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>eatas CAIQ2017 >otnvestigegfo Qualitative em ifnclaeSocai/nvertgosion Cusitatvs en CeneseSoesen/Volume 3 A Observacio Participante enquanto metodologia de investigacdo qualitativa Lisete S. Ménico’, Valentim R. Alferes®, Paulo A. Castro” Pedro M. Parreira* * Faculdade de Psicologia e de Ciéncias da EducacSo da Universidade de Coimbra, Portugal. sete. monico@pce.uc pt * Faculdade de Psicologia e de Cigncias da Educagdo da Universidade de Coimbra, Portugal. valferes@fpce.ucpt Departamento de Fisica; Universidade Federal de Goids — Regional Cataldo, Brasil. padecastro@gmal.com * Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, parreira@esenfe.pt Resume. Enquanto método de investigacso qualitatwa, 2 Observacio Participante possibilita obter uma perspetiva holistica e natural das matérias a serem estudadss. No presente artigo descrevem-se e discutem- Se alguns aspetos inerentes a esta técnica. ApOs 3 fundamentaco metodoldgica, sumariam-se as diversas priticas de Observa¢30 Participante, distinguindo-se © papel do observador participante do mero observador. Apés aiseussio das vantagens e limites, cugere-se complementar esta metodologia de Investigacdo com autras, no sentido de se apurar © entendimento da problemética em ansise sob diversas perspetivas. Palavras-chave: Observacdo particinante; Metodologia de investizacEo; Investigacdo qualitativa Participant Observation as a qualitative research methodology Abstract. As a qualitative research method, the Participant Observation allows to obtain a holistic and natural perspective of the Issues to be studied. In this article are described and discussed some aspects inherent to this technique. After the methodological foundation, the various practices of Participant Observation are summarized, distinguishing the role of the participant observer from the mare observer. After discussing the strenaths and limits, itis suggested to complement this research methodology with others, n order to ascertain the understanding ofthe problematic under analysis in diferent perspectives, Keywords: Participant observation; Research methodology; Qualitative research 1 Introducao O presente artigo debruca-se sobre a “observacdo em campo”, mals precisamente, sobre a técnica de investigagzo designada por Observacdo Participante. Inserida no conjunto das metodologias denominadas de qualitativas e, frequentemente, etnogréficas, encontramos este método ou técnica. Em consonancia com Evertson e Green (1986), reconhecemos que toda a observaco — cientifica vs. quotidiana ou direta vs, indireta — possibilita, por parte de quem observa (para além da aquisica0 clarificacdo de informagées sobre uma dada realidade), a identificagio de problemas, o entendimento de conceitos, bem como a anlise de relagdes e aplicagdes de esquemas de diferenciagao dos mesmos. Toda a informagao recolhida convergiré num entendimento abrangente do tipo de relagées conceptuais entre os problemas e, eventualmente, na indiciagdo de novos problemas (Ménico, 2010). 2 Das origens a técnica A observacao participante inscreve-se numa abordagem de observacdo etnografica no qual 0 observador participa ativamente nas atividades de recolha de dados, sendo requerida 2 capacidade do investigador se adaptar a situaco (Pawlowski, Andersen, Troelsen, & Schipper, 2016) 728 >eatas CAIQ2017 >otnvestigegfo Qualitative em ifnclaeSocai/nvertgosion Cusitatvs en CeneseSoesen/Volume 3 E um método que nos permite aceder a situagbes € eventos comuns, sendo dificil de captar através de entrevistas ou através de instrumentos de auto-avaliacio (Atkinson & Hammersley, 2005; Silverman, 2006; Strand, Olin, & Tidefors, 2015). Segundo Vogt (1999), a Observacdo Participante um tipo de investigagao no qual (.] a researcher participates as a member of the group that he or she is studying. Sometimes the researcher informs the group that he or she is, lan observer as well as a participant, and sometimes the researcher pretends to be an ordinary member. (Vogt, 1999, p. 208) Enquanto técnica de pesquisa, remonta as suas origens 8 Antropologia Cultural, sendo efetuada em contextos e grupos distintos e, progressivamente extrapolada para as Ciéncias Sociais e Humanas, na sua generalidade e, na sua especificidade, as organizacdes e a outros grupos psicossociais (Emilsson, 2013; Lessard-Hébert, Goyette, & Boutin, 1999; Strand, Olin, & Tidefors, 2015). Para refletir os valores da etnografia, os proponentes da observacSo participante apelam a imersdo do investigador na vida da comunidade ou cultura (Dominguez, Beaulieu, Estalella, Gomez, & Schnettler, 2007; Poole, Smith, & Simpson, 2015; Schielein, Dobmeier, & Spiess|, 2008; Simpson, Barnes, Griffiths, Hood, Cohen, & Craddock, 2009). Enquanto métodos de observacdo direta, destacam-se a participante, a no participante e a geografica ou exploracao psicossociolégica no terreno (Deshaies, 1997). Os investigadores so levados a partilhar papéis e habitos dos grupos observados, estando assim em condicdes favoraveis para observar - facts, situagdes e comportamentos - que nao ocorreriam, ou que seriam alterados, na presenca de estranhos (Brando, 1984; Marshall & Rossman, 1995). [A Observagao Participante é realizada em contacto direto, frequente e prolongado do investigador, com os atores sociais, nos seus contextos cuTturais, sendo o pr6pri investigador instrumento de pesquisa. Requer a necessidade de eliminar deformacdes subjetivas para que possa haver a compreenso de factos e de interacdes entre sujeitos em observacdo, no seu contexto. £ por isso desejével que o investigador possa ter adquirido treino nas suas habilidades e capacidades para utilizar a técnica. (Correia, 1999, p. 31) ja no conjunto das metodologias denominadas de qualitativas, a Observac3o Participante é Utilizada em estudos ditos exploratérios, descritivos, etnograficos ou, ainda, estudos que visam a generalizacdo de teorias interpretativas. Foi Malinowski (1978) quem sistematizou as regras metodolégicas para a pesquisa antropoldgica: a idela que caracterizava 0 método era a de que apenas através da imersdo no quotidiano de uma outra cultura 0 antropdlogo poderia chegar a compreendé-la. Enquanto técnica de pesquisa e recolha de dados (Marshall & Rossman, 1995), 8 Observagao Participante um exemplo de observacdo natural ou uma forma especial de observacdo — que se distingue da investigacio de tipo relacional (Becker & Geer, 1960) — encarada, do ponto de vista do Positivismo, como um método de investigacao “no especifico”. Referia-se ser simplesmente uma forma especial de observacao, um método tnico de recolha de dados, mas nem por isso vidvel para uma teorizac3o final. Comummente percecionada como sendo uma técnica Unica de recolha de dados, titil na fase preliminar dos estudos cientificos, responde a propésitos de exploragio e de descricdo. As grandes discusses acerca da Observacdo Participante encontram-se nos trabalhos classicos de Pelto e Pelto (1978) e Spradiey (1980), bem como em trabalhos posteriores, em que destacamos os de Jorgensen (1989) e Van Manen (1990). Na generalidade, a Observaco Participante tem sido conceptualizada fundamentalmente como diferente da metodologia das ciéncias fisicas, como uma metodologia especial, adaptada unicamente para as diferentes faces da existéncia humana, 5 >eatas CAIQ2017 >otnvestigegfo Qualitative em ifnclaeSocai/nvertgosion Cusitatvs en CeneseSoesen/Volume 3 N30 menos “cientifico” do que os outros métodos de investigac3o, a Observacio Participante constitui uma metodologia humanista, uma adaptacao necessaria da ciéncia as diferentes matérias dos estudos sobre 0 Homem (Ménico, 2010). Nem sempre foi, contudo, inteiramente claro nem preciso o que @ Observacdo Participante envolvia na metodologia humanista. E ha pelo menos duas razBes para esta situacdo: 1) os praticantes da Observago Participante resistiram a formular procedimentos e técnicas definitivas. A sua pratica era vista como artificial e inapropriada para qualquer tipo de apresentacdo linear e mecénica. Para muitos, a Observacio Participante era uma forma de arte, uma forma de vida constituida como uma tradicao oral; 2) mesmo quando a Observacdo Participante foi discutida explicitamente e apresentada em livros, uma série de divergéncias foram enfatizadas. Dimensdes como o mundo dos significados, o ambiente do dia-a-dia, 0 desenvolvimento de relacdes, a participacdo, a observacdo, e outras formas de obter informacies, a ldgica da descoberta e da inducdo, as teorias de interpretacdo, receberam um tratamento diferente e seletivo (Hammersley & Atkinson, 1983; Spradley, 1980). 3 Fundamentacao metodoldgica ‘A opcao metodolégica pela observac3o de tipo participante responde ao objetivo de proceder, dentro das realidades observadas, a uma adequada participagao dos investigadores, de forma “nao intrusiva”, e de modo a reduzir a variabilidade residual, nomeadamente a repressdo de emocies, extravasadas ou comportamentos efetuados, bem como a artificialidade dos mesmos. Os observadores, sendo levados a partilhar papéis e habitos dos grupos observados, encontram-se, assim, em condicdes favoraveis para observar — situacGes, factos e comportamentos ~ que dificiimente ocorreriam, ou que seria reprimidos ou mesmo adulterados, na presenca de estranhos (Brandao, 1984; Marshall & Rossman, 1995). A nota de campo surge como ferramenta importante na observacao participante evidenciando a documentacao escrita produzida por parte do observador (Bogdan & Taylor, 1998). (© método da Observagio Participante ¢ especialmente apropriado para estudos exploratérios, estudos descritivos e estudos que visam a generalizacdo de teorias interpretativas. Habitualmente recorre-se & Observagio Participante com 0 propésito de elaborar, apés cada sesso de observacdo, descrigdes “qualitativas”, de tipo “narrative” (ie, sem recorrer a grelhas de observagdo estandardizadas), que permitem obter informacao relevante para a investigagio em causa (exemplificando, formulagdo de hipéteses de investigacSo, auxilio 8 elaboragio ou adaptacso de teorias explanatérias, conceciio de escalas de medida dos constructos em analise}. Na designac3o das Ciéncias Sociais, 0 investigador procura tornar-se membro de um grupo, organizagao ou eventualmente ficar sob estudo. Por estar imerso na progressao dos eventos, 0 investigador espera encontrar-se numa posi¢do privilegiado para obter muito mais informacées, ¢ um conhecimento profundo do que aquele que seria possivel se estive a observar de fora (Vinten, 1994), Este mundo entra em contraste com os ambientes criados e manipulados pelos investigadores, sendo que os individuos também tendem a reagir de forma diferente quando sabem que esto a ser estudados — sobretudo se o investigador for o manipulador do meio. A literatura mais consensual adota a perspetiva de que os conceitos, generalizacdes e interpretacdes, inspirados através da Observacio Participante, sdo iteis na orientaco do trabalho posterior, bem como na tomada de decisdes (Lofland & Lofland, 1984). Junkers (1960) sugere que existe um continuo entre a particioacao e observa¢o, com os dois pontos intermédios do participante como observador e do observador como participante. 726 >eatas CAIQ2017 >otnvestigegfo Qualitative em ifnclaeSocai/nvertgosion Cusitatvs en CeneseSoesen/Volume 3 Com esta metodologia o investigador foca-se, essencialmente, na atribuic3o de significados as praticas e vivéncias humanas, encaradas sob a perspetiva de “insiders” (Spradley, 1980). O investigador procura descobrir e tornar acessiveis (no sentido de revelar) realidades e significados, que as pessoas utilizam para nortear ou atribuir sentido as suas vidas, Trata-se de fundamentar, em termos empiricos, as teorias psicossociais sobre a existéncia e préticas humanas (Jorgenson, 1989) Na aplicagéo da técnica utilizada, 0 investigador procura atender a um dos pressupostos fundamentais da Observacdo Participante, a saber: a convivéncia do investigador com a pessoa ou grupo em estudo proporciona condicées privilegiadas para que 0 processo de observacio seja conduzido de modo a possibilitar um entendimento genuino dos factos, que de outra forma ndo nos seria possivel. Admite-se, ainda, que a experiéncia direta do observador com o grupo em observacao seja capaz de revelar a significacdo, a um nivel mais profundo, de episédios, comportamentos ¢ atitudes que, apenas investigados de um ponto de vista exterior (entenda-se “ndo-participante”), poderiam permanecer obscurecidos ou até mesmo inatingiveis, caso 0 investigador (enquanto “suposto” partidério participante de uma dada identidade grupal) nao viesse a estabelecer condigées de andlise da complexidade das relagdes sociais ou de padrdes de interacdo, que apenas poderiam ser quantificados ou antecipados mediante Observacio Participante (Brando, 1984; Warnick & Lininger, 1975). "O observador participa da vida didria das pessoas em estudo, tanto abertamente no papel de pesquisador, como assumindo papéis disfarcados, abservando factos que acontecem, escutando 0 que é dito e questionando as pessoas ao longo de um periodo de tempo." (Becker & Geer, 1960; Trauth & O'Connor, 2000). ‘A Observacdo Participante & uma metodologia muito adequada para o investigador apreender, compreender e intervir nos diversos contextos em que se move. A observacdo toma parte no meio aonde as pessoas se envolvem. Por um lado, esta metodologia proporciona uma aproximacao ao quotidiano dos individuos e das suas representacdes sociais, da sua dimensdo histérice, sécio- cultural, dos seus processos. Por outro lado, permite-the intervir nesse mesmo quotidiano, ¢ nele trabalhar ao nivel das representagdes sociais, e propiciar a emergéncia de novas necessidades para 05 individuos que ali desenvolvem as suas atividades (Martins, 1996). Para Ezpeleta e Rockwell (1986), trata-se de "documentar a realidade nao documentada" (p. 15), Porém, A Observacéo enquanto técnica exige treino disciplinado, preparacao cuidada e conjuga alguns atributos indispensdveis a0 observador- investigador, tals como atencdo, sensibilidade e paciéncia, Tem por referéncia o(s) objetivo(s), favorecendo uma abordagem indutiva, com natural redugo de “pré-concesdes”. A possibilidade de vir a claificar aspetos observados e anotados em posterior entrevista e em observagdes mais focalizadas, constitui um ganho excecional face a ‘outras técnicas de investigacSo. (Correia, 2008, p. 35) E uma abordagem utilizada quando o investigador esté interessado na dindmica de um grupo no seu meio natural, ¢ nao simplesmente na recolha de respostas individuais 8s questdes. Para prover uma perspetiva holistica e natural das matérias a serem estudadas, este método de investigacdo permite a0s investigadores um bom caminho de observaco. Contudo, os investigadores n3o devem permanecer s6 nesta, apesar de toda a utilidade que ela tem. € conveniente complementar este tipo de investigacdo com entrevistas ou grupos de controlo. Estas interagdes mais focalizadas providenciam uma oportunidade para o investigador verificar 0 seu entendimento das coisas, em comparagio com a interpretacio daqueles que estiveram a ser observados, e para obter informacao adicional e relevante para o estudo (Smith & Denton, 2001). Um cientista que entra numa determinada comunidade para registar 0 comportamento de um determinado grupo pode registar comportamentos e ter acesso a informagdes em primeira-mao, percecionando emocdes e comportamentos de individuos com uma determinada identidade grupal, de uma forma que néo seria possivel obter a partir de um mero questionério (Ménico, 2010, 2011). nD >eatas CAIQ2017 >otnvestigegfo Qualitative em ifnclaeSocai/nvertgosion Cusitatvs en CeneseSoesen/Volume 3 De facto, A heterogeneidade € a individualidade do quotidiano exigem outras dimensbes ordenadoras. Impdem forcosamente 0 reconhecimento de sujeltos que incorporam e objetivam, a seu mado, praticas e saberes dos quais se apropriaram em diferentes momentos e contextos de vida, depositarios que séo [de uma] histéria acumulada durante séculos. (Ezpeleta & Rockwell, 1986, p. 28) 4Da técnica as praticas de Observacao Participante Um observador € considerado participante quando se integra num grupo e na vida do mesmo. Um importante contraste neste processo é 0 graui de envolvimento, com as pessoas e nas atividades que se observam. Este método de recolha de dados tem provocado uma discussao sobre o papel ou a posi¢ao do investigador enquanto observador participante. O que se reitera é que, num estadio inicial, 6 conveniente elaborar um plano sobre qual a natureza da participac3o que se pretende, 0 que é que vai ser revelado acerca do estudo as pessoas do local, qual a intensidade da participacao e 0 enfoque da mesma (Marshall & Rossman, 1995). Foram distinguidas miltiplas formas de envolvimento e tipo de participacao: alto (completo, ativo, moderado), baixo (passivo) e sem envolvimento (nao participacao) (Spradley, 1980). A designacao de Participacao completa pressupde 0 mais alto nivel de envolvimento do observador enquanto mero participante nas situagdes. Contudo, é preciso ter em atencio que quanto mais se sabe de uma situagdo, mais dificil € estudé-la; quanto menos familiarizados estivermos com as situacdes, mais facilmente conseguimos percecionar as regras culturais que se encontram em jogo. Na participago ativa procura-se fazer o que as outras pessoas fazem (comeca com observacio e, depois de conhecer © que os outros fazem, tenta aprender o mesmo comportamento), no somente para se ser aceite, mas principalmente para aprender mais sobre as regras culturais do seu comportamento. Apesar da participacdo ativa ser uma técnica muito util, nem todas as situaces oferecem a oportunidade de a desenvolver (Spradiey, 1980). Acresce que nela o observador tem um papel efetivo, suscetivel de modificar radicalmente certos aspetos da vida do grupo (Mucchielli, 1974) A Participacdo moderada ocorre quando o investigador tenta oscilar entre o ser insider e outsider ou, dito de outro modo, entre participar e observar (Spradley, 1980) Como Observacéo Participante passiva entende-se que o observador participante insere-se na realidade a observar, observa, mas no mexe em nada... Ele debruca-se sobre a anélise dos comportamentos nos quais ele se envolve, até aos mais infimos pormenores, e faz 0 propésito de os deixar intactos, considerando 0 encadeamento desta via como um feito precioso para a ciéncia (Mead, 1966). Quando falamos de néo participasao, o observador nao tem qualquer envolvimento com as pessoas ou as atividades em estudo. E possivel recolher dados através da observacdo pura. Ha situagdes muito particulares que nao permitem o envolvimento do observador, apesar de poderem ser investigadas (Spradley, 1980). Um caso especial de observagio participante reporta-se & observaco participante virtual, que é considerada por Mann e Stewart (2000) e Dominguez et al. (2017) como uma forma adaptavel para se estudar comunidades online e as suas culturas. A “observacdo participante virtual” também é referida como "etnografia online", “netnografia" ou "etnografia virtual", sendo cada vez mais utilzada em sociologia, filosofia, psicologia e economia (Williams, 2007; Dominguez et al. 2007). 5. Do mero observador ao observador participante 8 >eatas CAIQ2017 >otnvestigegfo Qualitative em ifnclaeSocai/nvertgosion Cusitatvs en CeneseSoesen/Volume 3 Todas as pessoas atuam como meros participantes em diversas situagbes da vida social. Uma vez aprendidas as regras culturais, estas tornam-se técitas. Um observador participante, por sua vez, estudando as situacBes sociais comuns, pareceré, para toda a aparéncia externa, como um mero participante (Spradley, 1980). Entdo, 0 que distingue um mero observador de um observador participante? Existem algumas diferencas que se fazem notar, sistematizadas por Spradley em 1980: A) Duplo propésito — 0 observador participante vai para uma situacdo social com dois propésitos: 1) empenhar-se em atividades apropriadas para a situagdo e 2) observar as atividades (ver e registar ‘tudo aquilo que acontece), pessoas (descrever todos 0s atores presentes} e aspetos fisicos da situacdo (tomar nota de todos os aspetos do meio). Os participantes habituais vo para a mesma situacao com um s6 propésito: empenhar-se nas atividades proporcionadas. 8) Atencao explicita — se todos os seres humanos ativos tentassem lembrar-se e catalogar todas as atividades, todos os objetos, todas as informacdes que pudessem perceber, € se 0 fizessem sempre, iriam experimentar o que comummente se designa de “sobrecarga” (overload). Todos procuram adaptar-se ao meio, prestando menos atengio a determinada informagao de que ndo precisam ou no querem; de facto, a complexidade dos ambientes sociais exige que o participante habitual exclua muito da sua consciéncia. O observador participante, pelo contrério, procura explicar tudo aquilo que habitualmente o “homem comum’” rejeita ou nao presta atengao. C) Lente de Gngulo aberto (Wide-angle lens) ~ todos os individuos usam a sua destreza percetiva para obter informagdes acerca das diversas situacdes sociais. Todos do observadores, mesmo quando atuam como meros participantes. Porém, 0 que observam e escutam permanece no imediato, permitindo © desenvolvimento de uma determinada atividade. 0 observador participante, por seu lado, procura desenvolver um alto senso de consciéncia, bem como uma aproximacdo & vida social com uma “lente aberta”, tendo um espectro mais alargado de informacao. D) A experiéncia de insider e outsider ~ 0 meto participante de uma situacdo social, normalmente, experimenta algo no imediato, de uma maneira subjetiva; vé uma parte daquilo que esta & sua volta; experimenta os seus préprios movimentos ¢ move-se numa sequéncia de atividades; numa palavra, & insider. A experiéncia deste participar numa situagao social toma significado e coeréncia pelo facto de 0 individuo estar inserido na situacao, fazer parte dela. O observador participante, por seu lado, experimenta ser insider e outsider, o seja, espectador e ator de uma determinada situacéo, E) Introspegdo ~ nas situacdes diérias os individuos, habitualmente, no fazem introspegao dos seus atos; contudo, se algo de mais grave acontecer, so conduzidos a isso. Como observador participante, é necessério fazer alguma introspecao. Esta pode nao parecer objetiva, mas é um instrumento que todos os individuos utilizam para compreender novas situacdes, ganhar competéncias e/ou seguir as regras culturais. F) Anotacées - 0 observador participante vai recolher, ao mesmo tempo, dados objetivos e sentimentos subjetivos. Este registo pode ser feito imediatamente; mas hd outras vezes em que 0 registo tem de ser feito mais tarde, quando se deixar a situacdo social. O papel do observador participante varia de situa¢ao para situaco, sendo que cada investigador tem de definir 0 grau e condigdes de envolvimento na situacdo. A medida que o seu papel se desenvolve, é preciso manter um duplo propésito: querer participar e ver-se a si proprio e aos outros ao mesmo tempo; registar 0 que se vé e o que se experimenta. 5 Vantagens e limites da técnica de Observacao Participante A Observacdo Participante, enquanto método de recolha de dados, em que o investigador procura tornar-se membro de um grupo ou organizacdo sob estudo, requer prética, conhecimento € compreensao por parte do observador (Jorgenson, 1989; Yin, 1994) 29 >eatas CAIQ2017 >otnvestigegfo Qualitative em ifnclaeSocai/nvertgosion Cusitatvs en CeneseSoesen/Volume 3 “Sublinham-se as vantagens da observagio em relago as técnicas mais «intrusivas» ou «reativas» e insiste-se nas potencialidades e nos limites da observacao participante” (Alferes, 1997, p. 40). Por estar imerso na progresso dos eventos, espera-se que o observador se encontre numa posico privilegiada para obter conhecimentos aprofundados e, portanto, muito mais informaggo do que aquele que seria possivel adquirir por outras vias (Vinten, 1994). Por isso mesmo, enquanto técnica de investigacao, a observacdo em ambientes naturais apresenta um sem ntimero de vantagens, entre a5 quais se evidenciam: a) a espontaneidade dos comportamentos dos participantes (Kenrick, Neuberg, & Cialdini, 1999); b) 0 facto de ser possivel observar os eventos do mundo real 8 medida que ocorrem (0 que envolve uma bos visio das motivagdes e comportamentos interpessoais]; c) 0 acesso a eventos ou grupos que seriam inacessiveis 8 pesquisa por outras vias; d) a percecao da realidade do ponto de vista interno ao ambiente em estudo, 0 que possibilita a obten¢o de um retrato mais fiel da situaco e uma menor probabilidade de produzir variabilidade residual ou mesmo de manipular os eventos (Everston & Green, 1986). Ha muitos autores, contudo, que advogam como limitativo 0 método da Observacao Participante, sendo “valido para hipéteses gerais acerca das causas do comportamento social, mas uma técnica menos boa para testar hipéteses causais” (Aronson, Wilson, & Brewer, 1998, p. 101). Um dos principais problemas que se coloca com a utilizacao desta técnica de recolha de dados consiste na relago entre o “quanto se observa” e o “quanto se participa”, quando o investigador se encontra em campo. Brandao (1984) aponta uma certa orientagao para a abordagem das relacdes que af se estabelecem E necessirio que o cientista sua ciéncia sejam, primeiro, um momento de compromisso e participacao com 0 trabalho histérico e os projectos de luta do outro, a quem, mais do que conhecer para explicar, a pesquisa pretende compreender para servir.(P. 12) ‘André (1992), aplicou esta metodologia durante dez anos em contexto escolar, tendo apurado que © que se verifica (..) & que a grande maioria [das observasdes] envolve dados de campo, sistematizados em forma de descrigées, que acrescentam muito pouco a0 que se sabe ou conhece 20 nivel do senso comurn. € 0 empirico pelo empirico. O investigador parece satisfazer-se com 0 facto de recolher uma grande quantidade de dados, e parece esperar que esses dados, por sl, produzam alguma teoria, Mas & evidente que sem um referencial de apoio que oriente 0 processo de reconstrugo desses dados no hd avanco teérico — fica-se na constatacao do dbvio, na mesmice, na reprodugso do senso comum, (pp. 31-32) Enquanto observadores participantes, diversos relatam a dificuldade em manter um rigor absoluto nos procedimentos de investigacdo adotados (Ménico, 2010). Primeiro, porque ndo se adequa parar no meio de uma observacéo ou de um didlogo com os interlocutores da realidade que se observa para tomar notas, ou entio gravar tudo 0 que vai ocorrendo: ¢ necessério alguma seletividade naquilo que se pretendeu registar. Segundo, porque os critérios de selecéo dos eventos a observar muitas das vezes nao so to Sbvios quanto se deseja, tendo o investigador dificuldade em avaliar a adequa¢ao dos critérios usados. Aponta-se, assim, © problema da seletividade/cobertura limitada (Kenrick, et al., 1999), 730 >eatas CAIQ2017 >otnvestigegfo Qualitative em ifnclaeSocai/nvertgosion Cusitatvs en CeneseSoesen/Volume 3 Em termos de desvantagens ou problemas que a Observacdo Participante pode apresentar, surge ainda 0 problema de a mera presenca dos observadores participantes poder afetar as aces dos individuos observados (ex., agirem com menos naturalidade). Vinten (1994) refere que a presenca do observador pode ser comparada ao impacte que uma camara de filmar provoca no comportamento das pessoas. Kenrick ¢ colaboradores (1999) designam este problema por reflexividade, na medida fem que 0 evento pode ocorrer de forma diferente porque esté a ser observado. Yin (1994) acrescenta o problema do tempo insuficiente para tomar notas e fazer perguntas sobre eventos, em diferentes perspetivas, como qualquer bom observador deveria fazer. No que toca aos custos, salientamos 0 facto de este tipo de observacio implica diversas deslocagSes aos locais a observar, bem como a morosidade; podemos referir que é uma técnica que consome muito tempo. Além das limitacdes anteriormente referidas, Vinten (1994) refere a possibilidade de nao se conseguir observar certos comportamentos que, devido a sua raridade, seria interessante observar. Como problema final da Observacdo Participante, refira-se que, apesar de ser conduzida sistematicamente, as expectativas pré-concebidas pelos investigadores/observadores poderdo conduzir a ignorar certas influéncias nos comportamentos observados e a exagerar outras. Este problema — apelidado de enviesamento do observador (Kenrick et al., 1999) - reside na possibilidade do investigador intuir ou adivinhar acerca do que espera encontrar, indo, assim, a0 encontro das hipéteses que formulou. 5. Observacao Participante: Consideracées finais Enquanto método de investigaco, a Observacio Participante possibilita obter uma perspetiva holistica e natural das matérias a serem estudadas. Contudo, os investigadores ndo devem cingir-se apenas a este tipo de observacdo, apesar de toda a utilidade que apresenta (Smith & Denton, 2001). Dai De Ketele (1983) afirmar que no podemos aceitar ou rejeitar, a priori, o método de Observagao Participante. Trata-se de, agora e sempre, uma questo de adequacao aos objetivos formulados, em funco das diversas contingéncias. A indiciagio de novos problemas ocorre se se verificarem dois tipos de circunstancias, isto é, se a aplicacio da referida observacdo puder ser renovada, provocando assim a iluséo de estabilidade e, quando esta altera as suas formas, entao, dir-se-4 que tudo se conjuga para a construcao de uma nova realidade. Porém, esta construcao implica 0 respeito por matrizes teéricas consistentes e por esquemas metodolégicos de investigacéo, adaptados ao novo quadro conceptual (Evertson & Green, 1986). €, portanto, conveniente complementar esta metodologia de investigacio com outras, no sentido de se apurar 0 entendimento da problematica em anélise sob diversas perspetivas. Referéncias Alferes, VR. (1997). Investigagao cientifica em psicologia: Teoria e pratica. Coimbra: Almedina. André, M. E. D. A. (1992). Quotidiano escolar e préticos sécio-pedagégicas. Brasilia: Em Aberto. ‘Aroson, E., Wilson, T. D., & Brewer, M. B. (1998). Experimental in social psychology. In D. T. Gilbert, S T. Fiske, & G. Lindzey (Eds.), The handbook of social psychology (4"° ed., Vol.1}, 99-142. New York: McGraw-Hill ‘Atkinson, P., & Hammersley, M. (2005) Ethnography and participant observation. in: N. K. Denzin & Y.S. Lincoln (Eds), Handbook of qualitative research, 248-261. London: Sage. Becker, H. S., & Geer, B. (1960). 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