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=a Reflectindo sobre o papel dos limites da amizade ‘usisso os limes que ur amizac deve ter para um drag et €poraue so eles importantes? Leonardo Ferreira Licenciado em Sociologia pela FLUP e autor da obra de poesia intitulada "Abundancia Sentimental” (2017) 5 de Janeiro de 2022, 8:44 (receraenae) © Ouga este artigo aqui ‘0% (0 meu primeiro texto deste novo ano debate-se, na verdade, com uma tematica que hd anos percorre as minhas reflexdes pessoais e que pretendo agora colocar em discussdo: a amizade. Esta constitui um dos trés principais pilares afectivo- relacionais que construimos colectivamente - 0s outros dois si0 a familia eo vinculo romantico. 0 filésofo grego Sécrates, ha varios séculos, jé afirmava que “para conseguir a amizade de uma pessoa digna é preciso desenvolvermos em nés mesmos as qualidades que naquela admiramos”, expondo a dimensao de compromisso deste valor que tanto vemos defendido no quotidiano. Perante a necessidade desta interdependéncia para o florescer do estatuto de amigo/a e das vivéncias subjacentes, quais sdo os limites que uma amizade deve ter para uma duragao fértil? E porque sao eles importantes? Bem, comecemos pela segunda pergunta. A questiio da existéncia de fronteiras ou barreiras é a mesma da relaco entre direitos e deveres. Ha quem, no mundo cientifico, advogue que estes dois conceitos nao deveriam ser apresentados de forma antagonica, dado que o dever é também um direito (0 direito a ter deveres) quando se inscreve numa cidadania activa, inclusiva e responsavel que é capaz de considerar a sustentabilidade da vida em comunidade. Do mesmo modo, pensar o limite exclusivamente como um condicionador ou um incapacitador de experiéncias mais diversas é cair num erro de reducionismo. Este pode ser uma oportunidade. Quando, por exemplo, pedimos a um/a amigo/a que respeite algum gosto nosso, por mais cémico que pareca ser, e explicamos as razGes desse pedido, permitindo a comunicagao, a partilha e a confianga, estamos a ser capazes de criar fronteiras que servem de vigilancia simultaneamente critica ¢ amorosa. Critica porque consciente (do 6nus do nosso pedido, da consideragao do outro pelo mesmo e da ligagio harmoniosa que aqui se cria e se recria) e amorosa porque critica. Daf que, agora partindo para a primeira interrogacao, nao haja limites coneretos nem estanques que se constituam como regras do que suceder numa amizade. Se, por um lado, ninguém admitira determinadas atitudes e comportamentos (traigdes, desprezos ¢ ofensas as nossas convicgdes, brutalidades para com outros/as amigos/as nossos/as, entre outros), estes termos nao passam, por outro, de entidades abstractas que precisam de ser objectivadas nos contextos amicais. Todavia, para tal, torna-se necessario que, precisamente, se tenha em consideracdo cada pessoa envolvida e se conheca as suas hist6rias e os seus pensamentos, ou seja, as suas singularidades. No fundo, a amizade é uma coisa educacional: aprende-se a amigar com simultaneas paciéncia e actividade e uma conjugagao entre interesse de perceber e desinteresse pelos lucros superticiais. Por outras palavras, educamo-nos para sermos amigos/as. Isto implica, naturalmente, receios, quedas, erros. Nada do que é humano é perfeito, mas em tempos nos quais projectar alguma coisa duravel é um desafio estrutural revela-se imprescindivel que tenhamos em conta o quao bons/boas companheiros/as de viagem fazem falta tanto em momentos de simplicidade como de complicagdes. Saber estar 6 e saber viver em conjunto com aquelas pessoas em quem mais confiamos, eis 0 meu desejo para 2022. Termino com uma citacdo maravilhosa que encontrei quando procurava por testemunhos de autores/as sobre a amizade, do escritor brasileiro Machado de Assis: “Nao ¢ amigo[/al aquele|/a] que alardeia a amizade: é traficante; a amizade sente-se, nao se diz.

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