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http://dx.doi.org/10.

36298/gerais202013e15046
 

Ferenczi e sua Técnica: um Novo Olhar sobre a Transferência

Ferenczi and his Technique: a Fresh Look on Transference

Marina Tente Silva1 (orcid.org/0000-0002-5346-6483)


Fátima Siqueira Caropreso2 (orcid.org/0000-0002-8197-1479)
___________________________________________________________________________  
Resumo
A transferência é um processo fundamental para a Psicanálise. Entre os principais autores que investigaram o
fenômeno transferencial, baseados em um referencial psicanalítico, o psicanalista húngaro Sándor Ferenczi se
destaca. A importância de sua contribuição, contudo, ainda permanece pouco reconhecida na literatura psicanalítica.
Esse autor demonstrou que o tratamento padrão psicanalítico, muitas vezes, não conseguia produzir os efeitos
esperados e que algumas inovações técnicas eram necessárias. O presente artigo tem como objetivo analisar o
conceito de transferência nos textos do referido autor, bem como as relações entre sua visão da transferência e as
mudanças na técnica por ele introduzidas. Em um primeiro momento, apresentamos e discutimos o conceito de
transferência e sua relação com o conceito de introjeção, em seguida, voltamo-nos para as modificações técnicas
ferenczianas, buscando apontar as implicações destas para sua concepção do fenômeno transferencial.

Palavras-chave: Psicanálise. Sándor Ferenczi. Transferência. Introjeção. Técnica psicanalítica.

Abstract
Transference is a fundamental process for Psychoanalysis. Among the main authors who investigated transferential
phenomenon, based on a psychoanalytic viewpoint, the Hungarian psychoanalyst Sándor Ferenczi stands out. The
importance of his contribution, however, still remains unappreciated in psychoanalytic literature. This author
demonstrated that standard psychoanalytic treatment often failed to produce the expected effects and that some
technical innovation were necessary. This article aims to analyze the concept of transference in the texts of this
author, as well as the relationship between his views on transference and the changes in technique introduced by
him. At first, we present and discuss the concept of transference and its relationship with the concept of introjection,
and then we turn to Ferenczian technical modifications, seeking to point out the implications of these for his
conception of the transferential phenomenon.

Keywords: Psychoanalysis. Sándor Ferenczi. Transference. Introjection. Psychoanalytic techniques.

                                                                                                                       
1 Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, Brasil. E-mail: marinatentesilva@gmail.com.
2 Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, Brasil. E-mail: fatimacaropreso@uol.com.br.

Objetivo
Analisar o conceito de transferência;
As relações entre sua visão da transferência;
Mudanças na técnica por ele introduzidas
Quando os conflitos infantis do sujeito
apareceram na análise
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A transferência passou a o processo que
estrutura a análise
Introdução sujeito com as figuras parentais que é revivida na
transferência e que esta pode apresentar-se como
O fenômeno da transferência é “positiva” ou “negativa”. Freud constatou que a
primeiramente mencionado no último ensaio dos transferência para a pessoa do médico aparece
Estudos sobre a histeria, escrito por Sigmund Freud e quando conteúdos recalcados ameaçam se revelar.
Joseph Breuer (1895/1996). Freud (1914/1996) Dessa forma, a partir do momento em que colocou
esclarece que a descoberta da transferência se deu em evidência os protótipos dos conflitos infantis
de forma indireta a partir de um “fato do sujeito, a transferência passou a ser considerada
inconveniente” que lhe foi revelado por Breuer um processo estruturante do tratamento
acerca do caso de Anna O. Maurano (2006) psicanalítico (Freud,1912a/1996).
comenta que, nesse caso, ocorreram vários eventos Entre os principais autores que
desastrosos, principalmente devido ao não investigaram o fenômeno transferencial, baseando-
reconhecimento de como a sexualidade estava se em um referencial psicanalítico, destaca-se o
imbricada tanto na causação dos sintomas quanto psicanalista húngaro Sándor Ferenczi. Segundo
na relação transferencial. Laplanche e Pontalis Casadore (2012), no ano de 1908, Ferenczi já havia
(2001) ressaltam que a transferência demonstrou a iniciado sua produção bibliográfica pautada na
extensão dos seus efeitos antes mesmo de o Psicanálise e nos círculos médicos de Budapeste
terapeuta saber como identificá-la e utilizá-la. demonstrava seu interesse e defendia
Em Fragmento da análise de um caso de histeria veementemente o novo método terapêutico,
(Freud, 1905[1901]/1992), no Caso Dora, a ideia mesmo diante de fortes críticas. Ferenczi propôs
de transferência surge como primordial. No inúmeros questionamentos e experimentos clínicos
posfácio desse trabalho, Freud justifica-se sobre sobre a técnica psicanalítica clássica. Nesse sentido,
um defeito na interpretação da transferência que Brusset (2011) ressalta que, desde muito cedo, ele
teria gerado a interrupção prematura do demonstrou que o tratamento padrão psicanalítico
tratamento. Percebemos como a intensidade do não conseguia produzir os efeitos esperados e que
fenômeno transferencial demonstrava sua força, muitas inovações eram pertinentes. A maioria dos
mesmo que ainda não houvesse aparato clínico e quadros atendidos por Ferenczi era grave e não
teórico para manejá-la. O próprio autor esclarece podia ser tratado a partir das técnicas tradicionais
que foi obrigado a falar em transferência porque da Psicanálise, o que o impulsionou a buscar novas
somente por meio dela conseguiu esclarecer as estratégias terapêuticas.
particularidades do caso, a partir do qual pôde Kupermann (2010) comenta que as
observar que a relação transferencial modula tanto reflexões sobre a técnica e a correção constante,
o tratamento quanto os sintomas do paciente. Freud propostas por Ferenczi, podem ser vistas como
A progressiva integração do complexo de resultantes do fato de que ele tratava pacientes em
Édipo na teorização psicanalítica fez com que severo sofrimento psíquico. Isso teria lhe
Freud percebesse que é, sobretudo, a relação do permitindo formular um estilo clínico adequado ao
A maioria dos seus casos eram graves e não podeis
ser tratados pelas técnicas tradicionais da psicanálise
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Os casos graves teria lhe permitindo formular um estilo clínico
adequado ao manejo da transferência
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Adaptações psicanalíticas
 
manejo transferencial desses analisandos. Em da vida e se apresenta como um mecanismo
outro trabalho, o mesmo autor (Kupermann, 2008) característico da neurose. O tratamento Concordava
com Freud
aponta que as inovações de Ferenczi buscavam a psicanalítico seria muito propício para o
adaptação do psicanalista ao ritmo e aos rumos do estabelecimento da transferência, uma vez que os
processo de subjetivação do analisando e, além afetos, até então recalcados, iriam sendo
disso, a adaptação da própria Psicanálise às despertados e se deparariam com a pessoa do
A figura do
diferentes formas de sofrimento psíquico e às médico. médico é as
fantasias
demandas da intervenção clínica. Ferenczi (1909/2011) comenta que a sexuais infantis
- evocação das
Rachman (2007) ressalta que a análise das análise demonstrou haver uma associação entre a figuras da
infância
contribuições de Ferenczi para a evolução da figura do médico e fantasias sexuais infantis.
Psicanálise é necessária, não apenas para corrigir Segundo ele, devido ao complexo de Édipo, o
Complexo de
um descuido histórico, mas também para médico passaria a fazer parte das “séries Édipo

possibilitar a continuidade do diálogo sobre as psíquicas” de seus pacientes, evocando as figuras


questões importantes que ele começou a examinar. de sua infância, seus primeiros objetos de amor:
Transferência da
O presente artigo tem como objetivo os pais. Além disso, o próprio comportamento figura de Pai

analisar o desenvolvimento do conceito de do analista, por vezes compreensivo e


transferência nos textos do referido autor, bem benevolente, poderia gerar em seus pacientes tais
como as relações entre a transferência e as fantasias inconscientes. Portanto, reconhecer
inovações técnicas por ele propostas. Em um tanto as transferências de sentimentos positivos
Sentimentos
primeiro momento, apresentamos e discutimos o quanto negativos seria imprescindível na análise, positivos

conceito de transferência e sua relação com o uma vez que, à medida que ela progredisse, o
conceito de introjeção, em seguida, voltamo-nos paciente iria dissociando suas emoções Sentimentos
negativos
para suas modificações técnicas, tentando desproporcionais dos motivos atuais e
apontar as implicações destas para sua projetando-as em pessoas mais importantes.
concepção do fenômeno transferencial. No mesmo texto, Ferenczi (1909/2011)
retoma a concepção freudiana sobre a formação
Transferência e Introjeção da neurose, de acordo com a qual toda neurose
seria uma manifestação indireta de complexos
As primeiras elaborações de Ferenczi inconscientes. Na tentativa de escapar de um
sobre a transferência estão presentes em seu artigo conflito resultante de impulsos que
Transferência e Introjeção (Ferenczi, 1909/2011). originalmente visavam ao prazer, mas acabaram
Percebemos nele o processo de aproximação entre se convertendo em fontes de desprazer, devido
Ferenczi e Freud e a utilização da definição de ao surgimento de uma incompatibilidade com o
transferência apresentada por Freud ego, os neuróticos reprimiriam tais impulsos, os
(1905[1901]/1992). Nesse trabalho, Ferenczi quais, no entanto, voltariam a se manifestar, de
argumenta que a tendência a transferir dos forma substitutiva, nos sintomas. O processo em
psiconeuróticos se manifesta em todos os âmbitos questão consistiria na retirada da libido de um
Complexo
Tentativa de escapar de um conflito que visava PRAZER, o Ego reprimia os
Impulsos - gerando DESPRAZER, esses voltariam em forma de SINTOMA.

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Sempre   sobrariam uma quantidade de excitação livre e seriam
direcionadas ao mundo esterno
complexo que teria se tornado incompatível com O neurótico está em uma perpétua
busca de objetos de identificação, de
o ego, entretanto, essa retirada não seria total,
transferência; isso significa que atrai
uma vez que apenas o interesse consciente pelo tudo o que pode para a sua esfera de
interesses, “introjeta-os”. [...] O
objeto de amor ou de ódio desapareceria.
neurótico interessa-se por tudo, distribui
Ferenczi (1909/2011) aponta que o psiquismo seu amor e seu ódio pelo mundo inteiro
[...]. O “ego” do neurótico é
do neurótico, contudo, não consegue lidar bem
patologicamente dilatado [...]. (Ferenczi,
com os afetos “livremente flutuantes” 1909/2011, p. 95)
desinvestidos do complexo. Haveria sempre uma
Dessa maneira, a introjeção é concebida
quantidade variável de excitação livre que
como um processo por meio do qual os
subsistiria e seria direcionada para os objetos do
neuróticos tentam neutralizar os afetos
mundo externo. Sobre esse aspecto, o autor Introjecão
flutuantes, transferindo-os para objetos do
esclarece: Sobra dos afestos desinvestidos do complexo,
Excitação livre que continua a existir que seria
direcionada a objetos (mundo externo)
mundo externo, expandindo sua esfera de
interesses – seu ego.
É a essa quantidade de excitação
“residual” que se imputará a disposição Laplanche e Pontalis (2001, p. 248), em
dos neuróticos para a transferência; e nas
“Vocabulário de Psicanálise”, comentam que
neuroses sem sintoma permanente de
conversão é essa libido insatisfeita, em Ferenczi foi o responsável por introduzir o
busca de objeto, que explica o conjunto do
termo “introjeção” na Psicanálise. No entanto,
quadro patológico. (Ferenczi,
1909/2011, p. 94, grifos nossos) eles apontam como é difícil distinguir uma
acepção exata da noção de introjeção em
Portanto, a transferência se daria a partir
Ferenczi, uma vez que o termo é utilizado de
da excitação livre, que não poderia ser satisfeita e
forma muito ampla, como uma “paixão pela
se voltaria para o mundo externo. Segundo
transferência” dos neuróticos, a fim de amenizar
Ferenczi (1909/2011), os neuróticos
os afetos flutuantes. Eles ressaltam, em
procurariam incluir em sua esfera de interesses
contrapartida, a utilização específica que Freud
uma parte tão grande quanto possível do mundo
faz do termo, ao usá-lo para designar o processo
externo. Esse processo poderia ser traduzido
oposto à projeção.
como Suchtigkeit,3 que é considerado um
Os mecanismos de introjeção e projeção
processo de diluição, mediante o qual o
ganham destaque em Transferência e Introjeção
neurótico procuraria atenuar as sensações
(Ferenczi, 1909/2011). Nesse texto, o autor
penosas dessas aspirações “livremente
elabora hipóteses sobre como o
flutuantes”, insatisfeitas e impossíveis de
desenvolvimento libidinal estaria relacionado
satisfazer (Ferenczi, 1909/2011, p. 95). Esse
com tais processos. Segundo ele, inicialmente, o
fenômeno é denominado “introjeção”. Segundo
recém-nascido experimentaria todas as coisas de
ele: 1
uma forma monista, seja um estímulo externo,

                                                                                                                        seja um processo psíquico. Com o tempo, a


3 Segundo os tradutores franceses, Ferenczi teria criança aprenderia que algumas coisas não se
recorrido ao termo alemão para exprimir a ideia que
definiu como “impulso”, “tendência” e “aspiração”. submetem à sua vontade, enquanto outras o
* Tudo que existe se reduz somente a um único princípio

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Uma criança quando nasce imagina que tudo que existe são submetidas a sua vontade (monismo)
Com o tempo aprenderiam que nem tudo estaria a sua vontade (dualismo)
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Os objetos que não estivessem a sua vontade seriam excluídos (formando o mundo externo) se opondo
 Ao ego
fazem. Dessa forma, o monismo seria Pinheiro (2016) ressalta a importância da
transformado em um dualismo: os objetos sobre proposição do conceito de introjeção na obra de
os quais ela não tem controle seriam excluídos Ferenczi, uma vez que tal conceito pode ser
de suas percepções e passariam a formar o considerado um norteador de toda produção
mundo externo. Estes, pela primeira vez, se teórica posterior do autor. Além disso, destaca
oporiam ao “ego”, de forma que seria efetuada que a introjeção consiste em um processo
uma “projeção primitiva”. Se, mais tarde, a psíquico originário, que pode ser considerado o
criança desejasse desfazer-se de afetos precursor fundamental do conceito de
desagradáveis, ela poderia expulsar uma parte narcisismo de Freud.
maior do ego para o mundo externo. Porém, o Buscando ampliar as proposições de
mundo externo não se deixaria expulsar tão Transferência e Introjeção, Ferenczi (1909/2011)
facilmente do ego e persistiria em impor-se, de escreve O conceito de introjeção (1912a/2011).
forma que o ego, muitas vezes, teria que Neste, a introjeção é definida como uma
reabsorvê-lo. Segundo Ferenczi (1909/2011, p. extensão ao mundo externo do interesse, que,
Introjeção
96), “o ego cede a esse desafio, reabsorve uma em sua origem, é autoerótico, a partir da
1° Introjeção parte do mundo externo e a inclui em seu introdução de objetos externos no ego, como já
Introjeção
interesse: assim se constitui a primeira havia proposto anteriormente. Na seguinte
primitiva
introjeção, ‘a introjeção primitiva’”. Assim, ele passagem ele esclarece: “Insisti nessa ‘introdução’,
define a introjeção primária como uma para sublinhar que considero todo amor objetal
reabsorção de uma parte do ego que foi (ou toda transferência) como uma extensão do
anteriormente projetada. Haveria, assim, uma ego ou introjeção, tanto no indivíduo normal
projeção primária que seria seguida por uma quanto no neurótico [...]” (Ferenczi,
introjeção primária. 1912a/2011, p. 209). Logo, toda transferência
Em uma importante nota de rodapé, seria uma introjeção, uma introdução dos
Ferenczi (1909/2011) parece já prever os objetos externos no ego, bem como todo amor
equívocos que a introdução do termo introjeção objetal seria uma transferência. Verztman (2002)
e sua relação com o conceito de transferência aponta que o processo introjetivo deveria ser
poderia gerar. Ele diz que o termo responsável pela capacidade da criança de se
“transferência”, criado por Freud, foi utilizado inserir no mundo, a partir da ampliação da
Freud apenas para designar as introjeções que se capacidade do seu eu de criar laços de
manifestam ao longo de uma análise e que visam dependência com outros.
ao médico, em virtude de sua extrema Tendo em vista essas hipóteses,
importância prática. No entanto, o autor Ferenczi (1912a/2011) afirma que o homem só
argumenta que o termo “introjeção” deveria ser pode amar a si mesmo, já que amar outra pessoa
utilizado para todos os outros casos que equivale a integrá-la em seu próprio ego. Nas
implicassem o mesmo mecanismo. palavras do autor, “Em última análise, o homem
só pode amar-se a si mesmo e a mais ninguém;

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Terapia não ativa x Terapia ativa
amar a outrem equivale a integrar esse outrem que o paciente pudesse superar sua incapacidade
no seu próprio ego.” (Ferenczi, 1912a/ 2011, p. de tomar uma decisão em sua vida. Ele aponta
209). como o trabalho do analista é árduo, pois exige
Nesse ponto, o autor propõe que é saber dosar seus atos, falas e sentimentos, sem
justamente a união entre os objetos amados e a deixar-se cair no extremo oposto e impossibilitar
Introjeção
própria pessoa, a fusão entre os objetos e o ego, o surgimento da transferência, demonstrando
que deveria ser designada como introjeção. Ele uma postura fria e distante. Para lidar com tais
comenta: “[...] acho que o mecanismo dinâmico situações, o analista deveria já ter sido analisado,
de todo amor objetal e de toda transferência para ou seja, deveria ser capaz de controlar a
um objeto é uma extensão do ego, uma contratransferência gerada pelo afluxo afetivo
introjeção” (Ferenczi, 1912a/2011, p. 210). De presente na análise, ressalta o autor.
acordo com essas hipóteses, o mecanismo da Em Dificuldades técnicas de uma análise de
transferência seria o mecanismo da introjeção. histeria (Com observações sobre o onanismo larvado e os
“equivalentes masturbatórios”), texto ferencziano que
A Transferência e as Modificações Técnicas também data de 1919, podemos perceber como,
em tão pouco tempo, suas ideias se avolumaram
O interesse de Ferenczi voltou-se cada e, por vezes, já começaram a se distanciar de
vez mais para técnicas que pudessem auxiliá-lo Freud. Como aponta Dupont (1974/2011), dois
no tratamento de pacientes difíceis e a sua fatos importantes marcaram esse período da vida
concepção de transferência foi extremamente e da obra de Ferenczi: o desenvolvimento da
influenciada por essas propostas. Tendo em vista técnica ativa e o início das discordâncias com
suas inovações técnicas, destaca-se o trabalho A Freud. Encontramos, no artigo em questão, a
técnica psicanalítica (Ferenczi, 1919a/2011), no primeira descrição clínica mais detalhada do uso
qual encontramos a primeira menção sobre o da técnica ativa – que havia sido apenas citada
uso da “técnica ativa”, ainda que de forma no trabalho anterior –, a qual prepararia o longo
pontual. O autor aborda, nesse trabalho, a caminho para os artigos que se seguiriam sobre o
utilização das técnicas psicanalíticas e aponta tema. Nesse texto, têm início as divergências de
algumas dificuldades clínicas com as quais se opinião entre Ferenczi e Freud. Este teria
Em alguns casos o analista apenas
deparou.4 ouviria, sem intervir apoiado as primeiras experiências de atividade de
Ferenczi (1919a/2011) comenta que, Ferenczi, e até reivindicado a paternidade da
diante de certos casos, o médico deveria limitar- ideia, porém, logo as recusou.
se a um “confessor analítico”, intervindo em As observações e dificuldades na análise
raras exceções. Uma de tais exceções seria a de uma paciente histérica são relatadas nesse
possibilidade de utilizar a “terapia ativa” para trabalho. Ferenczi (1919b/2011) mostra como
tal paciente refugiava-se do trabalho analítico
                                                                                                                       
4 Em carta a Ferenczi de 13 de fevereiro de 1919, sob o amor de transferência. No decorrer do
Freud teria expressado a importância de tal trabalho
qualificando-o como “puro ouro analítico” (Hoffer, tratamento, viu-se levado a refletir sobre o tema
2
2000). do onanismo e acabou proibindo certos
* Interrupção do coito antes da ejaculação

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Desenvolve a Técnica ativa que rompe com o papel passivos analista


 
comportamentos de sua paciente. Segundo ele, o Seguindo o desenvolvimento da técnica
efeito da interdição teria sido “fulminante”, ativa, o segundo texto que se destaca é
levando-o a perceber que, a partir da proibição Prolongamentos da ‘técnica ativa’ em Psicanálise5
de todas as formas de onanismo, a libido era (Ferenczi,1921/2011). Neste, o autor aponta
privada de todo e qualquer tipo de descarga. A que, a partir de certos artifícios observados em
paciente, que dissipava toda sua sexualidade sua experiência clínica, pôde provocar ou
nesses atos, pôde, com o tratamento, renunciá- acelerar a investigação do material psíquico
los e, assim, sua sexualidade ficou livre para inconsciente. Ele adverte que esses artifícios só
encontrar o caminho da zona genital, explica o deveriam ser utilizados em casos excepcionais e
autor (Ferenczi, 1919b/2011). limitados ao estritamente necessário. Uma vez
Diante dessas constatações, Ferenczi superados os momentos de estagnação da
(1919b/2011) relata que foi levado a abandonar análise, o médico deveria voltar à sua “atitude de
o papel passivo que o psicanalista desempenha receptividade passiva” (Ferenczi, 1921/2011, p.
A técnica poderia ser usada em momentos de estagnação da análise.
habitualmente no tratamento. Ajudou sua 117). Depois o analista voltaria a sua atitude receptiva passiva
paciente a ultrapassar “os pontos mortos” do Para o autor, a “atividade” era
trabalho analítico, a partir da intervenção ativa conhecida de longa data e teria desempenhado
em seus mecanismos psíquicos. O autor um papel importante nos primórdios da
comenta sobre a “técnica ativa”: Psicanálise, jamais tendo deixado de existir. O
período do método catártico, usado por Breuer e
Espera-se assim que as valências no Freud, teria sido marcado por uma enorme
princípio não saturadas desses afetos
atividade tanto do médico quanto do paciente.
que passaram a flutuar livremente
atraiam, de forma prioritária, as Havia um enorme esforço por parte do médico
representações que lhes são
para despertar as lembranças ligadas aos
qualitativamente adequadas e
historicamente correspondentes. Logo, sintomas das pacientes: por um lado, o médico
também aqui se trata, como no nosso
utilizava várias técnicas; e, por outro, o paciente
caso, de barrar as vias inconscientes e
habituais de escoamento da excitação e se esforçava para segui-las (Ferenczi,
de obter por coação o investimento pré-
1921/2011).Técnica Ativa intervenção maior do paciente
consciente, assim como a versão
consciente do recalcado. (Ferenczi, A partir desse contexto histórico,
1919b/2011, p. 7)
Ferenczi (1921/2011) delimita sua “técnica
ativa” como uma intervenção muito mais ativa
Dessa forma, a interdição, uma das
por parte do paciente do que do médico. O
técnicas ativas, buscava barrar as vias
paciente teria um duplo trabalho: deveria
inconscientes e habituais de excitação, as quais
manter-se na observância da “regra
geravam os “pontos mortos” do trabalho
fundamental” e também executar algumas
analítico. Como consequência, a libido poderia
encontrar formas de tramitação qualitativamente
                                                                                                                       
mais adequadas, capazes de propiciar o 5 Comunicação apresentada no VI Congresso da
Associação Internacional de Psicanálise em Haia, 10
desaparecimento dos sintomas.
de dezembro de 1920.

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tarefas. O autor explica, a partir de um relato de explica que a maior parte desses analistas,
caso, como utilizava essas tarefas: reduzidos ao estudo da literatura, esteja aferrada
com excessiva rigidez a essas regras técnicas,
Não demorei muito em ter a ocasião de incapaz de articulá-las com os progressos
impor a uma paciente tarefas que
registrados nesse meio-tempo pela ciência
consistiam nisto: devia renunciar a certas
ações agradáveis que tinham psicanalítica.” (Ferenczi & Rank, 1924a/2011, p.
permanecido até então despercebidas Repetição tornaria possível que o material reprimido
244). seriam transformados em lembranças atuais
(excitação masturbatória das partes,
estereotipias e tiques, ou excitações de Além de outras coisas, este trabalho
outras partes do corpo), dominar seu
ressaltou a necessidade prática de não barrar as
impulso para realizar esses atos.
(Ferenczi, 1921/2011, p. 120) tendências à repetição na análise, buscando até
mesmo favorecê-las. Só assim o material mais
No texto Perspectivas da psicanálise (Sobre a
importante poderia aparecer e ser liquidado.
interdependência da teoria e da prática) (Ferenczi &
Logo, a repetição tornaria possível que o
Rank, 1924a/2011),6 os autores comentam que,
material reprimido fosse liquidado
naqueles últimos anos, havia uma desorientação
progressivamente, transformando-o em
crescente entre os analistas, principalmente, em
lembranças atuais, a partir da relação atual do
relação aos problemas técnicos apresentados
paciente e seu analista. Sobre a repetição, os
pela prática. Destacam que, apesar do
autores afirmam: “[...] na técnica analítica, o
desenvolvimento da teoria psicanalítica, a
papel principal parece, portanto, caber à
literatura negligenciou o fator técnico-
repetição e não à rememoração” (Ferenczi &
terapêutico, que seria o núcleo de todo o
Rank, 1924a/2011, p. 246).
processo e dos avanços na teoria. Eles apontam
Ferenczi e Rank (1924a/2011)
que mesmo o pai da Psicanálise havia tratado
perceberam que o trabalho analítico deveria lidar
com muita reserva o tema da técnica
cuidadosamente com as resistências. Segundo os
psicanalítica em seus artigos técnicos. Sobre esse
autores, uma situação analítica que gerava muitos
estado de coisas e sobre a forma como os
problemas era classificar, sob a etiqueta de
analistas se orientavam, escrevem: “Por isso se
“resistência”, a transferência negativa. Esta só
                                                                                                                        poderia manifestar sua natureza sob a forma de
6 Os autores que compilaram o livro, no qual se
encontra tal texto, assinalam que o capítulo II foi “resistência” e sua análise deveria ser a principal
redigido somente por Rank e o capítulo III somente tarefa do tratamento analítico. As reações
por Ferenczi. A sra. Ferenczi, por outro lado,
acreditava lembrar-se de que os capítulos I e V negativas do paciente não deveriam ser temidas, O analista
também tivessem sido, essencialmente, escritos por
Ferenczi. Observamos que na edição que utilizamos
pois estariam presentes em todo processo desempenha
todos os
constam apenas três capítulos. Para fins práticos e analítico. Em toda análise normal, o analista papéis para
reconhecendo os desenvolvimentos posteriores de o incômodo
Ferenczi, supusemos as passagens que fazem alusão poderia desempenhar todos os papeis possíveis
paciente
à resistência, transferência negativa e favorecimento
para o inconsciente do paciente; caberia ao
da compulsão à repetição no processo analítico
como sendo de sua autoria. Otto Rank (1884-1939) analista reconhecer esses papeis nos momentos
foi psicanalista, escritor, professor e terapeuta
austríaco. Por muitos anos, fez parte do círculo mais oportunos e usá-los conscientemente. Esta seria
próximo de Freud. uma das maiores contribuições ferenczianas para

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Deveria reconhecer os papéis positivos e negativos


 
o edifício psicanalítico, o reconhecimento e a experiente para avaliar o que poderia ser imposto
importância da transferência negativa ao paciente.
(Kupermann, 2008; Pinheiro, 2016) Ferenczi (1926/2011) passa a defender,
Balint (1970/2011) esclarece que então, que a atividade deveria ser utilizada
Ferenczi tinha certa resistência em abandonar a apenas depois que todos os outros métodos
técnica ativa, já que ela fornecia importante existentes da “técnica não ativa” tivessem
material clínico para suas deduções teóricas e falhado. Relata que ele mesmo, por vezes,
êxitos terapêuticos. Decorrido algum tempo provocou uma série de outras dificuldades ao
desde o início da “atividade”, em Contraindicações colocar, de modo rígido demais, certas injunções
da técnica ativa (Ferenczi, 1926/2011), um número e proibições. Assim, pôde constatar que
considerável de fracassos é apresentado. Isso instruções formais acabariam levando o analista
levou Ferenczi a erigir o seguinte: se um paciente a impor forçosamente sua vontade ao paciente,
desejasse prosseguir no tratamento, o analista numa repetição exagerada da situação
deveria encontrar as técnicas necessárias para pais/criança ou professor/aluno. Em meio a
ajudá-lo nesse caminho. essas dificuldades, preferiu minimizar ou, até
Ferenczi (1926/2011) reconhece que a mesmo, renunciar a ordenar algumas coisas aos
grande alegria causada pela descoberta daquele seus pacientes.
método com problemas psicológicos difíceis e, Apesar das limitações encontradas,
dessa forma, inoportunos, acabou levando-o a Rachman (2007) destaca que, ainda hoje, é nítido
evitar aprofundar-se em seus trabalhos sobre a o legado da abordagem ativa de Ferenczi.
relação entre o aumento da tensão provocado Segundo o autor, esta influenciou diversas
pelos artifícios técnicos, por um lado, e a perspectivas clínicas para o uso da abstinência
transferência e resistência, por outro. Como no tratamento de dependências, o emprego de
tentativa de reparação, esclarece que a atividade abordagens ativas na terapia comportamental e
visava obter um novo material, uma vez que os compromissos clínicos ativos, característicos
tinha como objetivo aumentar a tensão psíquica das psicoterapias infantis, conjugais e grupais.
utilizando recusas, injunções e interdições. A mobilização afetiva gerada pela análise
Entretanto, ela acabou por exacerbar a e a necessidade de Ferenczi de oferecer novas
resistência do paciente, incitando seu ego a opor- possibilidades para seus pacientes – o furor
se ao analista. Em relação às consequências sarandi – reverberava em suas experiências
práticas de suas observações, constatou que a clínicas e em seus desenvolvimentos teóricos.
análise não devia iniciar pela atividade. O ego Apostando em uma mudança em relação à
deveria ser poupado durante certo tempo e técnica ativa, Ferenczi traz à tona o tema da
tratado com prudência, para que uma “sólida elasticidade.
transferência positiva” pudesse se estabelecer. No texto Elasticidade da técnica psicanalítica
Ademais, o analista precisaria ser bastante (Ferenczi, 1928b/2011), o autor introduz a
preciosa ideia de “tato psicológico”. Sobre esta,

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ele esclarece o seguinte: “[...] com a palavra ‘tato’ Em seu percurso posterior, Ferenczi
somente consegui exprimir a indeterminação passou a modificar cada vez mais o princípio da
numa fórmula simples e agradável. Mas o que é frustação, inicialmente muito rigoroso, a fim de
o tato? [...] O tato é a faculdade de ‘sentir com’ obter resultados mais profundos na análise.
(Einfuhlung)” (Ferenczi, 1928b/2011, p. 31). Para Progressivamente, voltou sua atenção para as
Ferenczi, o tato auxiliaria no discernimento de tensões musculares, o que o levou, por vezes, a
quando e como comunicar algo ao analisando, aconselhar exercícios de distensão para seus
como deveria o analista reagir, como manejar os pacientes. Esse modo de relaxamento permitiria
silêncios e as interpretações fornecidas. Assim, o frequentemente superar com mais rapidez tanto
tato seria a faculdade do analista de “sentir com” as tensões psíquicas como as resistências à
seu analisando e, dessa forma, poder modificar e associação. Essas constatações acabaram
flexibilizar sua técnica em relação às conduzindo o autor a elaborar o trabalho
especificidades do seu sofrimento. O autor Princípio de relaxamento e neocatarse (Ferenczi,
salientou que certa “bondade” apresentada pelo 1930/2011).
analista seria um dos aspectos que constituiria a Podemos dizer que Ferenczi
tão cara compreensão analítica. De acordo com (1930/2011; 1933/2011; 1932/1990),
Pizzinga e Aran (2009), perceber e colocar em gradualmente, foi percebendo que o cerne do
prática a habilidade de “sentir com” seria seu dispositivo analítico baseava-se no encontro
caminhar com equilíbrio diante das diversas afetivo e na intensidade de sentimentos entre
formas de construir o dispositivo psicanalítico. paciente e médico. Ressaltou que uma atitude
Para Abras (2014), todas as fria e pedagógica por parte do analista com seu
modificações técnicas ferenczianas eram analisando influenciava o vínculo entre eles,
sustentadas pela preocupação com a cura e pela podendo até mesmo rompê-lo. Ele destacou
certeza de que a análise não deveria ser cômoda também que, a partir de uma relação “mais
para nenhum dos seus parceiros – analista e íntima”, pôde compreender diversos fenômenos,
analisando. De fato, percebemos como Ferenczi bem como confirmar sua hipótese da
(1928b/2011) empreendeu-se em uma tentativa importância do traumatismo, especialmente, o
de tornar sua técnica analítica elástica como uma traumatismo sexual como fator patogênico.
Prática
analista tira: deveria esticar-se cedendo às tendências do Em 1932, Ferenczi inicia a escrita do seu
paciente, sem abandonar sua tração sobre suas Diário Clínico,7 no qual encontramos seu
próprias opiniões. O analista deveria manter-se testemunho sobre o que ficou conhecido como
em uma oscilação constante entre “sentir com”, análise mútua. Ferenczi comenta sobre a
auto-observação e atividade de julgamento. necessidade de naturalidade e honestidade do
Nesse sentido, Rachman (2007) chama atenção analista para com seu analisando. O autor
para o fato de que Ferenczi teria sido o primeiro
                                                                                                                       
clínico a descobrir uma verdade essencial sobre a 7 Segundo Dupont (1985/1990), o Diário Clínico de
Ferenczi contém notas e comentários diários sobre
situação psicanalítica: a resposta empática é o a história de diferentes casos clínicos que
núcleo da interação clínica. forneceram subsídios para as reflexões do autor.

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Contratransferência
 
descreve o caminho que percorreu até poder uma unidade. Os sentimentos do analista
perceber que a revelação ao paciente da “falta de entrelaçam-se com as ideias do analisando e as
naturalidade”, contida em sua “passividade”, ideias do analista (imagens de representações)
podia conduzi-lo mesmo à vida real e às suas com os sentimentos do analisando.” (Ferenczi,
resistências. Nesse sentido, relata que uma de 1932/1990, p. 45).
suas pacientes exigiu que também tinha o direito No entanto, os primeiros sucessos da
de analisá-lo: análise mútua encontraram, com o decorrer do
tempo, suas dificuldades. O autor percebeu que
Num caso, essa comunicação dos os pacientes passavam a dirigir sua atenção
conteúdos psíquicos próprios evoluiu
exclusivamente para o analista e para descobertas
efetivamente para uma espécie de análise
mútua, da qual também eu, o analista, tirei dos seus complexos. Entretanto, Ferenczi
grande proveito. Por certo, isso também
também questionou até onde essa nova técnica
me propiciou a ocasião de exprimir
ideias e opiniões acerca do paciente que, poderia ser rechaçada sem discussão. Ele
de outro modo, nunca lhe chegariam aos
confessa que parecia indigno agir como se
ouvidos, por exemplo, comunicações
desagradáveis de natureza moral ou tivesse se virado bem com a mutualidade e
estática, ou uma opinião relativa à
lembra que só conseguiu realizar sua própria
paciente que eu escutei alhures, etc. Se
podemos ensinar o paciente a suportar autoanálise a partir de grande reserva mental. Ele
tudo isso, então o ajudamos a suportar
foi percebendo que, algumas vezes, tinha o
mais coisas, aceleramos seu
desligamento da análise e do analista, sentimento de ir longe demais, o que o ressentia.
assim como a transformação das
Assim, foi levado a falar abertamente sobre o
tendências para a repetição que não
querem mudar. (Ferenczi, 1932/1990, p. aspecto fragmentário da sua participação na
35)
mutualidade e sobre a decisão de não prosseguir.
Ferenczi (1932/1990, p. 154) conclui que a
Como destaca, em nota de 17 de janeiro
análise mútua seria: “[...] somente um recurso
de 1932, essa nova atitude adotada pelo analista
usado na falta de coisa melhor. Seria preferível
possibilitou que o analisando falasse tudo que
uma análise autêntica por um estranho qualquer,
estava retido até então, de forma que todos os
sem nenhuma obrigação”.
afetos viessem à tona. Segundo ele, quando o
analista comunicava seus sentimentos e
Considerações Finais Transferência é igual a
antipatias, havia um surpreendente
Introjeção
apaziguamento no paciente e surgiam vários
Diante da análise dos textos
progressos no trabalho. O fato de o paciente ter
ferenczianos até 1912, podemos supor que o
que lidar com a contratransferência do analista
mecanismo da transferência seria o mesmo
favorecia a sua capacidade de suportar o
mecanismo da introjeção. A transferência é
desprazer que, no passado, conduziu ao
pensada como um processo a partir do qual os
recalcamento. Sobre os sucessos da análise
neuróticos tentam neutralizar os afetos
mútua, o autor enfatiza: “É como se duas
flutuantes, transferindo-os para objetos do
metades da alma se completassem para formar

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mundo externo e expandindo, assim, sua esfera apreciados e levados em consideração no


de interesses, o seu ego. Nos textos dedicados ao trabalho psicanalítico, daí a necessidade da
tema da transferência que se seguem, técnica de “esticar-se”. Percebemos que o olhar
observamos quão raras tornam-se as aparições de Ferenczi sobre a transferência possibilitou o
do termo introjeção. Quando o menciona, o desvendamento de toda uma trama conceitual e
autor faz alusão às proposições encontradas nos a descrição de fenômenos clínicos essenciais, até
trabalhos Transferência e introjeção (Ferenczi, então pouco considerados, como a análise do
1909/2011) e O conceito de introjeção (Ferenczi, próprio analista, a contratransferência e a
1912/2011). transferência negativa.
Com o passar dos anos, o interesse de
Ferenczi voltou-se, cada vez mais, para Referências
modificações técnicas que pudessem auxiliá-lo
no tratamento de pacientes difíceis, o que Abras, R. M. G. (2014). Ferenczi: uma clínica a
partir do traumático. Reverso, 36(67), 85-
influenciou sua concepção da transferência e do
89. Recuperado em 16 novembro, 2016,
seu manejo. Como vimos, o caminho percorrido, de
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scri
em suas elaborações técnicas, inicia-se com a
2 pt=sci_arttext&pid=S0102739520140001
1
técnica ativa, passa pela técnica de relaxamento, 00010&lng=pt&tlng=pt.
pela constatação da contratransferência,3 pela
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Balint, M. (1970/2011). Prefácio do Dr. Michaël
se daqueles de Freud. O tratamento de pacientes Balint. In S. Ferenczi. Psicanálise II (Obras
graves o levou a perceber que a técnica Completas, 2a ed., pp. IX-XIII). São
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