ou o fato de eu ter te beijado de volta?

Mas eu desisti. — Onde você esteve o dia todo? — Eu


pergunto.

Ele acena para as montanhas. — Explorando algumas


trilhas. Ficando sujo.

Olho suas roupas – jeans escuro, uma Henley branca que


mostra seus ombros arredondados, seu peito largo. Não é uma
especificação de sujeira para o homem. — Você não parece sujo
para mim.

— Tomei um banho. Me troquei. Tinha que estar bonito


para o nosso encontro.

Eu rio. — Encontro? Do que você está falando?

Ele enfia um palito na boca e depois joga o queixo por


cima do ombro. — Suba.

— Não vou a lugar nenhum até saber o que está


acontecendo.

Ele sorri para mim, seus olhos brilhando de uma forma


que faz meu coração pular várias batidas. — O que aconteceu
com a Srta. Espontânea, sempre pronta para uma aventura?

Huh. Ele me pegou.


Viro minha câmera ao redor da alça para que fique
apoiada nas minhas costas e, em seguida, vou até ele,
agarrando seus ombros enquanto subo na moto. Envolvo meus
braços em volta do seu peito, coloco minha bochecha em suas
omoplatas, a mochila pressionada contra mim.

— Você está bem? — Ele pergunta, seu sotaque soando


mais forte, a voz rouca, e estou ficando com arrepios
inadequados.

Eu limpo minha garganta. — Eu estou bem. Vamos.

Nós nos movemos, muito mais suavemente do que no


outro dia, e depois de um tempo eu levanto minha cabeça para
contemplar a vista, a câmera quicando ao longo da minha
espinha enquanto batemos em solavancos. O oceano brilha à
nossa direita, um pequeno barco de pesca navegando nas
águas, indo para casa. Isso é obviamente apenas um aldeão
pegando o que pode; Sei que estamos a horas de distância do
verdadeiro oceano aberto, onde estão todas as boas pescarias
(de acordo com Anders, pelo menos).

Anders nos leva por uma ponte, passando pela cidade,


depois pelo hotel dumpling, que parece muito distante agora,
até que as casas se separam e a estrada se transforma em
cascalho. Eu o seguro com força enquanto a estrada fica mais
difícil e estreita, um rio de um lado, uma floresta de bétulas do
outro. Não dá para ouvir com o barulho do motor, então
andamos em um silêncio que parece cada vez mais confortável
a cada segundo. Parece certo estar de volta aqui, meus braços
em volta de seu estômago firme, meu corpo pressionado contra
o dele. Um pouco certo demais.

Eventualmente, o vale se abre, amplo, como se estivesse


bocejando. Algumas fazendas e casas vermelhas pontilham a
extensão verde que se estende entre as montanhas, com o rio
correndo por ela.

Anders nos leva por outra ponte e então começamos a


seguir ao longo do rio do outro lado, a estrada se
transformando em um caminho até que finalmente termina em
uma área gramada e paramos em frente a uma pequena
cachoeira.

— Aqui estamos — diz ele, desligando a moto. O canto


dos pássaros e o rugido da cachoeira enchem meus ouvidos.

Estou olhando ao redor com admiração enquanto ele me


ajuda a descer da moto.

— Este é o seu local secreto? Porque é lindo.

Ele tira sua mochila e a leva até a beira da água,


colocando-a no chão e abrindo o zíper. — Não é exatamente
um segredo. Há muito tempo, a fábrica de móveis usava a
hidrelétrica das cachoeiras desse rio para alimentar suas
máquinas. Se você caminhar um pouco rio acima, encontrará
o que resta. Alguém foi e colocou mesas de piquenique lá para
os caminhantes da área, mas este local é um pouco mais
privado.
Observo quando ele traz um cobertor de lã, azul-
centáurea com desenhos brancos, de aparência bem
escandinava. — É da sua avó? — Pergunto-lhe.

Ele encolhe os ombros, ajustando as pontas. —


Provavelmente. — Ele me dá um sorriso rápido. — Era da
minha mãe. — Ele acena para o cobertor. — Aqui. Sente. Eu
serei seu servidor esta noite.

Solto uma pequena risada e me deito no cobertor,


sentando-me de pernas cruzadas, observando enquanto ele
remove uma garrafa de bebida forte. — Para começar nossa
noite, vamos tomar um pouco de aquavit. Você já teve isso? —
Ele fica de joelhos, segurando-o.

Balanço minha cabeça, olhando a garrafa. Parece bebida


forte, tem um navio na garrafa.

— Achei que Astrid teria feito você beber isso em algum


momento, — comenta ele, trazendo alguns copos e despejando
a bebida nele. Ele entrega um para mim, em seguida, levanta
o que está em sua mão. — Skal.

Eu cheiro primeiro. Meus olhos já lacrimejam. É como


terebintina e algo familiar, mas estranho. — O que diabos há
nisso?

— É surpreendentemente suave, — diz ele, tomando uma


dose, embora estremeça um pouco. — Pode colocar um pouco
de cabelo em seu peito. É por isso que os noruegueses são tão
peludos.
Eu rio e tomo a dose. Deus. Isso queima como o inferno.

— Não tenho certeza se suave é o adjetivo certo, — digo a


ele, e juro que já sinto os efeitos disso enquanto aquece meu
peito. — Por que sinto gosto de endro?

— É feito de sementes de cominho, — diz ele. — É um


direito de passagem aqui na Noruega. Eu prometo a você que
a segunda dose terá um gosto melhor.

Eu sorrio para ele. — Você está tentando me embebedar.


— Estendo meu copo.

— Você não está dizendo não — diz ele, servindo-nos


outra rodada.

Mantenho meus olhos no vidro, evitando a intensidade


em seu olhar. Porque ele está certo. Eu quero ficar bêbada. E
não quero dizer não. Não mais. Não sei se é o álcool já correndo
em minhas veias, se é a localização cênica perto da pequena
cachoeira, se é o fato de que nesta luz dourada de fim de tarde
Anders parece mais quente do que nunca, ou se é o beijo de
antes, ainda impresso em meus lábios, mas quero jogar toda a
cautela ao vento.

E isso ainda me assusta.

Eu levanto a taça, encontrando seus olhos por um


momento, e juro que eles me mantêm refém por eras. Em
seguida, o canto de sua boca se inclina em um meio-sorriso e
ele retruca. Eu faço o mesmo.
Ele estava certo. É melhor da segunda vez.

Talvez seja o mesmo para nós.

Eu engulo e tusso um pouco, curtindo o zumbido. Me


apoio nos cotovelos e inclino minha cabeça para o sol, que está
desaparecendo atrás de montanhas distantes. Isso me faz
querer ver o que está por trás dessas montanhas, ver onde o
selvagem Mar da Noruega encontra a costa. Isso me faz querer
aceitar a oferta de Anders.

Mas isso é Shay bêbada falando. — Então, como está sua


mãe? — Eu pergunto a Anders.

Ele encolhe os ombros. — Não sei. Bem, eu acho.

— Astrid me disse que vocês não se falam — digo a ele.

Ele balança a cabeça, semicerrando os olhos ao longe. —


Nós não. Nunca fomos próximos. Como você sabe.

Dou a ele um olhar firme, pesando em minhas palavras.


— Mas é exatamente isso, Anders. Eu realmente não sei. Eu
sei que você acha que me contou tudo quando estávamos
saindo, mas... não contou.

Seus olhos se aguçam. — Eu contei coisas.

— Poesia não conta.

— Por que não?

— Porque isso só me diz como você se sente. Não explica


de onde vêm os sentimentos. O que fez você ser assim.
Ele se enrijece, ficando na defensiva. — Então deve ser o
suficiente.

— Anders, — digo, e sei que devo segurar as coisas, que


não devo estragar o que poderia ser um momento romântico.
Eu sei que deveria simplesmente deixar pra lá, mas minha
boca continua se movendo. — Eu mereço saber por que você
fez o que fez. Você diz que era um fodido quando era mais
jovem, bem, por quê? Quais foram seus demônios? Você nunca
os compartilhou comigo. Eu sabia que você tinha problemas,
mas você nunca me deixou entrar.

Sua mandíbula fica tensa e ele desvia os olhos, olhando


para o lado. — Eu era apenas um idiota. Claro e simples.

Estendo a mão e agarro seu braço, forçando-o a olhar


para mim. — Você não era. Pelo menos não no começo. Alguma
coisa mudou. Algo te deixou assim. Foi... foi eu?

Seus olhos suavizam. — Não. Não, Shay. Você foi perfeita.


Você era... adorável pra caralho. Eu só... — ele lambe os lábios
e suspira. Passa a mão pelo cabelo. — Você sabe como é sentir
que sua própria família não quer você?

Suas palavras fazem meu coração ficar frio e pesado.

Eu aceno lentamente. — Sim. Eu sei. Anders, você sabe


que sim.

Ele me lança um olhar penetrante. — Eu sei? Porque


apesar de tudo que você está dizendo sobre não saber nada
sobre mim, você já considerou que eu quase não sabia nada
sobre você?

Balanço minha cabeça. — Isso não é verdade. Você sabia


como era para mim naquela época. Nunca ter minha mãe por
perto, tê-la perseguindo meu pai, que claramente não dava a
mínima para nós. Tudo o que eu tinha era Hannah, e ela tinha
sua própria vida para viver. Ela nunca pediu nada disso, ter
que cuidar de mim. Estávamos praticamente abandonadas,
Anders. Abandonada e depois me tornei um fardo.

— E eu também! — Seus olhos brilham. — Fui enviado


para ficar com minha mãe porque o abandono da nossa família
me ferrou tanto que meu pai não conseguiu lidar comigo. Não
conseguia nem ficar perto de mim. Fui enviado para ficar com
ela e ela nem me queria. Atravessei o Atlântico, tirado da
minha escola e amigos, e também não fui bem-vindo. Eu não
tinha nada, não tinha ninguém... exceto você.

— Então por que você estragou tudo? — Eu grito.

Ele engole em seco. — Porque eu sabia que não merecia


você. Por que... você era pura e tão boa e eu realmente te
amava.

Porra. Essas palavras não deveriam me atingir do jeito


que atingiram. Bem entre as costelas.

— Mas, — ele continua, com a voz baixa — eu também


sabia que não era para sempre. Que eventualmente eu teria
que ir embora. Não poderia ficar onde não era desejado. Sabia
que voltaria para a Noruega, tentaria criar uma vida para mim
mesmo, e que teríamos que nos separar, e eu acho... acho que
se eu fodesse as coisas o suficiente, se pudesse fazer você me
odiar, tornaria tudo mais fácil para nós dois.

Solto um bufo zombeteiro. — Não foi nada fácil.

Eu chupo meu lábio inferior, sentindo a verdade


crescendo dentro de mim. Ele ainda não sabe realmente o que
aconteceu, ele não percebe que não foi apenas sobre ele me
traindo. Ele não sabe que eu estava grávida, ou que fiz um
aborto, e que essas coisas me pesaram todo esse tempo.

— Anders, — digo suavemente, meus olhos passando por


seu belo rosto antes de olhar para as montanhas, os picos nus
beijados com ouro do sol poente. — Eu…

Ele estende a mão antes que eu possa dizer qualquer


coisa e coloca sua palma grande e quente contra minha
bochecha. — Me perdoe, Shay. Por favor.

Seus olhos procuram os meus, e em suas profundezas


vejo o menino que conhecia e amava, e o homem na minha
frente agora, e sei que ainda faria qualquer coisa para aliviar
sua dor.

— Me perdoe — ele diz novamente, um sussurro agora.

Eu aceno, pressionando meus lábios, tentando sorrir,


falar.

Porque eu o perdoo. Perdoo?


Em seguida, o alívio passa por seus olhos antes de ser
abafado pelo fogo.

Antes que eu saiba o que está acontecendo, ele se inclina,


seus dedos movendo-se para trás em meu cabelo, segurando
minha cabeça no lugar, e sua boca cobre a minha em um beijo
duro e contundente que rouba meu fôlego.

Anders me beija como um homem indo para a guerra.

Mas a única guerra é aquela que assola dentro de mim.

Aquele entre o passado e o presente.

O presente está vencendo.

Demoro um momento para perceber o que está


acontecendo, mas então minha boca se abre em total rendição.
Sua língua desliza contra a minha, úmida, quente, mexendo
com algo nas profundezas escuras dentro de mim, como um
bando de pássaros com asas finas voando. A maneira como
seus lábios devoram os meus, duros e suaves ao mesmo
tempo, me faz sentir como se o mundo estivesse girando,
tombando, e esse beijo é a única coisa que me mantém
centrada.

Então estou me inclinando para frente, agarrando-o pelos


ombros, meus dedos cravando em sua camisa, tentando
segurar, tentando mantê-lo para mim, com medo de que, se eu
parar por um momento, eu possa deixá-lo ir e ele vai nunca
voltar para mim.
— Shay — ele sussurra contra minha boca, sua voz
áspera, cheia de urgência.

Eu só posso choramingar de volta enquanto ele me beija


com mais força, e então estou sendo empurrada para trás, para
trás, até que estou deitada no cobertor. Ele se move em cima
de mim, seu corpo enorme quase bloqueando o céu azul
minguante e as nuvens tingidas de ouro.

Sua jaqueta sai.

A minha também.

Em seguida, minha camisa, meu sutiã, seus olhos se


arregalando com a visão dos meus seios, mamilos duros.

Então estou tentando puxar sua camisa, correndo meus


dedos sobre os músculos de seus ombros, seu peitoral duro,
unhas raspando em seu pacote de seis rígido, maravilhada
com todas as suas tatuagens que ele adicionou ao longo dos
anos.

Mas ele não me dá muito tempo para ficar de boca aberta.

— Você está... você tem proteção?

Eu concordo. — DIU. Tenho por muito tempo.

Ele morde o lábio, seus olhos agora passando pelo meu


corpo enquanto ele se abaixa e abre o zíper de sua calça jeans,
puxando seu pênis.

Meus olhos se arregalam com a visão intimidante.


Meu Deus, Anders ficou maior de todas as maneiras
possíveis.

De repente, sou tomada por um desejo desesperado de tê-


lo dentro de mim, e estou abrindo o zíper da minha calça jeans,
tirando-a, nem um pouco autoconsciente de que agora estou
nua embaixo dele, do lado de fora, à luz do dia. Graças a Deus
é o brilho lisonjeiro da hora mágica.

Além disso, seu próprio corpo nu é uma distração


suficiente.

Ele se posiciona entre minhas coxas, acariciando seu


pau, segurando-se.

Mordo meu lábio, observando-o, querendo-o.

Sua testa franze, e eu posso dizer que ele quer empurrar


dentro de mim e ir em frente, que está tendo um monte de
contenção para se controlar. Suas narinas dilatam e ele está
respirando com dificuldade, sua respiração engatando ainda
mais enquanto ele guia seu pau entre minhas pernas,
esfregando a cabeça inchada contra mim.

Eu suspiro levemente, meu corpo respondendo com


ondas de fogo e gelo na minha espinha, minhas pernas se
espalhando ainda mais, querendo-o dentro de mim. Já estou
molhada, surpreendentemente, e o som é impróprio para
menores, enchendo o ar parado da noite ao nosso redor.

Seus olhos percorrem meu corpo, o calor em seus olhos


aumentando e ele balança a cabeça, deixando escapar um
suspiro trêmulo. — Palavras não podem fazer justiça a você —
ele sussurra asperamente, uma pitada de admiração ao me
ver. — Elas nunca fariam.

Ele estende uma mão, a ponta do dedo áspero roçando


meu lábio inferior, então sobre meu queixo, entre meus seios,
sobre meu estômago.

Então ele está se inclinando para frente, capturando


minha boca na dele e eu o estou beijando, perdida na ressaca
apaixonada quando ele começa a empurrar seu pau dentro de
mim.

Ah. Isso dói. Só um pouco. Há um aperto e estou tão


tensa que leva um pouco para meu corpo se soltar, não
importa o quão molhada eu esteja. Já se passaram muito
tempo desde a última vez que dormi com alguém, e não é como
se eu tivesse trazido uma coleção útil de dildos em minha
viagem. Eu me sinto nova em folha.

Deve ser a mesma coisa para Anders, porque ele solta um


ruído tenso de prazer contra minha boca, se afastando e
respirando fundo. — Jesus.

Então ele olha para mim, e em seus olhos azuis


tempestuosos, eu sei que isso é um grande negócio para ele
também. Perdemos nossa virgindade um com o outro. Nós
demos nossos corpos um ao outro há muito tempo,
aprendendo enquanto íamos, descobrindo do que se tratava o
sexo, descobrindo o que queríamos.
Agora estamos mais velhos, somos diferentes e, ainda
assim, nossos corpos se ajustam da mesma forma. A maneira
como ele empurra seu pau, lentamente, centímetro por
centímetro agonizante, traz algum tipo de memória muscular
em meu corpo. Ele relaxa com a dor, rendendo-se a ele,
lembrando.

— Foda-se — ele fala, agora ao máximo, e sua respiração


estremece quando ele exala, um polegar passando sobre meu
lábio novamente enquanto me olha com reverência. — Você
está bem?

Eu não posso deixar de sorrir, mordendo a ponta do


polegar. Tem gosto de sal.

— Melhor do que bem — consigo dizer, minha voz grossa,


saboreando a sensação dele tão profundo dentro de mim. Eu
me abaixo e agarro sua bunda, toda músculos, e o puxo para
mim para que ele afunde ainda mais fundo.

Ele geme alto, o som me transformando em um


interruptor, e de repente eu não quero essa construção lenta e
sensual. Eu quero que ele me foda, me destrua, não faça
prisioneiros.

— Garota gananciosa — Anders diz em uma voz rouca.

Então ele começa a se afastar, colocando seu braço em


um lado meu, seus músculos tensos enquanto ele empurra-se
de volta, com mais força desta vez.
Eu suspiro, meus dedos enrolando em torno do cobertor
embaixo de mim e meus olhos fecham por um momento,
deixando todas as sensações passarem. A sensação de sua
circunferência dentro de mim, a qualidade rouca de sua
respiração, o riacho balbuciante passando por nós, o canto
distante dos pássaros, o frio no ar noturno. É mais do que
apenas sexo agora, é uma experiência totalmente primitiva,
um com a natureza, um com o outro.

Deus, eu fantasiei sobre isso.

Abro os olhos enquanto ele empurra novamente, seu


ritmo acelerando, e pelo olhar em seu rosto, sua testa franzida,
seus olhos fechados, os gemidos que saem de sua boca, ele
está sentindo tudo o que eu estou. Quando seus olhos se
abrem novamente, eles me mantêm cativa em seu olhar, o
contato visual mais íntimo do que qualquer outra coisa.

Mas eu conheço esses olhos.

Eu costumava ser apaixonada por esses olhos.

Então ele estende a mão e junta meus pulsos, movendo-


os acima da minha cabeça, prendendo-os lá e começa a se
mover mais rápido, seus quadris batendo contra os meus,
cheios de poder, o ar é expelido de mim a cada impulso.

— Porra — eu sussurro, sem fôlego, olhando para longe


da intensidade infinita em seus olhos, seus olhos que estão
começando a exigir mais do que apenas meu corpo, mas meu
coração e minha alma. Concentro-me nas montanhas, nos
picos tingidos de ouro do sol poente, e sinto que estou voando
tão alto.

Será que algum dia vou descer disso?

Eu deixo meus olhos fecharem, sucumbindo a cada


sentimento. A lã áspera do cobertor nas minhas costas nuas,
o ar frio que endurece meus mamilos, o som da respiração
acelerada de Anders, o deslizar de seu pênis enquanto ele
bombeia dentro de mim, sentindo-se tão cheio e exuberante,
como se ele tivesse sido feito apenas para mim.

Quando abro os olhos para vê-lo, a expressão em seu


rosto se intensificou e o suor começa a aparecer em sua testa.
Por um momento, não posso acreditar que isso está
acontecendo, que este homem, este homem de todos os
homens, com seus músculos de deus e aquelas tatuagens
poéticas, está me fodendo sem sentido.

— Eu quero que você goze, — diz Anders através de um


grunhido áspero, seu corpo uma máquina bem oleada,
determinada a me dar prazer. — Eu quero ver você gozar, aqui,
entre as flores. Eu quero ver você florescer.

Minha pele já está quente e tensa, mas agora um rubor


está rastejando em meu rosto.

Uau.

Eu não tenho uma resposta espirituosa para isso, na


verdade, parece que todas as palavras e pensamentos estão
começando a deixar meu corpo com cada bombeada de seu
pênis. Então ele se abaixa entre minhas pernas e começa a
esfregar meu clitóris em círculos molhados.

Ai meu Deus.

É isso.

Sempre foi assim.

— Continue indo — eu grito baixinho, minhas pernas se


espalhando mais para ele, a pressão crescendo dentro de mim,
fazendo-me sentir como se minhas veias estivessem derretidas.

Ele grunhe em resposta, e eu vejo enquanto ele se


concentra em me fazer gozar com intensidade febril.

Eu preciso me lembrar desse olhar. É a aparência de um


homem possuído pela luxúria, um homem que não quer nada
mais do que a minha vinda.

E neste momento, pelo menos, ele é meu homem.

— Não pare — digo novamente, trazendo outro gemido


rouco dele, sua respiração engatando, seus dedos trabalhando
mais rápido enquanto seu pênis penetra mais fundo, como se
ele estivesse me pregando no chão.

Oh Deus. Aqui vou eu.

A pressão dentro de mim começa a aumentar, densa,


quente e doce, e sinto que estou a segundos de ultrapassar o
limite. Ele se inclina, ajustando seu aperto em meus pulsos,
capturando meus lábios em um beijo molhado e suado. Sua
língua fode minha boca tão completamente quanto seu pau,
então ele traz sua língua quente para baixo sobre meu queixo,
garganta, até lamber meus seios. Eles saltam com cada
impulso forte, mas ele consegue chupar meu mamilo em sua
boca, dando-lhe uma beliscada delicada antes de me detonar.

— Eu esperei por isso — Anders diz densamente, assim


que meu orgasmo corre por mim, fazendo minhas costas
arquearem, minha visão embaçar.

Este homem acabou de me destruir.

— Oh merda — eu grito quando gozo, imediatamente me


afogando no tsunami, sentimentos que eu havia enterrado,
sentimentos que eu tinha sonhado, todos eles vêm para mim
em uma onda violenta, uma contracorrente, uma ressaca.
Estou tremendo, estremecendo, gritando em palavras
distorcidas que não fazem nenhum sentido, e meus olhos
focam nele, e então no céu, e então é como se eu pudesse ver
o universo também.

Anders grunhe, traz suas mãos grandes, quentes e


calejadas até meus quadris, me segurando no lugar enquanto
ele continua me fodendo como um homem desesperado, como
se ele fosse morrer se não o fizesse, como um animal à solta.
Não demora muito para que suas costas estejam arqueando, a
cabeça jogada para trás e ele goze com um gemido longo e
indefeso voltado para o céu.
Eu ainda estou gozando, ainda cavalgando, mas não
estou perdendo esse show. Eu o vejo gozar, o vejo desmoronar,
pedaço por pedaço, amando como isso fica nele.

— Jesus, — ele geme, ofegante. — Puta que pariu.

Eu sorrio, saciada, preguiçosa, observando enquanto o


orgasmo continua a rolar por seu corpo, assim como rolou pelo
meu. Anders está completamente desfeito, seu torso tenso
escorregadio com o suor de seu próprio esforço, seu cabelo
bagunçado, a barba molhada de nossos beijos bagunçados,
seu peito arfando enquanto ele respira.

Então, o mundo parece voltar ao foco para nós dois.

Com uma respiração longa e lenta, estremecendo, ele olha


para mim, e em seus olhos eu vejo paz. Vejo alívio. Vejo o
passado e o presente e apenas uma dica de um futuro.

Eu sei que ele vê o mesmo no meu.


Pela primeira vez em muito tempo, quando acordo antes
do amanhecer, não estou sozinho na minha cama. Sinto Shay
ao meu lado, a pele macia de seu quadril contra mim, o som
fácil de sua respiração. Lá fora, a luz do leste está brilhando,
mas a luz dentro da minha alma já está brilhante.

Ela está aqui.

Na minha cama.

Nua e adormecida e tão malditamente linda que me faz


doer todo.

A observo por um momento, vejo como suas feições se


tornam mais nítidas na sala, o olhar de paz e inocência em seu
rosto, embora eu saiba que ela é tudo menos inocente.
Especialmente depois da noite passada.

Meus pensamentos retrocedem.

Para ela, de costas, o brilho da noite em seu rosto.

O olhar quando ela gozou.


A sensação dela em volta do meu pau, macia, apertada e
escorregadia, me segurando como se fôssemos ímãs finalmente
se unindo depois de termos sido reprimidos por tanto tempo.

Porra, estou duro de novo.

E eu sei que não tenho muito tempo antes de ter que me


levantar e começar as tarefas do dia. Me abaixo, envolvendo
meus dedos em volta do meu pau, apertando com força até
ficar sem fôlego. E lentamente deslizo meu punho para cima e
para baixo no comprimento duro, sentindo que não deveria
estar fazendo isso ao lado dela, mas fazendo de qualquer
maneira.

Então ela se mexe, se ajusta no travesseiro e seus olhos


delicadamente se abrem. Tão grandes, marrons e quentes
enquanto ela me olha.

Ela é mágica pra caralho.

Ela é toda a poesia do mundo.

Eu continuo, dando a ela um sorriso preguiçoso. — Bom


dia.

Um sorriso se espalha em seu rosto. É como ver o sol


nascer. — Bom dia — ela diz com uma voz rouca e meio
adormecida que me deixa inexplicavelmente mais duro. Então
seu sorriso se torna malicioso e é como se eu fosse explodir.

Inclino-me e a beijo, lábios tão suaves que sinto que posso


afundar nela para sempre. Ela responde com calor, envolvendo
os braços em volta de mim, às mãos no meu cabelo, os dedos
deslizando sobre meu couro cabeludo.

Um gemido escapa dos meus lábios e me movo sobre ela,


querendo mais.

Mas enquanto seria tão fácil apenas deslizar meu pau


entre suas pernas, eu quero algo que ela nunca me deu antes.
Quando estávamos juntos antes, ela nunca me deixou cair em
cima dela. O máximo que eu podia fazer era foder com meus
dedos e, embora ela sempre tenha gostado disso, eu queria
prová-la, senti-la gozar em meus lábios.

Dou a ela um sorriso malicioso e começo a me mover para


baixo sobre seu corpo, minhas palmas ásperas deslizando
sobre a suavidade de sua pele cor de mel.

Suas sobrancelhas levantam. — O que você está fazendo?

— Com o que se parece? — Eu pergunto a ela, minha voz


caindo quando agarro suas coxas, espalhando-as. — Melhor
ainda, qual é a sensação?

Antes que ela possa me responder, mergulho minha


cabeça entre suas pernas, parando por um momento antes de
devorá-la.

Ela solta um suspiro alto e sem fôlego enquanto eu corro


minha língua ao longo dela e até seu clitóris, girando até que
ela está pressionando suas coxas contra minha cabeça. Eu
sorrio contra ela, deleitando-me com cada sensação, de seu
sabor doce-salgado, de seus gemidos ansiosos, a forma como
seu corpo começa a se mover debaixo de mim, tão quente, tão
disposto.

Ela tem gosto de rendição, se soltando.

Me deixando entrar, de uma forma que ela nunca fez


antes.

Eu não vou tomar isso como garantido.

Eu sou estimulado, minha boca mais rápida agora,


minha língua mergulhando profundamente dentro dela até que
ela está me apertando, agarrando os lençóis, suas costas
arqueando, seios perfeitos apontados para o teto.

Eu poderia comê-la o dia todo, porra.

Mas não demorou muito para que sua respiração ficasse


mais curta, até que suas mãos encontrassem meu cabelo e
fechassem o punho, puxando com força. Ela entra na minha
boca, seu corpo se sacudindo para fora da cama, seus gritos
enchendo o ar antes que ela tenha a mente de colocar o
travesseiro sobre o rosto, abafando-se no caso de Per ouvir.

Me afasto, limpando minha boca com as costas da minha


mão, em seguida, caminho de volta por seu corpo, puxando o
travesseiro de seu rosto. Seu cabelo escuro se espalha ao seu
redor e ela está respirando com dificuldade, sorrindo, os olhos
piscando para mim, brilhando. — Uau — ela diz.

— Eu esperava que você dissesse isso — digo a ela,


sorrindo como um idiota.
Ela solta uma pequena risada, olhando para mim. —
Estou triste por ter perdido isso todos aqueles anos atrás.

— Não fique triste. Eu teria sido um lixo naquela época


— eu admito.

Ela inclina a cabeça e me estuda. — Não sei. Você


provavelmente teria obtido pontos extras pelo esforço.

— Isso eu teria.

Ela lambe os lábios e passa as mãos pelas minhas costas,


cravando as unhas na minha bunda e puxando minha ereção
contra ela. — Não posso deixar isso ir para o lixo.

— Nunca, — digo a ela, colocando-a entre meus cotovelos.


— Mas eu sei que o alarme vai tocar a qualquer minuto.

— Não acho que isso seja um problema — diz ela, com


outro olhar tímido.

Porra.

Ela está certa.

Me empurro dentro dela, tão quente, escorregadia,


apertada, e então leva apenas algumas estocadas fortes antes
de saber que estou perto de gozar. Mas não perco nenhuma
oportunidade. Eu me abaixo e esfrego círculos rápidos ao longo
de seu clitóris até ela gozar novamente.

— Shay — eu grito, meu orgasmo se esgueirando sobre


mim e o mundo desmorona, meus pulmões sem fôlego, meu
corpo estremecendo com a liberação. Eu juro baixinho em
norueguês, me abaixando contra ela, tentando recuperar o
fôlego, assim que meu alarme toca.

Eu rio, descansando minha testa contra a de Shay por


um momento, olhando alegremente em seus olhos antes de
estender a mão e aperta a soneca.

— É hora de levantar — ela me diz, estendendo a mão e


passando o dedo pela ponta do meu nariz.

Eu finjo de brincadeira mordê-lo e ela ri, tirando a mão.


Deus, eu poderia simplesmente passar o resto dos meus dias
na cama com ela, agarrado a momentos como este, onde tudo
desaparece em segundo plano e somos apenas nós, juntos de
novo, mas melhor desta vez.

— Eu não quero que você se atrase — diz ela, olhando


para mim com olhos de adoração, um olhar que acelera meu
coração.

— Eu? Você não quer dizer nós? — Eu a provoco. — Ou


você fingiu ser uma camponesa como estratagema para entrar
na minha calça?

Seus olhos giram por um segundo antes que ela comece


a rir. Para sempre o som mais doce.

— Oh, isso é ótimo, Anders — ela gargalha.

— Ei, eu não culparia você — digo, sabendo que ela pode


ver o brilho em meus olhos. — Eu tenho a mercadoria.
— O que você tem são vacas que precisam ser
ordenhadas. E, por favor, não transforme o que eu disse em
algo sexual.

Agora estou rindo. — Você é quem gosta de tornar as


coisas estranhas. — Então eu sinto uma estranha pulsação de
medo percorrer meu corpo, a ideia de me colocar na linha.
Limpo minha garganta e ela franze a testa, notando a
expressão séria no meu rosto. — Escute, Shay... sobre o que
conversamos outro dia. Sobre eu te mostrar o país... eu ainda
gostaria de fazer isso.

Ela me estuda, as sobrancelhas se juntando. — Tipo...


viajar comigo? Mas a fazenda...

— Não se preocupe. Kolbjorn assumirá. Vou falar com ele


e com o Per hoje, vai ficar tudo bem. Podemos tirar uma
semana de folga.

— E a pesca?

— Ainda tenho tempo antes de sair para o mar.

— Uma semana será o suficiente?

Dou um sorriso melancólico, tirando a franja do rosto. —


Não. Não será o suficiente. Eu quero todo o tempo possível com
você. Eu quero me envolver em cada segundo de você.

Ela engole, pressionando os lábios por um momento


enquanto meus dedos roçam sua pele macia. — O que
acontece quando você for para o mar? Você vai ficar fora por
quanto tempo?

Balanço minha cabeça. — Depende. Mas não espero que


você espere por aí. E não acho que precisamos conversar sobre
isso também. Vamos apenas... levar cada dia à medida que
chega. Começando hoje. Vou ajudar Per esta manhã, chamar
Kolbjorn, ele virá ajudar. Não será um problema.

Ela me observa por um momento, mordendo o lábio entre


os dentes, e estou prendendo a respiração, rezando para que
ela diga sim. Eu preciso afastá-la dela mesma, para dar a nós
dois espaço para ficarmos juntos, sermos nós mesmos. Sei que
sou diferente quando não estou na fazenda e quero dar a ela
toda a minha atenção. Além disso, quero que ela se apaixone
ainda mais pelo país, na esperança de que nunca mais queira
ir embora.

— Ok, — diz ela, sorrindo. — Vamos fazer isso. Vamos


fazer uma viagem.

Sorrio para ela e beijo sua testa, a ponta de seu nariz,


seus lábios, assim que meu alarme toca novamente.

Eu gemo e me afasto, sabendo que preciso ir. Sento-me


na beira da cama e agarro a mão dela, dando um aperto. —
Você dorme. Tome um banho. Então prepare-se e faça as
malas. Iremos antes do meio-dia.

Ela me encara. — Tão cedo?


— Eu não estou perdendo um único segundo com você,
meu pardal, — digo a ela, levantando sua mão e beijando seus
nós dos dedos. — Você é minha até voar para longe.

Eu sei que estou sendo ousado, mas não me importo.

E, felizmente, ela não parece se importar. Ela apenas me


dá um sorriso tímido, o tipo de felicidade suave que vai deixar
uma marca em meu cérebro durante toda a manhã.

Rapidamente me preparo, seus olhos cansados me


observando da cama, e então estou saindo para o amanhecer,
vendo aquele sorriso na minha cabeça, surgindo com o sol.

— Estacione.

Eu olho para Shay, franzindo a testa. — Você vai ficar


doente?

Ela me lança um olhar seco e bate no meu braço. — Não,


embora eu esteja começando a pensar que você foi um piloto
de rali em sua vida passada. Eu quero tirar uma foto.

— Oh, uma foto, — digo a ela. — Este é um novo hobby


seu?
Ela mostra a língua para mim quando eu encontro a
próxima retirada ao longo do fiorde, esperando um carro
passar antes de atravessar e estacionar.

Tecnicamente, saímos de Todalen há cerca de dez


minutos e Shay já conseguiu tirar um milhão de fotos. Acho
que a viagem é extremamente cênica, com as montanhas
caindo direto no fiorde, mas já dirigi tantas vezes que não me
parece muito. Ela é boa nisso, porém, entre um milhão de
outras coisas. Me ajudando a ver as coisas bem na minha
frente.

Shay sai do Datsun e traz a Pentax. Paramos na loja da


esquina, que por acaso tinha um rolo de filme (algo a ser dito
sobre uma cidade que se apega ao passado), e ela está
alternando entre o telefone e a câmera de filme.

Eu a observo enquanto ela tira suas fotos, a brisa tirando


seu cabelo de seus ombros. Tenho vontade de me beliscar por
ter tido essa sorte, por ter essa chance de estar com ela assim.

Foi mais fácil do que pensei também. Per quase pareceu


aliviado quando eu disse que sairia com Shay por uma
semana. Acho que ele também pode se cansar de mim às vezes,
e não tenho certeza do quanto ele ouviu de Shay esta manhã,
mas deve ser estranho ter nós dois em casa. E se ainda não for
estranho, certamente será, porque não consigo manter minhas
malditas mãos longe desta mulher.
De qualquer forma, Kolbjorn concordou, sem problemas,
e agora eu só tenho que desacelerar e me agarrar a cada
momento que posso, como este.

Finalmente, Shay se vira, abaixa a câmera e sorri para


mim.

Automaticamente sorrio para ela de volta, sentindo tanta


escuridão subir dentro de mim. Enquanto eu não pensar no
futuro, enquanto eu pensar apenas no aqui e agora, aquela
escuridão não pode me tocar. Não como costuma acontecer.

Ela volta para o carro. — Ok, eu prometo não fazer isso


de novo. Eu sei que estamos com pressa para pegar a balsa.

— Na verdade, a balsa sai com bastante regularidade, —


digo a ela. — É só que quanto mais rápido formos, mais rápido
te levo para o hotel e consigo te foder até que você não consiga
respirar.

Seus olhos ficam grandes, sua boca caindo ligeiramente.


Ela sorri, balançando as sobrancelhas. — Oh. Oh meu.

Esse é um olhar do qual não vou me cansar.

Mas enquanto acabamos pegando a pequena balsa que


atravessa o fiorde e dirigimos ao longo da estrada sinuosa, com
o Datsun impressionando Shay em cada esquina, sei que
deveríamos fazer uma breve parada em Kristiansund antes de
irmos para nosso remoto hotel passar a noite. É o último lugar
com civilização.
— Kristiansund — diz Shay lendo uma placa enquanto
entramos na cidade. Na verdade, é mais uma cidade grande,
com cerca de 24 mil pessoas espalhadas ao longo da costa
rochosa e enseadas. — Vamos ver o seu barco?

Eu nem pensei nisso. Recuso-me a pensar nessa parte da


minha vida agora. — Na verdade, pensei que íamos almoçar
tarde em algum lugar. Você deve estar morrendo de fome. Você
costumava ficar com tanta fome, era assustador.

— Ainda fico, — diz ela. Ela se vira na cadeira para olhar


para mim. — Mas insisto que você me leve ao seu barco. Qual
é o nome mesmo?

— Midnight Sun, — digo a ela. — É apenas um velho


barco de pesca, Shay. Não há nada para escrever em suas
cartas.

— Talvez para você, — ela diz, sua expressão ficando


séria. — Mas pertenceu ao seu pai e é uma grande parte da
sua vida. Eu quero vê-lo. Eu quero ver essa parte de você. Sua
senhora do mar.

Solto um bufo cáustico. — Essa é nova. Tudo bem, — digo


a ela com um suspiro, descendo a estrada em direção à
marina. — Mas você não ficará impressionada.

— Não estou tentando ficar impressionada. Estou


tentando te conhecer.

O canto da minha boca levanta. Não posso dizer que isso


não seja bom, que ela quer me conhecer, mais do que antes. É
um pouco assustador ao mesmo tempo, porque conheço todas
as partes obscuras que tenho e mantenho escondidas. Ela viu
minha poesia, mas isso apenas arranha a superfície de quem
eu realmente sou. Essa é a minha alma feia reorganizada em
palavras bonitas.

Chegamos à marina, estacionamos e saímos do carro.


Hoje está muito movimentado, muitos barcos saindo. Pego a
mão de Shay e caminhamos até o cais, indo em direção ao
barco no final dele.

Para minha surpresa, Epsen está a bordo, um balde e


uma escova de esfregar nas mãos. Eu sei que ele limpa entre
as viagens, só não pensei que ele estaria aqui hoje.

— Anders, — diz ele, igualmente surpreso em me ver.


Então ele olha para Shay e suas sobrancelhas ficam ainda
mais altas. — E olá.

É claro que ele está dizendo tudo isso em norueguês, mas


Shay já entendeu um pouco.

— Olá, — ela diz em norueguês, seu sotaque


ridiculamente fofo. — Eu sou Shay.... amiga de Anders.

Espen ri, batendo palmas. — Amiga, hein? — Ele me dá


uma piscadela lasciva e depois muda para o inglês. — Eu sou
Espen. Sou o primeiro imediato de Anders e às vezes amigo. Só
não dessa forma.

— Primeiro imediato? — ela diz. — Ele fala muito bem de


você.
Juro que Espen está ficando rosado sob a barba. — Isso
não pode estar certo. Tudo o que Anders faz é insultar minha
mãe.

— Ei, — eu digo. — Sua mãe merece — acrescento como


uma piada.

Ele me lança um olhar irônico antes de voltar sua atenção


para Shay. — Bem, você vai subir a bordo? — Espen pergunta.
— Eu gostaria de dizer que sabia que você viria e só estava
limpando para você.

Shay me olha em dúvida e eu aceno. — Continue.

Ela caminha até a escada e então Epsen estende a mão,


pegando suas mãos e puxando-a para o convés. Eu sigo, bem
atrás dela.

— Uau — diz Shay, passando as mãos ao longo da cabana


e olhando para dentro.

Eu rio. — Você não tem que dizer uau, a menos que esteja
falando sobre o monte de lixo que ela é.

— Não, é sério, — ela me diz, parecendo séria. — Ela tem


muito caráter, como se fosse sentimental ou algo assim.

— Eu acredito, — diz Espen. — Uma velha mula teimosa


é o que ela é. Sempre tentando nos afogar.

Então ele fica quieto, lembrando-se do que aconteceu com


meu pai.
Limpo minha garganta, tentando disfarçar. — Muitos
barcos estão saindo — eu digo, acenando com a cabeça para o
porto.

— Sim, — ele diz, obviamente grato pela mudança de


assunto. — A pesca agora é maluca, uma área fora da margem
superior.

Parte do meu intestino revira. O que eu realmente deveria


fazer não é levar Shay para uma viagem pela Noruega, mas
voltar para o mar para aproveitar a recompensa. Os estoques
de bacalhau foram esgotados ao longo dos anos graças à pesca
excessiva, então é raro ter um bom lote. O banco de que Epsen
está falando fica em uma seção de água realmente acidentada,
mais longe no mar do que gostaríamos de ir, mas é viável para
o nosso barco.

— Foda-se — eu digo baixinho.

— O que? — Shay pergunta, e eu sei que se contar a ela,


ela vai aproveitar a primeira oportunidade para insistir que
encurtemos nossa viagem. Por mais próximos que estejamos
agora, ainda sinto que ela está com um pé fora da porta.

— Nada — digo a ela.

— Ei, você sabe que Dag está aqui nas docas, — diz
Espen. — Ele diz que está saindo, mas está com problemas no
motor.

— Quem é Dag? — Shay pergunta.


— Ele costumava ser o primeiro companheiro do meu pai,
— digo a ela. — Ele me ensinou tudo o que eu sei.

Espen pigarreia e me dá um sorriso de expectativa.

— Sim, Espen, e você me ensinou o resto, — prossigo. —


Lembre-me novamente de quem está no comando aqui?

— Só porque é o seu navio. — Ele pisca para Shay. — Ele


não estaria em lugar nenhum sem mim.

— Bem, por que você e Dag não pegam o barco? — Eu


digo a ele. — Hoje.

— Sem você? — Espen pergunta. Isso certamente nunca


aconteceu antes. Mas eu confio em ambos, e por que eles
deveriam perder esta oportunidade? Eu sei que não vou de
qualquer maneira.

— Sim, sem mim. Vou para a próxima rodada.

Espen tem aquele brilho nos olhos, do tipo que ele


consegue quando pensa em dinheiro. — Vou ter que perguntar
a Dag.

— Me perguntar o quê? — Dag diz atrás de mim, seu


sotaque forte. — E por que estamos todos falando inglês?

— Dag, — eu digo a ele. — Venha abordo. Eu tenho uma


proposta para você.

Dag dá uma tragada no cigarro por um momento, depois


sobe a bordo com facilidade. Ele tem cerca de setenta anos,
mas você não saberia pela maneira como ele se move e, embora
fume como uma chaminé, parece estar em melhor saúde do
que a maioria das pessoas. Para aumentar seu tabagismo
constante, ele usa um elegante boné de pescador grego,
camisas listradas e tem a pele escura bronzeada, mesmo no
meio do inverno. Ele é o que você imagina quando pensa sobre
o estereótipo do pescador rude, embora Dag seja muito mais
inteligente do que parece. Acho que ele tem vários diplomas e
pode até ter sido advogado em uma vida passada.

— E quem é essa? — Dag diz a Shay enquanto olha para


ela com apreço. Ela está parada na porta da cabana, dando a
ele um sorriso tímido.

— Shay, — diz ela, estendendo a mão. — Sou amiga de


Anders.

Dag passa a palma da mão na calça manchada de graxa


antes de apertar a mão dela. — Dag. Desculpe. Eu estava
mexendo no motor.

Shay apenas balança a cabeça e quando ele solta a mão


dela, ela sutilmente a limpa em seu jeans.

Eu olho para Dag. — Espen me disse que você está com


problemas no motor.

Ele suspira, soprando a fumaça para longe de nós. —


Parece que sim. Estava quase saindo, mas acho que preciso de
um novo alternador. Odeio perder esta oportunidade. — Ele
olha para Shay. — O bacalhau não é o que costumava ser.
Quando você encontra um bom lugar, você tem que sair. Você
nunca sabe se será o último.

— Anders acabou de nos dizer para sairmos de barco —


Espen diz a ele.

— Sério? — Dag diz, levantando uma sobrancelha para


mim. — E a garota está vindo?

Balanço minha cabeça com firmeza. — Não. Shay vai ficar


aqui. Em terra. Comigo. Só acho que, já que não vou sair, vocês
dois deveriam aceitar. Vá buscar o peixe.

Dag franze a testa. — Tem certeza?

— Eu sei que você é bom para isso, — digo a ele,


estendendo a mão para dar um tapa nas suas costas. — Basta
trazê-la de volta inteira. Oh, e me dar dez por cento de seus
contracheques.

— Eu sabia que havia um problema — Dag murmura


baixinho, mas parece satisfeito mesmo assim.

Com Dag e Epsen se preparando para partir, tiro Shay do


barco. Eles precisam encontrar uma equipe, mas isso não deve
ser um problema em um dia como hoje.

Nos despedimos e levo Shay de volta para o carro,


querendo ficar sozinho com ela. O hotel ainda está um pouco
distante.

— Você está bem com eles pegando o barco? — ela


pergunta enquanto caminhamos em direção ao Datsun,
ocasionalmente olhando por cima do ombro para o barco onde
Dag e Epsen lutam para deixar as coisas prontas.

— Eles são os melhores que você pode ter, — digo a ela.


— Melhor que eu. Eles ficarão bem. É assim que funciona aqui.
Se não nos ajudarmos, a comunidade sofre como um todo.

— Tem certeza de que não quer ir com eles?

Eu sabia que ela diria isso.

Eu paro e pego suas mãos nas minhas, segurando firme.


E olho para ela.

— Ninguém poderia me pagar para ir lá agora. Você é a


única coisa importante para mim agora, Shay. É você. Só você.

Ela desvia os olhos, suas bochechas ficando vermelhas.


Eu adoro quando a faço corar.

— Venha, vamos — digo a ela, beijando-a suavemente


antes de levá-la em direção ao carro.

Eu preciso fazê-la corar mais um pouco.


Feliz.

Essa é a sensação que me inunda enquanto o ar fresco


do oceano entra pela janela aberta, puxando meu cabelo para
trás, fazendo-me sentir revigorada da cabeça aos pés.

Eu estou feliz.

Bem aqui, agora, neste momento.

Sentada no banco do passageiro ao lado de Anders em


seu carro vintage sexy, navegando pela costa norueguesa, um
lugar que eu estava morrendo de vontade de ver. O sol está
aparecendo por entre as nuvens, iluminando meu rosto. De vez
em quando, Anders estende a mão e segura a minha e paro de
tentar lutar contra as memórias que isso traz – nós dois juntos
no carro de seu padrasto, viajando para o Lago Echo, sem
preocupações no mundo. Em vez disso, dou as boas-vindas a
essa memória e depois me concentro em fazer uma nova.

Afinal, este é um novo nós.


Mordo meu lábio com o pensamento. Com a palavra. Nós.
Parece muito, mas não o suficiente. Somos essa entidade
indefinível, talvez estivéssemos desde o início, e não tenho ideia
de para onde isso vai ou o que vai acontecer a seguir. Eu sei
que nenhum de nós quer falar sobre o futuro, sobre o depois.
O que acontece depois dessa viagem? O que acontece conosco
então? Haverá um nós da maneira que existe agora?

É uma lição para permanecer no momento. Ao apreciar


isso pelo que é. Duas pessoas se juntando para uma segunda
chance. Isso não significa que teremos outra chance em nosso
relacionamento. Nós dois mudamos muito para que isso
continue, para que possamos continuar de onde paramos.
Também não significa que isso vai para algum lugar
novamente.

É só por enquanto.

Como disse Anders, estamos vivendo um dia de cada vez.

É uma pena que não posso reprimir esse sentimento, no


entanto. De me sentir livre como um pássaro, como um pardal
e amarrada ao mesmo tempo. Amarrada a ele, querendo voar,
mas sempre voltando, porque eu quero. Porque sua atração é
muito forte, muito magnética para resistir.

Almoçamos tarde logo depois de deixar Kristiansund, em


um pequeno restaurante com vista para o mar bravio. Eu tive
klipfisk sopa, que é o bacalhau salgado seco que são famosos
por aqui (na verdade muito similar ao Bacalhau que tive em
Portugal) e uma cerveja, e nós apenas sentamos ao lado do
outro e observamos as ondas. Anders ficou principalmente em
silêncio, mas contente, segurando minha mão o tempo todo
enquanto eu fazia perguntas e mais perguntas sobre seu barco
e a pesca.

Isso era algo que eu não esperava. Não apenas para ver o
barco infame que o rouba de sua vida na fazenda por tantas
semanas seguidas, mas para encontrar seu primeiro imediato
e amigo de seu pai. Eu realmente senti que estava vendo um
lado de Anders que eu apenas espiava algumas vezes. De volta
à fazenda, embora pareça que Per e Anders comandem as
coisas em equipe, Per assume a liderança. Ele é tio e mais velho
e já administrava o lugar antes mesmo de Anders ter idade
suficiente para ajudar.

Mas no barco? Mesmo nos breves momentos que vi, não


havia dúvida de que Anders estava no comando, e havia algo
inegavelmente sexy nisso. Oh capitão, meu capitão.

— Você acha que vai fazer isso para sempre? — Eu


pergunto a Anders. Ficamos em silêncio durante a maior parte
da viagem, então ele leva um momento para sair de sua cabeça.

— Fazer o que? — Ele pergunta, mãos grandes


espalmadas sobre o volante, as tatuagens em seus dedos se
movendo. O pardal parece estar levantando voo.

— Operar o barco de pesca, — digo a ele. — Ser o capitão.

Suas sobrancelhas escuras franzem e ele morde o lábio


por um momento. — Farei o que for preciso.
— Isso não parece muito promissor.

Ele suspira. — Eu sei. Eu sei que não. Mas não tenho


escolha. Você sabe que a fazenda mal consegue atrair o
suficiente. Não há outra maneira de complementar nossa
renda. Quer dizer, olhe pra mim.

Eu olho para ele. Para sua camisa Henley azul-


tempestade que mostra cada centímetro de seus músculos
rígidos e realça seus olhos azul-acinzentados, para sua barba
espessa, sua testa taciturna, para cada centímetro de homem
que ele é. — Estou procurando — eu digo baixinho.

Ele balança a cabeça. — Não fui feito para mais nada,


Shay. É o que estou aqui para fazer, assim como meu pai antes
de mim. Eu nem me formei no ensino médio, não oficialmente.
Fui expulso antes que isso pudesse acontecer. Não havia
faculdade para mim. Simplesmente... nada. Estava tão
perdido. Tão fodidamente perdido. E o barco, o barco foi a
única coisa que me deu algo para ficar em pé.

— E ainda faz o mesmo?

— Sim, — ele diz, uma inclinação determinada em sua


boca. — Isso me dá...

— Objetivo?

— Não. Sem propósito. Apenas... um meio para um fim,


eu acho.

— Mas você não ama isso...


Ele me dá um sorriso rápido e resignado. — Você não
deveria amar seu trabalho, Shay. É apenas um bônus se você
fizer isso. É um trabalho árduo, mas traz dinheiro. É algo que
posso fazer, e só isso já é uma sensação boa.

— Mas você não sente que está tendo que assumir o


legado de seu pai?

Ele começa a massagear o volante, balançando a cabeça


lentamente enquanto traz os olhos de volta para a estrada,
uma dureza neles. — Sim. Eu sinto. Mais ainda porque ele
morreu no mar. Às vezes... me pergunto como minha vida teria
sido se ele ainda estivesse vivo. Não apenas porque eu não teria
tanta culpa e raiva sobre como nosso relacionamento era
quando ele... quando o perdi. Mas me pergunto sobre minha
própria vida. O que eu teria feito. Eu assumi a vida do meu
pai, nunca tive muita chance de fazer a minha própria.

Nós dois ficamos em silêncio depois disso, e volto minha


atenção para o oceano cinza de aço, a forma como o sol brilha
nele como a luz de uma lâmina. Isso me lembra de seus olhos.

— Sabe, nossas vidas podem ser diferentes, — digo a ele


depois de um momento. — Mas eu sei exatamente como você
se sente. Mas, em vez de ter sapatos para preencher, não tenho
absolutamente nada. Nenhum propósito. Estou apenas sem
rumo. Nunca tive ninguém na minha família para me guiar em
direção a nada, mesmas perspectivas de merda. A empresa de
tecnologia do meu pai em Mumbai está crescendo, mas ele
nunca se interessou por mim, nunca se importou em tentar
passar a tocha em meu caminho. Você pensaria que ele veria
Hannah e eu como futuras protegidas, mas não prestou
atenção em nós. Minha mãe disse que era porque ele sempre
quis meninos, e não tenho dúvidas de que isso é verdade, e
isso definitivamente fez Hannah se esforçar e trabalhar mais.
Eu sabia que ela estava trabalhando para obter sua aprovação.
Só não sei se ela já entendeu.

Respiro fundo, os sentimentos são densos como lama,


mas é libertador ao mesmo tempo falar sobre isso, como se
estivesse limpando as teias de aranha da minha alma. — E
obviamente ele não ligou, porque ele nos deixou para trabalhar
lá? Por que ele não levou todos nós? Nós teríamos ido.
Poderíamos ter sido criadas na Índia em vez de nos Estados
Unidos. Pelo menos teríamos sido criadas. Mas em vez disso,
ele nos deixou e minha mãe ainda o seguiu. Ela nos
abandonou e nos deixou para cuidar de nós mesmas. Ela o
escolheu sobre nós. Ele a traiu, você sabe. — Eu olho para
Anders e vejo a vergonha em seu rosto. — Ele teve um caso.
Uma amante. Então eles se divorciaram, mas mesmo assim
minha mãe ainda voltou para ele. Depois de tudo o que ele fez,
ela ainda voltou para ele e eu não acho que vou entender o
porquê.

As palavras caem ao nosso redor como flocos de neve.


Anders fica tenso. Porque é isso que está acontecendo agora,
não é? Sei que não é a mesma coisa, nem é particularmente
justo, comparar o casamento de meus pais com o que Anders
e eu tínhamos e o que meio que temos de novo, mas eu
entendo. Minha mãe perseguiu meu pai porque algo em sua
alma parecia puxado para a dele, não importa o que ele fizesse
com ela. Não era certo, não significava que era inteligente, mas
era algo contra o qual ela era impotente.

E agora, depois de tudo o que Anders fez comigo, estou


dormindo com ele novamente. Estou com ele de uma maneira
que nunca imaginei que estaria. Isso me faz igual a minha
mãe?

Eu limpo minha garganta, na esperança de limpar aquela


sensação carregada. — De qualquer forma, estou tagarelando.
Só estou tentando dizer que entendo. Eu te entendo. Mesmo
que as coisas não pudessem ser mais diferentes. Mesmo que
você tenha um caminho bem definido e eu tenha apenas uma
trilha de ervas daninhas crescidas demais. Eu nunca tive meu
pai ou minha mãe se interessando muito por mim, pelo que eu
faço, então estou tentando me encontrar e é como cada vez que
olho em uma esquina, esperando me ver, me encontrar,
terminar a jornada, há apenas outro canto. É como se... eu
estivesse constantemente fora de alcance, quanto mais tempo
eu durmo, quanto mais duramente pareço, mais esquiva me
torno.

— Talvez você esteja procurando muito, — diz Anders. —


Talvez o que você está procurando esteja bem na sua frente.
Talvez não esteja procurando algo, mas fugindo de algo.

Droga. Essa foi uma bomba de verdade. Que parece


denotar no carro.
— E do que estou fugindo? — Eu pergunto suavemente.

Ele me dá um sorriso gentil. — Do que todos nós estamos


fugindo. Nós mesmos.

Nós dois pensamos nisso enquanto ele tira o Datsun da


rodovia e começamos por uma estrada estreita, o cenário
chamando minha atenção. Aqui, não há muitas árvores,
apenas um monte de pedras e plantas e arbustos semelhantes
à tundra, mas eles fornecem um contraste impressionante
contra as fileiras de pequenas casas vermelhas, brancas e
douradas alinhadas na beira da água.

— Onde estamos? — Eu pergunto, pegando meu iPhone


e tirando fotos pela janela aberta.

— Não sei o nome desse assentamento, — diz ele. — Mas


a casa de hóspedes se chama Svegvikka.

Continuamos ao longo da estrada estreita, passando


pelas casas, contornando o Atlântico, até chegarmos a um
grande edifício branco que parece construído diretamente para
o mar.

— Isso costumava ser uma fábrica de bacalhau, — ele me


diz enquanto estaciona o carro. — Um armazém para klipfisk.
Teve boas classificações online, então espero que seja do seu
agrado.

Eu rio. — Ao meu agrado? Anders, estou vivendo com


uma mochila desde sempre. Estou acostumada a dividir
dormitórios com garotos estrangeiros fedorentos que roncam.
Agora estou com você. Eu não poderia me importar menos
onde ficamos ou vamos. — Eu olho para o edifício pitoresco. —
Parece perfeito.

E é perfeito. A equipe é jovem e amigável e nos dá uma


chave com o que parece ser uma pequena âncora pendurada
nela. Eles nos dizem que podemos comer na sala de jantar
comum em algumas horas e que eles têm um menu fixo (acho
que o bacalhau salgado está no menu), então nos avisam que
se quisermos participar do mergulho de amanhã de manhã,
seremos mais que bem-vindos.

— Mergulho? — Eu pergunto a Anders enquanto subimos


para o nosso quarto. — As pessoas vão mergulhar? Aqui? —
Eu tremo com o pensamento, a água parece tão escura,
profunda e fria.

— Você ficaria surpresa com o quanto um traje de


mergulho pode fazer, — ele me diz quando paramos do lado de
fora da porta e insere a chave. — E as águas aqui são
surpreendentemente claras. É lindo. Nunca fiz isso, é claro,
mas gostaria de receber meu certificado um dia.

Quero perguntar a ele quais são seus outros sonhos e


objetivos que tem para si mesmo, as coisas que deseja fazer
um dia, mesmo que acredite que esse dia nunca chegará. Mas
no momento em que ele abre a porta, esqueço isso.

O quarto é grande e simples, todo branco das paredes de


tábuas de madeira até o chão e a cama. Mas é a vista que me
deixa sem fôlego. Eu largo minha bolsa na cama e vou direto
para a grande janela do chão ao teto com vista para a água.
Você poderia literalmente ir pescar pela janela.

— Uau, — eu digo. — Que vista.

— Eu concordo — diz Anders, e sua voz tira essa


qualidade áspera e rouca que instantaneamente me faz
estremecer.

Viro-me para vê-lo me olhando com um olhar acalorado


que beira o desespero.

Meu corpo imediatamente começa a funcionar em alta


velocidade.

Nós atacamos um ao outro, beijando um ao outro com


força, as mãos se agarrando em desespero, meus punhos em
sua jaqueta tentando puxá-la, as dele nas minhas calças,
tentando abrir o zíper do meu jeans. Parece que não
conseguimos trabalhar rápido o suficiente e estamos quase
caindo, tentando chegar um ao outro, tentando consumir.

Anders me empurra contra a parede e coloca beijos


quentes e febris no meu pescoço enquanto tira o cabelo do meu
ombro, em seguida, sua cabeça mergulha nos meus seios,
onde os segura suavemente, antes de seus dedos se curvarem
ao longo do decote da minha camisa, puxando para baixo até
que meu seio saia do sutiã. Sua língua gira em torno do meu
mamilo, sugando-o em sua boca, tornando-o duro como pedra,
meus nervos elétricos.
Eu gemo alto, meus olhos fechados, cabeça para trás
contra a parede enquanto suas palmas das mãos percorrem
meus seios, abaixo da minha cintura, entre as minhas pernas.
Eu dou um passo para trás, tentando ajudá-lo a tirar minha
calça jeans e calcinha, e só tenho uma perna livre antes que
ele me empurre de volta, mais áspero desta vez, grunhindo no
meu ouvido.

Meu Deus, ele é intenso.

Especialmente quando avisto seus olhos, a maneira como


queimam em mim, deixando-me saber exatamente o quanto
ele me quer, me deseja, precisa de mim.

Ele se abaixa entre minhas pernas e imediatamente o


deixo entrar, a lenta provocação e empurrão de seus dedos
onde já estou molhada e esperando impacientemente por ele,
enquanto ele puxa meu mamilo em sua boca quente,
beliscando a ponta endurecida entre seus dentes.

Outro ruído ganancioso escapa da minha boca enquanto


envia ondas de choque pela minha espinha, fazendo-me sentir
como se estivesse com um calor fundido, meu corpo correndo
selvagemente agora com desejo crescente.

— Eu estive sonhando com isso o dia todo — diz ele com


voz rouca, a luxúria gotejando em sua voz enquanto ele beija
minha boca.

— É mesmo? — Eu consigo dizer contra seus lábios. —


Lembro-me de algo semelhante esta manhã.
— Não foi o suficiente para mim — ele grunhe.

— Bom, — eu digo a ele flertando, colocando minha mão


em seu peito. — Então você não se importará se eu retribuir o
favor.

Abaixo-me e coloco minha palma contra a virilha de sua


calça jeans, sentindo a massa dura de sua ereção antes de
abrir o zíper. Alcanço e agarro seu pau, fechando o punho, e o
beijo loucamente enquanto o puxo para fora, bombeando
minha mão para cima e para baixo em seu pau, sentindo seu
calor duro afundar em minha palma.

Ele geme, mordendo o lábio carnudo, os olhos fechados


com a sensação. Eu não posso deixar de sorrir, amando a
forma como o prazer aparece em seu rosto, principalmente
quando estou dando a ele.

Então eu caio de joelhos e tomo seu pau em minha boca,


com cuidado, querendo levar meu tempo para provocá-lo,
deixando-o saber o que posso fazer por ele, o quanto amo senti-
lo entre meus lábios.

Suas mãos vão para os lados da minha cabeça e me


agarram com força, me segurando no lugar enquanto eu aperto
a base de seu pau e começo a bombeá-lo em minha boca, mais
rápido agora. Está bagunçado e úmido e meus dentes
ocasionalmente raspam ao longo do comprimento rígido e
venoso, algo que acho que ele gosta julgando pela maneira
como ele suspira e o quão forte ele está segurando minha
cabeça no lugar, como se quisesse foder minha boca até o
esquecimento.

— Deus, eu quero que você me chupe até secar, — diz ele,


com a voz rouca, e uma emoção me percorre enquanto ele
parece ficar ainda mais duro na minha boca. — Atire minha
porra direto para o fundo de sua garganta.

Olá, meu falador sujo.

Quase paro para dizer que isso pode ser facilmente


arranjado, que vou engoli-lo inteiro, lambê-lo todo, até a última
gota, mas de repente ele geme e para de foder meus lábios.

— Espere, — diz Anders sem fôlego. — Eu preciso gozar


dentro de você.

Afasto meus lábios de seu pau, sua pele aveludada e


quente, e fico de pé, lançando-lhe um sorriso tímido. Por mais
que eu quisesse acabar com ele, não estou reclamando que
isso vá em uma direção diferente.

Antes que eu possa dizer qualquer coisa, ele está me


beijando ferozmente, o suficiente para roubar o ar dos meus
pulmões, fazer meus dedos dos pés se curvarem contra o chão,
e então ele está me girando até que meus braços estejam para
o alto, as palmas das mãos pressionadas contra a vidraça,
meus seios pressionados contra ele.

É meio dia e meus seios estão em plena exibição aqui,


derramando para fora do meu sutiã.
Felizmente, não há ninguém na pequena baía agora, e os
únicos que podem nos ver são as gaivotas.

Terei que informar Anders se isso mudar.

Mas ele já está seguindo em frente. Com um grunhido de


homem das cavernas, ele rudemente abre minhas pernas,
deslizando a mão entre a minha bunda e a parte de trás das
minhas coxas. Então ele agarra minha cintura enquanto
ajusta a ponta inchada de seu pau molhado contra mim.

Ele não perde tempo antes de se empurrar dentro de mim,


profundo e duro.

PORRA.

Eu suspiro alto com a sensação dele, o aperto que me faz


sentir sem oxigênio. Ele está sussurrando palavras doces
norueguesas em meu ouvido, e eventualmente relaxo enquanto
ele lentamente entra e sai, e meu corpo começa a se expandir
em torno dele, querendo mais.

Ele me fode completamente, bombeando-se por trás, cada


vez mais, cada vez mais rápido, até que estou pressionada
contra o vidro, e nem me importaria se um barco cheio de
mergulhadores viesse passando agora, me vendo sendo
regiamente e completamente fodida.

Tudo que me importa é isso.

Tudo que me importa somos nós.


Não demorará muito para que ambos gozemos. Seus
dedos giram em torno do meu clitóris até que estou perdida
para ele, varrida, como se tivesse quebrado o vidro e
mergulhado nas profundezas abaixo. Então ele está gritando
meu nome, me batendo cada vez mais forte por trás, levando
seu pau para cima até que ele se solta, o corpo estremecendo
enquanto se derrama dentro de mim.

Sinto-me sem espinha, sem ossos e um pouco sem


cérebro.

Este homem vai me destruir completamente, não é?

Eu acordo com um rugido que sacode a cama.

Abro os olhos para a escuridão e lentamente me apoio nos


cotovelos, minha cabeça nadando com todo o vinho que tomei
no jantar.

Anders está sentado ao pé da cama, nu, de costas para


mim. Ele está de frente para a janela, que de repente se ilumina
com um relâmpago, uma exibição bifurcada feroz no céu negro
como tinta.

— Anders? — Eu digo suavemente, limpando o sono da


minha voz. — É uma tempestade?
Ele assente, mas não se vira. Só consigo ver o lado de seu
rosto, mas ele parece assombrado, inquieto.

Sento-me, consciente de que também estou nua, e me


movo pela cama de modo que fico ajoelhada ao lado dele,
colocando meu braço sobre seu ombro, descansando minha
cabeça ali. Nós dois olhamos para a escuridão, observando o
raio, mostrando as ondas batendo na costa através da pequena
baía, ouvindo o trovão ribombar e rolar, a água batendo contra
o prédio.

— Odeio tempestades — diz Anders calmamente. Embora


pareça um fato simples, posso dizer que é algo maior do que
parece, que está vindo das profundezas dele.

Pressiono meus lábios contra seu ombro, beijando-o


suavemente, segurando-o com mais força. Eu amo a sensação
de sua pele sob a minha boca, o quão quente ele é, duro e
macio. Eu sei por que ele odeia tempestades. É porque foi
assim que ele perdeu o pai.

— Você deve conseguir muitas aqui — digo a ele,


querendo que ele continue falando.

Ele balança a cabeça lentamente, mexendo o queixo. —


Sim. Nós temos. Não significa que eu tenha que gostar.

Coloco minha mão em sua bochecha, virando seu rosto


suavemente para que ele fique de frente para mim. Seus olhos
são incrivelmente profundos, e há uma tempestade forte neles
também. — Você sabe que estou aqui, certo?
Ele me encara por um momento, os olhos procurando os
meus. — Você está? Às vezes... às vezes acho que você já se foi.
Já avançou nessa sua cabeça. Nesse seu coração. Ou talvez
seja tolice da minha parte pensar que seu coração sempre foi
realmente meu.

Engulo em seco, suas palavras mexendo com coisas que


não quero sentir.

Deus, não quero sentir mais por ele do que já sinto. Não
quero complicar as coisas, preparar-nos para um desgosto,
quando sei que ele eventualmente terá que voltar para o mar e
eu irei seguir meu caminho, procurando uma versão de mim
mesma que nunca aparece.

— Estou aqui — digo novamente, sentindo-me estúpida,


desejando poder dizer mais. Desejando poder acreditar nisso.

Por enquanto, é o que não adiciono.

Então me inclino e trago sua boca para encontrar a


minha. Eu o beijo, suave e doce.

Inicialmente.

Mas quanto mais eu o beijo, mais sinto um fósforo sendo


acendido do fundo do meu núcleo, um fogo queimando
intensamente, um fogo queimando para ele.

Ele me beija de volta, a tempestade rolando, e então estou


deitada na cama, me entregando a ele, querendo que ele me
leve de todas as maneiras possíveis.
E ele faz.

Mesmo que esteja escuro, os relâmpagos iluminam a sala


de vez em quando, Anders mantém contato visual constante
comigo enquanto suas mãos lentamente, cuidadosamente,
deslizam por todo o meu corpo nu, me tratando como se eu
fosse feita de porcelana, um forte contraste com a maneira
como ele estava comigo antes, tão rude e selvagem.

Com a mesma deliberação, ele habilmente desliza o dedo


entre as minhas pernas e sobre o meu clitóris, através das
dobras lisas e de volta e, porra, eu já estou encharcada por ele.
Minhas costas arqueiam, meu clitóris pulsando, praticamente
implorando por mais disso, mais dele. Seu toque sozinho tem
a capacidade de me fazer ver estrelas e estou fechando os
punhos nos lençóis.

— O quanto você me quer? — ele sussurra rispidamente.


Qualquer tristeza e medo em seus olhos agora se foram,
substituídos por meu deus nórdico de fala suja. Tudo puro
desejo primitivo.

Tudo meu.

— Muito — consigo dizer, ainda me sentindo um pouco


enferrujada quando se trata de dizer o que estou pensando
durante o sexo. A conversa suja vem tão facilmente para ele.

— Quanto? — Ele diz, seu dedo ainda trabalhando em


mim, me provocando ao ponto da insanidade. — Como se fosse
morresse sem meu pau gordo espalhando você? Como você me
imploraria por isso? Como me imploraria para fazer você
gozar?

Eu praticamente rosno em resposta, meu corpo se


tornando um arame esticado, as costas já arqueando, tentando
obter apoio de seu dedo.

Mas ele afasta o dedo, uma provocação, e no escuro posso


ver seus dentes brancos, o sorriso tortuoso. Ele realmente quer
que eu implore, não é?

— Shay — diz ele como um aviso, a voz grossa e gutural.


A ponta áspera de seu dedo volta e desliza para frente e para
trás, o som úmido enchendo o ar.

— Sim, sim, estou implorando, — digo através de um


gemido. — Eu quero que você me foda. Venha para dentro de
mim.

Ele solta um assobio agudo. — Porra.

— Sim, exatamente.

— Você sabe, há algo a ser dito sobre a gratificação


atrasada — ele murmura, movendo seu corpo para baixo em
mim agora e abaixando o rosto até que eu possa sentir sua
respiração no meu clitóris.

— Não me diga que isso é uma metáfora sobre o uso da


câmera de filme — eu o advirto.

Mas antes que ele possa fazer algum comentário


espertinho, ele toca meu clitóris com a ponta da língua e eu
estremeço, suspiro, minhas mãos se movendo para seu cabelo
e agarrando seus fios grossos e escuros. Sua língua se move
lentamente ao longo do meu clitóris e de volta para baixo, tão
provocadoramente deliberado quanto seu dedo, antes que ele
comece a mergulhar sua língua dentro de mim, me fodendo
uma e outra vez, dentro e fora.

Merda. Ele é bom. Bom demais. Minhas costas enrolam e


levanto meus quadris, tentando conseguir mais apoio, para
conseguir mais de tudo o que ele está me dando. Eu quero
sentir sua língua o mais profundamente possível.

E ele mergulha mais fundo.

Deus, ainda não consigo acreditar, que esse é o meu


Anders fazendo isso comigo, virando meu mundo de cabeça
para baixo até que as estrelas estejam nos meus olhos.

Eu o sinto sorrir contra mim brevemente, como se


pudesse ouvir meus pensamentos, então ele volta a me foder
com sua língua e enquanto estou apertando por mais, ele
começa a pressioná-la contra meu ponto G e antes que meu
cérebro possa mesmo dar sentido à sensação, um tipo
diferente de pressão está crescendo dentro de mim, como se
pudesse me dividir em duas.

Meu orgasmo me cega, e estou gritando, alto o suficiente


para acordar os outros convidados antes que meus gritos
estrondem com o trovão do lado de fora. Estou gozando forte,
meu corpo dilacerado enquanto sua língua me sente por
dentro, e sou apenas um fio se desenrolando, uma e outra vez.
— Anders! Porra! — Eu digo, gritando, empurrando meus
quadris para cima em sua boca, minhas coxas segurando em
cada lado de seu rosto como um torno.

Ele está sorrindo contra mim antes de se afastar, e


honestamente leva um momento para descobrir onde estou e
o que está acontecendo.

Um quarto na Noruega.

Na costa.

Com Anders Johansen.

Porra, é como se ele tivesse acabado de me dar algumas


das melhores drogas do mundo.

O ouço rir, obviamente divertido com meu estado de


espírito, e abro meus olhos para vê-lo se mover em cima de
mim. Na penumbra, posso distinguir a silhueta intimidante de
seu pau projetando-se para fora, vê-lo se abaixar e se acariciar,
e mesmo que eu tenha acabado de gozar, embora ainda esteja
pulsando do meu orgasmo, estou insaciável para que ele esteja
dentro de mim.

Até gananciosa.

— Eu posso sentir seus olhos queimando por mim no


escuro, — ele diz, em uma voz grossa. — Acho que vou ter que
te foder ainda mais forte desta vez. Fazer você gozar
novamente. É difícil manter você satisfeita, sabia? Garota
gananciosa.
Limpo minha garganta, tentando dar uma olhada melhor
nele, querendo acender a luz, embora eu saiba que os
dramáticos flashes de relâmpagos e o estrondo do trovão
estejam agindo como afrodisíacos. Nada de errado com um
pouco de drama com seu sexo.

— Você está reclamando? — Eu pergunto.

— Nem um pouco — ele diz.

— Então eu quero que você goze dentro de mim — digo,


empurrando minha autoconsciência para o lado.

— Já estava planejando isso — ele responde


rispidamente, e eu engulo em seco em antecipação enquanto
ele ronda sobre mim como um predador. Estou praticamente
ficando arrepiada.

Ele se abaixa, seu pau pressiona contra minha pélvis,


pele aveludada e dura como uma rocha, então suas mãos estão
segurando meus pulsos e os prendendo acima da minha
cabeça. Nos flashes de um relâmpago, eu observo a tensão em
seus enormes bíceps enquanto ele me segura, transferindo o
peso para uma mão enquanto se abaixa com a outra e desliza
seu pau quente e espesso entre minhas pernas.

Fecho meus olhos por um momento, espalhando minhas


pernas para um acesso mais fácil, e quando ele empurra seu
pau dentro de mim, é como se eu tivesse perdido a capacidade
de respirar. Estou molhada como o pecado, mas ele é tão
grande e grosso que mal dá espaço.
— Respire, — ele sussurra para mim. — Respire, Shay.

Abro os olhos para ver o brilho febril em seus olhos


enquanto ele me encara. Prendo minha respiração, sentindo
como ele desliza para dentro, então expiro, desejando relaxar
em torno dele.

— Essa é uma boa menina, — diz ele para mim, a voz


áspera e suave. — Boa menina, abra espaço para mim. Deixe-
me te foder direito.

Ele puxa quase todo o caminho, então lentamente,


deliberadamente, empurra para dentro. Eu suspiro, me
lembrando de respirar ao redor dele, e então estabelecemos um
ritmo fácil. Ele é capaz de empurrar mais fundo, embora o fato
de que ele tem que ir tão devagar o esteja fazendo tremer de
tensão e esforço, e estou sentindo cada centímetro de seu pau
até que ele seja empurrado dentro de mim ao máximo.

— Shay — ele geme, e então começa a praguejar em


norueguês. Há uma selvageria em sua voz, e talvez seja a
tempestade forte lá fora, talvez seja a maneira como
começamos, com ele cheio de medo, e talvez seja sua maneira
de superar isso, mas Anders está se transformando em algo
selvagem, real e cru. Como um ser primitivo, algo nascido para
foder até morrer. — Uma garota tão boa, Shay. Você me faz
sentir bem pra caralho. Eu faço você se sentir bem?

Deixo escapar um confuso sim. Mas bem não explica isso.


O bem não encapsula tudo o que ele está me fazendo sentir.
Isso é mais do que apenas bem. Eu me sinto viva. Eu sinto que
estou me conectando com ele de uma forma tão íntima e crua,
que faz cada trepada que eu já tive antes empalidecer em
comparação, incluindo quando costumávamos fazer sexo. Isso
é outra coisa, algo que você simplesmente não encontra com
ninguém.

E ainda assim você tem que deixar isso de lado, a menos


que encontre uma maneira de fazer funcionar.

Foda-se essa voz. E foda-se esse medo.

— Foda-me — eu rosno, agarrando seus ombros,


deslizando meus dedos por suas costas, arranhando. — Foda-
me mais forte, por favor.

Um relâmpago mostra a surpresa em seu rosto, surpresa


que vira líquido, derretido, e antes que eu possa fazer qualquer
coisa, ele está me virando de bruços e levantando minha bunda
no ar. Ele coloca a mão na parte de trás da minha cabeça e
força meu rosto para baixo na capa de edredom.

Então, com um aperto forte, ele segura meus quadris e


empurra seu pau dentro de mim novamente.

Apertado.

Tão apertado agora que mal consigo respirar.

— Anders — digo através de um gemido, e então ele está


se movendo rápido, me fodendo selvagemente. Ele empurra
seus quadris em mim com mais força, batendo contra minha
bunda, o ângulo fazendo com que ele me acerte mais fundo do
que nunca.

Puta merda.

Não consigo nem manter a cabeça erguida, estou perdida


no sentimento dele, como se tivesse sido levada para um
passeio que não posso parar, que não quero parar. Ele começa
a se mover um pouco mais rápido, a força fazendo com que
minhas pernas se espalhem mais e mais na cama, deixando-o
entrar. Seu aperto aperta em volta do meu pulso e ele bate na
minha bunda com força.

Muito forte.

Eu grito, pulo com a dor aguda de seu tapa, arqueando


as costas.

— Mantenha as pernas juntas, — ele rosna. — Mais. Eu


quero que você me sinta foder cada centímetro. Eu quero
imprimir a cabeça do meu pau bem dentro de você.

Jesus.

Está bem então.

Ele está falando sério. Com o impulso duro de seu pênis


enquanto ele desliza ao longo de cada polegada sensível dentro
de mim, a sensação de seus quadris enquanto eles batem em
minha bunda por trás, a forma como suas mãos se sentem em
volta da minha cintura, mantendo-me presa e no lugar, eu o
sinto. Tudo dele.
Acho que nunca vou parar de senti-lo, não quando ele
está me fodendo assim.

— Você está pronta para gozar para mim? — Ele diz, a


voz rouca, batendo na minha bunda de novo, a cama saltando
de nossa foda constante. — Eu quero ouvir você. Eu quero
ouvir você como nunca ouvi antes.

Meu Deus.

Quer dizer, ele quer que eu acorde toda a casa de


hóspedes?

Mas então seus dedos deslizam sob meus quadris, me


achando escorregadia e encharcada, e é tudo que preciso para
me soltar completamente. Uma ponta calejada desliza sobre
meu clitóris e é como se ele puxasse o plugue de uma porra de
granada de mão.

Explodo como uma porra de uma bomba.

— Estou gozando! — Eu grito, o orgasmo tomando conta


de mim enquanto me rasga. Ele fecha o punho no meu cabelo
e o puxa, a dor desce pela minha espinha enquanto seu pau
continua empurrando para cima em mim, meu corpo
apertando em torno dele, devastado pelas convulsões
intermináveis que nunca param de vir.

— Anders. — Consigo dizer o nome dele antes de parar,


antes que a onda me puxe em todas as direções e eu não saiba
mais em que direção estou.
— Porra, baby — diz Anders, a voz baixa e rouca de
desespero, e ele começa a dirigir mais fundo, todos os
músculos de seu corpo começando a tremer com o esforço. —
Uma garota tão boa, tomando meu pau tão fodidamente bem.
Oh Deus.

Ele vem, dirigindo tão fundo enquanto atira sua carga


dentro de mim, palavrões noruegueses saindo de seus lábios.
Ele grunhe alto quando seu corpo termina, empurrado até o
punho novamente, suas bolas pressionadas contra a minha
bunda, e então ele desacelera, o suor escorrendo de seu corpo
nas minhas costas úmidas.

— Foda-me — diz ele através de um gemido áspero, seus


quadris bombeando uma, duas vezes, antes de se inclinar para
frente, quase desabando sobre mim. Seu peito suado roça nas
minhas costas e ele segura seu peso longe de mim com um
braço trêmulo.

— Acho que acabei de fazer — eu consigo murmurar no


travesseiro.

Ele ri baixinho e, em seguida, puxa lentamente para fora,


deixando-me desolada e vazia sem ele dentro de mim. Ele rola
na cama ao meu lado, e viro minha bochecha contra as
cobertas para que eu fique de frente para ele.

Ele estende a mão e tira minha franja do meu rosto, assim


que outro relâmpago ilumina o quarto.

Mas desta vez, não há medo em seus olhos.


Desta vez ele parece feliz.
— The flight is Young, we’re getting deep without an
aqualung5, — Skye Edwards do Morcheeba canta baixinho no
rádio no canto do bar.

É certo ir fundo sem um aqualung6.

Estou ferrado.

Total e completamente ferrado.

Eu soube desde o momento em que vi Shay novamente,


que estava profundamente envolvido. Eu só não sabia que
seria uma profundidade de braças. Eu já estava tão ansioso
para tê-la de volta na minha vida, para ter a chance de fazer
as pazes e acertar as coisas novamente, que eu não estava
realmente pensando com clareza sobre o que realmente tê-la
de volta faria comigo. O que isso significaria.

Ainda não sei, para ser sincero. Mesmo sentado aqui


neste bar mal iluminado em Alesund, com um litro de cerveja

5 O vôo é jovem, estamos indo fundo sem um aqualung.


6 Aqualung, um tipo de equipamento de mergulho SCUBA que consiste num cilindro de ar
comprimido e de um regulador de mergulho que supre a necessidade de ar à pressão ambiente.
gelada e uma pizza klipfisk, me sinto perdido como nunca. Já
se passaram alguns dias desde que pegamos a estrada em meu
Datsun, em busca de fuga e aventura, e se eu não estava
apaixonado por ela em Todalen, então estou quase em queda
livre agora. Um mergulho profundo, através de águas claras
que se tornam turvas e complexas quanto mais eu desço,
enquanto tento lutar com meus sentimentos por ela,
afundando, afundando.

A questão é que há muitos sentimentos a serem


processados e todos eles estão me levando em direções
diferentes. Comecei a escrever poesia de merda para tentar
descobrir tudo, puxando a seção de anotações do meu iPhone
e deixando as palavras me visitarem, como uma maré vazante
e fluida. Não tenho ideia de onde vou acabar no final, mas só
sei que provavelmente não será bonito.

Mas será real. Real e cru.

Assim como nós.

A cidade de Alesund deveria ser apenas uma parada para


pernoitar. Depois de deixar a Svegvikka Guesthouse, dirigimos
ao longo da infame Atlantic Ocean Road, levando nosso tempo
para que Shay pudesse fotografar e documentar cada momento
de tirar o fôlego. A estrada é mundialmente conhecida por um
motivo – na metade do tempo, parece que você está dirigindo
suspenso sobre a água, com apenas pequenas ilhotas para
prendê-lo aqui e ali, montanhas espreitando ao fundo. Há uma
ponte, Storseisundet, com uma inclinação tão acentuada que,
quando você está subindo, a estrada parece desaparecer e
parece que você está prestes a reencenar partes do filme Speed.

Com tanto para ver, chegamos tarde a Alesund e só no


dia seguinte Shay se apaixonou pelo lugar e perguntou se
poderíamos ficar mais algumas noites. Claro que disse sim. Eu
diria sim a tudo que ela pedisse de mim.

Nosso quarto é incrível, logo acima da água, assim como


nosso quarto anterior na pousada, exceto que desta vez
estamos em um porto movimentado, com veleiros e barcos de
pesca passando, tirando fotos do nosso hotel bem iluminado,
às vezes de nós acenando da janela. O hotel ainda oferece
estradas de pesca, que você pode pendurar do lado de fora da
janela na esperança de pegar alguma coisa. Obviamente,
pescar é a última coisa que quero fazer agora, mas Shay está
se divertindo, presa na esperança vacilante de pegar alguma
coisa. Até agora, sem sorte, mas ela tem uma paciência que eu
definitivamente não tenho.

Portanto, estamos aqui, apenas parados, explorando as


lojas, os bares e os restaurantes e tentando desfrutar da
companhia um do outro enquanto temos chance. É como se
estivéssemos em férias, como se tivéssemos encontrado um
pequeno espaço para ficarmos apenas um com o outro e nos
descobrirmos novamente.

Mas estou tão consciente do tempo, avançando e


escorregando por entre nossos dedos. Quanto mais tento
segurar, pior fica, como tentar segurar os grãos de areia da
ampulheta. Eu nem queria deixá-la ir às compras sozinha hoje,
eu queria ficar ao lado dela, absorvendo sua companhia o
máximo que puder antes que seja tarde demais.

Ela insistiu que comprar roupas seria muito chato para


mim e que me encontraria neste bar para jantar e beber. Quem
sabe, talvez ela precise de um tempo para ficar sozinha. Talvez
eu a esteja pressionando um pouco. Talvez eu esteja sendo
muito. Ela parecia gostar desse meu aspecto no passado, mas
tenho que parar de pensar no passado. Tenho que começar a
pensar em nosso presente e em nosso futuro.

E que futuro é esse? Eu me pergunto. Aquele em que ela


fica na fazenda, ajudando Per, sem ter vida própria enquanto
você está no mar à maior parte do mês? Esse futuro?

Odeio como isso é. Como será. Gostaria de poder me livrar


das algemas enferrujadas que me mantêm no lugar, me
mantendo preso em uma vida na qual não quero estar preso.
Meu dever. Meu destino. Estou fadado a isso e ainda assim
quero estar vinculado a ela.

Calma, eu me lembro. Você está indo muito rápido. Não


estrague o pouco tempo que você tem.

E aí está ela.

Shay abre a porta do bar, entrando. Ela deve ter voltado


para o quarto do hotel para se trocar porque sua jaqueta jeans
e lenço estão pendurados em um braço e ela está usando um
vestido novo, branco com pequenas flores rosa, do tipo que
abraça seus seios, os colocando em exibição, deixando sua pele
brilhar. Sei que as pessoas estão olhando para ela enquanto
caminha em minha direção, me dando um sorriso tímido
enquanto tira a franja do rosto, e não posso culpá-los.

Eu sou o cara mais sortudo aqui.

Ela está virando todas as cabeças, mas eu sou o


escolhido.

— Ei — ela diz, sentando na minha frente.

Só posso olhar fixamente por um momento.

— Você está linda, — eu finalmente digo. — Posso ficar


com você?

Acrescento um sorriso às minhas palavras, então ela vai


pensar que estou brincando, mas eu também meio que não
estou.

Ela ri. — Sou toda sua, Anders. E obrigada. Eu não tinha


certeza sobre o vestido porque não é bem a temporada de
vestidos aqui, daí as botas. — Ela coloca a perna para fora,
exibindo suas botas de combate. — Mas eu estava tão farta das
minhas roupas, você não tem ideia. Acho que posso deixar
metade delas no hotel, talvez a governanta as queira. Comprei
tanto, encontrei a melhor lojinha com todas essas marcas
norueguesas bacanas. Pelo menos acho que são marcas
norueguesas.
Eu não posso deixar de sorrir para ela, ávido por cada
palavra. — Bom. Você merece isso. Não consigo imaginar ter
que viver de uma mochila por tanto tempo.

Ela me lança um olhar seco. — Oh que seja, você é um


cara. Um pescador! Você provavelmente usa a mesma maldita
coisa todos os dias quando está no mar.

Dou a ela um olhar que diz: culpado.

— De qualquer forma, — ela diz, — parece que minha vida


encontrou um novo capítulo, sabe? Então, devo me vestir
adequadamente.

E que capítulo é esse? Eu quero perguntar. É um capítulo


em que estou? Sou parte dessa nova narrativa?

Mas o medo temperou minha ousadia. Tenho medo de


perguntar certas coisas, caso isso vá assustá-la para sempre.
Eu sei que nós dois devemos ser honestos um com o outro
agora, que não tenho nada a perder, e ainda... ainda parece
que eu poderia perder tudo.

Como eu disse.

Estou ferrado.

— Então, devemos comer algo aqui? — ela pergunta, seus


dedos delgados puxando o menu em sua direção. Por um
momento, imagino um anel de diamante em sua mão
esquerda, um anel que eu teria dado a ela. Imagino a gente no
futuro, aqui, vivendo essa vida juntos, tentando tirar o melhor
dela, fazer funcionar. Seria tão injusto pedir a ela para ficar
comigo? Para tê-la comigo...

Será que ela...me ama?

Posso dar a vida que ela quer, aquela na qual ela se


encontra, onde ela encontra um lar e estabilidade e a família
que sempre desejou?

Ela vai me deixar tentar?

O sentimento é tão exaltado que parece um pássaro


prestes a levantar voo e voar alto sobre os mares e, com um
sentimento pesado e afundado em meu coração, sei que estou
pedindo demais. Pedir a ela para ficar comigo aqui na Noruega,
para ficar comigo, apenas sufocaria sua vida. Nós dois somos
jovens, mas em alguns aspectos ela é muito mais jovem. Já me
acomodei, nos mesmos sulcos profundos em que morrerei. Ela
tem todo o seu futuro pela frente. Pedir para ela ficar comigo é
privá-la disso. Já estraguei a vida dela uma vez antes, não vou
fazer isso de novo.

— Pizza Klipfisk? — Shay pergunta, olhando para mim do


menu. Dou a ela um sorriso cauteloso. — Isso não pode ser
bom, pode? Porra, estou tentada a pedir. Isso, e um monte
daquela cidra de sabugueiro que eu tomei outro dia.

Ela morde o lábio e de repente eu não dou a mínima para


a cidra ou a pizza ou qualquer outra coisa.

Tudo que me importa é ela.


Estar com ela tanto quanto puder, enquanto eu puder.

Eu fico de pé e pego sua mão. — Venha aqui — eu digo


rispidamente.

Então a conduzo através do bar, não me importando se


alguém está nos observando irmos ao banheiro juntos.

Uma vez dentro do banheiro, eu tranco a porta,


certificando-me de que está segura, e então ataco Shay, o fogo
queimando em minhas veias até que minha pele fique muito
quente e só haja uma maneira de obter alívio.

Minhas mãos agarram seu rosto doce, os dedos cravados


em sua mandíbula, enquanto me movo com urgência,
empurrando-a para trás em direção à parede de azulejos até
que ela esteja pressionada contra ela. Minha boca cobre a sua,
lábios famintos, a língua empurrando contra a dela. Fodendo
ela bem. Ela choraminga em minha boca e sinto as vibrações
descerem pela minha espinha, direto para o meu pau, que já
está duro como uma rocha.

Isso me chicoteia até que sou algo selvagem, febril, meu


pau está ficando impossivelmente rígido e tentando romper o
zíper da minha calça jeans, implorando por liberação, por
alívio. Me abaixo e puxo a bainha de seu lindo vestidinho até
que esteja amontoado em seus quadris, então deslizo minhas
mãos sob sua bunda e a levanto para que suas pernas fiquem
em volta de mim, me segurando com força.
— Anders — diz ela com um suspiro gutural, e não posso
deixar de sorrir para ela, lembrando como ela costumava ser
tão pronta para qualquer coisa, incluindo foder em uma
piscina pública. Ela pode protestar o quanto quiser, mas eu sei
que ela ainda é a mesma garota aventureira.

Eu também sei que não posso manter minhas malditas


mãos longe dela, mesmo se eu tentar.

De repente, eu a giro e cuidadosamente a coloco na beira


da pia, testando seu peso por um momento, me afastando de
sua boca ansiosa.

— O que você está…? — ela começa, seus lábios


molhados e desejosos, mas pelo olhar tortuoso que estou
dando a ela, sua pergunta é rapidamente respondida.

Coloco minhas palmas em suas coxas, espalhando-as na


minha frente enquanto ela estende uma das mãos e segura
meu ombro para não cair, enquanto a outra mão se apoia na
pia.

— Foda-me — rosno. Ela não está usando nenhuma


calcinha. É tudo ela, aberta e rosa e nua para eu beber, de
todas as maneiras que posso.

Dou a ela um olhar rápido e aquecido. — Como se você


não tivesse planejado isso, — digo rispidamente. — Você é uma
garota boa pra caralho, não é?

Ela sorri para mim, mordendo o lábio novamente. — Boa


ou ruim, sou do jeito que você me quiser.
E eu sou um caso perdido.

Agacho-me e imediatamente enterro meu rosto entre suas


pernas, lambendo para cima e para baixo sua dobra suave,
saboreando cada centímetro dela. Ela já está tão molhada,
estou praticamente me afogando em seu mel. Meu doce, doce
pardal.

— Oh merda, Anders — ela grita, as pernas abertas para


mim enquanto ela se abaixa e agarra meu cabelo, fechando o
punho, puxando minha cabeça em explosões de dor
maravilhosa. Não há nada melhor do que isso, devorando-a
como um homem ansiando por oxigênio, fodendo-a com mais
força com minha língua, provando-a, sentindo seu clitóris
pulsar sob meus lábios, até que estou apenas a um fio de
cabelo de distância de gozar.

Merda. Calma, Anders.

Em seguida, seu corpo fica tenso e ela está gozando em


minha boca e eu não deixo a pressão, não reprimo minha
necessidade de devastá-la por dentro e por fora.

— Oh deus, oh deus — ela grita, sua voz embargada, e


estou sorrindo contra sua pele lisa, amando o som dela, o jeito
que ela chama por mim, como se eu fosse seu deus. Porra, isso
é tudo que eu quero.

Me endireito, mantendo suas pernas abertas, mesmo


enquanto sua cabeça rola para o lado, sua boca aberta,
ofegante, seu corpo ainda tremendo de seu orgasmo. Eu
rapidamente abro o zíper da minha calça jeans e tiro meu pau,
quente, apertado e rígido em minha mão. É quase doloroso
essa necessidade que tenho dela, uma necessidade que não
posso mais negar a mim mesmo.

Enquanto ela ainda está mole, tentando recuperar o


fôlego, eu envolvo minha mão em sua cintura, segurando-a no
lugar, e aperto em volta do meu pau, pressionando-o contra
ela, o som molhado, liso. Assobio baixinho, a antecipação
crescendo, então me empurro dentro dela com um impulso
forte e ansioso, segurando-a firme contra mim.

Ela engasga alto, suas mãos cavando na minha camisa,


segurando firme, e estou deixando escapar um gemido baixo e
animalesco enquanto eu me dirijo para dentro dela, ao
máximo, então estamos o mais perto possível, porra.

Recuo um centímetro e olho em seus olhos, perdido em


seu calor, seu desejo por mim, um olhar que nunca me canso
de ver. Como ela me vê, tudo de mim, por quem eu realmente
sou, até mesmo as partes de mim que nunca mostrei a ela. As
partes das quais tenho muito medo.

Eu a beijo, suave, forte, sentindo muito de tudo, como se


ela estivesse escorregando pelos meus dedos assim como os
dias estão, o tempo que temos juntos. Eu não quero perdê-la,
não quero deixá-la ir. Eu quero continuar fodendo ela assim,
enterrado tão profundamente dentro dela para que ela nunca
seja capaz de me abandonar, ou me esquecer.
Eu quero que ela fique comigo e estou com muito medo
de pedir por isso.

Então, em vez disso, deixo escapar um gemido gutural e


ela choraminga em resposta, e nossa necessidade um do outro
enche a sala, tornando-se algo maior do que nós dois.

Deixe-me ficar com isso, deixe-me apenas com isso.

Continuo bombeando dentro dela cada vez mais forte.


Meus quadris batem contra a pia enquanto a fodo, mais
rápido, e suas pernas me envolvem mais apertadas, me
mantendo o mais perto possível.

— Sim, sim — ela sussurra, e olho para ela, observando


como seus olhos se fecham, enquanto sua cabeça começa a
bater para trás contra o espelho. Porra, isso é quente. Não sei
por quanto tempo mais poderei continuar assim.

Suas mãos se movem freneticamente para cima e para


baixo na minha camisa, as unhas cravando nos meus
músculos e descendo até a minha bunda, onde ela me puxa
para dentro dela, até que estou tão profundamente dentro que
o ar é arrancado dos meus pulmões e estou ofegante.

— Porra, Shay — juro, grunhindo com cada impulso, o


suor escorrendo da minha testa e escorrendo para seus seios,
que estão praticamente saltando para fora de seu vestido. —
Eu não vou durar muito.
— Estou pronta para você, — diz ela, as unhas cravando
mais fundo. — Eu quero sentir você gozar dentro de mim.
Faça-me pingar com você.

Puta merda. Nunca tinha ouvido Shay fazer qualquer tipo


de conversa suja antes, e devo dizer que estou apaixonado por
isso.

— Boa menina — resmungo, pressionando minha mão


contra sua garganta, segurando sua cabeça contra o espelho
enquanto a fodo por mais tempo, mais fundo. — Uma garota
tão boa, Shay.

Ela me observa com olhos selvagens e então eu alcanço a


minha outra mão, deslizando sobre meu eixo liso onde ele
desaparece dentro dela em uma velocidade vertiginosa,
trazendo meus dedos para cima até que estou esfregando seu
clitóris.

— Oh merda! — ela chama, já gozando, e agora eu não


posso mais segurar. Arqueio minhas costas, levando meu pau
para cima em um ângulo enquanto ela tem um orgasmo, suas
coxas tremendo enquanto ela convulsiona em torno do meu
pau, apertando e...

Lá.

Tão perto.

Porra.
Eu gozo, olhos revirando, o banheiro girando até que
estamos em uma galáxia própria. Eu acho que estou xingando
em norueguês, minhas palavras se transformando em sons
animalescos sem sentido enquanto continuo gozando dentro
dela, atirando direto nela enquanto minhas bombas começam
a diminuir.

Sinto que estou sendo esvaziado, não apenas fisicamente,


mas emocionalmente. Como se eu estivesse sendo drenado,
dando a Shay cada grama de mim, esperando que ela me
mantenha seguro e perto de seu coração.

Mas quando meu orgasmo começa a deixar meu corpo, e


estou ciente de que acabei de fodê-la dentro de um banheiro
público em Alesund, todas as minhas velhas preocupações
voltam para mim.

Que não vou ser o suficiente para ela.

Que isso é tudo que vou conseguir dela.

E que vou passar o resto dos meus dias lamentando não


ter feito mais para mantê-la nesta segunda vez.

Porque o problema agora, o problema que vejo tão


claramente, é que não posso simplesmente deixar Shay ir, e
também não posso mantê-la. Um é injusto comigo, o outro é
injusto com ela.

O problema é que eu a amo.

Eu me apaixonei novamente por ela.


E se a história me ensinou alguma coisa, é que isso não
vai acabar bem.
Uma das primeiras coisas que os guias de viagem da
Noruega dirão é que você precisa sair para ver os fiordes. Há
tantos deles, incluindo aquele que leva a Todalen, que a
maioria dos viajantes ficará sobrecarregada com opções, mas
é sobre o fiorde de Geiranger que a maioria das pessoas fala. É
definitivamente o que está na capa dos guias.

Agora mesmo, ao lado de Anders no convés superior da


balsa, posso ver por que é um Patrimônio Mundial da UNESCO
e o tema de contos de fadas de tantas fotos. É estreito como o
inferno, com inúmeras cachoeiras caindo nas laterais afiadas
das altas montanhas escarpadas, mergulhando nas
profundezas do oceano. Quase não há linha de costa e, quando
há um pedaço de terra, vestígios pitorescos de fazendas
abandonadas, acessíveis apenas por barcos, dão um toque de
cor ao infinito verde, cinza e azul.

Mais do que tudo, este fiorde faz você se sentir


incrivelmente pequeno. Em comparação, esta balsa parece um
navio em miniatura, e tudo parece grande demais para ser
contido com os olhos.
De certa forma, isso me lembra de como me sinto perto
de Anders.

Como estar na presença dele às vezes me faz sentir como


se eu fosse tão pequena ao lado dele. Não é só que eu seja baixa
e ele seja um deus nórdico desajeitado, nem é que ele me faça
sentir que vou encolher. Eu não me encolho em torno dele, eu
floresço. É que às vezes a maneira como ele olha para mim
parece grande demais para este mundo conter, um sentimento
muito grande para até mesmo lutar contra.

Às vezes, pego Anders me olhando com um olhar de


desejo. É um visual diferente do que eu conhecia naquela
época. É mais do que apenas luxúria, é essa necessidade
profunda, uma necessidade por mim, uma que posso sentir em
minhas entranhas, abrindo as gaiolas e deixando pássaros
esperançosos levantarem ovo. Eu quero dar esse olhar e dar a
ele de volta e deixá-lo saber que ele me tem.

Mas toda vez que estou prestes a fazer isso, toda vez que
respiro fundo e me preparo para dizer a ele algo que não posso
voltar atrás, para dar um passo em direção ao desconhecido e
colocar meu coração na linha, aquele olhar em seus olhos
desaparece. O clima muda, como nuvens sobre o sol, uma
tempestade passageira. É como se ele não se permitisse olhar
para mim assim por muito tempo, como se não estivesse se
permitindo me querer.

E isso é tudo o que preciso para dar um passo para trás


também. Ele ainda é Anders, ainda engraçado e caloroso, mas
aquela tempestade o está fechando para mim. É como se ele
quisesse ficar comigo, mais do que apenas neste momento,
então alguma parte dele dá um passo à frente e o puxa de volta.

Provavelmente porque ele sabe que não há futuro para


nós aqui.

Eu também sei disso, mas... ainda assim, não posso


deixar de sonhar e imaginar.

E esperança. Aquela coisa muito perigosa chamada


esperança.

Estou na estrada com Anders há mais de uma semana.


Temos demorado muito. Encontramos uma rotina.
Levantamos, fazemos sexo, passamos um tempo conversando
na cama. Não apenas falando com palavras, mas com nossos
olhos e nossas mãos e nossas bocas. Nossos corpos dizem
muito um ao outro, mais do que muitas vezes podemos
verbalizar. Usamos esse tempo para nos comunicarmos como
só podemos quando ele está bem dentro de mim e estamos nos
movendo juntos como um, sentindo-nos unidos de uma
maneira que nunca pensei ser possível. As línguas que falamos
tornam-se cada vez mais doces e profundas.

Então continuamos com o nosso dia. Se estamos pegando


a estrada, estou documentando coisas para meu Instagram,
escrevendo posts em blogs, tirando e editando fotos, enquanto
ele também tira fotos, me ajudando sempre que preciso, e às
vezes até o pego escrevendo poesia em seu telefone. Ele não vai
mostrar para mim, mas posso dizer que está dando a ele uma
saída, que está permitindo que ele descubra as coisas que
transformam seus olhos em uma tempestade, as coisas que
puxam seu humor em tantas direções angustiantes diferentes.

Se não estamos na estrada, se estamos em uma cidade,


apenas nos tornamos turistas. Comemos, bebemos,
passeamos e transamos. Nessa ordem, às vezes não. É como
se nós dois tivéssemos nos comprometido em tratar cada dia
como se fosse algo especial e precioso. Não falamos mais sobre
o futuro. Não falamos sobre o que vai acontecer quando isso
acabar. Nem falamos sobre quando isso vai acabar. Já estamos
fazendo isso por mais tempo do que planejamos. Apenas
sabemos que tudo acabará, e esse fato é muito cru e doloroso
de suportar. Então, nós o ignoramos e afundamos ainda mais
um no outro, deleitando-nos na companhia um do outro como
se tivéssemos todo o tempo do mundo. Damos o dedo ao
futuro. Estamos vivendo em blocos de vinte e quatro horas de
felicidade egoísta.

É engraçado, quando eu imaginei estar com Anders


novamente algum dia (e vamos encarar, eu imaginei isso – não
foi por acaso que eu vim para a Noruega), automaticamente
nos imaginei como éramos. Essas versões adolescentes
magricelas e com cicatrizes de acne de nós mesmos. Nossas
emoções transbordam constantemente, hormônios fora de
controle. Corações para sempre em nossas mangas, sugados
pela ressaca do primeiro amor.

Mas isso é tão diferente. É como se essas versões de nós


pertencessem a outras pessoas, como um antigo programa de
TV que assistíamos o tempo todo. A essência está lá, como se
capturássemos esses sentimentos, zunindo como vaga-lumes,
e os colocássemos em potes, apenas para abri-los aqui, tantos
anos depois. Nosso passado nos envolvendo, iluminando o céu,
sem ter para onde ir.

Anders coloca o braço em volta de mim, à boca no meu


ouvido. — Já tirou fotos suficientes?

Eu rio e viro minha cabeça para encará-lo enquanto ele


coloca um beijo persistente em meus lábios. — Nem perto —
digo a ele.

Nós estivemos na balsa subindo o fiorde por quase uma


hora, chegando mais perto de nossa parada, a vila de
Geiranger no final, e não desliguei meu telefone ou câmera por
um segundo. No início, achei que filmar seria irritante – há
inúmeros rolos de filme não revelado na minha mochila – mas
agora entendo por que Anders ainda gosta tanto disso. Há
tanto mistério agora em um mundo onde o mistério é escasso.
Em vez de te dar a imagem de imediato, uma imagem que pode
ser facilmente apagada, que não ocupa espaço, te faz esperar.
Faz você praticar a paciência. Faz você parar e tomar nota de
tudo. A luz, o ar, o movimento, a profundidade. Faz com que
você realmente preste atenção antes de clicar no obturador. É
como se não fosse apenas capturar as memórias, mas criar
memórias ao mesmo tempo.

Agora, enquanto levanto a câmera e aponto em direção ao


fim do fiorde, onde as montanhas dobram uma esquina e outra
balsa sai ao redor da parede de rocha, parecendo em miniatura
em comparação, eu saberei isso quando olhar mais tarde a foto
que tirei, vou me lembrar de estar aqui com Anders, seu corpo
quente e firme nas minhas costas, o cheiro de pinho de sua
lavagem corporal, o cheiro da água glacial fresca saindo do
fiorde. O sol quente no meu rosto. Vou sentir a maneira como
ele está me segurando, como isso me faz sentir como se ele
nunca me deixasse ir, embora o olhar em seus olhos às vezes
diga o contrário.

Agora, porém, seus olhos estão me dizendo que sou dele.

É tudo que preciso ser, pelo menos por este segundo.

E depois o quê?

Mas ignoro isso. Ignoro aquela voz como se tivesse


ignorado todo esse tempo. Nós dois não queríamos
complicações. Nós dois sabíamos que essa coisa, esse novo
nós, tinha uma data de validade. Não adianta lutar, não
importa o que eu sinto por ele.

— Lá está a cidade — ele me diz, a voz suave como uísque


com gelo agora, e eu vejo enquanto a balsa faz a curva e a
pequena cidade aparece, a maior parte vertical, edifícios
pontilhados ao longo de uma encosta íngreme que sobe e sobe,
ziguezagues atuando como uma costura.

É lindo. Absolutamente deslumbrante. E, naturalmente,


estou de volta a tirar mais um milhão de fotos.
Anders reservou um hotel bem no topo da montanha,
então, assim que a balsa atracar e entrarmos no carro,
estaremos subindo pelas curvas, subindo até estourar meus
ouvidos, até chegarmos a este hotel pitoresco que é localizado
tão perto da estrada da montanha que você juraria que os
carros vão passar direto pelo pátio.

Subimos para o nosso quarto e, embora seja pequeno,


tem esta janela que dá para toda a aldeia e fiorde,
provavelmente a melhor vista singular de todo o maldito lugar.
Estou tão acostumada a ter que reservar todas as minhas
próprias acomodações quando viajo, que ter Anders nas rédeas
não foi apenas um alívio, mas uma agradável surpresa em cada
um dos lugares em que ficamos. Ele está constantemente me
impressionando, fazendo o que pode para garantir que a
viagem seja a melhor possível.

Mas, honestamente, tudo que preciso é dele. Nós


poderíamos ter ficado para trás em Todalen por tudo que me
importava. Sim, eu queria ver a Noruega e sou grata por ele ter
sido meu guia turístico, mas a atração mais linda e de tirar o
fôlego é ele. É saber que temos história, por mais tumultuada
que seja, saber que ele me entende, que ele entende de onde
eu venho. É a alma daquele poeta que vem à tona de vez em
quando, tão perto que quase consigo segurá-la nas mãos. Eu
só preciso cavar através de mais algumas camadas, encontrar
a versão de si mesmo que ele continua escondendo, deixe-me
ver por mim mesma.
— Isso é lindo, Anders, — digo a ele, tirando uma foto da
moldura da janela e a vista deslumbrante por trás dela. — Você
nunca para de me impressionar.

— Eu nunca vou deixar de querer impressionar você —


diz ele. Há uma melancolia em sua voz que faz meu coração
dar saltos mortais.

Eu me viro para encará-lo, surpresa ao ver uma onda de


tristeza em sua testa.

— Você sabe que não precisa fazer muito para me


impressionar, — digo a ele, minha voz engasgando com meus
próprios sentimentos ocultos que de repente estão vindo à
tona. — Só estar aqui comigo é o suficiente. Apenas... ficando
comigo. É o suficiente.

Estou dando a ele um pouco, esperando que ele aceite.

Ele engole, seu pomo de adão balançando em sua


garganta, o canto de sua boca cheia levantando um pouco.

— Gostaria de poder ficar com você — diz ele.

E ele diz isso de forma tão simples que leva um momento


para registrar. Um momento antes de me chutar bem nas
entranhas.

A verdade de tudo.

Eu deveria apenas acenar com a cabeça e aceitar, mas


não posso. Não posso.
— Mas você pode, — digo a ele. — Não temos que deixar
ser assim. Isso, nós... pode funcionar além dessa viagem. Não
pode? Quer dizer, sei que dissemos que não falaríamos sobre
isso, mas também sei que não temos muito tempo antes que
um de nós tome uma decisão e... e... eu só acho...

Só acho que devemos ficar juntos.

Fazer funcionar.

Por favor, não me faça dizer isso em voz alta, não quando
você não está me dando nada em troca.

Ele me encara, e aquela tempestade está de volta,


passando por seus olhos, furiosa, sombria e poderosa,
levando-o para longe. Eu já sei a resposta. Já me mata.

Ele suspira, passando a mão pelo rosto e pela barba, e


sinto a tensão saindo dele. — Eu não sei — diz ele, sua voz um
sussurro áspero. Ele passa por mim e se senta na beira da
cama, entrelaçando as mãos, olhando para o chão. Já tenho a
impressão de que ele está se fechando na minha cara, como
costumava fazer quando eu fazia perguntas de que ele não
gostava.

— Bem, eu sei, — digo a ele, embora esteja um pouco


mentiroso. — Ok, então eu não sei. Mas eu sei o que quero.

Seja corajosa, Shay. É hora de ser corajosa.

— E é você, Anders. Eu quero você e eu quero nós... Eu


quero que nós tentemos dar uma chance a isso. Eu sei que
disse que não queria que as coisas ficassem complicadas, mas
as coisas foram complicadas entre nós desde o início. É tarde
demais para algo fácil e simples, porque não somos fáceis nem
simples. Somos duas almas solitárias com uma história
distorcida e tanto excesso de bagagem que está pesando sobre
nós dois. Não podemos nem salvar um ao outro se estivermos
nos afogando. — Eu paro, meu coração batendo forte na minha
garganta, minha honestidade me levando à força. — Mas eu
quero pelo menos tentar. Não quero me despedir de você e
seguir em frente. Eu não posso. Eu só quero seguir em frente
com você.

E aí está tudo.

Minha preciosa verdade.

E ainda assim Anders olha para o chão. É como se ele


nem tivesse me ouvido.

Meu coração cai, uma sensação doentia que se espalha


em minhas veias, fazendo-as gelar.

Eu ando até ele e fico bem na frente dele, desejando que


meu coração não esteja tão alto.

— Ei, — digo a ele. — Olhe para mim. Por favor. Olhe para
mim quando estou desnudando meu coração para você.

Lentamente, ele levanta a cabeça e odeio o que vejo em


seus olhos. Odeio o quanto isso me lembra de seu eu mais
jovem, aquele que ficou frio e distante e me empurrou.
— Não seja como ele, — digo baixinho, minha voz
tremendo suavemente com raiva. — Não seja como ele. Você
não é mais aquele garoto. Você é um homem. Você precisa lidar
com isso, nós, como um homem. Se você não tem nenhum
sentimento por mim, sentimentos verdadeiros, se você não
quer estar comigo, ver um futuro do qual eu faço parte, então
você tem que me dizer sem rodeios. Sim, vai doer. Isso vai me
destruir. Mas posso lidar com isso. A verdade é o que eu
mereço.

Ele engole em seco, lambendo os lábios. — O que você


merece, Shay, não sou eu.

Ah não. Isso não.

Balanço minha cabeça. — Não comece.

— Estou falando sério, — diz ele rispidamente, franzindo


a testa para mim. — Você não merece quem eu realmente sou.
Você merece alguém que estará com você o tempo todo, que
lhe dará seu tempo, atenção e carinho, porque você vale tudo
isso e muito mais. Este não sou eu.

— Esse é você!

— Não. Isso... — ele gesticula para si mesmo, para a sala.


— Esta é uma versão de mim mesmo que nem eu reconheço.
Isso é o que minha vida poderia ter sido. Mas não é a vida que
ganhei. Estarei fora o tempo todo e, quando não estiver no mar,
estarei trabalhando na fazenda. O que diabos você vai fazer
consigo mesma? Sentar e esperar enquanto estou fora? Perder
seus anos trabalhando em uma fazenda, ordenhando vacas?

— Não presuma que não sei o que fazer comigo mesma,


— digo a ele, olhando feio agora. Odeio quando as pessoas
fazem suposições por mim. — Eu estaria muito ocupada
tentando descobrir o que quero da vida.

Ele estende os braços. — Sim? E se você chegar à


conclusão de que o que você não quer sou eu? Que a vida que
você tem comigo não é a vida que você queria? Shay, você é tão
linda e vibrante e inteligente e apaixonada e tem todo o seu
futuro pela frente e posso dizer com certeza que você merece
mais do que apenas restos de um pescador.

— Besteira! — Eu grito. — Você acha que é isso? Você


acha que está me dando essa besteira? Bem, porra, Anders,
por que você não me disse que isso não seria o suficiente? —
Eu me inclino e aponto meu dedo para ele, meu coração em
chamas, meus olhos procurando os dele febrilmente. — Eu não
tinha ideia de que não estava tirando o melhor de você.

— Estou te dando tudo o que tenho! — ele diz, a voz


profunda e crescente. — Tudo o que eu posso dar. Não sei se é
o melhor, mas é tudo o que tenho.

— Você está? — Eu me oponho. — Porque é fodidamente


impossível com você às vezes. Você vai escrever sua poesia,
mas quando se trata da pessoa que quer ouvi-la, quer sentir o
que você tem a dizer, você segura.
— Eu não estou me segurando, — diz ele rispidamente,
apertando a mandíbula. — Eu só estou... tentando descobrir
isso, assim como você.

— Bem, parece que você cansou de tentar descobrir isso


agora, certo? Melhor nos separarmos e seguirmos caminhos
separados, então?

— Shay, você merece alguém melhor do que eu — ele grita


baixinho, e o pior de tudo é que posso dizer que ele não está
apenas dizendo isso. Ele realmente acredita, no fundo, que não
é bom o suficiente para mim. Isso me corta profundamente.

— Nem mesmo diga isso. Não se atreva a dizer isso.

— Você nem sabe o que é melhor para você, você...

Ah não.

Isso não.

— Não diga que você sabe o que é melhor para mim,


merda! — Eu estalo para ele, minha raiva surpreendendo até
a mim mesma. — Isso é uma merda que você teria feito no
colégio, me tratando como lixo para que eu o afastasse, para
que fosse mais fácil para você. Bem, não foi mais fácil para
mim. Você nem sabe o que realmente aconteceu, Anders. Você
não tem ideia do caralho. Você acha que foi tão fácil que você
saiu? Você me deixou em um estado do qual ainda mal me
recuperei.
Ele me encara, balançando a cabeça ligeiramente, as
sobrancelhas escuras unidas para formar uma linha nítida. —
Do que você está falando?

E agora eu falei demais.

Pressiono meus lábios, com força, desejando não


continuar.

Mas, merda, já faz muito tempo. Tenho mantido isso em


segredo por muito tempo. Todo esse tempo e até minha mãe
não sabe que eu fiz o aborto. Apenas Everly e Hannah sabem.
Nunca tive a chance de contar a Anders e disse a mim mesma
que não faria agora porque não queria trazer o passado à tona,
não queria que ele se sentisse mal, não queria estragar o
precioso tempo que nós tínhamos juntos.

Mas já que ele quer me afastar, bem, acho que agora é


um bom momento como qualquer outro.

— Eu estava grávida, — digo a ele, minha voz soando tão


pequena e fraca na sala. — Foi... era seu.

Seus olhos se arregalam, a boca ligeiramente aberta. Ele


me encara como se o mundo tivesse acabado de ser arrancado
de debaixo dele. — O que... eu não... quando?

Fecho meus olhos, tentando reunir meus nervos, para me


dar uma espinha de aço.
— Acho que foi a hora da piscina. Não usamos camisinha.
Eu descobri que estava grávida uma semana antes de
descobrir que você me traiu.

O silêncio é um fio condutor entre nós.

Abro os olhos e me atrevo a olhar para ele. Ele está


olhando para mim, a testa franzida, a angústia inundando
suas feições. — Você nunca me contou... por que não me
contou?

Eu recuo, piscando para ele, os pelos arrepiados. — Você


está brincando comigo? Anders, você me empurrou. Você não
retornava minhas mensagens, você nem mesmo olhava para
mim nos corredores. Você acha que de repente eu ia te dizer
que estava grávida? Antes de mais nada, eu tinha que ter
certeza com o médico, e depois, quando soube, já sabia que
você tinha me traído. Não havia razão para te dizer. Você fez
sua escolha. Você me afastou, então eu lidei com isso sozinha.

— E como você... lidou com isso? — ele pergunta, a voz


baixa, quebrando.

— Eu fiz um aborto, — digo a ele com naturalidade, e seu


rosto cai um pouco, o suficiente para me deixar na defensiva.
— Essa foi à única opção que vi para mim. Eu estava
apavorada. Eu só tinha Hannah, e ela tinha muitas coisas em
seu prato com a escola. Eu não poderia criar um bebê e mantê-
lo, nem tê-lo e entregá-lo para a adoção. Então fiz um aborto
porque era a única coisa que fazia sentido.
— Você se arrepende? — ele sussurra.

Eu mordo meu lábio por um momento antes de balançar


minha cabeça. — Não. Eu fiz muitos exames de consciência ao
longo dos anos, e não. Eu não me arrependo. Eu não estava
pronta para ser mãe. Inferno, não sei se algum dia estarei, se
isso é algo que vou querer. Não me arrependo porque era a
coisa certa a fazer na hora. Mas isso não significa que foi fácil.
Não significa que fui capaz de empurrar para o lado e esquecer.
Eu fiz as pazes com isso agora, mas por muito tempo isso
pesou sobre mim. Eu me senti... envergonhada. E culpada. E
porque eu não tinha ninguém com quem realmente conversar
sobre isso, porque eu era tão jovem e confusa, era apenas algo
que eu tinha que manter enterrado dentro de mim.

Ele me encara, os olhos percorrendo cada centímetro do


meu rosto, a dor visível na tempestade. — Você sabe que eu
teria... eu estaria lá para você. Se você quisesse ficar com ele.

Dou a ele um olhar penetrante. — Isso não ajuda, Anders.


O que está feito está feito.

— Não, quero dizer, — ele diz, lutando pelas palavras, —


Eu só quero que você saiba que eu não fui totalmente horrível.
Eu sei que você não acredita, mas eu teria intensificado. Eu
teria tentado. Não teria te deixado, teria ficado em Nova York,
poderíamos ter feito funcionar. Talvez eu pudesse ter
conseguido um emprego em algum lugar, minha própria
casa...
Ele para de falar, parecendo estranhamente esperançoso,
como se isso fosse algo que ele pudesse voltar no tempo e
consertar. Mas não há como consertar isso. Nunca.

— Você diz isso agora, porque você sabe quem você é


agora. Você era um adolescente, Anders, e como já disse
muitas vezes antes, estava fodido. Nós dois estávamos. Você
não pode prever agora o que teria feito. Não é justo com
nenhuma das versões de você.

— Shay, — ele sussurra, a voz tremendo levemente


enquanto respira profundamente. — Isso está partindo meu
coração. Que você teve que passar por tudo isso sozinha. Tudo
por minha causa. — Ele exala alto. — Eu sinto muito.

— Sim, bem, eu também. Lamento que tenha que chegar


a esse ponto. E por mais zangada que eu estivesse, a culpa
também era minha. São necessários dois nesta situação. Eu
deveria ter sabido melhor.

— Eu queria... queria ter sabido. — Ele olha para suas


mãos, torcendo-as. — Eu sei por que você não me contou, mas
mesmo assim...

— Bem, agora você sabe.

— Não é à toa que você me odiava tanto, — ele diz


baixinho. Há tanta dor fervilhando em sua voz que é um
pequeno soco no meu coração. — Eu fui horrível. Eu fui
horrível com você.
As paredes de aço que tentei colocar dentro de mim se
dobram um pouco.

Sento-me ao lado dele e coloco minha mão em cima da


dele. A sensação de sua pele contra a minha me acalma e me
deixa triste, porque estou preocupada que não teremos mais
nenhum desses momentos. — Como eu disse, o que está feito
está feito. Essas pessoas que éramos? Eles também estão
prontos. Eles seguiram em frente. Eles seguiram em frente e
se tornaram nós. Somos nós. — Eu gesticulo para nós com
minha outra mão.

— E então o que isso significa para nós?

— Significa o mesmo que você disse, — digo, as lágrimas


começando a queimar atrás dos meus olhos. — Significa que
em breve pegarei uma balsa rumo ao sul e você voltará para a
fazenda, e ambos podemos dizer que fomos capazes de fazer as
pazes. Que finalmente conseguimos o fechamento de que
ambos precisávamos.

— Se isso é um fechamento, então como é que parece que


estamos deixando uma porta aberta?

Eu dou a ele um olhar incrédulo. Ele é quem já disse que


não seria o suficiente para mim, que eu só iria receber sucatas,
que não merecia uma vida com ele, independentemente do que
eu realmente quisesse. Ele já iniciou o processo de fechamento
daquela porta aberta.
Então, talvez isso prove, eu acho. Talvez isso prove que ele
não sabe o que diabos ele quer.

— Talvez seja o melhor, — digo a ele com um suspiro,


meu coração quebrando no meu peito. — Talvez estivéssemos
apenas nos enganando. Talvez todo primeiro amor deva ficar
ali, como um primeiro amor. Devíamos ter deixado onde
estava. No passado. No lixo.

Seu rosto empalidece um pouco, como se eu tivesse


acabado de lhe dar um tapa na cara, como se ele estivesse se
lembrando de quando eu fiz. Ok, então minhas palavras foram
duras. Isso pode ter doído, mas não significa que não seja
verdade. Devíamos ter deixado esse novo relacionamento como
era, alguns rolos no feno para dissipar a tensão sexual entre
nós, além de alguns passeios turísticos. Por que diabos
tivemos que ir e trazer todos os nossos sentimentos para isso?
Por que tivemos que transformar isso em uma bagunça tão
fodida?

Porque seus sentimentos estavam lá, desde o início, e


também a bagunça.

Ignoro isso.

Eu fico de pé. — Estou indo tomar um banho. Preciso de


um tempo sozinha.

Pego minha bolsa e vou para o banheiro.

Cometo o erro de olhar para Anders antes de fechar a


porta.
Se eu achasse que meu coração estava lentamente se
abrindo dentro do meu peito, eu sinto como se estivesse
assistindo isso acontecer com ele em tempo real.

Seus olhos me dizem que tudo dói.

Na manhã seguinte, acordo com a chuva batendo no vidro


da janela.

Anders está roncando levemente ao meu lado, um som


que antes me incomodava de uma forma lúdica, mas agora o
som corta como uma faca.

Esta será nossa última manhã juntos.

A noite passada foi à última vez que dormi com ele. Não
que tivéssemos feito sexo – estávamos ambos emocionalmente
exaustos e entorpecidos para isso – mas já não consigo
imaginar não acordar com ele ao meu lado.

Deixe-me dizer, não há nada pior do que já estar de luto


pela pessoa que está deitada ao seu lado. Tenho experiência
em primeira mão com isso de Danny, e é por isso que terminar
durante as férias é algo a ser evitado.
Não que estejamos nos separando, por si só. Anders e eu
nunca estivemos realmente juntos desta vez. Nós dois
sabíamos no que estávamos nos metendo, sabendo que nos
divertiríamos um pouco em uma viagem, e depois disso, nos
separaríamos. Mas com certeza parece que estamos
terminando, especialmente depois da noite passada.

É por isso que, depois que terminamos de deixar tudo


sair, eu fui e fiz uma reserva para uma balsa saindo de
Trondheim amanhã. Melhor encurtar a viagem em vez de
prolongar o inevitável. Hoje, Anders nos levará até Trondheim,
desta vez indo para o interior pelo caminho dos famosos
ziguezagues de Trollstiggen, antes de me deixar na cidade. Vou
arranjar um quarto de hotel, ele vai voltar para Todalen.
Depois, vou pegar a balsa e verificar Bergen e os destinos ao
sul daqui. Desejo de viajante ativado.

Deve parecer emocionante. Deveria me animar a voltar


para lá, viajar sozinha de novo, mas não sinto absolutamente
nada.

Simplesmente... nada.

Eu não quero ir. Realmente não quero. Sinto que é um


grande erro, embora saiba que esta é uma rua de mão dupla e
meus sentimentos não são os únicos que importam. Anders
parece ter se decidido e, embora esteja sendo gentil e doce, e
embora seus olhos estejam tristes, também há uma frieza
glacial saindo dele, aquele mecanismo defensivo que o impede
de sentir demais.
Bem, acho que é hora de usar a mesma máscara. Eu não
quero me transformar na garota apaixonada implorando por
outra chance. Já fui essa garota uma vez, não serei mais ela.
Se Anders decidiu que as coisas não vão funcionar entre nós
com nossas vidas, então acho que é isso. Não posso fazer ou
dizer nada para mudar sua opinião. E de qualquer maneira,
quem pode dizer que ele está errado sobre isso? Talvez seja um
erro colossal simplesmente abandonar todos os meus planos e
construir minha vida em torno dele. Afinal, ainda estamos no
processo de nos conhecermos novamente. É muito cedo para
pensar assim.

Eu suspiro suavemente e rolo, esperando não acordar


Anders. Ele geralmente acorda ao amanhecer, seu estilo de
vida está enraizado nele, então vê-lo dormindo me diz que ele
precisa disso.

Eu, porém, mal dormi a noite toda. Continuei sonhando


com um navio afundando, vendo Anders afundar nas ondas,
fora da minha vida para sempre. Então eu acordava e percebia
o que realmente estava acontecendo. Que o fim estava aqui e
eu era a única a me afogar.

E eu sei, eu sei que deveria estar lidando com isso melhor.


Há muito do que eu disse a você que é direcionado a mim
mesma, porque eu sabia que me envolver física e
emocionalmente com Anders novamente faria meus
sentimentos espiralarem fora de controle, facilmente me
dominando. Quer dizer, eu sabia disso. Não deveria ter
dormido com ele, deveria apenas ter deixado naquele beijo no
celeiro. Definitivamente, não deveria ter feito uma viagem
romântica com a mesma pessoa por quem estava lutando para
não me apaixonar.

Mas o que está feito está feito. E estou aqui agora. Eu me


deixei apaixonar por ele novamente, e agora estou vendo nosso
relacionamento chegar à mesma conclusão. Talvez não
estejamos realmente destinados a ficar juntos. Talvez qualquer
coisa baseada em seu primeiro amor deva estar condenada, a
natureza do jogo.

A chuva começa a ficar mais forte e cuidadosamente saio


da cama, olhando para fora das vidraças listradas. O céu está
ficando mais claro, mas não parece haver leste ou oeste. É tudo
esse cinza escuro sombreado conforme nuvens negras pesadas
avançam ao longo do fiorde, o vento soprando forte. Espero que
a viagem de volta a Trondheim não seja uma perda total com
este tempo, já que estou contando com a paisagem para me
distrair do que com certeza será um inferno de uma viagem de
carro estranha.

Não sei quanto tempo fico ali parada, observando a


tempestade chegar. A manhã não parece ficar mais clara.

Por fim, Anders acorda e sai da cama. Trocamos bons-


dias tranquilos e conversamos um pouco sobre o tempo e então
ele começa a fazer café para nós na máquina Nespresso do
quarto. Acho que nós dois queremos voltar no tempo, mas não
temos certeza de como.

Talvez esse tenha sido o nosso problema desde o início.


Mas temos lugares para ir. Nós nos vestimos, arrumamos
as malas e não demorou muito para pegarmos alguns
croissants rançosos e frios da mesa do café da manhã no
saguão e irmos para o carro. A tempestade acalmou um pouco,
as nuvens proporcionando um cenário dramático enquanto
navegamos ao longo da borda do fiorde, centenas de metros de
altura, com apenas um guarda-corpo entre nós e a morte certa.
Pelo menos isso tira minha mente das coisas um pouco.

Eventualmente, nós dirigimos para o interior e o tempo


melhora apenas o suficiente para eu tirar mais fotos. Não peço
a Anders que encoste neste momento, embora ele ofereça,
embora eventualmente ele faça a ligação quando encontra um
pedaço fotogênico de ovelhas e um trecho de estrada vazia.
Saio e caminho pelo meio da estrada, braços abertos, posando
para a câmera, grata que Anders está longe o suficiente para
esconder as lágrimas em meus olhos. Aqui, nesta bela terra,
no topo dos intermináveis topos ondulantes das montanhas de
rocha nua e musgo, uma paisagem pré-histórica que atinge
alguma parte primordial de mim, eu me sinto livre e presa,
como em minha antiga vida, aquela em que não tive uma
direção real, isso me sugará de volta e não haverá como
escapar.

Quando volto para o carro, não tenho como esconder que


estava chorando durante a sessão de fotos.

Anders também vê isso, mas não diz nada. Ele não


precisa.
Voltamos para o carro e continuamos nosso caminho,
passando por lagos desolados, mais ovelhas e, finalmente, as
famosas curvas sinuosas, fazendo uma breve parada para um
café na cafeteria de vidro brilhante com vista para tudo.
Bebemos nossos cafés um ao lado do outro em silêncio,
observando os carros, ônibus de turismo e motocicletas dando
voltas e mais voltas antes de seguirmos nós mesmos pela
estrada infame.

Devo dizer que a viagem de volta a Trondheim é tão linda


quanto à estrada ao longo do Atlântico, e estamos dirigindo ao
longo de um rio água-marinha, eu tirando foto após foto (eu
me tornei uma profissional em tirá-las de um carro em
movimento), quando o telefone de Anders começa a tocar.

Ele atende, embora não deva quando está dirigindo.

— Ja? — ele diz em norueguês, já parecendo preocupado.


Então ele diz algo tão afiado que só pode ser um palavrão.

Olho para ele, com a expressão de horror vindo de seu


rosto, e meu coração afunda imediatamente.

Algo horrível aconteceu.

Anders está acenando com a cabeça, falando rápido em


norueguês, e então ele rapidamente para o carro na primeira
vaga disponível ao longo do rio. Ele diz mais algumas palavras
e desliga, o corpo completamente tenso.

— O que? — Eu pergunto, tentando não entrar em pânico


e pensar no futuro. — O que aconteceu? Quem era?
Ele olha para a frente por um momento, a dor lutando
contra suas feições.

Então ele se vira para olhar para mim.

Abre a boca por um momento antes que as palavras


saiam.

— O barco, — diz ele. — O barco se perdeu no mar.


Entorpecido.

Fiquei completamente entorpecido.

Eu fico olhando para o telefone em minhas mãos, me


perguntando se isso tudo poderia ser um pesadelo. Certamente
parecia um pesadelo quando acordei, um pesadelo do qual
Shay e eu deveríamos nos separar, para nunca mais nos
vermos.

Mas ela ainda está aqui por enquanto, sentada ao meu


lado no banco do passageiro enquanto a chuva começa a bater
no teto, e esse sonho rapidamente se transformou em
pesadelo.

O barco está perdido no mar.

Meu barco.

Meu barco com Epsen e Dag a bordo.

Não pode ser real.

Isso não pode estar acontecendo.


— Por favor, Anders, fale comigo — Shay diz baixinho,
embora possa ouvir o pânico transbordando em sua voz.

Mas nem sei o que dizer.

— O que você quer dizer com está perdido no mar? O que


isso significa? — Ela pergunta, estendendo a mão e
pressionando a mão no topo da minha coxa. Fico olhando para
a mão dela, para o quão pequena ela é, delicada. Uma mão que
conheço tão intimamente quanto a minha. Em breve, vou
perdê-la. Em breve, terei perdido tudo. Mal processei o que ela
me disse ontem à noite, que eu a engravidei, que por um breve
período de tempo nós tivemos a porra de um bebê, algo que
parecia uma bota nas minhas costelas. E agora... isso?

Balanço minha cabeça, tentando engolir, falar. Parece


impossível.

— A tempestade, — consigo dizer. — Há uma tempestade


lá fora. No mar. No banco. Os outros navios começaram a
voltar, mas... eles permaneceram. Tentando pegar mais peixes.
Eles estavam voltando quando as coisas pioraram e uma das
embarcações perdeu o contato por rádio com eles. Disse que
estavam pegando água. Então... foi isso. Agora ninguém sabe.
Agora é a busca e resgate, na esperança de encontrar Dag e
Epsen e a tripulação vivos e...

Não consigo terminar minha frase.

De repente estou sufocando, incapaz de respirar.

Eu não posso perdê-los.


Não posso perdê-los como perdi meu pai.

— É minha culpa — grito, minha voz falhando e estou tão


perto de quebrar. Quebrar em um milhão de pedaços e não há
cola que vá me segurar novamente.

— Shhh, — ela diz, passando a mão na minha bochecha.


— Não é sua culpa.

— Eu os mandei lá fora!

— Eles queriam ir, Anders. Eles ficaram mais do que


felizes. Você disse que os estava ajudando e o fez. Eles são os
que foram, essa foi a escolha deles. Você não deu uma ordem.

Mal a ouço. Tudo que eu ouço é esta batida doentia do


meu coração, tudo que eu sinto é meu peito se fechando, cada
vez mais apertado.

— Olha, o que podemos fazer? Temos que ser capazes de


fazer algo, — diz ela. — De onde estão partindo os barcos de
resgate? Qual é o porto mais próximo?

Tento me lembrar do que o despachante me disse ao


telefone. — Bessaker. Acho que é uma pequena vila de
pescadores. Norte de Trondheim.

— Então vamos lá — diz ela. Ela coloca os dedos no meu


queixo e me faz olhar para ela. Por dentro, estou
completamente perdido, mas em seus olhos vejo que ela está
no controle. Eu me rendo a ela. — Nós vamos lá. Ajudamos. E
fazemos o que podemos. Nós não sentamos aqui, ok?
Aceno lentamente, lambendo meus lábios ressecados, o
mundo parece estar no fundo de um aquário. — Ok.

— Você quer que eu dirija?

Eu pisco, sua pergunta me tirando disso. — Você?


Dirigir? Este carro?

Ela me dá um sorriso rápido. Não acho que ela quis dizer


isso. Talvez. — Ok. Então, se você pode dirigir, vamos indo.
Vou conectar o local no meu GPS. — Ela pega o telefone e me
pede para soletrar o nome da cidade para ela. Em seguida, ela
o conecta, franze a testa. Mostra-me a tela.

Estamos cerca de duas horas ao sul de Trondheim agora,


mas perto da rodovia que divide o país ao meio, a E-6.
Levaremos cinco horas e, com sorte, a balsa que usaremos
estará funcionando no horário.

— Vamos — digo a ela, empurrando minha dor de cabeça,


ansiedade e condenação para algum lugar lá no fundo, até que
eu tenha que lidar com isso mais tarde. Até então, preciso me
concentrar em dirigir, em deixar Shay e eu lá inteiros,
especialmente com o tempo como está.

Eu trago o Datsun de volta para a estrada, zunindo ao


longo do rio e seguindo mais para o interior. Eu olho para ela
rapidamente, meu coração encharcado. — Você não tem que
vir. Vou ter que dirigir por Trondheim de qualquer maneira.
Vou deixá-la no seu hotel.
Ela vira a cabeça e me lança um olhar firme. — Se você
acha que vai se livrar de mim tão facilmente agora...

— Eu nunca estiva tentando me livrar de você, — digo a


ela, minhas mãos agarrando o volante enquanto nossa luta de
ontem se instala sobre nós. Não quero tocar no assunto, não
quero repetir, mas também não quero que ela pense que eu
não a quero. — Shay.

— Está tudo bem, — ela diz, olhando pela janela. —


Apenas dirija. Precisamos nos concentrar em Epsen e Dag.

E o barco, eu termino na minha cabeça. Porque o barco


está tão vivo quanto eles. O barco é meu pai, meu dever, meu
legado, personificado.

— Temos cinco horas, — digo a ela. — É muito tempo


para não discutir o que aconteceu ontem. E eu sei que
deveríamos estar pensando neles agora, sei disso, mas também
sei que se eu pensar, se eu deixar minha imaginação correr
longe de mim, posso afundar tão fundo que nunca mais
voltarei. Ok?

Ela não diz nada sobre isso.

— Então, eu vou falar, — continuo. — Vamos conversar


sobre o que aconteceu.

— Nada mudou — ela resmunga.

Suspiro pesadamente. — Eu não... eu não quero que você


pense que eu não quero ficar com você. Que você não me faz
feliz. Shay, você me deixa tão incrivelmente feliz que é como,
quando estou com você, não sou mais eu mesmo. Sou alguém
melhor. Alguém com um novo propósito e esse propósito é você
e...

— Pare, — ela sussurra, e quando ela olha para mim,


seus olhos estão molhados de lágrimas. — Não quero ouvir
isso. Isso não ajuda. Por que me dizer tudo isso se não vai
mudar nada? Porque é bom dizer? Anders, me mata ouvir isso.
Então, por favor. Por favor, pare de falar. Dissemos tudo o que
havia para dizer ontem e você deixou mais do que claro por que
isso não vai funcionar entre nós, e eu entendo. Agora eu
entendo. — Ela faz uma pausa, pressionando os lábios por um
momento. — Você tem razão.

— Mas eu não quero ter razão — digo a ela.

Ela não diz nada. Afasta seu corpo do meu, descansando


a cabeça contra a janela, fechando os olhos. Me excluindo,
assim como eu a excluí.

Tanto para me distrair durante nossa viagem de cinco


horas.

Na verdade, Shay acaba adormecendo até chegarmos a


Trondheim, quando me aproximo e a acordo propositalmente.
Acho que com todas essas viagens, ela se tornou uma
profissional em adormecer em carros, aviões e trens.

Minha mente volta para quando ela saiu do trem em


Trondheim, na estação, quando a vi pela primeira vez em carne
e osso depois de tantos anos. Não tinha ideia em que estava
me metendo com ela, mas sabia que tinha que fazer tudo ao
meu alcance para mantê-la em minha vida novamente. Que eu
não cometeria os mesmos erros de antes.

E o que estou fazendo agora?

Cometendo exatamente os mesmos erros de merda.

Quando era um jovem fodido, me odiava muito. Era difícil


não me odiar. Tive um pai com quem não concordava, que se
tornou a casca de um homem depois que minha mãe o deixou.
Talvez eu o tenha lembrado demais dela, mas ele me
empurrou, fechou-se para mim e eu me rebelei. Eu me rebelei
contra tudo, me tornando aquilo que eu odiava. Eu estava
cansado de ser o filho bom, o filho zeloso, quando não recebia
nenhum amor em troca. Se ele quisesse me tratar como uma
semente ruim, então era isso que eu seria.

Eu desempenhei um papel até que se tornou o fio que me


manteve unido.

Eu ataquei.

Eu usei drogas.

Fiz meu pai tomar as decisões difíceis.

E então eu fingi que não me matou quando ele as fez.

Meu pai me mandou embora porque não conseguia lidar


comigo, porque me tornei o filho mau, o filho da puta. Ele
estava começando a ficar ressentido comigo de qualquer
maneira, por que não levar isso até o fim e dar a ele um bom
motivo?

Então eu fui para a América.

À minha mãe, que me odiava tanto que deixou toda a


família para trás e perseguiu um cara que mal a conhecia. Eu
sabia que minha mãe não queria uma família para começar,
sabia que ela me tratava, Astrid, Tove, Lise, como se fôssemos
animais de estimação indesejados correndo pela casa dela.
Mas saber disso não tornou tudo mais fácil, não diminuiu a
dor quando ela de repente se levantou e nos deixou, quebrando
nossa família ao meio.

Minha mãe definitivamente não me queria com ela em


Nova York, fodendo sua nova vida perfeita com seu novo
homem. Mas ela não teve escolha. Embora ela não fosse minha
mãe em seu coração, ela era no papel.

E então fui embaralhado entre dois pais que não sabiam


o que fazer comigo, que não queriam muito comigo. Como eu
poderia não me odiar?

Shay era a única coisa que eu tinha. Quando eu estava


com ela, podia fingir que o amor dela era tudo o que importava.
Eu poderia fingir que o amor dela era o que iria me salvar, me
redimir, me tornar um homem melhor. Fazer de mim um
homem, ponto final, não apenas um garotinho assustado e
machucado.

Mas então foi demais.


Não poderia manter a farsa para sempre.

Sabia que Shay merecia estar com alguém que não era
eu, porque o que eu realmente era, no fundo, por trás da poesia
emo e das tatuagens ruins e tudo o mais que eu
cuidadosamente trabalhei para me segurar, era alguém
inerentemente indesejado e desagradável. E, eventualmente,
ela veria essa versão de mim. E ela me deixaria.

Então, eu nunca dei a ela uma chance. A empurrei,


coloquei as paredes, comecei a atacar e a trair e a usar mais
drogas e a faltar à escola, porque era mais fácil do que ser
rejeitado por ela.

Esse foi o meu maior erro e estou fazendo tudo de novo.

Estou dando desculpas para nos separarmos, estou


ignorando o fato de que me apaixonei novamente por ela, que
ela me faz sentir como um deus do caralho, e estou afastando-
a porque acho que no final será mais fácil.

Mas não será mais fácil.

Vai doer mais do que antes e, mais uma vez, só terei a


mim mesmo para culpar. Quando você viveu a maior parte de
sua vida em culpa e vergonha, o dedo apontado para dentro,
implacável na culpa, torna-se uma segunda natureza. Você
começa a pensar que merece.

Mas ela me faz sentir que não. Como se eu fosse alguém


que vale a pena amar. Que tenho mais a oferecer ao mundo do
que estou oferecendo atualmente.
Eu não posso perder isso. Eu não posso perdê-la.

E, no entanto, parece que agora estou prestes a perder


tudo. Cada coisa que eu amo.

— O que é? Onde estamos? — Shay diz sonolenta,


levantando a cabeça e olhando ao redor.

— Perto de Trondheim — digo a ela. O que eu não


acrescento, é que esta é a chance dela de se despedir se ela
quiser. Não conto porque não quero mais afastá-la, e é
exatamente assim que ela vai reagir.

— Devo ter ficado cansada — diz ela, e então pego a saída


para a 707, saindo da cidade e seguindo em direção ao litoral.
Sua chance de me deixar desaparece no espelho retrovisor.

Ela também sabe disso. Ela vê a saída desaparecer e um


olhar de determinação suave surge em sua testa, seus olhos
focados na estrada à frente. O caminho a seguir.

De onde estamos, são mais três horas até a vila de


pescadores, e ficamos em silêncio a maior parte do tempo. Às
vezes, o rádio está ligado, mas as músicas pop e gritos
animados são demais para mim agora. Às vezes Shay fala sobre
os vilarejos que estamos passando, às vezes ela toca em
conversa fiada, mas ela não está tirando fotos e tem um peso
enorme que desce dentro do carro.

Estamos ambos presos por um fio, esperando o que


acontecerá a seguir.
Por fim, chegamos à vila de pescadores de Bessaker, nada
mais do que alguns prédios vermelhos velhos e desgastados ao
longo de uma costa rochosa e coberta de líquenes. É uma terra
dura aqui, nua e implacável, e embora o sol normalmente
aparecesse, agora a tempestade varreu a maior parte da luz.
Está escuro, quase tão escuro quanto a noite, e o vento sopra
do mar da Noruega, açoitando o carro.

As docas estão cheias de atividade, com uma van de


notícias de Trondheim e outros carros estacionados, pessoas
circulando, sinalizadores e lanternas prontas para quando o
mundo mergulhar na noite.

Está tão tempestuoso, úmido e áspero, que digo a Shay


para ficar no carro, puxando minha jaqueta Helly Hansen do
banco traseiro e a vestindo, a chuva já me encharcando.

Mas Shay continua teimosa como sempre. Ela está fora


do carro, gritando quando o vento quase a derruba, e vai até o
porta-malas, pegando sua fina jaqueta de chuva e a vestindo.

Pego a mão dela, parte de mim grato por ela estar ao meu
lado, embora seja mais seguro dentro do carro, então a puxo
em direção à multidão.

Me dou a conhecer, mal ouvido acima do rugido da


tempestade, e um dos caras de busca e resgate nos puxa de
lado.

— Você é o capitão do Midnight Sun? — ele me diz em


norueguês, me olhando de cima a baixo. Eu recebo muito isso.
Não que eu não pareça pescador, mas não é comum ter um
jovem de 25 anos como capitão e dono de um barco de pesca.

— Sim, emprestei o barco para meu primeiro imediato,


Epsen Larsen, — digo a ele. — E Dag Nilsen está encarregado
disso nesta rodada. Ambos são muito experientes, não entendo
como isso pode acontecer.

Minha voz está começando a falhar e eu sinto que tudo o


que estou segurando está se desfazendo lentamente. Embora
Shay não consiga entender do que estamos falando, ela segura
minha mão com força, dando-lhe um aperto forte e
reconfortante.

O cara de busca e resgate balança a cabeça severamente.


— Eu sei. Eles começaram a entrar quando ficou ruim, mas
era tarde demais.

Eu não consigo respirar. — Você tem certeza de que o


barco se foi?

Ele balança a cabeça. — Não. Nós não temos. Mas não


podemos fazer uma leitura do barco. Sem sinal. — Ele faz uma
pausa. — Nós captamos os sinais dos trajes de sobrevivência,
no entanto. Seis no total. Esses seriam Dag, Epsen e os
marinheiros, Erik, Tor, Hagen e Vik.

Está acontecendo tudo de novo.

Os trajes de sobrevivência.
Eles sabiam que estavam em apuros, sabiam que
estavam caindo. A última transmissão de rádio dizia que eles
estavam trazendo água, então eles vestiram os macacões e
ativaram os faróis, sabendo que estariam afundando.

Os sinais geralmente levam os pesquisadores à morte.

Meu pai caiu da mesma maneira, mas nunca foi


encontrado.

Eu tropeço em meus pés, me sentindo tonto, como se não


houvesse ar, e então Shay está me segurando, e o cara de
busca e resgate está com a mão em meu ombro, me firmando.

— Vá sentar-se, — ele me diz. — Eu avisarei quando


tivermos novidades.

Tento engolir, mas é como se tivesse giz na garganta.

Shay me leva de volta ao Datsun, me fazendo deitar no


banco de trás, com o vento e a chuva batendo no carro. Há
tanta escuridão e medo em meu coração, que parece que estou
me afogando também.

Eu fico ali em agonia, apenas a mão de Shay me


lembrando que ainda estou vivo, que ela ainda está aqui, e
então à escuridão desce conforme o dia se transforma em noite.
O único alívio é que a tempestade diminuiu, só um pouco.

Mas o aperto em torno do meu coração, aperta ainda mais


forte.
Devo ter caindo no sono em algum momento porque ouço
a doce voz de Shay, soando tão distante. — Algo está
acontecendo — ela diz em um sussurro.

Abro os olhos e lentamente me sento e olho pela janela


molhada de chuva. A multidão desceu para as docas, as luzes
se movendo e, na água, posso ver o holofote de um navio de
resgate quando ele passa pelo porto.

Oh meu Deus.

Abro a porta e começo a correr pelo estacionamento,


quase tropeçando no caminho. Eu ouço Shay gritar atrás de
mim, ouço seus passos espirrando nas poças, mas continuo.
Eu passo pela multidão de pessoas, passo pelas câmeras de
notícias, passo por alguns braços que tentam me segurar.

É como se meu mundo entrasse em câmera lenta.

Vejo o barco encostar, as pessoas amontoadas nele e


meus olhos procuram freneticamente por rostos familiares.
Mas eu não vejo nenhum, não realmente. Está tão escuro e
eles estão amontoados sob cobertores e estou começando a
temer o pior, que Epsen e Dag não tenham sido encontrados.

Então começo a reconhecer um dos rostos quando o


barco chega ao cais. É um cara que contratei antes como
marinheiro. Sim. Erik Andersen. Esse é ele.

E então começo a ver todos os outros com mais clareza.

Eu vejo Dag.
E vejo Epsen.

Ambos vivos, molhados, pálidos. Aqui.

Solto um grito sufocado e de repente Shay está ao meu


lado, me segurando.

— Eu os vejo, eu os vejo, eles estão vivos — diz ela.

Oh! Graças a Deus. Não estou apenas vendo coisas.

Quase desabo de joelhos.

Eles estão vivos.

Não posso deixar de exalar alto, uma lágrima escorrendo


pela minha bochecha, embora eu esteja sorrindo, e quando
Epsen e Dag me vêem, eles acenam também, tanto quanto
podem. Eu estava tão certo de que os havia perdido, tão certo
de que eles seguiram da mesma maneira que meu pai. O alívio
que transborda de mim é indescritível.

Eles estão vivos.

Eles saem do barco lentamente, com a equipe de busca e


resgate ajudando-os, e é óbvio que todos eles estavam quase
morrendo lá fora. Eles mal conseguem andar, amontoados sob
cobertores, movendo-se como zumbis.

Eles se arrastam pelo cais em nossa direção, Dag me


dando um aceno solene, parecendo cansado e envergonhado,
mal olhando para mim, enquanto os olhos de Epsen estão
frenéticos e marejados de lágrimas.
— Perdemos o navio, Anders, — diz Epsen para mim,
tremendo, com a voz angustiada. — Ela se foi. Ela está no
fundo do mar.

Recuso-me a permitir que essas palavras sejam


absorvidas. — Não importa, não importa — digo a ele, fazendo
menção de abraçá-lo. — Você está aqui.

Mas o cara de busca e resgate puxa Epsen junto, assim


que duas ambulâncias entram no estacionamento, luzes
vermelhas piscando. — Temos que levá-los ao hospital mais
próximo — diz o homem.

Eu aceno, tentando me controlar, observando enquanto


eles conduzem Epsen, Dag e o resto da tripulação pelas docas,
em direção às ambulâncias. Pelo menos eles vão ficar bem.

Mas eu vou ficar bem?

— Sinto muito, Anders — Shay sussurra para mim. —


Sobre o barco.

— Tudo o que importa é que eles estão vivos — digo a ela.


E embora seja verdade, não é toda a verdade. Isso eu enterro
bem no fundo, por enquanto.

O tempo começa a passar em transe. Como é muito tarde,


não tenho energia para dirigir até Trondheim, mas o dono de
uma pousada local decide colocar todos, incluindo a equipe de
busca e resgate, de graça, talvez ainda seja a baixa temporada
aqui.
Eles deram a mim e a Shay um pequeno quarto com uma
vista que provavelmente é linda quando o sol nasce, e mal
fechei a porta do quarto quando me sinto sugado por uma
ressaca.

Eu desabo de joelhos no chão de madeira, sentindo que


não aguento mais um momento, como se cada parte de mim
estivesse afundando para dentro, na escuridão. Tudo me
atinge de uma vez, como uma marreta nas costelas.

Shay corre até mim, caindo de joelhos, os braços em volta


de mim, e eu perco o controle.

Eu me perco, porra.

Respiro fundo, as lágrimas me inundando e eu choro.

Choro porque estou perdendo Shay.

Choro porque quase perdi meus amigos.

E choro porque perdi meu pai, que nunca consegui dizer


a ele que o amava, que sentia muito por ter agido daquela
maneira, que não queria magoá-lo. Perdi meu pai e nunca tive
a chance de lamentá-lo apropriadamente, em vez disso, recebi
apenas a vida dele, a vida que ele deixou para trás, e eu sabia
que precisava continuar.

E não é como se alguém me tivesse passado a tocha e me


obrigado a virar pescador, a ficar com o barco. Minhas irmãs
nunca o fizeram. Per também não. Minha mãe, bem, ela nunca
se importou o suficiente, mas ela também não. Eu escolhi
assumir o legado do meu pai e viver a vida dele, escolhi fazer
isso porque era a única maneira de chegar a um acordo com o
que aconteceu. Com sua morte. Era a única maneira de fazer
as pazes e me perdoar e rezar para que de alguma forma, em
algum lugar, ele estivesse me perdoando por ser o filho podre
que eu era.

Mas agora, isso foi tirado de mim. O barco se foi, o legado


do meu pai se foi. Se foi a única parte dele que me restou, e
agora os dois estão no fundo do mar e não tenho nada além de
lembranças e desejos de que as coisas pudessem ter
acontecido de forma diferente.

Eu o quero de volta. Eu quero que ele viva sua vida


novamente. Não quero mais viver sua vida por ele.

Eu quero viver minha própria vida.

— Está tudo bem — Shay sussurra para mim, segurando-


me com força, e ela me traz de volta para o aqui e agora, para
esta sala, para este momento de nossas vidas.

Ela me traz de volta para ela.

Quero viver minha própria vida agora, e a quero nela.

Não há mais barco. Não há mais passado.

Não há mais desculpas, não importa o quanto eu tenha


medo de ter meu coração partido e perdê-la.

Tenho que começar de novo, com ela ao meu lado.


Eu me afasto, respirando com dificuldade, as lágrimas
rolando pelo meu rosto, deixando minha barba úmida. Eu
agarro seu rosto em minhas mãos, segurando-a, com medo de
soltar.

— Eu te amo — digo a ela, minhas palavras tremendo, as


emoções girando através de mim. — Amo você, Shay. Eu não
quero deixar você ir. Eu não quero perder você. Eu quero que
você fique aqui, comigo, na Noruega. Eu quero que você esteja
comigo. Eu quero te amar como nunca tive a chance antes,
com cada centímetro do meu coração, por mais fodido e
imperfeito que seja.

Sua boca cai aberta, lágrimas derramando dos cantos de


seus olhos enquanto ela procura meu rosto, em busca da
verdade.

Estou dando a ela toda a minha verdade.

— Não quero mais correr, — prossigo. — Não quero ter


medo de te amar e não quero te afastar. Sei que você merece
coisa melhor, mas também quero uma segunda chance de ser
um homem que merece o seu amor. Posso nem sempre
acreditar que mereço, mas quero acreditar. Quero mudar. E eu
quero que você esteja comigo como eu quero estar com você.

— Anders, — diz ela em meio a um soluço, um sorriso


surgindo em seu rosto. — Quero estar com você também.
Quero ficar com você. Eu... eu am...
— Não, — a interrompo, pressionando meu polegar
contra seu lábio. — Não diga isso de volta para mim, meu
pardal. É minha palavra para dar a você. É tudo o que tenho
agora.

Ela se inclina para frente e me beija, com gosto de sal, de


amor. Em seguida, ela passa a mão pelo meu cabelo,
balançando a cabeça. — Nós vamos superar isso. Tudo isso.
Vamos juntar as peças e seguir em frente. Sei que você perdeu
o barco, sei que era seu ganha-pão, que era tudo o que restava
de seu pai, mas acho que ele gostaria que você planejasse uma
vida nova. Aquela que você deseja, não aquela que você
carregou por causa da culpa. E quero estar lá para você,
durante tudo isso. Não vou deixar você, Anders. Estou com
você, ao seu lado, até o fim. Ok?

Agora estou sorrindo.

Sorrindo de verdade.

Meu coração parece que está explodindo.

E, pela primeira vez, não estou enterrado bem dentro de


mim.

Pela primeira vez, estou me permitindo sentir tudo isso.

Todo o meu amor por ela.

Por tudo o que segue em frente.

Uma segunda chance na vida.


DUAS SEMANAS DEPOIS

— Todo mundo está aqui! — Anders explode pela cozinha.


— Esta reunião familiar de emergência será realizada.

Astrid me lança um olhar fulminante do outro lado da


mesa antes de revirar os olhos. — Todos nós estamos sentados
aqui há vinte minutos, Anders, — ela diz a ele. — E você não
precisa gritar.

— Eu preciso gritar, — diz Anders, apontando o polegar


para Per. — Porque gente como o nosso tio aqui fica sempre
saindo da sala para ver os animais da fazenda que não
precisam de checagem. As galinhas agora, realmente?

Per dá de ombros. Mesmo que eles estejam falando em


inglês e ele não consiga entendê-los, ele entende a essência e
está tão despreocupado como sempre.

Estou em Todalen há duas semanas, voltei a trabalhar na


fazenda com Per e Anders. Na verdade, passei a gostar disso,
do ar fresco, da sensação de camaradagem, além do aspecto
bônus de trabalhar com animais fofos. Comecei a gostar tanto
que estou começando a ter algumas ideias malucas.

Claro, as coisas têm sido meio estressantes nas últimas


semanas também. Anders demorou muito para aceitar a perda
do barco. Eu sei que simbolizava seu pai para ele, e que ele
nunca teve a chance de realmente lamentar seu pai depois que
ele morreu. Perder o barco significava que ele teria que
enfrentar aquela dor de novo, e isso não é uma coisa fácil de
fazer. Ele tem seus altos e baixos, seu humor oscilando de um
jeito ou de outro, mas pelo menos ele não está mais me
afastando. Quando me ofereço para ajudá-lo, para deixá-lo
falar, para deixar tudo sair, ele não esconde a escuridão de
mim. Ele deixa sair e me deixa entrar e isso está fazendo toda
a diferença em nosso relacionamento.

Porque, sim, este é um relacionamento agora. Nossa


relação. Algo familiar, mas fresco e novo. Embora Anders esteja
sofrendo com a perda do barco, ele também está se abrindo
para novas possibilidades para seu futuro. Ele precisa ganhar
dinheiro para ajudar na fazenda, mas não precisa mais ser
pescador. Ele não precisa mais viver a vida de seu pai. Ele pode
esculpir algo por conta própria, algo que ele queira fazer.

Simplesmente não sabemos o que é ainda, e é por isso


que Anders está realizando esta reunião de família.

Depois que o barco afundou, ele sentou-se com Per uma


noite e examinou o orçamento deles, analisando o que ele
precisavam trazer para manter as coisas à tona. Para ser
honesta, é um pouco menos do que Anders pensava, o que
tirou um grande peso de seus ombros. Ainda é algo, no
entanto.

Mas não há razão para Anders ter que assumir tudo isso
sozinho. Esta é a fazenda da família por um motivo. É tanto de
Astrid, Lise e Tove, e é por isso que ele pediu a todos que
voltassem para casa e falassem sobre o futuro do lugar.

Até agora, tem sido um tumulto. Senti falta de Astrid e


Lise por perto e, embora Tove tenha um senso de humor seco
e cortante que às vezes corta um pouco mais fundo, eu também
me dou bem com ela. Tem havido muita cerveja e cidra (e
uísque, escolha de Tove), e o filho de Tove, Harry, é uma
ameaça absoluta, o que eu acho hilário. Ele está sempre se
metendo em problemas e não dá ouvidos a ninguém. Ele me
lembra muito Anders.

No momento, ele está pulando no sofá da sala de estar,


depois de correr em volta da mesa da cozinha cinco vezes. Ele
está gritando e gritando em norueguês, mas todos estão
focados em Anders na cabeceira da mesa. Sempre capitão e
assumindo o comando. Fique quieto meu coração.

— De qualquer forma, — Anders continua, olhando todos


severamente nos olhos. — Como vocês sabem, o motivo pelo
qual todos vocês estão aqui não é para beber e festejar como
um bando de mergulhões, mas para se reunir e descobrir o que
fazer com a fazenda.
— Bem, não estamos vendendo — diz Lise, cruzando os
braços.

— Ninguém disse que estamos vendendo, — Anders diz a


ela. — Estamos descobrindo o que fazer para não termos que
vendê-la.

— Bem, você está conseguindo um emprego, não é? —


Tove pergunta.

Anders dá a ela um olhar que poderia cortar vidro. — Eu


já tenho um emprego, — ele diz friamente. — Isso se chama
administrar a fazenda. Per não pode continuar fazendo isso
sozinho.

— Eu poderia começar a contribuir, — diz Astrid, depois


de tomar um gole de cidra. — Comece um fundo para a
fazenda. Eu recebo o suficiente e às vezes as pessoas são muito
generosas.

— Eu também, — Lise fala. — Karl e eu íamos economizar


para comprar um carro novo, mas talvez possamos alugar em
vez disso.

— Bem, eu tenho um filho — diz Tove, no momento em


que Harry volta correndo para dentro da sala, fazendo
barulhos de avião, com os braços abertos como asas,
derrubando a cerveja de Lise.

— Não diga nada — diz Anders secamente, enquanto Lise


resmunga, enxugando o derramamento.
— Ei, — eu digo suavemente. Todo mundo olha para mim.
— Eu tenho uma ideia. Talvez uma que seja melhor do que
todo mundo ter que contribuir. E se pudéssemos fazer a
fazenda ganhar mais dinheiro?

Anders cruza os braços musculosos sobre o peito e tento


não cobiçar ele. — Como assim? Recebendo mais animais?
Eles custam uma fortuna e não tenho certeza se vamos
compensar isso, não com as grandes fazendas de leite no vale.

— Mais ou menos. Que tal cabras? E burros? Lhamas? —


Eu pergunto.

Astrid ri. — Você vai ordenhar burros agora?

Balanço minha cabeça. — Não. Não ordenhá-los. Basta


tê-los. Como atração turística.

Lise bufa. — As pessoas não vêm aqui para ver lhamas,


burros e cabras. Talvez em Nova York sim, mas...

— Essa não é a atração, — digo a ela. Eu aponto para a


casa. — Isso é. A casa, a fazenda. Olha, eu conheço coisas de
turismo agora. Este lugar está à beira de ser descoberto, de
estar no radar de todos os viajantes do Instagram. As pessoas
estão sempre procurando a próxima melhor coisa. Bem, esta é
a segunda melhor coisa. Todalen tem tudo. O belo vale, as
fazendas, as montanhas, as caminhadas, o fiorde, a pesca. —
Eu me inclino para frente, pressionando meus dedos na mesa.
— Veja. Vamos transformar este lugar em uma farmstay.

Anders franze a testa. O silêncio enche a sala.


Exceto por Harry e seus ruídos de avião.

Finalmente, Per pergunta algo em norueguês,


provavelmente algo como — o que diabos ela acabou de dizer?

Anders responde em norueguês e depois olha para mim.


Mas ele não está mais carrancudo. Algo parecido com a
realização está vindo sobre ele. — Uma farmstay, — ele repete,
passando lentamente a mão pela barba. — Isso poderia
funcionar.

— Uma farmstay? — diz Astrid, olhando entre nós dois.


— Você realmente acha que poderia funcionar?

Encolho os ombros. — Vale à pena tentar, não é? Há uma


tonelada de quartos lá em cima, sem mencionar a velha casa
de hóspedes nos fundos. Com um pouco de conserto, poderia
ser uma boa acomodação para as pessoas. Casa de fazenda
totalmente chique. Olha, eu conheço viajantes e mochileiros.
Eles querem descobrir um novo lugar, não só porque é livre de
multidões, mas porque postar fotos que ninguém mais posta
dá a eles o direito de se gabar, e eles querem uma experiência
total. Não basta ficar em um hotel hoje em dia, o lugar tem que
oferecer algo a eles. Algo que eles possam documentar. Ficar
em uma fazenda ativa faz exatamente isso. Os convidados
podem ajudar, fazendo as tarefas divertidas, eu acho, e isso
lhes dá um senso de propósito e novidade enquanto nós temos
mão de obra gratuita.
— Ah! — Lise diz com um aceno de aprovação. — Agora
você está falando a minha língua. Eles pagam para ficar aqui
e ajudam.

— Exatamente — eu digo.

Tove me olha de cima a baixo. — E então, enquanto


Anders e Per estão administrando a parte agrícola de tudo isso,
quem irá administrar o hotel? Porque não serei eu. Ou Lise.
Ou Astrid.

Eu sorrio. — Serei eu.

Eu olho para Anders, tendo sentido seus olhos


queimando em mim. Ele parece surpreso. E feliz.

Veja, eu disse a Anders que estava com ele até o fim, mas
nas últimas duas semanas não discutimos o futuro além do
que fazer com a fazenda e como pagar por merda. Ele não sabe
exatamente o quanto estou comprometida com ele e, bem, acho
que acabei de dizer a ele.

— Você vai comandá-lo? — Astrid diz, as sobrancelhas


levantadas. — Então isso significa que você vai ficar aqui?
Tipo, para sempre?

Eu concordo. — Eu sei. Eu não estou indo a lugar


nenhum. Isso já parece um lar para mim. — Eu olho para
Anders. — E minha casa é onde quer que ele esteja.

Lise deixa escapar um suave — aww.


E todo o rosto de Anders se ilumina, seu sorriso
incrivelmente lindo, seus olhos dançando por um momento
antes de ficarem sérios.

Ele atravessa a sala até mim e agarra meu rosto em suas


mãos e se inclina, colocando um beijo longo e quente em meus
lábios.

— Eu te amo — ele sussurra asperamente contra minha


boca, mas antes que eu possa sussurrar as palavras de volta,
ele puxa para cima.

— Uau — Astrid diz, e eu olho ao redor da mesa para ver


todas as suas irmãs me olhando com uma mistura de surpresa
e nojo, porque eca, é o irmão delas. Até Per parece pego de
surpresa, com os olhos arregalados. Ele pode não saber muito
inglês, mas não tenho dúvidas de que aprendeu tudo isso.

Eu estou aqui para ficar.

— Ok, então, — diz Anders, limpando a garganta, as


bochechas tingidas de rosa. — Então, acho que está resolvido.

— Você pode querer contar ao tio Per — Astrid diz,


apontando sua cidra para ele.

Anders acena para ela com desdém. — Ele vai ficar bem
com isso.

— Ele não é exatamente o Sr. Hospitalidade — diz Astrid.

— Ei, — Per diz de repente. — Eu sei um pouco de inglês.


Todos nós olhamos para ele com surpresa.
Aparentemente, isso é novidade para todos.

Anders franze a testa para ele por um momento antes de


olhar para nós. — Está bem então. Nós vamos. Bom. O tio Per
é secretamente fluente em inglês, e agora Shay vai morar aqui
comigo, administrando o Todalen Farmstay.

Eu não posso deixar de sorrir para ele. — Soa como um


plano.

Ele sorri para mim. — O melhor plano.

— Skal então, — Astrid diz, levantando sua cidra. — Para


o novo futuro de Shay e dos Johansens.

— Para o novo futuro — todos nós dizemos, aumentando


nossas bebidas.

— Você é brilhante, sabia disso? — Anders sussurra para


mim, sua voz cheia de luxúria.

Eu consigo sorrir, embora ele vacile enquanto ele se


empurra ainda mais dentro de mim, minhas pernas
envolvendo sua bunda, segurando-o perto. — Isso não soa
como conversa suja para mim.
— Não, mas é verdade — ele diz, beijando meu pescoço.

Eu suspiro e me inclino para trás na cama, sucumbindo


a ele em todos os sentidos.

Depois da reunião de emergência com os Johansen,


depois que minha ideia vencedora salvou o dia, continuamos
bebendo e comemorando, mudando a festa para as mesas de
piquenique entre a casa e o fiorde. Todos estavam empolgados,
no modo de planejamento e brainstorming7, dando uma boa
olhada na propriedade e descobrindo um milhão de maneiras
diferentes de como isso poderia funcionar. Foi bom saber que
minha ideia foi absorvida de todo o coração por todos eles. A
última coisa que eu queria era sugerir algo que todos
estivessem mornos, mas conforme o dia se transformava em
noite, tudo começava a fazer cada vez mais sentido.

Esse é o futuro. Esse é o nosso futuro. Era uma maneira


de manter a fazenda, de manter a casa, ao mesmo tempo que
proporciona um meio para Anders e eu abrirmos nosso próprio
caminho. Não havia legado aqui para manter, em vez disso,
isso era algo novo que nós dois poderíamos compartilhar e
embarcar juntos.

Eu já sabia que esse era o meu futuro de qualquer


maneira e, embora não tivesse contado a Anders até hoje, disse
a todos na minha vida que não voltaria. Fiz um esforço nas
últimas semanas para chegar mais às pessoas, para parar de
me voltar para dentro como estou propensa a fazer, assim

7 Discussão, ou quando a pessoa reflete sobre algo.


como Anders costuma fazer. Comecei a enviar mensagens de
texto para Hannah diariamente, mandei um e-mail para minha
mãe e estou constantemente conversando com Everly e Amber
pelo Facebook. Todas elas sabem que encontrei meu lugar
aqui, que pretendo ficar na Noruega indefinidamente,
descobrindo os vistos e essas merdas no decorrer do tempo.

Comecei a focar no meu Instagram um pouco mais


também, olhando para ele não como uma plataforma que pode
mudar minha vida, mas apenas um canal de mudança. Afinal,
tenho ideias e planos para este lugar, e isso vai acontecer sem
nenhum aplicativo. É apenas um bônus adicional.

— Você vai gozar para mim como uma boa menina? —


Anders murmura, seus lábios percorrendo meus seios
enquanto seu dedo começa a brincar com meu clitóris. De
repente, sou arrancada dos meus pensamentos e volto para a
cama com ele. Apesar de bebermos o dia todo, no momento em
que decidimos que era hora de dormir, estávamos rasgando a
roupa um do outro.

— Faça-me gozar então — sussurro, e assim, a pressão


aumenta, minhas costas levantam da cama e meu orgasmo me
leva para baixo. Todas as emoções que estiveram girando
durante todo o dia estão vindo à tona agora enquanto meu
corpo treme, sentindo-se lindamente despedaçado.

Este homem.

Amo este homem de todo o coração.


E embora ele tenha me dito que essas palavras eram dele
para mim, eu nunca dei ouvido antes, e não vou ouvir agora.

— Oh Deus, — eu grito baixinho enquanto suas


investidas aumentam, então ele goza também, com um grito
gutural longo e rouco que enche a sala. — Anders... Anders,
eu te amo. Eu amo você.

Seu gemido engasga na garganta e ele me encara,


respirando com dificuldade, os olhos selvagens.

— Eu sei que você me disse para não dizer isso, — digo a


ele, meu peito subindo enquanto o orgasmo ainda me
escraviza. — Mas eu falo sério. Eu te amo. Talvez eu nunca
tenha parado. Talvez tenha sido apenas colocado de lado até
que você voltasse para a minha vida.

Ele balança a cabeça, uma gota de suor caindo de sua


testa, mas então ele está sorrindo. Sorrindo. Fodidamente
radiante. Isso rouba meu fôlego.

— É isso que você quer dizer? — ele diz com admiração.


— Isso não é tudo um sonho. Você me ama? Tudo de mim?
Todas as partes?

— Cada porra de parte, Anders, — digo, sorrindo de volta.


— Eu te amo e sou sua. Eu estou aqui para ficar. Estou em
casa.

— Casa — ele sussurra.

Então ele se inclina e me beija selvagemente.


Casa.
— Você já viu algo assim? — Sussurro, minha voz
embargada em admiração silenciosa.

Estou parada ao lado de Anders, perto da água, nossas


cabeças inclinadas para o céu, onde as luzes do norte estão
piscando acima do topo das montanhas. É tão impressionante
que estou tendo dificuldade em registrar que é real. Parece
uma projeção de aquarela, verdes neon e roxos e azuis que
competem com as estrelas.

— Todo inverno, — Anders me diz. — Mas ainda para meu


coração, todas às vezes. Assim como você.

Eu tiro meus olhos do show de luzes no céu e olho para


ele. Os roxos refletem em seus olhos escuros, fazendo-o
parecer mágico. Ele é mágico. Seus dedos, especialmente.

— Você está tentando me cortejar com sua poesia de


novo? — Pergunto-lhe.

Ele sorri e ajusta a touca de tricô em sua cabeça. — Se


funcionar, funcionou.
Sendo que é inverno, estamos ambos enrolados em
nossas roupas de inverno, neve recém-caída ao nosso redor.
Chegou no início deste ano, para grande reclamação de Per
(para um norueguês, o homem fica resfriado com facilidade),
mas eu adoro isso. Temos um pouco do material branco e,
embora tenhamos trabalhado bastante na propriedade para os
nossos hóspedes, isso torna tudo ainda mais bonito.

Nossos hóspedes também adoram. Temos esses trenós


nos quais você se levanta e empurra com as pernas, chamados
de faísca ou kick-sled8. Basicamente, é como uma cadeira de
esquis (os noruegueses literalmente prendem esquis a
qualquer coisa). Os convidados os levam para sair durante o
dia, antes do pôr do sol, às três da tarde. Felizmente, o inverno
também significa o início das auroras, algo pelo qual os
viajantes vêm especificamente para a Noruega, e esta noite eu
sei que está correspondendo às suas expectativas.

Já se passaram cerca de seis meses desde que Anders e


eu decidimos transformar a fazenda em uma farmstay e, como
você pode imaginar, não foi fácil. Começamos no final da
primavera, o que significava mais trabalho na fazenda e Anders
estava cuidando das coisas e ajudando Per tanto quanto podia,
o que significava que muitos dos negócios da farmstay estavam
sobre meus ombros. E, para ser sincera, sou apenas uma

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mochileira. Eu fui para a faculdade de arte. Não sei nada sobre
como administrar um negócio, muito menos um hotel.

Mas também não sou uma desistente. Eu estava


determinada a fazer tudo isso funcionar. Peguei minhas botas
e comecei a trabalhar, fazendo o melhor que pude, dia após
dia.

Primeiro, aprendi norueguês. Quer dizer, ainda estou


aprendendo, mas era algo que precisava saber, especialmente
quando comecei a fazer amizade com as pessoas da cidade.
Anders disse que é a comunidade que realmente dá às pessoas
o apoio de que precisam, e ele estava certo. Estou tão
acostumada a ficar sozinha que esqueci como era não só pedir
ajuda, mas receber ajuda.

Assim, tornei-me amiga das pessoas que dirigem a


câmara de comércio. Então me tornei amiga do casal que
administra o hotel de bolinhos de massa. Depois, os
montadores que levam os turistas pelo parque. Por meio deles
fizemos um plano que beneficiaria todos os negócios da cidade
quando os turistas chegassem, coisas como publicidade
gratuita, descontos e afins.

Uma das mulheres que administra as lojas de


caminhada, Ana, tornou-se uma rápida amiga minha e
também é designer de interiores. Com a ajuda dela, junto com
alguns músculos de Anders e Kolbjorn, transformamos a casa
em novos espaços para nossos hóspedes, maximizando aquele
visual chique nórdico de cottage-core Hygge Farm9 que todo
mundo enlouquece. Agora há quatro quartos separados, dois
no andar de cima e dois no andar de baixo, totalmente
independentes, e cada um grande o suficiente para quatro
viajantes. Também fica ao lado da água, o que lhes dá uma
vista perfeita do fiorde.

Em seguida, íamos transformar alguns dos quartos da


casa da fazenda em quartos de hóspedes também, mas todas
as irmãs reclamaram quando perceberam que seus próprios
quartos seriam transformados. Como todas elas nos visitam
com frequência, decidimos construir mais uma casa de
hóspedes, que só foi concluída em outubro. Esta casa tem
duas unidades, mais um grande quarto em estilo dormitório –
uma homenagem aos meus dias de mochileiro – já que muitas
pessoas que vêm aqui são mochileiros, procurando fazer
caminhadas no parque nacional.

Mas, embora lidar com os convidados cara a cara,


garantir que estou constantemente promovendo o lugar nas
redes sociais e administrar o calendário e as reservas tomam
todo o meu tempo e podem ser extremamente desgastantes,
ajuda que sou boa nisso. Quero dizer, muito boa nisso. Tipo,
eu passei muito tempo procurando por minha vocação,
procurando por toda a Europa, na esperança de encontrar a

9
mim mesma e meu propósito, mas nunca pensei que seria
esse.

Anders diz que sou natural. Acho que tenho a experiência


de um viajante, mas também sei o que é procurar um lar, um
lugar para se instalar e se sentir bem-vindo. Eu quero que esta
fazenda seja isso para todos que visitam, e eu gosto de ir além
e ajudar a fazer isso acontecer para as pessoas, seja dando
passeios personalizados em nosso novo barco de pesca (não
comercial) ou permitindo que as crianças alimentem com
mamadeira os bezerros. Contanto que eles saiam com um
sorriso satisfeito em seus rostos e um coração cheio de
memórias, então eu sei que fiz meu trabalho.

Claro, com Anders e eu estando tão ocupados, temos que


nos lembrar de reservar tempo um para o outro. Todas as
noites, durante o jantar, fazemos o check-in, depois tomamos
uma bebida, guardamos os telefones e os computadores e
encontramos maneiras de simplesmente nos conectar. Isso nos
mantém juntos, trabalhando em equipe, não só na fazenda,
mas também no relacionamento, que é igualmente importante.

Não é o relacionamento mais perfeito do mundo. Nós


brigamos às vezes. Tivemos uma segunda chance. Tivemos
muitos começos difíceis. Os cínicos podem dizer que os
primeiros amores deveriam ser deixados no passado, que
tínhamos muita bagagem para eliminar. Mas a verdade é que
eu o amo e ele me ama, e isso é o suficiente. É mais do que
suficiente. Não há nada melhor do que amor verdadeiro.
Portanto, embora nosso relacionamento possa não ser
perfeito, não importa, porque é o nosso relacionamento. E tudo
vale à pena.

— Quer dar um passeio? — Anders me pergunta.

Saio de meus pensamentos e olho para ele. Enquanto


muitos convidados estão em suas roupas de inverno,
acomodando-se nas mesas de piquenique com bebidas,
observando as luzes do norte, ele parece ansioso para ir a
algum lugar. Ele tem aquele brilho de aventura em seus olhos,
do tipo que ele tem quando está prestes a me colocar na garupa
de sua motocicleta.

— Na neve? — Eu pergunto.

— Na faísca, — diz ele. — Vamos.

Sua mão enluvada agarra a minha e ele me leva em


direção à garagem onde os trenós estão estacionados. Ele puxa
um e gesticula para que eu me sente no banco.

— Sente-se.

Eu faço isso, descansando meus pés nos esquis, e então


ele se inclina e me entrega uma garrafa.

— E segure isso — ele acrescenta.

Viro em minhas mãos. Uma pequena garrafa de aquavit,


é claro. Não tenho ideia de onde ele a estava guardando.
— Não sei por que você insiste em que eu beba isso, —
digo a ele. — Eu nunca vou gostar disso.

— Os gostos mudam, Shay — diz ele.

— O meu, não, — digo a ele quando ele começa a


empurrar o trenó. Eu viro minha cabeça e sorrio para ele, a
aurora roxa e verde piscando atrás de sua cabeça. — Afinal,
estou com você.

— Rá — ele diz secamente, e então a faísca começa a


ganhar velocidade enquanto ele chuta cada vez mais rápido em
direção à pequena colina no final da calçada aonde vai para a
estrada.

— Wheeeeee — grito, abraçando a garrafa de bebida com


um braço, enquanto minha outra mão agarra a beirada da
cadeira, segurando. É meio assustador quando Anders está
dirigindo, mas é muito divertido.

Seguimos pela estrada por pelo menos quinze minutos,


em direção à cidade, nada além do som suave dos esquis na
neve e da respiração pesada de Anders enquanto ele nos
empurra. Nós vamos deslizando pela densa floresta em alguns
pontos, sentindo como se estivéssemos em um conto de fadas
congelado, então à beira da água, onde a neve derreteu um
pouco e virou gelo.

Finalmente, paramos, embora não haja nada ao nosso


redor.

Eu olho em volta, confusa.


Então olho para Anders. — O que? Você já está cansado?

Ele não diz nada de volta, no entanto. Em vez disso, ele


tem uma expressão grave no rosto. Agora, Anders ainda é
Anders, e ele ainda está sujeito a muitas meditações de vez em
quando, seu humor não está fora do personagem. Mas eu não
vejo esse tipo de olhar em seus olhos há muito tempo.

Quero dizer, ele está parecendo intenso.

— O que há de errado? — Pergunto.

Ele aperta os lábios, esfregando-os em um gesto nervoso,


então dá a volta na frente do carrinho. Fica bem entre os esquis
à minha frente. Abaixa-se e gesticula para a garrafa.

Eu silenciosamente entrego a ele, observando enquanto


ele abre a rolha e, em seguida, toma um grande gole direto da
garrafa, estremecendo.

— É a aurora? As luzes do norte? Elas estão mexendo


com o seu cérebro? — Pergunto enquanto ele engole,
estremecendo um pouco. Ele limpa a boca com a mão enluvada
e se ajoelha. Por um momento, acho que ele está fazendo isso
apenas para colocar a garrafa de bebida na neve ao lado dele,
em vez de devolvê-la para mim.

Mas depois que ele faz isso, ele não se levanta.

E ele mal está olhando para mim também. Na verdade,


seus olhos estão fechados enquanto ele abre o zíper do bolso
de sua parca e é quando eu percebo.
Oh meu Deus.

Oh caralho.

Ele está... propondo?

— Anders? — Sussurro, meu coração na minha garganta,


com muito medo de ler isso, com muito medo de não ler.

Ele lambe os lábios, abrindo os olhos para encontrar os


meus no momento em que tira uma caixa de joias de veludo do
bolso. — Shay…

Ele segura a caixa e, com as mãos trêmulas, abre para


mostrar um anel de diamante que me tira o fôlego. A aurora
acima de nós é brilhante o suficiente para atingir o anel,
fazendo os diamantes cintilarem, como suas próprias luzes
polares.

Eu fico olhando para o anel, olhos arregalados, meu


coração alto na minha cabeça, um milhão de borboletas
brilhantes desencadeando em meu estômago, como se as luzes
polares estivessem brilhando dentro de mim.

Isso está acontecendo?

Isso está realmente acontecendo?

— Shay — Anders diz novamente, respirando fundo e


trêmulo. Eu trago meu olhar para encontrar seus olhos e estou
derretendo no local, ele parece tão bonito pra caralho, nervoso
e adorável ao mesmo tempo. — Estava planejando fazer isso
no Natal. Eu ia escrever um discurso inteiro. Talvez envolver
minhas irmãs. Fazer algo bem elaborado, uma daquelas
propostas que você postaria no Instagram. Eu tinha tudo
planejado. Mas então…

Ele lambe os lábios e olha para o céu, as luzes refletidas


em seus olhos. — Então eu vi a aurora. E tomei isso como um
sinal. Que não preciso planejar nada, porque a vida é o que
acontece quando você faz outros planos, e acho que agora isso
realmente se aplica a nós. Porque estamos apenas levando isso
um dia de cada vez, contanto que estejamos avançando. — Ele
faz uma pausa, me dando um sorriso doce, que traz lágrimas
aos meus olhos. — Tudo que eu sei é que quero seguir em
frente com você. Eu quero que você se case comigo, se torne
minha esposa, para que possamos seguir em frente juntos.
Shay Lavji, você é meu passado, meu presente e meu futuro, e
eu ficaria muito honrado se você se casasse comigo.

Ele olha para minha mão, que estou segurando no meu


peito. — Ajudaria se eu pudesse ter sua mão — diz ele.

Começo a rir, esticando a mão, me sentindo tão


sobrecarregada que mal consigo respirar, quase não consigo
pensar, quase não consigo me mover.

Ele segura minha mão esquerda e me olha com olhos


preocupados. — E ajudaria se você dissesse sim também.

Eu rio de novo, tentando colocar algum sentido em meu


cérebro. — Sim! — Exclamo. — Sim Sim. Sempre sim, Anders.
Claro que vou casar com você.
Ele sorri para mim e, com as mãos trêmulas, tira minha
luva, pega o anel e o desliza sobre meu dedo anelar esquerdo.
Ele se encaixa perfeitamente, corte de pera, brilhando como as
luzes divinas acima.

— É tão lindo — eu sussurro, incapaz de desviar o olhar.


Este anel, este anel lindo, está no meu dedo. Anders acabou
de me dar este anel. Anders acabou de propor.

Vou me casar com Anders.

— Oh meu Deus — eu grito, as lágrimas começando a cair


pelo meu rosto, quentes contra a minha pele gelada. Tudo está
me atingindo agora. Estou noiva, porra!

Anders está rindo, com os olhos úmidos, e então ele me


puxa para ficar de pé, envolvendo os braços em volta de mim.
— Eu te amo, — ele sussurra, beijando meu pescoço, minha
orelha. — Tusen takk10 por dizer sim.

— Vær så god — digo a ele, dizendo de nada em


norueguês.

Então me afasto e solto um grito animado, minha


felicidade me derrubando, me fazendo querer correr e gritar
para o céu de alegria. Eu estou radiante e brilhante também.

Noiva.

Nós vamos nos casar.

10 Muito obrigado
Nós vamos nos casar!

Anders sorri para mim, então segura meu rosto com suas
mãos grandes e olha para mim com tanto amor, amor que
afunda em meu coração, me tornando sua para o resto da vida.

E em seus olhos vejo meu passado, presente e futuro.

Estou com ele por todo o caminho.


OBRIGADA pela leitura de Bright Midnight. Sabia que
Todalen é um lugar real? É onde o meu pai nasceu e onde vive
a maior parte da minha família. Já estive lá muitas vezes e vou
partilhar fotos da Noruega e da aldeia no meu Instagram, por
isso não se esqueça de me dar um follow

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grupo divertido e gostaríamos de tê-lo)

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minha lista de correio (vem uma vez por mês) e nos alertas
Bookbub!

As críticas PS são SEMPRE apreciadas! Muito obrigado!

PPS Se já leu o meu romance italiano, Racing the Sun,


terá reconhecido Shay a partir daí. Inversamente, se quiser ver
como Shay estava em Capri, antes de ela voltar a conhecer
Anders, pode consultar o livro aqui, ou onde quer que os livros
sejam vendidos. Bright Midnight deveria originalmente ser
publicado após o lançamento de Racing the Sun, mas a editora
cancelou o livro. Assim que finalmente recuperei os direitos,
decidi partilhar o livro com o mundo. Portanto, um grande
obrigado àqueles que esperaram seis anos pela história de
Shay. Espero que tenham gostado!
PPPS quer ler outro romance ambientado na Noruega?
Que tal um sobre a realeza norueguesa? Que tal o príncipe
norueguês mauzão e o casamento arranjado em que ele é
forçado? Veja The Wild Heir.

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