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oaosi23, 11:24 Judith Bute: “De quem so as vidas consideradas chordveis em nosso mundo piblica?"| Babelia | EL PAIS Brasil EL PAIS ss Judith Butler: “De quem sao as vidas consideradas choraveis em nosso mundo publico?” Em seu novo ensaio, ainda inédito no Brasil, a fil6sofa defende uma nova solidariedade contra a violéncia para enfrentar esta época marcada pelo conflito permanente. Antecipamos um trecho da obra A fil6sofa norte-americana Judith Butler durante uma visita a Barcelona, em 2018 MIQUEL TAVERNAJCCCB JUDITH BUTLER hitps:forasilelpals.convoabela’2020-07-1Ofudlh-butter-de-quer-sae-as-vidas-consideradas-choravels-em-nosso-mundo-publico. html 425 oaosi23, 11:24 Judith Bute: “De quem so as vidas consideradas chordveis em nosso mundo piblica?"| Babelia | EL PAIS Brasil EL PAIS sss yr wo Julio Cortazar encarna uma tradicio de imaginacio literdria e ativismo politico extraordinarios. Tenho em mente aquela adverténcia que Pablo Neruda fez ha alguns anos: “Quem nao lé Cortazar esta condenado”. Cortazar acreditava que devemos estar conscientes da linguagem que usamos ao descrever o mundo, pois esta repleta de significados inconscientes, hist6rias sociais, um legado de luta e submissao. E possivel que a linguagem que seja mais clara para nés acabe se revelando a mais opaca e até enganosa quando comegamos a nos aprofundar na histéria de seu uso. Em uma aula de literatura que deu em 1980 na Universidade da California, em Berkeley, universidade onde sou professora, Cortazar disse a seus alunos: “A linguagem esta ai e é uma grande maravilha e é 0 que faz de nds seres humanos, mas cuidado! Antes de utilizd-la é preciso ter em conta a possibilidade de que ela nos engane, ou seja, de que estejamos convencidos de que estamos pensando por conta propria e, na realidade, a linguagem esta um pouco pensando por nés, usando estereétipos e formulas que vém do fundo do tempo e podem estar completamente podres.” wrormacoes EF’, no entanto, Cortazar nunca virou as costas a linguagem, nem a politica, nem a esperanga. Devemos questionar criticamente a maneira como reproduzimos em nossa linguagem as formas de poder as quais nos opomos e também . devemos nos esforgar para usar a linguagem de um modo. prexico resist"™ ovo que abra uma possibilidade de esperanga para o mundo. de amulheres Utopia nao é uma palavra facil de usar, mas Cortazar nao a dias de protesto Tejeitou: Cortazar proclamou, como sabem, que Cuba era uma feminista utopia alcangavel. E com isso deu esperanga a possibilidade de materializar uma igualdade radical de carater politico neste mundo. Ele nao sabia se isso iria acontecer, nem embarcou em previsGes, mas estava disposto, no entanto, a proclamar, a mobilizar 0 ato de falar como uma forma de combater 0 ceticismo e 0 niilismo de seu tempo. De fato, como é sabido, arate prtentos « como membro do Tribunal Russell II, uniu forgas com outros milhées de para condenar publicamente os crimes cometidos pelos aneres ua _-Tegimes ditatoriais da América Latina. Ele no era juiz e 0 forganasruas Tribunal Russell II nado era um tribunal de justiga, mas quando os tribunais ndo cumprem seu trabalho ou quando a fé na lei hitps:forasilelpats.com/babela/2020-07-tOjudith-butler-de-quer-sao-as-vidas-consideradas-choravels-em-nosso-mundo-publico.himl 225 oaosi23, 11:24 Judith Bute: “De quem so as vidas consideradas chordveis em nosso mundo piblico?"| Babelia | EL PAIS Brasil EL PAIS ve concordam em revisar em publico as evidéncias. Como escritor, Cortaézar conquistou o direito de falar em. ptiblico e escolheu fazé-lo em nome dos subordinados, dos Feminismo finca Censurados, dos criminalizados por fazer parte da resisténcia poliiea da contra as ditaduras, mas também dos torturados e dos América Latina desaparecidos, daqueles cuja morte continua desconhecida e sem 0 reconhecimento dos governos responsaveis por seu desaparecimento. O Tribunal Russell era uma alianga transnacional composta por pessoas que se arrogaram 0 direito e o poder de julgar ali onde os tribunais fracassaram ou onde o sistema juridico demonstrou inclusive ser ciimplice dos crimes. Hoje eu gostaria de falar da necessidade de reconhecimento ptiblico dessas perdas que continuam desconhecidas e sem chorar. E, para fazé-lo, comegarei com uma pergunta: em que circunstancias é possivel lamentar uma vida perdida? De quem sfo as vidas consideradas choraveis em nosso mundo ptblico? Quais sao essas vidas que, se perdidas, nao serao consideradas em absoluto uma perda? E possivel que algumas de nossas vidas sejam consideradas choraveis e outras nao? Fago essas perguntas dificeis e perturbadoras porque eu, como vocés, me oponho a morte violenta; a morte por meio da violéncia humana; 4 morte resultante de agdes humanas, institucionais ou politicas; 4 morte provocada por uma negligéncia sistémica por parte dos estados ou por modos de governanga internacionais. Se concordarmos que toda pessoa deveria ser livre para aspirar a uma vida vivivel e despojada de violéncia, entéo estamos aceitando que toda vida deveria ser, idealmente, livre para exercer esse direito e que todos aqueles que sao privados de sua vida por meio da violéncia sao vitimas de uma injustica radical. No entanto, se reconhecermos apenas a certas vidas 0 direito de aspirar a uma vida vivivel; se s6 choramos quando sao essas as vidas que desaparecem por obra da violéncia, entao devemos nos perguntar por que choramos essas vidas e outras nao. Parte do que nossa dor diz —se a dor falasse—, parte do que essa dor implica, é que as vidas que foram perdidas deveriam ter tido a oportunidade de viver, de aspirar a uma vida que nao fosse de sofrimento hitps:forasilelpats.com/babela/2020-07-tOjudith-butler-de-quer-sao-as-vidas-consideradas-choravels-em-nosso-mundo-publico.himl 3125 oaosi23, 11:24 Judith Bute: “De quem so as vidas consideradas chordveis em nosso mundo piblica?"| Babelia | EL PAIS Brasil EL PAIS sss Assim, se as diferengas de classe, raga ou género se imiscuem no critério com que julgamos quais vidas tém o direito de serem vividas, torna-se evidente modo de abordar a questo de quais vidas merecem ser choradas. Pois se uma vida é considerada carente de valor, se uma vida pode ser destruida ou desaparecer sem deixar rastro ou consequéncias aparentes, isso significa que essa vida nao foi plenamente concebida como viva e, portanto, nao foi plenamente concebida como choravel. hitps:forasilelpats.com/babela/2020-07-tOjudith-butler-de-quer-sao-as-vidas-consideradas-choravels-em-nosso-mundo-publico.himl 425 eens resistencia ala violencia WY oaosi29, 19:21 Judith Bute: “De quem so as vidas consideradas chordveis em nosso mundo piblico?"| Babelia | EL PAIS Brasil EL PAIS sss oportunidade de viver e que a perda dessas vidas é uma perda que choramos abertamente. A dor naturaliza a perda, é um reconhecimento do valor da vida que foi perdida, mas reconhece também que essa vida era de fato uma vida, que estava viva; que sua perda é uma perda, a perda de uma vida futura, da futuridade que define uma vida vivivel. O ato do luto se conecta com 0 ato da justiga precisamente aqui, porque nao apenas estamos dizendo que essa era uma vida que merecia ser vivida e que ninguém deveria té-la destruido, como também que tal destruic¢o é injusta. Por isso choramos e, com isso ao mesmo tempo nos opomos 4 injustiga. A mobilizagao de um luto ptblico se alia a uma oposi¢ao militante diante da injustica. E assim como nos opomos A violéncia através da nossa dor e da nossa raiva, estamos praticando a nao-violéncia quando lamentamos e militamos contra a continuacao da violéncia e da destruigao. As populacées se dividem com frequéncia, com muita frequéncia, entre aqueles cujas vidas so dignas de serem protegidas a qualquer custo e aqueles cujas vidas so consideradas prescindiveis. Dependendo do género, da racae da posicao econémica que ostentamos na sociedade, podemos sentir se somos mais ou menos choraveis aos olhos dos demais. Pensemos nas vitimas de feminicidio na América Latina, especialmente em Honduras, Guatemala, Brasil, Argentina, El Salvador, mas também aqui, no México, que incluem toda pessoa brutalizada ou assassinada pelo fato de ser feminizada, e isso inclui um grande numero mulheres trans e de membros da comunidade de travestis. Essas mortes sio frequentemente divulgadas ou publicadas como noticias sensacionalistas nos jornais; sio seguidas por uma manifestagio momentinea de comogio publica e, pouco tempo depois, acontecem novamente. Quando sio divulgadas ha uma reagao horrorizada, nao ha dtivida, mas a reagdo nem sempre é acompanhada por uma anilise focada em uma mobilizagiio contra essas mortes tao generalizadas. As vezes se diz que os homens que cometem esses crimes sofrem algum tipo de patologia, ou sio considerados uma tragédia, ou a historia é abordada como a enésima e periddica incidéncia de algo aberrante. Pensemos, no entanto, na descrig&o das feministas, que esto tentando teorizar a situagio com 0 objetivo de conhecer os termos com os quais ela deve ser enquadrada e entendida. Montserrat Sagot, por exemplo, da Costa Rica, sustenta que “o hitps:forasilepats.com/babela/2020-07-tOjudith-butler-de-quer-sao-as-vidas-consideradas-choravels-em-nosso-mundo-publio.himl 8125 oaosi23, 11:24 Judith Bute: “De quem so as vidas consideradas chordveis em nosso mundo piblica?"| Babelia | EL PAIS Brasil EL PAIS ve vuinerabilidade social, de exterminio e inclusive de impunidade”. Em sua opiniao, nao é apropriado explicar esses atos assassinos em termos de caracteristicas individuais, patologias ou inclusive de agressividade masculina, mas devem ser entendidos como a reproducao de uma estrutura social de dominagdo masculina e, nesse sentido, como a forma mais extrema de terrorismo sexista. Na opiniao de Sagot, 0 assassinato é a forma mais extrema de dominacdo, e outras, como a discriminaco, 0 assédio ea violéncia fisica, devem ser concebidas em um continuum com o feminicidio. Esse raciocinio nos leva a um paradoxo, uma vez, que se 0 objetivo é 0 exterminio, entdo, no caso de ser alcancado, seus autores ja nao ostentariam dominio, pois quem domina precisa de alguém que se submeta, e que essa submissao devolva ao dominador seu proprio reflexo. Se a vida da pessoa ou da classe subordinada é interrompida, 0 dominador se torna a norma ea relacao imposta de desigualdade da lugar ao genocidio. Ninguém domina os mortos, exceto se apaga completamente seu rastro. A situacao do feminicidio nao implica apenas 0 assassinato ativo, mas inclui também a manutencio de um clima de terror, no qual qualquer mulher, inclusive as mulheres trans, pode ser assassinada. Dediquemos, portanto, um. momento para lembrar o quanto é importante para as aliangas formadas em torno do luto —aliancas destinadas a exercer uma oposicio politica & violéncia— conseguir fechar 0 fosso que separa 0 feminismo do ativismo transgénero. Podemos dizer que as mulheres so assassinadas nao por causa de qualquer coisa que tenham feito, mas pelo que os outros percebem que s&o. Como mulheres, sao consideradas propriedade do homem, é o homem que ostenta o poder sobre suas vidas e suas mortes. Nao ha nenhuma razao natural que justifique essa estrutura fatal e injusta de dominagio e terror: faz parte de se transformar em género nos termos da norma dominante. Tornar- se homem, nessa perspectiva, consiste em exercer 0 poder sobre a vidaea morte das mulheres; matar é prerrogativa do homem a quem foi atribuido um determinado tipo de masculinidade. Portanto, espera-se de todos os que s&o designados no nascimento o género masculino que assumam uma trajetéria masculina, que seu desenvolvimento e vocagao sejam masculinos. Portanto, as pessoas trans que querem ser mulheres, que buscam ser reconhecidas como mulheres trans, rompem esse pacto implicito que une os homens, que permite e afirma sua violenta propriedade sobre as mulheres. As mulheres trans sao um objetivo em parte porque sao femininas, ou estao feminizadas, e sao punidas nao apenas por rejeitar o caminho da masculinidade, mas por abracar abertamente sua propria feminilidade. hitps:forasilelpats.com/babela/2020-07-tOjudith-butler-de-quer-sao-as-vidas-consideradas-choravels-em-nosso-mundo-publico.himl 7125 oaosi23, 11:24 Judith Bute: “De quem so as vidas consideradas chordveis em nosso mundo piblica?"| Babelia | EL PAIS Brasil EL PAIS sss em todo o mundo. U Brasil € o Mexico também sao os paises com os maiores indices de violéncia e assassinato de pessoas transgénero. Talvez seja porque nesses paises existem grupos de defesa dos direitos humanos que fazem a contagem das vitimas, mas também pode ser porque os mesmos paises latino-americanos que avancaram em direcio & igualdade de direitos, em dirego A maior diversidade e maiores liberdades legais para as pessoas LGBTQ sao o alvo da violéncia reacionéria. Esses movimentos sociais respondem a formas de desigualdade e violéncia, mas também sao alvo do 6dio daqueles que temem seus avancos. Ento, hoje, pensando na violéncia contra a mulher, contra as mulheres trans, contra os homens trans, poderiamos dizer que so resultado da misoginia e da transfobia e, é claro, isso é verdade, mas devemos compreender também as novas formas de violéncia como expresso de antifeminismo, como oposi¢ao politica aos direitos LGBTQ, como reacio contra aqueles que defendem o direito das pessoas trans de viver livremente seu género e contar com 0 amparo da lei. Portanto, parte da violéncia que vemos e conhecemos é uma reaciio aos progressos que fizemos, ¢ isso significa que devemos continuar avancando e aceitar que esta é uma luta continua, uma luta na qual os prine{pios fundamentais da democracia, da liberdade, da igualdade e da justi¢a estéo do nosso lado. A violéncia, como sabem, nao é um ato isolado e tampouco é apenas uma manifestagio das instituigdes ou dos sistemas em que vivemos. E também uma atmosfera, uma toxicidade que invade o ar. Estamos aqui porque estamos vivos, porque continuamos vivendo, mas as mulheres que continuam vivas persistem em uma atmosfera de dano potencial, de uma morte repentina e violenta. A populaciio de mulheres ainda vivas vive, até certo ponto, aterrorizada com a prevaléncia dos assassinatos contra elas. Algumas aceitam a subordinago para evitar esse funesto destino, mas essa subordinacio serve apenas para lembré-las de que so, em principio, uma classe assassindvel. “Submeta-se ou morra” se torna o imperativo imposto as mulheres que vivem nessas situagGes de terror. E é esse poder de aterrorizar que, € claro, recebe o respaldo, o apoio, o reforgo da policia que se nega a proteger, ou a processar, ou que inflige ela mesma violéncia as mulheres que se atrevem a denunciar legalmente a violéncia que sofrem ou testemunham, ou que se unem em grupos para protestar ou se juntam a aliangas transregionais ou transnacionais para enfrentar a violéncia contra as mulheres € as pessoas trans. hitps:forasilelpats.com/babela/2020-07-tOjudith-butler-de-quer-sao-as-vidas-consideradas-choravels-em-nosso-mundo-publico.himl 8125 oaosi23, 11:24 Judith Bute: “De quem so as vidas consideradas chordveis em nosso mundo piblica?"| Babelia | EL PAIS Brasil EL PAIS sss institucionalizado? A violéncia nem sempre adota a forma de um golpe, ou poderia ser que o golpe seja apenas um instante na reproducio estrutural e social da violéncia. Devemos impedir 0 golpe, mas devemos impedir também a situacio estrutural que torna possivel esse golpe e que lhe proporciona uma justificativa tanto antes quanto depois do fato. Algumas instituigées, formais e informais, inclusive o governo e a policia, os préprios cartéis, esto implicadas na reproducio social da violéncia. A violéncia é a0 mesmo tempo ato e institui¢ao, mas também é, como mencionei, uma atmosfera t6xica de terror. Cada uma serve de suporte a outra, est&o de fato encadeadas, conectadas uma 4 outra em uma dialética que potencializa o terror. E por isso que temos uma tarefa teérica to grande a nossa frente: como entendemos a especificidade do terror sexual? Que relacéo tem com a dominagio e o exterminio? Existe uma teoria geral da sexualidade e da violéncia que possa explicar este fendmeno? Estas perguntas nos ajudam a compreender como poderia ser realizada uma intervengio em escala global com a qual exigir uma reconceitualizacao desses assassinatos como manifestacdes de um poder social que é exercido repetidamente em um ritmo letal. S6 entéo saberemos como refutar os relatos que culpam as mulheres por suas préprias mortes violentas, ou que apresentam os homens como personagens patolégicos, ou que fornecem uma imagem compassiva de sua ira: “um crime passional”. Por mais terrivel e individual que seja qualquer uma dessas perdas, elas se enquadram em uma estrutura social que nao considera que as vidas das mulheres, incluidas as das mulheres trans, sejam dignas de serem choradas. As categorias que omitem 0 exercicio do poder social nestes casos representam um obstaculo 4 oposi¢ao politica eficaz contra tais condigdes. Evidentemente, muitas questées continuam abertas sobre os usos do discurso dos direitos humanos ou 0 recurso a regimes legais que frequentemente reproduzem as desigualdades, e também sobre a necessidade de entender as possibilidades de resisténcia que as mulheres continuam exercendo em circunstancias téo aterradoras. O movimento Ni Una Menos, que como sabem levou pelo menos dois milhdes de mulheres as ruas, 6 um 6timo exemplo. “Nao perderemos nem uma mais.” Sua voz é a do coletivo daquelas que ainda vivem, daquelas que existem e persistem; transformaram a categoria de mulher em um coletivo e néo perderao nem uma mais entre suas fileiras, entre seu género. Nos Estados Unidos, continuamos acumulando histérias individuais porque somos hitps:forasilelpats.com/babela/2020-07-tOjudith-butler-de-quer-sao-as-vidas-consideradas-choravels-em-nosso-mundo-publico.himl 9125 oaosi23, 11:24 Judith Bute: “De quem so as vidas consideradas chordveis em nosso mundo piblica?"| Babelia | EL PAIS Brasil EL PAIS ve de discriminagao, assédio e agressao. ‘lambem na America Latina as historias individuais importam, sem dtivida, e esse é um dos motivos pelos quais estamos interessados nas memorias, nas biografias, nos testemunhos que refletem o mundo em que habitualmente vivemos. E, no entanto, o Ni Una Menos é uma maneira de afirmar a voz do coletivo, uma solidariedade entre as vivas, cuja proclamacao é “vamos continuar vivendo e néo perderemos nem uma mais das nossas”. E um ato de expressao do “nés” que agrupa todas as nossas vozes cada vez que se retine. O coletivo protege o individuo de um destino violento, 0 coletivo exige um mundo em que essa luta contra a morte violenta seja realizada —ou assim deveria ser— por todos 0 setores da sociedade. E também afirma que as mulheres viverdo, que continuarao vivendo, que reivindicam com o préprio ato de viver seu direito de viver, de desfrutar, de ser um corpo que se conecta apaixonadamente com outros corpos no mundo. O Ni Una Menos é uma declaragio viva por parte das vivas, unidas para que no aconteca nem uma s6 morte violenta mais. Certamente existe uma diferenga entre o luto publico e a luta pela justica. Nem todas as nossas perdas sao politicas e nem todas as nossas lutas pela justiga dependem do direito e da possibilidade de chora-las. E, no entanto, 0 luto ptiblico pode se tornar um ato politico, Pensemos nas Avés da Plaza de Mayo, nas Mulheres de Negro, nas Familias de Ayotzinapa. Quem exige esse direito ao luto nao desaparecera da imprensa ou das pragas. Estéo reivindicando publicamente seu direito de chorar, estao reivindicando seu direito de chorar publicamente. E, no entanto, chorar sem evidéncia da morte nao é de todo possivel; nao é chorar sem conhecer a causa da morte. Como diz a Antigona de Séfocles, temos de poder enterrar 0 corpo para aceitar e chorar a perda. Temos de saber onde e como uma pessoa morre para emergir do escandalo da injustica e abracar a pratica reparadora do luto. Aqueles que perderam quem amam, aqueles que dizem “tenho o direito de chorar, e ainda nao choro porque preciso saber onde e como meus entes queridos morreram”, esto vinculando as demandas por justica com a propria capacidade de ter acesso ao luto. Nao haver4 luto se nado houver justica e assuncao de responsabilidades, e ser privado do direito ao luto éem si mesmo uma injustica. O luto e a reivindicagdo de justiga andam de maos dadas e precisam um da outra; retinem a dor e a raiva em um esforgo para construir um novo consenso e uma nova solidariedade contra a violéncia. Judith Butler é filésofa norte-americana e professora da Universidade de Berkeley (Califérnia). Este texto pertence ao livro Sin Miedo — Formas de hitps:forasil pats. com/babela/2020-07-tOjudith-butler-de-quer-sao-as-vidas-consideradas-choravels-em-nosso-mundo-publico.himl 075 oaosi23, 11:24 Judith Bute: “De quem so as vidas consideradas chordveis em nosso mundo piblico?"| Babelia | EL PAIS Brasil EL PAIS sss WIAD MUL ELAGUCD, “Nés, pessoas com deficiéncia, temos mais dificuldade para sair do armario. Somos tratados de maneira pior” VIRGINIA LOPEZ ENANG | MADR. Primeira trans da FAB vence batalha na Justia: “Me tirar da Aeronautica foi como me tirar de casa” JOANA OLIVEIRA | SAO PAULO ARQUIVADO EM Judith Butler - Filosofia - Transexuals - Comunidad Lgtbiq - Grupos sociais - Cultura - Sociedade Babelia - Feminismo - Mulheres - Violéncia género - Feminicfdios - Movimentos sociais - NiUna Menos Movimento #Me Too - Racismo - Desigualdade econémica - Desigualdade social - Relagdes género - Travestismo + Terrorismo Adere a [TF] The Trust Project Mais informagies > ‘Se voos estiverinteressado em licenciar este contetid, favor contatar ventacontenidos@prisamedia.com hitps:forasilelpats.com/babela/2020-07-tOjudith-butler-de-quer-sao-as-vidas-consideradas-choravels-em-nosso-mundo-publico.himl 1128 oaosi23, 11:24 Judith Bute: “De quem so as vidas consideradas chordveis em nosso mundo piblica?"| Babelia | EL PAIS Brasil EL PAIS ve 0 QI Médio no Brasil é 83. Faca este Teste de QI e descubra se o seu é mais alto. 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