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A Transferência de Freud A Lacan
A Transferência de Freud A Lacan
Introdução
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Intervenção sob transferência in Escritos, 1998. Jacques Lacan, p. 215.
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Assim, para o Mito Édipo existem muitas versões, não apenas aquela que
Sófocles imortalizou em sua tragédia Édipo Rei. Jocasta, por exemplo,
surgiu com Sófocles. Segundo as variantes que são os pulmões do mito, ela
não foi a primeira esposa de Laio. Antes ele casara com Euricléia, filha de
Ecfas, e dela nascera Édipo. Dessa forma, ele não casara com a mãe, e sim
com a madrasta. Em Homero não consta que Édipo furou os olhos, nem que
ele teve todos aqueles filhos com Jocasta, menos ainda que Antígona o
tivesse levado para o bosque das Eumênides, em Atenas. Vimos em Homero
que continuou a reinar após a morte da mãe/esposa 2.
atendido por seu amigo Breuer, Anna O., do qual Freud veio a se ocupar,
serve para ilustrar os primórdios da conceituação do termo. Ele nota o
amor que se manifesta da paciente para com seu analista, no momento
em que este comunica uma viagem com a esposa e vai se afastar por um
tempo. Uma gravidez psicológica manifestou-se na paciente e Breuer
decidiu afastar-se do caso em definitivo. Tal fato forneceu material para
Freud ao perceber a intensidade de afetos presentes na relação médico e
paciente.
O interesse de Freud, pelos aspectos psicológicos dos sintomas
histéricos, teve início a partir de seu contato com as aulas de Charcot que
utilizava o método de hipnose sintomática, vejam o filme Augustine,
baseado em um fato real, traz os primórdios do estudo sobre a histeria.
De caráter voltado mais para as causas orgânicas, mas que deram pistas e
atiçaram a curiosidade de Freud, a escola de Charcot contribuiu para as
futuras formulações dele, menos em sua concepção e mais nos eventos
que Freud presenciou. A escola de Nancy possuía o método de hipnose
catártica, mais ao lado da concepção psicológica da histeria. Ambos
inspiraram as formulações de Freud. Interessa aqui destacar o nascimento
da escuta analítica, nesse momento do trabalho de Freud. Ele começou a
escutar os relatos e queixas das histéricas sobre suas paralisias e como
neurologista a ausência de nexo entre a queixa e manifestação do sintoma
e, a não correspondência anatômica e fisiológica com o quadro. Nesse
momento, Freud começa a construir a suposição de uma causa para além
do orgânico e não como mero capricho da paciente.
A princípio Freud utiliza o método hipnótico, porém, ao se deparar
com a dificuldade de hipnotizar alguns pacientes, bem como o retorno de
sintomas após um tempo, ele cria o método da associação livre, com a
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Assim, tal como Lacan formulou, o analista faz parte das formações
inconscientes presentes na transferência do paciente e atualizadas na
análise. A resistência formulada por Freud é compreendida por Lacan
como a insistência do desejar do paciente. A aproximação do paciente
frente ao desejo e suas pulsões produz desprazer e são,
irremediavelmente, inconfessáveis. A resistência é egóica, envolve juízo
de valor, portanto a posição do analista diante do discurso do paciente é
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Na última aula dada, ano passado, falei sobre o gozo da apatia que
presenciamos atualmente na clínica. Com frequência, nota-se um
empobrecimento simbólico na fala dos pacientes, ou, outro modo de
dizer, categorizações prêt-à-porter, para dizer de um sofrimento difícil de
situar. Espectro autista, TDHA, síndrome do pânico, depressão, dentre
outros, é o máximo que o sujeito, a princípio, consegue formular sobre si
mesmo. Caso seja inquirido a dar detalhes, são as manifestações corporais
descritas nos mínimos detalhes que entram em cena.
Duas opções entram em curso: ceder ao discurso contemporâneo,
ou, vislumbrar um sujeito escondido nas vestes de seu tempo e convocá-lo
a um gesto mais criativo diante de sua vida, qual seja, historicizar sua vida.
A posição do analista se dá na partida, antes mesmo de saber quem vem,
pois, se vem, deve supor que tem e quer dizer algo e, ele deve estar
pronto e disposto a ouvir. Apostar que em algum momento sua escuta
será dispensável é o melhor que o analista deve esperar de seu paciente.
Dali por diante o sujeito endereça seu discurso, seu ato, ao seu desejo, a
seja lá quem for, livre de ideais e ideias alheias. Corre o risco de suas
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escolhas, tal como o herói trágico Ulisses, onde o sucesso de sua jornada
não é garantida, mas ele vai mesmo assim, em nome da identidade que
ele forjou para si. Ele não é uma vítima de seu contexto, mas ator dela.