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C8 FO6SHSSHOHOHHHHHDGEEHHHHHGVHEHHOHAD CSP Retor Veeretior be — cn eee ComiadoEtorat Robewo Leal Loboe Sia ko uy Lowen 40> Hayden White METAHISTORIA A IMAGINACAO HISTORICA DO SECULO x1x bree . 7 cna “radu de JonéLawénio de Melo Indiagso de Anni Dims, Profesor de Dept de Leas isis Venus d USP. “Tilo do evga em nes: Methistory: The Hurial naginetion i Nineteenth Century Europe (© 1973 bythe Johns Hopkin Uivesty Press alae Casiopaom Piling heen ‘imonitor, Pt) Metin: bimini ins do Sc KY Mayen We aan ee Lan eel, Sh Pa: ata da Unrest de ‘So Pr, 1 (Coo Pv) Popa. (nos pcan: Bop: Hig 97.204 TEE PIRLIOTHCA CIN pp anes sp ~ Fito ds Universidade de So Palo ‘Aw Prof Leino Out, Travess 9° 374 andar - Eda Ang» Retorie~ Cade Universita (5808 = Sto Paulo = SP- Dra Fax: (011)211-088 Tel: (11) 15-8857613-322 263,268 eo UF NDC wow DES aL] Printed in Baal 1992 Sé6sepode estar aguilo com queprineiro se sono A Pica do Fe $O0GOHFOS OHH HHHHHHOHHHHHHEHHOH OHS SUMARIO Preficio cece Introdugéo: A Poética da Historia» Parte 1 ATRADICAO RECEBIDA: O ILUMINISMO EO PROBLEMA DA CONSCIENCIA HISTORICA, 1.A Imaginacao Historica entre a Metéfora e a Iroi 2. Hegel: A Poética da Histéria e o Caminho para além da Ironia Porte It QUATRO TIPOS DE “REALISMO” NA ESCRITA HISTORICA DO SECULO XIX, 1. Michelet: O Realismo Hist6rico como Est6ria Romanesca 2.Ranke: O Realismo Historico como Comédia . . . 3. Tocqueville: O Realismo Histérico como Tragédia 4. Burckhardt: O Realismo Hict6rieo como Sativa... a7 a5 2a Parte II © REPUDIO DO “REALISMO” NA FILOSOFIA DA HISTORIA DO FINAL DO SECULO XIX 1. A Consciéneia Historica ¢ 0 Renascimento da Filosofia da Historia 2. Marx: A Defesa FilosGfica da Histéria no Modo Metonimico 3, Nietzsche: A Defesa Poética da Hist6ria no Modo Metaforico 4. Croce: A Defesa Filos6fica da Hist6ria no Modo Irdnico Conclusio. - Bibliogratia Indice Remissivo . . 2 201 29 383 433 403 449 PRERACIO Esta anélise da estrutura profunda da imaginagio historica é precedida ‘por uma introdugao metodologica. Alitento expor, explicitamente e de mancira, istemética, os prineipios interpretativosem que se bascia o trabalho. Enquanto Tiaos classicos do pensamento historico europeu do século XIX tormou-se para mim evidente que considerd-los como formas representativas da reflexio hist6- rica pressupunha uma teoria formal do trabalho hi Procurei apresentar tal teoria maint s historias (€ fos ‘de “dados”, ‘conceitos te6ricos para “explicar” esses dados e uma estrutura narrativa que 5 ‘presenta como um fcone de conjuntos de eventos presumivelmente ocorridos fem tempos passados. Além disso, digo eu, cles comportam um contetido estrutural profundo que é em geral postico e, especificamente, lingUistico em ‘sua natureza, © que faz as vezes do paradigma pré-criticamente aceito daquilo ‘que deve ser uma explicagio eminentemente “historica”. Esse paradigma fun- ona como 6 elemento “meta-histrico” em todos 0s trabalhos histéricos que ‘so mais abrangentes em sua amplitude do que a monografia ou o informe de arquivo. ‘Aterminologia que empreguci para caracterizar os diversos niveisem que se desdobra um relato historico € para construir uma tipologia de e: hist I 860080 S OOOH HHS HHHBHHHHOHHOHHHHOD n ‘MeEN wore teéricas fundam suas sangSes pré-crtias implicits. Ao contrério de outros analistas da escrtahistrica,ndo suponho que asubestrutura “meta-hist6rica”™ 4o trabalho histrico conssta nos conceitos te6ricas expictamente utilizados pelo historiador para dar a suas narativas 0 aspecto de uma “explicagio”. Acredito que taisconceitos compreendem o nivel manifesto do trabalho, visto {que aparecem na “superficie” do texto e podem comumente ser idenificados om relativa failidade. Distingo, porém, tts tipos de estratégias que podem ser usadas pelos historiadores para aleangar diferentes tipos de "impresso cexplicaiva”. Chamo, a esss estratésias, explicagio por argumentagio formal, ‘explicagio por elaboragio de enredo* ¢ explicagio For implicagdo ideolozica, Dentro de cada uma dessa diferentes estratégias identifico quateo possiveis ‘modos de articulagéo pelos quais pode o historador lcangar uma impressio explicatva de tipo especifico. Para os argumentoshé os modos do formismo, do organicismo, do mecanicismo e do contextualismo; para as claboragdes de enredo é os arquétipos da estériaromanesca"*, da comédia, da tragéala © da sitira;e para a implicagio ideol6qica ha as tticas do anarquismo, do conser- vantismo, do radiealsmo e do liberaismo. Uma eombinagéo espectica de modos constitui o que chamo de “estilo” historiogrfico de determinado historiador ow fildsofo da histria. Procurci expliar esse estilo em meus estudos sobre Michelet, Ranke, Tocqueville e Burckardt entre os historiado- res, ¢ sobre Hegel, Marx, Nietzsche © Croce entre os fildsofos da hist6r Europa do século XIX, ‘A fim de correlacionar esses diferentes estlos como elementos de uma Sinica tradigéo do pensamentohist6rco, fui forgado apostular um nfvel profun- do de consciéneia no qual um pensador da hstéria escolhe as esteatégias conceitusis com que irs explicar ou representar seus dads. Nesse nivel, aere~ dito, ohistoriador realiza um ato essencialmente pattico, em que prefigara 0 ‘campo hist6rico 0 eonsttui como um dominio no qual é possivelaplicar as teorias specificas que utilzaré para explicar “o que estava realmente aconte- ‘cendo” nel. Esse ato de prefguracéo pode, por sua vex assumir certo nimera de formas cujos tipos slo caracteriziveis pelos modas lingisticas em que estio vazados. Sequindo uma tradigio de interpretagio que remonta a Aristételes e que, mais recentemeate, foi desenvohido por Vieo, pelos ngistas modernos © pelos teéricos da teratura, dou aessestipas de preiguragios nomes dos quatro ropes da linguagem postica: metéfora, metonimia, sinédoque ¢ ironia. Como é bastante provével que essa terminologia seja estranha a muitos dos meus, + Explor ois. nei au uae seme pr “caborgi de ened". Noes prs formar empl enplatedempcing—ezowse. como pana de puis epee “pr ‘eda empregats pelo pro Lut Cos Lins para cons So ena empl 40 ore eos {etiayden Wace iro Conrado napa eat, SsoPaca Bene 184, p10 ‘rela sepa Ride ane, Frese Une 1989p. 166) N. do) +» Romance ro sinl “Eas romans” io cis a ad op Piles Engi ds Sih Hamer dol de Noro Fine nat de hie (Sh Pala Cali IFT, mogul sor de resto eH aaron ponds Seed Wr ae MErA.msTORLA 2 ;plico na introduco por que a empreguei eo que entendo por suas ‘Um dos meus intuitos fundamentais, além daquele de identificar ¢ interpretar as principais formas de consciéncia hist6rica na Europa oitocen- tista, € estabelecer os elementos inconfundivelmente poéticos presentes na historiografia e na filosofia da hist6ria em qualquer época que tenham sido postos em prética. Diz-se com frequéncia que a historia é uma mescla de Giéncia ¢ arte. Mas, conquanto recentes filésofos analiticos tenham conse- guido aclarar até que ponto € possivel considerar a histéria como uma modalidade de ciéncia, pouquissima atencio tem sido dada a seus compo- nentes artisticos. Através da exposigio do solo linglistico em que se consti tuiu uma determinada idéia da hist6ria tento estabelecer a natureza inelutavelmente poética do trabalho hist6rico e especificar o elemento pre figurativo num relato histérico por meio do qual seus conceitos teéricos foram tacitamente sancionados. ‘Assim, postulo quatro: modos_principais de consciéncia hist6riea em Gonseatacia da esaleiapreigratv (ropoligis) que ffm cada wm doles: metafora, singdoque, metontmia e ironia. Cada um desses modos de ‘consciéncia proporciona a base para um protocolo lingistco preciso com que. prefigurar o campo historico e a partir do qual podem ser empregadas estraté- bias especificas de interpretacio hist6rica para “explicé-lo”. Afirmo que os rmestres reconhecidos do pensamento hist6rico do século XIX podem ser compreendidos,¢ que suas elagdesmiituas como participantes de uma tradigio ‘comium de investigagéo podem ser confirmadas, pela explicagio dos diferentes rmodos tropolégicos que Thes inspira e informa o trabalho. Em suma, é minha ‘opinido que 0 modo tropolégico dominante € seu concomitante protocol Iingiistco compdem a base irredutivelmente " meta-histérica” de todo trabalho histérico. E sustento que esse elemento meta-historico nas obras dos historia ores magistrais do séeulo XIX constitui as “ilosolias da histria” que implici tamente mantém suas obras e sem as quais eles nao poderiam ter produzido os tipos de obras que produziram, Por fim, tento mostrar que as obras dos principaisfil6sofos da historia do século XIX (Hegel, Marx, Nietzsche e Croce) s6 diferem das dos seus homélo- _gosnoque as vezesse denomina “hist6ria propriamente dita” (Michelet, Ranke, ‘Tocqueville e Burckhardt) quanto a énfase, ndo quanto a0 contetido. O que permanece implicito nos historiadores é simplesmente levado & superficie © sistematicamente defendido nas obras dos grandes [ilésofos da historia. Nao acidente o fato de que os principais fildsofos da historia foram também (ou posteriormente se descobriu que foram) quintessencialmente filésofos da lin- ‘guagem. Por isso € que foram capazes de compreender, de modo mais ou menos Autoconsciente, 0s fundamentos poéticos, ou pelo menos lingiisticos, em tiveram suas origens as teorias supostamente “ciemtifieas” da historiografia do séeulo XIX. Naturalmente esses flésofos procuraram isentar-se das acusagiies ‘de determinismo lingistico com que atacavam seus adversérios. Mas €inegivel, ‘ameu ver, que todos eles entendiam a proposicao essencial que tento demons: 4 navoen wre tar: que, em qualquer campo de estudo ainda no reduvido (ou elevado) 20 estatuto de verdadeira cignci ‘Ao apresentar minhas andlises das obras dos pensadores historicos ‘magistrais do século XIX na ordem em que aparecem, procuro sugerir que 0 pensamento deles representa a claboragdo das possibilidades de prefiguracdo {ropolégica do campo hist6rico contidas na linguagem postica em geral. O aproveitamento real dessas possibilidades é no meu modo de ver, 0 que ‘mergulhou o pensar hist6rico europeu na condigao irdnica do espirito que 0 aprisionou no final do século XIX ¢ que € as vezes chamada de “crise do historicismo”. A ironia, cuja forma fenoménica era esta “crise”, continuo desde entio a florescer como 0 modo dominante da historiografia profissional, tal como era cultivada nos meias académicos. 150, ercio cu, € 0 que expli tanto 0 torpor te6rico dos melhores representantes da moderna historiografia académica quanto as numerosas rebelides contra a consciéneia historiea em geral, que marcam a literatura, a ciéncia social ¢ a filosofia do século XX. Espera-se que o presente estudo clucide as razdes desse torpor por um lado ¢ das rebelides por outro. varado num Mera.tstOm INTRODUGAO APOETICA DA HISTORIA Este livro € uma histéria da consciéncia hist6rica na Europa do século ‘XIX, mas também pretende contribuir para a atual discussio do problema do conhecimento histérico. Como tal, representa nao s6 uma exposigao do desen- Volvimento do pensar hist6rico durante um periodo espectfico de sua evolugao yas também uma teoria geral da estrutura daquele modo de pensamento que 6 chamado de “historico". ‘Que significa pensar historicamente © quais sio as caracteristicas incon- Tundiveis de um método especifieamente histOrico de investigagao? Essas ques toes foram debatidas durante todo o século XIX por historiadores, filésofos © te6ricos sociais, mas habitualmente dentro do contexto da suposigio de que era possivelIhes dar respostas i "era considerada um modo tespecifico de existéncia, a “consciéncia histérica” um modo preciso de pensa- mento, ¢ 0 “conhecimento histérico” um dominio auténomo no espectro das. cigncias humanas ¢fisicas. 'No século XX, porém, as consideragies em torno dessas questdes se ‘rocessam numa atmosfera um pouco menos autoconfiante e em presenga de ‘um receio de que talvez nfo haja possibilidade de thes dar respostas defini Pensadores da Europa continental ~ de Valéry e Heidegger a Sartre, Lévi ‘Strauss ¢ Michel Foucault ~ ias dvidas sobre o valor de uma consciéneia especificamente “hist6rica”, sublinharam o caréter ficticio das reconstrugdes hist6ricas e contestaram as pretensdes da histéria a um lugar entre as céncias'. Ao mesmo tempo, fildsofos anglo-americanos produziram 1. Veromea The Bsken Hsin” ity on Ten 5,9°2(1965) 111 oem queseetudem tes Sommtaronmactaataca ht Gualos manifests maseceney ver Clade La Ss, ws ayen ws iografia que, tomada em conjunto,jusiica intensas afar ae apr de sep ae Povernm tr pee dato dln ence posto maz ue um ah at mbps mare. freadana eseropopcn ge lo, pr se ex apes repens seas rene” ue ineetom simplemente naar Conserate com sein a Mita paecem press bane pein nodonaprseneis por Fae Consign coma fama de docu cpvaente repose Ses tnna pntcesercarcesnel a teminlopi ePeperE considera como npscios mea Fare wer Caicos prectametse wor eter sein pls nace combine de Ma. MErasistémua ” ‘Sem divida, como observa Pepper, 0s historiadores que lidam com esse modo estario mais interessados em caracterizar o processo integrativo do que cem descrever scus elementos individuais. Isso € o que dé aos argumentos vazados nesse modo seu cardter “abstrato”. Alm disso a historia escrita nesse ‘modo tende a orientar-se para a determinagao do fom ou da meta para a qual se presume ue propencdem todos os processos encontrados no campo hist6rico. ‘Um historiador como Ranke, esté claro, resistiré conscientemente a inclinacao, para especificar qual poderia sero telos de todo 0 processo hist6rico, « ha de se contentar com o esforgo de determinar a natureza de certos foi estruturasintegrativas intermedirias como o “pov, a“nagio” ou: {que ele intenta descobrir no processo hist6rico em curso. A deter {fim tikimo de todo 0 processo hist6rico s6 pode ser vislumbrada, sustenta ‘Ranke, numa visio religiosa. E assim a obra de Ranke pode ser considerada um cexemplo de uma historiografia composta num modo especificamente formista Mas, ainda que Ranke prime pela descrigdo de eventos em sua particularidade, suas narrativas devem a estrutura c cocréncia formal como explicagdes dos processos por ele descritos antes de tudo a0 fato de recorrerem tacitamente 20 modelo organicista do que deve ser uma adequada explicagao hist6rica, modelo mplantado na consciéncia do pr6prio Ranke como paradigma do que deve ser toda ¢ qualquer explicagio valida dé todo © qualquer processo presente no mundo, uma caraceristica das estratégas organcistas de explicagéo abster-se da procura de leis do processo hist6rico, quando o termo “lis” é interpretado no sentido de felagies caikais-niverSais ¢ invariantes, & mancita da fisica da quimica lavoisieriana ou da Biologia darwiniana, O organicista tend alr dos Sriniag” u das ia” qe informa oy process individuais percebidos no campo ede todos os processos tomados globalmente, ses princpios ou idias so visto como formadores de imagens ou prefigu- radoresdofim para que tende o processo como um todo, Néo funcionam como agentes ou agéncias causas salvo cm historiadores de orientagio decididame {eistica ou teol6gca,caso.em que sio geralment interpretados como ma festagces dos designios de Deus para Sua criagio, De falo, para o organicista, {ais principis e ideias funcionam ndo como restigbes a capacidade humana de realizar uma meta carateristcamente humana nahistria, como é de supor que 1s “leis” da historia funcionam no pensamento dos mecanicisas, mas como fiadores de uma liberdade humana essencfal, Assim, embora precise destacar ‘anaturezaintegrativa do processohistrico visto como um todo para que possa aprecnder o sentido do processo histrico, oorganicsta nso cxrai as variedades {e conclusdes pessimistas que o mecanicistarigoroso tende a extra de suas teflexdes sobre a natureza nomoldgica do se histrie. As hipéteses mecanicistas do mundo so também integrativas em seu objetivo, mas propendem a ser antes redutivas que sintélicas. Para usar a Tinguagem de Kenneth Burke, 0 mecanicismo esti disposto a ver os “atos” dos agentes” que povoam o campo historico como manifestagdes de “agéncias” cextra-histéricas que t&m suas origens na “cena” dentro da qual se desenrola a © O008 SH HOOHOHHHHHHOHHHHHHHHHHHHOHOHHO 2 apewwarre 5 descritana narrtiva. A teoria mecanicta da explicaglo apbia-se na tal campo histGri inierpretad6s Como existentes na modalidade de relagbes de parte com parte, ejas configuragées especsficas sio determinadas pelas leis que se presume ‘governarem suas interagoes. Assi ou, como indicarei, mesmo Tocqueville, estuda ahi leis que de fato governam suas operagies ¢ eve numa forma narrativa os efeitos dessas leis, A compreensto das natureza specifica podem ser mais ou menos coaspicuas na representaglo “do que estavaaeontecendo” no processohistrico num determinado tempoc lugar, ‘mas, na medida em que as investigagSes do mecanicista se realizam na busea de tais leis, seu relat € ameacado pela mesma tendéncia para a abstragdo que a do organicista. Ee considera as entidades indivicuais menos importantes como testemunho do que as lasses de fendmenos a que se pode demonstrar que pertencem; mas essas classes, por sua vez, so menos importantes para cle do ue asleis que, segundo se presume, suas regularidades maniestam. Er itima andlse, para 0 mecancisa, uma explicaglo 86 é considerada completa quando cle descobreas leis que é de presumir, governam: a histéria da mesma mancira Que ¢ de presumir que as eis da fisca governama natureza. Entio apica essas leis aos dados de modo a tornar suas configuragdes compreensiveis como fungies dessas leis. Assim, num historiador como Tocqueville, os atributos proprios de uma dada insituiglo, de um costume, de uma lei, forma de arte ou coisa parecida, sio menos importantes como fetemunho do que a espécie, a classe e as tipiieagées genéricas que, na andlse, se pode demonstrar que ‘exemplificam. E essa ipificagdes por sua vez sao julgadas por Tocqueville ~¢ certamente por Buckle, Marx e Taine ~ menos importantes do que as leis da estratura social e © processo que regem o curso da histéria ocidental, cujas ‘operagées eles atestam, Obviamente, se bem que sejam caracterizadas pela precisio conceptual, asconcepgdes mecanicistas de verdade eexplicagio eso expostas as acusagbes de falta de aleance e tendéncia para a abstraio do mesmo modo que seus congneres organicstas. De uma perspectva formista, mecanicismo ¢ organi- cismo parecem ser “redutivos” da variedade e do colorido das entidades individuais presents no campo histrico. Mas, para restaurar a descjadaexten- so e coneretude, nio é preciso buscar refigio numa concepGio tio “impres- sionista” da explicagi hist6riea como arepreseatada pelo formismo. Pode-se, de preferéncia, adotar uma posi comertualiste, que como teoria da verdade «da explicagio representa uma concepeao “furcional” do sentido ou da Signticagio de eventos pereebidos no campo histico. A pressupasiglo informadora do contextualismo € que os eventos podem ser explicados a0 serem postos dentro do“contexto” de sua ocorréncia, Por que ‘ocorreram como ocorreram ha de ser explicado pela revelagio das relagbes lexpecifiear que (Em com outros eventor ocorrentes em seu expago histérico weramsréna { 4° Kes oH 9 Tey circundante. Aqui, como no formismo, © campo histsrico € apreendido como sn “espetdculo” ou uma tapegaria de rica testura que & primeira vista parece carecer de coeréncia ede qualquer estrutura fundamental dscernivl. Mas, 0 contrério do formista, que tende simplesmente a considerar as entidades em ‘sua particularidade ¢ unicidade ~isto 6, sua similaridade com, e diferenga de, ‘outras entidades no campo, 0 contextualistainsisicem que “o que aconteceu” no campo pode ser explicado pela cscs Lincionas ‘existonles-enire os agentes e agéncias que gcupavam_o campo num dado ‘A determinagéo dessa inter-relagio funcional & levada a cabo por uma ‘operagio que alguns fil6sofos modernos, como W. H. Walsh e Isaiah Berlin, chamam de “coligagao”. Nessa operacao 0 objetivo da explicagao € identificar 08 “fios” que prendem o individuo ou a insttuigo em estudo a seu especioso “presente” sociocultural. Exemplos desse género de estratégia explicativa po- dom ser encontrados em qualquer historiador digno deste nome, de Herédoto ‘a Huizinga, mas ela encontra expressio como principio dominante de explica- ‘giono éculo XIX na obrade Jacob Burckhardt, Como estratégia de explicagio, 0 contextualismo procura evitar tanto a tendéncia radicalmente dispersiva do formismo quanto as tendéncias abstrativas do organicismo e do mecanicismo, Busca, em lugar disso, uma relatva integracdo dos fendmenos discernidos em provincias finitas de ocorréncia historica em funcio de “tendéncias” ou fisiog- ‘nomonias gerais de perfodos ¢ épocas. Na medida cm que tacitamente invoca regras de combinacio para determinar as caracteristicas de familia de entidades ‘que ocupam provincias finitas de ocorréncia historic, essas regras nio si0 ‘nterpretadas como equivalentes as leis universais de causa e efeito postulad: ‘pelo mecanicista ou aos princspios teleoldgicos gerais postulados pelo orgat cista. Ao contrério, so interpretadas como relagdes reais que se presume (enham existido em tempos ¢ lugares especificos, cujas causas primeira, final ¢ material nunca podem ser conhecidas. contextualista avanga, diz-nos Pepper, isolando algum (na verdade, ‘qualquer) elemento do campo hist6rico como ascunto de estudo, seja elemento vio amplo como “a Revolugio Francesa” ou tio pequeno como um dia na vida de uma determinada pessoa. Em seguida passa a escolher os “fios” que ligam 0 evento que vai ser explicado a diferentes Areas do contexto, Os fias so identificados, estendidos para fora, na diego do espago natural e social circundante dentro do qual acorreu 0 evento, ¢ estendidas para tr4s no tempo, ‘fim de determinar as “origens” do evento, ¢ para a frente no tempo, a fim de ddoterminar seu “impacto” e “influéncia” sobre as eventos subseqilentes. Essa ‘operacao termina no ponto em que os “fins” ou desaparecem no “‘contexto” de algum outro “evento” ou “convergem” para provacar a ocorréneia de algum novo “evento”. O impulso no & integrar todos os eventos e tendéncias que pudessem ser identificados em todo 0 campo historico, mas, antes, reuni-los, 9. Ver WH Wal, rac the Pcp of ry Landes 1961, 6.48 lh en “Te Concept of Seite Hig em Dray (OE. Parl aa Sd Haas pp ab ST Soe “olgnioem gl vet ascecragie de Mink "Auton pp 1772 ” Harpe ware ‘numa cadeia de caracterizagdes provisbrias e restritas de provincias finitas de ocorréncia “signficativa’ Deve ser Sbvio que 0 enfoque contextualista do problema da explicagio historica pode ser visto como uma combinacdo dos impulsos dispersivos que movem 0 formismo de um lado € os impulsos integrativos que ins corganicismo do outro, Mas, na realidade, uma concepgio contextu verdade, da explicacio ¢ verificagéo parece ser extremamente modesta naquilo que reclama do historiador e exige do leitor. No entanto, em razéo de sua ‘organizagdo do campo hist6rico em diferentes provincias de ocorrénciasignifi- cativa, com base na qual & possivel dstinguir uns dos outros os perfodos ¢ as épocas,.9 contextualismo.repressnta.tuma_solugio_ambigua.so problema da cconstrugao de um modelo narrativo das processos discernidos no campo hist pelo contextualista como um licado por Burckhardt) em que ee ee ee caren permitir o discernimento de tendéncias no processo sugere a possibilidade de lama narrativa em que as imagens de desenvolvimento e evolugéo pudessem predominar. Mas, na realidade, as estratégas exp tas incl. namvse mais para as representagGes sinerSnicas de segmentos ou segses do processo, cortes fetes, por assim dizer, a contrapelo do tempo. Essa tendéncia para 0 modo extruturalita ou sinerdnico de representagio ¢ inerente a uma hipotese contextuaista do mundo. E se o historiador que se inclina para 0 contextualismo agregar os vérios periodos que estudou numa visio completa de todo processo histéricodeverdtranspor os limites do areabougo contextuaista rumo ou a uma redugio mecanicista dos dados em fungéo das leis “intempo- rais” que se presume reé-los ou a uma sintese orgaicista daqueles dados em fungéo dos “principios” que se presume revelem oelas para o qual ende todo processo ao cabo de um longo percurso, Certamente qualquer um desses quatro modelos de explicagio poderia ser uilizado numa obra histrica para ofereceralguma coisa que se parecesse com um argumento formal do verdadeiro sentido dos eventos deseritos na narrativa, mas néo gozam todos do mesmo prestigio junto aos notsros prat- cantes profissionais da dsciplina desde sua academicizagio no inicio do séeulo XIX. De fato, entre os historiadores académieos os modelos formistae contex- twalistatendena predominar como, didatos A ortodoxia. Sempre Gi aparccem tendeacas rganiias ou mecanicistas em renomados meses do offco, como em Ranke e Tocqueville respectivamente, sio clas encarades ‘como lapsos em relagio as formas adequadas que as expicagbes em historia podem assumir, De maisa mais, quando impulso de explicarocampobistrico em termos francamente organiistas e mecanicistas chega a predominar num determinad pensador, como Hegel de um ado e Marx de outro, este impulso interpretado como a ravio da queda na abominével“flosofia da hist6ria” "Em suma, para os historadores profsionas, formismo e contextualismo representam os limites da eseolha entre as formas possiveis que uma expl { | ' ' METAISTORA s cculiarmente orgaicigmo representam hetrodoxias do pensamento histrico, na opnido tanto da principal filera de historiadores profissionais como da de seus defe sores entre filésofos que véem na “ilosofia da historia” mito, erro ou ideologia Por exemplo, o influente livro de’Karl Popper, The Poverty of Historicism, consiste quaie somente numa sistemética dentincia desses dois modos de explicagio do pensamento hist6rico™. ‘Mas 0s motivos da hostilidade. dos hisariadores profissionais aos.moslos organicisas e mecanicistas de explicagdo contin 3s. Ou, melhor, as ‘Tazoes dessa hostilidade pareceinvésidit &m consideragies de tipo especifiea- mente extra-epistemol6gico, Poi, admitida a natureza protacicatifica dos.estu- dos hiss6ricos, néo hd fundamentos epistemoldgicos apadicticns para a preferéncia de um modo de explicagao sobre outro. “Eat claro que j& se disse que a hist6ria $6 pode libertar-se do mito, da religifoe da metafisica através da exclusdo dos modos de explicagéo organicis- tas e mecanicistas de suas operagSes. Segundo a opinido geral, a hist6ria no pode desse mado elevar-se & condigo de “citncia” rigorosa, mas argumenta-se {que pode ao menos evitar os perigos do “cientismo” ~ a déplice macaqueagao cdo método cientifico eilegtima apropriagao da autoridade da ciéncia — através, dessa exclusdo. Pois, imitando-se explicagao segundo os modos do formismo do contextualismo, a historiografia pelo menos permancceria “cmpfrica” ¢ resitiria queda no tipo de “filosofia da hist6ria” praticada por Hegel e Marx. ‘Mas, precisamente porque a historia ndo € uma ciéncia rigorosa, essa hostlidade para com os modos de explicacao organicista e mecanicista parece cexpressar apenas um preconceito por parte do estabelecimento profissional, Se smo apresentam percepgbes de il que no podem ser obtidas pelas estratégias formistas ¢ contextualistas, entdo a exclusio do organicismo ¢ do ‘mecanicismo do cdnone das explicagSes hist6ricas ortodoxas deve basear-se em consideragbes extra-epistemol6gicas. O compromisso com as técnicas disper- sivas do formismo e do contextualismo reflete apenas uma decisao da parte dos historiadores de ndo tentarem o tipo de integragoes de dados que o organicismo © 0 mecanicismo sancionam naturalmente, Essa decisio, por sua vez, parece assentar em opinides pré-criticamente sustentadas acerca da forma que uma ciéncia do homem e da sociedade em de assumir.E por seuturno.essas opinises parecem ser geralmente éticas, ¢ especificamente idcolégicas, por natureza E amitide afirmado, especialmente pelos radicais, que a preferéacia dos historiadores profissionais por estratégias explicativas contextualistas eformistas, ideologicamente motivada. Por exemplo, dizem os marastas que € do interesse dos grupos socials estabelecidos rejeitar os modos mecanicistas de explicagao historica porque a revelagao das les reais da estrutura e do proceso hist6ricas, cexporia a verdadeira natureza do poder desfrutado pelas classes dominantes & suprria 0 conhecimento necessério para desalojar essas classes de suas posighes, 10. Kael Poppet The ey fiero (Lond, 96), p55. ©0000 OFHHOHHHHHHHHHHHHHHHHBHHHHHOKOD 6 navvew wore de privilegioe poder. do interesse dos grupos dominantesafirmam os radicals, caltivar uma concepsio da histéria em que s6 0s eventos individuas e suas relagSes com seus contextos imediatos podem ser conhecidos, ou em que, na melhor das hipSteses, se permite o arranjo dos fstos em frouxastpiicagbes, porque tais concepgées da natureza do conhecimentohisérco se conformam respectivamente com as preconcepgies “individualistas” dos “liberais” ¢ as Preconcepgdes “hierdrquicas” dos “conservadores" Por contrast, os historiadoresliberais também consideram ideologica- mente motivadas as pretonsGcs dos radicals desecberta das lei” dacstrutura do processo histércos. Tass, dis, so em geralapresentadas com vistas, A promover algum programa de transformagio socal, numa diego radical ou Isso impregna de mau cheiro a propria busca das leis da estrutura do process historicos ¢ torna suspeito 0 saber de qualquer historiador que pretenda investiga tis leis. O mesmo se aplica Aquees prineipios pelos quais 0 filsofos idealists da histria intentam expliato “eentida” da histria em sua totalidade, Tals “principios”,insstem os expositores de concepgdes de explicagéo contexualisas, formistas e mecanicists, sio sempre apresentados em apoio a posigbes retr6gradas ou obscurantistas em suas intengbes. Parece haver, de fato, um irredutve! componente ideol6gico em todo relat historico da realidad. sto 6, simplesmente porque a histrig EnGia,Gl ta melhor das pO na protoneoela com elementos ndo- entificas determinéveis em sua consttuigao, a propria afirmacio de se ter perecbido algum tipo de coeréncia formal no registro histrico leva consigo {eorias da natureza do mundo historico e do pr6prio conhecimento hist6rico ‘que contém implicagées idealigicas para as tentativas de compreender “0 presente”, por mals que este “presente” esejadefnido, Dito de outro modo, a prGpria afirmagio de se ter distinguido um murdo passado de um mundo presente de reflexioe préxs sociale de se ter determinado a coeréncia formal daquele mundo passado, implica uma concep¢ao di forma que oconhecimento «do mundo presente tamibém deve tomar, na medida em que € continuo com aqucle mundo passado, O compromisso com uma forma particular de conheci- mento predetermina 0s tos de generalizagies que se pode fazer acerca do ‘mundo presente, os tipos de conhecimento que se pode ter dele, e consequen- temente os tipos de projetos que ¢ licito conceber para mudar esse presente ou para manté-o indefnidamente em sua forma vigent. EXPLICAGAO POR IMPLICACAO IDEOLOGICA Asdimensbesideoldgicas de um relato historia refletem o elemento ético cenvolvido na assuncao pelo historiadr de uma postura pessoal sobre a quest

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