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CAROLINA CHAVES FERRO

História Medieval

1ª Edição

Brasília/DF - 2018
Autores
Carolina Chaves Ferro

Produção
Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e
Editoração
Sumário
Organização do Livro Didático....................................................................................................................................... 4

Introdução...............................................................................................................................................................................6

UNIDADE I
PERÍODO MEDIEVAL, SEU CONTEXTO E SEUS PRINCIPAIS CONCEITOS

Capítulo 1
Introdução ao estudo da Idade Média....................................................................................................................8

Capítulo 2
Contexto e conceitos norteadores do período medieval............................................................................... 25

UNIDADE II
ECONOMIA, POLÍTICA, CULTURA E SOCIEDADE – DOS PRIMÓRDIOS DA IDADE MÉDIA AO
PERÍODO DE TRANSIÇÃO COM A IDADE MODERNA

Capítulo 3
Poder, economia e sociedade na Idade Média................................................................................................... 39

Capítulo 4
Cultura medieval e início da época Moderna.................................................................................................... 54

UNIDADE III
UMA OUTRA IDADE MÉDIA – IMPÉRIO BIZANTINO E IMPÉRIO ÁRABE, DUAS ESTRUTURAS
ECONÔMICAS, POLÍTICAS E CULTURAIS INDISPENSÁVEIS PARA A COMPREENSÃO DO PERÍODO

Capítulo 5
Império Bizantino........................................................................................................................................................ 71

Capítulo 6
Islã Medieval................................................................................................................................................................. 79

Referências........................................................................................................................................................................... 92
Organização do Livro Didático
Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em capítulos, de forma didática, objetiva e
coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, entre outros
recursos editoriais que visam tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também,
fontes de consulta para aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares.

A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização do Livro Didático.

Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

Cuidado

Importante para diferenciar ideias e/ou conceitos, assim como ressaltar para o
aluno noções que usualmente são objeto de dúvida ou entendimento equivocado.

Importante

Indicado para ressaltar trechos importantes do texto.

Observe a Lei

Conjunto de normas que dispõem sobre determinada matéria, ou seja, ela é origem,
a fonte primária sobre um determinado assunto.

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa
e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio.
É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus
sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas
conclusões.

4
Organização do Livro Didático

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Posicionamento do autor

Importante para diferenciar ideias e/ou conceitos, assim como ressaltar para o
aluno noções que usualmente são objeto de dúvida ou entendimento equivocado.

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Introdução
Olá! Meu nome é Carolina Chaves Ferro. Sou mestre em História pela Universidade Federal
Fluminense e doutora pela mesma instituição com estágio sandwich na Universidade Nova de
Lisboa, em Portugal.

Participei de diversos congressos nacionais e internacionais em História e tenho artigos publicados


em livros e revistas abordando a História Medieval Portuguesa, minha especialidade. Fui
coordenadora de Pesquisa da Revista de História da Biblioteca Nacional, o que acarretou meu
contato com todos os períodos históricos e me deu uma visão ampla da disciplina e de seu impacto
social. Sou professora universitária da graduação e da pós-graduação e editora da Revista do
Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro. Também tenho uma empresa de consultoria histórica
e editoração, em que produzo, junto com outras sócias, conteúdos diversos da área, em livros,
revistas, e outros meios.

Neste Livro Didático, aprenderemos um pouco mais sobre um período da história denominado
Idade Média, cuja temporalidade situa-se entre a História Antiga (ou Antiguidade) e a História
Moderna (ou Modernidade).

Os capítulos a seguir se debruçarão sobre os principais conceitos do período estudado. Nelas,


teremos a oportunidade de discutir as seguintes temáticas: a Formação do Ocidente (uma
introdução ao estudo da Idade Média), o contexto medieval, poder, economia, sociedade e
cultura, além de compreendermos melhor o Oriente próximo, notadamente o Império Bizantino
(ou Império Romano do Oriente) e o Islã, religião criada neste contexto e que chega a dominar
uma parte considerável do Ocidente.

Espero que os capítulos que vêm a seguir possam inspirá-los e instigá-los. Por isso, lembrem-
se sempre de ir além do que é dado nestes livros e nas trilhas e vídeos disponíveis on-line.
Verifiquem, com frequência, a bibliografia indicada e iniciem a veia investigadora que cada um
de vocês possui.

Bons capítulos e boas pesquisas!

Objetivos

» Conhecer os principais conceitos e contextos relacionados à Idade Média.


» Refletir sobre a formação do Ocidente, onde a Europa acaba tendo um papel protagonista.
» Compreender a estrutura e a desagregação do Feudalismo, um dos principais modos
de produção do período.
» Conhecer o Império Bizantino e o Mundo Islâmico do momento de suas formações à
suas desagragações.

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UNIDADE I
PERÍODO MEDIEVAL, SEU CONTEXTO E SEUS
PRINCIPAIS CONCEITOS
CAPÍTULO
INTRODUÇÃO AO ESTUDO
DA IDADE MÉDIA 1
Apresentação

O capítulo 1 da primeira unidade do Livro Didático da disciplina História Medieval apresenta


um estudo introdutório sobre a Idade Média.

Este estudo dará ênfase nas seguintes temáticas: as diferentes fases que constituem a Idade
Média (Primeira Idade Média, Alta Idade Média, Idade Média Central e Baixa Idade Média); a
construção do conceito de Idade Média; as diferentes fontes de pesquisa sobre o período medieval
e a pesquisa histórica em Idade Média no contexto brasileiro.

Este capítulo deve despertar em você o interesse pelo período, bem como deve demonstrar que
é possível estudar e pesquisar sobre a Idade Média no Brasil.

Objetivos

» Compreender os conceitos básicos e definições relacionados à Idade Média.

» Conhecer as diferentes fases da Idade Média: Primeira Idade Média, Alta Idade Média,
Idade Média Central e Baixa Idade Média.

» Identificar as diferentes fontes de pesquisa sobre o período medieval.

» Refletir sobre a pesquisa histórica em Idade Média no contexto brasileiro.

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Introdução ao estudo da Idade Média • CAPÍTULO 1

Sobre os marcos cronológicos da Idade Média

A história da humanidade no Ocidente foi dividida em Pré-História, História Antiga (ou


Antiguidade), História Medieval (ou Idade Média), História Moderna (ou Modernidade) e História
Contemporânea. Há, ainda, os historiadores que trabalham com a “História do Tempo Presente”,
um conceito recente, cujo enfoque da pesquisa é a sociedade de hoje e de anos bem próximos.
No entanto, é preciso ter em mente que esses marcos temporais são artificiais e servem mais para
uma organização do pensamento sobre o processo histórico. Isto significa que encontraremos
características conhecidas como próprias de uma temporalidade em outra. Este Livro Didático
de capítulos se debruçará sobre a Idade Média, seus principais conceitos e contextos.

Os marcos cronológicos mais conhecidos sobre esse período são a queda do Império Romano do
Ocidente, em 476 d.C., e a queda de Constantinopla e, consequentemente, do Império Romano
do Oriente, em 1453 d.C.. O que é mais importante saber sobre esses limites é que eles não
podem representar uma passagem simples de uma época a outra como se a cultura e a sociedade
daqueles povos tivessem mudado estruturalmente com a passagem de ano. Assim, a demarcação
mais aceitável talvez seja a do período das invasões dos povos germânicos e decadência do
Império Romano do Ocidente, que transformou um poder centralizado em descentralizado e
ruralizou a sociedade dos séculos III a V, até o período do Renascimento Italiano, dos grandes
“descobrimentos”, da transformação da concepção de “homem” e de “razão” e da Reforma
Protestante e consequente fragmentação do monopólio do “sagrado”.

Outro fator a ser destacado é que, quando falamos “Idade Média”, estamos tratando das
transformações sociais, históricas, econômicas e políticas do que conhecemos, hoje, por Europa
e de suas relações com territórios próximos, como o norte da África e a Ásia mais ao oeste. A
América, a maior parte da Ásia, a Oceania e demais territórios não fizeram parte da Idade Média,
o que não quer dizer que essas localidades não tiveram sua história nesse mesmo período. A
época medieval é a história do que denominamos de “cristandade”, ou seja, toda e qualquer
sociedade que estava sob o signo da Igreja, denominada, hoje, de Igreja Católica, ou se relacionava
diretamente com ela.

Muito recentemente, alguns estudiosos têm se dedicado a encontrar características medievais em


outras localidades distantes do centro europeu. Por exemplo, é possível encontrar características
feudais no Japão. Contudo, esses estudos ficarão de fora dessa análise, tendo em vista que, muitas
vezes, escapam ao período cronológico englobado por nosso estudo.

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CAPÍTULO 1 • Introdução ao estudo da Idade Média

Primeira Idade Média, Alta Idade Média, Idade Média


Central e Baixa Idade Média

A Alta Idade Média e a Baixa Idade Média são as divisões mais usuais nos livros didáticos e
no senso comum. No entanto, por tratar-se de um longo período com mudanças estruturais
importantes, alguns pesquisadores passaram a trabalhar, também, com a Primeira Idade Média
e a Idade Média Central . Vejamos, em termos gerais, como era cada uma dessas temporalidades.

Saiba mais

Um dos maiores medievalistas brasileiros, Hilário Franco Júnior, compreende esse período em sua multiplicidade e é adepto
dessa concepção. Hilário entende que a história é um processo e não pode ser demarcada por fatos históricos isolados, mas,
sim, por contextos estruturantes. Para mais informações, ver: Franco Júnior, Hilário. A Idade Média – nascimento do Ocidente.
São Paulo, Brasiliense, 2001. Disponível em: <http://www.letras.ufrj.br/veralima/historia_arte/Hilario-Franco-Jr-A-Idade-
Media-PDF.pdf>.

A Primeira Idade Média tem sua concentração em princípios do século IV e meados do século
VIII. Ela também é chamada “Antiguidade Tardia”, por possuir tanto elementos da Antiguidade
quanto elementos da medievalidade. Trata-se de um momento de transição. Nela, começam
a adentrar na sociedade três elementos indispensáveis para o medievo. São eles a herança
clássica romana, a herança dos povos germânicos e o cristianismo como religião que une os
dois elementos anteriores.

No século III, o Império Romano lutava duramente para se manter centralizado. Entre as tentativas
para que isso ocorresse, ele passou a aceitar os germanos no seu exército, investiu no caráter
sagrado de sua monarquia, aumentou a carga fiscal nos meios rurais, impediu que se mudasse
de posição na hierarquia social e deu alicerce para que o cristianismo se desenvolvesse. Tudo
isso, na realidade, promoveu a falha do projeto centralizador, fazendo com que a fragmentação
política se acelerasse. Essas características romanas, no entanto, ficaram presentes por toda a
Idade Média, fazendo parte dessa herança deixada pelo Império Romano.

Já os povos germânicos trouxeram a intensificação da pluralidade política, contrariando a


centralidade proposta pelo Império. Essa pluralidade levou o eixo de confluência do sul (na área
do Mar Mediterrâneo) para o norte da região europeia. Além disso, as obrigações que os povos
germânicos tinham entre chefes e guerreiros foram importantes para a formação das concepções
da sociedade feudal.

Já o cristianismo, religião oficial do Império Romano desde 380, por meio de um decreto do
Imperador Teodósio I, uniu, antes mesmo de se tornar oficial, os povos germânicos aos romanicos.
Isto se deu graças ao caráter do cristianismo primitivo, que, ao mesmo tempo, mantinha
proximidades com os germânicos, com a negação da divindade do imperador, a hierarquia social,
o militarismo e a proximidade com os romanos, no momento em que tornou sua língua oficial o

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Introdução ao estudo da Idade Média • CAPÍTULO 1

latim (a mesma do Império) e tendo um caráter universalista com a sua oficialização por parte
do Estado. É importante ter em mente, no entanto, que essas são características dos primeiros
séculos da Igreja e que elas irão mudar nos diferentes contextos medievais.

Quando essas características já estavam enraizadas, a Europa passou a uma nova fase que
denominamos Alta Idade Média e que abrange de meados do século VIII ao final do século X.
Esse período conheceu uma aparente unidade política promovida pelo Imperador Carlos Magno,
ficando conhecida como “Período Carolíngio”. Para que Carlos Magno fosse considerado Imperador
e herdeiro do Império Romano Ocidental, ele precisou do apoio da Igreja, que já se mostrava forte
e se considerava (sendo reconhecida pela população) como sendo a única e verdadeira herdeira
da unidade desse Império. Mas claro que esse apoio não veio de forma gratuita. Em contrapartida,
Carlos Magno ofereceu à Igreja um vasto território na Península Itálica, o que fez com que ela
se fortalecesse cada vez mais, tornando-se, além de primado espiritual, uma potência política
atuante em todo o território europeu. Além da doação de terras, Carlos Magno institucionalizou
o imposto do dízimo (10% de tudo que era produzido deveria ser dado a Igreja), ligando a Igreja
à economia agrária e fortalecendo-a economicamente.

O Período Carolíngio foi marcado por outros fatores importantes. Com uma certa unidade
política, foi possível um grande desenvolvimento econômico que levou a um crescimento
demográfico e à expansão territorial para locais ainda pagãos. Isto elevou enormente as áreas
de influência da Igreja. Além disso, para fortalecer a unidade e formar um clero obediente ao
cânone, letrado e capaz de evangelizar nos moldes da ortoxia cristã, foram criadas escolas nos
principais monastérios e catedrais. O desenvolvimento letrado desse período foi denominado
“Renascimento Carolíngio” e garantiu a salvaguarda de livros em diversos mosteiros, aumentou
a sua produção e permitiu o aparecimento das primeiras obras escritas em línguas vulgares
(línguas regionais como o francês, o galego-português, o castelhano etc.), diferentes do latim,
antes a única língua que era possível ser escrita.

A Alta Idade Média acaba com uma crise devido a contradições dentro do Império Carolíngio
e com uma nova onda de invasões vikings, muçulmanas e húngaras, principalmente. Isto
desfragmentou o poder e iniciou um modo-de-produção que ficou marcado como o ápice da
época medieval, o feudalismo.

Sugestão de estudo

O conceito de “modo de produção” foi cunhado por Marx como uma tentativa de explicar os diversos momentos
econômicos da História. Ainda hoje, ele é utilizado por marxistas e por liberais. Ainda que os segundos façam críticas ao
proposto, a nomenclatura é amplamente conhecida e está no vocabulário corrente de economistas e cientistas sociais.
Os modos-de-produção cronologicamente criados são: Primitivo, Asiático, Escravista, Feudal, Capitalista, Socialista
e Comunista. Para mais informações, ver: Karl Marx. Contribuição à crítica da economia política. 2. ed. São Paulo:
Expressão Popular, 2008. Disponível na íntegra em: <http://petdireito.ufsc.br/wp-content/uploads/2013/06/MARX-Karl.-
Contribui%C3%A7%C3%A3o-%C3%A0-cr%C3%ADtica-da-economia-pol%C3%ADtica.pdf>.

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CAPÍTULO 1 • Introdução ao estudo da Idade Média

Idade Média Central seria o período que compreende os séculos XI a XIII. A sociedade feudal
teria nascido por volta do ano 1000, tendo existido com suas características mais enraizadas nos
demais séculos supracitados. É considerado como um dos períodos mais ricos da Idade Média
e mais facilmente reconhecíveis para o público não especializado.

Foi nessa época que o feudalismo se desenvolveu. Houve uma grande expansão territorial
da cristandade, principalmente devido às Cruzadas, expedições militares de cunho religioso
que, sendo encabeçadas pela nobreza, conquistavam territórios, antes pertencentes a outras
religiões, para a cristandade. Consequentemente, houve um aumento de mão de obra disponível
e, assim, uma procura maior por mercadorias, o que dinamizou a economia. Além disso,
intensificou-se a produção cultural em todos os níveis, nas ciências, na literatura, no ensino,
nas artes, na filosofia etc.

Todo esse desenvolvimento ocasionou, pouco a pouco, o crescimento das cidades, muitas delas
abandonadas em períodos anteriores, e a criação de uma comunidade urbana que tinha outros
projetos e outras ideias. Essa explosão cultural e econômica era contrária aos pressupostos do
feudalismo (agrário, estratificado socialmente, fragmentado politicamente e dominado pela
Igreja). Assim, há a lenta e gradual passagem da sociedade feudo-clerical para a sociedade feudo-
burguesa, em que a burguesia ia garantindo, cada vez mais, seu espaço e sua autonomia. Foi o
período de surgimento das universidades, de desenvolvimento da literatura, da filosofia baseada
na razão (ainda que uma razão ligada à fé, nesse primeiro momento) e ocasião de reafirmação
das monarquias regionais.

A última subdivisão ficou conhecida como Baixa Idade Média e compreende intensas transformações
no seio da sociedade europeia. De meados do século XIV a meados do século XVI, a Europa
conheceu a era dos descobrimentos (América, África e Ásia, continuadora das viagens italianas
e dos normandos), o Renascimento (movimento cultural, filosófico e artístico que modifica
produndamente a concepção de homem e de razão), a Reforma Protestante (que correspondeu
à vitória das heresias frente a um cristianismo único promovido pela Igreja) e a centralização
das monarquias (antes o rei tinha um poder mais simbólico do que real).

As transformações foram tão intensas que podemos chamar essa subdivisão de um período
de transição entre a época medieval e a época Moderna. Assim como as características da
modernidade aparecerão pouco a pouco nesse período, o início da época Moderna conhecerá a
manutenção de vários aspectos do medievo, como, por exemplo, a hierarquia social e a divisão
em três ordens: clero, nobreza e povo. Por isso, a divisão em períodos históricos é tão tênue e
não há consenso entre os históriadores sobre marcos absolutos.

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Introdução ao estudo da Idade Média • CAPÍTULO 1

Para uma longa Idade Média

Um dos maiores medievalistas de todos os tempos, Jacques Le Goff, levantou a ideia de que a
Idade Média não teria acabado no século XV, mas sua cultura e suas estruturas mentais teriam
permanecido no inconsciente da população até, pelo menos, a Revolução Francesa, em 1789.
Essa ideia é inspirada em dois conceitos históricos importantes, o de “História das Mentalidades”
e o de “Longa Duração”.

A “História das Mentalidades” foi um conceito criado por Le Goff no manifesto da terceira geração
dos Annales. Nele, o autor aponta três noções básicas. A primeira delas diz respeito à intensa
abrangência social. Seria um campo de estudo em que se excluiriam as diferenças econômicas
que hierarquizam uma dada sociedade. Assim, a “História das Mentalidades” seria comum ao
homem do campo, ao clérigo e aos nobres, por exemplo. A segunda é que as mentalidades se
situariam no campo do “irracional e extravagante”, com a noção de “inconsciente coletivo”, aquilo
que o homem não tem consciência de sua existência, mas que só existe por meio dele, tendo em
comum com os demais homens de seu tempo. A terceira característica é a longa duração, termo
tomado emprestado da segunda geração dos Annales.

Saiba mais

Para mais informações sobre o manifesto da terceira geração, veja o original de Jacques Le Goff e Pierre Nora. História:
Novos problemas, novas abordagens, novos objetos. Rio de Janeiro: Editora Francisco Alves, 1976. Para informações sobre
a escola dos Annales desde sua fundação, ver: Peter Burke. A Escola dos Annales – 1929-1989. São Paulo: Editora da UNESP,
2003. Sobre a História das mentalidades, ver: Ronaldo Vainfas. “História das mentalidades e História Cultural”. In: VAINFAS,
RONALDO e CARDOSO, CIRO FLAMARION (Orgs.). Domínios da História. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1997.

A “Longa Duração” foi um termo cunhado e consagrado por Fernand Braudel, o expoente máximo
da segunda geração dos Annales. Em sua tese sobre o Mediterrâneo, no tempo de Filipe II, o
autor demonstra o seu entendimento sobre a questão do “tempo” tão rica para o historiador,
apontando três variedades: a longa duração (uma história quase sem tempo, da relação entre o
homem e o ambiente geográfico), a média duração (a história das conjunturas e suas mudanças
em âmbitos econômicos, sociais e políticos) e a curta duração (o tempo do fato histórico e dos
acontecimentos). Apesar de a Nova História de Le Goff procurar ultrapassar a geração braudeliana
no que diz respeito à uma visão totalizante e socioeconômica da história, a “Longa Duração” foi
utilizada para demonstrar que alguns aspectos psicológicos, mentais e culturais pertenceriam
a um período longo, demorando para se modificar.

É o que Le Goff procura argumentar sobre a Longa Idade Média. Segundo o autor, há permanências
culturais e mentais típicas do medievo no período hoje conhecido por Idade Moderna. Para Le Goff,
o Renascimento do século XVI, por exemplo, foi mais um dos renascimentos que a Idade Média
passou, a exemplo do carolíngio (já citado). Assim, em sua concepção, para que a Idade Média

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CAPÍTULO 1 • Introdução ao estudo da Idade Média

chegasse ao fim, seria preciso esperar até o final do século XVIII, com as mudanças estruturais
promovidas pela Revolução Industrial inglesa (no âmbito econômico) e a Revolução Francesa
(no âmbito político, social e mental). O autor afirma, ainda, que, como a História sempre carrega
uma certa continuidade, haveria estruturais mentais medievais ainda ao longo do século XIX.
Para Le Goff, então, a Idade Média começaria no século VI e terminaria no XVIII.

No entanto, a proposta metodológica de Le Goff foi considerada bem radical por uma parte
considerável dos historiadores. O conceito de história das mentalidades passou a ser pouco
utilizado, pois foi, e ainda é, muito criticado pelos pesquisadores preocupados com a metodologia
de pesquisa e com a sua parte teórica. A principal crítica se dá pelo fato de que esse conceito
poderia exprimir a existência de uma coerência estável de sentimentos e ideias numa sociedade,
quando, na verdade, o que ocorre é uma pluralidade de sistemas mentais e culturais (de tempos
distintos) que coexistem dentro de indivíduos que pertencem a uma mesma comunidade em um
dado momento. Por essa razão, o conceito de “história cultural” tomou o espaço das mentalidades
rapidamente, reafirmando a multiplicidade do que é próprio do homem, a sua cultura. Assim, as
mudanças culturais da época medieval para a época Moderna foram tão intensas que, se é possível
verificar algumas permanências de estruturas medievais a partir do século XVI, também é possível
verificar mudanças importantes no modo de conceber o mundo do homem da modernidade,
constituindo, para a grande maioria dos pesquisadores, como uma nova era histórica.

Nome “Idade Média”

Como aponta Hilário Franco Júnior, se tivéssemos a chance de conversar com um homem
medieval, este não compreenderia que viveria a “Idade Média”. Foi nas cartas e nos poemas de
Francesco Petrarca (1304-1375) sobre Roma que surgiu a oposição entre um passado “obscuro,
retrógrado e bárbaro” e um futuro próspero com o “retorno” da Antiguidade clássica. Pouco depois,
no século XVI, o contexto desse autor levou o nome de Renascimento, e o período anterior a ele
foi chamado de Idade Média, um termo que simplificou mil anos de história em um período
intermediário entre a Antiguidade e a época Moderna.

Os escritos de Petrarca levavam o termo


Atenção
“tenebrae” e logo criou-se o mito de que
a “Idade Média” era a idade das “trevas”, A arte gótica, ao contrário, tem, em suas principais
do obscurantismo, da ausência de razão características, a presença da luz. As catedrais góticas, por
exemplo, foram construídas para que a luz solar estivesse
e do desprezo pelas ciências. Já o termo
presente e mexesse com os sentidos do homem medieval,
“Renascimento” ficou consagrado por Giorgio para que ele sentisse a presença de Deus em seu tempo
Vasari, no século XVI, ao escrever uma obra sagrado. Exemplos disso são as janelas, coberturas e

biográfica dos grandes artistas de seu tempo. abóbodas, em que é possível verificar a existência de vitrais
multicoloridos. Veremos como é seu funcionamento e suas
Além disso, a arte medieval ficou conhecida
características em nossa segunda unidade.
como “gótica”, o que também tem o significado

14
Introdução ao estudo da Idade Média • CAPÍTULO 1

pejorativo de escuridão. Nos próximos capítulos, veremos que foi o período medieval que garantiu
a permanência dos filósofos da Antiguidade e desenvolveu técnicas indispensáveis para a ciência
moderna.

Mas, retornando ao conceito de Idade Média, a produção de letrados do século XVII ajudou a
perpetuar o termo. Um exemplo disso foi o manual escolar de Christoph Keller (germânico),
publicado em 1688, cujo título era “Historia Medii Aevi a temporibus Constantini Magni ad
Constantinopolim a Turcis captam deducta”. O autor escreveu essa obra após dois outros tratados,
um sobre os tempos “antigos” e outro sobre os tempos “modernos”, compactuando para que o
período ficasse conhecido como sendo “intermediário”.

No século XVIII, alguns filósofos iluministas, principalmente, criticaram a Idade Média, pois
a consideravam como sendo um período de domínio da nobreza e do clero. Para o Marquês
de Condorcet (1743-1795), por exemplo, a humanidade estava fadada ao progresso, menos no
período dominado pelo cristianismo, ou seja, a Idade Média, que o autor considerava como
sendo o retrocesso da humanidade.

No romantismo do século XIX, houve uma


Sugestão de estudo
inversão da ideia sobre a Idade Média, mas,
agora, de um oposto ao outro. O contexto Lembro que o Iluminismo não foi um movimento coeso
da Revolução Francesa e do período e os pensadores divergiam bastante uns dos outros. Para
mais informações sobre este período, acesse: <http://www.
napoleônico trouxe para cada país europeu
revistadehistoria.com.br/revista/edicao/104>.
um sentimento de nacionalidade jamais
visto. Foi a era do sentimento de pertença a
um país com sua própria cultura, sua própria sociedade e seu próprio poder. Essa visão romanceou
a Idade Média como sendo o período de nascimento das nacionalidades (os Estados estavam
sendo criados) e, ao mesmo tempo, criticava as visões “iluministas” que teriam influenciado as
guerras e revoluções pelas quais a Europa passava. Entre os agora “defensores” da Idade Média,
no século XIX, estavam os escritores Victor Hugo (O corcunda de Notre Dame), Goethe (Fausto), o
músico Wagner (Tristão e Isolda e Parsifal), entre outros. Os historiadores também contribuíram
para essa nova “visão”. Os exemplos mais célebres foram Thomas Carlyle que, em 1841, afirmou
que o melhor que a Europa tinha produzido até então era a sociedade feudal e Jules Michelet
que dedicou seis volumes de sua obra sobre a história da França para a Idade Média.

Foi somente no século XX que os historiadores começaram a compreender a Idade Média por ela
mesma, em seu contexto e não a comparando com outros tempos. Muitos dos grandes teóricos
franceses das gerações dos Annales foram medievalistas, como Marc Bloch, Lucien Febvre, Georges
Duby e Jacques Le Goff. Eles revolucionaram os estudos históricos, trazendo novos temas, novos
métodos, novos conceitos e o diálogo com outras ciências humanas e sociais. De qualquer forma,
como lembra Hilário Franco Júnior, toda produção histórica é fruto de seu tempo. Ou seja, o
historiador sempre analisa um determinado período segundo as angústias, os problemas e as

15
CAPÍTULO 1 • Introdução ao estudo da Idade Média

questões de seu presente. Assim, existiram, existem e existirão inúmeras “Idades Médias”, pois
cada indivíduo problematizará de uma dada maneira.

Ainda assim, os significados pejorativos, para um lado e para o outro, da Idade Média se
mantiveram até o século XXI e, ainda hoje, fazem parte do senso comum de muitas pessoas. Cabe
aos historiadores e professores acabar com essa visão em definitivo. Por outro lado, é difícil utilizar
termos diferentes para designar o período e sua arte, tendo em vista que eles já são consagrados
pela historiografia. Mas, com certeza, é fácil ressignificá-los. Para Le Goff:

(...) a Idade Média não é o período dourado que certos românticos quiseram
imaginar, mas também não é, apesar das fraquezas e dos aspectos dos quais
não gostamos, uma época obscurantista e triste, imagem que os humanistas e
os iluministas queriam propagar. É preciso considerá-la no seu conjunto.
(JACQUES LE GOFF, 2007, p. 18)

Fontes para se estudar o período medieval

Se comparada com a época contemporânea, em que há uma variedade inimaginável de


documentos disponíveis, devido à diversidade de suportes existentes atualmente, a Idade Média
perde essa disputa. Durante seus mil anos de história, um pequeno número de personagens deixou
marcas, em sua maioria, letrados e grandes artesãos que faziam parte de uma elite de nobres e,
principalmente, clérigos. Ainda assim, é possível estudar esse período tão rico utilizando diversas
fontes, mesmo que não tão numerosas. É necessário lembrar que a grande maioria das fontes
medievais é do período baixo e central, quando o número de letrados, artesãos e artistas cresceu
consideravelmente. Foram, basicamente, esses personagens que nos deixaram documentos para
estudar o período. Vejamos os principais tipos de fontes que podem ser utilizados.

Documentos normativos: são documentos escritos em que há um conjunto de regras ou preceitos


a serem seguidos por uma comunidade. No caso do período em questão, eles podem ser da
cristandade, de um reino, de um monastério, de uma cidade, de um cabido, de uma igreja, de
uma irmandade, de uma corporação de ofício etc.

Essas fontes são o que denominamos de documentos oficiais, pois foram feitos por alguma
autoridade competente e reconhecidos numa determinada época. Assim, o pontífice pode
produzir documentos normativos para toda a cristandade; o rei pode produzir as leis de um
reino; um monge renomado pode criar as regras de seu monastério e assim sucessivamente até
as instituições mais simples, como a oficina de um artesão podia ter seu conjunto de regras.
Esse material é rico, especialmente para a História do Direito, mas não só, pois traz interessantes
questões sobre a cultura, a sociedade e o poder.

16
Introdução ao estudo da Idade Média • CAPÍTULO 1

Cartas: principalmente após o estabelecimento das escolas monásticas, no período carolíngio, e


devido às grandes distâncias que a ausência de tecnologia impetrava em períodos mais remotos,
as correspondências foram amplamente utilizadas entre senhores, clérigos, familiares etc. As
epístolas trazem todo o tipo de informações, mas são muito utilizadas no estudo de um personagem
histórico (normalmente, aquele que as recebe ou que envia). A troca de cartas entre instituições
e entre estas e os personagens também tem sido analisada pelos pesquisadores e contam muito
do cotidiano dos envolvidos. Algumas delas podiam, inclusive, conter um documento normativo.
Uma carta régia, por exemplo, tinha poder de lei, desde que tivesse as insígnias e a assinatura
do monarca. Devido aos problemas de envio (tais como naufrágio do navio, perigo nas estradas
etc.), muitas vezes, optava-se por enviar mais de uma cópia de uma mesma correspondência,
quando possível por meio de meios distintos. Por essa razão, muitas cartas chegaram até nós.
Eram a forma de comunicação mais rápida e eficaz e uma importante fonte histórica.

Livros: entendemos por livros todo e qualquer códice com conteúdo variado. Um códice é um
agrupamento de folhas costuradas, podendo ser encadernadas ou não. O material mais utilizado
durante a Idade Média foi o pergaminho, uma folha feita de pele de animal curtida, normalmente
de carneiro. A técnica do papel feito de celulose não era amplamente conhecida. Quando esse
material era utilizado, precisava ser importado, o que encarecia a produção do livro. Foi somente
com o advento da imprensa europeia (século XV) que o papel de celulose começou a ser incluído
com maior propriedade na fabricação de livros.

Os livros medievais podem ser de diversos tipos. Livros de negócios, livros litúrgicos, filosóficos,
de ciências, crônicas historiográficas, livros de poesia, de literatura (sobretudo cavaleiresca), de
música e, ainda, obras normativas como as citadas no primeiro item dos documentos.

Os livros de negócios são, sobretudo, aqueles feitos pelos mercadores, pelos mestres artesãos
e comerciantes. São obras que priorizavam a produção de um bem, sua negociação, obras de
contabilidade (quando falamos de grandes comerciantes) etc. São importantes para conhecermos
sobre a economia, os modos de produção, os pesos e medidas, entre outros aspectos.

As obras de cunho litúrgico foram, sem dúvida, algumas das mais ricamente produzidas, além de
em maior número se comparadas a outras. São elas saltérios, epistolários, evangeliários, breviários,
livros de horas, livros do ofício divino, missários, hagiografias (histórias da vida de santos) etc.
A grande maioria servia para auxiliar os clérigos em suas práticas, como realizar as missas, as
festividades religiosas, as práticas monacais. No entanto, conforme a nobreza, principalmente,
mas, também, uma burguesia enriquecida, tornava-se letrada, algumas obras como o “Livro
de Horas” (cujo objetivo era a devoção pessoal) foram amplamente encomendados por esses
personagens a oficinas especializadas, notadamente em Flandres. Além de observar os rituais
da Igreja, muitos desses livros eram verdadeiras obras de arte, cobertos com iluminuras (figuras
pintadas com materiais nobres, inclusive folhas de ouro e pedras preciosas). Assim, elas podem
ser estudadas tanto em seu conteúdo escrito quanto seu conteúdo artístico.

17
CAPÍTULO 1 • Introdução ao estudo da Idade Média

Figura 1. Livro de Horas do Duque de Berry, século XV, “A Ascensão de Jesus”, Fólio 184v.

Fonte: <http://www.chateaudechantilly.com/domaine-de-chantilly/biblioth%C3%A8que-et-archives-ch%C3%A2teau/
chefs-doeuvre/tr%C3%A8s-riches-heures-du-duc-de-ber>.

Saiba mais

O “Livro de Horas”, do Duque de Berry, é conhecido como um dos manuscritos mais ricos da Baixa Idade Média. A obra
demorou mais de 80 anos para ser feita e esteve sob os cuidados de vários mestres da fabricação de manuscritos, Barthélemy
van Eyck, Jean Colombe e os irmãos Limbourg, que trabalharam na França e na Borgonha, mas que vinham de regiões
flamencas, conhecidas pela tradição de produção de manuscritos enriquecidos. O fólio em questão é o 184v e diz respeito
à ascensão de Jesus. Nele, é possível ver a letra capitular “V”, a escrita gótica e a riqueza das iluminuras. Atualmente, a obra
encontra-se no Museu de Chantilly, na França, e seu valor é incalculável.

Sobre os livros filosóficos, eles foram escritos, sobretudo, pelos clérigos cristãos. Há inúmeros
“doutores da Igreja”, como foram denominados, mas os dois maiores representantes dessas
obras foram, sem dúvida, Santo Agostinho (no início da Idade Média) e São Thomas de Aquino
(já no momento da escolástica, em que a fé passa a necessitar de uma “racionalidade”). Além
deles, há os filósofos muçulmanos, como Avicena e Averrões, que influenciaram, inclusive, o
mundo cristão. As obras de filosofia antiga mantinham-se guardadas dentro dos mosteiros e
foram copiadas, traduzidas e algumas transformadas. Essas mudanças nos originais são bastante
estudadas pelos filósofos e historiadores dos livros. Um exemplo disso foram as descobertas de
“falsas” obras atribuidas a filósofos como Aristóteles, Santo Ambrósio, Agostinho etc. Ainda não
foi possível encontrar a autoria de alguns desses exemplares, ficando eles sendo chamados de
“pseudo-Aristóteles”, “pseudo-Ambrósio” etc., tendo em vista a importância que uma atribuição
dada no período tinha para quem lia e estudava as obras desses personagens. Também é possível
estudar a história das ideias na Idade Média, suas concepções de mundo, do homem, da razão,
de uma divindade, entre outras questões.

Em meio as obras de cunho científico e tecnico, destacam-se as de astrologia, geografia, arte


da guerra, física (que era mais próximo do que denominamos hoje de medicina), engenharia,

18
Introdução ao estudo da Idade Média • CAPÍTULO 1

navegação, geometria e botânica. Eram obras que se aproximavam do conceito de ciência da


época, muito distinto do que conhecemos hoje (pelo método científico). A ciência era explicada
por meio de uma “filosofia natural”, principalmente após a escolástica, quando o homem medieval
começou a dar atenção à observação aliada à razão. Da metade para o final da Idade Média, vimos
um avanço científico imenso que permitiu a melhoria na produção do campo, na produção de
bens duráveis e que acelerou a expansão marítima, culminando no contato com terras antes
desconhecidas dos europeus. São obras importantes tanto para a história das ciências quanto
para agregar valor às obras citadas anteriormente na discussão filosófica.

Mas o período medieval não viveu apenas de filosofia, ciências e leis. Essa época foi muito rica
artisticamente. Encontramos diversas obras de poesia, literatura, relatos de viagens e música,
por exemplo. Entre as obras de poesia, destacam-se os poemas trovadorescos, mas não somente.
Lembremos, por exemplo, do período do “trecento” (século XIV) italiano e a obra “Comédia”, de
Dante Alighieri, que foi escrita em versos, além de um dos maiores autores italianos do período,
o poeta Francesco Petrarca. Sobre as obras de literatura, temos o famoso “Tristão e Isolda”, as
história do Rei Arthur e dos cavaleiros da távola redonda, os lais bretões (contos cavaleirescos
curtos) e, durante o início do Renascimento, obras como “O Decamerão”, de Giovanni Boccacio,
foram um grande sucesso entre a burguesia e a nobreza letradas. Os relatos de viagem ficaram
mais conhecidos no final do medievo, mas pelo seu caráter fantástico, foram muito apreciados.
O exemplo máximo é “A Viagem de Marco Polo”, obra traduzida para quase todas as línguas
vulgares. Já as obras musicais eram produzidas, principalmente, para a Igreja, com o objetivo de
serem utilizadas em seus ritos, mas não somente. Quase todas as festividades medievais tinham
música. Essas obras são muito importantes, pois as notações musicais eram diferentes das
mundialmente utilizadas hoje. Além disso, as cantigas e suas letras também dizem muito sobre
a cultura do período. Uma das obras mais conhecidas foi, por exemplo, as “Cantigas de Santa
Maria”, cuja autoria intelectual foi atribuida ao rei D. Afonso X (1252-1284) de Castela e Leão, mas
também são conhecidas outras, como as cantigas de amor e de escárnio, muito difundidas entre
o população. Muitas dessas músicas faziam parte da cultura popular e foram só posteriormente
colocadas em papel, para que elas não se perdessem.

Figura 2. Partitura manuscrita de Canto Gregoriano do século XV.

Fonte: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Disponível em: <https://bndigital.bn.br/acervodigital/>.

19
CAPÍTULO 1 • Introdução ao estudo da Idade Média

É importante destacar que era muito mais difícil para o homem medieval escrever em prosa,
pois não havia regras gramaticais e ortográficas que temos hoje. Assim, era mais comum que
os livros não possuíssem ponto-final, vírgulas, nem mesmo separação das palavras, o que
dificulta enormemente a leitura dos códices para o homem do nosso tempo. Para trabalhar
com as obras desse período, é preciso que o pesquisador tenha boas noções de paleografia, de
latim e/ou de línguas arcaicas. Por outro lado, a sorte dos pesquisadores é que cada vez mais há
publicação dessas obras em livros impressos com as devidas pontuações e com adição de regras
da “diplomática” (adição de letras que não existiam, por exemplo), o que auxilia no aumento de
historiadores interessados pelo período. Além disso, muitas instituições estrangeiras, como a
Biblioteca Nacional da França, de Portugal, da Espanha, já disponibilizam bastante documentação
online, em especial os livros medievais.

Arqueologia: desde o manifesto da terceira geração dos Annales que a arqueologia passou a
ser uma ciência amiga da História. Afinal, uma não pode viver sem a outra. Principalmente em
sociedades que não conheciam a escrita, de maioria iletrada, a arqueologia é essencial para
compreendermos determinados processos. Por exemplo, por meio da arqueologia, é possível
analisar os instrumentos utilizados por um servo em seu trabalho no campo ou por um artesão
em sua oficina. Também é possível compreender os hábitos e as práticas alimentares de uma
determinada região, conhecer a história de uma cidade, sobre as maneiras de se produzir no
campo, sobre os hábitos culturais de um povo etc. A arqueologia é especialmente interessante
para períodos mais remotos da Idade Média, em que não havia tanta documentação escrita
como em épocas mais próximas da Antiguidade.

Iconografia: a Idade Média produziu um grande arsenal de imagens que eram verdadeiros
símbolos do período, tanto estéticos quanto propagadores de ideologias (como o exemplo da
Igreja). Elas podiam ser pinturas (em paredes, em livros, em madeira etc.) e esculturas e eram as
grandes portadoras de mensagens, tendo em vista uma maioria da população iletrada. Vejamos
como eram cada uma delas.

A pintura e a escultura medieval incluem três períodos “artísticos” distintos: o românico, o gótico
e o renascentista – isto sem contarmos com a arte bizantina e muçulmana. O românico, como o
próprio nome já diz, possui características próximas à Antiguidade. Ele pode ser encontrado em
figuras e esculturas de grandes dimensões, como as de uma igreja, e em menores, como as que
ornavam os livros, chamadas “iluminuras”. As pinturas maiores eram encontradas, basicamente,
em três formatos: os afrescos (grandes pinturas, geralmente, feitas em paredes, tetos, cuja base
principal era o gesso ou argamassa), os retábulos (construções de madeira ou mármore que
possuiam pinturas e se concentravam, normalmente, nos altares das capelas) e em mosaicos
(conjunto de pequenas peças, normalmente, pedras, que formam um desenho). Já as menores,
as iluminuras, eram desenhadas e pintadas em pergaminho e utilizavam materiais nobres,
como ouro, tintas específicas e outras químicas para que durassem no seu suporte. As esculturas
também estão inseridas dentro de objetos e arquitetura do período.

20
Introdução ao estudo da Idade Média • CAPÍTULO 1

O período gótico é um dos mais facilmente reconhecidos como sendo próprio da época medieval.
Ele surge como uma resposta à austeridade do românico anterior. Em relação à pintura, há pouca
modificação nos traços, apresentando, apenas, uma maior presença de emoções representadas.
Já sobre as esculturas, elas apareciam, principalmente, junto à arquitetura, e sua representação
máxima está atrelada às grandes categrais góticas, caso da Notre Dame, em Paris. Entre suas
principais premissas, está a presença da luz (ou sua ausência), o verticalismo, a utilização de
arcos, vitrais multicoloridos, esculturas de seres fantásticos (como as gárgulas). O estilo durou
do século XII ao XVI, quando foi substituido pelos novos traços do Renascimento.

Figura 3: Catedral de Notre Dame (Nossa Senhora), em Paris – França.

Fonte: Arquivo pessoal.

O Renascimento (ou Humanismo) foi um dos movimentos culturais e artísticos mais importantes da
história da humanidade. Seus adeptos se inspiraram na Antiguidade Clássica para colocar a imagem
do homem no centro de suas preocupações. A estética renascentista se opõe profundamente à
arte anterior. Sua preocupação com as formas perfeitas, mais próximas ao real, a visão do corpo
humano com toda sua estrutura anatômica aparente, o aspecto tridimencional das paisagens
pintadas, foram algumas dessas características.

As pinturas e esculturas, em sua grande maioria, tinham ligação com a Igreja ou com grandes
nobres. Assim, elas estão imbuídas de conceitos e ideias que essa instituição e esses personagens
queriam propagar. O historiador que trabalhar com esse tipo de fonte primária precisa ter um
bom conhecimento sobre estética e artes, além de trabalhar com uma metodologia específica.

A arquitetura medieval também pode ser estudada para compreender o período. Ela passou pelos
mesmos períodos artísticos supracitados em relação às pinturas e às esculturas. No entanto, ela
também pode ser analisada em seus aspectos menos complexos, como os resquícios de uma
aldeia medieval, as muralhas de uma cidade fortificada, as mudanças na área ocupada por uma
igreja, a construção de estradas ou a sua desocupação, as técnicas utilizadas pelos arquitetos

21
CAPÍTULO 1 • Introdução ao estudo da Idade Média

do período etc. A análise dessas alterações, dos materiais utilizados, dos tipos de construções
(principalmente num estudo comparativo), podem dar grandes indícios sobre as mudanças do
homem, sobre a geografia de um local, o avanço técnico, a história urbana, entre outros aspectos.

Como vimos, existem inúmeras possibilidades de fontes primárias para o estudo do medievo.
Claro que essas possibilidades necessitam de metodologias específicas e de conhecimentos
diversos, mas nenhum deles é inalcansável ou impossível de ser realizado. Se você se interessa
pelo período, o desafio é enorme, mas o retorno é igualmente satisfatório. É possível, sim, estudar
Idade Média no Brasil. Veremos, adiante, como é o campo historiográfico em nosso país.

Pesquisa histórica em Idade Média: caso do Brasil

Durante muito tempo, a produção da historiografia medieval ficou concentrada na França,


expoente máximo de muitos conceitos do período como o feudalismo. Desde o princípio da
geração dos Annales, os medievalistas franceses (Marc Bloch, Lucien Febvre, Georges Duby,
Jacques Le Goff etc.) foram alguns dos que mais se preocuparam com o método e com a teoria
do “fazer histórico”, o que os transformou em verdadeiras referências para quem queria estudar
o período. Eles ainda são bastante influentes e responsáveis pelas obras de historiografia mais
abrangentes sobre a sociedade feudal, sobre as cidades medievais, os reinos, os personagens
históricos, o homem medieval, a Igreja e as ordens monásticas, tornando-se leitura obrigatória
para qualquer um que queira se aprofundar no medievo. A diferença é que, hoje, a historiografia
do período medieval está bastante desenvolvida em outros locais da Europa, como Alemanha,
Inglaterra, Espanha, Portugal, Itália, Holanda, mas também em países que não conheceram
grande parte desse período, como o caso do México, dos Estados Unidos e do Brasil.

Em nosso País, o interesse sobre a Idade Média começou com a presença de historiadores franceses,
italianos, portugueses e alemães nos quadros da Universidade de São Paulo. Os nomes de Fernand
Braudel, Émile Coornaert e Émile Leonard são grandes exemplos. Esses pesquisadores deixaram
discípulos, responsáveis pela perpetuação do interesse sobre o medievo em solo brasileiro.

A primeira tese defendida no Brasil sobre o período foi de Eurípedes Simões de Paula, um
dos discípulos de Braudel, na USP. Segundo afirma José Rivair Macedo (2006, pp. 0-9), esse
departamento foi o único capaz de lecionar com seriedade a história medieval até a década de
1980. Os professores que lecionaram na universidade, nesse período, foram os responsáveis
por formar o primeiro grupo de docentes de outras instituições capazes de passar adiante seus
ensinamentos. Entre os nomes dessa época, podemos citar os professores Hilário Franco Júnior,
Carlos Roberto Figueiredo Nogueira, Tereza Aline Pereira de Queiroz, e outros que, ainda hoje,
atuam como pesquisadores.

22
Introdução ao estudo da Idade Média • CAPÍTULO 1

Assim, na década seguinte (1990), juntamente com o crescimento das pós-graduações no Brasil,
outros centros de excelência começaram a formar historiadores especialistas em Idade Média,
como a Universidade Federal Fluminense, sob orientação da professora Vânia Leite Fróes, e a
Universidade Federal do Rio de Janeiro, sob orientação de Maria Sonsoles Guerras. Com isso, a
próxima década (2000) ampliou o alcance da história medieval para as Universidades Federais
do Rio Grande do Sul, Paraná, Goiás, Minas Gerais e Espírito Santo. Nessa última, há, inclusive,
um trabalho de tradução e disponibilização de documentos medievais publicados em papel e
online, sob a supervisão do professor Ricardo da Costa. As demais universidades, hoje, formam
ou se encontram ligadas a grupos de pesquisa importantes, como o caso do Scriptorium da
UFF, o Programa de Estudos Medievais (PEM) da UFRJ e o grupo da Universidade de Brasília em
parceria com a Universidade de Goiás.

Com a ajuda da Internet, também houve um aumento


Sugestão de estudo
de revistas de publicação sobre Idade Média no Brasil
e no exterior, o que ajudou a dinamizar o contato entre Para ver o portal e realizar pesquisas em
pesquisadores do mundo inteiro. Um dos maiores portais várias línguas, inclusive em português,
acesse: <http://www.persee.fr/>.
desses artigos acadêmicos é o Persée, em que é possível
visualizar artigos antigos e novas publicações.

Sobre as escolhas temporais e temáticas dos brasileiros, a grande maioria opta por estudar Portugal
no medievo, seja pela proximidade com a língua, seja com a cultura, e, normalmente, escolhem
a Idade Média Central ou a Baixa Idade Média (escolha, também, dessa autora). A Baixa Idade
Média, inclusive, é a temporalidade mais escolhida, independente do tema e do local. Isso se
deve, principalmente, ao fato de essa época ter produzido o maior número de documentação
disponível. Além disso, nesse período, há farta documentação em língua vulgar (línguas regionais
como o francês, o castelhano, o português etc.), o que possibilita um maior acesso às fontes
para quem desconhece ou conhece pouco do latim, a língua oficial da Igreja. Sobre as demais
localidades estudadas, destacam-se a região da atual Espanha, em particular o reino de Castela,
a Itália e a França. Em menores quantidades, temos estudos sobre a Alemanha e a Inglaterra e,
só muito recentemente, apareceram os primeiros estudos sobre os países escandinavos.

Por último, há, ainda, o estudo das permanências de estruturas medievais em solos brasileiros.
Um pouco sob influência da “Longa Idade Média” de Jacques Le Goff, historiadores procuram
características culturais que teriam permanecido em solo tupiniquim. Alguns dos maiores
exemplos estão no Nordeste brasileiro, como a literatura de cordel, as festas pagãs (juninas),
as práticas mágicas (realizadas por personagens do Brasil colonial, depois perseguidas pela
Inquisição Moderna) etc.

Como foi possível verificar nas linhas acima, o número de produção historiográfica sobre Idade
Média feita no Brasil aumentou consideravelmente nos últimos anos, mas ainda não é um campo
saturado. Há várias obras medievais, por exemplo, que ainda não possuem estudo. Além disso,

23
CAPÍTULO 1 • Introdução ao estudo da Idade Média

um pesquisador sempre terá uma questão, um objetivo, uma hipótese diferente do outro sobre
um mesmo tema. É isto que torna a pesquisa histórica uma fonte inesgotável de produção e o
período medieval uma das épocas mais interessantes para se compreender a formação da cultura
e da história do Ocidente.

Sintetizando

Vimos até agora: conceitos básicos e definições relacionados à Idade Média; as diferentes fases da Idade Média (Primeira
Idade Média, Alta Idade Média, Idade Média Central e Baixa Idade Média); as diferentes fontes de pesquisa sobre o período
medieval e a pesquisa histórica em Idade Média no contexto brasileiro. Você conseguiu verificar que, apesar de difícil, é
totalmente possível estudar esse período histórico no Brasil. Basta ter garra, vontade e perseverança.

24
CAPÍTULO
CONTEXTO E CONCEITOS
NORTEADORES DO
PERÍODO MEDIEVAL 2
Apresentação

Como foi visto no primeiro capítulo desta unidade, a Idade Média inicia-se num processo
em que o Império Romano do Ocidente decai econômica, militar e politicamente e os povos
germânicos conquistam seus territórios e modificam estruturalmente a sociedade dos primeiros
cinco séculos depois de Cristo. A região que conhecemos, hoje, por Europa passa a concentrar
sua população no campo, bem como a sua produção e economia. Os poderes locais e a Igreja
cristã vão ganhando força e a herança greco-romana passa a se encontrar mais no campo das
ideias e de presença na cultura.

O segundo capítulo da primeira unidade deste Livro Didático se concentrará no longo processo
histórico que vai da passagem da Antiguidade para a Idade Média até o fim do Império Carolíngio.
Como são muitos anos, alguns contextos históricos e especificidades de cada região ficarão de
fora da análise. Por isso, não se esqueça de ver a bibliografia ao final desta etapa, para aprofundar
sua percepção sobre o rico período medieval.

Objetivos

» Refletir sobre as crises e a queda do Império Romano e as consequências oriundas


desses fatos.

» Conhecer a estruturação e organização da época merovíngia e do Império Carolíngio e


compreender o papel da Igreja nesse contexto.

» Identificar práticas culturais do período, como o Renascimento Carolíngio, que propiciou


um novo contexto educacional e letrado na Europa Ocidental.

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CAPÍTULO 2 • Contexto e conceitos norteadores do período medieval

Crise do Império Romano do Ocidente

A queda do Império Romano do Ocidente é o marco histórico do fim de uma era, a Antiguidade.
No entanto, ainda hoje, os pesquisadores do período não estão convencidos se o Império Romano
caiu por razões internas ou externas. Há, ainda, os que pensam que a queda ocorreu por uma
confluência das duas. Vejamos a sua conjuntura de crise.

Para que um Império do tamanho do Romano ruísse, era necessário que ele tivesse um período
de auge e este ocorreu entre os séculos I e II d.C.. Foi a sua época de maior extensão territorial e,
consequentemente, de mais preocupações com suas fronteiras, em organizar um exército capaz
de defender e cobrir todo o território e de maior arrecadação de impostos, devido à taxação de
novas terras.

Figura 4. Império Romano no seu auge, no século II, durante o reinado do Imperador Trajano.

Fonte: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Roman_Empire_Map.png>.

“Quanto maior o tamanho, maior a queda” e, por isso, justamente após o seu ápice (durante o
século III d.C.), o Império Romano começou um período de crise do qual jamais se reergueria. São
vários os fatores que compactuaram para o seu fim. Abordaremos, aqui, as principais questões
econômicas, religiosas, políticas e militares.

É quase um consenso, na historiografia de todas as vertentes, que a crise econômica foi


grande responsável pelo fim do Império. No seu período de auge (séculos I e II), houve o que
denominamos de “Pax Romana” (período de relativa paz com a proteção das fronteiras e grande
desenvolvimento econômico e social). Essa época representou o ápice dos gastos do Estado
em melhorias e modernização, com a construção de estradas, diques, aquedutos etc., além do
investimento maciço no exército, para impedir que os povos, chamados no período de “bárbaros”,

26
Contexto e conceitos norteadores do período medieval • CAPÍTULO 2

invadissem seu território. O problema é que esses gastos nunca diminuíam. Pelo contrário, com
as novas conquistas, eles aumentavam a cada dia, culminando numa série de conflitos internos.

Durante todo o século III, houve um aumento agressivo da inflação, o que ocasionou uma
desvalorização da moeda corrente. Para conter os problemas econômicos, os imperadores
passaram a controlar o preço dos produtos, prejudicando os comerciantes e os produtores, que não
conseguiam mais lucrar com eles. Assim, a diversidade da produção diminuiu consideravelmente,
bem como os empregos nas cidades, acarretando numa fuga de pessoas para o campo, atrás de
melhores meios de sobrevivência.

Para diminuir os gastos, optou-se por suspender as guerras de conquistas. Isso acarretou uma
diminuição da mão de obra escrava, que era conseguida com os prisioneiros dos combates. Não
havia um sistema que garantisse a renovação dos escravos na economia romana a não ser por
meio dessas prisões. Com uma grande crise de mão de obra, a saída encontrada foi a criação
do colonato, uma forma de atrair a mão de obra para o campo num sistema de parceria entre o
proprietário de terra e o colono que trabalharia no espaço cedido a ele, dando parte da produção
para o dono e ficando com a outra parte. Muitos proprietários de terras e escravos, com a falta
de mão de obra cativa, optaram por lotear suas fazendas a homens livres. Esse sistema acabou
por atrair inúmeros trabalhadores urbanos, esvaziando as cidades romanas. A solução para esse
êxodo foi dada muito tardiamente, com a criação do sistema servil, que prendia o homem à terra,
e cujo auge se deu no feudalismo, como veremos mais adiante.

Tudo isso culminou na ruralização da sociedade romana, inviabilizando a manutenção do


grandioso exército, pois poucas pessoas se alistavam. Assim, houve diminuição do contingente
militar, o que fragilizou as fronteiras, permitindo a entrada de outros povos em seu território.
Com a baixa nas legiões, o Império passou a permitir o alistamento de estrangeiros.

Dessa forma, é fácil observar a importância da questão militar para compreendermos a queda
do Império. Segundo Claudio Carlan (2008, pp. 137-146), o período de 235 a 268 foi o mais
importante, pois representou o que os historiadores denominam de “Anarquia Militar”, um
nome que remete ao caos instalado nesse setor. Nessa época, os imperadores eram nomeados
pelos soldados, sendo assassinados logo depois. Alguns governantes mantiveram-se no poder
apenas poucos dias, pois não apresentavam as soluções que os soldados queriam. Era comum
que as legiões nomeassem seus generais como imperadores em troca de favores. Quando isso
não ocorria, acontecia a morte do governante.

Como tentativa de parar a crise que havia se instaurado em Roma, iniciou-se outra fase, a dos
imperadores Ilírios (268-284), um grupo de governantes da Europa oriental (próximo a Albânia e
chamada de Ilíria) que promoveu uma série de reformas. Muitos ocuparam o cargo, mas nenhum
conseguiu uma transformação definitiva até Diocleciano (284-305).

27
CAPÍTULO 2 • Contexto e conceitos norteadores do período medieval

Esse imperador promoveu um dos conjuntos de reformas mais importantes do período, como
a restauração do Império, transformando o Estado em uma monarquia próxima da sacralidade,
em que o imperador era a autoridade máxima. Foi a última tentativa de fôlego para salvá-lo. No
ano de 285, o Império foi dividido em duas partes. A Ocidental, que tinha sua sede em Roma, e
a Oriental, que tinha sua sede em Bizâncio. Devido a sua grandiosidade, a estratégia de separar
os dois Impérios permitiu que ambos pudessem proteger suas fronteiras contra as invasões por
mais algum tempo.

Em termos religiosos, o cristianismo tornou-se cada vez mais presente em todo o território
que, hoje, conhecemos por Europa, tornando-se a religião oficial do Império no ano 380, com
o imperador Teodósio I. Entre as convicções cristãs e os ideais do Império, havia algumas
discordâncias essenciais que também podem ter contribuído para sua decadência. Entre elas,
está a condenação da escravidão e da divindade do imperador pela Igreja. Essas duas estruturas
faziam parte dos alicerces do Império Romano. Além disso, a Igreja, ao se preocupar com a
perseguição às heresias e aos judeus e com a conversão dos pagãos, trouxe um gasto extra ao
Estado Romano, que se esforçava em ajudá-la, principalmente com o monopólio religioso dado
com o imperador Constantino. Antes disso, mas depois de se tornar a religião oficial, o Império
Romano vivia uma relativa tolerância religiosa, tendo em vista que a grande maioria dos romanos
ainda não era cristã.

Do final do século III a meados do século V, o Império Romano, principalmente em sua parte
ocidental, viveu a intensificação das crises já citadas. A tentativa de manter os exércitos e
proteger as fronteiras foi fracassando gradativamente, e os povos germânicos começaram a
dominar diversos territórios. No ano de 476, o último imperador romano do Ocidente (Rômulo
Augusto) foi deposto. Ele próprio era de origem “bárbara”, assim como uma parte considerável
dos comandantes e generais.

Desde o século III, os povos germânicos invadiam


Sugestão de estudo
o Império Romano à procura de novas terras, já
que grande parte deles era nômade. No início, Dica de filme: “A Queda do Império Romano”. Do auge
esses povos foram aceitos pacificamente pelos ao início da crise do Império Romano, o filme mostra
como Roma entrou no caos político e administrativo
governantes, desde que trabalhassem como
que demostramos. Disponível na íntegra em:< https://
colonos e protegessem as fronteiras com uma www.youtube.com/watch?v=0y9eqQRxNvs>.
força militar própria e comandada pelos seus
próprios chefes. Aos poucos, eles passam a
adentrar o exército romano, chegando a altas funções comanditárias. Entre todos os fatores que
contribuíram para a queda do Império Romano do Ocidente, as invasões dos povos germânicos
estão entre os principais. Vejamos como ela se deu e porque ela foi responsável pela passagem
da Antiguidade para a Idade Média.

28
Contexto e conceitos norteadores do período medieval • CAPÍTULO 2

Invasões (bárbaras) dos povos germânicos

Ainda hoje, alguns historiadores utilizam a denominação de “bárbaro” para designar os povos
que dominaram, gradualmente, o Império em sua parte ocidental, tendo em vista esta ser uma
denominação dado pelos próprios romanos (e copiada dos gregos) para diferenciá-los de quem
tinha uma cultura, uma língua e uma organização política diferente. Outros historiadores têm
receio de utilizar o termo, cujo significado atual tem uma conotação negativa, substituindo-o pelo
vocábulo “germânico”. A origem da palavra grega, no entanto, significa “estrangeiro” e, por essa
razão, os dois termos serão utilizados amplamente neste capítulo, sem esquecermos que se trata de
um conceito historicamente datado e retirando todo o juízo de valor que o significado atual possui.

Num primeiro momento, entre o final do século II e durante o século III, a invasão dos povos
germânicos foi pacífica. Atrás de condições de acesso a terra ou fugindo de outros povos, essas
populações adentraram a sociedade romana e trabalharam como agricultores e soldados, muitas
vezes defendendo as fronteiras romanas de outros invasores.

Por volta do ano 400, de 30% a 50% dos militares eram de origem germânica. Durante as guerras
do século IV, alguns desses grupos foram alistados como unidades inteiras dentro do exército
romano na defesa contra outros grupos. Um dos grandes problemas nesses alistamentos era a
questão cultural, pois os povos germânicos só obedeciam aos seus próprios líderes e, por isso,
não tinham a lealdade, a vontade e a disciplina das legiões constituídas por romanos. Assim,
muitos desses bárbaros se tornaram mercenários e adentraram os altos cargos do exército
romano, assim como muitos deles se tornaram homens de confiança do Imperador, passando
a fazer parte da família dele. Foi o caso, por exemplo, do casamento de um filho de Teodósio II
com a filha do vândalo Estilicão. Esse último personagem se tornou um dos homens políticos
mais influentes do período.

Com a falta de mão de obra no campo (devido à diminuição dos escravos), o Império criou
o mecanismo dos povos “federados”, que se ligava a ele por contrato, em que era garantida a
preservação de seus costumes em troca de sua participação no exército. Esse sistema aumentou
consideravelmente no século IV, por conta da grande crise que não cessava e da necessidade
crescente de mão de obra. É preciso salientar que as guerras, a fome e a miséria crescentes
garantiram uma diminuição demográfica da população dos domínios romanos.

Mas a crise não foi só econômica, atingindo todos os setores da sociedade. As autoridades romanas
passaram a abusar de seu poder frente às populações bárbaras e esses grupos se revoltaram
contra o Império. Elas sofriam de fome e miséria, principalmente devido aos altos impostos.
Muitos eram vendidos como escravos por sua própria família, como tentativa de sobrevivência.

As guerras dos hunos (um desses povos) no território do Império proporcionaram uma arrancada
na invasão dos povos germânicos, dessa vez não para se aliar ao governo romano, mas para

29
CAPÍTULO 2 • Contexto e conceitos norteadores do período medieval

ocupar seus territórios de forma independente. Francos, suevos, visigodos, anglos, saxões etc.
arrasavam, pilhavam e destruíam as cidades romanas nas quais chegavam. Essa força externa,
somada à conjuntura interna que vinha, pouco a pouco, destruindo os alicerces do Império,
culmina na deposição do Imperador que falamos anteriormente.

Os povos germânicos acabaram com o sistema político imperial, mas não completamente com a
cultura romana. Ao contrário, muitos deles combinavam sua cultura com permanências romanas.
A religião cristã, por exemplo, foi bem aceita entre esses povos. Cada região foi ocupada por uma
etnia, mas que nunca mais teria a mesma estrutura política centralizada do Império. A seguir, a
ocupação de alguns dos principais povos germânicos com o fim do Império Romano do Ocidente.
É importante salientar que o Império Romano do Oriente continuou a existir.

Figura 5: Mapa com exemplos dos povos germânicos mais conhecidos.

Fonte: <http://dc363.4shared.com/doc/l279vyY0/preview.html>.

Essa etapa das invasões, das migrações e do estabelecimento dos reinos bárbaros é o que
denominamos de Primeira Idade Média, que durou até o século VIII. Como dissemos anteriormente,
essa época é marcada por três fatores essenciais que identificam o período medieval: a herança
clássica romana, a herança dos povos germânicos e o cristianismo.

Em termos econômicos, esse período foi de escassez, desmonetarização, pouca atividade


comercial e pouca diversidade da produção. É importante salientar que esse período não
conheceu um retrocesso das técnicas de produção, como muitos historiadores que condenaram
a Idade Média pensavam. O que ocorreu foi uma diminuição da população e, como não havia
muita técnica de produção em larga escala, a mão de obra que restava foi posta para produzir
os bens básicos, especialmente os ligados à alimentação. A sociedade que vinha, pouco a pouco,

30
Contexto e conceitos norteadores do período medieval • CAPÍTULO 2

tornando-se agrária durante a crise do Império Romano, se ruralizou quase por completo,
esvaziando demasiadamente algumas cidades e mantendo pouca população em algumas urbes
sobreviventes. Conviviam pequenas, médias e grandes propriedades (chamadas de dominio,
herdeiro da villa romana). Os historiadores denominaram essa prática de “economia agrária
dominial”. O domínio (não importa seu tamanho) funcionava a partir da divisão da terra em
duas partes. A primeira, denominada de “reserva senhorial”, era a exploração do senhor, onde
ficava a sua casa, os instrumentos necessários para a produção, como o moinho, as oficinas,
além de pastos, bosques e terras cultiváveis. A segunda parte era a “terra mansionaria”, pequenas
porções de terras exploradas pelos camponeses. Elas podiam ser de dois tipos, o mansus serviles,
ocupados por escravos, e o mansus ingenuiles, dos camponeses livres. Todos eles deviam prestar
contas ao senhor, mas os escravos pagavam taxas mais elevadas devido à sua condição. Os
trabalhadores passavam a maior parte do tempo trabalhando nas terras do senhor, um trabalho
que foi denominado de “corveia”.

Essas grandes propriedades de terras não pertenciam apenas aos senhores leigos. Alguns dos
maiores domínios pertenciam aos eclesiásticos e aos reis. Aos poucos, as terras dos reis foram
diminuindo, pois ele doava parte de seus domínios aos nobres e ao clero em troca de sua lealdade
e seus favores.

A terra era trabalhada, quase sempre de forma bienal ou trienal, mas apenas a segunda pode ser
considerada uma inovação da Idade Média. Na forma bienal, separava-se a terra em duas partes,
cultivando apenas uma, enquanto a outra descansava, para ser cultivada no ano seguinte. Já a
forma trienal separava a terra em três partes, descansando apenas uma delas, o que acarretou
num aumento da área anual produzida. Cada espaço de terra era trabalhado por dois anos antes
de descansar.

Com a diminuição das cidades, o artesanato passou a ficar quase restrito ao domínio. Este se
tornou quase autossuficiente, frente à fragmentação política existente. O comércio persistiu,
mas ele se concentrava nos mares e nas cidades mercantis litorâneas que se mantiveram vivas.
O pouco comércio praticado pelo domínio era por meio de seu excedente, tendo em vista que
não era possível estocar a produção. O Mediterrâneo era a principal via desse setor até, pelo
menos, a invasão dos muçulmanos. A moeda tornou-se rara, assim como os bens de consumo.
Assim, era comum que o valor de um determinado bem fosse calculado por meio de outros bens.
Também não havia um Estado que permitisse a sua cunhagem.

Como é possível concluir, a política do período foi totalmente descentralizada. Em cada domínio,
havia um senhor que cumpria as funções de defender a população escrava e camponesa e
permitir que ela trabalhasse a terra e tivesse os meios básicos para sua sobrevivência. Em troca, os
camponeses lhe pagavam tributos, seja por meio de produtos, seja por meio do próprio trabalho.

31
CAPÍTULO 2 • Contexto e conceitos norteadores do período medieval

Nesse âmbito, destacou-se a dinastia Merovíngia, reis dos povos francos que dominaram a atual
região da Gália. Clóvis I (481-511) foi o rei que uniu as tribos francas sob seu reinado, criando uma
nova dinastia. O nome “merovíngio” veio de seu avô que se chamava Meroveu e foi um importante
líder franco. No entanto, a união desses povos se desfez quando Clóvis morreu e seu reinado foi
dividido entre seus quatro filhos. Era comum que os reis merovíngios dividissem seu território
entre seus filhos, mas, apesar disso, eles mantinham certa unidade. Com as brigas frequentes, o
poder passou às mãos dos chamados “mordomos de palácio” (ou “prefeitos de palácio”). Com
o descrédito dos reis merovíngios, a população passou a apoiar esses prefeitos, principalmente
um dos seus mais importantes, chamado Carlos Martel, que venceu os visigodos, em 711, e os
muçulmanos na batalha de Poitiers, em 732. Martel conquistou diversos territórios que dividiu
entre seus principais oficiais. Uma parte dessas terras, inclusive, pertencia à Igreja, o que criou
uma crise entre ele e essa instituição. Após a morte de Martel, seu filho Pepino tomou seu lugar.

Apesar das disputas constantes pelo poder, os merovíngios possuíam o maior território unificado
desde a dissolução do Império Romano do Ocidente.

Provocação

Procure informações sobre os diversos povos germânicos que ocuparam a Europa nesse período. Identifique suas
características culturais, políticas, econômicas e sociais e compare-as.

Reorganização germânica – Império Carolíngio

As constantes disputas por poder pelos merovíngios culminaram num golpe promovido por
Pepino, o Breve (filho de Carlos Martel), em 751, que destituiu o rei Childerico III, iniciando uma
nova dinastia, a dos Carolíngios.

Da queda do Império Romano ao início do período carolíngio, a atual região da Europa viveu
uma fragmentação política sem precedentes. A única instituição que permaneceria intacta no
que diz respeito à unidade e que também era a salvaguarda da cultura romana era a Igreja cristã.
Unida, ela podia se organizar para lutar contra as heresias, especialmente o arianismo. Ainda
assim, seu poder era mais espiritual do que real e, por isso, ela sentiu a necessidade de se unir
aos poderes laicos. Pepino, o Breve, percebe a importância da Igreja para se legitimar como rei
dos francos e se alia a ela. Ampliando as fronteiras de seu reino e expulsando os Lombardos da
Península Itálica, entrega essas últimas terras à Igreja que, agora, constituía seu próprio Estado
por meio da posse de um território. O poder laico e o poder temporal se unem e Pepino redime
seu pai por ter tomado as terras dos religiosos.

Mas foi o filho de Pepino, Carlos Magno, que deu não só o nome a essa dinastia, como foi o
responsável pelo aparente retorno ao Império Romano. Com um exército forte, Carlos Magno

32
Contexto e conceitos norteadores do período medieval • CAPÍTULO 2

conseguiu vencer árabes e eslavos, expulsar os vikings da Gália e ocupar quase todo o território
que pertenceu ao antigo Império Romano do Ocidente. Em retribuição e como aliada, a Igreja,
por meio da figura do papa Leão III, ungiu e coroou Carlos Magno como Imperador do Sacro
Império em 25 de dezembro de 800. Abaixo, a coroa que ficou conhecida tanto em iconografias
do período quanto em posteriores.

Figura 6: Réplica da coroa de Carlos Magno.

Fonte: <http://joiasesimbolosmedievais.blogspot.pt/2009/05/mensagem-da-coroa-de-carlos magno.html>.

A coroação de Carlos Magno abalou as estruturas do


Saiba mais
Império Bizantino (o Império Romano do Oriente
que continuou a existir). A Igreja dizia-se herdeira das A réplica da Coroa de Carlos Magno encontra-se
terras e de toda a estrutura do Império Romano. Para na Catedral de Aachen, na Alemanha, onde há um
museu com as relíquias do Imperador.
isso, ela apresentou um documento (forjado à época)
em que o imperador Constantino confirmava essas
premissas. O documento ficou conhecido como “Doação de Constantino” e foi bastante contestado,
apesar de a Igreja ter saído vitoriosa. À época, também, o trono bizantino era considerado vago,
pois estava sendo ocupado por uma mulher, sendo que o sexo feminino era proibido de governar.
Ainda assim, os bizantinos não ficaram satisfeitos com a coroação, considerando uma usurpação
do trono. Depois de várias contendas, bizantinos e carolíngios fizeram um acordo em 812, em
que os primeiros reconheciam a validade da coroação de Carlos Magno. De qualquer forma, na
prática, a parte oriental do Império nunca viu a parte ocidental como legítima.

33
CAPÍTULO 2 • Contexto e conceitos norteadores do período medieval

Organização do Império e suas estruturas

A união entre o papado e o Império foi, sem dúvida, uma das características mais importante
desse período. Além das terras doadas por Pepino, o Breve, este rei ajudou a institucionalizar
o dízimo, imposto de 10% sobre tudo que era produzido para a Igreja. Seu filho, Carlos Magno,
continuou e estendeu suas relações com essa instituição. Confirmou as doações das terras,
o imposto do dízimo e ajudou a estruturá-la, além de difundir seus cânones. Ele estabeleceu
colégios dentro dos mosteiros, nas catedrais e principais igrejas, e em sua própria corte, o que
ajudou a desenvolver a literatura e salvaguardou muitas obras da Antiguidade.

Esse período de preocupação e desenvolvimento cultural ficou conhecido como “Renascimento


Carolíngio”, devido à atenção com a preservação do patrimônio romano da Antiguidade. As escolas
ligadas aos religiosos serviam tanto para alfabetizar os mais abastados quanto, principalmente,
para preparar melhor o clero, deixando-o bem instruído da ortodoxia da Igreja e para trabalhar
na administração junto ao Imperador. No período anterior, o clero era despreparado, inclusive,
para identificar as heresias.

Carlos Magno incumbiu o monge beneditino Alcuíno de York de reformular as escolas. Este
desenvolveu técnicas para promover o ensino clássico, criando níveis de escolaridade e matérias.
O programa de estudos era dividido entre as sete artes liberais por meio do trivium (gramática,
retórica e dialética) e do quadrivium (aritmética, astrologia, música e geometria). Alcuíno foi,
igualmente, responsável pelo estabelecimento de um texto único da bíblia, principal livro
sagrado do cristianismo. Há muito tempo, circulavam várias obras com traduções distintas e
interpretações variadas. Esse monge beneditino instituiu o cânone baseado na versão latina feita
por São Jerônimo (entre os séculos IV e V), apenas fazendo algumas correções.

Dentro dos mosteiros, desenvolveram-se os scriptoria (scriptorium, no singular), que eram locais
de trocas de saber, cópia e produção de manuscritos pelos monges. Foi por meio dessas oficinas
que as obras circularam por toda a Europa do período e que foi possível que muitos livros da
Antiguidade chegassem até nossos dias.

A língua privilegiada era a oficial da Igreja e origem cultural do Império, o latim. Para que as
cópias fossem feitas mais facilmente e fossem melhor compreendidas por quem as lia, criou-se
a técnica da “minúscula carolina”. As letras passaram a ter alturas diferenciadas, como no “t”, no
“a” e no “g”, facilitando enormemente a identificação das palavras. Lembremos que a escrita não
possuía as regras que temos hoje. Não havia espaço entre as palavras e nem pontuação. Assim,
a diferenciação pelas letras representou um grande avanço na escrita e na leitura.

Mas se a língua escrita era o latim, a língua falada (chamada de língua vulgar ou vernácula) tinha
uma multiplicidade de existências, dependendo da cultura e da região. Elas demoraram um

34
Contexto e conceitos norteadores do período medieval • CAPÍTULO 2

pouco para aparecerem na forma escrita, mas a sua permanência foi imprescindível para que,
no futuro, o latim fosse abandonado.

Com a proximidade do Império Carolíngio com a Igreja, o poder temporal (leigo) passou a ter
predomínio sobre o poder religioso. O imperador presidia os sínodos, nomeava os bispos e suas
conquistas ajudaram a aumentar o número de cristãos. Nesse período, foram criadas numerosas
paróquias, dioceses e arquidioceses, expandindo o cristianismo da ortodoxia da Igreja para mais
localidades.

Mas todo esse poder do Império fez com que a Igreja enriquecesse cada vez mais. Muitos senhores
doavam suas terras que não eram mais divididas, graças à instituição do celibato. Não podendo
ter filhos, os clérigos abastados deixavam sua herança toda para essa instituição.

Como os bispos trabalhavam para o Império, a evangelização das comunidades ficou a cargo
das ordens monásticas, que o Imperador incentivou. Mas, no ano 817, por meio de Luís, o pio,
a ordem beneditina (principal representante do clero regular) passou por uma reforma que
priorizava a contemplação e a oração e deixava em segundo plano a ação missionária e a atividade
intelectual dos monges. Assim, eles passaram a se dedicar ao culto e o poder religioso começou
a ter mais poder que o temporal.

Para dar conta da sobreposição da Igreja sobre o Estado, os teólogos e especialistas em direito
canônico basearam-se, principalmente, nos escritos de Santo Agostinho, que afirmavam a
superioridade do poder religioso sobre o temporal, dos bispos sobre os reis. As mudanças culturais
promovidas pelo Renascimento Carolíngio tornaram o clero muito mais culto e este aproveitou
para divulgar suas ideias de que o rei recebia das mãos de Deus e da Igreja a tarefa de cuidar de
seu povo. Ou seja, a Igreja tinha o papel de fiscalizar se a tarefa estava sendo cumprida e tinha
o poder de coroar ou destronar um soberano.

Mas se, por um lado, houve a tentativa de submeter a monarquia ao poder episcopal, por outro,
a Igreja permitiu um aumento da autonomia da nobreza dentro de cada domínio. Segundo o
sistema de “igreja própria” que ocorria desde o século VII, um senhor podia construir uma igreja
ou um mosteiro em suas terras, tornando-se sua propriedade. Assim, um senhor podia vender,
trocar, doar ou herdar essas propriedades e, consequentemente, ficavam com as esmolas, com
os dízimos e nomeavam os clérigos. Os historiadores falam que, nesse período, que durou de
888 a 1057, a Igreja esteve sob o poder dos leigos.

Administrativamente, o Império Carolíngio era bem distinto da organização imperial romana. O


seu território foi dividido em inúmeros condados com tamanhos bem diferenciados, administrados
por um conde nomeado pelo Imperador. Segundo Hilário Franco Júnior (1996, p. 71), o conde era
responsável por controlar quase todos os âmbitos daquela sociedade. Ele cuidava da publicação
e garantia a execução das leis, estabelecia impostos, comandava e administrava os exércitos
locais e recebia os juramentos de fidelidade ao imperador. Para fiscalizar a administração dos

35
CAPÍTULO 2 • Contexto e conceitos norteadores do período medieval

condados, o imperador criou os missi dominici, que nada mais era do que um conjunto de duas
pessoas (um clérigo e um leigo) que visitava cada um desses territórios e os fiscalizava, elaborando
relatórios sobre eles. O grande problema é que esses homens eram outros condes e membros
do alto clero. Portanto, eles dificilmente eram imparciais ao avaliar a execução do trabalho de
outro membro da nobreza.

Para defender o território do Império, foi criada uma estrutura administrativa especial nas regiões
de fronteira. O nobre que cuidava desse local recebia o título de marquês e gozava de maior
autonomia, tendo pouca ligação com o Imperador.

Outra característica política importante, e que demonstra que a unidade imperial era relativa,
eram as assembleias anuais com o Imperador. Na teoria, todos os homens livres (servos e escravos
estavam fora) se reuniriam todos os anos para decidirem, juntos, as premissas do governo. Já, na
prática, apenas os “melhores homens” (ou mais influentes) compareciam, devido à dificuldade
das viagens, tendo seu peso político reafirmado. Apesar de todo homem a partir dos doze anos
ser obrigado a jurar fidelidade ao imperador, os poderes locais tinham grande força, ficando
apenas o monopólio da cunhagem de moedas nas mãos do monarca.

Em termos demográficos, o período carolíngio não promoveu nenhuma mudança significativa


em relação ao período anterior. A população teve um pequeno aumento, devido à diminuição dos
casos de peste, cuja contaminação foi dificultada pelos grandes espaços “vazios” (de humanos)
que aquele território conheceu, além das guerras vencidas por Carlos Magno. Por outro lado,
o aumento não foi maior devido à alta taxa de mortalidade infantil e ao pequeno número de
crianças (prática corrente do aborto e grande número de solteiros).

A sociedade da época carolíngia tem seus alicerces na Primeira Idade Média. Os homens estavam
divididos, basicamente, em livres e não livres. De um lado, nobres e clérigos eram os homens
livres e sua “liberdade” queria dizer, na verdade, que eles possuíam privilégios. Do outro lado,
estavam os trabalhadores. Devido à ruralização da economia, os poucos trabalhadores livres
(como artesãos e comerciantes) estavam diretamente ligados a grandes senhores, e a grande
massa da sociedade era composta por colonos, servos e escravos. Os poucos homens livres
assalariados eram, em sua maioria, artesãos que andavam de propriedade em propriedade
oferecendo seus serviços em troca de comida, teto e uma pequena retribuição monetária. A
maior parte dos camponeses era formada por colonos que, apesar da sua situação jurídica de
livres, com a pressão dos proprietários de terras, foram tornando-se servos, uma condição que
será a dominante na Idade Média central, período auge do feudalismo.

As poucas médias e pequenas propriedades rurais (que eram de senhores livres não aristocráticos)
foram, pouco a pouco, sendo incorporadas pelas grandes propriedades. Isso se deve à necessidade
de proteção e à pressão exercida pelos grandes proprietários vizinhos. Esses senhores também
se tornaram camponeses ligados à terra pelo sistema servil.

36
Contexto e conceitos norteadores do período medieval • CAPÍTULO 2

Com a conquista de territórios durante o período carolíngio, os nobres que ajudavam nas guerras
eram retribuídos com mais porções de terra, chegando a propriedades realmente grandiosas.
Os religiosos (que não lutavam), sendo também membros dessas famílias, desfrutavam tanto
da riqueza da Igreja quanto de suas heranças. Assim, nobres e clérigos ficaram cada vez mais
próximos, especialmente pela sua ligação pelos laços de vassalagem. A vassalagem foi o mecanismo
criado para que a aristocracia mantivesse laços de fidelidade. Um vassalo de outro nobre recebia
um “benefício” (terras) e todo o poder político sobre elas como remuneração por seus serviços
prestados. Em troca, o vassalo fazia um juramento de fidelidade que unia os dois por meio de
um contrato para sempre.

Sugestão de estudo

Dica de leitura: “Carlos Magno e o Império Carolíngio”, de Louis Halphen. Disponível, quase na íntegra, em espanhol, no
“Google livros”. Trata-se de uma obra completa e clássica sobre o período carolíngio ainda não ultrapassada por nenhuma
pesquisa recente.

Sintetizando

Vimos até agora: uma reflexão sobre as crises e a queda do Império Romano e as consequências oriundas desses fatos.
Conhecemos a estruturação da época Merovíngia e do Império Carolíngio, além do Renascimento cultural promovido por
Carlos Magno. Também vimos que o poder temporal (leigo) e o poder religioso sempre tiveram problemas, pois brigavam,
constantemente, pela hegemonia do poder.

37
UNIDADE II
ECONOMIA, POLÍTICA, CULTURA E SOCIEDADE – DOS
PRIMÓRDIOS DA IDADE MÉDIA AO PERÍODO DE
TRANSIÇÃO COM A IDADE MODERNA
CAPÍTULO
PODER, ECONOMIA E
SOCIEDADE NA IDADE MÉDIA 3
Apresentação

Após o fim do Império Carolíngio e do término de uma relativa centralização do poder, um novo
modo de produção é instaurado na Europa, o Feudalismo. Ele é tão importante para o período,
que muitas pessoas acreditam que esta foi a forma predominante da economia durante toda a
Idade Média. Veremos como ele se instala e como ele se estrutura nas próximas páginas. Logo
após, estudaremos a passagem da Idade Média Central para a Baixa Idade Média. Verificaremos
a ideologia das três ordens, entenderemos como funcionava a economia rural, como ocorreu a
rearticulação das cidades, o aumento do comércio e dos bancos e, consequentemente, a separação
entre poder temporal e poder espiritual e o fortalecimento das monarquias. É na Baixa Idade
Média que surgem os alicerces da época Moderna em todos os âmbitos da sociedade. Os séculos
que o compreendem (XII-XV) são os de maior produção de fontes primárias, tanto escritas
quanto iconográficas, arquitetônicas etc. do medievo, sendo, portanto, momento privilegiado
pelos historiadores que se interessam pelo período, concentrando o maior número de estudos.
Vejamos como as transformações dessa época desencadearam num novo momento da história
da humanidade.

Objetivos

» Discutir a reestruturação feudal a partir do desmantelamento do Império Carolíngio.

» Conhecer a expansão demográfica e econômica no período medieval, tanto no campo


quanto nas cidades.

» Discutir sobre o poder temporal e espiritual.

» Compreender o fortalecimento das monarquias e o contexto que as envolve.

» Entender a separação ideológica entre as pessoas, segundo suas funções na sociedade


que surgiu na Idade Média, mas que se manteve durante a Modernidade.

39
CAPÍTULO 3 • Poder, economia e sociedade na Idade Média

Fracasso da organização carolíngia e reestruturação feudal

Como foi possível observar, o Império Carolíngio não possuiu estruturas sólidas para se permanecer
muito tempo unido. Com a morte de Carlos Magno, o poder passou às mãos de seu filho Luís,
o pio. Com menos força que seu pai, a Igreja conseguiu que suas terras e domínios saíssem do
controle do poder imperial. Ao mesmo tempo em que o poder temporal perdia influência, uma
nova onda de invasores surgiu. Destacam-se os vikings, que adentraram as terras por meio dos
rios navegáveis, especialmente ao norte; os muçulmanos de origem africana, que ocuparam
várias áreas litorâneas do mar Mediterrâneo, notadamente a Península Itálica e a atual França;
e os húngaros, que invadiram o norte da Itália e a Germânia.

Na época da morte de Luís, o Império estava esfacelado. A nobreza aproveitou o momento de


fragilidade da monarquia para exercer seu poder local independente. Assim, os três herdeiros
e netos de Carlos Magno tiveram que assinar o Tratado de Verdun, em 843, que fragmentava
novamente aquele território em três partes. Logo depois, em 877, as propriedades, que foram,
pouco a pouco, sendo chamadas de “feudos”, passaram a ser hereditárias. No ano de 987, morre
o último monarca da dinastia carolíngia, Luís V, pondo fim definitivo ao Império que já se
encontrava em decadência há muito tempo.

Do final do século X a meados do século XIII, uma nova ordem econômica, política e social
estabeleceu-se no Ocidente Medieval. É importante observarmos que ela não surgiu do nada.
Como veremos, ela unirá características de períodos anteriores a novas características ideológicas.
Surge o Feudalismo. Veremos como ele foi e porque ficou conhecido como uma das principais
características da época medieval.

A população aumenta consideravelmente na Idade Média central e a Europa conhece uma


expansão demográfica que há muito tempo não tinha. Uns dos fatores mais importantes foram
as ondas migratórias e certa abundância de alimentos, devido à produção crescente de produtos
agrícolas. Novos contingentes populacionais adentraram a Europa em busca de conquistas e
melhores condições. O aumento demográfico pode ser comprovado pelo crescimento das terras
cultivadas (com a necessidade de alimentar mais pessoas), o crescimento dos núcleos urbanos no
século XI (ainda que a maior parte da população ainda vivesse em áreas rurais) e o aumento do
tamanho das igrejas e catedrais. As novas igrejas e catedrais começam a ser construídas num novo
estilo artístico, o gótico, que tinha características grandiosas, mas o tamanho dessas construções
também servia para abrigar um maior número de pessoas para assistir os cultos religiosos.

No campo, esse aumento populacional, somado à perda de um poder central com o fim do
Império, a tomada de pequenas propriedades que se juntaram às vizinhas maiores e a necessidade
crescente de proteção foram alguns dos fatores que fizeram desenvolver o Feudalismo.

40
Poder, economia e sociedade na Idade Média • CAPÍTULO 3

Em primeiro lugar, o “domínio” passou a se chamar “senhorio”. As terras da reserva senhorial


diminuíram para aumentar o número de lotes, pois os camponeses também aumentaram. Os
mansus (lotes de terra distribuídos entre os servos) também diminuíram consideravelmente,
com tamanho entre 3 e 4 hectares e sendo chamados de “tenências”. Elas eram de dois tipos.
No primeiro tipo, a “censive”, o servo devia o “censo” ao senhor de terras, uma renda fixa paga
em dinheiro ou espécie. Com o passar dos anos, os camponeses começaram a lidar com a terra
como se fossem proprietários dela. Por esse motivo, o senhor feudal iniciou a cobrança de uma
taxa pela hereditariedade da tenência, reafirmando seu poder sobre ela, que foi chamada de
“mão morta”. O segundo tipo era chamado de “champart”, em que o senhor feudal exigia uma
porcentagem da colheita que variava conforme o produto. Assim, o camponês pagava pelo que
era produzido. Já os escravos eram minoria dos trabalhadores na época. Essa relação de trabalho
permanecia apenas em algumas cidades, principalmente litorâneas, como em algumas urbes
italianas.

Mas não eram apenas taxações das tenências que os senhores feudais recebiam dos camponeses.
Houve a continuação e o desenvolvimento da “corveia”, trabalho obrigatório nas terras do senhor.
Normalmente, eram reservados três dias da semana para os camponeses trabalharem essas
terras. Além disso, em alguns senhorios, eles eram obrigados a pagar as “banalidades”, que eram
taxas pelo uso do moinho, do forno, dos bosques etc. No século XI, ainda, surgiu o imposto da
“talha”, em troca de defesa militar, cobrada de forma arbitrária até a segunda metade do século
XII, quando ela foi regulamentada.

Figura 7. Fólio principal do mês de março do Livro de Horas do Duque de Berry, século XV.

Fonte: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/7/7a/Les_Tr%C3%A8s_Riches_Heures_du_
duc_de_Berry_mars.jpg>.

41
CAPÍTULO 3 • Poder, economia e sociedade na Idade Média

Saiba mais

Na imagem do “Livro de Horas”, já apresentado neste Livro Didático, é possível ver como era uma propriedade agrícola
durante a Idade Média, com o castelo ao fundo, as terras separadas em lotes para o plantio e para a criação de animais, além
dos camponeses trabalhando. Este fólio é o do mês de março, quando se inicia a primavera e, consequentemente, o trabalho
da agricultura no Hemisfério Norte.

Com o aumento dos alimentos e da área produzida, surgiram inovações técnicas que foram
utilizadas, pelo menos, até o século XVIII em larga escala, como a charrua, a força motriz animal
(que aparece na imagem do “Livro de Horas” acima), os moinhos de água e de vento, o adubo
mineral e o sistema trienal citado em período anterior.

As características da terra se assemelhavam ao já relatado, demonstrando que os alicerces do


feudalismo se encontravam já por volta do século V. O feudo possuía as terras do senhor, os
mansus dos servos e as terras comunais, onde ficavam bosques que eram áreas de florestas não
cultivadas.

O aumento da produção e da população gerou um excedente que ajudou a promover outros


setores da sociedade, notadamente o comércio. Se, antes, ele estava bastante restrito, entre os
séculos XI e XIII, ele cresce consideravelmente, ocasionando um aumento na população urbana
e, consequentemente, dos setores secundários, como os artesãos, especialmente os da produção
têxtil, e os da construção civil. É esse primeiro impulso comercial e artesanal citadino que vai
culminar, no futuro, com o fim das estruturas feudais. No comércio, destacam-se as cidades
italianas – notadamente Gênova e Veneza – e as cidades do mar do Norte. Começam a entrar na
Europa produtos pouco conhecidos e, mesmo desconhecidos, notadamente da região Oriental.
Devido a isso, esse período iniciou um novo momento de monetarização da economia, necessária
para “manter viva” as trocas comerciais, e incentivou a criação de bancos.

Essa nova lógica econômica trouxe muitas preocupações para os religiosos. São Thomás de
Aquino, um dos grandes filósofos medievais, foi responsável pela propagação da ideologia da
Igreja no que diz respeito ao acúmulo de capital na época. Esse religioso pregava o princípio do
equilíbrio nas trocas comerciais, atentando para o preço justo e condenando a usura. Quando
os banqueiros começaram a emprestar a juros, eles foram condenados por lucrarem com o que
pertencia a Deus e não a eles, ou seja, o tempo.

Sugestão de estudo

Dica de leitura: “A bolsa e a vida”, de Jacques Le Goff. Na obra, Le Goff mostra como era a relação da usura com a ideologia
dominante da Igreja. Disponível, na íntegra, em: <http://www.submit.10envolve.com.br/uploads/0bd67fc2093588b2f9657b2
91e85395a.ppd>.

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Poder, economia e sociedade na Idade Média • CAPÍTULO 3

Em termos políticos, esse período foi de fragmentação. Como observamos no início deste tópico,
o poder era praticado em cada feudo, tendo o senhor feudal certa autonomia para lidar com seus
servos. No entanto, pouco a pouco e devido ao desenvolvimento econômico e social citados,
as monarquias iam perdendo o seu poder simbólico e ganhando, paulatinamente, mais espaço
concreto nessa conjuntura conturbada.

Mesmo assim, elas ainda não tinham conseguido alcançar o seu auge. O Império Franco só
renasce em 1157, sendo chamado de Santo Império. No século seguinte, em 1254, ele passou a
ser chamado de Sacro Império Romano Germânico, e reunia três coroas, a da Borgonha, a da
Germânia e a da Itália. Não é possível, contudo, falar que havia uma unidade territorial e política
como no período carolíngio.

Já a Igreja vê seu poder aumentar a cada dia com essa fragmentação. Ela se mune de vários
homens letrados para legitimar seu poder e, com o papa Inocêncio III (1198-1216), ela conhece
seu auge político e ideológico. Somente o papa poderia coroar os imperadores. Somente ele devia
ser beijado por todos os príncipes e não passaria pelo julgamento de nenhum mortal. A Igreja
se constituiu como elemento superior a todos os outros.

Esse momento foi, igualmente, o de propagação da ideologia das três ordens. No topo da
pirâmide, ficava o clero, com seu poder religioso e temporal. Em segundo lugar, ficavam os nobres,
responsáveis pela defesa de todos os povos. Por último, ficavam os trabalhadores, responsáveis
pela produção de alimentos e pela fabricação dos bens duráveis. Na prática, ficavam na base
da pirâmide todos os demais profissionais, constituindo a grande maioria da população que
não possuía nenhum privilégio. Essa ideologia foi tão forte que só terminou com a Revolução
Francesa, em 1789, já na passagem da época Moderna para a época contemporânea.

Como foi possível observar, foi na Idade Média central que a ideologia da Igreja atingiu seu
ápice, tendo, no aparecimento da arte gótica, um dos seus principais aliados para atingir uma
população de maioria analfabeta. Também foi nela que as estruturas econômicas, políticas e
sociais se institucionalizaram. O mundo Antigo se fazia menos presente na vida do homem
comum e atingia apenas algum campo ideológico dos homens letrados. Os tempos seguintes
seriam de intensas transformações. Tão grandiosas que mudariam profundamente os conceitos
sociais daqueles indivíduos, como veremos no próximo tópico.

Sugestão de estudo

Dica de leitura: “A Sociedade Feudal”, de Marc Bloch. Obra clássica de um dos maiores medievalistas de todos os tempos. Ela
aborda a sociedade das três ordens e a vida dos homens medievais durante o feudalismo. Disponível na íntegra em: <http://
portalconservador.com/livros/Marc-Bloch-A-Sociedade-Feudal.pdf>.

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CAPÍTULO 3 • Poder, economia e sociedade na Idade Média

Expansão demográfica e econômica

No capítulo anterior, vimos que o período carolíngio foi de crescimento demográfico, principalmente
se comparado a períodos anteriores. Já com o feudalismo e suas técnicas, foi possível aumentar a
produção de alimentos e isso ocasionou um crescimento populacional significativo, principalmente
após o século X.

A migração foi um dos seus principais fatores. Ao contrário do que se pensava há pouco tempo
atrás, o homem medieval não permanecia inerte em sua terra. Tampouco ele possuía ligações
afetivas e emocionais com ela, o que ocasionava numa mudança de local despreocupada, conforme
a necessidade. As migrações podiam ser habituais (mais frequentes devido ao arroteamento de
novas terras, por motivos de viagem para concílios e reuniões, devido a mudança do campo para
a cidade ou por causa das guerras), coloniais (para ocupar terras conquistadas por outros povos,
notadamente os não cristãos), extraordinárias (sem a vontade do indivíduo, como as populações
expulsas das terras conquistadas, escravos vendidos para regiões distantes etc.) e sem instalação
(pessoas marginalizadas, peregrinos, clérigos sem domicílio fixo etc.).

Outro fator que comprova o aumento populacional na Idade Média Central foi a diminuição
dos espaços de florestas, de pântanos e outras áreas antes vazias. Os arroteamentos ganharam
grande impulso no século XII, quando aumentou consideravelmente o número de indivíduos e
a necessidade de alimentá-los. Segundo Georges Duby (1987), os arroteamentos foram de três
tipos. O alargamento de terras cultiváveis, que se deu por meio do uso de terras limítrofes antes
não usadas, o aldeamento de regiões que necessitavam de vigília, como as áreas limítrofes de um
principado ou de uma área comercial importante, e por iniciativas individualizadas, de pessoas
que agiam de forma isolada, principalmente à procura de pastos.

Também ocorreu um aumento no preço da terra e do trigo, mesmo com o crescimento das
terras cultiváveis e, consequentemente, da produção, demonstrando que a oferta do alimento
era menor que a procura pelo mesmo.

As cidades também se desenvolveram e, para que isso ocorresse, foi necessário que sua população
crescesse. Ainda assim, é preciso salientar que a população medieval era essencialmente rural,
tendo apenas cerca de 20% de contingente urbano.

As igrejas e capelas da cristandade haviam ficado pequenas para a população do período.


Foi necessário modificar a arquitetura de pequenos templos e construir outros maiores para
abrigar as pessoas que precisavam cumprir os preceitos da Igreja, indo à missa principalmente
aos domingos e dias santos e festivos. Surgiram as imensas catedrais góticas, altas para que
os indivíduos sentissem pequenos frente a presença de Deus e largas para que mais pessoas
pudessem assistir aos ritos religiosos.

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Poder, economia e sociedade na Idade Média • CAPÍTULO 3

Hilário Franco Júnior (2001) aponta que o pico de crescimento populacional na Idade Média
se deu no século XIII, com um aumento de 45,31%. Entre as justificativas que permitiram essa
porcentagem, estão a diminuição das doenças extremamente contagiosas, as guerras – que
(nessa época) eram feitas pelos cavaleiros nobres, e não por pessoas de todas as qualidades como
era no Império Romano –, as inovações nas técnicas agrícolas, a melhora das temperaturas e
abundância de água e os recursos naturais.

Mas os séculos seguintes (XIV e XV) recuariam novamente esse crescimento. A perda de grandes
extensões de florestas para arroteamento desencadeou num grande desequilíbrio ecológico,
mudando o curso das águas e do clima e prejudicando a produção de alimentos. Só isso já era
motivo de sobra para ocasionar numa baixa populacional se não fosse, também, a grande peste
negra (como era conhecida no período).

A peste se apresentava de duas formas, a bubônica e a pneumônica. A primeira causava inchaço


e tinha uma taxa de mortalidade de 60 a 80% num período que variava de três a quatro semanas.
A segunda, mais mortal, era transmitida pelo contato com outro indivíduo que possuía a doença.
Dois ou três dias após o contágio, 100% dos indivíduos morriam nesse segundo caso.

A doença existia há muito tempo no Oriente, adentrando o Ocidente por meio da Península Itálica,
difundindo-se para várias regiões da Europa, principalmente, pelas intensas trocas comerciais.
Ela atingia todos os níveis da sociedade, bastava que um indivíduo tivesse contato. Atingiu,
especialmente, as cidades, tendo em vista a sua concentração populacional.

Do século XIV ao XVII, o continente europeu foi atingido pela peste quase todos os anos. Na
grande crise do século XIV, a perda populacional foi estimada em 30% e a recuperação só se deu
na época Moderna.

As justificativas dadas pelos homens medievais eram as mais variadas, mas o castigo divino
encabeçou todas elas. Para muitos deles, a culpa da peste era a devassidão, a falta de escrúpulos,
os pecados cometidos pelos homens do período, notadamente os das cidades. Foram produzidos
inúmeros documentos escritos e iconográficos sobre esse mal, sendo uma das catástrofes humanas
mais documentadas até então.

Igreja, império, monarquias e política na passagem da


Idade Média Central para a Baixa Idade Média

O Estado, na Idade Média, possuiu um caráter muito diferente do que compreendemos hoje.
Não havia nacionalismo, sentimento de pertença, apego ao local de nascimento ou identidade
comum a uma população que a ligasse a um território durante quase a maior parte desse período.
O máximo que existiu foi o sentimento étnico de cada um dos povos. Já a Igreja era a cristandade,
identidade que ganhou cada vez mais espaço durante todo o período medieval. Um homem na

45
CAPÍTULO 3 • Poder, economia e sociedade na Idade Média

Península Ibérica e outro na Península Itálica tinham em comum o sentimento de pertencimento


a uma comunidade cristã, o que acarretou num poder da Igreja que outro tempo histórico não
conheceu. Por essa razão é que quase todos os historiadores a colocam como sendo um dos
temas mais importantes para se compreender todos os âmbitos da história do medievo.

O conceito de Estado permaneceu, no campo das ideias, como sendo o que foi o Império Romano,
ou seja, permanecia os ideais da Antiguidade na concepção de organização política até, pelo
menos, o aparecimento e fortalecimento das monarquias. O Império e a Igreja eram poderes
universalistas e, por competirem sua influência por um mesmo território (o Ocidente), viviam
em conflito.

O poder imperial, após a queda do Império Romano do Ocidente, só conheceu uma relativa
unidade no período carolíngio, com seu auge no reinado de Carlos Magno, como já apontamos.
Mas, mesmo após a dissolução do Império em vários reinos, o título de imperador continuou
a existir. Ele deixou de ser utilizado após o Tratado de Verdun, sendo retomado apenas com
Oto I (936-973), que, ao auxiliar a Igreja a solucionar problemas em seu território (no centro da
península Itálica), garantiu a sua coroação pelo papa.

Em 1157, o Império passou a ser chamado de Sacro Império e, em 1254, passou à denominação
de Sacro Império Romano Germânico. Tratava-se mais de um título com poder simbólico do que
prático, tendo em vista a ausência de unidade territorial e política. O Império unia as coroas da
Germânia, da Itália e da Borgonha, mas em todas elas os poderes locais dos senhores tinham
mais força do que o suserano. Além dessas localidades, o trono imperial daria direito à toda região
do Ocidente que pertencia, antes, ao Império Romano. Na prática, no entanto, esse direito era
inexistente.

Sendo o poder religioso igualmente universalista, a ele não interessava competir com o poder
temporal. Isso denotava numa grande contradição entre os dois poderes, pois a Igreja se
considerava a grande herdeira do Império e somente o papa poderia coroar o imperador. A
disputa pelo poder universal ocasionou uma série de conflitos entre Império e Igreja desde, pelo
menos, o período carolíngio.

A Igreja havia se tornado uma importante força política desde a doação das terras por Pepino,
o breve. Mas, como essa doação trazia incumbida certa submissão ao poder temporal, os seus
doutores logo encontraram uma solução que salvaria a Igreja dessa subserviência e, ao mesmo
tempo, daria a ela o controle do poder universal. Forjou-se o documento conhecido como
“Doação de Constantino”, em que o imperador de mesmo nome teria transferido ao papado
o poder imperial do Ocidente ainda no século IV. Assim, ao invés de uma doação por parte de
Pepino, ele estava apenas restituindo à Igreja o que lhe era de direito. Além disso, o documento
deixava claro que todo o território da parte ocidental pertencia à Igreja, e os imperadores apenas
cuidavam dos territórios para ela.

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Poder, economia e sociedade na Idade Média • CAPÍTULO 3

Isso se concretizou com a coroação de Carlos Magno pelo papa. Sendo a Igreja dona da coroa
imperial, era somente ela que podia coroar o Imperador, podendo retirá-la e dá-la a outra pessoa
quando bem entendesse. Por conta disso, Carlos Magno associou seu filho diretamente à coroa
imperial, criando uma relação hierárquica com o poder que não passaria pelo crivo papal. Entre
888 e 1057, a Igreja ficou sob o poder dos leigos, e o filho de Carlos Magno realmente passou a
ser o herdeiro do Império. Entretanto, após esse período, e ao contrário do que se esperava, a
Igreja conseguiu aumentar seu poder, enquanto o Império perdia o dele.

A discussão entre qual poder (temporal ou espiritual) era superior remonta ao século V. Naquela
época, o papa Gelásio foi o primeiro a afirmar que o poder religioso era superior ao temporal,
na medida em que o sacerdote era quem apontava a matéria divina dos reis.

De fato, esse princípio foi retomado apenas com Gregório VII, em 1075. Esse papa, um dos mais
importantes do período, afirmava o poder da Igreja, dizendo que apenas o papado dispunha das
insígnias imperiais, bem como o papa era o único monarca que devia ser beijado por todos os
príncipes (os governantes da nobreza europeia se cumprimentavam desta forma), além de não
poder ser julgado por ninguém. Outros teólogos e religiosos importantes, como São Bernardo (no
século XII) e o papa Inocêncio III (século XIII), por exemplo, criaram teorias para reafirmar tanto
o poder espiritual quanto temporal da Igreja, levando-a ao auge de seu poder na Idade Média.

Entre 1256 e 1273, o trono ficou vazio (período conhecido como “interregno”) e, com isso, o
prestígio que o Império possuía caiu enormemente. Soma-se a isso o crescimento das monarquias
locais, como França, Inglaterra, Castela, Aragão, Portugal e outras, que fizeram com que o Império
Romano se tornasse cada vez mais distante no imaginário e no cotidiano do homem do medievo.
Por outro lado, essas mudanças nos poderes temporais, somadas com a crise econômica que ia se
instalando, contribuíram para que, pouco a pouco, o poder papal diminuísse. Mas atenção para
essa diminuição, pois a Igreja teve um papel primordial em toda relação política existente nas
novas monarquias que se estabeleceram, mesmo após as reformas religiosas que transformaram
diversos reinos antes católicos em protestantes, como o caso da Inglaterra anglicana.

De fato, o fortalecimento das monarquias acabou com os projetos universalistas da Igreja e do


Império. Os primeiros alicerces para o estabelecimento das monarquias ocorreram com a coroação
dos imperadores carolíngios, tendo em vista que ela fortalecia a ideia de um monarca soberano
entre os demais senhores nobres. A unção papal aos monarcas coroados os transformava quase
em seres sagrados e isso foi bastante aceito pela população medieval.

Um dos casos mais célebres, estudado por Marc Bloch (1993), mostra que os reis franceses e
ingleses, por exemplo, tinham esse caráter sagrado transformado em práticas cotidianas, até
com poderes milagrosos. A população acreditava que esses reis tinham o poder de cura das
escrófulas (inflamação do gânglio linfático, ocasionada pela tuberculose), transformando-os
em verdadeiros santos.

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CAPÍTULO 3 • Poder, economia e sociedade na Idade Média

As crônicas medievais nos mostram que o estabelecimento de muitas dinastias se deu por meio
do caráter sagrado. Foi o caso, por exemplo, de D. Afonso Henriques, primeiro rei de Portugal, cuja
missão de tornar o reino independente e se tornar o seu primeiro monarca teria sido anunciada
pela Virgem Maria, ainda em sua infância, segundo esse tipo de documento.

Além disso, devido à necessidade de a Igreja coroar os reis, ela mesma os instituía de seu caráter
sagrado. Diversos religiosos afirmaram e reafirmaram esse caráter. Foi o caso, por exemplo, do
abade de Fleury que, no século X, já dizia que, como o rei era sagrado pelo papa, desobedecer
ao monarca era o mesmo que desobedecer a Deus. Ainda assim, é importante salientar que a
Igreja sempre se preocupou com o excesso desse poder, pois ninguém poderia ter mais poder
e influência do que ela própria. Exigia-se do monarca uma atitude extremamente cristã e total
lealdade à Igreja e a seus preceitos.

A ligação do rei com os seus súditos era unilateral, em que o monarca tinha amplos poderes e os
súditos lhe deviam fidelidade. Já com os seus vassalos diretos, o suserano (senhor dos senhores),
possuía uma relação contratual bilateral, em que ambos deviam favores e obrigações uns aos
outros. Com o alvorecer das cidades, o desenvolvimento econômico promovido pelo feudalismo
e a retomada de algumas ideias de Aristóteles, outros grupos sociais, como as corporações de
ofício e as universidades, por exemplo, retomaram o conceito de assembleia popular, baseada
no direito natural. Isso correspondeu a uma complexificação da questão do poder na Idade
Média, pois, ao mesmo tempo em que elas podiam se aliar ao monarca para ajudá-lo a colocar
em prática determinadas decisões, a assembleia representativa também podia se unir para frear
o poder do soberano.

Outro fator que ajudou no fortalecimento das monarquias foi o apego cada vez maior a um
território, a um sentimento de pertencimento a um grupo, a uma cultura e a uma consciência
comum. Daí o surgimento das línguas vernáculas que, no final da Idade Média, se desenvolveram
em contraponto à língua oficial da Igreja, o latim. De fato, até a Igreja, já no século IX, exigiu
que os sermões fossem feitos nas línguas locais, para que o seu rebanho pudesse compreender
melhor a palavra de Deus (os demais ritos da Igreja continuaram a utilizar o latim até meados
do século XX).

Assim, na passagem da Idade Média Central para a Baixa Idade Média e devido às disputas
constantes entre os poderes universalistas (Império e Igreja), os projetos políticos vencedores
foram as monarquias. Apenas a Península Itálica e a região da Alemanha se unificariam somente
no século XIX, pois lá prevaleceram os poderes particulares das comunas (Itália) e dos feudos
(com diversos principados alemães). Já França, Inglaterra, Portugal, Castela e Aragão são os
grandes exemplos de unidade política no final do período medieval. Esses reinos puderam se
desenvolver economicamente, unificando a arrecadação dos impostos, garantindo direitos
régios sobre produção, cunhagem e comércio, investiram no ultramar, conquistaram territórios
e adentraram definitivamente numa nova era.

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Poder, economia e sociedade na Idade Média • CAPÍTULO 3

Obviamente, a Igreja lutou pelo poder sobre a sociedade durante toda a Idade Média, mas foi
no século X, com a fundação do mosteiro de Cluny, na Borgonha, que suas premissas ficaram
mais explícitas. A abadia de Cluny seguia a regra beneditina, mas ela foi adaptada para cumprir
novos objetivos. O primeiro deles é que ela seria livre, não tendo a interferência de qualquer
poder terreno, inclusive dos bispos, devendo obediência direta a Santa Sé (ao papa). Entre seus
preceitos, estava a valorização dos atos litúrgicos, transformando a rotina dos monges num
ato regrado por seus preceitos. Ficariam em segundo plano o trabalho intelectual e o trabalho
manual, sendo esse último entregue aos camponeses, que lhe serviam como a um senhor feudal.

Diversas abadias por toda a cristandade seguiram seu exemplo. Essa mudança estrutural na vida
monacal ficou conhecida como Reforma de Cluny e mudou profundamente a concepção de
Igreja, criando inúmeros monastérios e fazendo com que o cristianismo penetrasse em diversas
localidades onde, antes, ele não se fazia tão presente. Os poderes locais dos bispos ficaram
abalados na mesma proporção que o poder central da Igreja se fortaleceu.

Nessa mesma corrente de pensamento, a Igreja passou a condenar os excessos contra os


camponeses por parte dos senhores feudais. Ameaçados de excomunhão pelo papado, os
nobres deviam jurar sobre as relíquias da Igreja que respeitariam suas propriedades, os bens do
clero e do povo humilde num movimento denominado como “Paz de Deus”. Como ele não foi
completamente vitorioso no século XI, a Igreja criou um novo movimento denominado “Trégua
de Deus”, em que ela proibia o uso de armas nas quintas-feiras (dia do perdão), nas sextas-feiras
(dia da Paixão de Cristo), nos sábados (dias de Aleluia) e no domingo (dia da Ressurreição).
Outros momentos importantes do calendário litúrgico também deveriam ser preservados e era
interdito ter guerras, como na época da Quaresma e da Páscoa, entre outros.

No século XI, essas ideias se modificaram para o conceito de Guerra Santa, ou seja, do movimento
cruzadístico contra os hereges (cristãos que se voltavam contra a ortodoxia) e contra outras
religiões, notadamente o Islã. Eram guerras permitidas e até premiadas, em que os nobres
conquistavam territórios ocupados por inimigos da Igreja e ganhavam, em troca, a indulgência
plenária (perdão de todos os pecados), por exemplo. Caso alguém morresse em Guerra Santa,
sua alma estava automaticamente salva, sem a necessidade das missas e rezas para que ela
saísse do purgatório, como acontecia para os demais cristãos. Um de seus grandes pensadores,
São Bernardo, dizia, em outras palavras, que matar por amor a Cristo não era pecado, mas, sim,
uma glória divina.

O poder da Igreja fortaleceu-se com as Cruzadas, pois, ao mesmo tempo em que elas promoviam
uma pacificação da Europa internamente (afinal, a nobreza guerreira de locais distintos se unia
contra um inimigo comum), elas também uniam a cristandade sob o comando da Igreja.

Com os resultados da Reforma de Cluny e da Paz e Trégua de Deus, o papa Nicolau II conseguiu
estabelecer uma nova regulamentação para a eleição do pontífice. Antes, os poderes leigos

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CAPÍTULO 3 • Poder, economia e sociedade na Idade Média

interferiam na escolha, notadamente a nobreza romana e, principalmente, o Imperador. Agora, o


papa só podia ser escolhido por um conselho de cardeais. A Reforma previa, ainda, a condenação
da vida conjugal dos religiosos que não respeitavam o celibato, com a doação de igrejas por
leigos, para evitar a criação de “igrejas próprias” que não seguiriam a ortodoxia, e reafirmou a
obrigatoriedade do pagamento do dízimo, imposto destinado diretamente à Igreja.

O auge das reformas promovidas pelos papas, nesse período, deu-se com Gregório VII (1075-1085).
Nela, a sacralidade do papa foi reafirmada, com o pontífice sendo considerado santo apenas por
possuir o cargo. Entre outras medidas, estavam o aumento do poder papal em punir os clérigos
e em depor ou reestabelecer os cargos de bispos sem a necessidade de convocar um sínodo. A
Reforma Gregoriana deu plenos poderes ao papa e à Igreja, vista como instituição perfeita que
jamais erraria. Mais uma vez, o papado e o Império entrariam em conflito.

Gregório VII proibiu que os poderes leigos nomeassem os bispos, o que acarretou numa
interferência do poder temporal do imperador. Contrariando essa premissa, o imperador Henrique
IV desafiou o papa e nomeou o bispo de Milão. Como resposta, o pontífice repreendeu o imperador,
que reagiu afirmando que o papa estava deposto. Em contrapartida, o papa excomungou
Henrique IV e liberou os súditos da fidelidade que deveriam prestar a ele. Revoltada contra a
situação, a nobreza alemã levou o imperador até o pontífice para pedir seu perdão. Gregório VII
resolveu retirar a excomunhão, mas ganhou, em troca, um grande inimigo ao reestabelecer o
poder imperial nas mãos de Henrique IV. Este elegeu um antipapa e marchou para Roma para
retirar Gregório do poder. Gregório conseguiu fugir, morrendo logo depois, mas todos os papas
seguintes reafirmaram as ideias de sua reforma. Essa contenda ficou conhecida como “Questão
das investiduras” e pode ser considerada uma das disputas mais importantes entre o Império e
a Igreja durante a Idade Média.

A Itália tornou-se o principal palco de disputas entre o papado e o Império. A população dividiu-se
em dois grupos: o dos guelfos (apoiadores da Igreja) e o dos gibelinos (apoiadores do Imperador).
Obviamente, as disputas entre os poderes locais sempre aconteceram, mas a Igreja acabava, de
uma forma ou de outra, contornando a situação.

No âmbito das reformas, os mosteiros clunienses também sofreram muitas críticas, especialmente
em relação ao ócio e à vida luxuosa que eles tinham graças às doações. Como resposta, surgiu uma
nova ordem monástica que tinha como objetivo resgatar a originalidade da ordem beneditina,
mas trouxe, também, algumas novidades. Era a ordem de Cister, que surgiu igualmente na
Borgonha. Ao contrário dos monges de Cluny, os cistercienses trabalhavam a terra e eram, em
sua maioria, de origem nobre, com exceção dos conversos. Eles rapidamente se espalharam por
toda a Europa em mosteiros masculinos e femininos. Deles, saíram alguns papas e foram muito
importantes no combate às heresias que cresciam de forma espantosa.

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Poder, economia e sociedade na Idade Média • CAPÍTULO 3

No século XIII, a Igreja atingiu o auge do poder político e espiritual. Os papas julgavam,
legislavam, fiscalizavam, tributavam, controlavam as universidades, determinavam os códigos
de comportamento dos leigos, se uma profissão era lícita ou ilícita, e os valores culturais,
tornando-se a instituição com maior poder ideológico da Idade Média.

Soma-se a isso o aparecimento das ordens mendicantes, franciscanos e dominicanos. Em seus


princípios, elas criticavam o enriquecimento e a institucionalização da Igreja, pregando a pobreza,
a penitência e uma vida regrada igual a que Jesus teria tido. Seus monges não ficariam isolados
nos monastérios, como os beneditinos. Ao contrário, eles pregariam pelas cidades, vivendo de
esmolas e arrecadando dinheiro para os pobres. Por outro lado, eles estavam inseridos na nova
conjuntura que denotou do crescimento das cidades, pois a arrecadação de esmolas não deixava
de ser uma forma encontrada para que os burgueses enriquecidos purgassem seus pecados.
Mostrando-se como uma grande ameaça à Igreja, os mendicantes acabaram sendo abarcados
pela ortodoxia, transformando-se nas ordens mais influentes do final da Idade Média. Recebiam
generosas doações, enriquecendo seus conventos e a eles mesmos, muitas vezes fugindo de seus
ideais iniciais. Os franciscanos estiveram presentes nas principais cortes europeias, influenciando
diretamente monarcas e senhores.

Os dominicanos, mais reservados e que não adotaram uma pobreza tão rigorosa como os
franciscanos, ligaram-se facilmente à ortodoxia da Igreja e foram os grandes combatentes das
heresias tanto na Idade Média quanto no período moderno. A eles, foi entregue o Tribunal do
Santo Ofício (a Inquisição), ainda pelo papa Gregório IX, em 1231. O sucesso dos mendicantes
foi grandioso e, no século XIV, eles eram maioria entre as ordens monásticas. Sua influência e
seu papel naquela sociedade podem ser vistos na grande quantidade de documentos produzidos
no período, inclusive por pensadores e artistas renascentistas, como foi o caso do genial Giotto
di Bondone, um dos precursores desse movimento na área das artes.

Figura 8. “Renúncia aos bens mundanos” (1297-1299), de Giotto di Bondone.

Fonte: <https://enfaseemhistoriadaarte.wordpress.com/2013/04/05/aula-3-o-afresco-continuacao-2/>.

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CAPÍTULO 3 • Poder, economia e sociedade na Idade Média

Saiba mais

A Imagem feita pelo artista italiano Giotto encontra-se na Basílica de São Francisco, na cidade de Assis (Itália). Nela, o santo
padroeiro dessa igreja e criador da ordem mendicante se desliga de todos os bens materiais para viver à semelhança de
Cristo.

Com o poder da Igreja crescendo juntamente com o fortalecimento das monarquias, obviamente
que o poder temporal e o espiritual teriam mais algumas disputas importantes. No final da
Idade Média, na França, uma disputa entre o papa e o rei ocasionou um grande cisma da Igreja,
momento em que ela conviveu com dois pontífices.

Tudo começou no final do século XIII, quando o papa Bonifácio VIII proibiu que os poderes laicos
cobrassem taxas sobre os bens da Igreja, entre outras medidas. Como resposta, Filipe IV resolveu
proibir a saída de dinheiro e metais preciosos do país, expulsou os coletores de impostos papais e
mandou prender um bispo. Por causa da repreensão papal, o rei francês acusou Bonifácio VIII de
ter sido eleito de forma ilegítima e o aprisionou. Ainda que o papa tenha escapado logo depois,
sua figura ficou desmoralizada, assim como o poder político da Igreja.

Logo em seguida, no início do século XIV, o papa Clemente V sai de Roma e se estabelece na cidade
de Avignon, com medo das violentas disputas entre famílias nobres romanas, da intimidação
do poder das comunas e com a ameaça de um rei germânico que pretendia ser coroado como
Imperador. Pela proximidade dessa cidade com o reino francês, o papado acabou sofrendo forte
influência dessa monarquia. A maior parte dos cardeais escolhidos nesse período era francês e
todos os papas que reinaram em Avignon também.

Essa mudança acarretou num maior desgaste da Igreja e numa menor confiança no papado por
parte dos demais reinos. Com a dificuldade de manter o domínio sobre as terras italianas da
Igreja, o pontífice Gregório IX decidiu voltar a Roma, mas as divergências dentro do próprio alto
clero fizeram com que a Igreja (símbolo de universalidade e unicidade) se dividisse. Ocorreu o
chamado “Cisma do Ocidente” (1378-1417), momento em que a Igreja possuiu duas autoridades
máximas, uma estabelecida em Roma e a outra em Avignon. Os reinos europeus dividiram-se
em dois partidos, com alguns seguindo as regras do papa romano e outros seguindo as do papa
de Avignon.

O fortalecimento das monarquias aconteceu ao mesmo tempo em que a Igreja perdia seu poder
político, o que acarretou, também, numa maior autonomia dos religiosos em nível local. Na
Inglaterra de meados do século XIV, era proibido apelar aos tribunais eclesiásticos em processos
que ocorriam no reino. Na França do século XV, os reis passaram a nomear os cargos eclesiásticos
e ambos os reinos proibiram o envio de taxas eclesiásticas para fora de seus territórios.

52
Poder, economia e sociedade na Idade Média • CAPÍTULO 3

Havia, ainda, os religiosos que defendiam que as decisões da Igreja deveriam ser feitas por meio
de concílios, e não apenas da decisão unívoca do papa. A teoria conciliarista afirmava que o
poder dos concílios estava ligado diretamente a Cristo e todos lhe deviam obediência, inclusive
o pontífice.

Com o Concílio de Constança (1414-1418), o papado foi novamente unificado em Roma, mas
não mais com a mesma força política que antes. Entre seus opositores, estavam os concílios,
as monarquias, os estados italianos e uma nova concepção cultural e artística que surgiria na
própria Península Itálica no século XIV, adentrando a época Moderna, o Renascimento. O auge
do enfraquecimento do poder da Igreja se dá com a vitória do protestantismo em diversas
localidades da Europa.

Sintetizando

Agora, você é capaz de identificar a expansão demográfica e econômica no período medieval; compreender os fundamentos
do modo de produção feudal; discutir sobre as instituições políticas desse período; compreender como essa sociedade era
organizada (em três ordens: clero, nobreza e povo); e diferenciar o poder temporal do espiritual.

53
CAPÍTULO
CULTURA MEDIEVAL E INÍCIO DA
ÉPOCA MODERNA 4
Apresentação

Neste capítulo, aprenderemos algumas características culturais, políticas e econômicas da


passagem do final da Idade Média para a Idade Moderna.

Inicialmente, veremos os atributos do estilo gótico, uma forma de expressão artística que marcou
a queda do feudalismo, o aumento da população e a ascensão das cidades no período medieval.
Em seguida, compreenderemos as transformações trazidas pelo movimento renascentista que,
em oposição à estética anterior, trouxe o homem para o centro das discussões em todos os
âmbitos da sociedade.

Estudaremos também a conjuntura de crise que se instaurou no território europeu nos séculos
XIV e XV. A forte tensão social trouxe à tona elementos que marcariam a próxima era histórica.
Caso das monarquias que ganharam poder, das críticas à Igreja e de outros fatores que, como
veremos, desencadeariam a chamada “era dos descobrimentos”, um momento áureo que permitiu
o encontro de mundos completamente diferentes e de choques culturais intensos.

Por último, aprenderemos sobre o novo sistema econômico que se impõe, o Capitalismo Comercial
ou Mercantilismo. Esse sistema previa o acúmulo de metais preciosos e o comércio como premissas
fundamentais. É o Capitalismo Comercial que vai dominar a era posterior, a Modernidade.

Objetivos
» Compreender as características do estilo gótico, uma forma de expressão artística
marcante no período medieval.

» Conhecer o movimento renascentista que, em oposição ao gótico, trouxe o homem para


o centro das discussões políticas, sociais, econômicas e culturais.

» Compreender como se deu a “era dos descobrimentos”, período em que as monarquias


europeias, juntamente com os grandes comerciantes, conquistam espaços para a
cristandade, ampliam seus territórios e enriquecem consideravelmente.

» Entender o funcionamento de um novo sistema econômico que se impõe graças ao


período dos descobrimentos e de crescimento do comércio europeu, o Capitalismo
Comercial ou Mercantilismo.

54
Cultura medieval e início da época Moderna • CAPÍTULO 4

Gótico

O estilo gótico desenvolveu-se na Europa da Baixa Idade Média entre os séculos XII e XIV, mas, em
alguns locais, ele se fez presente até o século XVI, com o gótico tardio, caso de algumas obras em
Lisboa, como o Mosteiro dos Jerônimos, por exemplo. O contexto histórico do desenvolvimento
do gótico já foi abordado neste Livro Didático. Foi no período de decadência do feudalismo e de
centralização do poder régio, crescimento das cidades e aumento do comércio e da população
que esse estilo se fez presente, especialmente nos novos centros urbanos.

Contudo, o primeiro destaque que devemos dar é ao nome. Em sua época, o estilo foi denominado
como “ogival”, devido as ogivas das catedrais. O nome “gótico” foi dado pelos renascentistas para
opor a nova arte que havia sido criada à arte anterior. Gótico significa “bárbaro” e foi Giorgio
Vasari (1511-1574) quem nomeou o estilo de forma bastante pejorativa. De qualquer maneira,
como esse nome já está enraizado nos estudos históricos, utilizaremos essa terminologia para
tratá-lo neste Livro Didático.

Figura 9: Mosteiro dos Jerónimos, 1502, Lisboa – Portugal.

Fonte: <http://www.mosteirojeronimos.pt/pt/index.php?s=galeria&galeria=51>.

O gótico nasceu na França, na região de Paris. Em determinadas cerimônias, as igrejas começaram


a ficar lotadas e foi necessário construir novos edifícios, maiores para abarcar toda essa população
ávida por comparecer aos ritos religiosos.

Afirma-se que o estilo foi criado pelo abade Surger, da


Sugestão de estudo
igreja de Saint-Denis (1135-1144). Surger teria tido uma
visão em que a igreja não possuía tantas paredes e tinha Existe um ótimo site sobre História da Arte,
janelas maiores, para aumentar a captação da luz do bastante completo e didático. Para comparar
o estilo gótico com outros estilos, como o
sol e tirar o ar sombrio e escuro das abadias do estilo
renascentista, que veremos adiante, acesse:
românico (estilo anterior). Na imaginação do abade, a luz <www.historiadasartes.com>. =
de Deus deveria preencher a igreja de maneira figurada

55
CAPÍTULO 4 • Cultura medieval e início da época Moderna

e literal. Assim, mandou reconstruir o coro (região atrás do altar maior) de Saint-Denis e o estilo
fora, finalmente, posto em prática.

Logo após, várias outras igrejas começaram a ser reformadas ou construídas na França. São os
casos da catedral de Chartres, de Notre Dame de Paris, da catedral de Reims, da Notre Dame de
Amiens, da catedral de Beauvais etc.

Rapidamente, o estilo espalhou-se pela Europa. Na Inglaterra, a primeira construção gótica é a


catedral da Cantuária. Na região alemã, temos a catedral de Colônia, de Friburgo, São Estévão
de Viena etc. Da Alemanha, o gótico tomou conta da parte oriental da Europa e da Escandinávia.

Na Espanha e na Itália, o gótico aparece de forma “latinizada”, perdendo algumas de suas


características fundamentais, ainda que haja exceções. Já em Portugal, há grande presença do
gótico tardio, que levava vários elementos náuticos consigo, devido ao impacto das Grandes
Navegações para aquela monarquia.

O estilo gótico pode ser visto na arquitetura, nas pinturas em madeira, na escultura (normalmente
parte de um edifício) e na iluminura (um desenho feito em pergaminho – uma espécie de papel
produzido a partir da pele de um animal).

A arquitetura, talvez, seja o tipo de arte mais importante para o estilo gótico, pois o grande objetivo
desse estilo era trazer a magnificência de Deus para os adeptos do cristianismo. A catedral gótica
simbolizava a Cidade Celestial e seu esplendor comprovava a existência de outro mundo além
do terreno.

A catedral gótica tem como características básicas a abóbada de cruzaria ou nervurada e o arco
ogival ou agudo. A abóbada de cruzaria é constituída por dois arcos que se cruzam no espaço
apoiados no casco da abóbada. Já as arestas ou nervuras são as estruturas que suportam o peso
da abóbada e que cruzam em formato de “X”, dividindo-a em quatro partes. O arco ogival ou
agudo tem uma leveza que dá a impressão de que ele está se elevando, dando um sentido de
verticalidade, apontando para o céu. O interior da catedral tem formato de cruz latina. Na parte
longitudinal, próximo da região onde nasce o sol, fica o altar-mor. Logo atrás, no coro, fica o
cruzamento dos braços da cruz.

As igrejas são projetadas para receber o maior número de pessoas possível e para que elas se
sentissem realmente pequenas frente a grandiosidade de Deus. Por essa razão, a altura das igrejas
góticas é consideravelmente grande para os parâmetros da época. Em sua zona alta, abrem-se
grandes janelas de lancetas, com vitrais coloridos e figurativos. As cores predominantes são o
vermelho, o violeta e o verde-esmeralda. A luz do sol é filtrada pelos vitrais e difunde-se pelo
interior do edifício, dando uma sensação de êxtase ao fiel.

56
Cultura medieval e início da época Moderna • CAPÍTULO 4

Em seu exterior, há uma série de aberturas, portais, janelas, rosáceas, arcos, estátuas. Normalmente,
há duas torres e três portais que dão acesso a três naves no interior da igreja. Na parte superior,
é colocada uma grande rosácea com seus belos vitrais que representavam, ao mesmo tempo,
o sol (símbolo de Cristo) e a rosa (símbolo de Maria). Por último, as igrejas góticas tinham uma
relação estreita com as esculturas, as grandes estátuas, os baixos-relevos, floreados das agulhas,
das pilastras e dos contrafortes.

Figura 10: Catedral de Barcelona, finalizada em 1448.

Fonte: <http://www.catedralbcn.org/>.

É importante salientar que a arquitetura gótica não foi uma exclusividade das catedrais. Diversos
mosteiros, castelos, muralhas, pontes, palácios também foram construídos nesse estilo, para
agradar clérigos, nobres e uma nobreza enriquecida que contratava os mesmos arquitetos dos
edifícios religiosos.

Não há muitas pinturas na arte gótica. Nas catedrais, os espaços vazios eram a prioridade e o
número diminuto de paredes fazia com que os afrescos não fossem permitidos. Nesse sentido, a
pintura gótica religiosa ficou destinada à prática na madeira. Pessoas enriquecidas financiavam
pinturas em pequenos retábulos e altares portáteis para sua própria devoção e religiosos
encomendaram os altares e grandes pinturas em painéis ou dobradas em várias partes (políptico)
que podiam ser colocadas em qualquer espaço da igreja.

O políptico é um conjunto de painéis unidos entre si e foi a principal representação dessa arte
no estilo gótico. Quando é formado por dois painéis, seu nome é “díptico” e, quando é formado
por três, ele se chama “tríptico”.

Já a iluminura era a pintura mais utilizada na época e mesmo anteriormente ao período. Desde
à época do Renascimento Carolíngio que as iluminuras tiveram um ambiente propício para se
desenvolver. Elas são desenhos feitos em pergaminho, ou seja, nos livros da época. Normalmente,
as iluminuras compunham livros pesados e de difícil acesso às pessoas, mas, no período gótico,
alguns ateliês laicos apareceram para produzir livros litúrgicos para os leigos repletos desses

57
CAPÍTULO 4 • Cultura medieval e início da época Moderna

desenhos. São exemplos os livros de horas (como o do Duque de Berry, já demonstrado em


nossos primeiros capítulos), os saltérios, missários, alguns livros da bíblia etc.

Figura 11: Iluminura no Saltério de Ingeborg (1195). Museu do Conde de Chantilly.

Fonte: <https://abrancoalmeida.com/2011/04/24/iluminura-salterio-de-ingeborg/>.

Renascimento

Um dos movimentos culturais mais importantes da história do Ocidente, o Renascimento,


começou na Península Itálica, no século XIV, mais precisamente na Toscana, e teve como
primeiros grandes personagens as figuras de Dante Alighieri, Giovanni Boccacio, Francesco
Petrarca e Giotto di Bondone. No século XV, o movimento fez-se presente em outras localidades,
como França, Portugal, Bruges, reinos germânicos, Países Baixos etc. Uma parte considerável dos
estudiosos considera que esse movimento teria durado até o século XVII, adentrando muitos anos
da época Moderna. O que é mais importante verificarmos para este estudo é que o humanismo
proposto pelo movimento foi grande responsável para que os historiadores e pensadores da
época considerassem que a Idade Média estava no seu fim e uma nova era começaria.

Foi nas cartas e nos poemas de Francesco Petrarca (1304-1375) sobre Roma que surgiu a oposição
entre um passado “obscuro, retrógrado e bárbaro” e um futuro próspero, com o “retorno” da
Antiguidade Clássica. Pouco depois, esse contexto levou o nome de Renascimento e o período
anterior a ele foi chamado de Idade Média, um termo que simplificou mil anos de história em
um período intermediário entre a Antiguidade e a época Moderna.

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Cultura medieval e início da época Moderna • CAPÍTULO 4

Figura 12: “A Primavera” (1456-1457), de Sandro Botticelli.

Fonte: <https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=7963136>.

Mas o conceito de “Renascimento”, como aquilo que


Saiba mais
seria a retomada de preceitos da Antiguidade clássica
que teriam sido abandonados e retomados apenas no A pintura original de “A Primavera”, de
século XIV, surgiu com Giorgio Vasari, que escreveu uma Botticelli, encontra-se na Galeria Uffici,
em Florença (Itália). Nela, é possível ver os
obra cronológica com a vida dos artistas do movimento
detalhes de sombra e luz da arte renascentista,
renascentista. Dividida em três partes, ele procurou técnicas não utilizadas nem na arte bizantina,
identificar os responsáveis pelo início das “primeiras nem na arte gótica do período anterior.

luzes” – como o caso de Giotto –, os que teriam avançado


um pouco – como Jacopo della Quercia e Pietro Perugino –, e os que alcançariam a perfeição
(em seu ponto de vista) – como Leonardo da Vinci e Michelangelo. Já o grande clássico de Jacob
Burckhardt (A Cultura do Renascimento na Itália: um ensaio. São Paulo: Companhia das Letras,
2003), do século XIX, foi quem definiu o movimento como sendo de “descoberta do mundo e do
homem”, um momento de florescimento do espírito humano.

Apesar de bastante conhecido por suas obras artísticas grandiosas, o Renascimento não se deu
somente no âmbito da pintura e da escultura. O movimento trouxe ideias que acompanharam
transformações sociais, culturais e políticas que adentraram, pouco a pouco, por toda a Europa
e seriam responsáveis pela criação do homem moderno.

Foi, principalmente, a noção de homem que mudou radicalmente todos os âmbitos daquela
sociedade. Antes do Renascimento, o pensamento era coletivo. A cristandade, o reino, o Império
eram conceitos que abarcavam inúmeras pessoas. Os nobres, os clérigos e os trabalhadores
nunca eram vistos como indivíduos, mas, sim, como grupo. O humanismo colocou o homem
no centro do mundo e, com isso, fez despertar o interesse pelo conhecimento do corpo,
definiu novas formas de pensar o sagrado (que influenciou enormemente o protestantismo),
de pensar a política (incentivando as monarquias e exaltando a figura do rei) e auxiliou no
desenvolvimento das ciências. O homem podia (e devia) compreender os segredos do mundo,
achar respostas, soluções.

59
CAPÍTULO 4 • Cultura medieval e início da época Moderna

No campo artístico, os personagens envolvidos preocupavam-se com as ideias de perfeição,


harmonia, equilíbrio, graça, proporção e simetria. As pinturas ganharam um caráter tridimensional,
em que era possível ver a sombra, a profundidade. A escultura tinha suas formas perfeitas. No
caso das baseadas em seres vivos, a definição dos músculos e a proporção dos membros faziam
com que aqueles seres parecessem, de fato, ter vida, demonstrando um completo domínio de
anatomia. A própria ideia de “arte” foi modificada. Se antes, o artista era o artífice (ou artesão),
aquele que trabalhava com as mãos e pertencia a uma corporação de ofício, agora, as obras eram
reconhecidas por quem as produzia, pelo ateliê que as produzia sempre em nome de seu mestre.
O primeiro a constituir um ateliê e a ser reconhecido como artista foi Giotto, mas, logo depois,
os grandes mestres da arte renascentistas foram igualmente reconhecidos.

Figura 13: “O Homem Vitruviano” (1490), no desenho de Leonardo da Vinci.

Fonte: <http://www.desenhoonline.com/site/o-que-e-o-homem-vitruviano/>.

Saiba mais

Leonardo da Vinci, um dos maiores artistas de todos os tempos, foi um homem renascentista. Assim como ele, inúmeros
outros personagens do movimento englobavam várias habilidades, não sendo eles especialistas em apenas uma delas. O
desenho do “Homem Vitruviano” levou esse nome, pois foi baseado na obra “Os dez livros de arquitetura”, do romano Marco
Vitruvio Polião. Inúmeros autores renascentistas estudaram o seu tratado, pois era considerado o cânone das proporções do
corpo humano, comprovando a preocupação com a proporção e a anatomia por parte desses personagens.

Na escrita, os renascentistas retomavam filósofos clássicos pouco utilizados ou pouco conhecidos.


A língua usada era, cada vez mais, a língua local, a exemplo de Dante Alighieri, que escreve
no idioma toscano e foi considerado como o pai fundador da língua italiana. Ao contrário do
ensino universitário, baseado na escolástica e cuja língua utilizada, em grande parte das obras
analisadas, era o latim, os renascentistas queriam ser lidos por um grupo mais abrangente de
pessoas, notadamente a burguesia crescente que era alfabetizada.

O movimento renascentista, ao contrário do que pode parecer, não foi encarado (num primeiro
momento) de forma negativa pela Igreja. Basta observarmos o Estado do Vaticano, com suas
inúmeras obras do período, como o caso dos afrescos da capela sistina. De fato, os papas foram

60
Cultura medieval e início da época Moderna • CAPÍTULO 4

importantes mecenas e financiaram inúmeros artistas. Por outro lado, com o passar do tempo e
o desenvolvimento das ciências lado a lado com o surgimento do protestantismo e das heresias,
a Igreja teve necessidade de frear determinados avanços e descobertas que poderiam ir contra
sua ortodoxia. Foi o caso, por exemplo, de Galileu Galilei, que, no século XVII, influenciado pela
teoria heliocentrista de Nicolau Copérnico (1473-1543), reafirmou sua validade por meio de
estudos profundos, contestando a ideia da Igreja de que a terra era o centro do universo. Galileu
foi condenado pela Inquisição por heresia, assim como outro companheiro Giordano Bruno
(1548-1600), condenado à morte por defender as mesmas ideias em período anterior.

Segundo Jean Delumeau (A Civilização do Renascimento –


Atenção
volume I. Lisboa: Editorial Estampa, 1983), as premissas do
movimento renascentista foram responsáveis pelas expedições Cabe destacar que a Igreja, devido aos
marítimas, pela fundição do ferro e utilização das armas de seus preceitos, não podia condenar à
morte um cristão. Assim, ela utilizava
fogo, pela intensificação das trocar comerciais, pelo uso mais
o método de “relaxar ao braço secular”,
efetivo do relógio e, por isso, do tempo, pela necessidade de que significava que o indivíduo
se produzir mais obras escritas e a consequente invenção da condenado por heresia passaria

imprensa, por uma maior preocupação com a razão e com para um tribunal laico e, aí sim, seria
condenado à morte.
o homem, entre outras inovações que se desenvolveriam na
modernidade.

Mas, apesar de toda a genialidade dos humanistas, seria injusto dizer que o período medieval
abandonou a tradição clássica. Os filósofos cristãos, como Santo Agostinho (354-430) e São Tomás
de Aquino (1225-1274), e os muçulmanos, como Avicena (980-1037) e Ibn Khaldun (1332-1406),
foram influenciados diretamente por textos greco-romanos. Platão e Aristóteles eram os mais
citados, mas o próprio poeta Virgílio, aquele que guiaria Dante no inferno e no purgatório era
bastante apreciado. Mesmo nas universidades – instituições que datam do século XII – havia a
leitura desses textos, como no curso de Direito, ligado às leis romanas. O latim, a língua mais
enaltecida por Petrarca, era, também, a do cristianismo vigente. O prazer ao qual Boccaccio se
apegava era perceptível em outras obras, em lugares distantes da Europa, como é o caso dasMil e
uma noites, de origem oriental. Além disso, nas obras humanistas, apesar de o homem aparecer
com centralidade nos discursos, a religião nunca foi exatamente abandonada: estava sempre
presente, lado a lado, e não de forma periférica.

Inserido no contexto da Idade Média, o Renascimento foi um movimento de parte de uma


elite. Junto com ele, ocorreram inúmeras manifestações culturais de grupos locais e de grupos
étnicos em diversas localidades. Um exemplo disso são os folhetos com poemas simples que
eram vendidos durante todo o século XIV para uma população pouco alfabetizada. Arquitetos,
contrários ao movimento humanista, continuaram construindo no estilo gótico, a exemplo do
Mosteiro dos Jerônimos e da Torre de Belém, no período Manuelino português, no início do
século XVI. Uma gama enorme de culturas convivia conjuntamente e as características mais
inovadoras do Renascimento foram inseridas lentamente na vida das pessoas comuns. Mas, se

61
CAPÍTULO 4 • Cultura medieval e início da época Moderna

o Renascimento do século XIV tinha inúmeras características medievais, no século XVI, ele já
havia se desenvolvido de tal maneira que era impossível retornar à época em que o homem não
era mais o centro do mundo.

Sugestão de estudo

Você sabia? O movimento Renascentista nasceu na Itália, onde se desenvolveu, talvez, como em nenhuma outra localidade.
No entanto, várias outras regiões europeias também se destacaram pela inclusão do humanismo na arte, nas letras, na
arquitetura etc. Para informações sobre a multiplicidade desse movimento que desencadeou na época Moderna, ver:
<http://www.revistadehistoria.com.br/revista/edicao/98>.

Séculos XIV e XV – crise e tensão social

Se por um lado, a Baixa Idade Média foi extremamente rica culturalmente, por outro, os séculos
XIV e XV foram de intensas crises sociais e econômicas. Em primeiro lugar, como já constatamos,
houve uma baixa demográfica considerável devido às sucessivas epidemias de peste. Em segundo,
houve um grave problema econômico, cujas causas são sempre rediscutidas pelos estudiosos.

Após o crescimento proporcionado pelo feudalismo, a Europa feudal entrou numa fase de
depressão, a partir de meados do século XIV, que durou até princípios do XVI em muitas
localidades. O Feudalismo necessitava de terras férteis em abundância e mão de obra farta e
disponível, características que desapareceram no século XIV. A economia feudal esgotou-se e
desencadeou sua própria decadência.

Os alicerces do Feudalismo eram frágeis. No setor primário (no campo), a produção era estática e
o senhor feudal investia muito pouco para aumentá-la. Por outro lado, a demanda por alimentos
crescia junto com a população, ocasionando numa falta desses produtos básicos. Além disso,
se houvesse qualquer desastre natural que prejudicasse a plantação, muitas pessoas ficavam
famintas. De fato, nos séculos XIV e XV, devido às intensas degradações ambientais de períodos
anteriores, houve muitos desastres como temporais, grandes oscilações de temperatura e seca,
dependendo da região.

Com a diminuição dos recursos e a procura por alimentos, o setor secundário (manufaturas)
também foi prejudicado. As pessoas preferiam gastar com sua subsistência, o que acarretou numa
menor compra de produtos artesanais. As manufaturas urbanas organizadas em corporações de
ofício perderam mercado para produções rurais, menos complexas, mas muito mais baratas para
o homem medieval. Como as corporações de ofício tinham privilégios concedidos por senhores
feudais e reis, elas fizeram valer seus direitos de monopólio de produção e os trabalhadores
urbanos e rurais entraram em diversos conflitos.

62
Cultura medieval e início da época Moderna • CAPÍTULO 4

Já o setor terciário sofreu com todas as baixas dos demais setores da economia. Tanto os bancos
quanto o comércio viram seu lucro diminuir consideravelmente. Alguns bancos chegaram a fechar
por falta de pagamento das dívidas devido à crise. Somam-se a isso os altos impostos devidos
às monarquias por conta das guerras. Um dos maiores exemplos foi a Guerra dos Cem Anos,
travada entre França e Inglaterra, que taxou os comerciantes para poder financiar os combates.

Outro grande problema econômico veio com a reafirmação das monarquias. O soberano era
responsável pela cunhagem da moeda e por estabelecer o seu valor. Com a necessidade de
cunhar mais moedas devido às guerras e à escassez de metais preciosos, muitos deles resolveram
diminuir a quantidade de metal, mas mantendo o valor nominal. Isso ocasionou uma grande
inflação em que o próprio rei foi prejudicado, pois os impostos eram pagos com essa mesma
moeda desvalorizada. Além disso, devido à crise de produção e ao entesouramento daqueles que
sabiam das mudanças efetuadas na cunhagem, houve uma diminuição da circulação monetária.

Pouco a pouco, com a diminuição da população, abandono das áreas de produção pouco férteis
e, principalmente, com a expansão ultramarina, a economia foi se reestabelecendo, no final
do século XV. Claro que isso variou de local para local. As grandes potências marítimas, como
Portugal e Espanha, foram privilegiadas nesse aspecto, tendo em vista o vasto comércio que se
iniciou com o Oriente e com as terras descobertas da América. Uma nova conjuntura econômica
surgiria com o acúmulo de metal precioso por parte das monarquias e com o grande comércio
ultramarino. Uma nova fase da história econômica começaria.

Era dos descobrimentos

Outro marco da passagem da época medieval para a época Moderna são as descobertas dos
territórios antes desconhecidos pelos europeus. É importante destacar, no entanto, que as
viagens marítimas nunca cessaram. Elas diminuíram em alguns momentos-chave, como quando
os muçulmanos dominaram o Mediterrâneo e os cristãos tinham mais dificuldade em navegar
naquela área, ou quando a Europa estava tão ruralizada que não valia a pena investir muito no
comércio feito com longas distâncias. Contudo, é necessário ter em mente que o comércio nunca
deixou de existir e tampouco as viagens deixaram de ser feitas. Muitas dessas excursões eram
relatadas em livros e tinham grande sucesso entre os nobres e a burguesia letrada. Foi o caso do
livro sobre “as viagens de Marco Polo”, produzido pelo mercador veneziano que se estabeleceu
por muito tempo no Oriente, dentro do Império Mongol. Esses relatos de viagens para locais
distantes da cristandade eram sempre permeados de imaginário, histórias fantásticas e elementos
mitológicos do cristianismo. Essa tradição de contar as viagens tem origem na cultura grega,
principalmente na “Odisseia”, de Homero, em que o autor conta a saga de Odisseu para retornar
da guerra de Troia para sua casa. Nessa saga, o herói passa por inúmeros perigos fantasiosos
para o homem de hoje, mas os gregos acreditavam realmente naqueles acontecimentos, assim
como o homem medieval acreditava que existiam seres extraordinários que viviam nos oceanos.

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CAPÍTULO 4 • Cultura medieval e início da época Moderna

Sugestão de estudo

No Netflix, há uma série chamada “Marco Polo”, que conta a saga do viajante italiano para o Oriente e como ele conseguiu
sobreviver num ambiente relativamente hostil à sua cultura. Claro que existem vários elementos que não são verossímeis em
relação ao que ocorria na Idade Média. Que tal ver alguns episódios e tentar identificar quais elementos poderiam acontecer
e quais jamais ocorreriam tendo em vista o contexto histórico?

Na época medieval, o homem não conhecia todo o planeta. Para essas pessoas, o mundo era
composto apenas dos seus domínios e por outros territórios que eles já tinham ouvido falar.. O
mundo era dividido em três partes: o que chamamos, hoje, de Europa, de Ásia e de África. Na
concepção deles, só havia um oceano que ligava todas as regiões, uma área permeada por perigos
e habitada por monstros. O medo do desconhecido e a falta de técnicas fez com que os homens
ficassem em regiões consideradas seguras, não indo muito além da costa atlântica.

Mas, com o conhecimento de novos instrumentos e novas técnicas vindas do Oriente (como
veremos, a seguir, quando estudaremos os povos muçulmanos), tais como a ampulheta, a
balhestilha, o astrolábio, a bússola, o quadrante etc., além do próprio desenvolvimento cultural
do Ocidente – por exemplo, o desenvolvimento da caravela pelos portugueses, uma embarcação
maior, mais forte e potente para desbravar os mares desconhecidos – fez com que essa população
tivesse vontade de conquistar pessoas e territórios. Essa era uma forma de enriquecer e de
cristianizar povos considerados infiéis.

Isso tudo se tornou mais forte no século XV. Com o desenvolvimento da literatura, com a vontade
de conquistar novas terras para o cristianismo e de converter pessoas para a fé cristã. Além disso,
com a melhora do comércio e o enriquecimento dos burgueses, havia riqueza disponível para
realizar empreitadas mais perigosas.

No século XV, mais precisamente em 1415, o reino português tem sua primeira batalha no norte
da África, o que significou a conquista de um território para Portugal e o início de seu crescimento
e formação de um império. A conquista de Ceuta, promovida pelo rei D. João, primeiro da
Dinastia de Avis, trouxe riquezas e poder simbólico para um reino aparentemente pequeno e
frágil. Portugal continuou investindo na África, ainda que nem sempre tenha sido vitorioso, mas
sua grande vontade mesmo era de descobrir um caminho alternativo para as Índias, na Ásia.
Comentavam, naquele momento, que as Índias eram regiões repletas de ouro, marfim, pimenta
e escravos, mercadorias que chamavam muita atenção e tinham alto valor no período.

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Cultura medieval e início da época Moderna • CAPÍTULO 4

Figura 14: Mapa- Múndi de Valência, 1459-1463.

Fonte: <http://www.layers-of-learning.com/a-grid-on-our-earth-an-exploration-on-map-grids/>.

Tanto Portugal quanto os reinos espanhóis, agora unidos pelos reis Fernando e Isabel, foram
pioneiros na expansão marítima. Enquanto os portugueses continuavam tentando chegar às índias,
um mercador genovês chamado Cristóvão Colombo consegue financiamento dos reis espanhóis
para partir em direção às índias pelo Ocidente. Colombo, por meio de observações, como o fato
de olharmos para o horizonte e não conseguirmos ver o fim, imaginava que a terra era redonda
e que podíamos chegar até a Ásia indo pelo caminho oposto. Foi nesse contexto que, em 1492,
ele chega a um território que nenhum europeu jamais teria pisado e que, posteriormente, seria
chamado de América, em homenagem a outro grande navegador italiano, Américo Vespúcio.

Colombo, como nunca havia estado nas Índias, acreditou que aquele território era a Ásia e, por
essa razão, chamou sua população de indígena, nomeação que permanece até nossos dias.
Contudo, é comum que os pesquisadores chamem esses povos de ameríndios, denotando que
eles são os primeiros nativos da América. Colombo chega à região que conhecemos, hoje, por
São Salvador, nas Bahamas, com apenas três caravelas denominadas Santa Maria, Pinta e Nina.

Mas os portugueses não ficaram para trás. Poucos anos depois, em 1498, o comandante Vasco da
Gama contornou o Cabo das Tormentas (ou Cabo da Boa Esperança, nomes dados ao ponto mais
ao sul do continente africano e que os marinheiros tinham grande dificuldade de navegar), na
África, e conseguiu chegar a Calicute, na Índia. Os portugueses acharam, finalmente, uma forma
de chegar às Índias sem precisar passar por intermediários e pagar altas taxas pelos produtos do
Oriente. Além disso, com as caravelas, os portugueses podiam trazer grande quantidade dessas
mercadorias e, por muito tempo, tiveram monopólio da venda desses produtos na Europa, o que
fez com que o reino enriquecesse consideravelmente.

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CAPÍTULO 4 • Cultura medieval e início da época Moderna

Figura 15: Vasco da Gama, navegador português.

Fonte: <http://heroismedievais.blogspot.com.br/2012/05/cerimonia-de-partida-de-vasco-da-gama-2.html>.

Após o retorno de Vasco da Gama com a notícia, o rei português D. Manuel I manda outra
expedição para a Ásia, com o objetivo de estabelecer relações comerciais com os indianos.
Dessa vez, ele manda como comandante um nobre chamado Pedro Alvarez Cabral e que dizem
que se perde no oceano Atlântico, encontrando o que, hoje, chamamos de Brasil. Cabral chega
à atual região de Porto Seguro, na Bahia, que ele chama de “Terra de Vera Cruz”. Cabral fica por
uma semana na região tendo contato com os nativos e, depois, parte novamente para as Índias,
para cumprir com seu objetivo. Contudo, ele não sai das novas terras sem antes realizar uma
missa e ocupar o território para a Coroa portuguesa. Em 22 de abril de 1500, o contato entre dois
mundos completamente diferentes iniciou nosso processo de fabricação do que é o país que
chamamos de Brasil.

É importante salientar que essas descobertas só foram possíveis em um ambiente com características
medievais. Havia um projeto de expansão da fé cristã, um projeto de expansão dos reinos europeus
e de desenvolvimento do comércio que crescia cada vez mais. O homem que chega na América
é permeado por elementos do medievo, principalmente a cultura e o imaginário. Cristóvão
Colombo, por exemplo, conta a história de sua viagem tal como os viajantes medievais faziam e
suas histórias têm grande aceitação no ambiente europeu. Os oceanos ainda refletiam perigo e os
animais fantásticos e imaginários sempre permearam a cabeça dos navegadores daquela época.

Capitalismo comercial ou mercantilismo

Primeiro de tudo, é importante salientar que nem todos os estudiosos da história econômica
consideram a fase comercial que abrange o final da Idade Média e toda a Modernidade como
Capitalismo. Um dos mais importantes teóricos que nomeiam essa fase com esse nome é
Max Weber, mas outros, como Karl Marx, acham que o Capitalismo se inicia com a Revolução
Industrial, em que a “mais valia” (aumento do valor de um bem – o lucro não retorna para
quem o produziu, mas, sim, para quem tem o meio de produção) é mais frequente, bem como a
separação da sociedade em duas classes, a burguesia e o proletariado. Contudo, vocês estudarão

66
Cultura medieval e início da época Moderna • CAPÍTULO 4

essas características posteriormente. Por conta dessa discussão, chamaremos esse novo modelo
econômico de Mercantilismo.

O Mercantilismo começou a ser percebido quando as cidades medievais se desenvolveram


juntamente com o comércio. Nas cidades, devido à necessidade dos citadinos de comprar
alimentos e bem básicos para sua sobrevivência, instituem-se as manufaturas. Elas eram nada
mais do que pequenas indústrias constituídas por um chefe artesão que passava seu ofício
para os seus empregados que trabalhavam em troca de um soldo. Assim, nessa mesma época,
podemos afirmar que houve um aumento considerável da circulação de moedas, outro fator
proporcionado pela centralização política das monarquias.

Os donos dessas manufaturas e seus empregados participavam das Corporações de Ofício, que
eram uma espécie de grupo formado por pessoas da mesma profissão que se ajudava mutuamente.
Determinadas corporações foram tão poderosas que ganharam privilégios régios (como, por
exemplo, a exclusividade de produção de um determinado produto) e muitas delas se tornaram
muito influentes na política local. Além disso, as corporações também intervinham na cultura e
na religião, financiando, inclusive, construções de igrejas, dependendo de sua riqueza.

As corporações de ofício podiam ser de vários tipos. As mais comuns no período foram as de
carpinteiros, alfaiates, ferreiros, sapateiros, padeiros, açougueiros etc. É importante saber que
o limite delas era o do conhecimento da época, assim, focavam nos produtos e nas técnicas
existentes.

Figura 16: Mestre padeiro e seu aprendiz (sem informação de data e produção).

Fonte: <https://idademedia.wordpress.com/2012/08/26/relacoes-entre-patroes-e-empregados-nas-corporacoes-de-
oficio-2/>.

Outro fator importante a ser destacado é que, no período do mercantilismo, a sociedade ainda se
mantinha dividida entre clero, nobreza e povo. Sendo que o povo, agora, era bastante diversificado.
Os donos das corporações de ofício, por exemplo, e os grandes comerciantes e banqueiros
enriqueceram com essa nova fase da economia e começaram a se distanciar do restante da
população, que não tinha nenhum tipo de bem. Essas pessoas enriquecidas começaram a ser

67
CAPÍTULO 4 • Cultura medieval e início da época Moderna

chamadas de burguesas, um nome que, antes, era designado para qualquer pessoa que habitava
a cidade (burgo).

Um dos grandes objetivos dos grandes burgueses era o de virar nobre, ou seja, ter tanta
importância para uma determinada sociedade e para a monarquia que o rei lhe concedia um
título. Mas poucos alcançaram essa dádiva. Em Portugal, por exemplo, importantes comerciantes
dedicados às grandes navegações conseguiram títulos que foram reafirmados em seus filhos, ou
seja, tornaram-se hereditários. Contudo, para que isso ocorresse, o rei devia passar por cima de
uma lei de pureza de sangue muito antiga. Os comerciantes e profissionais tinham uma marca
do ofício mecânico e era proibido alguém conquistar um título de nobreza com essa marca.

Com o aumento da produção manufatureira e com o crescimento do comércio e as monarquias


centralizadas, o mercantilismo tornou-se a prática econômica vigente. Todos do povo pagavam
impostos ao rei que começou a centralizar essas cobranças. Em troca, o rei fornecia segurança
e expansão dos negócios, o que foi muito aceito pela população europeia.

Entre as principais características do Mercantilismo, temos o impulso comercial, com as novas


regiões conquistadas na África, na Ásia e na América, o acúmulo de metais preciosos, o aumento
do poder econômico e social da burguesia, o uso de mão de obra escrava, as leis comerciais
protecionistas, o Pacto Colonial e a balança comercial favorável.

As regiões encontradas e conquistadas tiveram que se submeter às monarquias da Europa. No caso


da América Espanhola, por exemplo, os europeus encontraram rapidamente os metais preciosos
que tanto procuravam, tornando a acumulação algo imediato. Já nas colônias portuguesas, por
exemplo, não foram encontrados esses metais (num primeiro momento), então o processo de
acumulação teve que ser feito por meio do comércio.

Os reis praticavam leis protecionistas em seus territórios que se tornaram imensamente vastos. O
Pacto Colonial realizado entre as monarquias e os territórios conquistados previa exclusividade
de exploração e nas relações comerciais. Além disso, para trabalhar as novas terras sem perder
dinheiro, uma prática deplorável foi realizada, a escravidão. Muitos indígenas foram obrigados
a trabalhar para os europeus e diversas pessoas africanas foram arrancadas de seus territórios à
força, colocadas em ambiente totalmente diferente e forçadas a trabalhos árduos.

O objetivo principal do Mercantilismo era manter a balança comercial da monarquia favorável,


ou seja, devia entrar mais metais preciosos do que sair. Ocorre que, com o grande enriquecimento
de algumas monarquias, esses novos reis poderosos gastaram de forma indiscriminada, nem
sempre conseguindo manter a balança favorável para seu reino. Nesses momentos, os monarcas
aumentavam os impostos e muitos protestos aconteceram.

Como foi possível verificar, após o estabelecimento do Mercantilismo e o fim do Feudalismo,


outra era se impôs sobre o mundo. Agora, completamente conectado e dominado pelos reinos

68
Cultura medieval e início da época Moderna • CAPÍTULO 4

europeus, o contexto era tão diferente do que se apresentou 200 anos antes que os historiadores
acharam que seria melhor separarmos essa era de outra que começa com novas concepções sobre
o homem, sobre a religião, sobre as ciências e sobre a economia. Aqui começa a era Moderna.

Sintetizando

Neste Livro Didático, vimos como o estilo ogival ou gótico foi importante para o desenvolvimento da Igreja e como ele
ficou famoso por ser uma manifestação típica da Idade Média. Vimos, também, que o Renascimento, movimento que
surge na região da Toscana, na Península Itálica, trouxe novas concepções para o homem, colocando-o como centro das
atenções sociais, políticas, econômicas e culturais. Também entendemos a conjuntura de crise dos séculos XIV e XV que
culminaram num novo momento histórico propício à formação de monarquias centralizadas, à expansão marítima e à “era
dos descobrimentos”, tornando o mundo muito maior, pois, agora, pessoas de culturas completamente diferentes passaram
a ter contato mais frequente. Além disso, vimos que os descobrimentos só foram possíveis em outra forma de compreender
a economia, denominada Capitalismo Comercial ou Mercantilismo, que tinha como premissas o acúmulo de capitais, o
comércio e a expansão territorial.

69
UNIDADE III
UMA OUTRA IDADE MÉDIA – IMPÉRIO BIZANTINO E IMPÉRIO
ÁRABE, DUAS ESTRUTURAS ECONÔMICAS, POLÍTICAS E
CULTURAIS INDISPENSÁVEIS PARA A COMPREENSÃO DO PERÍODO
CAPÍTULO
IMPÉRIO BIZANTINO 5
Apresentação

No estudo sobre o período medieval, vimos que as concepções de Ocidente e de Europa apareceram
na Idade Média, se perpetuando até os dias de hoje. O que compreendemos, atualmente, por
“Oriente Próximo”, ou seja, as civilizações do catolicismo ortodoxo e dos diversos povos islamizados
que habitam nas proximidades da Europa cristã, também tiveram suas bases no período medieval
e na relação desses espaços com a cristandade ocidental.

Quanto a isso, um cuidado importante deve ser tomado. Apesar de a Idade Média focar seus
estudos no Ocidente cristão, a história do Oriente e dos muçulmanos não é menos importante
para a história mundial. O pesquisador do medievo deve ter ciência da importância do contato
cultural, econômico, social e político entre os diversos povos. Afinal, foi na riqueza dessas trocas
que as diversas civilizações de formaram.

O Império Bizantino representou a continuidade do Império Romano e sua relação com o


Ocidente sempre foi complicada. Seus imperadores consideravam-se os grandes governantes
de toda a Europa e, simbolicamente, muitas pessoas reconheciam esse poder. Veremos como o
Império Bizantino conseguiu persistir por mais mil anos, sua importância e relevância para a
história medieval e em que momento a religião cristã se separou entre ocidental e oriental, fato
que permanece até nossos dias.

Objetivos
» Compreender o funcionamento do poder, das dinastias e principais imperadores do
Império Bizantino, assim como atentar para seu espaço físico e importância.

» Apresentar uma estética artística diferente do que estamos acostumados no Ocidente.

» Compreender a importância de Bizâncio nos âmbitos político e cultural para o Ocidente


Medieval e que o Império Romano do Oriente persistiu até o fim da Idade Média e era
um representante importante da centralidade do poder.

» Entender como se deu a queda do Império Romano do Oriente e por qual motivo esse
fato é um dos marcos do fim da Idade Média.

71
CAPÍTULO 5 • Império Bizantino

Império Bizantino durante o período medieval

O Império Bizantino tem esse nome devido à localização de sua capital, conhecida como
Bizâncio, na Antiguidade. Posteriormente, a cidade passou a ser chamada de Constantinopla
(em homenagem ao imperador Constantino) e, atualmente, ela é conhecida por Istambul, capital
da atual Turquia.

Mas, na Idade Média, o que chamamos de Império Bizantino era conhecido apenas por Império
Romano. Quando o imperador Teodósio I morreu, em 395, o Império dividiu-se definitivamente
em duas, cada parte governada por um de seus filhos Honório e Arcádio. Contudo, como visto
nos primeiros capítulos, a parte ocidental desfragmentou-se completamente, ficando íntegra
apenas a parte oriental. Rômulo Augusto, o último imperador da parte ocidental, foi deposto
por Odoacro, rei da tribo germânica dos hérulos.

Antes da fragmentação total, o Império Romano já havia se dividido em duas partes administrativas.
A cidade de Constantinopla, capital da área oriental era um porto importante, responsável pelas
trocas comerciais entre o Oriente e o Ocidente, e isso fez com que essa parte do Império fosse
economicamente desenvolvida, podendo se manter por toda a Idade Média, ou seja, a partir do
ano 476, quando a parte ocidental caiu definitivamente, sobreviveu apenas a oriental, mantendo a
maioria das estruturas romanas. Sua manutenção se deve principalmente à sua riqueza. Com ela,
foi possível pagar tributos aos povos invasores, para que eles não ocupassem essa parte do Império,
e aumentar as defesas com o pagamento de mercenários e a construção de muros nas cidades.

Em 527, um dos mais notáveis imperadores do Oriente entrou no poder, tendo um dos reinados
mais longos e prósperos da época (38 anos). Seu nome era Justiniano e ele pôde utilizar o dinheiro
que entrava no Império para desenvolvê-lo ainda mais. Montou a frota de guerra mais importante
de todo o mar Mediterrâneo, para proteger o comércio, e conquistou diversos territórios, inclusive
no Ocidente. A Península Itálica, partes da Península Ibérica, do Egito e outras regiões do norte da
África foram algumas dessas localidades. Para unir povos com línguas e culturas tão diferentes,
Justiniano obrigou todos os habitantes a tornarem-se cristãos. Dessa forma, eles teriam um
componente cultural importante que os identificava como um grupo. Para tornar a conversão
possível, o imperador mandou construir inúmeras igrejas. Um dos maiores expoentes dessa
medida foi a igreja de Santa Sofia.

Figura 17: Vista da basílica de Santa Sofia (Estambul-Turquia).

Fonte: <http://ayasofyamuzesi.gov.tr/>.

72
Império Bizantino • CAPÍTULO 5

Saiba mais

Após a invasão dos Turcos Otomanos, a basílica transformou-se em Mesquita e mudou um pouco sua estrutura interna. Ela
é um símbolo da cultura arquitetônica bizantina do período e, devido a diversos problemas, como terremotos, ela precisou
ser restaurada diversas vezes. É considerada Patrimônio Mundial da Humanidade pela Unesco. A imagem anterior e muitas
outras podem ser encontradas no seu site oficial: <http://ayasofyamuzesi.gov.tr/>.

Justiniano ganhava cada vez mais poder, o que podia ser visto pela grandiosidade de suas
construções, conquistas e medidas. O forte domínio que o imperador tinha sobre os cristãos
de seu império incomodou o papa (líder do cristianismo), que pretendia que as regras para a
prática dessa religião ficassem sob o domínio e controle de Roma. Iniciava ai, a grande disputa
religiosa da Idade Média.

Após a morte de Justiniano, os demais imperadores não foram capazes de manter o vasto território
conquistado e o Império Bizantino conheceu períodos de crescimento e de retração.

Figura 18: Mosaico com a imagem de Justiniano (século VI).

Fonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Meister_von_San_Vitale_in_Ravenna.jpg>.

Atenção

Como vimos nos capítulos anteriores, uma das formas de arte medieval era o mosaico. O mosaico do imperador Justiniano
está na Basílica de São Vital, em Ravena, e foi feito no século VI. Os mosaicos são feitos de pedaços de vidro e cerâmicas
coloridos e colados com argamassa.

No reinado do imperador Heráclio (610-641), a administração e o exército foram reestruturados


e novas características foram adotadas para que o Império se adaptasse às novas conjunturas.
Algumas das mais significativas foram a mudança da língua oficial do latim para o grego e a
adoção de uma religião cristã muito própria e ligada às tradições orientais.

73
CAPÍTULO 5 • Império Bizantino

Mesmo assim, os bizantinos perderam inúmeros territórios. No século VII, os lombardos ocuparam
os territórios italianos, os eslavos adentraram os Balcãs e os muçulmanos conquistaram diversos
espaços no Oriente Próximo, fazendo com que o Império diminuísse consideravelmente.

Durante a dinastia Macedônica (séculos X e XI), o Império voltou a crescer e a viver com
prosperidade até, pelo menos, a invasão dos turcos seldjúcidas que ocuparam vastos territórios na
Ásia Menor, em 1071. Nesse período, foi finalizada a tradução completa do Direito Romano para
o Grego, 60 volumes que se tornaram a base do direito bizantino e que são estudados por juristas
e historiadores até hoje. Sob o reinado de Leão VI, a administração do Império foi reformulada
e o sistema de privilégios e o funcionamento das corporações de comércio de Constantinopla
foram regulamentados. Além disso, povos conquistados pelo Império, como o caso dos búlgaros
e dos sérvios, converteram-se ao cristianismo oriental, fortalecendo as práticas religiosas gregas.

A separação cada vez maior das concepções que regiam o cristianismo e da compreensão do
poder que cuidaria da religião cristã no Oriente e no Ocidente levaram, no século XI, ao que
chamamos de “Grande Cisma”. Como já dito, desde a época do imperador Justiniano que o Oriente
e Ocidente travavam disputas sobre os cânones da Igreja cristã. A separação ocorreu num longo
prazo que culminou na criação da Igreja Católica Apostólica Romana e da Igreja Ortodoxa grega.

O ápice e a separação definitiva ocorreram em 1043, quando Miguel Cerulário se tornou patriarca
de Constantinopla. Miguel promoveu uma campanha contra as igrejas latinas (romanas). Assim,
o papa romano, Leão IX, enviou o cardeal Humberto para negociar e apaziguar os problemas em
Constantinopla. Humberto falhou no seu projeto e a situação se agravou ainda mais quando o
cardeal resolveu excomungar Miguel Cerulário. O ato foi compreendido como se a Igreja Romana
tivesse excomungando toda a Igreja cristã oriental e ocasionou a mesma contrapartida por parte
do Império Bizantino, com a excomunhão do papa e de toda a Igreja do Ocidente, oficializando
a separação entre as duas.

Para refletir

A separação entre as duas Igrejas permanece até hoje. Ainda na Idade Média, nos anos de 1274 e 1439, houve duas tentativas
fracassadas de união das suas Igrejas cristãs. A amizade entre as duas só foi reestabelecida, de fato, em 1965, quando o
papa Paulo VI e o patriarca Atenágoras I retiraram as excomunhões do século XI. Recentemente, o papa Francisco falou da
importância de unir novamente as duas Igrejas. A matéria completa com esse documento pode ser acessada em: <http://
www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2007/11/071115_catolicosortodoxosvr.shtml>.

Logo depois, no século XII, os turcos seldjúcidas invadiram a cidade de Jerusalém e ameaçaram
conquistar o Império Romano do Oriente. Para socorrer os seus territórios, o imperador Aleixo I
pediu ajuda ao papa Urbano II, num momento em que a Igreja romana dispunha de grande prestígio

74
Império Bizantino • CAPÍTULO 5

e poder. Foi com essa aliança política que as Cruzadas (expedições militares cristãs cujo objetivo
era conquistar territórios pertencentes a homens de outras religiões para a Igreja) começaram.

A cidade de Jerusalém sempre foi importante para cristãos, judeus e muçulmanos. Por essa razão,
ela foi (e ainda é) tão disputada por esses religiosos. Com a cidade nas mãos dos turcos (que eram
praticantes do Islã), os cristãos não podiam se aproximar de seus locais sagrados, como o caso
do Santo Sepulcro (local onde Jesus teria sido sepultado). Assim, para manter essa cidade sob
o poder da Igreja cristã, o papa Urbano II convocou alguns dos mais importantes reis e nobres
para formar um exército capaz de lutar contra os turcos e recuperar a cidade para a cristandade.

As Cruzadas começaram em 1096 e duraram cerca de 200 anos. Após a reconquista de Jerusalém,
as forças voltaram-se contra Constantinopla, que foi tomada em 1204, ficando lá por quase 60
anos sob o domínio do papa romano. O Império Bizantino, sob o domínio dos imperadores
paleólogos, conseguiu recuperar sua capital, mas precisou enfrentar diversos reinos rivais durante
mais de 200 anos.

Os turcos, dessa vez os otomanos, permaneceram como uma ameaça eminente. Eles avançaram
lentamente pelo sul da cidade e, em abril de 1453, Maomé II (líder e sultão turco) chegou aos
portões de Constantinopla e decidiu que não sairia de lá até ocupá-la. Seu exército era maior que
a população da cidade e ainda dispunha de técnicas desconhecidas pela população bizantina.
Uma delas, uma invenção chinesa responsável pela criação das armas de fogo, a pólvora. Eles
utilizaram canhões que destruíram os muros citadinos, deixando a população totalmente
desprotegida. A cidade, bastante destruída, foi ocupada e tornou-se, então (em 1453), a capital do
Império Turco Otomano, passando a se chamar Istambul, como é conhecida até os dias de hoje.

Saiba mais

Os turcos seldjúcidas declinaram após a invasão do Império Mongol, mas eles foram os primeiros turcos a conquistarem
Constantinopla. Os otomanos também se fizeram presentes desde o século XI, mas sob a liderança de Osman. Eles formaram
um novo Império no início do século XIV. Foram os turcos Otomanos e não os seldjúcidas os responsáveis pela queda do
Império Romano do Oriente. É importante salientar, então, que existiam vários povos turcos convivendo na mesma época.

Esse acontecimento foi tão importante que alguns historiadores utilizam o marco da queda de
Constantinopla como o fim da época medieval. É importante lembrar que a cidade e o Império
Bizantino favoreciam, anteriormente, o comércio dos produtos orientais no Ocidente. A ocupação
dos turcos fez com que os mercadores ocidentais procurassem outras rotas, inclusive pelos mares,
sendo este um dos muitos motivos que impulsionaram a expansão marítima que ocorreu na
passagem do medievo para a época Moderna.

75
CAPÍTULO 5 • Império Bizantino

Figura 19: Seção restaurada das Muralhas Teodosianas, na Porta de Selímbra.

Fonte: <https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=880970>.

Saiba mais

Na imagem anterior, a muralha externa e o muro atrás do fosso podem ser vistos, juntamente com uma torre da muralha
interna, ao fundo. É possível, facilmente, diferenciar a parte nova da parte medieval, destruída pelos canhões dos turcos.

Saiba mais

Existe um site da Internet chamado “Bizantinística”, criado pelo historiador João Vicente de Medeiros Publio Dias
(doutorando da Universidade Johannes Gutenberg de Maiz), dedicado apenas ao estudo do Império Bizantino. Nele, é
possível acessar artigos de diversos autores, imagens do período e se inscrever para receber as suas atualizações. O endereço
é: <www.imperiobizantino.com.br>.

Bizâncio visto pelo Ocidente

Até pelo menos o século VIII, o Império Bizantino desfrutou de grande prestígio no Ocidente.
Naquele momento, os reinos germânicos reconheciam a legitimidade e a dignidade do Imperador
e respeitavam a sua preponderância sobre os demais reinos. Além das leis bizantinas preverem um
esquema de hierarquias de soberanias, isso também acontecia na prática. O Império Bizantino
interviu na Gália, na Península Ibérica, na Península Itálica e o imperador recebeu, em sua
corte, vários príncipes germânicos, como Clóvis, que recebeu insígnias do Imperador Anastácio,
Chilperico, que recebeu medalhas de Tibério, e Dagoberto, que prometeu ser fiel servidor do
imperador Heráclio.

Foi com a invasão dos muçulmanos no Oriente e dos lombardos e dos carolíngios na Itália que o
domínio do Império Bizantino decaiu. Somam-se a isso as mudanças culturais mais substanciais,

76
Império Bizantino • CAPÍTULO 5

o crescimento das heresias no Oriente e o poder crescente do papa em Roma que aparece como
o guardião da ortodoxia religiosa.

Diversos fatores também fizeram com que o Império Bizantino se afastasse cada vez mais do
mundo ocidental. Na política, um fator primordial foi a intervenção carolíngia na Itália. O papa
Constantino V pediu apoio do Império Bizantino contra os lombardos na Itália, mas recebeu
uma negativa como resposta. Devido a isso, o papa resolveu se aproximar de Pepino, o Breve,
conseguindo o apoio necessário, além da doação de terras que seriam tomadas como patrimônio
de São Pedro para a Igreja. Bizâncio considerou essa união uma afronta e resolveu romper com o
papado. O documento da doação de Constantino (já abordado em capítulo anterior) foi forjado
com o claro objetivo de retirar os bizantinos da península Itálica e de fazer com que o papa
romano fosse considerado o guardião das insígnias imperiais. Dessa forma, somente o papa
poderia confirmar o poder imperial.

A prática dos objetivos do documento se deu com a coroação de Carlos Magno como imperador,
pelo papa romano, ato que foi tomado por Bizâncio como uma rebelião contra o Império. Carlos
Magno, para apaziguar os ânimos, contentou-se em ser chamado “governador do Império Romano”
e não “Imperator Romanorum” (Termo latino para designar o Imperador de Roma). Além disso,
em 812, ele negocia com Miguel Rangabe (o basileus de Constantinopla) a restauração da unidade
política do mundo romano unido por meio de dois impérios irmãos. Bizâncio abandonaria o
norte da Itália, a Ístria e a Dalmácia.

Com o enfraquecimento do Império carolíngio, as preocupações de Bizâncio com o Ocidente


só retornaram com o aparecimento de Oto I. Em princípio, Oto I, quando restaurou o Império
franco, não tinha pretensões antibizantinas. No entanto, devido à negação do imperador do
Oriente em reconhecer o seu título e a oposição de Bizâncio à sua atuação na Itália do Sul, Oto
I resolveu demonstrar e reforçar o caráter romano de seu poder.

Como Bizâncio não socorreu o papado e desprezou o embaixador de Oto, o Ocidente cristão
começou a se opor ao universalismo do Império Romano do Oriente. Soma-se a isso o afastamento
entre o cristianismo praticado por Roma e o praticado por Bizâncio já comentado no tópico
anterior. Os dois locais não se compreendiam por várias razões, inclusive pelo uso de línguas
diferentes (o grego e o latim).

Entre as principais disputas no tocante aos cânones da Igreja cristã, estava a questão iconoclasta.
A Igreja de Bizâncio foi acusada de venerar as imagens de santos e de Jesus como se elas fossem
a personificação desses personagens. A Igreja romana, por meio da figura do papa Gregório II
(no século VIII), excomungou o imperador Leão III. O sucessor desse papa romano, Gregório III,
condenou definitivamente o iconoclasmo. Esses episódios acarretaram na aceitação da coroação
de Carlos Magno como imperador pelas populações dos territórios italianos pertencentes à
Bizâncio.

77
CAPÍTULO 5 • Império Bizantino

No século IX, as disputas religiosas e políticas acentuaram-se em prol da predominância e da


evangelização dos povos ainda não cristãos. Foram concorridas às populações da Croácia-Dalmácia
e da Morávia, que ficaram sob a influência romana, e da Bulgária, sob a influência bizantina.
Todas essas problemáticas, somadas às diferenças de interpretação das práticas e dos símbolos
da Igreja cristã, culminaram na separação entre as duas, como já visto acima.

Nesse momento, a Igreja Romana dispunha de grande prestígio e poder, e isso ocasionou o
afastamento do Ocidente com o Oriente. Apenas poucas localidades, como Veneza e Amalfi,
mantiveram relações com Constantinopla até o final do século XI, muito mais por interesses
econômicos e políticos. O Império Bizantino permaneceu vivo até o século XV, mas, após o
afastamento com o Ocidente, ele precisou de muito mais esforços para se manter. As Cruzadas
e a falta de apoio do Ocidente para resgatar Jerusalém para o cristianismo foram os pontapés
iniciais da decadência do Império.

A retomada do interesse pela cultura bizantina se deu apenas com o Renascimento (ainda em
seu início no século XIV) e após a tomada de Constantinopla pelos Turcos Otomanos (século
XV). Vários mestres e letrados gregos foram abrigados em Florença e outras regiões da Península
Itálica. O interesse pela língua grega e pelos manuscritos da Antiguidade fez com que esses
personagens gozassem de grande prestígio. A cultura helenística foi exaltada quando já não
havia um imperador para presenciar esse momento. A modernidade batia uma porta coberta
de elementos medievais.

Sintetizando

Você aprendeu que o Império Bizantino representou a permanência do Império Romano durante o período medieval.
Também aprendeu que a relação entre Bizâncio e o Ocidente nem sempre foi pacífica, mas que, em determinados
momentos, como no das Cruzadas, os dois locais se aliaram em prol de um inimigo comum, o Islã. Por último, você pode ver
que a Igreja Católica Romana e a Ortodoxa iniciariam sua separação nesse período.

78
CAPÍTULO
ISLÃ MEDIEVAL 6
Apresentação

A religião muçulmana não existia na Antiguidade Clássica. Ela foi criada no século VII, já na Idade
Média, por um árabe conhecido no Ocidente por Maomé. Maomé era filho de comerciantes e,
conforme a cultura de seu povo, não tinha local de moradia fixo. Ele caminhava por toda Península
Arábica e demais territórios próximos, conhecendo todo tipo de manifestação cultural daquela
época. Maomé conhecia as histórias dos judeus e dos cristãos e, baseado em muitas delas,
desenvolveu sua própria religião. Uma manifestação cultural que uniria árabes e não árabes em
prol de seu desenvolvimento.

Os muçulmanos da época medieval eram muito diferentes dos que temos contato nos dias
de hoje. Em primeiro lugar, existiam menos interpretações do Corão (seu livro sagrado). Em
segundo, devido à obrigatoriedade em saber a língua árabe; muitos locais desenvolveram formas
de educação pioneiras. As primeiras universidades do período, por exemplo, eram do mundo
que chamamos de “árabe”.

Contudo, é importante salientar que, apesar de chamarmos com frequência o Império do Islã
medieval de Império Árabe, a sua população nem sempre foi árabe. Por exemplo, populações do
norte da África, da Península Ibérica, os Turcos, entre outros povos não podem ser chamados de
árabes, apesar de professarem a fé muçulmana e pertencerem, muitas vezes, ao mesmo Império.
Árabe é quem nasce na Península Arábica.

Neste capítulo, veremos como a religião foi criada e como se difundiu por parte considerável
da Europa e da África próxima ao Mediterrâneo. Veremos como foi o desenvolvimento cultural
e político desses povos, bem como a sua desfragmentação, que possibilitou que os ocidentais
tivessem livre circulação no Mar Mediterrâneo e que seu projeto ideológico fosse vitorioso.

Objetivos

» Compreender o surgimento, desenvolvimento e decadência de um Império cuja religião


era o elo que existia entre pessoas de diferentes etnias.

79
CAPÍTULO 6 • Islã Medieval

» Entender o Islã como uma religião rica em cultura, com fragmentações, mas que possui
um dogma e morais bem estabelecidos no período.

» Compreender como se deu a formação do Império Árabe, como ele saiu da Península
Arábica e conquistou territórios na Ásia Ocidental, na África e na Europa e entender
como eles dialogavam entre si.

» Entender como o Império Árabe se fragmentou com a perda de territórios em guerras


contra os portugueses e os espanhóis, entre outros, já no fim da Idade Média.

Criação de uma nova religião na Idade Média – o Islã

A cidade de Meca, na Península Arábica do século VI, era um local de grande comércio e de
peregrinação. Acreditava-se que toda a pedra negra que se encontrasse naquela cidade tinha
vindo do céu, e muitas pessoas iam até Meca para meditar e orar ao redor delas. O nome da pedra
meteórica era “Caaba” e as tribos árabes construíram um templo em forma de cubo, onde as
guardavam junto com outros símbolos sagrados. Além do próspero comércio, a cidade também
se beneficiava economicamente das crenças e idolatrias das pedras.

Provavelmente na década de 570, nasceu, em Meca, um menino, filho de comerciantes, chamado


Muhammad Bin Abdullah Bin Abdul Mutalib Bin Hachim Bin Abd Manaf Bin Kussay. Ele ficaria
conhecido na história apenas como Muhammad (na tradução para o português, como Maomé)
e seria o responsável pela criação de uma nova religião, o Islã.

O pouco que se sabe sobre a vida de Maomé vem dos “hadith”, um conjunto de documentos
narrados e deixados pelo profeta que ajudaram a formar a tradição muçulmana. Diz-se que
Maomé ficou órfão muito cedo e esteve sob os cuidados de um tio, trabalhando como comerciante
e pastor (duas funções muito praticadas na Arábia). O jovem Maomé tinha bastante carisma e
gostava de conversar com as pessoas que peregrinavam para sua cidade. Assim, apesar de não
saber ler, ele teve acesso, por meio da oralidade, às histórias do antigo e do novo testamento
bíblico, se interessando, principalmente, sobre as que envolviam Abraão e Jesus.

A revelação, no entanto, apareceria num momento de maturidade do profeta. Certa noite, quando
ele já tinha 40 anos de idade, Maomé resolveu meditar numa caverna do Monte Hiram, quando
viria, pela primeira vez, o Arcanjo Gabriel. O profeta teria ficado intrigado, se questionando se a
aparição era real ou se era apenas um sonho. Foi quando o arcanjo apareceu novamente, dizendo
que havia apenas um Deus, “Allah” e que Maomé seria seu profeta. O Arcanjo passaria 6.232
versos sagrados para Maomé, tornando-o responsável pela sua difusão e alertando que essas leis
deveriam ser seguidas por todo o mundo. Por meio da prática do Islã (que significa submissão
a Allah e as suas leis em árabe), o profeta salvaria a humanidade do inferno. Os versos sagrados
foram escritos por auxiliares de Maomé em diferentes suportes, como pedras, ossos e folhas de

80
Islã Medieval • CAPÍTULO 6

palmeiras. Maomé morreu antes de juntar todos os versos em um único livro, escrito em árabe,
que ficou conhecido como “Corão”, que significa “recitação”. A redação final do “Corão” foi feita,
apenas, no reinado do califa Omã (644-656).

O livro é dividido em capítulos chamados “suratas”, que apresentam interpretações sobre a fé


muçulmana, contam a história do seu surgimento (a sua mitologia), ditam as normas que os
muçulmanos devem seguir e as punições caso as descumprissem. Entre as principais obrigações,
destacam-se cinco: 1) acreditar em Deus (Allah) e no profeta Maomé; 2) rezar cinco vezes por
dia sempre voltado para Meca, sua cidade sagrada; 3) jejuar durante o dia no mês sagrado dos
muçulmanos, denominado “Ramadã”; 4) dar esmolas aos pobres; e 5) fazer peregrinação à Meca
pelo menos uma vez na vida.

O objetivo principal de Maomé não era o de formar uma religião, tendo em vista que ele se
considerava um continuador das obras de Abraão e de Jesus (vistos como profetas pelo islamismo).
A ideia era que os judeus e os cristãos abarcassem as “novas leis” que o seu Deus teria passado
a Maomé, tornando-se todos integrantes de uma única religião sob um único Deus. Depois da
revelação do arcanjo, Maomé passou a pregar o que lhe foi passado, condenando a adoração às
pedras negras vindas do céu e afirmando que só Allah deveria ser adorado. Em pouco tempo,
Maomé teria inúmeros seguidores que foram chamados de “muçulmanos” que, em árabe,
significa “crentes”.

Assim, quanto mais pessoas tornavam-se adeptas aos seus ensinamentos, menos pessoas visitavam
o templo cúbico de Meca, o que ocasionou num embate entre o profeta e os líderes locais, que se
beneficiavam com as visitas. Maomé e os seguidores das novas leis foram ameaçados e perseguidos,
sendo obrigados a fugir para a cidade de Medina, um movimento que ficou conhecido como
“Hijrha” (ou Hégira em português), que significa exílio, fuga.

Esse fato foi muito importante para os muçulmanos, pois simbolizou a mudança da idolatria a
vários símbolos para a crença em um único Deus. Foi tão significativo que eles passaram a contar
o tempo a partir da data da mudança para Medina. Assim, o ano 622 da era cristã tornou-se o
ano 0 (zero) para os muçulmanos.

Atenção

O ano 0 (zero) para os cristãos é o nascimento de Jesus e o ano 0 (zero) para os judeus é o momento em que Moisés os
libertou do Egito. Apesar de o mundo ocidental utilizar o calendário cristão (gregoriano), é importante percebermos que
outras culturas desconsideram os nossos marcos cronológicos. O Oriente mais afastado – como o caso da China e da Índia,
por exemplo – também possui seu calendário próprio. Essa observação é importante para que o Ocidente perceba que
precisamos lidar melhor com as diferenças e respeitar as demais culturas existentes.

81
CAPÍTULO 6 • Islã Medieval

Maomé passou uma missão aos seus discípulos: a de propagar os seus ensinamentos por toda
a terra. Os muçulmanos não costumavam temer a morte, pois, segundo seus preceitos, sendo
fiéis praticantes do Islã, eles teriam acesso ao céu, um local coberto por cachoeiras de leite e
mel e onde eles poderiam ter tudo que almejassem, de alimentos a outros desejos mais íntimos.

Após sete anos em Medina, Maomé conseguiu formar um exército forte com seus seguidores.
No ano 630, eles atacaram a cidade de Meca, uma batalha que ficou conhecida como “Hunayn”.
Os sacerdotes e governantes foram derrotados e o profeta assumiu o controle da cidade. Meca
tornou-se um local sagrado para o Islã, por isso sua peregrinação é um dos cinco pilares dessa
religião.

Em 632, Maomé morreu e deixou vaga a liderança do Islã. Ele havia conseguido unir inúmeras
tribos da Península Arábica sob uma única religião. Foi por causa dessa união e do objetivo de
expansão da fé que o Império que se formou a partir dessa localidade e ficou conhecido como
Império Árabe, sendo uma das culturas mais complexas e instigantes da época medieval. Em
menos de cem anos, os povos islamizados conquistaram um território imenso que ia da Península
Ibérica até a Índia, passando pelo norte da África.

Figura 20: Maomé por Gentile Bellini (século XV).

Fonte: <http://www.nationalgallery.org.uk/>.

Saiba mais

No óleo sobre tela, pertencente a National Gallery de Londres, Maomé retratado por Gentile Bellini (1429-1507). Como é
possível ver, o movimento renascentista também retratou a cultura do Islã.

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Islã Medieval • CAPÍTULO 6

Para refletir

Você sabia? O Deus dos muçulmanos é o mesmo dos judeus e dos cristãos. Assim, o Antigo Testamento da Bíblia cristã é
igualmente importante para o judaísmo e para o islamismo. Mesmo assim, a obra considerada a mais importante para
os adeptos dessa religião é o “Corão”, que deve ser recitado na língua árabe. Portanto, nada melhor do que ter acesso
a essa obra para conhecer um pouco mais dessa religião. A comunidade muçulmana brasileira mantém um portal na
web em que é possível acessar a obra na íntegra e traduzida para o português. Visite o site: <http://myciw.org/modules.
php?name=Alcorao>.

Império Muçulmano

A partir do século VII, em quase todos os contextos colocados nos nossos capítulos sobre a Idade
Média, uma ameaça aparece, os muçulmanos. É importante ressaltar que, apesar do uso da língua
árabe e de certa unidade religiosa, os povos islâmicos não tinham uma única origem étnica. Não
é possível chamar a todos, por exemplo, de árabes, tendo em vista que eles se originaram em
diversas regiões, e não apenas na Península Arábica.

Mas, mesmo não sendo apenas de povos árabes, o Império Muçulmano levou esse nome porque
surgiu na Península arábica, por meio da figura de Maomé, como já colocado no tópico anterior.
A morte de Maomé promoveu uma confusão entre os seus seguidores no que diz respeito a quem
herdaria a sua liderança.

Existiam três grupos principais: os primeiros companheiros, que fugiram para Medina com o
profeta; os homens mais importantes de Medina, que receberam bem o Islã e fizeram alianças
com o profeta; e as principais famílias de Meca de conversão mais recente.

Foi escolhido como “khalifa” (em português,


Saiba mais
“califa” – que significa “sucessor do profeta”),
Abu Bakr, sogro de Maomé. Abu Nakr e outros Desde o primeiro sucessor de Maomé que os líderes do
sucessores exerceram suas lideranças de Império Árabe foram chamados de califa. O território que eles
forma mais ampla que o profeta, intervindo dominavam, por sua vez, foi denominado como “califado”.

em vários âmbitos daquela sociedade.

Para manter os acordos com os vários chefes tribais que haviam negociado com Maomé, Abu
Bakr precisou usar a força de seus exércitos. Ele e seu sucessor, o califa Umar ibn ‘Abd al Khatlab
(634-644), foram tão bem-sucedidos nisso que, no final do segundo reinado, a Arábia, parte do
Império Sassânida e a província síria e egípcia do Império Bizantino foram conquistados.

Os inúmeros grupos a serem governados e a ocupação em altos cargos do califado por personagens
recém-convertidos ocasionaram diversas disputas no interior do Islã, culminando no assassinato
de Umar, por motivo de vingança. O terceiro califa, Uthman ibn ‘Affan (644-656), foi escolhido

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CAPÍTULO 6 • Islã Medieval

pela tribo coraixita, que era constituída por maioria de recém-convertidos, mesmo ele sendo um
convertido antigo. Essa mistura trouxe esperança de conciliação para as elites, mas, na prática,
o novo califa nomeou apenas membros do seu próprio clã como governadores. Seus opositores
se revoltaram em Medina, apoiados pelos soldados egípcios, levando ao assassinato de Uthman.

Iniciou-se uma guerra civil e a luta pelo poder do califado. Após inúmeras disputas, um parente
de Uthman chega ao poder. Seu nome era Mu’awiya (661-680) e, do início do seu governo em
diante, o cargo de califa passou a ser hereditário, diminuindo o número de disputas sucessórias.
Assim, o poder passou às mãos da família dos Omíadas.

Além dessa importante questão sucessória, houve a mudança da capital do Império para a cidade
de Damasco. Sua localização privilegiada proporcionava o necessário para manter uma corte,
o governo e o exército. Além disso, era possível ter um maior controle das demais regiões do
Império que só crescia. Eles avançaram até o Magreb, caminharam em direção ao Marrocos, à
atual Tunísia, alcançando a Península Ibérica no século VIII. No outro extremo, mais ao Oriente,
eles conquistaram as terras além do Curasão até o vale dos Oxus e o noroeste da Índia.

À medida que o Império crescia, a religião se fazia mais presente. O árabe tornou-se a língua
oficial, símbolo do Império, e sua importância devia-se ao credo de que as palavras que o
Arcanjo Gabriel teria proferido a Maomé tivessem sido nessa língua. Inúmeras mesquitas foram
construídas para fazer frente às igrejas cristãs e tornar o Islã mais presente e imponente frente
às populações recém-convertidas.

A mesquita é o principal centro religioso da cidade. Eram grandes construções com torres altas e
sempre voltadas para Meca, pois as orações devem ser feitas em sua direção. Uma das mesquitas
mais importantes da época foi a da cidade de Damasco, que foi construída sobre as ruinas de
um templo cristão. Ela foi tão importante, que serviu de modelo para as outras.

As cidades organizavam-se em torno da Mesquita e do Bazar, um local próximo ao templo,


destinado ao comércio de todos os tipos de produtos, principal atividade das tribos árabes. Além
disso, ele era um importante espaço de sociabilidade, tendo em vista que as pessoas se reuniam
para discutir sobre religião, política e, principalmente, sobre negócios. As ruas começavam no
bazar e iam até a periferia, fazendo com que ele e a mesquita fossem o centro da cidade.

Figura 21: Mesquita de Damasco, na Síria.

Fonte: <http://viagempelaarte-fernanda.blogspot.com.br/2011/11/arquitectura-islamica.html>.

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Islã Medieval • CAPÍTULO 6

Saiba mais

A Mesquita de Damasco foi construída no século VIII, a mando do califa al-Walid. Ela e toda a cidade são Patrimônio Mundial
da Unesco. É considera a quarta mesquita mais importante para os muçulmanos.

Os avanços sobre a Península Ibérica ameaçaram enormemente o mundo cristão. De lá, os povos
muçulmanos poderiam adentrar ainda mais a Europa. Quem os impediu foram os francos, sobre
domínio de Carlos Martel. O marco foi a “Batalha de Poitiers” (ou “Batalha de Tours”), em 732.
Lutaram o exército franco, liderado por Martel, e o exército do califado de Córdoba, liderado
por al-Gafiqi, durante seis dias inteiros, sem interrupção. Os muçulmanos possuíam uma
importante tropa de cavalaria, enquanto a maioria dos francos pertencia à infantaria e tinha
menos armas disponíveis. Apesar dessa desvantagem, o exército franco utilizou como tática o
ataque pela retaguarda, derrotando as tropas dos mouros. Após a derrota e a morte de seu líder,
os muçulmanos não conseguiram mais avançar na Europa.

Os governantes Omíadas conseguiram manter seu poder por um longo período e administrar os
diferentes grupos do seu Império. No entanto, na década de 740, seu poder desabou diante uma
guerra civil que uniu grupos distintos, mas que tinham em comum a oposição aos Omíadas. Os
descendentes do tio de Maomé, Abbas, tinham lideranças organizadas para combatê-los. Abu
Muslim formou um exército e uma aliança entre grupos dissidentes árabes em nome da família do
profeta, mas sem mencionar um nome específico, conseguindo, dessa forma, mais adeptos. Sob
o símbolo da bandeira negra, o exército marchou para derrotar os Omíadas em várias batalhas,
ocasionando a morte do seu último califa no Egito, Marwan II.

Um líder anônimo foi proclamado califa sob o nome de Abu ‘l ‘Abbas, fazendo com que outra
família ocupasse o poder, os “abácidas”, e o centro do poder mudasse para Bagdá, no Iraque.

Os abácidas também tiveram dificuldade em governar um Império tão vasto. Na capital,


Bagdá, o local destinado ao califa ficava distante do restante da população, demarcando um
território administrativo e, ao mesmo tempo, privilegiado. Nesses palácios afastados, havia uma
infinidade de funcionários, muitos deles responsáveis pela proteção dos seus acessos. Os palácios
tornaram-se locais propícios para a vida cortesã, com uma série de cerimoniais que assinalavam
a sua grandeza. Foi nesse período que surgiu o cargo de “Visir”, um conselheiro do califa de
grande influência e prestígio.

Os abácidas modificaram bastante as características do Império. Eles criaram impostos, para


manter o padrão de vida elevado do califa e para que um exército forte pudesse ser mantido. Foi
nesse momento, inclusive, que os turcos começaram a entrar no Império árabe, pois eles eram
contratados para trabalharem no seu exército.

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CAPÍTULO 6 • Islã Medieval

Como o califa, agora, não se encontrava tão próximo da população, foi necessário criar mecanismos
que reafirmassem o seu poder. O principal deles foi o uso do Islã como prática do Estado. O califa
alegava que sua autoridade era divina, por pertencer à família do profeta, o que acarretou certas
disputas com outro ramo da família, os xiitas. O governante também se aproximou das principais
lideranças religiosas, com o objetivo de se fazer presente por meio delas em todos os territórios.

Mas o poder do califa abácida, mesmo sendo grandioso, não conseguiu alcançar com a mesma
força todos os territórios do Império. Para administrar as províncias mais distantes, foi necessário
conceder o poder de coletar impostos e usar parte da renda nos exércitos locais a outros governantes
que ficaram tão poderosos que formaram dinastias. Nesse período, surgiram os safaridas no Irã
Oriental (867-1495), os samanidas no Curasão (819-1005), os tulunidas no Egito (868-905) e os
aglabidas na Tunísia (800-909).

Devido a esse poder crescente de outras famílias, os recursos que eram enviados para Bagdá
diminuíram. Com o objetivo de fortalecer seu poder nas províncias centrais, o califa ficou nas
mãos dos chefes mais importantes do exército, denominados Buyids, sofrendo um golpe que
culminou em sua saída, em 945.

Os abácidas persistiram por mais 300 anos, mas com um poder muito diminuto, se comparado à
época antes da ocupação dos Buyids. O Império foi desfragmentado e outras dinastias passaram
a ocupar o poder de forma mais efetiva.

Desfragmentação do poder no mundo muçulmano

No final do século X, três dinastias disputavam o título de califa. O Império havia sido dividido
em três grandes áreas cujos centros políticos e religiosos foram concentrados nas cidades de
Bagdá, do Cairo e de Córdoba.

A parte mais antiga, de grande influência e bastante prestigiada compreendia o Irã, o sul do
Iraque e a terra além do Oxo, com o centro de seu poder sendo Bagdá. O segundo território
compreendia grande parte da Arábia, a Síria e o Egito. Sua capital era a cidade do Cairo, devido
à proximidade com o Canal de Suez, responsável pelas trocas comerciais entre o Mediterrâneo e
o Oceano Índico. Já a terceira divisão do Império tinha como cidade mais importante Córdoba,
na Península Ibérica (conhecida como Al-Andalus) e compreendia o Ocidente islamizado, tanto
sua parte europeia quanto o noroeste da África, região conhecida como Magreb, que mantinha
intensas trocas comerciais com a África subsaariana e com o Mediterrâneo ocidental.

O Ocidente muçulmano começou a ser modificado já no século XI, devido ao ataque de reinos
cristãos europeus. Os normandos tomaram a Sicília, e os reinos cristãos do norte tomaram a maior
parte da Península Ibérica, com exceção da Andaluzia, que resistiu até a expulsão dos muçulmanos,
em 1492, pelos espanhóis. Por sinal, esse território foi rico econômica e culturalmente. Resquícios

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Islã Medieval • CAPÍTULO 6

de arquitetura dessa época ainda podem ser vistos na Espanha de hoje, como o caso da Mesquita
(e hoje catedral) de Córdoba. No detalhe a seguir, cúpula do edifício.

Figura 22: Cúpula da Mesquita de Córdoba.

Fonte: By Ruggero Poggianella – Flickr: Cordoba, la Mezquita, CC BY-SA 2.0.


Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=15614050>.

No reinado de Mohammad V (1354-1391), governador da Andaluzia, Granada começou a depender


dos cristãos para comercializar. Essa dependência foi prejudicial ao sultanato, que começou a
se desmembrar logo depois com a ocupação crescente dos reinos espanhóis católicos. Em 1410,
eles perderam Antequera; em 1462, Granada e Archidona; e, nas próximas décadas, perdem o
restante de seu território.

Já o Magred foi coberto por guerras e revoltas no século XIV. Os almôadas caíram e entraram no
poder outras três dinastias que viviam em momentos que alternavam fortes alianças e intensos
conflitos. Os merinies (1230-1472) ocuparam a parte mais ocidental e tornaram a cidade de Fez
sua capital. Os zayyanies ou abd-al-wadies (1235-1554) ficaram com a região central, cuja capital
era Tlemcem. Já a parte oriental, mais próxima do Egito, ficou com os hafsies (1228-1574), com
a capital Túnis.

Os merinies tinham grande prosperidade econômica baseada no comércio do marfim e no


controle das rotas entre o Mediterrâneo e a África subsaariana. No entanto, no século XIV,
eles fracassaram militar e comercialmente, devido à influência comercial dos genoveses e
portugueses. Para esses últimos, eles ainda perdem Ceuta, em 1415, numa cruzada contra os
mouros, promovida pelo primeiro rei avisino D. João I. Tudo isso acarreta numa grande crise
para os merinies, o que ocasiona sua derrota por outra dinastia, a dos wattasies, que dominam
o Marrocos por mais um século.

Os zayyanes e os hafcies, por outro lado, conseguiram resistir bravamente até a expansão dos
Turcos Otomanos para as suas regiões, no século XVI, ainda que essa resistência tenha se dado
de forma bastante diferente.

87
CAPÍTULO 6 • Islã Medieval

Nos séculos XIII e XIV, o Império Muçulmano também mudou em sua parte oriental. Esses locais
foram invadidos por um exército formado por mongóis e turcos que acabou com o califado dos
Abácidas. Os mongóis mantiveram-se na região do Iraque e do Irã até 1336. Ao mesmo tempo,
os mamelucos islamizados (provenientes da Ásia Central) dominaram o Egito (de 1250 a 1517),
a Síria (1260-1516) e muitas cidades da Península Arábica.

O avanço dos turcos otomanos, como é possível perceber, não se deu apenas no Império
Bizantino. No início do século XVI, eles derrotam os mamelucos, incorporando o Egito e a Arábia
Ocidental. Para ter noção de sua força e poder, o Império Turco-Otomano ocupou essas regiões
até a Primeira Guerra Mundial.

A decadência do Império Árabe e parte do preconceito


Para refletir
que se tem hoje com os muçulmanos se deveu à
Reconquista (como é chamada a retomada dos O Tribunal do Santo Ofício, por pertencer à Igreja
territórios europeus para os cristãos) e à expulsão Católica, não podia condenar ninguém à morte.
Assim, quando um indivíduo era condenado, ele
e conversão forçadas desses indivíduos. Espanha
era “relaxado ao braço secular”, o que significava
e Portugal perseguiram, encurralaram e, por fim, que o Estado o condenaria pela Igreja. Na prática,
eliminaram os mouros de seus territórios. Caso esses a Igreja, então, jamais condenou ninguém à morte,

indivíduos quisessem permanecer, precisariam apesar de ter sido responsável por inúmeras
injustiças no período das inquisições.
se converter ao cristianismo. Mas, mesmo os que
o fizeram e ficaram nessas localidades, sofreram
inúmeras perseguições. Eram impedidos de praticar determinados trabalhos e de fazerem parte
da nobreza, pois eram considerados “impuros de sangue”. Muitos foram considerados hereges,
pois, uma vez batizados, não podiam praticar as leis do Corão e deviam se sujeitar às práticas
católicas. O Tribunal da Inquisição moderno (ligado ao Estado), após a expulsão de todos os
indivíduos não cristãos, perseguiu os recém-batizados, relaxando-os ao braço secular.

O Império Árabe foi um dos mais poderosos e mais ricos da Idade Média. Desde o surgimento
do Islã à ocupação de seus territórios pelos cristãos e pelos Turco-Otomanos, essa sociedade
produziu cultura, manteve um comércio extraordinário e uma política organizada e centralizada
nas mãos dos califas. Nos dias de hoje, os povos islâmicos refletem a dispersão de seus territórios
ocorrida no final da Idade Média. Cada local e cada vertente possui sua própria interpretação do
Corão, com uma prática diferente do Islã. De qualquer forma, algumas estruturas básicas que
surgiram em seus princípios, como o uso do árabe como língua oficial, a questão sagrada da
cidade de Meca e até alguns extremismos podem ser melhor compreendidos quando estudamos
as raízes da história dessa civilização.

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Islã Medieval • CAPÍTULO 6

Sugestão de estudo

Uma das obras literárias mais interessantes e que mostram o cotidiano do Oriente medieval e a vida dos locais islamizados
no período é “As mil e uma noites”. Há várias edições da obra, mas, recentemente, foi publicada uma coletânea com a
tradução direto do árabe para o português e um estudo que ajuda a compreender a cultura e as tradições dos diversos povos
que viviam conjuntamente no Oriente Próximo. Procurem por: Mamede Mustafa Jarouche (Trad.). Livro das mil e uma
noites, v. 1-4. São Paulo: Biblioteca Azul/Globo Livros, 2012.

Um pouco de cultura árabe do período

É de suma importância destacarmos algumas das características culturais dos povos muçulmanos
do período medieval. Tanto para conhecermos mais informações sobre eles quanto para
quebrarmos paradigmas e preconceitos que estão presentes em nossas sociedades nos dias atuais.

Os muçulmanos tinham verdadeiro fetiche por conhecimento. Com o advento do Islã, houve
um aperfeiçoamento da língua árabe, a mesma língua na qual o Arcanjo Gabriel teria recitado
os versos do Corão para Maomé e, por isso, ela era tão importante e todo o muçulmano deveria
conhecê-la. Para isso, foram instaladas diversas escolas por todo o Império, com o objetivo de
que povos não árabes islamizados aprendessem a se comunicar e conhecer seu livro sagrado a
fundo. Ao contrário dos cristãos, cujo livro sagrado escrito em latim devia ser lido apenas por
religiosos, os muçulmanos tinham obrigação de conhecer o Corão, que era, também, sua lei.

Devido à expansão geográfica, os muçulmanos entraram em contato com diversas culturas,


como a grega, a hindu, a chinesa, a bizantina, a persa e a cristã-romana. Conheceram muitos
escritos desses diversos povos e traduziram para o árabe, armazenando em bibliotecas que foram
verdadeiros espaços de guarda de saber do período. Os povos muçulmanos tornam-se grandes
propagadores e catalizadores de transformações científicas por conta de todo conhecimento
apreendido.

A partir do século VIII, os primeiros califas abássidas estimularam o conhecimento por meio
dessas traduções. Foram os abássidas que criaram a “Casa do Conhecimento”, instituição que
acolhia os melhores sábios da época e que se tornou o primeiro centro científico do mundo.
Tais sábios eram de origem islã, cristã ou judia. Não havia preconceitos e todos eram aceitos,
desde que trouxessem benefícios para o califado. Entre os manuscritos traduzidos para o árabe,
estavam textos de Ptolomeu, Euclides, Galeno e outros da Antiguidade Clássica.

As duas primeiras universidades do mundo pertenceram ao Império Árabe. A primeira, chamava-


se Universidade al Quaraouiyine, estabelecida na cidade de Fez, no Marrocos, em 859. A segunda
foi a Universidade de Al-Azhar, na cidade de Cairo, no Egito, em 988. Esta apenas teve estudos
teológicos até 1961, o que, na Idade Média, não se distanciava muito do ensino superior ocidental,

89
CAPÍTULO 6 • Islã Medieval

cujo curso principal era o de Doutor em Teologia. Em termos comparativos, para termos noção
da importância e do papel precursor dos muçulmanos, a primeira universidade europeia, a de
Bolonha, na Península Itálica, só foi criada em 1088, cem anos após a segunda universidade
árabe, a egípcia.

A partir do século IX, os árabes não mais reproduziam os estudos já existentes, mas produziam
o próprio conhecimento. A ciência árabe teve seu apogeu entre os séculos X e XIII, quando é
criada a “Casa do Saber”, em Bagdá, local onde havia uma das maiores bibliotecas do período.

Figura 23: Manuscrito árabe do século XII do Irmãos da Pureza, grupo de filósofos árabes

Fonte: <https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=153225>.

Nesses quatro séculos, os árabes desenvolveram a matemática e a álgebra, com o conhecimento


dos algarismos, do conceito de zero, do sistema decimal, da prática do cálculo, da trigonometria e
da aritmética. Na Astronomia, são criados alguns instrumentos indispensáveis para as navegações
e que ajudaram no desenvolvimento da expansão marítima promovida pelos europeus, tais como
o astrolábio e observatórios, uma forma de determinação do tempo e os modelos planetários.
Na Geografia, eles desenvolveram a cartografia e o estudo da geografia humana. Na Física,
desenvolvem a hidrostática, a ótica e a mecânica. Na Química, desenvolvem o sabão e o vinagre.

A Medicina também cresceu enormemente, primeiramente baseada nos ensinamentos dos


clássicos gregos de Hipócrates e Galeno. Eles desenvolveram os hospitais e as farmácias. Nesse
contexto, várias doenças como a varíola, a asma e a alergia foram descritas e tratadas. Houve
importantes estudos da anatomia e de instrumentos e técnicas cirúrgicas. Um dos pesquisadores
mais importantes do período, conhecido no Ocidente como Avicena, constava nas principais
bibliotecas ocidentais. Ou seja, a produção científica do mundo árabe afetou diretamente o
Ocidente, mas, hoje em dia, os créditos a esses povos dificilmente aparecem.

Por conta da importância do comércio para os muçulmanos, houve o desenvolvimento de artigos


de luxo que traziam grande lucro. Como exemplos podemos citar as sedas, os tapetes, os couros,
as armas etc.

90
Islã Medieval • CAPÍTULO 6

Durante sua presença no Ocidente, os árabes introduziram o cânhamo, a amoreira, o algodoeiro,


a cana-de-açúcar, a laranjeira, o limoeiro e o arroz. Trouxeram novos processos de cultivo, tais
como o açude, a zenha e a nora e novas formas de produção, como o mosaico (apesar de esta
também ser uma influência do Império Romano do Oriente), a cerâmica e o vidro.

Ou seja, foi por meio das trocas culturais entre os povos islamizados e os cristãos que a sociedade
europeia teve a possibilidade de expandir e ter contato com outros mundos, realidade tão
fundamental para a história da humanidade que esse fato passa a ser, também, um marco de
mudança da era medieval para a era Moderna.

Sintetizando

Neste último capítulo, você viu a importância do Império Árabe, um governo formado por inúmeros povos distintos, mas
que tinha a religião muçulmana como seu elo comum. Viu, também, como se deu a derrocada do Império no final da Idade
Média por diversos povos, sendo, na Europa, o papel dos francos, dos reinos espanhóis e de Portugal fundamental para
essa dissolução. Ao mesmo tempo, você notou que os muçulmanos tinham uma cultura muito rica e que, graças a eles, o
Ocidente teve a possibilidade de expandir e o mundo inteiro finalmente se conectar.

91
Referências
ANDERSON, Perry. Passagens da Antiguidade ao Feudalismo. São Paulo: Brasiliense, 2004.

AZEVEDO, Antônio Carlos do Amaral. Dicionário de nomes, termos e conceitos históricos. Rio de Janeiro: Lexikon, 2018.

BARROS, José D’Assunção. Papas, imperadores e hereges na idade média. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.

BOUCHERON, Patrick; DELALANDE, Nicolas. Por uma história do mundo. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.

CARVALHO, Cibele. História medieval. Curitiba: Intersaberes, 2016.

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