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Enclaves fortificados e segregacao urbana: a dinamica contemporanea de urbanizacao de Ribeirado Preto! Jefferson Oliveira Goulart, Camila de Oliveira Goncalves* a Resumo 0 artigo analisa a difusdo de enclaves fortificados — espacas fechados para moradia, lazer ou consumo ~ na urbanizagdo recente de Ribeiro Preto (SP), fenémeno que se intensificou nas zon leste e sul do municipio por meio de condominios residenciais horizontals € verticals, shoppings centers, conjuntes de escitérias, escolas privadas e centros de lazer. O puiblico desses espacos manifesta no medo do crime violento o prinapal motive para o abandono do espaco publico. A concentracéo de enclaves no setor sul intensifica a searegacdo socicespacial entre esta reaido € o setor norte, territ 10 mais pobre, onde predominam conjuntos habitaconais populares e favelizacao. Palavras-chave. enclaves fortficados, Ribeirdo Preto, segregacdo urbana Fortified enclaves and urban segregation: the contemporary dynamics of urbanization of Ri- beirao Preto Abstract The artide analyzes the diffusion of fortified en- claves - enclosed spaces far housing, leisure or consumption = in the recent urbanization of Ribeirao Preto (SP), a pheno- menon that intensified in the eastern and southern zones of the muniapality through residential and horizontal condo- rminiums, shopping malls, sets of offices, private schools and leisure centers. The public of these spaces manifests in the ‘ear of violent crime the main reason for the abandonment Of the public space. The concentration of enclaves in the southern sector intensifies socio-patial segregation between this region and the northem sector, a poorer territory, where ‘popular housing and sium ciwelings predominate. Keywor tion, {ottified enclaves, Ribeiro Preto, urban segrege- nse. v2 Enclaves fortificados y segregacion urbana: la dindmica contemporanea de urbanizacion de Ribeirao Preto Resumen £| articulo analiza la difusion de enclaves fortif- cados = espacios cerrados para vivienda, eco 0 consumo = en Ia urbanizacion reciente de Ribetra0 Preto (SF), fenomeno ‘que se intensifico en las zonas este y sur del municipio por ‘medio de condominics residenciales honzontales y verticals, Ccentros comerciales , conjuntos de oficinas, escuelas privadas y centros de ocia. Ei publica de esos espacios manifiesta en @ltemor del crimen violento el principal motivo para el aban- dono del espacio publico. La concentracién de enclaves en el sector sur intensifia la segregacon sodoespacal entre esta region y 4 sector narte, teritorio més pobre, donde predo- rminen conjuntos habitacionales populares y chabolas Palabras clave: enclaves forficades; Ribeir8o Preto, segregae con urbana. sme ap + Jefferson Olneia Goulart ¢ CCientista Politic, professor da Unversdade Estadual Paulista (UNESP), ORCID , NSO. 72 Enclaes forticados e segee E do urbana: a dindmica contempordnaa de urbanizaczo de Ribergo Preto ste artigo analisa a propagacdo de enclaves fortificados como nova tendéncia de ‘configuracdo urbana na cidade de Ribeirao Preto no perfoda recente (1995-2015). A Pesquisa compreendeu a apreciaco de estudos de caso similares e/ou comparativos em municipios do interior e arevisao da literatura sobre a evolugao urbana do municipio e sua dinamica de segregacao sodoespacial. Paralelamente, avaliou-se o novo marco regulatorio da Politica Urbana brasilera, sintetizada na Constituic3o de 1988 en Lei Federal n° 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), além do exame da legislaco urbanistica municipal e de dados socioecondmicos de diferentes fontes (IBGE, Fundacao Seade, Prefetura Municipal) Nasequencia, foram catalogados os empreendimentos caracterizadas como enclaves ‘ortficados (shopping centers, condominios residenciais fechades e escolas), pracedendo- se &sua espacializacdo em mapa tematico. De forma complementar, foram reaizadas entrewstas com representantes do Legislative e do mercado imobiliério, além de moradoresisuarios de enclaves fortficados. Tais relatos ndo tém valor cientifico como amostra quantitativa, mas representam um recurso metodolégico adicional para melhor compreender as percepcdes desses atores socias, A questao conceitual chave consistiu na hipdtese de que o conceito de enclaves fortificados (CALDEIRA, 2000) ¢ valido para explicar 0 mesmo fenémeno em um municipio do interior paulista, pois 0 processo de interiorizac3o do desenvolvimento, originario da década de 1970, reproduziu nessas adades problemas semelhantes antes privativos das grandes aglomeracoes urbanas: periferzacao, espraiamento da mancha Urbana ser correspondente aporte de infraestrutura e segregacdo sodoespacial A similitude analitica compreende dois aspectos principais: i) enclaves fortficados 16m um conteddo segregador porque postulam uma sociabilidade e uma ordem Urbanistica socialmente homogénea, contribuindo para o esvaziamento dos esp.acos puiblicos e para a erasdo da cidadania mediante obstaculos ao exercicio de direitos socials € cis ia tas efeitos perversos de separacdo e evitacao sociais correspondem uma concepcao “defensiva” de arquitetura e de planejamento urbano que reforca © estimula a searegacdo, Revisitando o conceito de enclaves fortificados Aolongo do século XX, o processo de urbanizacdono Brasil oi sintetizado pela clivagem centro-periferia: diferencas urbanisticas e socioecondmicas das cdades derivaram da distingdo da oferta de infraestrutura e se caracterizaram por grupos sodais ue habitavar diferentes espacos — 0s mais ricos nas areas centrais e os mais pobres nas periferias, Essa dinamica obedeceu a “légica da desordem”, pela qual a maioria da populacéo era privada de seus direitos ensejando a ” espoliacdo urbana” (KOWARICK, 1979), Tal representacSo no desapareceu, mas ja nao é mais suficeente para exolicar 0 processos contempordneos de urbanizacao. Uma das principais raz6es dessa a2 " ersdo ampliads deste artigo fol apresertada ro XV Seminario. Internacional de la Re lberoae rmencana sobre Globlizazcn & Tetnono (fu, Santiagn de Chie, 26-28 de noverbro de 2018, € ‘suis de pesquts nena eis Fundacaa de Amparo 2 Fesquise do Estado de Seo Paulo (Proceso Fopesp n® 2016208231), 3 qual cs autores agradecer geo ap00. 2 Estudos slates sobre mune is do inser sae ecentes, as valiosos inclusive para andlses comparativas independente de suas diferentes abordagens tec rico-metodolégicas, alguns dos {uals merecem registro como referancia: Dai Pozzo (2015) Goulart; Bento (2011); Sposto, Goes (2013) NSO. 72 Enclaes fortfcados e segregacdo urbana: a dngmicacontempordnes de uroanizacse de Ribergo Preto | 43 mudanca é a difusao de empreendimentos imobiliarios nas franjas e penferias urbanas que atendem &5 populagdes de maior poder aquisitivo: s0 conjuntos de moradias horizontais ou verticais, centros de lazer e consumo, prédios de escritorios etc, Mas essa proximidade espacial esta longe de representar aproximacao ¢ integracao social, pelo contrario, aumenta o fosso soaal na medida em que esses empreendimentos $30 segregados, protegidos por muros, grades e cercas, marcando de forma opulenta a separacao entre ros e pobres. Tratamos, portanto, dos enclaves fortificados: “espacos privatizados, fechiados e monitorados para residéncia, consumo, lazer ou trabalho” que atendem as classes médias-altas¢ altas. Por sua natureza segregadora, “ergueram-se batreiras por toda parte em volta das casas, prédios de apartamentos, pargues, pracas, complexos de escritérios e escolas” (CALDEIRA, 1997, p. 159). Enclaves fortificados afirmam o distanciamento social e desigualdade entendida como um valor agregado porque o espaco pubblico é imprevisivel e perigoso por seu carater heterogéneo. Além do conforto, da privacidade, de apelos amibientais e de outros incentivos, sequranca e prestigio predominam no marketing dos negscios imobalisrios cdesses empreendimentos. A grande aceitacao desses produtos nomercadoe a expansso econémica de varias regides do interior do estada de S40 Paulo engendraram uma demanda potencial a fim de se reproduair a mesma logica em novos contextos. A literatura tem se dedicado as grandes cidades € regiées metropolitanas, mas ha uma lacuna de estudos sobre cidades do interior que exercem grande polaridade regional e que tém indiscutivel importancia socioecondmica? Ademais, esse desafio investigativo indi testar a abrangéncia de um conceita pensado originalmente para as grandes cidades, como fez Caldeira (2000) de forma seminal em seu estudo sobre Sao Paulo e suas comparacées com Los Angeles, No final da década de 1970 algumas incorporadoras passaram a construir empreendimentos imobiliarios como centros comerciais, espacos para escritérias e condominios residenciais fechados, €.05, mais embleméticos s4o Alphaville, Aldeia da Serra e Tamboré, localizados na Reg\3o Metropolitana de Sao Paulo (RMSP) (© medo tem sido a justificativa mais forte para a negacdo do espaco publico e para a adocdo de barreiras fisicas que criem separacdo, marcada por uma arquitetura defensiva que configura uma nova forma de segregacao: “propriedades privadas para uso coletivo enfatizam o valor do que € privado e restrito ao mesmo tempo que desvalorizam 0 que € publico” e, ademas, “sao fisicamente demarcados e isolados or muros, grades, espacos vazios e detalhes arquitetOnicos, voitados para o interior nao em direcdo & rua, cuja vida publica rejeitam exolicitamente” (CALDEIRA, 2000, p. 258-259) Originalmente um fendmeno restrito as grandes cidades, os enclaves fortificados se expandiram rumo ao interior paulista se disseminaram em cidades bem servidas de redes logisticas, cujos exemplos mais notaveis so as regides metropolitanas de Campinas, Sorocaba e Sao José dos Campos, servidas pelas melhores rodovias do pals. Na sequéncia, se espalharam por varias reaides do estado de Sao Paulo, sobretudo naquelas em que existiam dois ingredientes fundamentals: um vigoroso mercado imobiliario e um publico consumidor para seus produtos, intensificando a fraomentacdo socioespacial. Figura 1:4apa de localzacso de Riberdo Preto. Fonte Preferura Municipal de Ribeirgo Peto 2 Dados exraldos do estudo sor bre "As regides de influéncia da cidade 2007" (REGICABGE). Disponl em: mma gov bres ‘ruturasPZEE/ arquyostegc_28 pas. Acesso-O2out 2016. Para ‘aces mas detahades, consulta. Preferture do Municipio , Instituto Brasiaro de Geografia e Estar tice coge.gov.br>; e Fundscgo Seade do século XX. Em 41 anos, 3 COHAB=RP construiu 36.741 unidades habitacionais, 2 maioria nos setores norte € oeste (Figura 2): em média, 896.12 unidades/ano. Recenternente, 0 Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) passou a protagonizar {a provisao de habitaco social: dos 12 conjuntos implantados pela COHAB-RP até 2016, 10 foram produzidos pelo PMICMV, somando 2.584 unidades, Em 2017 iniiaram-se as obras do maior conjunto habitacional da COHAB-RP: o empreendimento Vida Nova Ribeiro ira disponibilizar 6.991 casas térreas no setor norte, em area que extrapola o perimetro urbano. Diferente das décadas de 1970- 80, este empreendimento € vendido como “bairro planejado” com infraestrutura basica completa, além de equipamentos publicos institucionais ¢ de lazer. Ainda que tenha concentrado sua produc3o em areas adensadas jd urbanizadas dentro do Anel Visrio, 0 PMCMV reforcou a searegacdo socioespacial da cidade: no ha nenhuma NSO. 72 Enclaes fortficados e segregacdo urbana: a dngmica contemporsnes de uroanizacse de Riberao Preto | 46 Figura 2: Municip de Rberso Preto = Conjuntos habtacionas. Implantados pela COHAB-RP Fonte: elaborado pelo autor,com datos extraidos de Dal Pozzo (2015), de feramenta Google Earth; do sie 3 revsta Rede, dispanivel em , @ em ‘scidadean commbeiragpreto/ cotdanonOT,2,2,1241404,Gor emosnaoscomvencesCamaras3 sexcuirsaquiterosdosPlanosDir tor aspx>.Acesso.O7 jun. 2017 NSO. 72 Enclaes fortfcados e segregacdo urbana: a dngmica contemporsnes de uroanizacse de Ribergo Preto | 47 Lunidade habitacional construida nos setores leste e sul, apenas nos setores norte & este e mais espeaficamente a noroeste. E tambem nos setores norte e aeste que se concentram as favelas, onde hoje existem 70 areas ocupadas de forma irregular por moradores sem-teto, Levantamento do Plano de Habitacao de Interesse Social (PLHIS) indicou, em 2010, 26.077 pessoas em assentamentos precérios (3,98 % da populacao), evidenciando a dicotomia de espadializacao socioecon6mica entre o norte periférico pobre e centro sul rico. No plano econémico, ha crescimento do setor tercirio através do valor adicionado No PIB do municipio. © setor terciario € 0 maior gerador de empregos na cidade, sequindo a tendéncia estadual. De acordo com os dados de capital humano organizados pela Federacao das Industrias do Estado de Séo Paulo (FIESF), de 226.584 pessoas empregadas em 2015, 127.468 (56%) estavam nosetor de “Servicos e Administrac3o. Publica” € 61.566 (27%) no comércio, Os parametros institucionais © Plano Diretor do municipio fot instituldo pela Lei Complementar n? 501/1995 € revisado pelaLei Complementar n° 1.573/2003, com instrumentos de requlacSo urbana (Art. 5° originarios do Estatuto da Cidade. Contudo, na contramdo de uma cidade democratica e iqualtéria, eel original insttuiu 0 setor sul como vetor de crescimento da érea utbanizada (Art. 8°), fomentando investimentos publicos e privados em érea da cidade que ja haviainiciado um intenso processo de valorizagao e especulacio imobiliria com a inauguracéo do primeiro shopping da cidade, 0 Ribeitdo Shopping, em 1981 ‘Arevisdo do Flano Diretor de 2003 trouxe poucas modticacoes, senindo como adequacso a0 Estatuto da Cidade, induindo outros dispositivos: ITU Progressivo, Operacao Urbana Consorciada, Estudo de Impacto de Vizinhanca (EIV). Ainda Foram acrescentados os itens “5°A" e “SH”, 05 quais detalham os instrumentos de Parcelamento, Edificacso, 04 Utilizagao Compulséria, IPTU Progressivo, Direito de Preempco, Transferencia do Direito de Construir, Outorga Onerosa do Direito de Construir e Operacdes Urbanas Consorciadas. De todos esses instrumentos, 0 Unico utilizado pelo municipio € 0 EIV, Que, uma vez auto-aplicativo, ndo precisa de regulamentacao por lei especfica, Foi tentada nova revisio do PD em 2014, mas rejeitada na Camara dos Vereadores. 0 ponto de maior discordanda referiu-se aincusdo de uma emenda, por parte de onze parlamentares, que solicitava a supressao do artigo 23, que profbe a urbanizacao na bacia do Cérrego das Palmeiras I, considerada importante ponto de recarga do Aquifero Guarani (0 maior manandial de agua doce subterrneo do mundo). A revogacso, deste dispositive permitiria a exploracéo imobiliaria no setor este da cidade, regiao de grande interesse imobiliatio por j& conter 14,4% dos endaves residenciass horizontais da cidade ~ a segunda maior porcentagem depois do setor sul (79,4%) (PECCI, 2014) Em 2017, 0 prefeito Duarte Nogueira (PSDB) tentou iguaimente suprimir 0 artigo 23, e novamente esse apelo foi rejeitado.* Em 17/10/2017 foi protocolado o Projeto de Lei Complementar n? 68/2017 com um novo texto de revisdo do Plano Diretor de Ribeirdo Preto, que contém alteracoes em 7 Para a relacgo completa de lozwamentos fechacos que con- Seguiram a aprovatso ch fechas mento, 05 que ainda estéo com seus processos em andarenta © futros que ainda no a adquire ram, ver Pecc (2014, 9 34-37), NSO. 72 Enclaes fortfcados e segregacdo urbana: a dngmica contemporsnea de uroanizacse de Riberao Preto | 48 dois temas crucias: a urbanizaco da area de recarga do Aquifero Guarani, mediante restrices ambientais a serem detalhadas na revisdo da Lei de Parcelamento, Uso € Ocupacéo do Solo, além da exclusao do setor sul como vetor de crescimento da cidade, com a supressao do artigo 8° do PO. A leg)slacao urbanistica que mais explicta as desigualdades socicespaciais, incidindo diretamente na producdo do espaco urbano, € aLei de Parcelamento, Uso € Ocupacso do Solo (Lei Complementar n° 2157/2007), Devido a dedaracao de inconstitucionalidade de sua remsao feita pela Lei Complementar n® 2505/2012, esta tentou tornar legal a situacao dos loteamentos fechados da cidade. Decsso do Tribunal de Justica do Estado de So Paulo, porém, declarou a lei inconstitucianal através de uma Acdo Direta de Inconstitucionalidade. A Lei Complementar n° 2.505/2012 foi suspensa pelo Decreto Legislativo n° 75/2015, de 27/02/2015. A notmatizacso dos lateamentos fechados € polémica, pois 0 parcelamento do solo ue os originou foi regido pela Lei Federal n° 6.766/1979. Portanto, o fechamento de um loteamento originado do parcelamento implica transformar areas publicas em reas parauso privado de seus moradores. A norma que regulamenta os condominios €aLei Federal 4.591/1964, e € nesta que aLei de Parcelamento, Uso e Ocupacdo do Solo de Ribeiro Preto fundamenta juridicamente a figura do condominio urbanistico, até entao inéaita na legislacao do municipio. Houve duas tentativas de se tentar legalizar esses loteamentos fechados. Em 2004, foi criada a Lei Complementar n? 1.762, que autorizava o encerramento de ruas de loteamentos, o que tornaria legal o fechamento destes. Mas esta lei também foi considerada inconstitucional pelo Tribunal de Justica do Estado de Sao Paulo em 2008. A Prefeitura ficou proibida de autorizar empreendimentos desse tipo de figura Urbanistica. A segunda tentativa foi a Lei Complementar n° 2.462/201 1, por meio da ual se estipulou um prazo de doss anos para que as associagdes de moradores desses loteamentos protocolassem 0 pedido de fechamento. Segundo Pecci (2014), quando © prazo se encerrou, em 15/07/2013, havia apenas 19 processos protocolados com pedidos de regularizacao de loteamentos fechados e, destes, apenas 3 loteamentos conseguiram decreto de aprovacdo.” Portanto, tanto 0s loteamentos fechados em proceso de analise quanto os demais so juridicamente ilegais. O esforco para ‘entar reqularzar e legalizar a figura urbanistica do loteamento fechado, além danao fiscalizagdo e da no punic3o dos moradores desses loteamentos, se explica pelo fato de que, dos 57 loteamentos fechados existentes na cidade, 55 deles se localizam no setor sul (oprinapal vetor de expansao urbana local), onde se concentra a populacso de maior poder aquisitivo. (Omacrozoneamento e a definico de éreas especiaisna cidade conferem ao setor sul as melhores condicGes de atracdo do mercado imobilirio, por possuir grandes vazios turbanos com malha urbana pouco consolidada e estar situado fora do anel viario e, portanto, além da Zona de Urbanizacéo Preferencial (ZUP). Estes subsetores fazem parte da Zona de Urbanizacao Controlada (ZUC), que permite maiores dmensées Iminimas para loteamentos. Em sintese, a legislac3o urbanistica possui um cardter contraditério: ao mesmo tempo em que absorveu eixos progressistas do marco institucional (Constituicso Federal e 8 Disponivel em: . Acesso. 07 ‘un. 2017, NSO. 72 Enclaes fortfcados e segregacdo urbana: a dngmicacontempordnes de uroarizacse de Ribergo Preto | 49 Estatuto da Cidade), ndo foram requlamentades os instrumentos que garantiriam esses preceitos, além da permissividade na oferta de condominios fechados e uma explicita preferéncia por desenvolver 05 setores leste e, principalmente, o sul Enclaves fortificados e segregacao socioespacial, Com base na acepcao de Caldeira (2000), os enclaves fortificados locais foram catalogados, mapeados ¢listados er formato espacial. Além disso, foram organizados de manera cronolégica ao longo do recorte temporal (1995-2015). A cidade tem quatro shoppings. © Ribeirao Shopping foi 0 primeiro, inaugurado em 1981, passou por oto expansdes, tornando-se 0 maior centro de compras do Brasil em Area Bruta Locavel (ABL) do portfdlio da Multiplan, com 69,4 mil mC] de ABL € 91,3 mil m? de Area Bruta Comeraial.® As expansdes nao se limitaram 0 aumento da area construida, pois, entre os anos de 2002 2013, criaram também um complexo comercial em seu entorno: ern 2002 foi inaugurado o Hotel [bis; em 2005 0 edificio comercial Ribeirao Office Tower; e, em 2012, uma torre de escritérios para venda, 0 Centro Profissional Ribeirso Shopping, Em 2013, arede Multiolan inaugurou 0 Shopping iguatemi, um complexo imobiliio ue, em parcetia com a Vila do Ipé Empreendimentos, construiu um shopping com 43,648 m? de Area Bruta Locével (ABL) e anunciou a construgao de cito torres comerciais, nove edificios corporativos, 18 torres residencais, hotel, sete condominios horizontais, escola, centro de eventos e campo de golfe. Segundo Pecci (2014), 0 Shopping Iguatemi funciona como um "grande centro catalisador” de uma érea que |8 funciona como “um grande polo de especulacao imobiliéria” © Shopping Santa Ursula, Unico localizado no centro, foi incorporado empresa Multiplan em 2010, que promaveu reformas para que se adequasse aos padrdes da empresa. A Multiplan exerce, portanto, quase um monopdlio desse tipo de complex comercial na cidade. Por ultimo, © Novo Shopping se localiza na regido sudeste. Seu Piiblico alvo € a classe média e sua area € constantemente ampliada para abrigar Novas lojas € servicos, por exemplo, ainauguracSo, em 2002, do Espaco Empresarial, capaz de sediar eventos € acomodar escritérios corporativos e de servicos, além da inauguracdo do Poupatempo em 2003 € de contar com um hotel contiguo. Instalados préximos a0 anelvisrio, os shoppings eseus complexos indicam a atratividade do setor tercisrio de Ribeirao Preto sobre as cidades menores da regio, pais criam nnovas centralidades, atraindo consumidores e o mercado imobiliario, Dos 162 enclaves residencias da cidade, 130se concentram nos subsetores sul e, destes, 113 se encontram fora do Anel Viario. Assim, “um terco de toda area urbanizada do setor esta fechada, o que demonstra a priorizagdo dos condominios nesta regio” (PECCI, 2014, p. 66) No setor lestese encontra a segunda maior quantidade deencaves residen dais fechados (23), 17 dos quais localizados fora do anel viario. Dois destes, em antigas chacaras de recreio, s30 05 maiores, com reas superiores a 1 milhdo de m?, Os setores oeste € rorte possuern as menores quantidades desse tipo de enclave, A presenca desse tipo NSO. 72 Enclaes fortficados e segregacdo urbana: a dngmica contemporsnes de uroanizacse de Riberao Preto | 5. de empreendimento no setor norte sugere a hipétese de que esses enclaves est3o, comecando a ser consumidos tambem para classes mais baixas, mesmo er menor escala Ja olevantamento das instituicdes privadas de ensino compreendeu escolas de educaco infantil, faculdades e universidades, consideradas enclaves fortficados porque aderem 2 estética da arguitetura delensiva © porque sdo seletivas, pagas, reforcando seu carater socalmente homogéneo. Mesmo que o maior nimero dessas insttuicdes estejalocalizado no setor sul (21), ha no setor leste outras 32 unidades, sequidas por 31 no setor norte, 22 no setor oeste € 19 no setor central. Ainda que o setor central tenha grande poder atrativo, a orientacdo do desenvolvimento urbiano e econémico esta focada na regio sul, exercendo grande influéncianas regides sudoeste e sudeste, onde se concentram os habitantes de maior poder aauistivo, agravando a dicotornia na ddade entre norte (pobre) e sul (ico). A Figura 3 sintetiza a espacializacdo dos diferentes tipos de endaves CO tratamento das distintas expressées de inavlidade na trajetoria do homem publico, indica que “civilidade é tratar os outros como se fossem estranhos que forjam um laco social sobre essa distancia social” (SENNETT, 1993, p. 323). Eha uma modalidade de indivilidade que se mostra como “perversao da fraternidade na experigncia comunal modema”, isto &, a tendéncia contemporanea de forjar traces de personalidade e comportamentos socias mais exclusivos faz com que “quanto mas estreito for © escopo de uma comunidade formada pela personalidade coletiva, mais destrutiva se tornard a experiéncia do sentimento fraterno. Forasteiras, desconhecidos, dessemelhantes, ‘tomnaram-se criaturas a serem evitadas” (Idem, p. 325). Tal concepcao permanece atual e ajuda a explicar as percepcdes dos cidadéos sobre si (os iguais) € 05 outros (os “dessemelhantes”) De modo geral, a seguranca foi ratificada como a principal razao dos entrevistados optarem por enclaves fortficados residenciais. Dentre outras motivacoes, a segunda ais citada foi arealizacdo de um bom negécioimobiliario a0 comprar um immével que atendesse as necessidades de sequranca, lazer e localizaco com um preco considerado adequado. Outros entrevistados ainda citaram a proximidade com o trabalho. Resposta unanime foi a percepcao de que a violencia urbana cresceu, aumentando a sensacao de inseguranca das pessoas. Para problematizar, foi feito um levantamento das estatisticas cnminais de Ribeirdo Preto e de outras trés cidades do interior paulista para efeito de comparacio € contextualizacgo: Campinas, Sorocaba e Santos. Os rnimeros do estado de Sao Paulo também foram adicionados na Tabela 2 para que se possa analisar a relevancia de cada tipo de crime nas cidades escolhidas. Os dados permitem inferir que. a) 0 homicidio doloso € 0 crime com a5 menores ocorréndias em todas as cidades, além de todas apresentarem uma queda significative de sua frequéncia; b) a ocorréncia dos crimes listados em Ribeiréo Preto € inferior 30, registrado em Campinas e muito menor no caso de furto e roubo de veiculos, fato parcialmente explicado pela dferenca demografica; c)afrequéncia de homicidio doloso em Ribeiro Preto for menor que a de Sorocaba, porém, maior que a de Santos em trés anos; d) Ribeirgo Preto, Campinas e Santos apresentaram aumento na ocorréncia de furtos, conforme tendéncia estadual, sendo os nuimeros de Ribeiro Preto maiores Figura 3: Municipio de Riberso Preto ~ Mapa com a localzaca0 de Enclaves Foricadbs Fonte: elaborado pelo autor, Ribeiréo Preto (20 Sindeato ce notes, restau batese-simiaes de Roora0 Pret eregao (2017) nse. v2 Enclaes fortiicados OK 25KM ESOALA GRARDA 5K regagdo urbana: a dndmicacontempordinea de urbanizaczo de Ribergo Preto (i UanRL ATERO CENTRAL TB conoowivo re snenca HonzontaLy LOTEAMENTOFECHADO MBE PSTTIUGAOEENSNO PvADA i sirens i / — MEL WARD 51 Enclaes fortfcados e segregacdo urbana: a dngmicacontemporsnes de uroanizacse de Ribergo Preto | 52 que os de Santos e Sorocaba; e) 0 numero de roubos aumentou em Ribeirao Preto, Sorocaba e Santos, tendo esta ultima fechado 2015 com 0 numero mais atto em comparago com as demais; 1) as ocorréncias de furto e roubo de veiculo aumentaram em Ribeirdo Preto e Sorocaba, g) em Ribeiro Preto houve uma queda importante de crimes violentos, porém, com aumento de crimes que ndo envolvem walénaia fsica, como furtos € roubos de vefcules. s indices de criminalidade de Ribeiro Preto nao diferem radicalmente dos indices de cidades de porte similar, de forma que as estatisticas da cimindidade nao seam suficientes para justiticar a producgo exacerbada de enclaves residenciais, considerando ainda que tm agosto de 20163 presder- —_um terco da rea urbanizada de seu setor sul j6estd fechada (PECCI, 2014, p. 66) te Dilma Roussef foi afastada definitamente de seu caroo spss umlongo e controversdo AS classes média-alta e alta residentes de enclaves estabelecem relacdes "ambfouas Brocesso de impeachment Este de dependéncia € evitaco, intimidade e desconfianca” (CALDEIRA, 2000, p. 272), cekoGscs tose seas para COm seus empregados, ainda que, na scala da cidade, tenham se libertado da Tercontrbuldo par asia dese: mistura de lasses. Uma das caracteristicas pinapais desses “novos habitats fechados” ollzacio polticornsttuconal gg “mecanismos pautados na discriminac3o que ferem os principios basicos da ‘ecessio que agzvoua parte ConstituigSo Brasileira” (SPOSITO € GOES, 2013, p. 241). Tal discriminacgo aparece 2 2015 Fara uma nteroetacéo pas explicagdes dos entrevstados sobre o aumento da violencia urbana: as respostas nainal cesses epsodos, part= cuarmente db porte de ss a2: Sa pergunta foram genéricas e simplistas, ea maioria identificou na desigualdade acg0ceseles,verSouza(2016) social e na atual crise econémica e politica do Brasil ® as causas para o aumento da violencia, de forma que o aumento do desemprego e da falta de oportunidade tenha ‘ransformado essas mesmas pessoas nos agentes da violencia. Tabela 2: crimes praticados 10s muncipes de Riberdo Pree to, Campinse, Srccabs e Sane AO identificar pessoas de classes socials mais baixas como responsaveis pela violencia 194720012015 Fonte elaborad> urbana cria~se uma generalizacdo estereotipada dessa populacao. Tal distin¢ao pelo autor, com dads da Fune fego Sasse da cecens os Setve pata justificar medidas discriminators eo proprio auto-isolamento, vendo no Seguranca Publics de Sso Paulo“ dessemnelhante” uma pessoa a ser evitada, 654.593 1150753 637.436 425.621 Roubo 2261 | 3500 | 10873 geal 3.187 | 4317 NSO. 72 Figura 4: Anuncio do residencal fachado Fazenda Santa Mata Fonte: Revsta REVIDE, p. 2-3, 43,2010. Enclaes fortfcados e segregacdo urbana: a dngmica contemporsnes de uroanizacse de Ribergo Preto | 53. As vantagens de se morar em um enclave residencial, renconadas por seus residentes, so refletidas em anunaios que vender esse produto. Além da énfase na seguranca, moradores mencionaram também o silénco e a tranquilidade do condominio, de forma que “nem parecia que estavam na cidade”, Desejos estes exploracos pelo marketing desses empreendimentos (Figura 4). A énfase na localizagao demonstra a necessidade de se garantir 0 status assodado 0s empreendimentos. Também s30 enfatizados 05 aspectos ambientais devido a proximidade com areas verdes, pois © setor imobilidrio sabe da associacao paradoxal que seus consumidores tém com 0s conceitos de sequranca e liberdade, além de tentarem se distanciar da cidade como espaco cattico, violento, desordenado e mal cuidado. Antindios imobiliarios representam 0s condominios como “ilhas instaladas no meio de arredores nobres” (CALDERA, 2000, p. 266) Nao ha menco a aparatos de sequranca como oprinaipal aributo dos empreencimentos, ainda que seja uma correlacao lagica que a palavra “residencial” signifique, no caso, espaco fechado, com portatia e controle de acesso. Como Caldera (2000) observou nos antincios da RMSP, nao ha mencio explicita de desejo por vida em comunidade ras pecas de marketing, 0 que revela o que se espera de pessoas que desejam conviver isoladas entre iguass Obras iniciadas! ran NSO. 72 Descubra esse verdadero paraiso Redo orarqur, Kn 298 A ealidade além dos seus sonhos nse. v2 Arquitetura defensiva e sociabilidade interna Para assequrar sequranca e status, €imprescindlvel consumar 0 crater fortficado dos es. E, para que a segregacao nao seja apenas fisca, mas também simbdlica, 05 1s se valem nao apenas de uma medida defensiva, mas de um conunto delas, moldando uma nitida estratégia de evtacao sus ntada por barreiras Dos quatro enclaves residenciais visitados para as entrevistas, ha pouca vatiacéo nas esiratégias deseguranca: todos sdo guatnedidos por portarias com vidros de insufimescuro ‘ou espelhado, evitando a visdo interna de funcionérios ¢ dos sistemas de segurancas; ppossuem cancelas separadas para a entrada de moradores € visitantes, interfones nas asas ou apartamentos conectados com a portaria, sistema de cémeras de seguranca instalados em pontos chave; muros equipados com cerca elétrica e, no caso do setor sul, com concertinas clipadas, tipicas de presidios; servico integral ou apenas notumo ronda e eventual identificacSo de nome e identificacgo dos visitantes Figuras 5 € 6). A combinacdo desses fatores resulta em uma estética de seguranca ostensiva, No setor sul se tomou comum a situacdo na qual uma via publica € margeada por muros equipados com concertinas duplas e cercas elétricas: so quilémetros de vias publicas nessa situacSo, no apenas reas ocasionais. Aos murcs, somam-se calcadas estreitas paisagismo que nao contribui para 0 conforto térmico dos pedestres, susctando um cenatio de abandono, de cidade desabitada 54 risco. Enclave Nao se vé pessoas utlizando esas vias, pois foram projetadas para serem desconfortaveis e nao atrativas par stTe5, C € praticament ante também 2 auséncia dep Gnibus no espa cunda dificultando 0 acesso dos trabalhadores pobres empregados No que se refere a sociat nterna, ainda que todos relate conhecer ao menos 0s seus vizinhos antigos e realizar atividades esporadicas em conjunto, ecem com opassar do tempo, ha dificuldade de se conhecer novos moradores. E central ‘ambém 0 papel das criancas na sociabllidade interna de seus moradores, pois elas motivam seus pais a frequentarem as are wer commun ninio € assim a conviver e se relacionar com os pais das outras criancas ortificagao também constitui um traco marcante es Pent caras e cobicadas da adad 10 Armando AP), por exemplo, € uma di =o que tora bastan Wo 0 acesso a esta institu fortcados io Proto | 56 privada—e em seus dois prédios contiquos ha portarias e catracas, além de ser comum ver segurancas fazendo ronda pelo quarteirdo (Figura 7). Também neste caso, 05 principios a serem seguidos so 0 da seguranca e da homogeneidade social, além de mecanismos que evitem 0 ingresso dos “ dessemelhantes Fato € que “as estruturas urbanas e 0 planejamento influenciam 0 comportamento € {as formas de funcionamento das cidades” (GEHL, 2014, p. 9). A arquitetura defensiva nega o esp.acopublico, gere fachadas horizontais passivas, sem a presenca de atividades © pessoas, 0 que, de acordo com Gehl (2014), prejudica a experiéncia sensorial do pedesire, Efeito esse desejado pelos enclaves fortificados residenciais, os quais tendem a suprimir a vida urbana nas seus arredores ‘A presenca desses empreendimentos gera situacdes de profunda desorientacdo, cr lm sistema de ruas interligadas por rotatorias genéricas que eventualmente chegam a alguma rodowia (Figura 8). Esse problema, somado 20 cenério das vias puiblicas nse. v2 12 Compreensdo semehhante fo) antecigada por Jane Jacobs em sua obra cléska, “Moree e vids de andes cides” 11 vertida em comparacéo 20 rmadlo propasto por TA. Mat~ shall par interpreter a raptors ingles, na qual a order de con- uista coloca os dreitos cus ns bate de construgao de edadan Seguicos, respectvarente, pelos direitos politics e, finalmente pela dusso de dito soca. NSO. 72 Enclaes fortfcados e segregacdo urbana: a dngmicacontemporsnes de uroanizacse de Ribergo Preto | 57 margeadas por muras, deixou o setor sul sem pontos de referéncia, monofuncional e sem vida, ja que os dois grandes complexos formados pelo Ribeirso Shopping e pelo Shopping lguatemi centralizam servicos de comércio, lazer e consumo. As franjas das periferias dos setores sul eleste apresentam descontinuidades urbanas, com a presenca intercalada de endlaves residenciais © vazios urbanos, A malha Urbana € fragmentada e sem conexOes viarias satisfatorias. Pensar na relacao destes enclaves com o espaco aberto da cidade evidencia um relacionamento conflituoso para seus moradores no apenas no ambito das regras, mas também na relagao com do residentes de enclaves. Perountas sobre sociabilidade geraram as respostas com maiores divergéncias entre os entrevistados. Muitos pediram para que a perquntafosse repetida e reformulada, além de mostrarem clara surpresa por serem questionados sobre os impactos saciais que seu modo de morar poderia gerar e na percepcgo que 10s outros” podem ter deles: tentar se colocar na posicao de quem também é julgado gerou desorientacao. Consideragées Finais (s enclaves fortificados em Ribeirdo Preto se concentram no setor sul, processo que se intensificou a partir dos anos de 1990. A acdo de grandes empreendedores tem se concretizado com a expansao e construgéo de shoppings centers, complexos de torres denegécio e de apartamentos, condominios e loteamentos fechados, € escolas privadss. & regulacgo urbana correspondente tem sido permissiva, 0 que produz incentivos & sua continuidade. Os confit relativos as Leis de Parcelamento, Uso e Ocupacao do Solo e do Fano Diretor tomar explicita a influéncia do setor da construcao civil nas decisées da legislac Urbanistica. Ao mesmo tempo em que o Plano Diretor de 2014 foi rejeitado por tratar, de um artigo que comprometeria a protecéo ambiental do Aquifero Guarani, um novo texto para a lei, de 2017, pode ser aprovado com a autorizacao de urbanizacdo das areas desta reserva, em nitido movimento de liberacéo de areas de grande valor para © mercado imobilirio devido & sua localizacao nobre no setorleste. A tentativa de reqularizar a figura juridica do loteamento fechado foi malsucedida, ja que declarada inconstitucional, rnas nenhuma penalidade ¢ aplicada aqueles se que se mantém em situacdo irregular. Para Bauman (2009), a cade foi historicamente o lugar do convivio com o diferente, mas passa a temé-lona sodiedade pos-moderna, de sorte que a segregacdo espacal & um paliativo fadado ao fracasso ou 20 aumento da parancia e da vigilancia, as quais deseducam esses grupos autosegregados a conviverem com o diferente de forma pacifica, aumentando a sensago de violénaa. Para Ghel (2014) a vida na cidade Tequer 0 encontro entre os diferentes, pois a socializacZo € © convivio com outras pessoas, além de um desejo inerente 3 natureza humana, 580 requisitos para tornar as cidades mais sequras."® No que se refere a cidadania, para Carvalho (2001) este é um fendmeno que se deu de maneira inversano Brasil", de forma que os diretos avis - dreito liberdade individual, 3 igualdade, & propriedade, 8 livre circulacdo ~ “apresentam as maiores deficiéncias em termos de seu conhecimento, extensao e garantias” (CARVALHO, 2001, p. 228) NSO. 72 Enclaes fortfcados e segregacdo urbana: a dngmicacontemporsnes de uroanizacse de Riberao Preto | 58. Ainda que outras modalidades de enclaves fortificados tenham estatuto juridico legal -shoppings, condominios, instituic6es privadas de ensino -, ha evidente esforco para garantir sua homogeneidade social. Essa constatacgo contrasta com as falas dos entrevistados, nas quais frequentemente apareceu a ideia de que o direito deles (de ir e vir) era comprometido pela criminalidade. No caso, criminalidade e violencia associada automaticamente aos pobres. No Brasil contemporgneo ha, com efeito, uma “democracia disiuntiva’, na qual vigoram “processos contraditérios que marcam a sociedad”, e 0 universo do crime a explicitana medida em que a violencia, além de deteriorar os direitos dos cidaddos, ‘oferece um campo no qual as reacdes a violencia tornaramn-se no apenas violentas e desrespeitadoras de direitos, mas ajudam a deteriorar o espaco publico, a segregar arupes socials € 2 desestabilizar o estado de direito” (CALDEIRA, 2000, p. 56). As evidendas da pesquisa empirica vaidam o conceito de enclaves fortficados (CALDERA, 2000), tambem apropriado para a interpretacio do caso de Ribeirao Preto tendo em vista que esses espacos possuem os mesmos atrbutosfisicos e arquiteténicos e geram ‘as mesmas consequéncias sociais€ urbanisticas observadas pela autora na RMSP. No entanto, os impactos socioespaciais gerados pelos enclaves fortificados em Sao Paulo diferem, na sua oradacao e escala, dos observados em Ribeitdo Preto. Os enclaves fortficados em Ribeiro Preto nao geraram espacos homogéneos apenas dentro dos muros, mas homageneidade em todo um setor, o sul, além de influenciar as areas asudeste e a sudoeste. A atratividade dos endaves fortificados nao reproduziu a formacdo de cenérios como de Sao Paulo, onde espacos extremamente pobres sao divisados de espacos luxuosos apenas por muros e cercas. Em Ribeirdo Preto, a morfologia urbana, a disponibilidade de glebas, a agressividade do mercado imobliario € a propria lecislacgo permitiram a formacdo de uma larga extens3o territorial em ue predominam enclaves e na qual praticamente nao ha circulagao de cidadaos de Grupos socials diferentes, Em Ribeirdo Preto ndo se observa contrastes 140 drasticos de desiqualdade sodal convivendo lado a lado. Nota-se, no entanto, expressiva desiqualdade setorial no territério, em especial entre os setores norte e sul. Enquanto onorte foi ocupado pela opulacao mais pobre por meio de conjuntos habitacionais implantados pela COHAB- RP, dando margem a um proceso concomitante de favelizacao da area, 0 setor sul foi planejado pelo setor privado (e admitido pelo poder publico) para ser ocupado pelos grupos socioeconémicos dominantes, de forma que ha dara discrepancia entre a qualidade e a quantidade de servicos e equipamentos publicos, Mais ainda: revelase ausente 0 principio da funcdo social da propriedade e da cidade, preceito consagrado na Constituicao Gdads e ratificado no Estatuto da Cidade. Quanto maior a mixofobia— 0 medo de misturar-se (BAUMAN, 2009) -, maiores $30, as chances de estigmatizacao de arupos sodas, 0 que compromete 0 convivio entre . Acesso: 31 out 2017 KOWARICK, Luce, Espoliagao Urbana, Rio de Janeiro: Paz e Tetra, 1973, NEGRI, Barjas. As politicas de descentralizacao industrial e 0 processo de interiorizagi0 em S40 Paulo. 1970-1985. In: TARTAGLIA, JC. & OLIVEIRA, O.L. (orgs.). 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