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Folhas de Outono escrita por Mylanessa [ Comentários ]

Capítulo 7
Capítulo VI — Christopher

Por mais que se esforçasse para escutar a conversa de Benjamin e Olivia, as palavras do pai
ainda ecoavam com força dentro da sua cabeça. Ficou jogando-as de um lado para o outro,
como se de repente pudesse despertar em si o poder de desdizê-las, inverter seus sentidos,
ou mesmo trancafiá-las num sonho onde não pudessem atingi-lo. Seus olhos ardiam, a
garganta arranhada também ardia. O mundo se arrastava — ou sou eu quem o arrasto?

Quando se julgou recomposto o bastante, levantou-se enxugando as lágrimas e carregou o


corpo até a varanda. Enquanto andava sofria vítreas ferroadas nas costelas. Espero não ter
trincado nenhum osso. Quem poderia imaginar que Quinn, com seu trato moderado e pacato,
fosse capaz de causar um estrago desse nível? Amanhã irei à enfermaria da universidade
pedir alguns exames. Haverá ataques no protesto. Não posso ter a pretensão de liderar a linha
de frente nesse estado. Ao chegar à porta, Christopher tentou encobrir a cara de derrota,
forçando-se a adotar uma expressão desafiadora. Mas não gostou nada da cena que
encontrou. A carranca enorme voltou a domá-lo, fazendo ressaltar a meia-lua roxa abaixo
do olho direito. Bem quando começo a ir com a sua cara, Sr. Mitchell, você me apronta uma
dessas... tsc.

Benjamin se apressou em largar a mão de Olivia assim que viu a terceira presença entre
eles. Foi como se um talho tivesse sido aberto. A irmã o recebeu com olhos vermelhos,
úmidos e cheios de censura. Enquanto que o professor era a própria encarnação da culpa. O
contraste delator tinha voz própria e falava por si. Bastou para que Chris compreendesse o
que se passava ali.

— Obrigada, Sr. Mitchell, tem sido um ótimo amigo. — Olivia disse, com tom de quem
finaliza o assunto. — Se não estiver ocupado poderíamos continuar a conversa após o
almoço. Há algo que gostaria de lhe pedir.
— Sim, claro que... sim. — Benjamin a respondeu, mas era para Chris a quem seus olhos se
dirigiam, submissos, pedindo permissão. — É melhor que eu vá atrás de Daniel. Não deve
ter ido muito longe.

— Por favor. Traga-o para dentro antes que a mamãe chegue.

O professor fez uma mesura das mais desajeitadas e foi se tornando menor a cada passada
que dava campina adentro. Chris esperou que o homem ganhasse uma boa distância antes
de se aproximar da irmã. O som dos passos de Benjamin amassando a grama foi se
misturando ao dos arados e cavalos numa lavoura mais próxima. O silêncio reinou até que
o professor se dissolvesse por completo na paisagem. Quando finalmente sentiu que
estavam a sós, Chris tomou o lugar no banco ao lado de Olivia. Algo dentro dele estalou
dolorosamente. Provavelmente algum osso voltando para o lugar, assim espero.

— Ben tem sido maravilhoso para o Dan. Além de professor é também um ótimo amigo. Se
passasse mais tempo com a sua família saberia disso. Quem sabe até se tornassem
companheiros.

— Sabe o que me incomoda mais a respeito desse professor? Vocês mal o conhecem e já o
colocam num pedestal. Desde o instante que ele pisou nesta casa pela primeira vez. Já
parou para pensar que o que vocês vêem, é exatamente aquilo que ele quer que vejam? Não
estou dizendo que Ben não é merecedor do seu reconhecimento, enfim. Sei que tem por ele,
um... um... uma espécie de fascínio, talvez afeto, que seja. Sei que tem lá suas esperanças,
mas talvez devesse ser menos descuidada. Onde há muita luz, há também muita sombra.
Não se esqueça disso.

— Fala de precaução, me diz para beber deste frasco, quando você mesmo se recusa a dar o
primeiro gole. Quem sabe se nós dois não estaríamos fadados ao erro? Quem sabe se não
há, nesse nosso descuido, um ensinamento a ser colhido no fim?

— Ah, mas não duvide disso, minha querida irmãzinha — respondeu Chris. As palavras da
irmã eram melodia antiga para os seus ouvidos. — Nem todo rumo que decidimos tomar na
vida deve ser seguido com aço e elmo a nos proteger o peito e a cabeça. Às vezes é preciso
ferir e ser ferido para alcançar verdadeiros êxitos. Enquanto dentro de nós existir
desordem, sempre haverá revolução.

— Perdão, Chris, mas não acho que estamos falando a mesma língua aqui. Entendo suas
razões, e até compartilho com parte das suas indignações, mas o que pretende fazer é
loucura! Ainda há chances de voltar atrás. Conhece o papai, sabe que a força de suas
palavras não é tão rígida que não possa ser abrandada com um pouco de renúncia e
sensatez. Seja lá que diabo plantou essas ambições na tua cabeça, mas gostaria que fosse
mais forte do que isso para esconjurá-las e ir até papai para pedir seu perdão!

O rosto machucado de Christopher coloriu-se com o mais singelo dos sorrisos. Olivia
mostrava-se, na maioria das vezes, como uma mulher a frente de seu tempo. Mesmo que
manter tal postura não fosse tarefa difícil em meio a um mar de peixes da mesma espécie e
da mesma cor, acreditava o irmão mais velho. De toda maneira, reconhecia-a. Adorava-a
por sua ousadia e coragem de usar as palavras sem medo, ao mesmo tempo em que sua
feminilidade ressaltava de modo inevitável. Podia até mesmo atribuir tal habilidade a uma
dádiva natural. Havia força e sensibilidade impregnadas em suas feições. Algo de
convincente e destemido em seus gestos, algo que se espalhava do corpo para o tilintar do
colar em volta do pescoço, expandia-se para o farfalhar das rendas do seu vestido. Uma
efemeridade que urgia em ser apreciada, sempre sob a ameaça de desvanecer a qualquer
instante. Ah, as brevidades femininas... é preciso ter a perspicácia de desfrutá-las antes de se
pensar em renovar o fôlego para entendê-las. É disso que precisam afinal, cega reverência, é
preciso aprender a perder-se ingenuamente em seus detalhes. Mas primeiro é preciso saber
reconhecê-los.

Mas o mais difícil eram os olhos. Os olhos de azul sólido, como pepitas de jóia bruta, mas de
cerne meigo, onde vislumbrava-se um brilho tenro de quem não se contém em valer-se da
dureza para transmitir uma generosidade zelosa e prudente.

Entretanto rendia-se facilmente às fatalidades do próprio ser. No fim era evidente que não
poderia negar a si mesma, à criatura feminina abissal que perscrutava seu espírito. Sua
coragem não se atreve a desviar-se do caminho, seguindo para onde a garantia da proteção
e conforto não pode rondá-la. Ah, como eu gostaria que soubesse direcionar seus talentos
para onde pudesse ser admirada e lembrada por eles. Mas jamais permitiria-se, ou melhor,
jamais saberia como carregar esta cruz, não é mesmo minha amada, Liv?

— Espero que saiba, que, mesmo sozinho, suas decisões não deixaram de afetar a mim, e
que Deus o perdoe, até mesmo a Dan! Até o casamento de Hilda! A pobrezinha nunca esteve
tão feliz. Já imaginou a humilhação que ela será obrigada a digerir quando Taylor descobrir
que seus dois irmãos são nada menos que pérfidos traidores, verdadeiros ratos a farejar as
resoluções da Câmara? Desista disso, Chris, não deixe que tenha seu nome envolvido à essa
conspiração, Hilda é mais que uma amiga... no fundo sempre soube que...

— Basta! Está decidido. — Chris ergueu uma mão insolente para a irmã. Depois contraiu-a
no braço da cadeira, esmagando os dedos para repreendê-la. Mas aquilo não o satisfez. A
dor no peito voltou a fisgá-lo, cristalina.

Pôs-se de pé e marchou manhã afora. O eco das palavras inacabadas de Olivia perseguiu-o.
Podia senti-las martelando às suas costas, pedindo atenção, pedindo aceitação. “Hilda é
mais que uma amiga... no fundo sempre soube que...” Sim, diabos! sempre soube, embora
sempre recusasse a admitir. Não é fácil para um homem trair a si próprio, tampouco as
mentiras que conta para si mesmo.

—xxx—

Já era noite alta. Quando saiu do banho a pele fumegava e pingava rente à banheira até
formar uma poça ao redor dos seus pés. Enrolou-se num roupão grosso e puxou a cortina
que separava o ambiente de higiene do restante do quarto. Era um lugar espaçoso, mas
pouco privilegiado de boa iluminação. Pedia para as criadas manterem as janelas sempre
abertas para que o ar circulasse varrendo as impurezas, mas isso somente quando ele não
se encontrava ali. Ao ocupar o quarto, a primeira coisa que fazia era puxar as cortinas
pesadas por sobre as janelas. Deixava a iluminação por conta de dois pequenos vitrais
redondos ao fundo do cômodo. À noite, tudo o que precisava era da tênue luminosidade de
uma única lâmpada fixada no alto do teto.

Gostava do aconchego na penumbra. Havia algo naquela meia-luz que trazia uma paz
especial, cobria as paredes e móveis de melancolia e intimidade; uma atmosfera quase
surreal. “Tem preferências medonhas para a sua idade”, disse-lhe certa vez a tenra e jovem
filha de uma das criadas. Mas provavelmente se referia ao que gostava de fazer na cama, e
não na soturnidade de seu quarto.

Chegou de frente ao espelho e despiu-se do roupão para vestir as roupas de dormir. Ficou
um instante a observar o corpo nu, dedilhando as costelas com a ponta dos dedos, buscando
pelo ponto cruciante de dor. Aqui está, disse, pensando alto, deixando um grunhido escapar
logo em seguida. Conseguia mover-se, mesmo com certo desconforto. Com sorte, o golpe
atingiu só o músculo. Mas da maneira que dói, a carne deve estar podre por dentro. Ao menos
soou convincente o bastante para sustentar a história do assalto que contamos ao chefe do
legislativo. Velho imbecil. Chris riu em satisfação; riu como um garoto mal criado que
desdenha da repreenda dos pais após cometer a mais insolente das travessuras.
No entanto sabia que o que fizera foi arriscado e demasiadamente impensado. Se
descobrissem que andava desviando o dinheiro dos depósitos que seu chefe o encarregava,
nenhuma fiança seria generosa o bastante para libertá-lo da prisão. Suas desculpas e
histórias vinham se esgotando, tornando-se menos convincentes e pertinentes ao cargo
limitado que exercia. Temia que o chefe o investigasse a fundo, curioso por conferir os
resultados cujos investimentos tornavam-se mais e mais exigentes a cada semana. Mas
Chris precisava daquele dinheiro para manter o Sindicato de pé. Precisava também colocar
seus militantes de volta às ruas. Se os deixassem presos por tempo demais temia que isso
pudesse enfraquecer suas determinações. Temia ser abandonado. Mas, bem, com a quantia
certa de libras e um punhado de sorte, isso não aconteceu.

Chris aproximou-se do espelho um pouco mais para espiar o rosto. O lábio rachado ainda
ardia, o olho direito parecia uma ameixa madura de tão roxo; e a sobrancelha inchada
acabava por completar seu aspecto grotesco — mal conseguia dormir daquele lado.
Arreganhou a boca para exibir a fileira de dentes, mas esses, para seu alívio, estavam
inteiros. Fechou a boca e ficou a encarar a figura nua, pálida; os cabelos molhados grudados
no pescoço, contornando a cabeça como uma espiga recém despida da palha. Pareço um
mendigo. Desses da pior estirpe, que brotam feito praga por entre as brechas da cidade.
Pobres diabos... Sim, nós somos, de fato, bem parecidos.

Deu de costas para o espelho e procurou suas roupas. Precisava escrever algumas cartas,
coisa rápida, para notificar seu retorno de modo que tudo ficasse preparado, sem que
nenhum imprevisto o atrapalhasse. Partiria durante a tarde, assim teria tempo até que as
mensagens chegassem aos seus destinos. Depois de escritas e seladas as de maior
importância, molhou a caneta no tinteiro e começou a arranhar uma carta para os irmãos
Channon. Assim que a preparava para o envelope, ouviu as batidas na porta.

— Sou eu, pode abrir?

Chris encarou a maçaneta como se através dela pudesse enxergar os olhos do irmão. O
olhar escorregou para fixar-se no trio de malas feitas ali perto. Fizera-as com certa
dificuldade, pois precisou dividir a disposição entre dobrar suas roupas e lutar com a
insistência de Emma em desfazê-las. A mulher, em sua ignorância, estava tomada de ira e
prantos, num ponto que se tornava impossível distinguir este daquele, como se fundissem
para formar um sentimento novo, totalmente único. Chris estava assustado, mas também
decido a não ceder diante do espetáculo.

“Irei fazer revolução”, disse Chris à mãe, “irão ouvir sobre mim e contemplar com remorso
a minha fotografia nos jornais! Vê essas mortes?”, bradou, sacudindo a manchete diante do
rosto da mulher, “Colocaremos um fim em todas elas! E com a voz do povo alcançaremos
cadeiras no parlamento, de onde reconstruiremos a capital com justiça e respeito a todos os
homens, sem distinção de classe ou religião. E quando esse dia chegar, o que você e papai
terão a dizer? Debruçarão e ajoelharão aos meus pés implorando perdão? Pois te digo,
mamãe, podem me expulsar de casa... mas se eu deixar esse lugar sem o teu perdão, me
darei por órfão deste dia em diante.

Emma nada teve a contrapor. Pouco entendia daqueles assuntos, Chris sabia disso. Portanto
deduzira que sua mudez provinha do choque somado à exaltação do discurso. Assustei-a,
tem medo de mim. Talvez seja melhor assim. Talvez o medo a poupe um pouco do sofrimento.
Nisso sua ignorância lhe será bastante útil. A mãe recuou feito bicho atormentado. Então,
com a raiva acobertando a imprescindível tristeza, o rapaz terminou de juntar seus
pertences numa tarefa que se arrastou até o anoitecer. Vinte e quatro anos espremidos em
três malas, toda a minha presença nesta casa apagada sem deixar vestígios.

— Chris? — a voz do lado de fora insistiu. — Me deixe entrar. Sei que está acordado, abra a
porta. Por favor.
Chris arregalou os olhos como quem acorda de um sono mal dormido. Arrastou a cadeira e
caminhou com a calma de quem permaneceria debaixo daquele teto pelo resto da vida.
Jogou um casaco surrado por sobre as malas numa tentativa desesperada de fazê-las
desaparecer. Abriu a porta e deu de cara com o caçula envolto no cobertor de dormir.
Puxou-o para dentro e girou a chave na fechadura.

— O que quer? Já é tarde. Deveria estar dormindo, tem aula logo cedo. Não quer chatear seu
querido professor, quer?

Daniel mordeu o lábio inferior e andou poucos passos pelo quarto.

— Estava pensando... se por acaso me deixaria dormir aqui contigo esta noite. E antes que
diga não, essa pode ser a última chance de passarmos algum tempo juntos nesta casa. Não
sabemos quando voltaremos a nos encontrar.

O chão pareceu mais próximo dos seus pés. Seu corpo, entretanto, dormente, apenas
amoleceu em reação ao que Daniel acabava de dizer. Não lhe veio uma resposta de
imediato, apenas o retumbar de uma pancada oca sobrepujando sua consciência. Percebeu,
pela primeira vez, que partiria de verdade, em definitivo. Percebeu também que era difícil
aceitar o divórcio com aquela casa, com a família, apesar de não se sentir mais parte de
ambos do que uma peça funcional que cumpre seu dever. Até nisso pareço não me ajustar
por completo. Por mais que eu tente, é como se forçasse algo de indesejado, de dispensável
para dentro desta engrenagem. Sou eu, a minha presença que os tira do eixo.

Deu de costas para o irmão e voltou para a escrivaninha para terminar de fechar as cartas
nos envelopes. Daniel seguiu-o, mas para empoleirar-se em cima da cama. Ali deitou
enfiando-se para dentro das cobertas e ficou em silêncio enquanto ouvia apenas o roçar de
papéis. Nos cômodos de baixo a criadagem diminuía pouco a pouco suas atividades. Logo a
casa começaria se afundar numa calmaria sonolenta, estalando e rangendo sozinha como
se mergulhasse num profundo sono reparador. Christopher atentava-se involuntariamente
para aqueles ruídos, se sentido próximo daquele lugar de um jeito que nunca antes sentira.
Besteira, só estou deixando que isso me afete com base nas circunstâncias que desencadearam
a minha partida. Já era do conhecimento de todos que, assim que concluísse os estudos, meu
destino era a capital. O desenrolar das coisas só adiou o inevitável.

— Pode ir me visitar na cidade quando quiser, sabe disso, não é?

— E desde quando faço o que quero?

Chris afastou a cadeira num suspiro de cansaço e fechou o regulador da lâmpada. O quarto
foi engolido por uma densa sombra silenciosa. Logo em seguida Chris acendeu uma vela
para a pequena lanterna que trouxera consigo para cabeceira da cama. Pendurou-a no
suporte que havia ali e entrou debaixo das cobertas para junto do irmão.

O perfume de ervas lhe subiu às narinas quando o colchão e travesseiros receberam seu
peso. Devem ter trocado toda a roupa de cama recentemente. As criadas conheciam bem suas
preferências. Os travesseiros deveriam ser estufados com chumaços do tranquilizante
capim-limão; e os lençóis recebiam gotas de óleo de cedro, que além do aroma doce,
ajudava a manter os insetos distantes durante o sono. Esse era um dos luxos que tinha
quando voltava para casa. Se eu quiser ter esse conforto de agora em diante, terei eu mesmo
de fazê-lo. Nos dormitórios da universidade era obrigado a se contentar com colchões de
mola e travesseiros que mais pareciam tijolos abaixo de sua cabeça. Mas era grato por pelo
menos tê-los sempre limpos.

Pretendia alugar um apartamento simples quando encerrasse o curso. Enquanto isso, no


meio tempo entre as campanhas políticas e a ocupação no Sindicato, juntaria algum
dinheiro, o suficiente para um imóvel a altura de um parlamentar, de boa localização e com
espaço suficiente para acolher dois ou três filhos e a futura esposa. Às vezes se entretinha
em maldosas distrações a respeito disso. Tentava imaginar as expressões de Adam Taylor,
naquela sua cara equina, ao ver sua antiga prometida entrando e saindo da moradia de
Christopher Darlington, de braços dados com o proprietário e marido. Bobagens, bobagens.
Taylor é um rival político, mais do que isso, um obstáculo. Mas é só. Hilda não passa de uma
donzela em apuros entre nós dois. Seria melhor que Ewan e Liam se objetassem contra este
casamento antes de o pior acontecer...

— Papai se inflou para me contar que te fez herdeiro, isso deve contar alguma coisa, certo?
É agora um rapaz com responsabilidades. Fora que... tem aquele seu professor a sua
disposição. Vez ou outra acontecerá de ele ter que se deslocar para a cidade. Todo homem
tem negócios e assuntos a tratar em Campvale. — Sorriu para o caçula com uma
sobrancelha erguida de forma sugestiva — Liv, papai e mamãe o adoram, saiba que pode
usá-lo para abrir muitas portas.

— Não consigo te entender, agora fala como se o aprovasse. — O menino se remexeu na


cama, fazendo os estrados gemerem. — O Sr. Mitchell não é o que pensa que ele é. Sei que o
julga como atrasado, simplório, ingênuo, mas ele não é nada disso. Na verdade é bem o
contrário, iria se surpreender se lhe desse a chance de mostrar suas opiniões. Aliás, se
tivesse ficado por perto mais vezes poderiam ter se tornado amigos.

Chris soltou uma risadinha.

— De repente o professor ganhou um protetor dos mais ferrenhos. Mas eu nunca o odiei.
Apenas desconfio, o que é bastante natural e esperado quando se recebe alguém que mal
conhece na própria casa. Embora ele pareça, de fato, ser inofensivo. E parece ter muita
estima por você. — Chris espetou um dedo no nariz do irmão. — Hoje minha consideração
sobre Ben vacilou por um instante, mas tive de o respeitar pela preocupação que teve
contigo.

É um homem misterioso. Talvez eu devesse aproveitar meu retorno à Campvale para ir até a
escola onde Ben trabalhava antes de vir para cá. Todo homem tem uma história, afinal. Ben
não pode ser diferente. Admitia que àquela altura era difícil retomar como válidos os
motivos que lhe despertaram a teimosa desconfiança pelo caráter do professor. O homem
não saia da linha. Ou ao menos se esforça para que isso não aconteça. Não importa o quão
bem intencionado Benjamin pudesse ser aos olhos de seu pai, da mãe e dos irmãos, havia
algo; algo esquivo, uma sombra latente pairando sobre a figura do gentil e prestativo
professor. Ele se empenha tanto para nos agradar, para conseguir nosso respeito e confiança.
Sua resignação é tamanha que ofusca o homem que existe por baixo dessa casca. Ainda não o
conhecemos por completo. Não sei o que teme vir à tona, mas pretendo descobrir.

Enquanto isso não acontecia, era obrigado a reconhecer Benjamin pela atenção prestada à
educação de Daniel. Pouco se recordava da última vez que via o irmão de tão bom humor e
com tanta disposição. Se seus olhos não estivessem o enganando, até conseguia ver uma
melhora significativa na aparência do caçula. Cada vez mais se distancia do aspecto
enfermiço e franzino. Deve ter ganhado pelo menos uns dois quilos e as bochechas até
parecem mais cheias de sangue.

Antes era por ele que Daniel se alegrava e inflava o espírito de disposição. Carregava-o para
fora de casa, para longas caminhadas ou cavalgadas até o entardecer. Sentia falta desse
tempo. Campvale às vezes sabia ser uma verdadeira aldeia de solidão. Com suas ruas
sempre movimentadas, pernas inquietas e rostos pouco amigáveis. O progresso da cidade é
movido por engrenagens e mãos de ferro. Gostaria de levar Daniel sob sua tutela para
estudar na capital, mas por três anos todos seus pedidos eram veementemente recusados. E
agora que Percival confiara a herança do casarão às mãos de Daniel, passou a entender
melhor o pensamento do pai. Já esperava que não pudesse contar comigo para administrar a
fazenda. Deveria me sentir ofendido por ter tomado a decisão sem antes me consultar? Não,
dizia a si mesmo. Desta vez papai soube usar o que lhe resta de sensatez para assegurar o
futuro de Dan. Essa decisão deveria me trazer tranquilidade e não mais perguntas.

Agora a instrução do irmão cabia somente ao pai e a Benjamin. Mesmo assim, havia muitas
coisas que gostaria de ensiná-lo; outras gostaria de estar por perto para vê-lo aprender.
Queria acompanhar seu crescimento, ser seu fiel comparsa e confidente. Vê-lo se
transformando pouco a pouco no homem que ajudara a lapidar. Queria que Daniel
lembrasse com orgulho de seus conselhos, que o abraçasse, lhe beijasse a fronte e dissesse:
“muito obrigado por ter me guiado até aqui”. Soube da importância de um irmão mais
velho e experiente desde quando Daniel ainda era um frágil bebezinho de colo. Ainda se
recordava do miúdo embrulho de panos se contorcendo no berço quando a mãe o permitiu
que o visse pela primeira vez. O instinto protetor e mentor se fizeram presentes de
imediato, como se tivesse brotado em sua alma no momento em que o choro do caçula
inundara seus ouvidos. Mas agora é Benjamin quem ocupa esse lugar. Dan o adora, admira e
respeita. É melhor não decepcioná-lo, Ben.

Mas quanto à Olivia, já não tinha tanta certeza sobre os benefícios da relação entre ela e o
professor. Tinha certa dificuldade de falar com o coração das mulheres, embora julgasse
compreendê-las muito bem. Tudo o que lhe peço é cautela, Liv. Saiba onde está pisando. Logo
estaria distante, impossibilitado de refrear seus impulsos e aconselhá-la. Olivia poderia ser
ponderada, mas isso enquanto suas emoções estivessem bem assentadas, sem lhe ofuscar a
razão.

Christopher sentiu-se cansado e até um pouco enjoado com a mente tão absorta em
preocupações e futuras resoluções. Uma descarga de pessimismo e vontade de desistir
jorrou, abatendo-o contra o colchão. Sentiu o próprio peso, morto, áspero, sólido, como uma
rocha cravada ao solo, grande demais para ser movida. Estou com sono, é isso, só preciso
dormir um pouco. Esticou o braço para abraçar o irmão, colando sua cabeça ao peito.

— Não espere que eu peça ao Sr. Mitchell que me leve à cidade a passeio, isso é totalmente
fora de cogitação. — Daniel se aconchegou, passando os braços em volta de Chris. O mais
velho puxou o cobertor por sobre suas costas, deixando-o grato por isso. Não chovia, mas a
mudança de estação já trazia consigo o ar frio das noites de outono.

— Ora, quem disse que deve pedir? — perguntou Chris com a voz devagar, quase
adormecendo. Começou a afagar os cabelos do caçula, mas logo a mão tombou frouxa sobre
o travesseiro. — Pode simplesmente sugerir.

Notas finais do capítulo

Desculpem a demora, rsrsrs.


Entrei de férias na segunda semana de Dezembro, e foi quando finalmente pude retomar a
história. Mas admito que procrastinei bastante. E juntando à correria de fim de ano, então o
capítulo foi escrito em parcelas bem miudinhas. ahahahaha. Mas acho que já me recuperei
e descansei o bastante.

Mas então, este capítulo foi o primeiro do Chris. Minha intenção maior aqui foi revelar um
pouco da personalidade dele, por ele mesmo, da mentalidade e fazer justiça em relação à
visão contraditória que se tinha dele até então. E esse capítulo tinha ficado muito grande,
então optei por dividi-lo em duas partes para dar uma arejada no texto e não deixá-lo muito
truncado. Portanto, o próximo será do POV do Chris também.
.
Obrigada aos leitores que têm acompanhado, comentado e me motivado até aqui.
Beijos, até o próximo!

Você está acompanhando esta história e já leu até o capítulo 9

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