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O desempenho linguístico dos estudantes universitários moçambicanos

na escrita: o caso da concordância nominal em número 1

Marta Sitoe

O desenvolvimento das competências de escrita em português depende, em certa medida, da


compreensão e da aplicação das regras de funcionamento da língua. Deste modo, quando se solicita
aos estudantes universitários moçambicanos que produzam um texto, espera-se que sejam capazes
de exteriorizar o seu pensamento e os seus saberes com clareza e que, ao fazê-lo, observem as
regras postuladas na variedade estabelecida como norma. Lamentavelmente, a realidade mostra que
isto nem sempre se verifica. A fraca qualidade linguístico-discursiva (Siopa, 2015) dos textos
produzidos pelos estudantes universitários moçambicanos revela fragilidades no domínio das
competências exigidas pela escrita (Gonçalves & Siopa, 2005; Siopa, 2011). Estas fragilidades,
segundo Gonçalves (2010a), traduzem-se em “dificuldades no domínio da ortografia, do
vocabulário e das estruturas gramaticais, assim como na produção de um discurso claro e coeso” (p.
7). As dificuldades dos estudantes universitários moçambicanos tornam-se particularmente
preocupantes quando se assume que a comunicação escrita é muito exigente no que diz, mais
particularmente, respeito à observância da norma padrão europeia.
Os estudos atualmente disponíveis sobre o perfil linguístico dos estudantes universitários
moçambicanos permitiram identificar as áreas gramaticais que, a nível da escrita, são mais afetadas
por erros, isto é, em que estes não aplicam as regras da gramática do português padrão europeu. A
concordância nominal figura no conjunto das áreas que esses estudos apontaram como sendo
afetadas por erros nas produções escritas desta população.
Esta área do Português de Moçambique (PM) tem sido estudada por vários autores em
diferentes perspetivas: Companhia (2001) e Dzeco (2012) analisaram desvios na aplicação das
regras de concordância nominal em número em dados orais e escritos de aquisição (em alunos da
3.a e 7.a classes, respetivamente); por sua vez, Gonçalves et al. (1998), Cavele (1999) e Jon-And
(2010, 2011) descreveram fenómenos de concordância nominal em número e/ou género em dados
orais produzidos por falantes adultos.
Em relação aos erros de concordância nominal que se verificam nas produções de falantes
escolarizados, onde se pode incluir os estudantes universitários, Gonçalves (2010b) considera que

1 Este texto é um excerto adaptado e retirado do original: Sitoe, Marta (2017). O desempenho linguístico dos estudantes
universitários moçambicanos na escrita: o caso da concordância nominal em número. In Monteiro, A. C.; Siopa, C.;
Marques, J. A. & Bastos, M. (orgs), Ensino da Língua Portuguesa em Contextos Multilingues e Multiculturais: Textos
Selecionados das VIII Jornadas da Língua Portuguesa, pp. 11–29. Lisboa: Porto Editora. Disponível em https://www.-
wook.pt/landingpage/ofertasEbooks?a=10682803&b=45877514&c=qtmnA948UJdB5zUbLJsi7guI56M
estes podem decorrer da falta de atenção destes falantes às suas próprias produções linguísticas e
não tanto da falta de conhecimento das regras gramaticais. Contudo, Siopa (2013), num estudo
sobre o potencial do retorno corretivo escrito na solução dos problemas linguísticos em produções
escritas dos estudantes universitários moçambicanos, constatou que a concordância nominal, em
género e número, é uma das áreas em que houve maior insucesso na correção. Por outras palavras,
mesmo tendo sido alertados para a existência deste tipo de erros, os estudantes não foram capazes
de os corrigir.
Assim, na sequência destas constatações divergentes sobre os erros de concordância nominal
(Siopa, 2013; Gonçalves, 2010b), e mais particularmente sobre a concordância nominal em número,
surge a seguinte questão: Os erros de concordância nominal em número, observados em produções
escritas, semiespontâneas, de estudantes universitários, refletem a sua competência linguística?
Sabendo que, como assinala Gonçalves (2010b), as produções escritas dos estudantes universitários
“estão muito aquém das suas gramáticas mentais, e são condicionadas por uma diversificada gama
de variáveis extragramaticais que interferem no seu desempenho linguístico” (p. 84), não é possível
saber se, de facto, a causa dos erros dos estudantes está na falta de competência linguística nesta
área.
Note-se que as propostas de atividades com base em exercícios estruturais sobre a
concordância (nominal, mas também verbal) parecem pressupor que os estudantes universitários
conhecem as regras gramaticais e que apenas necessitam de praticar as estruturas em que elas
devem ser aplicadas para melhorar o seu desempenho nestas áreas (Bavo, 2015; Sitoe, 2015).
Contudo, este pressuposto não foi, até agora, investigado.
Neste contexto, desenvolveu-se este estudo, com o objetivo de verificar se os erros de
concordância nominal em número observados nas produções escritas, semiespontâneas, de
estudantes universitários decorrem da falta de conhecimento das regras ou se têm uma outra causa,
decorrendo de deficiências a nível das suas competências de escrita, nomeadamente no que respeita
à execução de tarefas de revisão e edição de texto. O estudo considerou, pois, a seguinte hipótese:
“Em textos escritos semiespontâneos, produzidos por estudantes universitários, os erros de
concordância nominal em número resultam não da falta de conhecimento das regras de
concordância nominal, mas da não execução de tarefas de pós-escrita, de revisão e edição de texto”.
A preocupação com esta área gramatical é, em parte, motivada por aspetos sociolinguísticos
a ela associados, mais concretamente a atitude dos falantes cultos perante erros de concordância. A
este respeito, sobre a realidade sociolinguística do Brasil, Vieira (2007, negrito nosso) considera
que:
Diferentemente de outros factos linguísticos, concordar ou não concordar não
constitui opção legitimada pelo registo, nem pela modalidade, nem ainda por
fatores diatópicos ou diafásicos. O fenómeno da (não) concordância é o caso
prototípico de variação que identifica, discrimina, (des)valoriza o usuário da língua
em termos sociais. Trata-se, portanto, de um traço estigmatizante na avaliação dos
usuários da língua portuguesa, aquele que codifica a desigualdade das relações
socioculturais de um povo (p. 92).

No que diz mais particularmente respeito à concordância nominal, na mesma linha de


pensamento de Vieira (2007), Brandão (2007) reitera que a variedade que não observa as regras
estabelecidas pela norma é considerada estigmatizante pela comunidade culta. Esta atitude
prescritiva, em face dos erros de concordância nominal, também é referida por Gonçalves (2015)
em relação ao PM. Segundo esta autora, quanto aos erros de morfossintaxe, onde se inclui a
concordância nominal, a comunidade moçambicana adota uma atitude bastante prescritiva na
aplicação da norma europeia, considerando que os erros cometidos pelos falantes devem ser
corrigidos. (…)

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