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Ez ISAIAS PESSOTTI O SECULO DO" MANICOMIOS —) “hs editoralll34 EDITORA 34 Distribuigdo pela Cadice Cométcio Distribuigdo e Casa Editorial Leda. R. Simées Pinto, 120 Tel. (011) 240-8033 Sao Paulo - SP 04356-100 Copyright © 34 Literatura SIC Ltda., 1996 século dos manicémios © Isaias Pessotti, 1996 [A FOTOCORA De QUALQUER FOLHA DESTE LIVRO E ILEGAL, F CONFIGURA UMA [AmROPRIACAO INDEVIDA DOS DIREITOS INTELECTUAS E PATRIMONIS DO AUTOR. Imagem da capa: Hieronymus Bosch, A tentagio de Santo Antio, ¢ 1505, Museu de ‘Arte Antiga de Lisboa (detalbe) Capa, projeto grfico ¢ editoragdoeletnica: Bracher & Malta Produgao Grifica Revisio: Carla C.CS. de Mello Moreira 1" Edigao - 1996 34 Literatura SIC Leda. Rua Hungria, 592. Jardim Europa CEP 01455-000 So Paulo - SP TelFax (011) 816-6777 Catalogacio na Fonte do Departamento Nacional do Livro (Fundacdo Biblioteca Nacional, RJ, Brasil) Peso sis, 1933. Pa7Ss (© sécalo doe manictmiot | las Psst. Sto Paulo: Ea 34,1986 orp. Incl ibligzain ISBN 85.7326-039-4 1. Piqua - Hira ~ Sé& XIX, 2 Asin ‘em hospi psiquiios - Hsia ~ ee. XIX. LThulo. cob - 61689 0 SECULO DOS MANICOMIOS Introdugao 1. A HERANGA DO SECULO XVIII ‘A medicina do espirito Locke e Condillac enfoque médico. A iatroguimica ‘A doutrina pneumatica . ‘A doutrina iatromecnica Animistas e vitalistas... Sistemas e sintomas. As classes da loucuta . IL A CONCEPGAO MORAL DA LOUCURA Pinel: um novo enfoque A observagio A descricao do comportamento .. A lesio mental ‘As causas morais da loucura Paixdes ardentes ¢ outras paixoes As causas fisica (Os quadros clinicos IIL © TRATAMENTO MORAL Tradigio e inovagio Os poderes do médico O tratamento moral ¢ a cientificidade IV. AS FUNGOES DO MANICOMIO Asilos, hospicios e manicdmios As condigées de vida no manicémio .... 7 25 29 32 34 44 47 50 or 76 81 88. 92. 96 103 108 121 128 135 151 157 © manicémio como “instrumento de cura” Um “movimento antimanicomial” Um manicémio presta conta... As tabelas do San Servolo V. O TRATAMENTO Fisico A tradigio da terapia fisica ‘As alternativas terapéuticas. Recursos fisicos ¢ tratamento moral.. 0 tratamento moral visto por um organicista 0 relat6rio de Saletio wm Um organicismo realista A terapéutica segundo Ball “Tratamentos para a mania e a melancolia Grasset e a histeria 0 retorno ao tratamento fisico Cotard e a sensibilidade moral Referéncias bibliogréficas . 168 177 191 208 215 204 230 238 241 244 252 259 269 279 285 297 O SECULO DOS MANICOMIOS ‘A pesquisa que serviu de base para este trabalho foi finan- cciada por uma bolsa do Conselho Nacional de Pesquisas. Os textos do século XIX, em sua maior parte, foram repro~ duzidos, ou consultados diretamente na biblioteca do Instituto de Histéria da Medicina, da Universidade de Roma — La Sapienza, Por gentileza da Dra. Maria Conforti, diretora da biblioteca. INTRODUGAO século XIX bem merece o titulo de “século dos manic6- mios”. Em nenhum outro século o niimero de hospitais destina- dos a alienados foi tio grande; em nenhum outro a terapéutica da loucura foi tao vinculada a internagdo; em nenhum outro sé- culo 0 nimero de internagGes atingiu proporgoes tao grandes das populagées. Mais ainda, em nenhum outro século a variedade de diagnésticos de loucura, para justficara internagao, foi tZo ampla. ‘Como decorréncia, a atengao dada & loucura e a0 manic6- mio, nos ambientes culturais e médicos, jamais foi to grande € ‘Go difusa. E a medicina da loucura, em conseqiiéncia, nunca flo- resceu tanto antes do século passado, seja como etiologia, seja como semiologia ou terapéutica. © manicémio foi o néicleo ge- rador da psiquiatria como especialidade médica. E dificil ndo ver 0 manic6mio como um teatro (ou um tea~ tro de operagées, como dizem os cronistas das batalhas). No sé- culo XIX, particularmente, o manicOmio aparece como um cenério de grandes combates, de uma imensa tragédia. Bali que o Homo sapiens se encontra com sua negaco. Pois, nna medida em que sua identidade humana deriva da racionalida- de, é ali que a desraz4o mostra toda sua forca e poe a nu a lax bilidade do homem. £ ali, no manicémio, que a forca do instinto atropela o frégil autocontrole do zoor politikon e desnuda a vio- léneia sutile instituidora da norma, Eno manicémio que se pode cuxergar o desfecho sempre mu- tilante do conflito entre a busca do prazer e 0 medo do sofrimento que essa busca pode trazer, O manicémio aparece, no século XIX, como o espelho acabado da tragédia existencial humana. Nao é sem 0 Século dos Manicémios ° — ‘motivo que o teatro, a loucura ea explosio devastadora do desejo ‘eprimido, em forma de tragédia, andam juntos desde a Antigiidade, Também no nivel do embate das idéias, 0 manicémio é 0 cenirio onde duas formae mentis seculares se enfrentam ora como oposigio mente-corpo, ora como 0 dilema psiquico-fisico, ora ‘como a dicotomia paixdo-razio, ou no ambito da teoria médica, como a oposigao entre “moralistas” e “organicistas”. ara uma historia da psicopatologia médica, as obras consi- deradas neste texto mostram que as tentativas de conciliar as duas: posigdes doutrindrias foram efémeras. O que, alias, se pode cons- tatar pela persisténcia atual de correntes psicodindmicas, opostas ‘toto coelo a uma entusidstica psiquiatria bioldgica, Elas, diga-se de passagem, ainda se entrechocam nos manicémios de hoje. No século XIX, mesmo que na pratica terapéutica os adep- tos da etiologia passional ou moral da loucura empregassem por vezes meios fisicos de tratamento, e embora os “organicistas” tusassem alguns meios “morais” de tratamento, no campo dow- trindrio essas duas posigdes sempre mantiveram niicleos concei- tuais inconcilidveis. Elas ainda encenam combates empolgantes, ainda se enfrentam. Este texto poderia ser apenas uma selegdo de textos oito- centistas de psicopatologia. Junté-los seria uma tarefa relativamen- te facil, ao que parece. Nao é bem assim: é muito dificil definir critérios de selecio classficagao que nao sejam arbitrérios, tal 6a diversidade ea riqueza de aspectos, idéias, rias, linhas de pensamento que se entrecruzam, na vasta biblio- frafia do periodo. A psicopatologia do século passado é, clara- ‘mente, um pensamento em processo, in fieri. Até a diviséo entre ‘organicistas e mentalistas ou moralistas nao € facil e, embora haja aspectos distintivos de cada uma, a “pureza ideolégica” das vé- rias obras € muito desigual. Para dar alguma organizagao as informagdes colhidas nos textos do periodo, decidiu-se seguir, quanto possfvel, dois crité- trios combinados: a sucessio cronolégica das idéias (nem sempre equivalente & cronologia das publicagdes) ¢ a filiagao explicita iliagbes doutrind- 4 Isaias Pessotti delas a uma das grandes tendéncias mais nitidas da psicopatologia no periodo: etiologia passional (implicando o tratamento moral) ¢ etiologia organicista (impondo o recurso ao tratamento fisico). (O texto tem cinco partes. Na primeira, resumem-se tendét cias filos6ficas e do pensamento médico do século XVIII, que se trans- mitiriam aos pensadores do século seguinte. Na segunda parte, ilus- tra-se a contribuigdo revolucionaria de Pinel e seus seguidores. Na terceira, ha trechos que caracterizam a doutrina ea pratica clinica dotratamento moral, Na quarta parte, sao enfileiradas informagées muito expressivas, sobre a difusdo dos manicémios, sobre o trata- mento manicomial, a vida cotidiana e a administragao dessas insti- tuigdes. Como se vera, a concepgao de manicOmio se transforma a0 longo do século: doideal de “refiigo ecol6gico” eeducativo, tal como oentendiam Pinel ¢ Esquirol, manicémio passa a ser um meio de sujeigéo do loucoa uma terapéutica violenta, destinada a agir sobre a lesdo cerebral, nao mais sobre a razo desgarrada. A quinta par- te contém trechos expressivos sobre a terapéutica fisica da alienagéo mental e a progressiva desvalorizagao da concepedo passional ou ‘moral da loucura, em favor da ey ava a encontrar apoio nos progressos da anatomia patolégica. Os textos de psicopatologia do século XIX sio, antes de tudo, sedutores. Toda sedugao , em dltima andlise, uma promessa de prazer, uma promessa que ndo é mero aceno, é atracao. Donde vem essa atracao? ‘Além do charme do reencontro com idéias que sabemos te- rem sido matrizes do saber psicopatolégico de hoje ou, pelo me- nos, de algumas categorias que o dirigem, essas obras fascinam por outras raz6es, Sao varias, Uma delas é 0 esforco até comovente dos auto- res para construirem uma doutrina que desse conta de fatos ¢ sig- nificados psicolégicos num universo de pensamento desprovi- do dos conceitos de umix psicologia cienilica. Outro motivo de fascinio é a dificuldade dos autores para conciliar os requisitos de cientificidade com a ineludivel necessi- dade de considerar processos e fungées cujo substrato organico \¢4o organicista, que come- (© Século dos Manicémios n era apenas pressuposto. E que, portanto, s6 podiam ser conside- rados dentro de sistemas de conceitos que, a despeito de sta even- tual coeréncia interna, mostravam-se distantes ou infensos a ve- rificagao empirica dos critérios de definigao. ‘Aliés, chama a atenglo a freqiiente insisténcia dos autores, sobre 0 caréter cientifico de suas idéias. Obviamente, os adeptos de uma etiologia orgnica da loucura enfrentavam menos dificul- dades nessc esforgo. Para os que atribuiam a loucura uma natu- reza mental e uma origem passional, o risco de desqualificacao cientifica era bem maior. Por isso eles insistiam num outro tipo de evidéncia empirica: a eficécia indiscutivel do tratamento mo- ral: da terapia que derivava daquelas concepg6es doutrinarias. ‘Também atrai, na leitura dos textos oitocentistas, a ambi- valencia entre uma respeitosa fidelidade & doutrina dos grandes iestres da matéria e a necessidade de apontar-Lhes a insuficién- cia explanatéria, a arbitrariedade dos conceitos. Ou, posto de ou- tro modo, 0 conflito entre o desafio de edificar seu proprio edifi- cio tedrico na terra nullius, que era a psicopatologia do periodo, © 0 risco do descrédito ou contestagao que toda inovacéo provo- ca nos que desejariam té-la proposto antes. Alguns autores, nessa situago, preferem a conciliagdo mais ‘ou menos timida entre a prOpria concepgao tedrica €o status quo ante doutrinario. Outros, empurrados por seu prestigio institu- cional ou cientifico, ousam assinar seu proprio pensamento. Mas, via de regra, antepondo a exposicio dele uma nutrida argumen- taco contra as idéias que contesta, e filiando-se explicitamente, sempre que possivel, a0 pensamento de algum mestre de “clara fama”. Tal como se faz hoje em qualquer instituto ou departa- mento de psiquiatria, ou de outra especialidade. Talvez por isso, ‘também, aquelas obras nos atraiam: elas mostram que a luta pelo lugar ao sol era, entio, fundamentalmente a mesma. Outro atrativo dos textos é o freqiiente reencontro de con- ‘ccitos seculares, reformulados com mais ou menos novidade, de acordo com a experiéncia particular de cada autor no trabalho elinico ou na reflexio doutrinaria. 2 Isaias Pessorti ‘Mas, talvez mais que tudo isso, 0 que fascina nesses textos a busca tenaz, incansével, de caminhos para a eficécia clinica, mas uma eficdcia que se pudesse justificar cientificamente. ‘As obras referentes ao tratamento manicomial revelam, ade- mais, outro conflito: entre a necessidade de controle do compor- tamento aberrante € a responsabilidade clinica. £ um conflito crucial: diante dele se revela um Pinel, pronto a dedicar seus dias enoites a preparar experiéncias sensoriais e sociais, que corrigis- sem a razio desgarrada, e se revela um Haslam, pronto a acor- rentar um paciente por dez anos. ( impressionante arsenal (¢ bem este o termo) de instrumen- 10s terapeuticos violentos, a férrea disciplina na conduta clinica, ou as praticas repressivas da vida manicomial esto a demonstrar quanto a medicina se aproximava do louco como quem se defronta ‘com um inimigo que, além de perigoso, por isso sempre vigiado de perto, carrega em si mesmo uma “‘natureza”, “instintos”, “im- pulsos”, ou seja, uma “animalidade” que precisa ser domada. Enquanto os adeptos mais convictos do tratamento fisico apontam depreciativamente o indesmentido carter pedagégico e moralizante do traitément moral de Pinel, exercem sobre os pacientes uma repressio violenta e claramente moralista, também ela. S6 que, agora, moralizar nao é substituir habitos errados ou comportamentos inadequados, como faria mais tarde a behavior therapy: € reprimir uma “natureza” perversa. Tal como pensaria algum exorcista do século XV. Ao longo da leitura dos textos oitocentistas, vai-se esclare- cendo o inevitével dilema das instituigdes psiquitricas, destina- das a proteger 0 paciente das agressdes do meio social e a prote- get a sociedade contra a condata desviante do louco. Apés essas consideragdes sobre embates ¢ conflitos entre forgas, facges e protagonistas diversos da psicopatologia oito- centista, no cenério do manicOmio, cabe uma pergunta incomo- da e dolorosamente dramatica: ¢ os loucos do século XIX, como eram? O que diziam? Como percebiam os tratamentos que so- friam? A resposta, honesta, € no se sabe. F certo que Pi Je seus © Séeulo dos Manicémios’ a sequidores mais fiis registravam falas e reagdes emocionais dos pacientes. Mas, quanto mais o manicémio se afastava do ideal pineliano, menos valor tinham a opiniao, as falas ou as emogbes do louco. O proprio pensamento delirante, via de regra, néo re- cebia qualquer atengo quanto ao seu conteddo; apenas alguma tengo quanto & sua ocorréncia, freqiiéncia duracdo. 'No teatro do manicémio, 0 louco nao foi o heréi, nem 0 vildo, nem um protagonista: foi, talvez, um figurante. ‘Muito mais do que uma apreciacao critica estruturada das ‘obras mencionadas, o presente texto é uma exposicao de trechos significativos da psicopatologia do século XIX. Sao trechos de ‘obras fundamentais para uma informagao de primeira mao sobre pensamento da época. (Os comentarios que acompanham as citagdes visam a situar cada uma delas no contexto das grandes tendéncias doutrindrias do periodo e no conjunto da obra em que cada trecho se insere. Por vezes, esses comentarios encerram alguma apreciagao critica, ow alguma interpretagao tedrica que qualquer leitor poderd con- testar, ve for 0 caso, a partir dos prOprios trechos originais citados. No final das citagbes de Pinel, 0 iltimo némero indica um. item, ou paragrafo do Traité, na edicao de 1809. ‘Ao traduzir as citagdes procurei respeitar a terminologia € a pontuagao originais, sempre que nio comprometessem a com- preensio da verso em portugués 4 Isaias Pessotti He A HERANCA DO SECULO XVIII A MEDICINA DO ESPIRITO. Para compreender a psicopatologia ¢ a pritica psiquidtrica do século XIX ¢ conveniente examinar, mesmo com brevidade, as influéncias, inegéveis, que elas receberam do clima cultural que desembocaria na Revolugdo Francesa e do pensamento médico do século anterior, A rigor, a psiquiatria se institui, como lidac ica como érea especifica do saber médico, no alvorecer do século XIX. E muito dificil que exista, antes de 1800, alguma obra que enfoque globalmente, a partir da perspectiva médica, as doencas mentais, ou “doengas do espirito”. Q pensamento mé abr Ira e suas variantes tem, como se sabe, raizesseculares. Mas, a0 longo dos séculos, as doen- as mentais. As liscutidas apenas como. XVIII oconhecimento médico nessa érea aparece em monografias, capitulos de livros ou verbetes de enciclopédias ou diciondcios. £um conhecimento ndo-sistematizado, exceto em aspectos restritos, nas enciclopédias, mas muito florescentee difundido. Era tempo ibada a autoridade do tedlogo e do inqui sidor sobre o comhecimento 0 ensino, a rejeigio aos dogmas do pasado e &s formulacdes metafisicas a respeito do homem passa er uma atitude dominante nos ambientes académicos, médicos ‘Na Franga, onde nasce a psiquiatria, bem como em toda a Europa, havia asilos para alienados, jé muito antes da Revolugio de 1789. Nessas instituigdes, os internados eram cuidados por religiosos, alguns até com certo conhecimento médico, mas nao 0 Séeulo dos Manicdmios ” se praticava um tratamento médico da alienagao. © asilo nao era, ainda, o que sctia 0 manicémio, a partir da obra de Pinel. ~~ Nos hospicios das grandes cidades (que alojavam toda sor- te de minorias marginalizadas, incluidos os insanos de mente), alguns médicos tinham oportunidade de observar os alienados por algum tempo ou de intervir em alguns casos mais agudos. Via de regra, 0s alienados eram cuidados em suas casas por médicos pré- ticos, com algum conhecimento sobre as doengas mentais. ‘Tais médicos priticos tinham muito 0 que fazer, como in- formam Laignel-Lavastine e Vinchon (1922). Além dos casos sin- glares de alienagio verdadeira ou suposta, deviam fazer frente as ocorréncias de alienagdes coletivas, freqitentes naquele tempo, segundo relatos da época. Os autores mostram que, entio, “neu- ses e manifestacdes psicopéticas” leves se espalhavam em todas as classes sociais. ‘Ao lado dos “vapores”, discutidos nos elegantes tratados de Lorry e Pitrre Pomme, havia 0s éxtases coletivos, eventualmente ‘com presumidas manifestacdes da divindade. Eram as epidemias “theomano-extéticas” dos Cevennes. Havia igualmente as demo- nopatias, as vezes também em grupos, que surgiam em Aix, em Loudum, Louviers e outras regides da Franca. Também ocorriam 108 acessos de convulsées, produzidos pelo contaro com o timulo do diécono Paris, ou em torno da vareta de Mesmer, tantoem Pacis, ‘como no interior da Franca (Laignel-Lavastine e Vinchon, 1922, . 185), Fendmenos analogos ocorriam na Ita e em outros pafses. ais episédios em que alguma forma de comportamento aberrante parecia transmitir-se por contaminagao de uma pessoa 4 outra levaram, jé no século XVII, a um conceito “psiquistri- co” sui generis, que tentava explicar a transmissio desses esta- dos entre as pessoas por um princfpio com conotagio quase mé- dica: 0 de “contégio mental” Sobre o contégio mental escreveram varios autores do sé- culo XVIII e até das primeiras décadas do século XIX. Por exem- plo, Stewart, em 1827, formula uma elegante teoria do “conté- Bio emocional”. 18 Diante daqueles fatos de alienacao coletiva, nem todos os :m€dicos adotaram 0 conceito pseudocientifico de “contégio men- tal”, Em 1845, o grande Calmeil descreve como a atitude dos médicos variou diante daqueles epis6dios de éxtase, convulsdes ‘ow demonopatias: alguns hesitaram, outros assumiram atitudes definidas contra ou a favor das interpretagées fantasiosas de tais contagios mentais (Laignel-Lavastine e Vinchon, 1922, p. 185). A procura de algum critério que diferenciasse 0 milagroso do patol6gico nao ocupou s6 0s médicos, mas até o papa da época. De fato, foi ele, Bento XIV, que propés um critério discriminante, que teve influéncia doutrinéria na historia da psicopatologia.. © critério eclesiéstico foi exposto na bula pontificia De servorum Dei beatificatione et beatorum canonizatione, publica- da em Padua, em 1734 e 1738. Os processos para beatificar um “servo de Deus” ou, entda, para canonizar um “beato” exigiam comprovagio de milagres operados pelo candidato a gloria dos altares. A ocorréncia de convulsdes, de éxtases coletivos ou de “curas” por meios pouco claros criava problemas de interpreta-

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