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PES aN POLITICA E A MARXISI Raul Cristovao dos Santos Pa Durante o século XIX, a Ciéncia Econémica era designada pelo termo Economia Po- litica, Essa designagao tendeu a desaparecer a partir do inicio do século XX com a cres- cente penetragéo — e consequente influéncia — da teoria marginalista que, de acordo com sua aspiragao te6rica de ser uma ciéncia pura como a Fisica e a Matematica, passou areivindicar o termo Economia para a Ciéncia Econémica, ‘Sob a denominaco de Economia Politica, encontram-se diferentes, e naoraras, incom- ppativeis abordagens a questéas econémicas que, por diversas vezes, estiveram envolvidas em acaloradas controvérsias nesse perfodo, Assim, no é tarefa simples apontar para um conjunto de proposigées como constituindo “o” nuicleo da Economia Politica. A seguir, seré apresentado um pequeno esbogo de suas principais correntes, de mode a situar os autores que se configuram como depositarios do saber da Economia Politica do ponto de vista da historia do pensamento econdmico. E mais ou menos tradicional nas historias da Ciéncia Econémica afirmar que as ori- gens ou a emergéncia da Economia Politica esto nos trabalhos dos fisiocratas na Franga e, principalmente, em Adam Smith, na Escécia, tido quase sempre como pai da Ciéncia Econémica. Esses sorao os primeiros autores a serem tratados neste capitulo, porém com uma pequena ressalva, Em vez de considerd-los como ponto de partida da Economia Politica, sera seguida aqui, por motivos que ficardo claros adiante, a periodizagao de ‘Schumpeter. Este autor, naquela que 6 tida como uma das mais esclarecedoras obras da histéria da Ciéncia Econémica, considerou os fisiocratas e Adam Smith como ponto final de uma crescente literatura acerca de questées econémicas relacionadas a organizagao administragéo dos emergentes Estados nacionais, 0 desenvolvimento posterior da Ciéncia Econémica ocorre no inicio do século XIX, com as obras de J. B. Say, na Franga, e de David Ricardo, na Inglaterra. No caso do pri- ‘meito, seu trabalho desenvolve-se como uma critica ao pensamento fisiocratico, apoiado na riqueza das nagdes, da qual foi o principal propagador na Franga. J4 quanto ao segun- do, sua mais importante obra é fruto de participagées nas controvérsias sobre o padao monotério inglés o a Lei do Cereal, ocortidas no inicio do século XIX. As proposicées de Ricardo, principalmente as roferentes as teorias do valor @ da distribuicao, provocaram diversos tipos de reagées dentro da academia. Com o objetivo de sistematizer e consolidar o que Ihe parecia ser 0 consenso entre os economistas politicos, John Stuart Mill publicou em 1848 seus Principios de Economia Politica. Essa obra representa o apogeu da Economia Politica, passando a ser referéncia obrigatéria tanto no ensino quanto nas discussées da Ciéncia até praticamente o inicio do século XX. Além de realizar uma sintese entre as ideias ricardianas e as de seus criticos, ‘tem-se pela primeira vez.em uma obra da Economia Politica o reconhecimento @a and- lise das questées sociais que proliferaram na Europa na primeira metade do século XIX. Por volta de 1870, surgem duas linhas de pensamento econémico que viriam a estabelecer dupla ruptura com a Economia Politica, conforme estava codificada nas obras de Say, na Franga, e de Mill, na Inglaterra. Uma delas, a j citada revolugao marginalista, tem uma origem simulténea nos livros de Stanley Jevons, na Inglaterra, de Leon Walras, na Suiga, e de Karl Menger, na Austria. A outra linha esta na critica da Economia Politica elaborada por Karl Marx e seré apresentada aqui. Embora esas duas linhas de pensamento sejam criticas Economia Politica, essa posture critica & reivindicada de forma mais aguda pela primeira do que pela segunda. De fato, Marx apresentou sempre a sua teoria como uma superagéo da Economia Politica que ele considerava como conhecimento cientifico em oposigao Economia Vulgar (Figura 2.1). FIGURA2.1 Conforme apontou-se antes, o pensamento fisiocrAtico e, principalmente, ode Adam ‘Smith, seré tratado aqui como a verstio mais elaborada de idelas que constitufam o campo da Political Ooconomy na segunda metade do século XVII O importante notar que ‘esse termo no 6 uma exprossiio arcaica para Political Eonomy, ou soja, da Economia Politica, Ele denota realmente um determinado campo de saber sobre questies que hoje seriam consideradas econémicas, mas o faz de uma forma particular, como uma questéo da organizagio do Estado ou, se quiser, do corpo politico. Sistoma mercantilista: Esta via inpametar polis ge grace wn oeseate cima de tis prs ara se ter uma ideia desse campo de investigagfo, o livro de James Stuart é um exemplo, publicado em 1766, portanto, dez anos antas do Riqueza das nagées. Nele, por anélogia a ideia aristotélica de Oeconomy enquanto a arte de administrar o lar pelo chefe de familia com o objetivo de prover o que necessita para o seu bem-estar, considera-se a Political Ooconomy como a arte ou ciéncia de administrar o Estado pelo soberano de tal forma que seus siiditos possam prover-se a si préprios de tudo o que Ihes 6 indispensével para a vida na sociedade. & a administragdo do reino ou do corpo politico que esta em jogo. Questdes consideradas hoje como estritamente econdmicas estavam relacionadas & boa administragaio do Estado. Pode-se dizer que a esfera do econémico era subaltema a da politica. Para ter uma ideia dessa estrutura de conhe- cimento, basta ver que a obra Riqueza das nagdes foi reconhecida por um dos seus editores, na época, como um dos livros mais completos de politica. Portanto, a primeira manifestagdo de uma ciéncia preocupada com questdes econémicas ocorre no campo denominado Political Oeconomy, que, por sua vez, ainda std no intorior do campo da politica. E qual 6 0 objeto de investigagao? Conforme visto na definigdo anterior, seu propésito 6 prover aos habitantes de uma nagao tudo o que eles necessitam. ‘E possivel encontvar uma resposta para essa questéo em uma corrente de pensamento denominada por Smith como sistema mercantilista, De acorco com essa corrente, 0 Estado deveria implementar politicas tue gerassem crescente aciimulo de metais precio- sos. Quanto maior a quantidade celes em um pafs, maior o volume de meio circulante. Isso estimularia a produgo e 0 comércio entre os individuos e, assim, geraria maior volume de produtos transacionados. Para acumular metais preciosos, a regra geral era obter uma balanga comercial favordvel, ou seja, exportar mais do que importar. A diferenga entre o volume de exportagao e 0 de importagao se refletiria em um fluxo positivo de metais preciosos para dentro do pais. Desta maneira, a riqueza nacional consistia basicamente ‘em metais preciosos e dependia, em tiltima insténcia, do bom manejo do comércio inter- nacional. Quanto mais bem projetadas as politicas para salvaguardar a balanca comercial, do pais, methotes seriam as condigdes para o comércio interno. E contra esse cendrio que emergem as ideias de Quesnay (1694-1774) e de Adam ‘Smith (1723-1790). Por um lado, enquanto ideias dentro do campo de politicas econd- micas que visam ao bem-estar material dos individuos em um Estado, on seja, como ideias pertencentes a Political Oeconamy. Por outro, desenvclvem-se como criticas ao sistema de politicas econémicas de cardter mercantilista. Primeiro, a tiqueza de um Estado nao consiste em possuir metais preciosos, mas sim em objetos titeis, que sa- tisfagam as nocessidades humanas, quaisquer que sejam elas, basicas ou supérfluas. Segundo, sua fonte no esté no comércio intemacional, mas no comércio doméstico ou intemo, O comércio internacional somente conta para ampliar a riqueza do Estado como complemento do doméstico, Feita essa exposigao geral do campo no qual se inserem as ideias de Quesnay e de Smith, e, dentro dele, do principal eixo em que elas se desenvolvem, seréo considerados agora seus elementos particulares © pensamento fisiocrético esta expresso em varios textos de diferentes autores. Porém, todos tém como origem comum 0 pensamento de Frangois Quesnay. Por isso, aqui somente os textos desse autor setdo considerados. Isso no facilita muito a tarefa, pois Quesnay nunca escreveu um que contivesse de forma organizada eunitariao corpo de suas ideias, Porém, 6 possivel identificar um niicleo conciso que compreende um, arcabougo de anélise, um conjunto de hipéteses sobre as condigdes de produgao e ‘um conjunto de relagdes entre algumas varidveis que permitem reproduir teoricamente © proceso de circulagéio de produtos entre os habitantes de um pais. 2.2.1.1 Oarcabougo de anélise Um dos aspectos mais interessantes e que sempre levou & contemplagao de ‘Quesnay enquanto no apenas fundador da Ciéneia Econémica, mas também como precursor da modema andlise econémica, éa estrutura de anélise utilizada que consiste em considerar os individuos de uma sociedade como organizados em ordens sociais, @ as atividades por eles exercidas em apenas duas. Assim, a miriade de individuos e de suas atividades observados no cotidiano fica reduzida, por meio de um proceso de abstragio, a somente irés ordens sociais e a duas atividades. Vale aqui, mesmo que rapidamente, ver como essa estrutura ¢ elaborada. Nesse caso, deve-se lembratRiqueza de um pats: ex que Quesnay teve um importante precedente na obra cle Cantillon € que suas ideias — ergjaanewe ne nary, mas se desenvolveram com base na estrutura de andlise elaborada por esse Ultimo autor, «#m rm inayat pao Observe, entio, como ele constr6i essa estrutura de anélise. spr part de sero, jo Trabatho humané Em primeiro lugar, Cantilon presenta o que pode-se considerar como @ equaG8 nna agng de bésica do pensamento fisioerético: a riqueza de tum pais esté originalmente na na- api aria on tureza, mas em uma forma inadequada pata 0 uso por parte do sex humano. Assim, 8 — pms nat av bane necessdrio que o ser humano a transforme para tomé-la itil Esse 60 papel do trabalho Riqueza: winml de hhumano. Entdo, riqueza nada mais é do que 0 actimulo de objetos titeis Figura 22). oben te FIGURA 2.2 Natures —————> Trabalho —————p Riqueza Esquema fisicerstico hhumano ‘cdo transformadora Objetos steis Em segundo lugar, Cantillon supde que todas as terras de um pals acabaréo se concentrando nas mos de poucos individuos durante processo de constituigao dessa sociedade. Em outras palavras, qualquer que seja a configuragao inicial da distribuigéo do terras em uma sociedade, clas serdo apropriadas privadamente por um poqueno ‘grupo de individuos. Estes, por terem a propriedade priveda sobre a terra, ém pot sso mesmo condigSes de sobreviver independentemente do resto da sociedade, pois podem, com oseu trabalho, obterriqueza da terra que lhes pertence. Formam, portanto, a classe independente ou de proprietétios de terra, Porém, nesse caso, orestoda socie- dace nfo sobreviveria sem o acesso & terra. # estahelecido, ento, um arranjo social, por meio do qual ¢ permitido ao resto da sociedade trabalhar na vera dos proprievérios, pagando com uma parte da produgao seu uso das terras, Assim, seria possivel ao resto da sociedade obterriqueza e, portanto, sobreviver. Dentzo desse atranj, o trabalho, elemento intermediario na equacao fisiocratica, recairia sobre o resto da sociedade, ‘Teoria da riqueza: hae para nna oferta bundant de ojo ii ets na cspaidade de or ayes qruram eaxdente de prada ou s9ja, sobre aqueles que dependem dos propristérios @ formam, por isso mesmo, a classe dependents. Eto, com baso nessa abordagam histérica, Cantillon reduz 0 conjunto de individuos da sociedade a duas classes: independentes e dependentes. Os primeiros, dada a propriedade privada sobre a terra, fonte da riqueza, obtém riquoza som procisar trabalhar. Os segundos, exatamente por nao possuirom terra, devem trabalhar para obter riqueza para si e para os independentes. E como se organiza 0 trabalho dentro da classe dependente? A resposta a essa questo nos leva ao terceiro ponto da construgao de Cantillon. As atividades de produgo iniciam-se diretamente sobre a terra, no esquema de Cantillon, na érea rural. Conforme os proprietarios vao obtendo riqueza, eles se trans- forom para as cidades, onde outro conjunto de atividades se desenvolve para atender as suas necessidades. As atividades se subdividem entre as que s80 executadas no campo, diretamente sobre a terra, eas cue sao executadas na cidade, sendo possivel pensar de forma indirota sobre cs produtes origindrios da terra. Esse segundo conjunto do atividades dopende do primeino, pois as atividades da cidade so executadas sobre 0s produtos gerados pelas atividades do campo. As atividades desenvolvidas no campo podem ser tracluzidas por agricultura e as executadas na cidade por industria, incluindo ‘manufaturas e comércio, Assim, novamente, reduzem-se todas as atividades a apenas duas: agricultura ¢ indlistria. Note que o conjunto interminavel de trocas na sociedade se teduz a apenas uma: a tioca entre produgdo agricola e produgao industrial, Por fim, e aqui esté a mais famosa proposi¢éo fisiocrética, as atividades desenvol- vidas pelos setores agricola e industrial ndo esto no mesmo pé de igualdade quanto & goragao de riqueza. Embora os dois sotores gorem objetos iteis, o agricola tem primazia sobre o industrial, uma vez que este s6 pode subsistir com os produtos gerades palo pri- eito, De fato, a atividade industrial requer para o seu desempenho produtos agticolas para 0 sustento dos sous trabalhiadores © matétia-prima para elaborar seus produtos. Como diria posteriormente Turgot, essa primazia é eminentemente técnica: a atividade industrial néo é possivel sem a prévia oferta de produtos agricolas. Dai, como o setor agricola produz nao 36 para sua manutengo como também para o sustento industrial, © seu produto deve set maior do que o seu pr6prio consumo, ou seja, ele deve ser ca- paz de gerar um excedente de produgo. Quanto maior o nivel de atividade agricola, major 0 nivel de produto total, pois ele permite ampliar a produgo industrial com 0 seu excedente. Portanto, a chave para uma oferta abundante de objetos tteis esta na capaciade de o setor agricola gerar um excedente de produgao. E sobre essa questao ue se desenvolve a teoria da riqueza de Quesnay. 2.2.1.2 As condicées de producéo Em seu primeiro trabalho sobre politicas econémicas, denominado Fermiers, publicado em 1756, Quesnay preocupa-se com as condigdes de produgao que per- mitem ao setor agricola gerar um excedente de produgao. De maneira geral, pode-se dizer que Quesnay assume duas condigées, as quais aparecem como hipéteses do seu quadro econémico. Primeizo, a agricultura que produz riqueza é a executada em larga escala e possui alto valor agregado no mercado, sendo realizada intencionalmente para o mercado, ara as trocas. A produgao agricola de pequena escala acaba por orientar-se para a produc de subsisténcia, cujos produtos stio de pequeno valor monetario no mercado, produzindo basicamente para 0 préprio sustento do produtor agricola, ou soja, 6 uma produgao para o consumo familiar. Dai uma das maximas de Quesnay: a pro- dugio de riqueza néo consiste somente na produgdo de objetos itels, de valores de uso, mas sim de valores de uso com valor de troca. O excedente ou produto liquido & para Quesnay um excedente de valor monetario, endo apenas um excedente fisico. A rodugao em larga escala, diferentemente da produgéo em pequena escala, exige um pperiodo longo entre o inicio da produgo e a obtengo do produto final. Por isso, esse tipo de produgéo requer a existéncia prévia de um montante minimo de recursos para sustentar os produtores e materiais durante esse longo periodo de maturagéo da produ- ‘¢G0. Esse montante minimo de recursos é chamado por Quesnay de adiantamentos. Annecessidade de adiantamentos a produgéio pressupée a presenga de empresérios agricolas possuidores dessa riqueza para que a agricultura possa produzit mais riqueza, ou seja, uma quantidade de produtos cujo valor final seja superior aos gastos com os adiantamentos. Esse iltimo ponto leva & segunda condigéo. A possibilidade de obter um excedente de valor monetario na produgo agricola, ‘uma vez que a condigao técnica seja satisfeita, depende da diferenga entre o prego ao qual seré vendido o produto agricola e 0 seu custo de produgéo, Quesnay utiliza dois cconceitos nesse ponto do seu argumento. Um deles é 0 prego de mercado ou 0 prego cefetivo que vigora no mercado. Este depende fundamentalmente do grau de necessi- dade do produto por parte dos consumidores e do poder de compra, O outro & 0 prego, fundamental, Bste é determinado pelos gastos com os adiantamentas da produgao. Ele compreende os adiantamentos anuais, gastos com salérios e materiais, eos adiantamen- tos originais, gastos com implementos, instalagdes. Diferentemente dos adiantamentos anuais, que so recuperados com a venda do produto, os adiantamentos originais 40 recuperados paulatinamente, pois os itens que o compoem sao utilizados durante varios anos. Ele corresponde ao que hoje seria chamado de depreciacdo e de taxa de risco por investi recursos em uma determinada atividade. Entdo, para que haja um excadente de valor monetario, & necessario que o prego ce mercado esteja acima do reco fundamental. Quando isso ocorre, afirma Quesnay, 0 produto agricola esta sendo ‘comercializado ao seu prego proprio, De maneira geral, Quesnay supde que essa seja a situagao normal do produto agricola gerado pela produgao em larga escala, pois este ‘encontra sempre individuos desejosos o dispostos a pagar por elo. Somento sob algum tipo de distorgio, como de politicas de barateamento de bens agricolas, normalmente, ‘om favor dos bens industriais, é que o produte agricola néo aleanga o seu prego préprio. ‘Vale a pena, neste ponto, discutir o que ocorre com o produto industrial. Essa pro- ducdo também requer adiantamentos, basicamente de salariose materiais, que definem, ‘seu prego fundamental. Também a possibilidade de obter um exoedente depende do reco de mercado estar acima ou nao do seu prego fundamental. Porém, nesse caso, ‘Quesnay observa que a competigao do lado da oferta, entre as civersos fabricantes e os ‘comerciantes, pressiona para haixo o prego de mercado do produto industrial. Isso vai até o nivel minimo que pode ser cobrado, que é exatamente o seu custo de produc. Portanto, no caso do produto industrial, dada a compatigio do lado da oferta, 0 prego. do produto industrial iguala-se a0 custo de produgdo, determinado pelo montante dos adiantamentos. Logo, a produgao industrial no gera um excedente em valor monetario eenquanto a produgo agricola, quando efetuada sob condigées técnicas adequadase ‘comercializada ao seu prego préprio, gera um excedente de valor, a produgo industrial apenas recupera os adiantamentos, deixando de gerar um excedente Adiantamentos: «praia em larga ea, renemnte dem tuna ‘sl, exe wm pride ome nto indidprodaso «oben prodato fnah Parise, ee ipo de produto gner a sina prvi de smontant mine de cars (Port seta as produto ¢ mati rane se dong pea de maar a pry aqui, Quesnay introduz um par de conceitos fundamentais para 0 posterior de- senvolvimento da Economia Politica. Diz-se da produgéo que gera um excedente de valor que ela é produtiva e da que ndo gera, improdutiva. E, assim, produtivo 0 setor agricola, ¢, por extensdo, os seus adiantamentos ¢ o trabalho que esses adiantamentos dem om movimento. Jé o sotor industrial 6 improdutivo, pois no faz mais do que pagar pelo seu proprio custo. ‘Uma vez explicado como a atividade agricola ou a sua produgao geram um exce- dente, e, ressalte-se, em valor monetério, resta explicar como esse excedente é a base do processo de compra e venda generalizada de produtos entre individuos dentro de um pais, ou seja, da sua circulagaio doméstica de mercadorias e dinheiro. 2.2.1.3 O proceso de circulagéo Como visto anteriormente, @ classe depencente somente tem acesso & terra a0 pagar pelo seu uso. Os empresérios agricolas, no esquema fisiocratico, pertencem classe dependente e devem pagar pelo uso da terra. Q montante desse pagamento 6 determinado pelo montante do valor do excedente, dada a competigao entre empresarios pelas terras disponiveis. Deste modo, o excedente produzido na agricul- tura nfo fica com os empresdirios desse setor, mas 6 transferido para os propristarios © constitu os rendimentos dessa classe sob a forma de renda da terra. Agora, Quesnay supe que os proprietérios devem gastar teda a renda auferida pelo aluguel da terra aos, empresirios agricolas, Esta passa a ser a sua fungéo social: devolver é sociedade, soba forma de gastos, o que dela obtiveram sem que nenhum esforgo tenha sido necessério. para obté-la, Na verdade, como a renda da terra é a tinica forma de rendimento liquido ouauténomo, isto é, nao esté comprometida com os custos de produgo, pode ser gasta de qualquer maneira, mas deve ser gasta, $40 os gastos da renda pelos proprietarios que vao desencadear o proceso de circulagao de mercadorias e dinheiro no pats. Quesnay assume que os proprietarios gastem metade da sua renda com o setor agricola © a outra motade com o sotor industrial, Esse 6 0 primeiro movimento. Assim, os empresarios dos dois setores vendem parte da sua produgio para os proprietarios. Seguindo a suposiggo de gastos feita sobre a classe dos proprietarios, Quesnay afirma que os empresarios agricolas vaio gastar metade dessa receita comprando produtos do seu prdprio setor, ¢ a outra metade, produtos do setor industrial. Da mesma forma, os cempresarios do setor industrial vao gastar metade da sua receita inicial com produtos industriais e a outta, com produtos agricolas. Ora, isso gera um novo montante de receitas para 03 empresdrios dos dois setores, que vao gastar da mesma forma que a anterior, metade no seu préprio setor, metade no outro, Porém, essa nova onda de gas tos, entre setores e dentro deles, gera nova receita que, por sua vez, vai ter o mesmo destino com compras entre os dois setores e dentro deles, sempre naquela proporcdo. Note-se, porém, que a cada rodada os gastos sao proporcionalmente menores 8, assim, também as receitas auferidas pelos empresérios. Portanto, 0 processo de compra e venda entre setores tende a zero. ( resultado final da série de compra e venda entre setores é a reposicéo dos ele- mentos de produgo, o que permite que o ciclo comece novamente. As compras do selor agricola nele mesmo repdem os produtos para sustento dos seus trabalhadores (alimentos) e materiais, enquanto as compras do setor industrial permitem repor os instrumentos e equipamentos necessarios & produgao agricola. Jé as compras do setor {industrial no setor agricola repéem os produtos para sustento dos seus trabalhadores e de materiais. Durante o proceso, ambos os setores recuperam suas condigées de pro- dlugaio e portem reproduzir a oferta de produtos. No entanto, no caso do setor agricola, a reprodugdo gera também o excedente de valor ¢, com isso, os rendimentos da classe de propriotarios, a renda da terra. Logo, 20 final do proceso, tom-se novamente essa classe de posse da renda da terra para ser gasta nos dois sctores ¢ estes com a sua oferta de produtos disponiveis para a venda, Todo o processo inicia-se novamente com base nos gastos da renda em produtos agricolas e industriais, desencadeando outra vez os gastos entre setores. Esse proceso esté clescrito no quadro econémico (Figura 2.3), representado pelo famoso “zigue-zague” de setas entre a primeira e a terceira coluna. FIGURA 2.3 Classe Propietrios Classe Quadro econémico produtva feterra esti fonts ete enn sn, 2.2.2 Adam Smith Como foi apontado anteriormente, as ideias dos fisiocratas e de Adam Smith de- veriam ser consideradas dlentro do campo da Political Oeconomy para entender melhor nao 86 sou contetido, mas também a prépria evolugdo da Ciéncia Econémica. No caso de Smith, identificar 0 seu argumento econémico nesse campo é uma tarefa imediata pelo fato de ter sido professor de Filosofia Moral em Glasgow, entre 1752 © 1763. Suas duas obras, A teoria dos sentimentos morais e Uma investigagdo sobre a natureza e as causas da riqueza das nagées, so derivadas do material apresentado por Smith nesse curso, Pode-se, entdo, identificar o campo de investigagao do livro Riqueza das nates com base na andlise da estrutura de seu curso. ‘No século XVII, o conhecimento humano estava contido e, diga-se, codificado, no ‘campo maior denominado Filosofia que, por sua vez, subdividia-se em Filosofia Natural @ Filosofia Moral. A primeira tinha como objeto de investigagao os fenémenos naturais que ocorrem na natureza independentemente da vontade humana. Ela compreendia ‘© que hoje conhecemos como as chamadas Ciéncias Exatas e Biolégicas, tals como Fisica, Matematica, Biologia, entre outras, Note-se que aqui se localiza o niicleo da revo- lugio cientifica que marca o advento da sociedade moderna na Europa e cujo paradigma maximo é a obra de Isaac Newton. Por sua ver, a Filosofia Moral estudava os fenémenos humanos, tendo como padrao o método cientifico empregado pela Filosofia Natural Em outras palavras, a Filosofia Moral procurava gerar conhecimento cientifico sobre o ser Jhumano nos moldes do campo das Ciéncias Naturais. Afirma Schumpeter que, no século XVIII, a érea da Filosofia Moral era uma disciplina estabelecida, fazia parte do curriculo normal das universidades europeias e compreendia quatro ramos: Teologia, Etica, Jurispru- déncia e Recoitas Piblicas. No caso de Smith, de acordo com as notas de aula de um dos seus alunos que esto hoje disponiveis, o seu curso de Filosofia Moral dividia-se em Teologia, fitica e Jurisprudéncia. O seu livro Teoria dos sentimentos morals, publicado em 1789, e que Ihe trouxe o reconhecimento académico, é expresséo direta das suas aulas sobre Ftica nesse curso. Jé a parte de Jurisprudéncia preocupava-se com as regulagées do Estado necessérias 4 implementago e @ manutengéo da ordem social. Por um lado, essas requlagées diziam respeito a justica, em particular, a preservacao da seguranga entre individuos e a propriedade priveda, Por outro lado, Smith discutia as regulagdes que se preocupavam com a eficiéncia com que os individuos na sociedade podiam se prover dos moics nocessarios & sua sobrevivéncia. Esse ramo da jurisprudéncia era denomi- nado Police ©, claramente, quarda uma forte semelhanga com 0 objeto de investigagio da Political Ooconomy descrito antes. Porém, em contzaste com outros autores desse ramo, Smith no atribui ao soberano a capacidade de orientar e organizar os individuos da sociedade na busca da riqueza. Pelo contrario, nos seus textos, a figura do soberano aparece bem mais diminuida do que, por exemplo, nos trabalhos de Quesnay, para quem, a Political Oeconomy @ a arte de tornar os homens titeis, sendo necessaria, para tanto, a implementagao direta de uma ordem positiva por parte do Estado, Voltando ao argumento anterior, as ideias contidas nessa sega denominada Police formam a origem do Riqueza das nagées. A elas sero acrescidas postarior- mente as ideias fisiocraticas sobre capital, trabalho produtivo e produto liquido, no ‘sem antes passar por uma dréstica reformulagao conceitual realizada por Smith. Nao 86 as ideias, mas também a prépria estrutura argumentativa de Smith, encontram-se originalmente contidas naquelas auls. Vale a pena consideré-las aqui, pois fornecem um timo ponto de partida para apreciar 0 contetido tebrico do Riqueza das nagoes. Como se viu, Smith, assim como os fisiocratas, refuta o sistema mercantilista de politicas econdmicas, haseado na ideia de que a riqueza seja dada pela acumulagao de metais preciosos e de que sua origam esteja na esfera do comércio extemo. Desse ponto de vista, a estrutura geral de argumentagéo de Smith no Riqueza das nagéos 6 composta de trés partes, A primeira ¢ a exposigao da idela correta de riqueza e das suas causas. Isso ocupa basicamente os Livros Je Il. A segunda é a utilizagio da ideia correta de riquoza para avaliar os sistemas de politicas econémicas alter- nativos, ou seja, o mercantilista eo fisiocratico. Essa parte do argumento de Smith, uma das mais extensas do Riqueza das nagées, esté no Livro IV, sendo o Livro IIL tiansigao para esse topico. A terceira, por fim, uma vez refutados esses sistemas alternatives, é apresentar proposigées para a atuacéo do Estado, fundadas na visio comreta de riqueza. Isso compe o meterial do Livro V. Vejamos, entéo, os principais elementos do argumento econdmico de Smith, encontrados principalmente nos dois primeiros livros do Riqueza das nagées. Riqueza, ou seja, os objetos titel, na literatura da época, era chamada de utilidade ou. valor de uso. Note-se que esses conceitos se referem as qualidados fisicas ou concretas dos objetos, qualidades essas que os tornam adequados & satisfagao de necessidades >humanas e nfo algum aspecto subjetivo em relagio a sua utilizagéo. Metais preciosos por suas qualidadas fisicas nao satisfazom diretamente nenhuma dessas necessidaces ‘Quando mais, a posse deles pocle servir para que alguém obtenha objetos iteis. Agora, {questo 6 como os individuos conseguem obter esses objetos ites, isto 6, riqueza? Arosposta do Smith 6 imodiata: por meio do sou trabalho. Isso porque os objotos titeis ino estéio prontos para consumo na natureza. Hé sempre de existir um esforgo humano para obté-los. Portanto, de um lado, temos a riqueza, a oferta de objetos ttels, ou sefa, uma so- cledade 6 to mais rica quanto mais ela estiver provida desses objetos; de outro, a sua fonte, o trabalho humano, pois, para Smith, aindiistria se desenvolveu para atender aos desajos naturais dos seres humanos. Essa 6 a equagio bésica do Riqueza das nagées. Comparando-a com a dos fisiocratas, apresentada no inicio desta sega, nota-se a dife- tenga quanto 20 posicionamento em relagao ao trabalho humano: enquanto na equa¢do fisiocrética o trabalho situa-se como um elemento intermediario entro a riquoza e sua fonto, isto 6, a natureza, na equago smithiana, o trabalho humano posiciona-se como a fonte da riqueza (Figura 2.4). FIGURA 2: Riquera.§ ———————________» ta Relagdo basica de ‘Adam Smith Objetos dteis Ent, questéo crucial passa.a ser: como osindividues organizam os sous trabalhos para obter uma oferta abundante de objetos itis? Posto isco, Smith afimma que o trabalho ‘humano gera riqueza de acordo com duas circunstancias: o grau de desenvolvimento da produtividade do trabalho, ou seja, da destreza e da habilidade com que o ser humano realiza as tarefas da produgio, e o nimero proporcional de trabalhadores produtivos. ‘A primeira compe 0 tema do Livroll, a segunda, 0 do Livro Il do Riqueza das nagées. O Livro | inicia-se pela afrmacao Sbvia de que quanto maior a produtividade do trabalho, maior a quantidace de objetos uteis obtida por unidade de esforgo humano ppor perfodo. Isso quer dizer que, quanto maior a produtividade, maior 0 excedente de produgéo, Porém, do que depende esse aumento da produtividade? Depende da divisio so- cial de trabalho. Smith, para exempiificar essa causa da riqueza, utiliza outro conceito, © da divisdo interna do trabalho, 0 processo de diferenciagdo ¢ integragio de tarefas no interior de uma atividade produtiva. Quanto mais especializado for 0 trabalho dos individuos entre atividades e dentro de atividades, maiotes serao a produtividade do trabalho e, portanto, a produgao de objetostiteis, Isso decorre de trés motivos, Primeiro, ‘com a divisio de trabalho economiza-seo tempo gasto em cada tarefa, pois otrabalhador, a0 far sua atengao em uma s6 operagao, eleva substancialmente sua habilidade e des- treza para executé-la. Segundo, economiza-se tempo na passagem de uma tarofa para a coutra, Tercoito, a ospocializagio do trabalho cria a oportunidade do utilizar forramentas ou instrumentos também especializados para cada tarefa, o que toma mais efetivo 0 trabalho a cor executado. Excedente de produ: cas indie trod mais de obi do qe ssa, Come xe, pede ober os demas jes or nce det tea No entanto, se um individuo se especializa em uma determinada atividade, ele produz somente um tipo de objeto titil. Nese caso, como consequiria obter os demais objetos que lhe s4o tteis? Por que ele abdlicaria de produzir tudo aquilo de que necessita para produzit somente um tinico produto? Porque o aumento da produtividade decorrente dessa especializagio gera um excedente de produgao: cada individuo produz mais do que necesita. Com esse excedente, pode obter 08 demais objetos por moio de uma troca. O individuo deixa de produzi para si proprio e passa a produair para os outros ou para o mercado." O ponto relevante esté no contetido social da produgao, direcionada para o mercado e no para 0 consumo pessoal, A divisio de trabalho ralaciona-se a essa propensio as trocas dos individuos que 6, de acordo com Smith, um elemento inato da natureza humana. Note-se que Smith parte de uma interdependéncia social entre os individuos, uma vez que, diferente- mente do outras ospécios do mundo animal, todo ser humano depende do outros para sobreviver? Portanto, néo se est4 supondo a oxisténcia de agentes isolados entre si que, movidos pelo autointeresse, somente se relacionam no ato da troca. Na verdade, os individuos apelam para o autointeresse dos outios, ¢ a troca 6 a forma mais efetiva de apelacdo. ‘Uma vez explicado como a divisao de trabalho eleva a produtividade e como ela depende da extensio do mercado, Smith passa a considerar 0 que ocorre no proceso de trocas. Isso quer dizer que ele passa a analisar como se determina 0 prego ou 6 valor de troca de cada mercadoria e, nesse processo, como o total das mercadorias produzidas durante um determinado perfodo, par exemplo, um ano, é distribuido en- tuo os individuos na sociedado. E nessa parte do seu argumento que Smith introduz dois conceites fundamentais: prego real e prego natural. Vejamos, entéo, como Smith estrutura 0 seu argumento. ‘Smith distingue o valor de troca de uma mercadoria do seu valor de uso. O primeito diz respeito @ capacidade de uma mercadoria “comprar" uma quantidade de outras ‘mercacorias no mercado. © segundo refere-se as qualidades fisicas do objeto que per- itom satisfazer necessidades humanas. O valor de troca nao guarda nenhuma relac&o endo depende do valor de uso da mercadoria, Para demonstrat essa proposi¢o, Smith «44 como exemplo o paradoxo da égua edos diamentes. A égua tem um altissimo valor do uso, pois ¢ indispensével a vida humana, porém possui um baixo valor de troca. Por sua voz, um diamante tem alto valor do troca, muito embora soja irrolovante para a vida humana. Uma vez apontado que o valor de troca de uma mercadoria no depende do seu valor de uso, Smith passa a considerar no que consiste o valor de toca, ¢ essa questio traduz-se imediatamente em outra: qual ¢ a sua medida? O valor de troca de uma mer- cadoria pode estar expresso em quantidades de metais preciosos ou em quantidades de alguma outra mercadoria cujo valor os individuos acreditam ser razoavelmente cons- tante. De acordo com Smith, o desenvolvimento das trocas nas sociedacles modernas, @ com isso a disseminagao do uso de moedas metdlicas, fez da primeira a forma mais Thea que aqui sie tena aver amu oembvit de ati margins, nots que oindvidue deve produit trabalho o qe sera cbjto de una toca, Tecam> excedentes ce producio nso ura detormnacs dota nil e objets des, » Potato, zs questo nfo pode ser cnfunia com a questo da economia modems que 20 relre 3 conten daz ‘cides avtenomas cos ndidune, usual de medir 0 valor de troca. O prego nominal das mercadorias nada mais é do que o valor de troca medido por uma dessas duas formas. No entanto, mercadorias e dinheiro (metélico), que também é uma mercadoria, possuem um valor varidvel. Logo, nao servem como medida do valor real das mercadorias, pois ndo atendem ao requisito bbasico de uma medida de valor, que 6 © de sor invaridvel. Smith afirma que a medida de valor real 6 0 trabalho humano. Qual é a explicagio de Smith para essa afirmativa? ‘Sua explicagio pode ser descobrada em trés etapas, ‘Na primeira, por meio da definigéo de riqueza, é possivel afirmar que um individuo 6 tanto mais rico quanto maior a quantidade de objetos titeis de que ele dispée. Ora, 0 ‘que um item da sua riqueza vale para o individuo que nao deseja consumi-lo, mas trocé- -lo, 6 exatamente o quanto ele pode adquirir de autras mercadorias no mercado, Caso contrétrio, ele teria de trabalhar para obter essas outras mercadorias. Assim, o valor de troca de um item da riqueza para um individuo é dado pelo quanto ele poupa de traba- Iho ao seu proprietario, Portanto, o progo real das mercadorias é igual a quantidade de trabalho quo elas comandam no mercado. Na pratica, isso corrasponde a utilizar o valor do trabalho, por exemplo, o prego do trabalho mais simples de uma sociedade, como a unidade de medida dos pregos das mercadorias. Supondo que o prego nominal de uma ‘mercadoria soja p, © que o prego desse trabalho simples seja w, ento, seu prego real é: ‘Note-se que, dessa forma, 0 prego real da mercadoria se expressa em unidades de quantidades de trabalho. Por exemplo, se 0 prego nominal de uma mercadoria é igual 100 unidades monetérias e o salario-minimo é de 50 unidades monetarias por unidade de trabalho simples, entao o prego real dessas mercadorias ¢ igual a duas unidades de trabalho. Em outras palavras, cada unidade dessa mercadoria comanda duas unidades de trabalho, Um dos pontos falhos dessa solugéio de Smith é que, sendo o preco do trabalho também um prego, entéo, ele apresenta o mesmo problema das duas outras medidas referidas antes: ele tem um valor que é variavel. O argumento de Smith, nesse ponto, é bem precério. Eleafirma que, para o trabalhador, o tempo que ele despende trabalhando representa sempre a mesma quantidade de sacrificio e, portanto, tem sempreomesmo valor, independentemente de ele receber maior ou menor remuneracéo. Obviamente, ‘Smith nao respondeu a questdo posta. E'sse ponto se constituira em uma das questes ‘mais controversas ¢ interminaveis da Giéncia Economica ‘Na segunda, Smith utiliza o prego real da mercadoria para determinar as partes que compéem o valor de troca das mercadorias, Para tanto, considera inicialmente uma sociedade composta de produtores independentes, ou seja, uma sociedade em que cada produtor possui as condigGes de produgao e, entéo, trabalha para si mesmo ~ chamado por Smith de estagio rude e primitive de uma sociedade. Nesse caso, diz ‘Smith, o produto do trabalho de cada produtor pertence a ele mesmo, ja que, como tabalha para si proprio, nao precisa dividir o produto do seu trabalho com ninguém, Logo, o prego real da mercadoria produzida por produtor independente, 0 quanto de trabalho a mercadoria vai comandar no mercado, é exatamente igual a quantidade de trabalho gasta para produzi-la, Se um produtor gasta duas horas para produzir 10 quilos de cereal, indo ao mercado trocé-los por outra mercadoria, vai obter uma quantidade desta na qual tenham sido gastas duas horas de produc, Prego nominal: «ror etn de ua merce pres em gusta de sites pein oom alga ona radia olor indies area er regard cmon, Em seguida, Smith aplica a sua medida de valor para o caso de uma sociedade moderna, ou seja, uma sociedade na qual jé ocorreu a acumulagao de estoques. Nesse caso, os produtores trabalham para outros, para aqueles que, por terem a propriedade sobre os estoques cle mercadorias necessérias 8 produgao (maquinas € instramentos, matoriais e produtos para osustento dos trabalhadoros), detm o controlo das condigées de produgéo. Note-se que esse tipo de sociedade praticamente “cai do .c6u” nesse ponto do argumento de Smith. Na verdade, os fundamentos desse tipo de sociedade so derivados no Livro Il do Riqueza das nagées e sero considerados a se guir. Sob essa organizagio da produgo, a quantidade de trabalho comandada por uma ‘mercadoria no mercado —o seu prego real —néo é mais igual & quantidade de trabalho que foi gasta na sua produgao. Isso porque, agora, o produte final do trabalhador néo Ihe pertence integralmente. Ble trabalha para outio, recebendo em troca uma parcela da produgo, mas o produto total propriedade de quem o empregou. Vamos suport novamente que o trabalhador geste duas horas para produzir dez quilos de cereal, mas agora esses dez quilos pertencem ao seu empregador. Supondo-se que ele pague a0 trabalhador cinco quilos pelo seu trabalho e mantém ainda cinco quilos, com os quais ele pode contratar um trabelhador adicional; assim, os dez quilos de cereal comandam agora dois trabalhadores em vez de um, como no caso da sociedad primitiva. Nesse sentido é que se afirma que o trabalho comandado é maior do que o trabalho incorpo- rado om uma sociedade capitalista essa forma, o prego real da mercadoria se decompoe em duas partes: uma que corresponde aos salérios do trabalhador, e a outra que equivale ao lucto do emprega- dor, proprietério dos estoques adiantados & produgao. Se considera-se a propriedade privada da terra, uma terceira dedugdo serd feita sobre 0 produto dos trabalhadores. ssa dedugao corresponde a renda da terra, ao rendimento da classe dos proprietario. Portanto, em geral, em uma sociedade jé organizada sob a propriedade privada das condigdes de produgao e de posse da terra, o prego teal de uma mercadoria se divide —naturalmente, diria Smith — em salérios, hucros e renda da terra, Smith generaliza essa conclusao para 6 conjunto das mercadorias produzidas em um ano. O valor desse produto esté dividido nesses trés componentes que sao as tds fontes de rendimentos das trés classes que formam o tecido social de uma sociedade capitalista, Qualquer outro tipo do rondimonto, como os juros, 6 uma forma de rondimento secundétio, dorivado do uma das tiés fontes origins. ‘A terceira etapa do argumento de Smith sobre o valor de toca refere-se ao fun- cionamento do mercado na determinagao dos preyos das mercadorias. Novamente, ‘Smith, seguindo os fisiocratas, distingue preco de mercado de prego natural. O prego de ‘mercado 6 0 prego corrente da mercadoria, determinado pela demanda efetiva (desejo e poder de compra) @ pela quantidade oferecida do produto em determinaco periodo. Ja © prego natural é o prego real quando as taxas de salério, de luctos e de renda da terra estao no seu nivel natural, ou seja, quando essas taxas estdo equalizadas pelas forcas da competigtio no mercado. Quando o progo da mercadoria 6 exatamento igual ao sou progo natural, entdo, as remunoragées do capital, do trabalho e da terra ompregados na produgdo sGo exatamente as determinadas pela competigao, dadas as condigles de produgao. Isso quer dizer que ndo existe nenhumn motivo para os proprietérios dosses elementos, capitalistas, trabelhadores e proprictérios de terra alterarem as suas decisSes sobre o emprego desses elementos. Porém, quando o prego de mercado de um produto ¢ diferente do seu prego natural, ocorrem mudangas nessas decisies, pois existe a oportunidade de obter melhor remunerago palo emprego dos racursos produtivos, por exemplo, se prego de mercado est acima do prego natural, ou seja, a remunerago de um ou mais elementos da produgao est4 acima do seu nivel natural. ‘Vamos supor que somente a taxa de lucro esteja acima da sua taxa natural. Logo, 08 capitalistas de outros setores da economia serio induzidos a deslocarem 0 sou capital do setor em que esto operando para este que apresenta uma taxa de lucro superior nomnal. O efeito desse deslocamento do capital de outros setores para dentro de ‘um mais lucrativo 6 0 de expandir a escala de produgao e, assim, o da oferta de seu produto, O aumento da oferta leva a uma queda do prego do mercado do produto e, dai, 2 uma tendéncia de este se aproximar do seu prego natural. O processo compe- titivo, caracterizado pela busca por parte dos proprietarios dos recursos produtivos por uma melhor remuneragao, atua como uma forga que impele os pregas de mercado a se igualarem aos precos naturais. Estes s4o, por assim dizer, o centio de gravidade do sistema de pregos, sendo a competicéo a forga gravitacional presente no sistema, A quostéo que resta agora 6: o que determina as taxas naturais de lucro, de salério ¢ da renda da terra? Smith nao fornece nenhuma resposta satisfatéria a essa pergun- ta, De maneira geral, ele afizma que essas taxas séo determinadas pela concorréncia. ‘Assim, os salérios stio determinados pela demanda por trabalho, a qual depende da taxa de acumulagao de capital, e pela oferta de trabalho que, por sua vez, depende do crescimento populacional. De acordo com Smith, ndo possivel conhecer a taxa de lucro diretamente, pois existe sempre uma aura de mistério, criada pelos capitalistas, ao redor dos seus negécios. Ele propée, entéo, deduzir qual ¢ o nivel dessa taxa pelo nivel da taxa de juros, pois os tomadores de empréstimo estarao dispostos a pagar mais juros quanto maiores forem as suas expectativas de lucro. A renda da terra também é determinada pela barganha entre proprietarios e empresarios agricolas. Desea forma, o prego natural de uma mercadoria é a mera soma das taxas de salério, de lucro e da renda da terra, sendo que estas refletem os pregos determina- dos pela concorréncia, conforme descrito antes. Portanto, a equagdo de pregos de ‘Smith é a simples soma de outros pregos. Instala-se, assim, um circulo vicioso na teoria de pregos de Smith. Em seguida, ele conclui que, se estes so os componentes do valor de uma mercadoria, eles sio a fonte do valor das mercadorias. Mais ainda, ‘Smith afimma que o que é verdade para uma mercadoria o é pare o conjunto delas produzidas anualmente, logo, 0 produto nacional é simplesmente a soma da massa de salarios, de luctos e de renda. O circulo vicioso, presente na explicagao do prego de uma mercadoria considerada isoladamente, est agora instalado no seu conceito de valor do produto anual da nagao. ‘No Livro, Smith dedica a sua atengao & segunda causa da riqueza, ou seja, 4 propor ‘go entre o niimero de trabalhadores produtivos e os improdutivos. O ponto de partida do seu argumento é que do inicio da produgao atéa venda do produto decorre um periodo, ou seja, a produgio e a comercializagio do produto séo processos consumidores de tempo. (O produtor necesita de um estoque de mercadorias para garantir a sua sobrevivéncia,e ‘manter os instrumentos e materiais indispensaveis a elaborago do produto final durante ‘esse periocio, Quanto maior o estoque, maior 60 periodo durante o qual um produtor pode se sustentar e sustentar a producao. Porém, se a quantidade desse estoque é superior a um determinado limite m{nimo, em vez de deixé-lo ocioso, 0 produtor pode utilizé-lo de forma mais proveitosa para sustentar outros empregados que trabalhariam sob seu. ‘comando no proceso de produgao, Excedente de producdo: «contrat eo pres de traalhars em tesa de prod do weg sdecmpresaor, ant ‘de arent dl irs de ‘peta im ob pose umenad produiiade aba, pis maior imo de npr, odese primar a dvs interna de ‘nab cum ek, ane a eta ea crea de bjetos ‘ies tia Capital: parol de ets ia prs deur ora, amanda abate ain Lucro do capital: exon ainda ds eprge uo som copia, A contratago e o emprego desses trabalhadores elevam a escala ce produgao do negécio do empregador, tanto pelo aumento do mimero de pessoas como palo possivel ‘aumento da produtividade do trabalho, pois, com maior numero de empregados, pode-se aprofundar a divisio interna de trabalho, Como resultado, o excedente de producao aumenta e, com ole, aumentam a oferta e a circulago de objetes titeis na sociedade, ‘A parcela de estoques utilizada para adquirir, ou melhor, comandar trabalho alheio, ‘Smith denomina capital, e 0 excedente, advindo do emprego do estoque como capital, @ chamado de Iucro do capital. Smith faz. questao de enfatizar que esse ultimo nso deve ser confundide com os salérios de superviséo ou organizagao da produgao. Sua origem esta no valor que é agregado pelo trabalho na produgao e a esse trabalho Smith chama de produtivo. Note-se que, sob esse raciocinio, Smith introduz uma diferenciagao social entre os individuos envolvidos na produgao da riqueza. Por um lado, os individuos que possuem estoques acima do limite minimo passama atuar como capitalistas, ou seja, empregam seus estoques como capital, comandando trabalho de outros na produgao, Por outro lado, 05 individuos que nao possuem estoques suficientes para tal ndo tém outra altemativa sendo vender o seu trabalho para os primeiros em troca de urna parcela da riqueza, sob a forma de salérios. Smith afirma que essa é a situacao da maioria dos individuas, em uma sociedade moderna, ¢ eles compdem a classe dos trabalhadores Veja mais de perto como acontece o proceso de produgio sob a presenga do capital. Primeiro, Smith distingue o capital em fixo e circulante. A distingao entre os dois tipos de capital ocorre pela necessidade ou nao de entrar na circulagao para obter lucto. Capital fixo é a parte do capital que no precisa entrar na circulago de merca- dorias para gerar luctos, como méquinas ¢ demais instrumentos de trabalho. Capital circulante s6 pode contribuir para os luctos por meio da circulagao, como é o caso dos salarios pagos e da matéria-prima, Segundo, Smith qualifica o trabalho como produtivo quando este adiciona e fixa um valor ao valor dos materials empregados na elaborago do produto, ou seja, quando o trabalho agrega valor durante a produgao e esse valor ode ser utilizado posteriormente na aquisigao de outras mercadorias no mercado. ‘Ao agregar valor, 0 trabalhador repde o valor do seu salario e poe o valor dos lucros de quem o emprega. Ao fixar esse valor, o possuidor da mercadoria pode adquirir ou co- mandar posteriormente, pelo menos, a mesma quantidade de trabalho que a produziuy Na verdade, em uma sociedade que esta sob a acumulagio de capital, a mercadoria vai edquirir mais trabalho do que o trabalho que a gerou. Dessa forma, o produto anual de uma nagéo, ou o seu valor — Smith tata essas duas magnitudes de forma indiferente —, divide-se em duas partes: uma repde o capital empregado (gastos com salérios, materiais e depreciagdo de instrumentos), enquanto a otra forma 0 produto liquido, um excedente de valor, que se constituir nos rendimen- tos das classes capitalista ¢ de proprietérios de terra, na forma de lucros e de renda da terra, Observe como a redefinicéo de Smith da ideia fisiocratica de trabalho produtivo pparmite conceber agora 0 lucro como uma forma de rencimento liquido, com 0 mesmo ‘status teérico da renda da terra, Pociem-se ilustrar de forma simplificada esses conceitos, considerando que o capital circulante é composto somente de salérios. Assim, temos: Produto Nacional ~ Salérios = Produto Lfquido = Lucros + Renda Uma parte do produto anual da nagéo, os salérios, é sempre utilizada no emprego de trabalhadores produtivos, pois seu destino é repor o capital adiantado & produgio. 0 produto liquido, por ser um rendimanto liquide, néo esta comprometido com as con- digSes da produgo e, por isso, pode ou nao ser utilizado no emprego adicional de tra- belhadores proclutives. Se nao o for, o niimero de trabalhadores produtivos e, portanto, 0 nfvel de produgao, continua no mesmo patamar do perfodo anterior. Agora, se 0 capital for acumulado, ou s0ja, so parcola dosso excedonte for emprogada na contratagao do um iimero adicional de trabalhadores produtivos, entéo, ndo s6 onivel de emprogo se cleva, ‘como tamibém o nivel de procugao e, com ele, o nivel do excedente ou do produto liquido. A.acumulagio de capital a segunda causa da riqueza de uma nagto. Hla se funda emoutta propensao humana, a saber, a busca incessante da melhoria das condigées de vida, Isso porque o meio mais ébvio para melhorar as condigdes de vida é 0 aumento da fortuna. Essa, por sua voz, dapende da forma como o capital acumulado 6 emprogado. Para Smith, os individuos tencem naturalmente a empregar o capital nas atividades ‘em que o trabalho posto em movimento agrega mais valot. Eles fazem isso guiados somente pelos sous inter para as atividados om quo se agroga mais valor, os individuos acabam por aumontarom © valor total da produgéo da sociedade, ou seja, da riqueza nacional, Portanto, guiados por interesses privados, os individuos promovem, sem intengdo, o bem geral. Esse & © proceso da mao invisivel, to propalado na literatura econémica. Observe que tal processo refere-se As decisdes dos capitalistas sobre o emprego mais remunerativo do capital. Desse ponto de vista, o proceso de acumulagdo de capital deve ser deixado a cargo dos individuos, pois nenhum outro mecanismo ou agente pode substitul-os ‘melhor nessa tarefa. Essa idela esta na base do sistema natural de liberdade advogado por Smith em oposigéo ao sistema mercantilista, com sua énfase nas regulagbes do Estado, @ ao sistema fisiocratico, pois embora este também basele a sua ideia cde uma ordem natural na liberdade da agao dos individuos.*a propria ordem deve ser imposta por uma ordem positiva gerenciada pelo Estado. De maneira geral, para Smith, o processo de acumulagdo de capital, quiado pela busca de maior remuneragéo do capital por parte dos capitalistas, acaba por criar uma sequéncia natural dessas eplicagSes dentre os setores da economia: agricultura, manufaturas, co- ‘mércio doméstico e, por time, come nao poderia deixar de ser, o comércio intemacional. ‘Observe que, ao contario da deja difundida de que Smith privlegiaa indstra em relagao 2 agricultura, este aparece ocupando o primeiro lugar nessa ordem natural. Isso porque essa atividade ¢ a nica que gera os és tipos de rendimentos: salérios, lucros e renda. A indiistria vera soguit, pois 96 gera luctos e salétos. Ao infeio desta segao, fo! possivel observar que, para Smith, a questo bésica é a do tomar o trabalho dos individuos em uma gociedade em produtor de riqueza.* Ago- 1a, a titulo de concluso, pode-se dizer que a resposta de Smith esta na alteragéo da corganizagéo social do trabalho, de produgo para consumo proprio em produgéo para 8 outros, ou em escala social. Essa organizagao compreende a divisao de trabalho 0 indmero proporcional de trabalhadotes produtives {acumulagao de capital). sob essa ‘itima que estéo articuladas as ideias de interesses privadas, a “mao invisivel” e o sis- tema de liberdade natural. No Riqueza das nagées, Smith articula de forma contraditéria essas duas causas, pots, na introdugao da segunda causa, ele faz. depender a divisao de trabalho da propria acumulagao de capital. De qualquer forma, a Economia Politica ‘particulares. Porém, ao procurar direcionar 0 seu capital "Essa ids jestavarprosontes os trabalhos de Tago. para quem nada super‘ orSprioiddun nas suas dessbos fe aratnr forma do sen Zou capi «Esso 6 ands hoje, a qvstbofundomenta do desenvolimento econdico dsfaré esse né, optando pela logica da acurmulagao, ou seja, pelas ideias expostas sob asagunda causa da riquoza, Porém, para isso, tard de reconstruir 0 objeto de andlise da Ciéncia Econédmica. O primeiro passo dessa operagao est4 na obra de Jean Baptiste Say. No desenvolvimento de suas ideias sobre questdes econémicas, Jean Baptiste Say (1767-1832) assimilou ¢ passou a difundir na Franga as ideias de Smith em oposigéo 4s dos fisiocratas. Embora Say afirmasse que a obra de Smith contivesse as verdades da nova ciéncia, elas estavam expostas de forma confusa ¢ desordenada, o que dif cultava sobremaneira a tarefa de disseminé-las na sociedade. Ora, essa percepgao de caos centre um conjunto de proposigées reconhecidas como verdades cientificas s6 possivel porque Say ja possula uma concep¢ao particular do campo de investigago da Ciencia Econdmica. Tal concepcdo tinha como ponto de referéncia o arranjo conceitual presente no Reflexdes de Turgot. Nessa pequena obra, Turgot fomece a sua concep¢ao do quadro econémico de Quesnay. Porém, diferentemente desse autor, com sua énfa- se nas relagdes aritmeticas do quadto, expressas nos seus enigméticos ziguezagues, ‘Turgot procura derivar a légica de funcionamento subjacente ao quadro. Nessa tarefa, ele mostra que as agdes dos individuos na sociedade direcionadas para a obtengao de riqueza compreendem dois momentos O primeiro é 0 da produgéo da riqueza, pois esta, na forma em que se apresenta originalmente na natureza, é inadequada para satisfazer necessidaces humanas. Dai, ‘como jé postulava Cantillon, ser necesséria a intervengao do trabalho humano, Uma vez produzida a riqueza, pode-se discutir como esta chega as méos dos individuos, é que os que a produzem nao so seus consumidores imediatos, dado o grau de desenvolvimen- to da diviso social do trabalho. Esse ¢ o momento da distribuigao da riqueza entre os individuos na sociedade, Porém, a distribuigao da tiqueza repoe as condigées para que esta seja novamente produzida, na verdade, reproduzida, e assim novamente distribuida HA, entdo, uma ordem (a percepeao cientifica) no conjunto aparentemente desordenado (percep¢éo do senso comum) de ages humanas direcionadas especificamente 4 obtengéo dle riqueza, formada pela soquéncia da sua produgao e da sua distribuigao. Mais ainda, como a distribuigao 6 que repde as condigées da produgao, ocome um movimento recor- rencial. Assim, o processo é centraco em si mesmo, formando, por assim dizer, um siste- ‘ma autorregulado. Besa circularidade caracteriza a riqueza como um fluxo, Como afirma ‘Schumpeter, a descoberta do fluxo circular da renda e a da expresso da sua magnitude nno produto nacional é um acontecimento sem paralelo na histéria da ciéncia econémica. Em Turgot, no entanto, essa concepgdo esta presa no interior do argumento original dos fisiocratas e, portanto, subalterna ao objeto de investigagao da Political Oeconomy. Say, em sua exposigao peculiar das ideias de Smith, toma emprestado esse modo de pensar e de organizar conceitualmente a vida econémica. Na verdade, ele 0 coloca como 0 objeto especifico da Ciéncia Econémica, ao afirmar que essa é a ciéncia das leis da produgao, da distribuigo e do consumo da riqueza. Nessa definigdo, a iqueza permanece com o mesmo sentido encontrado em Smith ¢ nos fisiocratas (objetos titeis), porém, sobre ola se coloca agora um proceso especifico, dado pela squéncia de agdes humanas formada por sua produgao, distribuigéo e consumo. Note-seo contraste com haul esd um explo cto taver 0 mais marcanto, de que Schumpate’ dain como concapesosaquencal de co- roma, om conteste com os suas corcepiées snerenizas, a obra de Smith. Nesta, 0 objeto de investigagao é a natureza ea causa da riqueza. Agora, sob a concep¢ao de Say, trata-se de estudar o funcionamento de um sistema autorregulado referente & riqueza. Como esse processo é recotrencial, apresenta uma regularidade que pode ser apreendida pelas suas leis de movimento. Finalmente, a0 dofini-la como 0 objeto proprio dessa ciéncia, Say concebe-a como um campo inde- pendente ¢ distinto da politica. Para néo deixar diividas a esse respeito, ele passa a denominar a Ciéncia Econémica de Political Economy, em vez de Political Oeconomy. ‘A primeira tem na riqueza sua razdo de ser, ¢ a segunda, no poder, Em decorréncia dessa concepedo, a exposicao légica dessas leis segue a logica da vida econémica. Assim, o niicieo teérico da obra de Say divide-se em trés partes: sobre a produgao, sobre a distribuicao e sabre o consumo. Esse passa a ser 0 padrao ‘cléssico de exposigo da Economia Politica, encontrado nos seus mais diversos tratados ao longo do século XIX. Observe que, por set a distribuigéo um momento intermediério entre a produgao e o consumo, é somente nesse ponto que se apresenta a discusséo do valor de troca ou dos progos das mercadorias. Portanto, nao é de estranhar que, nos Principios de J. S. Mil, a andlise dos pregos 86 aparega no meio da obra. ‘A tarefa te6tica iniciada por Say, na Franga, vai ter sua contrapartida, na Inglaterra, ‘com James Mill (1773-1836). Este, em seu livro Commerce defended, de 1808, ao rebater as propasigdes fsiooraticas de W. Spence, ja faz us0 dealgumas ideias le Say, comoa contro- versa “lei de Say”. Posteriormente, em Blementos de Economia Politica, publicado em 1828, James Mill emprega o arranjo conceitual de Say para definir 0 campo de investigacéo da Economia Poltticae, assim, acaba por disseminé-lo no circuito intelectual briténico,Porérn, le 0 faz.com um adendo crucial: fundar essa concep¢ao no trabalho humano. O argu- ‘mento basico 6 0 de que a maioria dos objetos tteis de que os seres humanos necessitam requer um esforgo para ser obtida e, portant, a riqueza de que trata a Economia Politica & aquela composta por objetos titeis que podem ser néo a6 produzidos, mas principalmente reproduzidos pelo trabalho humano, Essa condigéo geral da existéncia humana, o fato de ter de trabelhar para obter riqueza, passa a definir o “econémico" da vida social. Seguindo a formulagao de Say, James Mill define a Economia Politica como 0 estu- do das leis de produgao, distribuigéo e consumo da riqueza. A ordem dos topicos néo 6 casual. J que, para obter riqueza, os individuos devem despender algum esforco, © primeiro passo da investigagao 6 a produc da riqueza. Mill refere-se A existéncia dos trés elementos indispensaveis a produgéo: trabalho humano, que é a base da vida ‘econdmica, capital e terra, Sobre o trabalho, faz algumas consideragées acerca da sua divisao, Sobre o capital, reproduzem-se as ideias de Turgot, ampliadas por Smith, de que este so constitu! em um estoque de mercadorias necessarias a produgao, adianta- das pelos capitalistas para pér em movimento ou empregar um determinado nimero de trabalhadores. Dadas as condigées técnicas, esse mimero de trabalhadores gera ‘uma quantidade de produto final por ano, considerado como a unidade de tempo. Nor- malmente, assume-se que as condigdes técnicas sdo de tal grau que a quantidade de mercadorias produzida é superior & quantidade de mercadorias consumide durante a roxuga0, ou Sela, as condigdes de produgao permite gerar um excedente de produgao. ‘Umma vez produzida, essa riqueza deve ser distribuida entre os individuos, de acordo ‘com a classe social a que pertencem, Portanto, o passo seguinte 6 a distribui¢do. Por fim, osindividuos, de posse da sua parcela de riqueza produzida, tratam ce consumi-a, por um, lado, para se manterem vivos, e, por outzo, para poderem continuar a produit. Assim, 0 pponto final do processo se transforma no seu panto inicial. O esquema da Figura 2.5 resume a concepeic do pracesso econémico empregada pelas economistas politicas. FIGURA 25 Esquema do Produgso Distribuigdo funcionamento do sistema econémico sgh Capital ——> Trataino —> Produto Renda | produto nacional + ee t tucros J" Acumulagao £ Poupanga de capital James Mill apontaa distribuigéo da riqueza entre salérios, lucro e renda como uma das maiores dificuldades na construgao tedrica desse esquema, Note-se que essa expli- cago deve ser consistente com a visto de que a base da vida econdmica ¢ 0 trabalho humano. A superacdo dessa dificuldade aparece com a publicagao, em fevereiro de 1816, do trabalho de David Ricardo intitulado An essay on the influence of a low price of corn on the profits of stock, showing the inexpediency of restrictions on importation, daqui em diante, Ensaio sobre os lucros. Ricardo era um comtetor na Bolsa de Valores de Londres, na qual amealhou sélida fortuna, seguindo um estilo pouco ousado, mas seguro, nas operagées. Tinha por habito discutir questées da politica econémica inglesa, normelmente apés o fechamento da bolsa. Esse hébito o levou, por fim, a escrever alguns artigos sobre a estabilidade do padrao monetario pata 0 Morning Chronicle, em 1809, Esse material fol publicado posteriomente, na forma de panfleto, em 1810, com o name de The high price of bullion, a proofof the depreciation of the bank notes. Nele, Ricardo discute a questo da depreciagso da libra esterlina, apontando «que esta foi causada pelo excesso de emissao de novas do Banco da Inglaterra, com base na suspensao da piena conversibilidade dessas notas em ouro, Essa posigao ficou conhecida na literatura monetéria como bulionista, sendo atacada por outra corente, aantibulionista, que eraa favor da livre emissio, desde que feita sob critérios segurose rigorosasna selega0 dos eventuais tomadares de empréstimos. Ricardo voltou carga nas discussbes sobre questdes de politica econémica no perfodo precedente promulgagao da Lei do Cereal, em 1816, Durante a guerra na- polednica, o prego interno do cereal aumentou significativamente com as restrigdes importagao do cereal. O prego do produto industrial cresceu proporcionalmente ‘menos do que o do cereal e dos salarios, Ao fim da guerra, os proprietarios pressiona- vam 0 governo para fixar as tarifas de importacao do cereal em um patamar elevado, de tal forma que a sua importac&o ficou inviavel, muito embora o cereal produzido no exterior fosse mais barato do que o inglés. Essa protegéo tarifaria ao cereal do- méstico constitufa a Lei do Cereal. Claramente, seu objetivo era manter elevadas as rendas auferidas pelos proprietarios de terra, por meio do alto prego do cereal. Como os salarios mantinham-se praticamente constantes, o resultado dessa situagao era a deterioragao dos lucros dos industriais. [sso levava a uma perda de competitividade da industria inglosa, & época com um alto nivel de produtividade em rolago as in- diistrias dos paises do continente europeu. Durante periodo que antacede a publicagéo da Lai do Cereal, varios panfletos foram divulgads. No inicio de 1815, surgem os trabalhos de Malthus, West e Torrens. Todos les discutiam a teoria da rend da terra, Em particular, o trabalho de Malthus destaca-se como defensor da manutengao das tarifas de importagao e, portanto, dos interesses dos proprictirios de terra Tkés semanas depois, Ricardo publica o seu Ensaio sobre os lucros. Paradoxalmente, Ricardo incorporava a teoria da renda diferencial de Malthus exatamen- te para atacar as restrigdes tarifarias a importagao do cereal e, assim, os interesses dos: proprietarios de terra, posicionando-se entre os defensores dos industriais. ‘Alem da posigéo adotada no debate, o que distingue o trabalho de Ricardo ¢ 0 método, que ja estava presente no seu ensaio sobre padrao monetario. Neste, para discutir o fendmeno concreto da desvalorizagao da libra, Ricardo prope primeiro es- tabelecer quais s4o os principios gerais (abstratos) que regulam o valor da moeda. Da ‘mesma forma, pata tratar da questio concieta dos efeitos da restrigao da importagao a0 cereal sobre os luctos do capital, Ricardo elabora uma teoria na qual estio as leis

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