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Re-Search: Recriando experimentos da Psicologia em videogames

Book · May 2020

CITATION READS

1 2,022

5 authors, including:

Hernando Borges Neves Filho Patricia Eiterer


Universidade Estadual de Londrina Universidade Estadual de Londrina
56 PUBLICATIONS   234 CITATIONS    2 PUBLICATIONS   1 CITATION   

SEE PROFILE SEE PROFILE

Yulla Knaus
Universidade Estadual de Londrina
8 PUBLICATIONS   54 CITATIONS   

SEE PROFILE

Some of the authors of this publication are also working on these related projects:

Biobehavioral analisys of rat problem solving in the Search and Climb problem View project

Behavior analysis, creativity and insight View project

All content following this page was uploaded by Hernando Borges Neves Filho on 25 May 2020.

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ORGANIZAÇÃO
Hernando Borges Neves Filho
Mateus Rodolpho Peres Farias
Maria Luiza Bitencourt Silva Couto
Patricia Eiterer
Yulla Christoffersen Knaus

1ª Edição

© 2020 Imagine Publicações, Fortaleza, Ceará, Brasil.


E-book de distribuição gratuita.
ISBN: 978-65-991133-0-7.
Capa: Bianca Soprana.
Arte finalização: Hernando Borges Neves Filho.
Diagramação: Hernando Borges Neves Filho, Yulla Christoffersen Knaus e Carlos Rafael Fernandes Picanço.
Revisão ortográfica: Letícia Mota e Carlos Rafael Fernandes Picanço.
Editor-chefe: Carlos Rafael Fernandes Picanço.
Revisão Técnica: Felipe Lustosa Leite.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Re-Search : recriando experimentos da psicologia


em videogame [livro eletrônico] / organização
Hernando Borges Neves Filho ... [et al.]. --
1. ed. -- Fortaleza : Imagine Publicações, 2020.
10 Mb ; PDF

Outros organizadores: Mateus Rodolpho Peres


Farias, Maria Luiza Bittencourt Silva Couto, Patricia
Eiterer, Yulla Christoffersen Knaus
Vários autores.
ISBN 978-65-991133-0-7

1. Aprendizagem 2. Comportamento (Psicologia)


3. Ensino - Pesquisa - Metodologia 4. Jogos
educativos 5. Psicologia cognitiva 6. Videogame
I. Neves Filho, Hernando Borges. II. Farias, Mateus
Rodolpho Peres. III. Couto, Maria Luiza Bittencourt
Silva. IV. Eiterer, Patricia. V. Knaus, Yulla
Christoffersen

20-36633 CDD-155
Índices para catálogo sistemático:
1. Videogames : Psicologia do comportamento 155

Maria Alice Ferreira - Bibliotecária - CRB-8/7964

Produzido, editado e disponibilizado por Imagine Publicações LTDA, 2020.


Rua Doutor Gilberto Studart, 55, Sala 1503, Torre 1
CEP: 60192-105, Cocó – Fortaleza – CE
Telefone: (85) 3879-5046
E-mail: imaginepublica@gmail.com
Website: www.imaginepublica.com.br

E-book de distribuição gratuita. Reprodução parcial ou integral permitida, bastando apenas citar a fonte.
Lista de autores e autoras
Alberto Santos
Psicólogo pela PUC -Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Especialista em Psicologia do Esporte e da Atividade Física e mestre
em Psicologia Experimental: Análise do Comportamento pela PUC SP. Interesse em: (a) Pesquisa em conceitos básicos da Análise do
Comportamento Aplicada à Psicologia do Esporte, (b) Métodos de mensuração e pesquisa, (c) Processos de formação em Psicologia do
Esporte, (d) Psicologia Comportamental do Esporte aplicada ao contexto das artes marciais e esportes de combate, (e) Psicologia do
Esporte aplicada aos e-sports, e (f) Psicologia do Esporte aplicada aos esportes radicais

Amanda da Silveira Franco


Formada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás e estudante do sétimo período de Ciências Biológicas pela
Universidade Estadual de Goiás. Atuou no Laboratório de Análise Experimental do Comportamento sob orientação do Professor Doutor
Lorismário Ernesto Simonassi.

Amanda Viana dos Santos


Aluna de graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Participa do programa de iniciação científica na área de
Estilos Parentais, Comportamento de Escolha e de Autocontrole e Controle Aversivo, orientada pelo Prof. Dr. Cristiano Coelho. Bolsista
do CNPq. É membro no Laboratório de Análise Experimental do Comportamento (LAEC). É titular no desenvolvimento do projeto online
Guia Prático dos Pequenos (Orientação de Pais) e uma das criadoras do projeto Conversa com Pais (orientação de pais no formato de
palestras) em parceria com IGAC - Instituto Goiano de Análise do Comportamento, instituto no qual também redigiu boletins e textos
informativos para suas redes sociais. Foi estagiária no Instituto Skinner no ano de 2018.

Ana Carolina de Lima Bovo


Graduada em Psicologia (bacharelado), na Universidade Federal de Goiás. Membro da Liga de Acadêmica de Análise do Comportamento
da UFG, desde 2015. Especialização em Terapia Analítico-comportamental Infantil em andamento no Instituto Skinner de Análise do
Comportamento - Goiás. Mestranda em Psicologia pela PUC GOIÁS.

Ana Clara Aguiar Guimarães


Graduada em Psicologia (bacharelado), na Universidade Federal de Goiás. Membro da Liga de Acadêmica de Análise do Comportamento
da UFG, desde 2015. Cursando mestrado em Psicologia, na Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Com experiência na área de
Treinamento & Desenvolvimento, em Psicologia Organizacional e Educação. Também desenvolve trabalhos na área de Design Gráfico.

Ana Luiza Barbosa Camacho


Graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Foi bolsista de iniciação científica e tem experiencia como
acompanhante terapêutica em Análise do Comportamento Aplicada ao Autismo.

Ana Terra Pires de Moraes


Possui graduação em Psicologia pela Universidade Federal de Goiás (2017). Formação em andamento em Análise do Comportamento
Aplicada aos Transtornos do Espectro Autista e Quadros Assemelhados pelo Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento (IBAC).
Mestranda em Ciências do Comportamento (PPG - CdC) pela Universidade de Brasília (UnB).

André Luis Cardoso do Prado


Graduado em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás.

Arni Romualdo Ribeiro Silva


Graduado em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Conduziu projetos de pesquisa de controle aversivo e resolução
de problemas.

Carlos Rafael Fernandes Picanço


Possui graduação em Psicologia pela Universidade Federal do Pará, mestrado e doutorado em Psicologia (Teoria e Pesquisa do
Comportamento) pela mesma universidade. Tem experiência na área de Psicologia Comportamental, com ênfase em Análise
Experimental do Comportamento, atuando principalmente nos seguintes temas: pesquisa com animais não humanos ( Sapajus spp),
pesquisa com humanos adultos com desenvolvimento típico, processos básicos de aprendizagem e rastreamento de movimentos
oculares. Seus interesses de pesquisa atuais são a) bloqueio de leitura e escrita; b) instrumentalização metodológica de pesquisa
psicológica; c) interseções entre processos discriminativos (operantes e respondente) e visão computacional; d) sistemas educacionais
pautados em metodologias ativas; e) auto-gerenciamento e programas de ensino individualizado.

Diogo de Paula Sousa


Graduado em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Conduziu pesquisas em temas como superstição operante,
discriminação condicional e ressurgência comportamental.

Elisa Sanabio Heck


Possui graduação em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás, mestrado em Psicologia pela Universidade de Brasília e
doutorado em Psicologia pela Universidade de Brasília. Atualmente é professora (Adjunto 1) da Universidade Federal de Goiás. Tem
experiência na área de Psicologia, com ênfase em Controle Verbal, atuando principalmente nos seguintes temas: controle verbal,
regras, contingências, comportamento privado e punição.

Geroncio Oliveira da Silva Filho


Graduado em Psicologia na Universidade de Fortaleza (UNIFOR) e tem conhecimento de programação. Trabalhou como acompanhante
terapêutico na empresa Imagine Tecnologia Comportamental por 6 meses nos anos de 2016 e 2017. Participa do grupo de pesquisa do
Laboratório de Psicologia Experimental (Lapex) na Faculdade Ari de Sá desde março de 2017. Atualmente é mestrando do Programa de
Pós-graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento da Universidade Federal do Pará.

Hernando Borges Neves Filho


Professor efetivo do Departamento de Psicologia Geral e Análise do Comportamento da Universidade Estadual de Londrina (UEL).
Completou Bacharelado em Psicologia e Formação de Psicólogo pela Universidade Federal do Pará (UFPA). É mestre pelo Programa de
Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento da UFPA e doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia
Experimental da Universidade de São Paulo (USP). Realizou doutorado-sanduíche na The University of Auckland (Nova Zelândia) e foi
bolsista de Pós-Doutorado duas vezes, uma no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia, da Pontifícia Universidade
Católica de Goiás (PUC-GO, DOC-FIX CAPES/FAPEG), e outra no Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento
(UFPA, PNPD/CAPES). Já atuou como consultor e pesquisador em projetos de iniciativa privada e ONGs relacionados à manejos
comportamentais, análise do comportamento aplicada ao autismo, urbanismo e aceleração de ideias em pesquisa inovação e
desenvolvimento. Atualmente é editor associado da Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva (RBTCC) e já foi editor
especial da revista latinoamericana Acta Comportamentalia. É também coordenador geral do Grupo de Pesquisa em Criatividade,
Inovação, Cognição e Comportamento (CRIACOM).

Isabella Tereza Rodrigues Pires


Possui graduação em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (2018), foi bolsista de iniciação científica por dois anos
sob orientação de Lorismario Ernesto Simonassi e recebeu o diploma de dignidade acadêmica Magna Cum Laude pelo seu desempenho
ao longo de sua graduação. Possui especialização em Clínica Analítico Comportamental e experiência em pesquisa básica e aplicada
abordando temas como: comportamento verbal e recombinação de repertórios.

Júlio Cesar Abdala Filho


Graduação em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Foi aluno de Iniciação Científica no Laboratório de Análise
Experimental do Comportamento. Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Análise Experimental do Comportamento,
atuando principalmente nos seguintes temas: Comportamento Supersticioso, Comportamento Governado por regras, lembrar, cadeias-
comportamentais, consequência, consequências e comportamento operante.

Kaoma de Kassia Marçal Aleixo


Graduada em Psicologia, nas modalidades de licenciatura e bacharelado, pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Desde 2015 é
membro da Liga de Análise do Comportamento da UFG, coordenada pela professora Elisa Tavares Sanabio Heck. Voluntária do
Programa em Nome da Vida (PNV), da Coordenação de Extensão da Pro Reitoria de Extensão (CDEX/PROEX) da Pontifícia Universidade
Católica de Goiás (PUC Goiás), entre Março de 2016 a Dezembro de 2016). Vinculada ao Projeto de Extensão "Criança em Questão:
Repensando certezas com famílias e educadores" da professora Jordana de Castro Balduíno da UFG, de Agosto de 2016 a Fevereiro de
2017. Participa da Liga de Análise de Comportamento e Cultura da Universidade Federal de Goiás, criada em Setembro de 2016.

Karla Graciano Ribeiro


Graduada e licencianda em Psicologia pela Universidade Federal de Goiás. Atuação como bolsista do Programa Institucional de Bolsas
de Iniciação à Docência (PIBID). Experiência em pesquisa como voluntária do Programa Voluntário de Iniciação Científica (PIVIC) com
ênfase na história da Psicologia Social.

Lara Abreu de Lima


Graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás.

Larissa Ferraz Sabino


Graduada em Psicologia pela Universidade Federal de Goiás.

Lanussy Karoliny Oliveira Lira


Concluiu curso-técnico em Artes/Música e o ensino-médio pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás. Graduada
na Universidade Federal de Goiás (UFG)/ Faculdade de Educação (FE), em bacharelado e licenciatura em Psicologia.

Leonardo Murilo Leão


Graduado em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Conduziu pesquisas sobre comportamento criativo e
recombinação de repertórios.

Lucas Cândido Campos


Graduado em Psicologia (Bacharelado e Licenciatura) pela Universidade Federal de Goiás (UFG), Campus Goiânia. Membro da Liga de
Análise do Comportamento da UFG.
Luiz Henrique Santana
Psicólogo. Mestre em Neurociência e Cognição. Dedicou-se a investigações sobre as bases biológicas do comportamento e da cognição
(Uso de ferramentas e Visão de cores em primatas; Psicopatologia Experimental, Sono e Memória Emocional em ratos). Foi professor de
Psicobiologia, Psicologia Experimental, Análise do Comportamento e Neuropsicologia em cursos de psicologia. Atualmente cursa o
Doutorado em Ciências (Psicologia Experimental) no Instituto de Psicologia da USP em período sanduíche no Brain Research Institute
da UCLA, conduzindo investigações sobre psicologia comparativa e resolução criativa de problemas a partir de modelo animal com
roedores.

Mateus Rodolpho Peres Farias


Graduado em Psicologia pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Membro fundador da Liga de Psicologia Organizacional e do
Trabalho; Membro da Liga de Análise do Comportamento; Estudioso de teoria dos jogos, Game Design, interface Jogo-Jogador e
narrativas. Estudou Level Design na instituição de ensino Vancouver Film School (Canadá) e atualmente é game designer na Província
Studio.

Maria Luiza Bitencourt Silva Couto


Graduanda de Psicologia na Universidade Federal de Goiás. Pesquisou movimentos sociais e preconceito sexual e de gênero pelo
enfoque da Análise do Comportamento. Tem experiência em desenvolvimento de jogos, intervenções em contextos grupais e
atendimento de pessoas com desenvolvimento atípico.

Marina Morena Maia


Possui graduação em Abi - Psicologia pela Universidade Federal de Goiás. Atuou como estagiária na Justiça Terapêutica (2016-2017),
local em que adquiriu experiência em atendimento individual focado na intervenção e acompanhamento de usuários de substâncias
psicoativas, com a prática voltada para os princípios da redução de danos.

Millena Schutz Selhorst


Graduando em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Tem experiência na área de Psicologia Experimental.
Atualmente tem focado sua formação para o Desenvolvimento Atípico.

Osvaldo Soares de Araújo Júnior


Graduado em Psicologia pela Universidade Federal de Goiás (UFG).

Patricia Eiterer
Graduada em Psicologia pela Universidade Federal de Goiás (2016), Pós-graduada em Ensino Especial com ênfase em TEA e quadros
assemelhados pelo Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento (2017), Mestranda em Análise do Comportamento pela
Universidade Estadual de Londrina. Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Análise do Comportamento Aplicada ao
desenvolvimento de jogos educativos e ao atendimento de pessoas com desenvolvimento atípico.

Pedro Henrique Carvalho


Atualmente é Professor titular de Psicologia da Faculdade Católica Dom Orione, responsável por ministrar disciplinas de Análise do
Comportamento. Mestre em Psicologia, com ênfase em Análise e Evolução do Comportamento pela Pontifícia Universidade Católica de
Goiás. Graduado em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Foi monitor da disciplina Psicologia Geral e Experimental I
durante dois anos; trabalhou com coleta, análise e apresentação de dados a nível nacional e internacional em temas de pesquisas com
humanos e infra-humanos, como Transmissão Cultural, Sistema Personalizado de Ensino e Ressurgência Comportamental.

Samanta Alves Pereira


Graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Tem experiência na área de Psicologia Experimental, resolução
de problemas, cooperação e uso de jogos de videogame em pesquisa comportamental.

Sérgio Augusto Ramos França Filho


Graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Tem experiência na área de Psicologia Experimental, resolução
de problemas e uso de jogos de videogame em pesquisa comportamental.

Sofia Nunes Ferreira


Atualmente estuda Psicologia na Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Tem experiência em Análise Experimental do
Comportamento, tendo coletado dados e feito pesquisa no Laboratório Experimental do Comportamento da PUC-Go. Foi monitora por
um ano e meio em Psicologia Social e recentemente fez intercâmbio em psicologia na Universidade de Liège, na Bélgica.

Yulla Christoffersen Knaus


Possui graduação em Psicologia pela Universidade de São Paulo e mestrado em Psicologia Experimental, com foco em farmacologia
comportamental, pela mesma instituição. Foi pesquisadora visitante da The University of Auckland (Nova Zelândia), estudando
resolução de problemas e evolução convergente. Atualmente cursa doutorado em Neurociências e Comportamento na USP, com
período sanduíche na Universität Regensburg (Alemanha), estudando interações entre ansiedade, hormônios do estresse e resolução de
problemas.
Capítulo 1........................................................................................................................................................... 3

Videogames como ferramentas de ensino e pesquisa: O que é o projeto Re-Search e como é


possível colaborar e aplicar o projeto em uma disciplina de Psicologia ou iniciação científca.

Hernando Borges Neves Filho

e Yulla Christoffersen Knaus


Capítulo 2......................................................................................................................................................... 14

O jogo digital como contingência

Mateus Rodolpho Peres Farias

e Elisa Sanabio Heck

Capítulo 3......................................................................................................................................................... 29

A lei do efeito e a curva de aprendizagem de E. L. Thorndike: como se formam associações


entre eventos

Amanda da Silveira Franco


Amanda Viana dos Santos
Arni Romualdo Ribeiro Silva
Diogo de Paula Sousa
Júlio Cesar Abdala Filho
Lara Abreu de Lima
Leonardo Murilo Leão
Samanta Alves Pereira
e Hernando Borges Neves Filho
Capítulo 4. ....................................................................................................................................................... 41

A resolução súbita de um problema: O “Insight” de W. Köhler e a sua desconstrução em


habilidades pré-requisito para a solução de um problema

Ana Terra Pires de Moraes


Ana Carolina de Lima Bovo
Ana Clara Aguiar Guimarães
Lanussy Karoliny Oliveira Lira
Mateus Rodolpho Peres Farias
Sérgio Augusto Ramos França Filho
e Isabella Tereza Rodrigues Pires
Capítulo 5......................................................................................................................................................... 59

A discriminação condicional de Karl Lashley: a formação do comportamento de atentar a


propriedades específcas de estímulos ambientais

Diogo de Paula Sousa


Leonardo Murilo Leão
André Luis Cardoso do Prado
Isabella Tereza Rodrigues Pires
Julio César Abdalla Filho
Sérgio Augusto Ramos França Filho
Pedro Henrique Carvalho
e Samanta Alves Pereira
Capítulo 6......................................................................................................................................................... 68

Os mapas cognitivos e a aprendizagem latente de E. C. Tolman

Samanta Alves Pereira


Amanda Viana dos Santos
Ana Luiza Barbosa Camacho
Sofia nunes Ferreira
e Millena Schutz Selhorst
Capítulo 7......................................................................................................................................................... 76

Raciocínio e a integração de aprendizagens isoladas de N. R. F. Maier

Ana Carolina de Lima Bovo


Ana Clara Aguiar Guimarães
Karla Graciano Ribeiro
Lanussy Karoliny Oliveira Lira
Maria Luiza Bitencourt S. Couto
Patrícia Eiterer
e Hernando Borges Neves Filho
Capítulo 8......................................................................................................................................................... 90

Procedimento de conjuntos de aprendizagem: a formação de “Learning Sets” de H. Harlow


Maria Luiza Bitencourt S. Couto
e Patricia Eiterer
Capítulo 9....................................................................................................................................................... 105

O efeito generalizado do reforço: a indução de respostas de J. J. Antonitis

Isabella Tereza Rodrigues Pires


Sérgio Augusto Ramos França Filho
e Samanta Alves Pereira
Capítulo 10.................................................................................................................................................... 114

Variabilidade comportamental aprendida: o estabelecimento do repertório comportamental de


inovar de Pryor, Haag e O’Reilly
Marina Morena Maia
Ana Terra Pires de Morais
Kaoma de Kassia Marçal Aleixo
Larissa Ferraz Sabino
Mateus Rodolpho Peres Farias
e Osvaldo Soares de Araújo Júnior
Capítulo 11.................................................................................................................................................... 134

Encadeamento de respostas: Criando longas cadeias comportamentais com os procedimentos


“para frente” e “para trás” de Weiss
Lucas Cândido Campos
e Mateus Rodolpho Peres Farias
Capítulo 12.................................................................................................................................................... 149

Ressurgência comportamental de R. Epstein: Como estudar a ordenação da variabilidade


Arni Romualdo Ribeiro Silva
Diogo de Paula Sousa
Isabella Tereza Rodrigues Pires
Julio César Abdala Filho
Lara Abreu de Lima,
Leonardo Murilo Leão
Samanta Alves Pereira
Sérgio Augusto Ramos França Filho
e Yulla Christoffersen Knaus
Capítulo 13. ................................................................................................................................................. 159

Inferindo eventos comportamentais e ambientais a partir de eventos do jogo Portal 2


Carlos Rafael Fernandes Picanço
e Geroncio Oliveira da Silva Filho
Capítulo 14.................................................................................................................................................... 171

O uso de videogames como plataforma para compartilhamento de dados e como veículo para
promoção de ciência cidadã
Luiz Henrique Santana
Capítulo 15.................................................................................................................................................... 176

Cultura e videogames: A arte, o entretenimento e o esporte do século XXI


Alberto Santos
1
2
3

Videogames como ferramentas de ensino e pesquisa: O que é o projeto


Re-Search e como é possível colaborar e aplicar o projeto em uma
disciplina de Psicologia ou iniciação científica.

Hernando Borges Neves Filho


Yulla Christoffersen Knaus

A Psicologia possui uma forte tradição experimental, empírica, de laboratório. Ao


público geral isto pode parecer surpreendente, já que a Psicologia, como profissão, é
prioritariamente identificada com a prática clínica (Meira & Nunes, 2005). Entretanto,
estudantes, assim que ingressam em graduações de Psicologia, logo se dão conta que o
curso prevê uma série de disciplinas sobre estatística e planejamento de experimentos,
assim como muitas disciplinas se estruturam ao redor da leitura de artigos científicos
publicados em periódicos revisados por pares.

Durante seu desenvolvimento, a Psicologia produziu experimentos


paradigmáticos, que identificaram com precisão diversos fenômenos psicológicos,
comportamentais. Hoje em dia, diversos desses experimentos fazem parte do “catálogo
básico” de evidências científicas produzidas pela Psicologia, e figuram com
proeminência em currículos e cursos da área. Não é exagero dizer que parte desses
experimentos nos permitiram entender a Psicologia e o comportamento humano de uma
maneira totalmente nova, baseada em evidências, e com implicações sérias para o
entendimento de como os organismos interagem com o seu mundo.

Este livro apresenta uma seleção desses experimentos clássicos da Psicologia, e


uma metodologia inovadora e, espera-se, acessível. O objetivo aqui é tanto ilustrar esses
experimentos para fins didáticos, bem como construir maneiras de ampliar esses
experimentos para testar outras variáveis, ou seja, para fazer pesquisa científica
propriamente dita. Isso tudo é feito utilizando um jogo comercial para computadores, o
4

Portal 2®, que é uma ferramenta versátil, de baixo custo e que não requer
conhecimentos de programação para ser modificada. Com esse jogo, é possível recriar
experimentos clássicos em formato de videogame, como um jogo com perspectiva em
primeira pessoa. Nos estudos originais, ratos exploravam labirintos, chimpanzés
resolviam situações-problema e golfinhos aprendiam a ser criativos. Em nossas
recriações, um jogador assume o papel desses animais em análogos das situações
experimentais dos estudos originais, detalhadamente recriadas no jogo.

Neste primeiro capítulo, são detalhados os pontos centrais desse projeto, que são:
(1) importância e validade dessa empreitada para ensino e pesquisa; (2) um passo a
passo de como implementar esse projeto em disciplinas de Psicologia, e (3) seu
potencial para divulgação científica dos achados da Psicologia Experimental. O projeto
é fundamentalmente voltado para ensino e divulgação científica, pois serve tanto como
ferramenta didática para cursos de Psicologia, bem como é uma maneira de levar ao
público geral, de forma lúdica, um pouco do conhecimento empírico produzido pela
Psicologia. Além disso, o projeto é também uma empreitada colaborativa, na medida em
que o jogo escolhido permite que qualquer usuário que tenha uma cópia digital do
mesmo acesse os experimentos e rode esses experimentos no seu computador, em
qualquer lugar do planeta. Com isso podemos difundir com facilidade nossos
experimentos. Além disso, aplicações sucessivas permitem refinamentos graduais nos
experimentos, feitos por diferentes equipes. Da mesma maneira, esperamos que
diferentes equipes, com seus diferentes interesses, se engajem na criação de variações
desses experimentos, ou mesmo a criação de experimentos novos, que podem por sua
vez ser também compartilhados, criando assim um grande repositório de experimentos e
dados. Tudo isto pode ser feito de forma remota, cada um no seu laboratório, ou mesmo
em sua casa. O convite está feito, e o passo a passo para participar desse projeto está
neste livro.

O Projeto Re-Search: sua primeira aplicação em um curso de verão de História da


Psicologia e Desenho de Experimentos
Toda a Parte II deste livro detalha a primeira aplicação do Projeto Re-Search,
realizada no primeiro semestre de 2017, em Goiânia, Brasil. A aplicação se deu em um
curso de verão de curta duração, sobre História da Psicologia e Desenho de
Experimentos, realizado na Pontifícia Universidade Católica de Goias (PUC-GO). A
turma contou com alunos e alunas de diferentes instituições de ensino da região.
5

O curso teve quatro etapas: (1) aulas expositivas sobre 10 experimentos clássicos
da Psicologia, (2) divisão da turma em grupos, sendo cada grupo responsável por um
dos experimentos apresentados em aulas expositivas; cada grupo recebeu uma tutoria
sobre o seu experimento, a fim de torná-los experts nesse experimento, (3) cada grupo
recriou funcionalmente as contingências de seu experimento no jogo Portal 2®,
identificando variáveis independentes e dependentes, e (4) breve coleta de dados e
confecção de um relatório de pesquisa. Os 10 experimentos dessa aplicação foram
escolhidos de acordo com interesses de pesquisa e familiaridade dos autores do presente
capítulo, que foram os responsáveis por planejar e ministrar o curso (Figura 1).

Nas aulas expositivas, foram apresentados em detalhes cada um dos experimentos


elencados para a recriação, como em uma aula de história da Psicologia. Cada
experimento foi apresentado em seu contexto, e dados mais recentes e avanços na área
do experimento foram apresentados para suplementar a discussão. Nas aulas foi dado
destaque aos aspectos metodológicos de cada experimento (quais suas variáveis
independentes, qual a variável dependente, medida privilegiada, etc). Ao final da
apresentação dos experimentos, o jogo e suas funcionalidades foram apresentados e
contas na Steam com acesso ao jogo foram disponibilizadas. Na aplicação descrita neste
livro, cinco contas na Steam foram disponibilizadas para dez grupos de alunos e alunas.
Cada um desses grupos ficou responsável por ser especialista em um dos experimentos,
e assim recriá-los no jogo. Toda a etapa de construção de mapas, coleta de dados e
confecção do relatório foi feita via tutoria remota.
6

Figura 1. Infográfico de experimentos recriados na primeira aplicação do Projeto.


7

Usamos o jogo Portal 2® por ele ser um jogo em primeira pessoa e por ter um
map maker de fácil uso (i.e., a construção de novos mapas pode ser feita por meio de
uma interface gráfica de apontar e clicar com o mouse), já integrado no jogo, de modo
que não requer conhecimento de programação (Figura 2). Cada grupo criou uma ou
mais salas no map maker, tentando recriar na sala o ambiente dos experimentos
originais, se pautando pela similaridade funcional, se não, quando possível, física. Se
nos experimentos clássicos de Thorndike gatos fugiam de caixas-problema ao acionar
uma alavanca, na recriação um jogador tinha de fugir de uma sala a partir do uso de um
mecanismo similar. Se Thorndike mensurou o tempo de fuga das caixas, na recriação a
mesma medida seria utilizada. Feitas as salas e definido o procedimento, pequenas
coletas de dados foram realizadas. Alguns dos nossos procedimentos replicaram os
achados originais, outros não. Cada grupo escreveu um relatório, e cada um desses
relatórios, escrito por alunos e alunas, é um capítulo da Parte II deste livro.

Apesar da primeira aplicação do projeto Re-Search ter sido realizada em formato


de minicurso, o projeto pode facilmente ser adaptado para uma disciplina inteira,
inclusive repetida todo semestre ou ano. Com repetições, é possível criar um “pool” de
mapas de experimentos, que podem ser acessados por outros pesquisadores, alunos e
público em geral. Da mesma maneira, grupos podem refinar mapas anteriores, e com o
devido empenho, partir da recriação para entrar em pesquisa e teste de variáveis novas
propriamente ditas, tudo em um empenho colaborativo e cumulativo.

Assim, recriações bem-sucedidas permitem aos alunos e alunas observarem os


processos comportamentais em questão, da mesma maneira que esses são usualmente
observados em procedimentos tradicionais no laboratório didático. Recriações mal
sucedidas, que por qualquer motivo não repliquem os dados originais, permitem
diversas discussões metodológicas e possibilidades de aprimoramentos em ocasiões
futuras (como no caso de qualquer pesquisa), assim como aprofundamento em
discussões em relação a quais características de cada método podem ter sido
determinantes para aquele resultado. Para além da sala de aula, todos os mapas criados
no projeto são disponibilizados em contas da Steam, a plataforma digital do jogo Portal
2®, acompanhados de breves descrições dos experimentos, sendo assim uma forma de
divulgação científica de conhecimento da Psicologia para o público em geral, tendo este
livro como material suplementar (Figura 2). O link para baixar os mapas e ler suas
descrições e dados coletados estão disponíveis em cada capítulo da Parte II deste livro.
8

Figura 2. Fluxograma de repetidas aplicações do projeto e seus produtos esperados.

Usamos um equipamento de baixo custo, um jogo que pode ser adquirido por
pouco mais de R$30 reais (e que pode ser adquirido por bem menos em promoções em
épocas como dezembro e julho, em função de promoções temáticas da plataforma de
venda do jogo), e que roda em qualquer computador (PC) feito nos últimos 20 anos.
Com esse software de baixo custo, os alunos e alunas desenvolveram experimentos
completos, com planejamento de procedimento, coleta e análise de dados (além de
aprenderem sobre experimentos clássicos da Psicologia). Esta é potencialmente uma
forma de ensinar metodologia e repertórios de pesquisa tão completa quanto o
tradicional laboratório didático com ratos. O jogo, Portal 2®, pode ser adquirido para
PC na loja virtual da plataforma Steam, neste link http://store.steampowered.com/

O Portal 2® foi escolhido pela facilidade e baixo custo; entretanto, diversos outros
jogos podem ser usados para fins similares ao do projeto aqui descrito. Todo e qualquer
jogo que permita sua modificação sem a necessidade de programação é um potencial
9

candidato. Hoje em dia, jogos com esse tipo de ferramenta de modificação são comuns
no mercado. De fato, jogos comerciais que permitem modificações têm ganhado
destaque em diversas pesquisas comportamentais (Calvillo-Gámez, Gow, & Cairns,
2011; Green & Kaufman, 2015). O próprio Portal 2®, e seu predecessor, Portal, já
foram utilizados em pesquisas sobre aprendizagem de conceitos de física básica
(Adams, Pilegard & Mayer, 2015), resolução de problemas (Shute, Ventura & Ke,
2013; Shute & Wang, 2015; Foroughi et al. 2016) perfis cognitivos (Gallagher &
Prestwich, 2014), cooperação (Vaddi et al. 2016) e recombinação de repertórios
comportamentais (Pêssoa Neto et al., 2019). Para além desse uso recente de jogos
comerciais para fins de pesquisa e exemplos didáticos, existe toda uma tradicional área
de desenvolvimento de jogos educativos (Bergeron, 2006). Diante desse cenário,
podemos afirmar que nossa empreitada aqui descrita é uma dentre várias outras que
caminham no mesmo sentido.

Como desenvolver e colaborar com o projeto Re-Search em sua instituição de


ensino ou em seu grupo de estudos
Dada a facilidade de executar o projeto, a possibilidade de criar um “pool” de
mapas de experimentos clássicos, além da possibilidade de refinar mapas já feitos,
convidamos interessados e interessadas a aplicar o projeto em sua disciplina, curso de
curta duração (workshops, cursos de verão etc) e grupos de estudo. O convite é uma
maneira de tanto fornecer uma ferramenta alternativa ao laboratório didático, que
usualmente utiliza ratos, e por isso tem um alto custo de manutenção e portanto não
estão disponíveis em todas universidades (e quando estão, são constantemente
ameaçados de fechamento), como também é uma tentativa de iniciar um movimento de
ciência compartilhada, com esforços descentralizados porém coordenados de diferentes
pesquisadores, pesquisadoras, alunos e alunas pelo país (para mais detalhes sobre isso,
conferir o Capítulo 14 desta obra). Além disso, todo o projeto pode ser executado e
gerenciado de forma remota, podendo ser assim uma potencial atividade suplementar
em esquemas de ensino a distância.

Para a aplicação, são necessários os seguintes itens: (1) um ou mais computadores


(desktops ou notebooks, com sistema operacional Windows, MacOS ou Linux) com
teclado e mouse, (2) contas na plataforma Steam com o jogo Portal 2®, (3) Baixar ou
criar seus próprios mapas do Portal 2® na plataforma Steam, (4) Coleta de dados e
confecção de um relatório de pesquisa, (5) divulgação do mapa e dos dados coletados, e
10

por fim, e totalmente opcional, (6) contato conosco para adicionarmos os novos mapas
ou novos experimentos realizados ao nosso banco de dados de acesso público.

As configurações mínimas exigidas de um computador, para que ele rode o Portal


2®, são pelo menos 3.0 Ghz de processador, Dual Core 2.0, AMD64X2 ou maior, 2 GB
de memória RAM e placa gráfica de 128 mb ou maior, com suporte a Pixel Shader. As
configurações gráficas podem ser alteradas no próprio jogo, de modo a otimizar o jogo
no computador instalado. Para adquirir e rodar o jogo, é necessária uma conta na
plataforma de distribuição digital Steam (https://store.steampowered.com/). Ao criar a
conta, basta comprar o jogo e ele será adicionado à conta. O jogo pode ser instalado em
mais de um computador, a partir do login na conta no qual o jogo foi comprado,
entretanto, como o jogo é vinculado à conta, não é possível rodar um jogo de uma
mesma conta simultaneamente em diversos computadores (para resolver isso, uma
maneira é fazer várias contas, como por ex. ProjetoPortal1, ProjetoPortal2 etc, cada uma
com um jogo comprado). Os mapas podem ser baixados e modificados. O Portal 2®
também pode ser adquirido para consoles de videogames (como Xbox ou Playstation),
entretanto optamos pelo PC pelas facilidades de rodar programas concomitantes ao
jogo, para registro de vídeo e inputs de mouse e teclado.

A coleta de dados na primeira aplicação do projeto usou uma regra para ensinar os
controles básicos do jogo (Figura 3), que ficou disponível aos participantes no local da
coleta, ao lado do computador. Os comandos de controle do personagem no jogo são
repertórios pré-requisito para que ele explore o ambiente virtual e se exponha às
contingências programadas. Os dados brutos das coletas de dados foram vídeos da
performance do sujeito no jogo. O programa utilizado para gravar a performance no
jogo foi o Open Broadcaster ( https://obsproject.com/pt-br/download ), um programa de
uso gratuito que grava somente a tela do computador, de modo a manter o participante
anônimo. O programa roda simultaneamente ao jogo, e a análise de dados é feita com os
vídeos. Em nossa primeira aplicação, a análise de dados foi “artesanal”, ou seja, feita
“no olho” pelos alunos e alunas. Entretanto, é possível utilizar programas de
categorização do comportamento em vídeos, como o BORIS (Friard & Gamba, 2016)
ou Jwatcher (Blumstein, Daniel & Evans, 2006) para facilitar e automatizar esta análise.
Além disso, existe ainda uma gama de softwares que registram e geram gráficos de
inputs de mouse e teclado que podem gerar dados adicionais.
11

Figura 3. Diagrama com os controles básicos do jogo. Tanto quem planeja o experimento, como quem é
participante do experimento, precisa conhecer e dominar esses controles para tanto criar os mapas, como
também explorá-los . O diagrama foi entregue aos participantes das coletas de dados, e ficou disponível
ao lado do PC em todas as sessões de coleta de dados.

Do ensino para a pesquisa


O contato inicial em sala de aula com a ferramenta permite que subsequentes
ideias de pesquisa por parte dos alunos possam ser desenvolvidas já com intimidade e
desenvoltura com o software Portal 2®. A velocidade com a qual desenhos
experimentais podem ser colocados em prática com esta ferramenta é de especial
relevância para projetos de iniciação científica, que possuem uma delimitação de tempo
que muitas vezes inviabiliza pesquisas inovadoras, em função da demora intrínseca ao
desenvolvimento de equipamento experimental físico, assim como a obtenção de
animais e autorização de comitês de ética associados. No ®, em questão de minutos
você cria, edita e testa uma situação experimental, e como todos os mapas são editáveis,
mapas piloto podem facilmente ser adaptados após uma coleta de dados inicial.

Também é importante ressaltar o nível de engajamento gerado pelo uso desse tipo
12

de programa; em nossa experiência, obtivemos um feedback extremamente positivo,


assim como alto interesse, dos alunos em função da “novidade” de se desenvolver
pesquisa utilizando um jogo de computador.

Por último, os baixos requisitos para que esses experimentos sejam rodados
também permitem a implementação de laboratórios e novas linhas de pesquisa em
universidades com recursos limitados, bem como em grupos de estudos independentes,
tornando o fazer científico mais acessível de maneira geral.

Tornar o fazer científico mais acessível é sempre uma empreitada importante,


assim como tornar os resultados de tais pesquisas acessíveis ao público em geral, para
além dos muros das universidades. O uso de ferramentas como jogos de computador,
transporta a pesquisa dos estéreis laboratórios e rígidos artigos científicos, para um
âmbito mais lúdico e flexível, o que pode ser um bom primeiro passo na formação
científica de um indivíduo.

Esperamos que o projeto aqui descrito e exemplificado nos capítulos seguintes


sejam um convite a explorar fenômenos Psicológicos bem documentados. Em caso de
qualquer dúvida, comentário ou interesse no projeto, não exite em contatar os autores e
autoras deste livro.

Referências
Adams, D. M., Pilegard, C., & Mayer, R. E. (2015). Evaluating the cognitive
consequences of playing Portal for a short duration. Journal of Educational
Computing Research, 54, 173-195. doi: 10.1177/0735633115620431
Bergeron, B. (2006). Developing serious games. New York: Charles River Media.
Blumstein, D. T., Daniel, J. C. & Evans, C. S. (2006). JWatcher 1.0: An introductory
user's guide. California: UCLA Press. Disponível em www.jwatcher.ucla.edu
Calvillo-Gámez, E., Gow, J., Cairns, P. (2011). Introduction to special issue: video
games as research instruments. Entertainment Computing, 2(1), 1–2. doi:
10.1016/j.entcom.2011.03.011
Erhardt, J. (2013). Reality and structure of virtual space: Some lessons from Portal and
Oculus Rift. The Philosophy of Computer Games Conference, Bergen,
Norway. Recuperado de:
https://www.academia.edu/5137317/Reality_and_Structure_of_Virtual_Space_
Some_Lessons_from_Portal_and_Oculus_Rift
Friard, O. & Gamba, M. (2016). BORIS: a free, versatile open‐source event‐logging
software for video/audio coding and live observations. Methods in Ecology
and Evolution, 11. doi: 10.1111/2041-210X.12584
13

Foroughi, C. K., Serraino, C., Parasuraman, R., & Boehm-Davis, D. A. (2016). Can we
create a measure of fluid intelligence using Puzzle Creator within Portal 2?
Intelligence, 56, 58-64. doi: 10.1016/j.intell.2016.02.011
Gallagher, P. S. & Prestwich, S. (2014). Videogame design for cognitive enhancement
through micro-puzzle cognitive profiling. Interservice/Industry Training,
Simulation and Education Conference (I/ITSEC), Orlando, FL. Recuperado de
https://www.researchgate.net/publication/265552095_Videogame_Design_for_
Cognitive_Enhancement_through_Micro-Puzzle_Cognitive_Profiling
Green, G. P. & Kaufman, J. C. (2015). Video games and creativity. New York: Elsevier.
Meira, C. H. M. G & Nunes, M. L. T. (2005). Psicologia clínica, psicoterapia e o
estudante de Psicologia. Paidéia, 15, 339-343.
Pêssoa Neto, R. S., Araujo, S. A., Oliveira, M. P., Neves Filho, H. B. & Tatmatsu, D. I.
B. (2019). Modelo experimental de recombinação de repertórios em humanos
em um ambiente virtual. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e
Cognitiva, 21(3). doi: 10.31505/rbtcc.v21i3.1348
Shute, V. J., Ventura, M. &, Ke, F. (2013). The power of play: The effects of Portal 2
and Lumosity on cognitive and noncognitive skills. Computers & Education,
80, 58-67. doi: 10.1016/j.compedu.2014.08.013
Shute V., & Wang L. (2015) Measuring Problem Solving Skills in Portal 2. Em P.
Isaias, J. M. Spector, D. Ifenthaler, D. G. Sampson(Eds). E-Learning Systems,
Environments and Approaches. New York, NY: Springer.
Vaddi, D. Toups, Z., Dolgov, I., Wehbe, R. R., & Nacke, L. (2016). Investigating the
impact of cooperative communication mechanics on player performance in
Portal 2. Graphics Interface, 41-48. doi: 10.20380/GI2016.06
14

O jogo digital como contingência

Mateus Rodolpho Peres Farias e


Elisa Sanabio Heck

Desde os primeiros jogos digitais na década de 1950, os arcades e fliperamas


criados nas décadas de 1970, até as indústrias multimilionárias dos consoles, o ato de
desenvolver jogos foi um ofício evoluído com o tempo. O design de um jogo, aqui
significando o desenho e planejamento de suas regras, relações e conteúdos, é
construído a partir de um campo teórico extenso, com seus autores, suas convenções,
sua terminologia e suas aplicações técnicas.

Esse campo de saber se desenvolveu em relativo segredo, dialogando pouco,


quando o fazia, com outros campos do conhecimento. Sendo assim, se configuraria em
uma tecnologia paralela, marcada (a) pela capacidade de gerir, modelar e criar
comportamento nos usuários dos artefatos que constrói, (b) pela sua direção comercial,
como parte fundamental dessa indústria de entretenimento, e, por fim, (c) pela sua mais
recente, porém intensa relação com o campo da arte.

Esses três aspectos definidores do que é o Design de Jogos o aproxima,


consequentemente, da Psicologia. Ao ser jogado por pessoas, o jogo se torna parte do
ambiente daquela pessoa, e esse ambiente controla comportamento, algumas vezes por
muitas horas a fio. Não tardou para que analistas do comportamento demonstrassem
interesse nesse tipo de ambiente. John Hopson, um autodenominado analista do
comportamento, escreveu um artigo para o portal Gamasutra, onde explora a possível
relação das áreas:

“Todo jogo de computador é delineado ao redor de um mesmo


elemento central: o jogador. Mesmo que o hardware e o
15

software para os jogos mude, a psicologia que baseia como


jogadores aprendem e reagem em um jogo é uma constante. O
estudo da mente, na verdade, trouxe várias descobertas que
podem informar o design de jogos, mas a maioria destas foi
publicada em jornais científicos e outros formatos esotéricos
inacessíveis para designers. Ironicamente, muitas destas
descobertas usaram jogos digitais simples como ferramentas
para explorar como pessoas aprendem e agem sob diferentes
condições.” (Hopson, 2001, p.1)

Assim, tendo jogos como um ambiente estruturado, ambiente esse que chama a
atenção de muitos humanos, que espontaneamente despendem seu tempo nesse tipo de
ambiente, neste livro, buscamos utilizar tais características para alguns dos fins da
Análise do Comportamento. Em particular, serão utilizados jogos digitais, programas de
computador e console que simulam um universo de jogo lúdico a ser interagido por um
ou mais usuários, à medida que fornecem as ferramentas necessárias, descritas adiante.

A Análise do Comportamento, em específico, busca as “regras” gerais que


descrevem sob que condições um organismo reage e lida com seu ambiente, baseando-
se sempre em evidências coletadas em ambiente controlado (de laboratório) e natural.
Atingir esses objetivos normalmente implica na necessidade de um controle
experimental, na forma do controle que um experimentador possui dos estímulos
presentes em um estudo, e de formas de monitorar as respostas decorrentes. Como
veremos nos trabalhos a seguir, o jogo digital se configura como uma ferramenta que
preenche as necessidades de um experimentador, e possui ainda vantagens outras, como
as métricas de usuário, descritas por Drachen, Canossa e El-Nasr (2013), que podem
oferecer vastas quantias de dados para serem analisados.

Para que possamos utilizar o jogo digital como ambiente de estudo, porém, é
necessário primeiro que se estabeleça que o jogo digital seja da mesma natureza que
qualquer contingência (esta, um objeto de estudo da Análise do Comportamento),
inclusive sendo passível de descrição com os mesmos termos que são utilizados para se
descrever uma contingência.

Caso se prove bem-sucedida, esse entendimento servirá como a base que propõe
que estudemos o fenômeno psicológico – o comportamento – dentro de jogos digitais,
16

tal como o fazemos em ambientes laboratoriais clássicos, abrindo assim mais opções de
manipulação de contingências e de monitoração, com uma redução de custo.

Virtualidade e Realidade
Para conseguirmos traçar os paralelos entre o Design de Jogos e a Análise do
Comportamento, se faz necessário tratar de um problema particular: a natureza do jogo
digital.

Em primeira instância, pode parecer que o universo digital é algo completamente


separado do mundo real. Jogos de computador ou de videogame passariam todos em
uma realidade alternativa, imaterial, de acesso somente por uma máquina de
computação. E isto é correto, em algum grau. De fato, um jogo digital é pouco mais que
uma coletânea de sinais eletrônicos, que as máquinas traduzem para a interface que
interagimos. É, portanto, virtual, sendo esta uma característica importante da
experiência.

Porém, esse entendimento esconde, ou ao menos afasta, sua condição de


estímulo comum. A palavra “Virtual” é comumente descrita como “simulado”,
“pseudo”, ou “em potencialidade”. O dicionário Merriam-Webster (2017) possui, entre
outras, as seguintes definições para essa palavra:

“1: Sendo tal em essência ou efeito, mas não formalmente


reconhecido ou admitido (...)
2: Sendo em, ou simulado em um computador ou rede de
computadores.”

O jogo digital que aqui descrevemos é, claramente, uma simulação em


computador. É de comum acordo, por exemplo, que os personagens controlados por um
jogador são pouco mais que expressões do sinal digital que rege, de maneira
extraordinariamente complexa, seu funcionamento. Porém, durante esse capítulo, a
primeira definição apresentada pode ser um obstáculo a ser superado. Afinal, levaria o
leitor a não entender eventos digitais como reais, capazes de efeitos e consequência no
“Mundo Real”. Nesse sentido, declarar o jogo digital como apenas virtual se prova
danoso para a análise proposta, pois não deixa evidente a função de estímulo sobre o
comportamento humano que tal jogo pode assumir.
17

“Realidade”, no sentido estrito da palavra, parece ser irreconciliável com esta


visão de virtual. Mas na visão do Behaviorismo Radical essa distinção é pouco útil, uma
vez que esta filosofia de ciência é considerada pragmática. Nesta perspectiva, a
discussão acerca das propriedades essenciais da realidade que a distanciariam de
universos digitais não constrói informações relevantes. Esta divisão entre o realismo e o
pragmatismo é descrita por Baum, que faz referência a James e Peirce:

“James e Peirce consideravam que a questão sobre a existência


fora do sujeito de um mundo real, imutável e objetivo era uma
dessas questões sobre as quais o debate é inútil. James escreveu
que nossa concepção acerca de um objeto consiste em seus
efeitos práticos, e nada mais: ‘Que sensações devemos esperar
dele e que reações devemos preparar’ “(2006, p.37, itálico
nosso)
(...)
“O pragmatismo (…) não faz nenhuma suposição sobre um
mundo real externo, indiretamente conhecido. Ao invés,
concentra-se na tarefa de compreender nossas experiências”
(2006, p.44)

Em poucas palavras, a natureza real ou virtual do estímulo digital é pouco


importante para o debate. Interagir com a folhagem de uma planta e faze-la balançar
com o toque de sua mão é tão real quanto interagir com um joystick que move um pixel
em um monitor, em ambos os casos, há um comportamento que produz consequências
imediatas. Seja qual for sua origem, o organismo o acessa como acessa qualquer outro
estímulo: através dos órgãos do sentido, da experiência. Lopes e Abib (2002)
contribuem para o tema:

“A questão experiência versus realidade baseia-se na noção de


contingências de reforço. A única coisa que existe são as
relações funcionais entre o comportamento do indivíduo e o
ambiente, sendo que o conceito de ambiente não se refere
apenas ao cenário atual – ao estímulo antecedente –, mas sim a
tudo que afeta o indivíduo, como, por exemplo, sua história
18

passada de reforçamento e punição. De modo geral, não há nada


além das contingências, cada indivíduo tem sua própria
experiência (realidade), embora não se deva entendê-la como
uma cópia privada do ambiente; ela refere-se às contingências,
às quais o indivíduo foi e está sendo exposto durante
sua vida.”. (p.130)

Esta discussão está relacionada com a própria definição de estímulo para a


Análise do Comportamento. Como uma psicologia interacionista, aqui o “estímulo” se
define como um evento ambiental que exerce influência sobre a resposta, e suas
propriedades são majoritariamente estabelecidas em função da história de reforçamento
do indivíduo que responde a ele. Assim, ao influenciar uma dada resposta, diz-se que tal
estímulo exerce controle sobre a mesma, que será emitida de forma diferente
dependendo do estímulo apresentado anteriormente. Quando isso acontece, isto é,
quando organismos respondem de maneiras diferentes na presença de estímulos
diferentes, diz-se que o organismo percebeu os estímulos, o que seria o mesmo de dizer
que a resposta do organismo está sob controle do estímulo ambiental. Dessa maneira, é
possível afirmar que um organismo na presença de objetos aos quais não responde, aos
quais efetivamente ignora, não os percebe. Esses objetos não compõem seu “universo
estimulatório”, tal como descrito por Rico, Goulart, Hamasaki e Tomanari (2012). Os
autores ainda descrevem situações onde objetos e eventos ambientais presentes no
ambiente de um organismo não exercem controle sobre respostas, de forma com que
seria possível, nesses moldes, admitir eventos ditos digitais “reais para um indivíduo”
(isto é, que exercem controle sobre seu comportamento) e eventos ditos reais
“inexistentes para um indivíduo” (isto é, que não exercem controle), promovendo o
caráter desnecessário destas divisões. O perceber, porém, é um comportamento
complexo, estando sob controle de múltiplas variáveis, e as contingências nas quais está
inserido modulam, e muito, os efeitos do jogo digital sobre um determinado organismo,
merecendo, portanto, alguma atenção.

O Perceber – Realidade enquanto estímulo


Perceber é um comportamento que diz respeito à interação de um organismo
com uma dada contingência (Rico, Goulart, Hamasaki e Tomanari, 2012). Como
apontado anteriormente, diz-se que um organismo percebe um estímulo quando
19

responde à ele. Como qualquer comportamento, o perceber ocorre em função de uma


multidão de determinantes, em especial sob controle da história de vida, na forma de
suas relações de reforçamento passadas, e não é a forma passiva de recepção sensorial,
como pode ser descrito por leigos. Além disso, o perceber exige um substrato biológico
para que ocorra, mas não é totalmente explicado pelo seu funcionamento. Um exemplo
é o perceber visual: possuir olhos funcionais permite que um organismo responda à
estimulação visual com determinado comprimento de onda, mas responder
diferencialmente ao objeto cujas ondas luminosas revelam é um fenômeno
comportamental, fruto de condicionamento operante:

“A percepção é, em certo sentido, propositada ou intencional. A


pessoa não é um espectador indiferente a absorver o mundo
como uma esponja (…) Não estamos apenas "atentos" ao mundo
que nos cerca; respondemos-lhe de maneiras idiossincrásicas por
causa do que já aconteceu quando estivemos anteriormente em
contato com ele. E assim como o condicionamento operante não
significa que uma pessoa ‘infira aquilo que ocorrerá quando ela
agir’, assim também o controle exercido pelos estímulos não
significa que ‘infira o que existe no mundo à sua volta’
(Skinner, 1982/74, p.66)
.
A citação que Skinner traz reforça a idiossincrasia presente no ato de perceber –
em outras palavras, a seleção ontogenética e cultural responsável por esse
comportamento –, além também de trazer uma informação relevante para a discussão:
“inferir o que existe” não é decorrência do perceber, isto é, responder a um estímulo não
oferece informações próprias da origem do estímulo. Sendo assim, essas várias formas
de descrever a percepção em nenhum momento partilham da necessidade de fazer
referência a um mundo externo em si, analisado de forma separada do organismo que
responde de maneira diferenciada a tal mundo.

Podemos, então, afirmar que ‘O Real’ é algo irrelevante ou, no mínimo, só pode
ser compreendido a partir de experiências individuais, e não precisa ser diferenciado em
nenhuma forma significativa para nossas análises. Se na Análise do Comportamento a
unidade de estudo é o comportamento enquanto interação, e só interagimos com o que
20

percebemos, a natureza simulada ou não dos estímulos provenientes de uma máquina,


de um console, ou quaisquer situações digitais se faz desnecessária: tais eventos deverão
ser contabilizados como estímulos de mesma natureza, sujeitos às mesmas regras e
capacidades.

Porém, essa afirmativa pode parecer, tanto para os habituados à mundos virtuais
quanto aos que não o são, um tanto estranha. Um cenário virtual é incapaz, poderia se
argumentar, de passar a totalidade das experiências que simula. Um jogo digital sobre a
Segunda Guerra não pode nos fazer experienciar os horrores das praias da Normandia
ou do completo caos no espaço aéreo britânico. Como pode ser, então, que a simulação
é indissociável da realidade?

O argumento aqui presente nunca foi direcionado a comparar eventos ditos


virtuais com os reais no sentido de simulação-real, mas no sentido monista de que
possuem a mesma natureza. De fato, a construção de uma nave espacial em um
ambiente lúdico on-line não capacita os jogadores a serem engenheiros futuristas, mas
relações de modelagem, discriminação e aprendizagem em geral estão presentes tanto
para aqueles que constroem uma nave espacial em um contexto de um jogo digital
quanto para engenheiros, e o design de tais relações será descrito nos capítulos
posteriores.

Dessa forma, lidamos apenas com a premissa de que o estímulo virtual é, em


todos os seus parâmetros, real para o indivíduo, isto é, exerce controle sobre seu
comportamento como qualquer outro evento ambiental, e molda repertórios tanto bem
quanto qualquer outro estímulo. Um entendimento que baseia o restante do livro.

O jogar enquanto comportamento e o jogo enquanto contingência


Para operacionalizar as interações com jogos digitais, é primeiro necessário fazer
uma distinção. “Jogar um jogo digital” é um comportamento, semelhante a tantos
outros, ocorrendo na presença de um jogo digital, e obtendo consequências na forma de
padrões sonoros e visuais que adquiriram algum valor de consequência. Esse
comportamento, por si só, seria material suficiente para uma série de análises, incluindo
as discussões sobre o vício ou os possíveis efeitos da prática de jogar sobre os
comportamentos agressivos de um jogador (Schreler, 2015).

Porém, o jogar é um padrão comportamental complexo, que pode ser


decomposto em uma série de respostas menores na relação jogo-jogador, onde um
21

organismo responde a estímulos, reage através de uma interface e obtém consequências


desta ação. Todorov define uma contingência como “regras que especificam relações
entre eventos ambientais ou entre comportamento e eventos ambientais” (1989, p.7) Se
considerarmos um jogo de acordo com a definição de Suits, “Uma tentativa voluntária
de superar obstáculos desnecessários” (2005, p.54-55), é possível iniciar um paralelo
entre o jogo digital e o conceito de contingência.

Em um jogo, por definição, existem uma série de relações de causalidade


dispostas para os jogadores. Um chute de bola que encontre a rede do time inimigo, no
futebol, produz um “gol” como consequência para o time. Esse tipo de situação é
justamente o que Todorov trata como uma relação entre eventos ambientais (chutar a
bola – tocar a rede do time inimigo), e também configura um obstáculo desnecessário
sendo superado, como na definição de Suits (desnecessário no sentido de que não é
obrigatório para a sobrevivência da espécie que façamos gols).

A definição de Suits (2005) é, em suma, a descrição de uma contingência. Faz


referência a uma resposta (uma tentativa), a uma consequência (superar obstáculos), e
até a antecedentes (ao descrever voluntariedade e “desnecessário”, fala de operações
estabelecedoras, que seriam antecedentes ditos motivacionais).

Uma outra definição de jogo é a oferecida por McGonigal (2011), que descreve
quatro componentes necessários em um jogo:

 Um objetivo, descrito como um resultado específico que os jogadores


precisam atingir;
 Regras, ou limitações na maneira com que jogadores podem atingir o
objetivo;
 Um sistema de feedback, que descreve para os jogadores o quão perto
estão do objetivo ou de que formas estão se aproximando dele ou não, e
 Participação voluntária, ou seja, o entendimento claro dos jogadores que
estão participando do jogo e a liberdade necessária para começar ou
finalizar uma partida.
Novamente, é possível observar que a definição apresentada por McGonigal
(2011) faz referência a alguns elementos de uma contingência. Aqui, a autora está
primariamente descrevendo os antecedentes que estabelecem a ocasião para o
comportamento de jogar (incluindo a inexistência de controle aversivo claro que evoque
22

o comportamento, e.g., jogar por fuga-esquiva), e suas consequências, além de sua


estrita relação com regras verbais.

Na busca da operacionalização de jogos digitais, é de interesse pontuar que jogos


podem ser infinitamente complexos, e é comum que sua operacionalização especifique
uma série de contingências diferentes. Nogueira e Sampaio (2016) oferecem um
caminho de exemplo, ao buscar no jogo digital online uma inovação metodológica para
investigação de comportamentos sociais. Os autores analisam funcionalmente respostas
internas ao jogo, onde são usados estímulos virtuais. Quando descrevem o
comportamento de um “curador” de curar personagens, comportamento que ocorre em
função da “diminuição de seus pontos de vida e dos outros personagens”(p.65), os
autores estão estabelecendo contingências e descrevendo princípios comportamentais
que diferem do jogador, sentado em uma cadeira, respondendo com cliques no mouse e
no teclado.

Mesmo assim, existem informações úteis sobre as variáveis de controle do


responder virtual, que precisa ser, então, operacionalizado. Para exemplificar, podemos
analisar o comportamento de jogar de duas formas. Uma delas é a do comportamento
geral (Quadro 1):

Quadro 1 - Análise funcional do comportamento geral de "jogar um jogo virtual"

Antecedentes Resposta Consequência

 Estímulos visuais e  Pressão de teclas,  Padrões visuais e


sonoros da máquina telas, botões ou sonoros que
movimentação de adquiriram valor de
 Regras construídas controle sensível ao maneira
em experiências movimento condicionada¹
anteriores
 Relações anteriores
com mídia similar

Esta relação funcional é, porém, muito genérica, e não descreve com nenhuma
qualidade os processos que as áreas estudadas se debruçaram através dos anos. Se
formos a fundo e tratarmos de um evento digital específico, é possível outro vislumbre.
Abaixo, um exemplo de análise funcional de interação dentro de jogo, em League of
Legends(2009), da Riot (Quadro 2).
23

Quadro 2 - Análise funcional de comportamentos in game, utilizando estímulos e respostas virtuais

Antecedentes Resposta Consequência

 Presença de um  Disparo de um projétil  Eliminação


personagem inimigo com contra o inimigo do inimigo²
baixos pontos de vida
 Recursos suficientes para
o disparo de um projétil
 Regra para eliminar o
personagem inimigo

Os fatores descritos no Quadro 2 não são estruturalmente diferentes da primeira:


um organismo percebe (isto é, fica sob controle) a presença de um personagem inimigo
(descritos no Quadro 2) através de estímulos sensoriais projetados por seu computador
(Quadro 1), e disparar um projétil contra ele (Quadro 2) é justamente apertar um
conjunto de teclas (Quadro 1). Porém, na análise presente no Quadro 2, é possível
estabelecer relações funcionais entre elementos encontrados dentro do jogo (isto é,
utilizando elementos do universo virtual, das contingências internas ao funcionamento
do jogo – personagens e projéteis do jogo, por exemplo) e descrever os princípios
comportamentais presentes. Se a presença do inimigo for aversiva, por exemplo, a
resposta de disparar um projétil irá configurar comportamento de esquiva,² e a literatura
da análise do comportamento descreve como esta classe de resposta se configura, quais
seus efeitos colaterais, etc. Essas informações seriam úteis no design de jogos similares.

Na outra via, as informações que os desenvolvedores possuem sobre os padrões


comportamentais dos jogadores e o que esperam ter de resultado após uma intervenção
(como por exemplo, que efeitos são previsíveis se diminuirmos a premiação extra por
abatimento de um inimigo, mas aumentarmos o tempo que o alvo ficará fora de jogo),
se traduzidas efetivamente para a Análise do Comportamento, dirão de princípios
comportamentais que podem ter sido pouco estudados, mas que agora possuem uma
ampla gama de dados.

Nos Quadros 1 e 2, operacionalizamos um evento digital. O Design de Jogos,


porém, não precisou em sua história fazer esse movimento para tratar do
comportamento de jogadores, e tem criado e trabalhado constructos complexos, que
hoje podem ser utilizados para predizer as relações de um organismo com o artefato em
24

questão.

Esse conjunto teórico poderia ser então acessado pela Análise do


Comportamento, usufruindo de décadas de pesquisa e manipulações com grandes
públicos (jogos como League of Legends e Overwatch passam de 100 milhões e 30
milhões de jogadores mensais respectivamente), além de um extensivo controle de
variáveis. No restante desse livro, se explora de que formas o emprego desta tecnologia
só tem a oferecer benefícios para os Analistas do Comportamento.

Aplicações Técnicas
Se partirmos do pressuposto que o Design de Jogos se preocupa primariamente
com entretenimento, por quê estudar seus conceitos e princípios? Que benefícios sua
tecnologia viria a trazer?

O estudo e a aplicação da tecnologia associada ao Design de Jogos já vem sido


realizados por educadores e mesmo analistas do comportamento. Perkoski (2015), em
sua dissetação de mestrado, por exemplo, construiu um jogo analógico (“O Espião”)
com o objetivo de ensinar comportamentos relacionados a prevenção de bullying de
crianças de oito a onze anos. Através de uma investigação dos métodos de avaliação da
qualidade da intervenção, Perkoski relatou um maior engajamento dos sujeitos
experimentais, o que pode contribuir para que os comportamentos construídos na
situação do jogo passem a fazer parte do repertório comportamental dos participantes.

Esse seria apenas um dos exemplos do que em termos modernos acaba por se
chamar de “Gameficação”, a introdução de elementos de jogo em uma situação
experimental que manipula elementos de contingências , buscando gerar maior
frequência de determinadas respostas. Esta área de intervenção é particularmente
relacionada com a Análise do Comportamento, à medida que é uma manipulação de
contingências de reforçamento com o objetivo de identificar variáveis de controle do
comportamento dos organismos (Morford et al., 2014).

O estudo do engajamento interessado, da diversão envolvida em uma


determinada tarefa, pode ser útil inclusive para pesquisas experimentais. Em sua tese de
mestrado, Oliveira (1998) construiu um jogo digital para investigar a relação entre
resolução de problemas e a descrição de contingências, se voltando para esta tecnologia
para resolver um dilema que enfrentava: “[O] objetivo foi criar para o experimento uma
tarefa que fosse semelhante a uma situação de video-game, tendo em vista que vários
25

participantes de experimentos anteriores reclamaram que as tarefas eram monótonas”


(p.44)

Embora seja difícil apresentar uma definição operacional do que é algo


monótono ou o que é algo interessante, parece ser de comum acordo que um artefato
construído para engajar e produzir “diversão” objetiva engajar os indivíduos em tarefas
experimentais de maneira não enfadonha, e um grupo de pessoas que estude a maneira
de fazer isso pode oferecer estratégias para evitar esse problema.

Em resumo, ao se utilizar das tecnologias desenvolvidas por anos para engajar


jogadores, mantemos alta frequência de resposta em nossos sujeitos. Ao estudar as
afirmativas que o Design de Jogos faz, podemos traçar melhores intervenções e
entender processos comportamentais complexos.

A Proposta de Pesquisar com o Jogo Digital

O debate construído até aqui buscou estabelecer as relações necessárias para se


admitir o ambiente de um jogo digital como um ambiente onde exista comportamento
analisável e exemplos de como isto permite que pesquisa e intervenção seja feito com
recursos distintos daqueles comumente associados à prática do analista do
comportamento.

Em muitos sentidos, este livro segue esse entendimento para prover uma
alternativa aos limites de recurso, ética e logística que afetam, na data de publicação, o
ensino e a recriação de experimentos em psicologia comportamental. Se apoiando em
ambientes digitais estabelecidos ou construídos, tentaremos estabelecer antecedentes
para que experiências mais audaciosas possam vir, e dividir as experiências e os dados
coletados até então.

O ato de pesquisar em jogo digital, como será visto, não é isento de seus
problemas e dilemas, e embora possibilite algo mais similar a pesquisas in loco,
demanda ajustes, correções e uma dose de recombinação de repertórios, mas o volume
de contingências e situações programáveis, se afirma aqui, oferece um contraponto.

Nos capítulos posteriores, construídos por estudantes de graduação e


convidados, serão apresentadas as primeiras tentativas sistematizadas de ensinar e
recriar nesses moldes, em um modelo que prestou a fins didáticos, de extensão, e de
recriação experimental.
26

Referências

Baum, W.M. (2006). Compreender o Behaviorismo: comportamento, cultura e


evolução (2ª edição). Porto Alegre: Artmed.
Drachen, A., Canossa, A. & El-Nasr. M.S. (2013). Intro to user analytics. Gamasutra.
Recuperado de:
www.gamasutra.com/view/feature/193241/intro_to_user_analytics.php
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https://www.gamasutra.com/view/feature/131494/behavioral_game_design.php
Lopes, C. E. & Abib, J. A. D. (2002). Teoria da Percepção no Behaviorismo Radical.
Psicologia: Teoria e Pesquisa,18(2), 29-137.
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Morford, Z. H., Witts, B. N, Killingsworth, K. J & Alavosius, M. P (2014).
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Oliveira, C. I. (1998). Resolução de Problema e Descrição de Contingências: Efeito da
Acurácia das Instruções em Tarefas Sucessivas (Dissertação de Mestrado).
Universidade de Brasília. Brasília, Distrito Federal.
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de comportamentos de prevenção do bullying escolar (Dissertação de
Mestrado). Universidade Estadual de Londrina. Londrina, Paraná.
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psicologia sob a ótica da análise do comportamento (pp. 42-55). 1ed. Rio de
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Skinner, B. F. (1982). Sobre o behaviorismo. (obra original de 1974). São Paulo:
Cultrix.
Suits, B. (2005). The grasshopper: Games, life and utopia. New York: Broadview
Press.
27

Notas:

1. Assumindo que os padrões visuais e sonoros que servem de reforçador em um jogo


digital não possuem valor de reforço em função da seleção filogenética, é seguro
afirmar que adquiram esta função através de emparelhamento com reforços
incondicionados.

2. É possível argumentar que, na realidade, a maior parte dos eventos que se encaixam
na análise descrita não configuram apenas como comportamento de esquiva, mas
também como comportamento de caça, uma vez que a eliminação de um inimigo não
necessariamente se faz exclusivamente para removê-lo, mas também para obter
reforçadores: a premiação de ouro e outros recursos, em adição à remoção do alvo
eliminado por um tempo, que configura um estímulo discriminativo para
comportamentos mais agressivos em busca de reforçadores por parte do time, já que não
possuem a oposição do jogador eliminado.
28
29

A lei do efeito e a curva de aprendizagem de E. L. Thorndike: como se


formam associações entre eventos

Amanda da Silveira Franco


Amanda Viana dos Santos
Arni Romualdo Ribeiro Silva
Diogo de Paula Sousa
Júlio Cesar Abdala Filho
Lara Abreu de Lima
Leonardo Murilo Leão
Samanta Alves Pereira
Hernando Borges Neves Filho

Experimento original recriado:

Thorndike, E. L. (1898). Animal intelligence: An experimental study of the associative


processes in animals. Psychological Monographs: General and Applied, 2(4), i-
109. Disponível em: https://archive.org/details/animalintelligen00thoroo/

Acesse o mapa em:

https://steamcommonit..com/sharediles/iledetails//idd=872895089
30

Em 1898, Edward Lee Thorndike (1874-1949) publicou sua hoje famosa


monografia intitulada Animal intelligence: An experimental study of the associative
processes in animals¹. Nesta obra (Thorndike, 1898), apresenta uma série de
engenhosos e inovadores estudos empíricos que tinham por objetivo investigar a
inteligência animal, a partir da identificação de como são formadas associações entre
eventos em diferentes espécies. Na história das ideias, processos associativos há muito
figuravam como peças centrais na formação do pensamento humano.

Na filosofia, diversos pensadores desenvolveram refinadas hipóteses de como a


mente humana realizava diferentes associações, e como isso seria a pedra fundamental
da vida mental². Essa corrente filosófica ganhou corpo e relevância durante o século
XVIII, com a publicação de filósofos como David Hume, John Locke e outros, que
ficaram conhecidos na história como os associacionistas britânicos (cf. Hoeldtke, 1967;
Schultz & Schultz, 2002). Entretanto, todos esses avanços filosóficos careciam de
evidências empíricas, factuais, experimentais e controladas, que dessem conta de
demonstrar de forma replicável como se formavam essas associações. Na história da
ciência, e particularmente da Psicologia, foi Thorndike o responsável por fornecer uma
das mais importantes e bem estabelecidas evidências empíricas do associacionismo³ (cf.
Bower & Hilgard, 1981; Catania, 1999; Hearst, 1999).

Os experimentos de Thorndike consistiam em colocar diferentes animais em


caixas de confinamento, conhecidas como caixas-problema (Figura 1). Os animais eram
em colocados nessas caixas em estado de privação de alimento, e ao emitir um
comportamento simples (como puxar uma corda ou pisar em uma plataforma),
acionavam um mecanismo que permitia a fuga dessa caixa. Observou-se que na
primeira vez em que esses animais (especialmente gatos) eram colocados na caixa, eles
apresentavam muitos comportamentos de desconforto e agiam de forma impulsiva,
buscando sair da caixa. O gato arranhava, miava, mordia e procurava se espremer em
qualquer fresta que houvesse na caixa. Thorndike relata que o vigor do animal para sair
dali era extraordinário (Thorndike, 1898, p. 35).
31

Figura 1. Uma caixa problema de Thorndike, com um exemplo de curva de aprendizagem. No eixo Y do
gráfico está o tempo requerido para sair da caixa, em segundos. No eixo X, constam as tentativas, ou
vezes nas quais os animais foram colocados sucessivamente na caixa. A curva descendente ficou
conhecida a “curva de aprendizagem”, que serviu como evidência para a lei do efeito, como formulada
por Thorndike. Imagem com livre distribuição, registrada sob domínio Wikicommons (
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Puzzle_box.jpg ).

Entretanto, Thorndike observou que após o animal eventualmente descobrir como


abrir a porta por tentativa-e-erro, o comportamento que produzia esta consequência
tendia a aumentar de frequência, sempre que o mesmo animal era re-exposto ao
confinamento da caixa problema. Comportamentos exploratórios ou ineficazes tendiam
a não ocorrer em repetidas exposições ao problema, na medida em que o animal se
tornava cada vez mais especialista em resolvê-lo, necessitando de cada vez menos
tempo para escapar da caixa-problema. Podia-se dizer que o animal aprendeu então a
escapar da caixa, e que o comportamento que levava a isso (puxar uma corda, por
exemplo) foi associado ao ato de escapar e obter alimento, nos casos em que havia
alimento do lado de fora da caixa-problema. Escapar do confinamento e obter alimento
são consequência desejáveis, e nas palavras de Thorndike, prazerosas. Ao criar um
gráfico com o tempo necessário para sair do confinamento após repetidas exposições,
Thorndike criou sua famosa curva de aprendizagem, que mostra de forma quantitativa a
32

aquisição de uma nova associação (comportamento-consequência), e como isso diminui


a latência de resolução de um problema repetido diversas vezes (cf. Figura 1).

Diante disso, Thorndike então enuncia sua lei do efeito, que afirma que ações as
quais são sucedidas por eventos desejáveis, benéficos ou prazerosos são fortalecidas, ou
em suas palavras “stamped in” (Thorndike, 1898, p. 36). Em contrapartida, ações
sucedidas por consequências indesejáveis ou aversivas seriam “stamped out”
(Thorndike, 1898, p. 36)⁴. Em revisões da sua lei do efeito, Thorndike passou a
desconsiderar o efeito de consequências indesejadas, e afirmou que o estabelecimento
de relações de associações entre eventos eram primordialmente as relações fortalecidas
por eventos prazerosos (cf. Postman, 1947). A esta revisão, deu-se posteriormente o
nome de lei do efeito fraca (para maiores detalhes, cf. Galvão & Barros, 2001). Para
Thorndike, a lei do efeito seria um princípio comportamental geral, que apesar de
inicialmente ter sido observado e descrito em animais não-humanos, seria também
responsável por boa parte do comportamento humano (cf. Thorndike, 1913).

Por fim Millenson (1967) traz quatro contribuições significativas à pesquisa


Psicológica consequentes dos estudos de Thorndike, são estas: (1) destacou a
importância do conhecimento da história de vida passada dos organismos, o que
justifica o fato de ele na maioria escolher filhotes como seus sujeitos experimentais; (2)
assinalou a necessidade de se fazer observações repetidas, e também da variação das
observações (do mesmo comportamento) tanto em outros animais da mesma espécie
como em espécies diferentes; (3) formalizou como método o estudo de vários
comportamentos em diversos aparatos experimentais, para que suas conclusões não
fossem válidas apenas para um ato particular de comportamento; e, (4) buscou fazer
uma apresentação quantitativa dos dados, demarcando comportamentos emitidos e o
tempo desde a entrada até a saída do animal da caixa problema, o que rendeu sua
famosa curva de aprendizagem.

A lei do efeito é portanto um processo psicológico de relevância tanto histórica


quanto prática. O próprio Thorndike dedicou a maior parte da sua carreira acadêmica a
desenvolver pesquisas e tecnologias de ensino para humanos, sempre levando em
consideração sua lei do efeito (cf. Jonçish, 1968). Diante disso, esse é um processo que
todo estudante de Psicologia precisa conhecer durante sua formação. Da mesma
maneira, é um processo tão bem documentado que é um bom exemplo do que uma
abordagem científica da Psicologia tem a oferecer como método. Sendo assim, os
33

experimentos de Thorndike com caixas-problema, que levaram a formulação da lei do


efeito e da curva de aprendizagem foram escolhidos como os primeiros candidatos à
uma recriação em jogos de vídeogames, como proposto na presente obra.

Recriação

Para a recriação do experimento com caixas problema de Thorndike, criou-se um


ambiente similar, em questões funcionais, em um jogo de vídeo game. Dessa forma, o
participante precisa sair de uma sala-problema, feita no jogo Portal 2®, acionando
algum dispositivo arbitrário e manuseável. A sala criada no jogo, a qual o participante
explora em primeira pessoa é análoga às caixas-problema de Thorndike, e nela, o
participante humano faz o papel dos gatos do estudo original. A sala-problema possui
20 botões que podem ou não, ao serem acionados, liberar a barreira que impede que o
participante chegue até a porta. Apenas um botão libera a saída da sala, os demais não
produzem nenhuma consequência (Figura 2).

Figura 2. Sala-problema criada para a recriação do experimento de Thorndike. A sala continha 20 botões
(indicados na figura) dispostos de forma aleatória na sala, uma bola (que aciona os botões), e um laser
que impede o acesso a saída. Somente um botão (14, marcado na figura) desliga o laser em frente a saída,
quando acionado com a bola.
34

O botão que libera a saída da sala-problema é análogo ao mecanismo (cordas e


pedais) das caixas-problema que abrem a porta da caixa no estudo original. Os demais
botões são oportunidades de comportamento exploratório ineficaz, que seriam análogos
aos comportamentos de se esticar, miar, arranhar as paredes etc, emitidos por gatos não
especialistas nas caixas-problema. O acionamento de quaisquer dos botões é realizado
ao encaixar uma bola que é disponibilizada ao participante assim que ele entra na sala
(Figura 2). Além de interagir com a bola e os botões, os participantes podem emitir
outros comportamentos exploratórios ineficazes, como andar pela sala, saltar, atirar com
a arma do jogo, etc.

Figura 3. Visão do participante na sala-problema. A bola é disponibilizada automaticamente assim que o


participante entra na sala. A bola pode ser carregada acionando a tecla “E” do teclado. Pressionar a
mesma tecla enquanto segura a bola faz com que o personagem solte-a no local. Para acionar os botões, a
bola deve ser solta em cima de um desses. Somente um dos botões desliga os lasers, que dão acesso a
saída da sala.

Assim como no experimento clássico de Thorndike, almejou-se identificar como


ocorre a aquisição do comportamento de “sair da sala-problema”, e se após repetidas
exposições ao mesmo problema, observaríamos uma curva de aprendizagem, como as
que Thorndike observou em gatos na sua caixa problema. Ao obtermos uma curva de
aprendizagem, podemos então assumir que foi formada uma associação, nos termos de
Thorndike, entre o comportamento que permite a saída da sala (o botão correto) e sua
consequência (sair da sala).
35

Método

Participantes

Participaram do experimento três pessoas do sexo feminino, com idades entre 18 a


29 anos de idade, sem histórico prévio com situações experimentais envolvendo jogos.

Ambiente e aparatos experimentais

A coleta de dados aconteceu em uma sala espelho padrão para coleta de dados
com humanos. A sala possuía um espelho em uma de suas paredes. Em um dos
ambientes, o ambiente aonde a coleta foi realizada, esse espelho era opaco. O outro lado
desse espelho localizava-se em uma sala adjunta, e nessa sala, o espelho era translúcido,
permitindo que o experimentador observasse a sala de coleta de dados, sendo que o
participante na sala de coleta de dados não poderia ver o experimentador na sala de
observação adjacente.

A sala de coleta de dados continha uma mesa, quatro cadeiras, um computador


modelo Wix da marca CCE info Windows 7, um mouse, e iluminação e ventilação
artificiais. A sala adjacente, a sala de observação, possuía uma mesa, oito cadeiras e um
ventilador.

Para a coleta, o computador rodou o jogo, Portal 2®, e um software de gravação


de tela, chamado Open Broadcaster. O software de gravação era iniciado antes da
coleta, e gravou em vídeo (.mpeg) tudo que ocorria na tela do computador enquanto o
participante jogava o jogo.

Na análise de dados foi utilizado um cronometro digital.

Implementos do jogo utilizados

Para a recriação do experimento de Thorndike, foram utilizados os seguintes


implementos do jogo Portal 2®, disponíveis no seu map maker: 20 botões interativos
acionados por bolas, 1 dispensador de bolas, 1 barreira laser, 1 saída.

Procedimento geral

Em um primeiro momento, foi feito o convite de forma verbal ao participante, e


ele foi questionado se já participara de atividades experimentais no LAEC (Laboratório
de Análise Experimental do Comportamento, da PUC-GO). Foram selecionados
36

participantes que nunca haviam participado de experimentos no LAEC, de diversos


cursos de graduação, exceto Psicologia. Os participantes que se encaixavam nesse
critério foram levados para a sala de coleta de dados, e entregue a eles o termo de
consentimento livre e esclarecido e um questionário sobre contato prévio com jogos.

Após o preenchimento do termo de consentimento e do questionário, o


experimentador enunciou verbalmente a seguinte instrução: “Você deve sair da sala no
jogo, assim que o fizer terá de repetir a tarefa por mais quatro vezes”. As instruções e os
comandos básicos dos jogos ficaram disponibilizados durante toda a atividade
experimental, impressas em uma folha de papel localizada na mesa na qual o
computador estava disponível.

Dada a instrução, o experimentador deixou a sala e um segundo experimentador


permaneceu durante toda a atividade experimental na sala de observação,
acompanhando a resolução da tarefa pelo participante. Assim que o participante resolvia
o problema, o jogo reiniciava a sala de forma automática. Cada participante foi exposto
a sala-problema 5 vezes.

Análise de dados

Toda a análise de dados foi feita após a coleta de dados, utilizando os vídeos
gravados das performances dos sujeitos. Nos vídeos, foram analisados e registrados os
tempos de solução de cada participante em cada tentativa na sala problema.

Resultados

O tempo necessário para que cada participante resolvesse a sala-problema, após


repetidas re-exposições, apresentou o típico padrão da curva de aprendizagem, como
proposta por Thorndike (Figura 3).
37

Figura 3. Tempo (em segundos) requerido por cada participante para sair da sala-problema, nas cinco
tentativas.

O participante 1, na primeira tentativa, demorou 143 segundos para conseguir sair


da sala, já na segunda tentativa, demorou apenas 28 segundos para conseguir sair da
sala. O participante 2, na primeira tentativa, demorou um total de 285 segundos para
conseguir sair da sala, já na segunda tentativa, durou 58 segundos. O participante 3, na
primeira tentativa, demorou 350 segundos para conseguir sair da sala, na sessão
seguinte conseguiu solucionar o problema e sair da sala em 32 segundos. Da terceira à
quinta tentativa, todos os participantes estabilizaram em um tempo pequeno, próximo ao
observado na segunda tentativa.

Outro fenômeno observado a partir da segunda tentativa entre todos os três


participantes foi a diminuição da frequência de emissão de encaixar a bola na base que
não resolvem a tarefa. O Participante 1 encaixou a bola nas bases 1; 2; 3; 8; 18; 19 e 20.
O Participante 2 encaixou nas bases 2; 13; 17 e 18. Já o terceiro Participante, nas bases
1; 2; três vezes a base 3 e 9; 4; 5; 6; duas vezes a base 7 e 8; 10; 11; 13; 15; 16; 17; 18;
19; 20 (cf. Figura 2).
38

Discussão

Os resultados encontrados com a recriação do experimento de Thorndike (1898),


que trata da curva de aprendizagem, se assemelham ao experimento original. Os três
participantes humanos do presente experimento apresentaram uma diminuição do tempo
alocado na resolução da tarefa (latência) depois de repetidas exposições, assim como
observado com os gatos do experimento original. Da mesma maneira, após a primeira
solução do problema, o comportamento bem sucedido (depositar a bola no botão
específico que libera a saída da sala) tornou-se o comportamento preponderante naquela
situação, e outros comportamentos diminuíram de frequência. Tal fenômeno ilustra a lei
do efeito de Thorndike: a resposta seguida de uma consequência positiva aumentou de
frequência, enquanto que respostas exploratórios ou inefetivas diminuíram de
frequência, ou mesmo desapareceram.

Tal conclusão parece trivial, e de fato é. É sabido que repetimos aquilo que antes
deu certo. Entretanto, Thorndike desenvolveu uma maneira de testar e medir isso,
tornando o saber proverbial em saber científico. No presente experimento, foi possível
testar e medir o mesmo fenômeno em um jogo de computador de baixo custo. Diante
disso, o procedimento aqui apresentado é uma maneira barata de se recriar para fins
didáticos um dos mais estáveis e bem estabelecidos fenômenos comportamentais da
história da Psicologia, a lei do efeito, ilustrada pela curva de aprendizagem.

Referências

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283-293.
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comportamento. Belém: Editora CopyMarket. Recuperado de
http://entline.free.fr/ebooks_br/00719%20-%20Curso%20de%20Introdu
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39

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Jonçich, G. (1968). The sane positivist: A biography of EdwardL. Thorndike.
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Leslie, J. C. (2006). Herbert Spencer's contributions to Behavior Analysis: A
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Marx, M. H. & Hillix, M. H. (1978). Sistemas e teorias em psicologia (A. Cabral,
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Resende, Trads.). Brasília, DF: Editora de Brasília.(Obra originalmente
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Postman, L. (1947). The history and present status of the Law of Effect. Psychological
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Thorndike, E. L. (1911/1966). Animal intelligence: Experimental studies. New York:
Transaction Publishers.
Thorndike, E. L. (1913). The Psychology of learning. New York: Teachers College
Press.
40

Notas:
1. Em 1911, a monografia foi revisada, ampliada e publicada em forma de livro
(Thorndike, 1911/1966). Essa é a edição que continua sendo reeditada até os dias de
hoje, em diversas línguas.

2. Quanto a Associação de Ideias, a visão do interior da caixa lembra o animal de sua


experiência agradável, após o seu movimento do qual culmina em escapar dela. Sendo
assim foi presumido que tratava-se de uma associação de ideias, na forma de
movimentos que o permitia sair da caixa. (Thorndike,1898 p.98)

3. Outra importante contribuição empírica para a concepção associacionista advém da


obra de Ivan P. Pavlov, responsável pela formulação da noção de condicionamento
reflexo (Boakes, 1984). O associacionismo de Thorndike se diferência da proposta de
Pavlov por lidar com respostas tipicamente tidas como voluntárias, como fugir de uma
caixa-problema, enquanto que Pavlov, por exemplo, se ateve à respostas salivares,
reflexas, disparadas por um estímulo bem definido (como a disponibilidade de um
alimento). O associacionismo de Thorndike é também chamado de conexionismo (Marx
& Hillix, 1967) e foi em grande medida um precursor da Psicologia operante de B. F.
Skinner (Skinner, 1974; Catania, 1999).

4. Por usar de juízos de valores como eventos “benéficos” ou “indesejáveis”, a lei do


efeito é um enunciado que leva em conta valores hedônicos (de prazer e desprazer).
Essa é uma ideia bastante antiga, que pode ser traçada até Epícuro, na Grécia antiga
(Abib, 2010). No século XIX, dois eminentes filósofos, Herbert Spencer e Alexander
Bain, enunciaram uma lei similar à lei do efeito de Thorndike, que ficou conhecida
como o princípio de Spencer-Bain (Boakes, 1984). Esse princípio enunciava que atos
que produzem prazer tendem a ser repetidos, enquanto que atos desprazerosos tendiam a
nunca ser repetidos (Leslie, 2006). A lei do efeito de Thorndike pode ser entendida
como uma reformulação e atualização do princípio de Spencer-Bain, agora pautada por
dados de experimentos, algo que carecia na formulação do par de filósofos. Entretanto,
ao subscrever a lei do efeito a uma teoria hedônica, Thorndike foi alvo de diversas
críticas muito bem fundamentadas (para uma síntese dessas críticas, cf. Meehl, 1950).
Apenas anos depois, com o surgimento da Psicologia operante de B. F. Skinner, o efeito
das consequências sobre o comportamento que as produz foi libertada dos problemas
epistemológicas de uma teoria hedônica (Skinner, 1976).
41

A resolução súbita de um problema: O “Insight” de W. Köhler e a sua


desconstrução em habilidades pré-requisito para a solução de um
problema

Ana Terra Pires de Moraes


Ana Carolina de Lima Bovo
Ana Clara Aguiar Guimarães
Lanussy Karoliny Oliveira Lira
Mateus Rodolpho Peres Farias
Sérgio Augusto Ramos França Filho
Isabella Tereza Rodrigues Pires

Experimento original recriado:

Köhler, W. (1948). The mentality of the apes 2nd edition. New York: New Haven.
Originalmente publicado em 1917. Disponível em:
https://archive.org/details/in.ernet.dli.72055.5=8650

Acesse os mapas em:

https://steamcommunity.com/sharedfiles/filedetails/?id=1555874232
42

Estudos sobre a criatividade tem sido bastante discutidos e controversos durante


os anos. A Psicologia vem tentando compreender esse fenômeno desde o início do
século XX. A Análise do Comportamento tem contribuído de forma significativa no
estudo desse tema a partir da análise de diferentes respostas aprendidas e a origem de
um novo comportamento (Neves Filho, 2016; 2018).

Na metade da década de 20, iniciaram-se os primeiros estudos da psicologia nessa


área de pesquisa. Wolfgang Köhler (1917/1948), realizou um experimento com
Chimpanzés em um ambiente com caixas e uma banana pendurada fora do alcance
deles. A tarefa consistia em subir na caixa e pegar a banana. Após algumas tentativas,
um dos macacos resolveu o problema. Kohler chegou a conclusão de que houve uma
resolução súbita de problema, “insight”, que descreve o ocorrido como algo fluido e em
direção a uma meta.

Pesquisas sobre “insight” foram desenvolvidas a partir do estudo de Kohler. Um


deles foi o de Maier (1929, 1931), que também utilizou de construtos (interconexões de
repertórios) na busca de estudar a forma como se dá o surgimento de novos
comportamentos. O procedimento de sua pesquisa consistia em separar dois grupos de
ratos e treinar alguns deles a subir em um aparato para a obtenção de alimento. Esses
mesmos ratos foram colocados em uma sala com os outros ratos não-treinados. Quando
o aparato era inserido na sala, apenas os ratos que foram treinados conseguiram subir e
obter a comida. Maier explicou os resultados como um fenômeno Gestáltico de alta
complexidade e não redutível, oriundo da “integração de experiências passadas”.

Em 1984, Epstein e colegas retomaram os estudos sobre essa área com o intuito
de estudá-la em termos científicos. Ele buscava a desmistificação do “insight”
utilizando medidas e descrições diretas do comportamento operante. Participaram do
experimento onze pombos adultos em que nenhum deles havia sido expostos a situações
de resolução de problema. As sessões foram conduzidas em uma câmara cilíndrica
envolta por arame. Uma caixa de papelão foi utilizada em algumas condições, assim
como um pequeno objeto de plástico similar a uma banana. Um dispensador de grãos
estava atrelado a todas as câmaras experimentais. O procedimento consistia em
condicionar dois comportamentos separadamente nos pombos. O primeiro era de subir
em um cubo e bicar uma banana de plástico. O segundo de empurrar o cubo direcionado
à um ponto de luz. Na situação-problema, a tarefa deles era a de apresentar um
comportamento que não lhes foram ensinados. Os pombos eram colocados em uma
43

caixa de resoluções de problemas em que os cubos estavam dispostos em lugares


aleatórios e eles deveriam empurrar a caixa em direção à banana, subir e bicá-la. Dessa
forma, os pombos emitiram um comportamento novo, que poderia ser explicado a partir
de eventos observáveis, dando uma nova perspectiva aos estudos de criatividade
(Epstein, 1984).

Esse procedimento experimental feito por Epstein que treina classes de respostas
independentes e mede a ocorrência da resolução do problema envolvendo análise de
atividades completas em vez de mensurar tentativas discretas, serve como modelo para
estudar o assunto até hoje. Dessa forma, para se estudar a recombinação de repertórios,
Neves Filho (2015) desenvolveu um experimento com ratos. Ele usou para a realização
desse procedimento uma caixa dividida em dois lados. O rato era inserido em um deles
e deveria encontrar um buraco preenchido por serragem, cavá-lo, atravessar para a outra
parte, subir dois lances de escada para então encontrar o alimento. O teste foi feito com
seis ratos divididos em três grupos iguais e selecionados aleatoriamente. Um grupo
recebeu treinamento de todos repertórios pré-requisitos (a) cavar serragem e (b) subir
escadas. Cada um dos outros grupos foi treinado em apenas um dos repertórios. Dos
seis ratos somente os dois que receberam o treino completo conseguiram resolver a
tarefa na primeira sessão (Neves Filho, 2015).

Sturz, Bodily e Kats (2009) contribuíram com essa temática ao conduzir 32


estudantes de graduação a um experimento sobre resolução de problemas através do uso
de ambiente virtual (Half-Life Team Fortress). Os participantes foram separados em três
níveis de experiência com jogos (baixa, moderada e alta) e foram divididos em grupo
experimental e grupo controle. O grupo experimental passou por sete salas em que
aprenderam diversos comportamentos isolados. O grupo controle passou apenas por três
salas sem o treino que os participantes do grupo controle tiveram. A média do tempo de
resolução do grupo experimental (M = 3,99 min) foi menor que a metade da média de
resolução do grupo controle (M = 8,19 min), ressaltando a influência do treino na
recombinação e resolução de problemas (Sturz, Bodily & Kats, 2009).

A partir do supracitado, nota-se que o estudo de recombinação de repertórios é


primordial no entendimento da criatividade. Dessa forma, o presente estudo consiste em
uma recriação do experimento original de Epstein (1984) e tem como objetivo estudar,
em humanos, os efeitos do treino de repertórios no que tange à apresentação de novos
comportamentos, utilizando o videogame Portal 2®.
44

Recriação

Na busca de recriar os achados de Epstein da maneira mais precisa possível,


foram construídos três ambientes virtuais no jogo em questão, dois mimicando o treino
de cada unidade comportamental, e uma sala onde os comportamentos deveriam ser
demonstrados de maneira recombinada.

A primeira sala, que será chamada, a partir daqui, de “Sala de treino portal”
(Figuras 1 e 2), foi construída para a instauração, em jogadores que não fossem
experientes com o jogo em questão, do comportamento de atravessar distâncias com o
uso da mecânica de portais.

Figura 1. Sala de treinos portal, como vista no editor.

A sala (Figuras 1 e 2) requeria dos jogadores que saíssem de uma plataforma de


início (A), e disparassem portais nas paredes brancas (P0 até P7), efetuando uma
conexão entre uma que tinham acesso e uma de destino que possuíam linha de visão
(e.g. P0 e P1, ver Figura 3). Ela ainda possuía, abaixo das plataformas, água suja. Essa
água suja, caso seja tocada pelo jogador, o destrói, e o leva de volta para a plataforma de
início (A).
45

Figura 2. Sala de treinos portal, vista em outro ângulo.

As paredes brancas, sendo as únicas capazes de carregar um portal (Figura 3),


foram dispostas de forma que um jogador necessitaria realizar pelo menos cinco (P5 e
P6 podem ser ignoradas, com um portal ligando P4 e P7) travessias para completar a
sala. É possível que jogadores menos experientes gastem mais do que cinco, mas não
menos do que isto. Esse formato foi escolhido para que jogadores com um repertório de
jogos de primeira pessoa mais refinado não precisem passar tanto tempo realizando
travessias caso já estejam com esse comportamento instaurado de maneira satisfatória
para o restante do experimento.

As mudanças bruscas de direção entre uma parede branca e outra são


particularmente úteis à medida que podem confundir um usuário pouco experiente,
alterando sua orientação e eliminando estímulos discriminativos visuais que lhe
possibilitem direcionar à saída. Essa qualidade também foi planejada para nivelar
diferentes níveis de experiência com jogos de primeira pessoa, direcionando de maneira
suave jogadores menos experientes a realizarem mais travessias desnecessárias, os
treinando por maior tempo.
46

Figura 3. Visão do Jogador da sala de treino portal no momento que prepara uma travessia. Aqui, P0 e P1
estão ligados ia portal, permitindo a travessia.

A segunda sala (Figuras 4 e 5), referenciada a partir daqui como “Sala de treino
de caixas”, é mais simples. Ela consiste apenas em um largo saguão com 6 caixas
disponíveis no chão.

Figura 4. Sala de treino das caixas, como vista no editor.


47

O aspecto simples da sala, idealmente, permite que os jogadores fiquem sob


controle majoritário das caixas, que aqui precisam ser empilhadas de forma a construir
uma escada que permita ao jogador subir até a plataforma onde está a saída (na figura 4,
no lado esquerdo)

Figura 5. A visão do jogador na sala de treino das caixas.

Para empilhar (Figura 6), o jogador precisa interagir com as caixas usando a tecla
‘E’ do teclado, que permite que o seu avatar carregue uma caixa. Com uma caixa sob
controle, o movimento do mouse movimenta a caixa também, permitindo que a deposite
(após outra pressão na tecla ‘E’), em qualquer lugar, incluindo o topo de outra caixa. As
caixas então podem ser usadas como plataformas, com o jogador utilizando a barra de
espaço para saltar em cima delas. Caso crie uma escada com três “degraus”, é possível
que pule até a plataforma de saída.
48

Figura 6. Posicionamento das caixas, na visão do jogador, que permite a saída da sala.

A última sala é a sala de testes. Nela, os jogadores precisam emitir um padrão


comportamental mais complexo, ao criar portais que permitam a aquisição de caixas
para serem empilhadas.

O jogador inicia em uma alta plataforma (A), com acesso visual a uma série de
caixas que estão caindo em plataformas em branco (P1 a P6). Na plataforma que inicia,
existe uma elevação (B’) que pode ser alcançada após o empilhamento de três degraus
de caixa, como na sala de treino de caixas. A elevação é ligada por uma ponte até a
saída da sala.
49

Figura 7. Sala de testes, como vista no editor.

Além desses elementos, o teto da sala (P0) é também pintado de branco,


permitindo, assim como P1 a P6, que portais sejam colocados ali. Assim, o jogador
pode posicionar um portal onde um cubo há de cair (é importante notar que os cubos
irão cair indefinidamente). Por caírem de tão alto, o choque de suas colisões acabam por
arremessá-los para a água, onde terão suas posições reiniciadas), e um outro portal no
teto acima da plataforma onde está.
50

Figura 8. Sala de testes, como vista no editor, em um ângulo diferente.

Figura 9 Sala de testes, na visão do jogador.

Assim, estará posicionando as caixas na plataforma, onde podem ser


manipuladas e empilhadas em uma escada, como na sala de treino de caixas. A
recombinação do comportamento de uso do portal para unir distâncias e do
empilhamento de caixas para se elevar pode vir produzir o padrão comportamental
necessário, como é hipotetizado, configurando o que Epstein descreveu como Insight.
51

Figura 10. Um portal posicionando de forma a capturar um dos cubos.

Figura 11. O portal parceiro no teto (P0), recebendo um cubo. Ainda é possível ver outros cubos
recebidos, Incluindo um na elevação (B’)

A sala de testes possui água suja, tal como a de treino de portais, para impedir
tentativas de força bruta de adquirir as caixas, e também possui muitas áreas no teto que
não serão úteis. É importante notar ainda que o posicionamento de um portal
diretamente acima de B’ pode posicionar uma caixa em cima da elevação, mas, durante
os testes preliminares, nunca foi posicionada uma caixa em uma posição onde o jogador
não a pudesse adquirir com o uso da tecla ‘E’, mesmo quando esse era o objetivo.
52

Figura 12. Possível configuração das caixas empilhadas, possibilitando a saída pela ponte em azul.

Método

Participantes

Um total de 6 sujeitos de pesquisa foram recrutados, sob o único requerimento,


além da disponibilidade, de que tenham tido alguma experiência com jogos de primeira
pessoa com exceção de jogos da franquia Portal aqui descritos como jogos digitais onde
a câmera é posicionada nos olhos do avatar-jogador, tais como o Portal 2®. Esses jogos
exigem uma coordenação entre as teclas de movimento (W, A, S e D em um teclado
modelo QWERTY comum) e o controle da câmera (via movimento do mouse), então
exigir um primeiro contato poderia filtrar influências de usabilidade no dado.

Foram eliminados do recrutamento os participantes que já tinham tido


experiências com a franquia Portal pelo fato dos jogos da franquia instaurarem os
comportamentos analisados, impedindo a comparação entre treino e teste.

O experimento seria rodado em salas relativamente silenciosas e calmas nas


instituições dos autores, onde os sujeitos teriam acesso ao jogo através de um notebook
Lenovo com processador Intel Core i5 e 4gb de memória RAM, com mouse e fone de
53

ouvido. Os sujeitos ficavam sob a companhia de um experimentador treinado, que


acompanhava seu desempenho via observação da tela, ficando atrás do sujeito.

Os participantes foram divididos em três grupos. O Grupo A (Sem Treino) foi


colocado na sala de teste, sem nenhuma instrução além de um papel mapeando os
controles específicos do jogo, e o pedido que concluam a fase / a sala o mais
rapidamente possível. O Grupo B (Caixas Primeiro), foi primeiro colocado na sala de
treino das caixas, onde ficaria até conseguir sair de lá, tendo empilhado as caixas em um
formato de escada (ver Figura 6). Em seguida, após a troca da sala pelo experimentador
responsável, passavam pela sala de treino portal, onde, novamente, permaneciam até
emitirem a solução do problema, com quaisquer número de travessias. Em seguida,
eram apresentados à sala de teste, onde permaneciam até emitirem a solução. Por fim, o
Grupo C (Portais Primeiro) era efetivamente equivalente ao grupo B em todos os
aspectos, somente trocando a ordem de apresentação das duas primeiras salas, as de
treino.

Todos os participantes tinham seu desempenho gravado através de um software


de captação de tela e áudio (Open Broadcaster) e tinham seus resultados analisados. A
variável dependente foi o tempo de execução de cada sala, cronometrado com um
smartphone Zenfone 3, mas cada desempenho ainda foi avaliado qualitativamente por
dois autores para identificação de um padrão de “insight”.

Resultados

A Tabela 1 apresenta o tempo de cada sujeito do Grupo Experimental (S1, S e S5)


nas sessões de treino. Sujeitos do grupo controle não receberam sessões de treino.
Todos os três sujeitos do Grupo Experimental resolveram a tarefa, enquanto que
somente um do grupo controle resolveu (Tabela 2). Na Tabela 3 constam as mortes que
ocorreram em cada grupo, e na Figura 13 o tempo médio no teste para cada grupo.

O sujeito 1 passou pelo treino antes de ser exposto a sala de teste. Levou 3
minutos e 2 segundos para concluir a Sala de treino de caixas, tendo realizado a tarefa
como o esperado, empilhando as caixas e alcançando a saída. Já começou o processo de
empilhar as caixas nos primeiros 20 segundos na fase. Na Sala de treino de portais, caiu
uma vez na água suja, tendo então reiniciado a fase. Após cerca de 30 segundos,
contando o tempo de reinício da fase após ter caído na água suja, testou a função dos
botões do mouse e passou utilizar os portais, começando pelo laranja. Fez a primeira
54

travessia após 1 minuto e 14 segundos. Comentou estar confuso com a direção que
deveria tomar até a saída, conforme o planejado nivelamento produzido pela disposição
das paredes brancas na sala. Levou 3 minutos e 59 segundos para concluir a fase,
exibindo o repertório esperado. Na sala de teste, levou cerca de dois minutos para ser
observada discriminação da tarefa, quando de fato passou a transportar os cubos com os
portais. O tempo gasto para execução completa da tarefa foi de 7 minutos e 37
segundos, tendo demonstrado padrão comportamental de insight.

O sujeito 2 não foi exposto ao treino, sendo colocado diretamente na sala de teste.
Diferente do esperado, teve desempenho semelhante ao participante anterior, tendo
inclusive realizado a tarefa mais rápido, com tempo total de 6 minutos, mesmo sem o
treino. Levou aproximadamente 20 segundos para fazer o primeiro disparo, tendo
apresentado discriminação da tarefa a ser realizada após 3 minutos e 10 segundos,
empilhando apenas três caixas para alcançar a ponte, não passando pela plataforma.
Pode-se dizer que embora seu desempenho não tenha corroborado a hipótese de não-
solução sem treino, ele apresentou padrão de insight, considerando a recombinação de
elementos da experiência anterior do participante com jogos de tiro segundo seu próprio
relato.

O sujeito 3 passou pelo treino. Demorou alguns minutos até movimentar a câmera
de forma com que o teto estivesse na tela. Muitos outros minutos foram perdidos com a
dificuldade de manuseio das caixas, de forma com que dos 5 minutos e 32 segundos
necessários para a solução do problema, o padrão de insight foi identificado já aos 3
minutos e 10 segundos. Sofreu apenas uma morte, saltando em direção às plataformas
brancas.

A dificuldade com as caixas é remontável ao seu período de aprendizado, onde


teve uma dificuldade, ao, segundo relato, ter entendido o sinal sonoro que o jogo
disponibiliza quando a tecla 'E' é pressionada longe de um objeto interativo como um
sinal de que aquela função não era disponível. O sujeito empurrava as caixas com
movimentação, mas precisou de mais de 3 minutos para conseguir obter um
empilhamento. Resolveu o teste das caixas em 6 minutos e 14 segundos, emitindo a
primeira resposta de empilhamento aos 4 minutos, o tempo conseguinte já emitindo a
cadeia necessária sem pausa. No treino do portal, demorou 1 minuto e 50 para emitir a
primeira resposta de travessia, e um total de 3 minutos e 17 segundos para realizar todas
as travessias, com apenas uma morte. De maneira geral, é possível perceber padrões de
55

Insight no sujeito 3, a medida que a velocidade de emissão de respostas corretas


aumentou drasticamente após uma primeira, e não houve delongas exploratórias no
teste.

O sujeito 4 foi exposto somente ao teste, sem passar pelo treino. Conseguiu abrir o
primeiro portal, o azul com o botão esquerdo do mouse, mas não chegou a descobrir o
segundo, laranja com o botão direito do mouse. Atirou o portal de maneira
aparentemente aleatória nas plataformas onde as caixas caiam e tentou acertar os
“lançadores” das caixas, nunca mirando no teto propriamente dito. Também tentou
acertar a ponte e a parede depois da porta de saída. Desistiu por volta dos 28 minutos de
jogo, com um total de quatro mortes, não demonstrando, então, padrão de insight.

O sujeito 5 passou pelo treino antes do teste. Foi exposto primeiro ao treino das
caixas e conseguiu concluí-lo em 1 minuto e 20 segundos. Não demonstrou dificuldade
com as caixas, iniciando o processo de empilhamento já aos 20 segundos de exposição à
sala. Depois, no treino dos portais, demorou cerca de 1 minuto e 16 segundos para
descobrir o primeiro portal, azul, e cerca de 1 minuto e 54 segundos para descobrir o
segundo, laranja, antes disso morreu duas vezes. A primeira resposta de travessia se deu
aos 1 minuto e 56 segundos de exposição. Concluiu o treino em 5 minutos e 37
segundos, sendo que morreu mais duas vezes durante o caminho até a saída. Finalmente,
no teste, R. de durante um bom tempo restringiu o uso dos portais às plataformas onde
as caixas caiam, foi aos 21 minutos e 31 segundos do teste que começou a usar os
portais no teto. Conseguiu, então, terminar em aproximadamente 22 minutos e 41
segundos, sendo que morreu três vezes. Dsta maneira, de acordo com o aumento de
respostas corretas após a primeira em cada fase, é possível perceber padrões de Insight
no sujeito 5.

O sujeito 6 foi exposto somente ao teste, sem passar pelo treino. Conseguiu abrir o
primeiro portal, azul, aos 1 minuto e 31 segundos de teste. Restringiu o uso às
plataformas onde as caixas caiam e tentou também acertar os “lançadores” das caixas.
Aos 8 minutos e 31 segundos de teste abriu o primeiro portal laranja, mas manteve o
uso às áreas já citadas. Desistiu aos 16 minutos e 55 segundos de teste, morreu sete
vezes, não demonstrando, então, padrão de insight.
56

Tabela 1. Treino do Grupo Experimental


Sujeito 1º Empilhamento Caixa 1ª Travessia Portal Mortes Portal
1 0'20" 3'02'' 1'14" 3'59'' 1
3 3'10'' 5'32'' 1'50'' 3'17'' 1
5 0'20'' 1'20'' 1'56'' 5'37'' 4

Tabela 2. Teste
Compreensão da
Grupo Participantes Teste Mortes Resoluçao
Tarefa
1 2' 7,6 0 Sim
Experimental 3 4' 6,2 0 Sim
5 21'31'' 22,7 3 Sim
2 3'10" 6 0 Sim
Controle 4 - 28 4 Não
6 - 16,9 7 Não

Tabela 3. Média de mortes


Grupo Mortes
Experimental 1
Controle 3,7

Tabela 4. Grupo Experimental Treino e Teste


Participantes Caixa Portal Teste
1 3'02'' 3'59'' 7,6
3 5'32'' 3'17'' 6,2
5 1'20'' 5'37'' 22,7
57

Figura 13. Tempo médio gasto durante a fase de teste

Conclusão

A partir da análise dos dados, os resultados encontrados na recriação do


experimento de Epstein e cols. (1984) corroboram com os do experimento original. Os 3
participantes do grupo experimental obtiveram êxito na resolução do problema a partir
da recombinação dos repertórios previamente treinados. Também foi observado nesses
participantes um tempo menor para que houvesse emissão das respostas corretas, o que
configura o Insight, como proposto por Epstein et al. (1984).

Os sujeitos que não foram expostos ao treino não solucionaram o problema e


desistiram após algum tempo decorrido. Isso pode ser explicado pelo fato de nunca
terem estado em contato com o jogo de videogame Portal 2®. e, por não terem passado
pela fase de treino, não adquiriram o repertório necessário para que a tarefa pudesse ser
cumprida. Situação semelhante à dos pombos de Epstein e cols. que foram colocados
diretamente na caixa-problema. Apenas um sujeito conseguiu solucionar o problema
sem treino prévio, o que, a partir de seu relato, foi considerado pelos observadores como
uma recombinação de repertórios obtidos em experiências anteriores com jogos
semelhantes ao Portal 2® (de tiro e em primeira pessoa).

Esse experimento demonstrou que é possível recriar o experimento de Insight de


maneira fácil e didática em uma plataforma digital de baixo custo, como o Portal 2®.
58

Referências

Epstein, R., Kirshnit, C. E., Lanza, R. P., & Rubin, L. C. (1984). 'Insight'in the pigeon:
antecedents and determinants of an intelligent performance. Nature, 308(5954),
61.

Köhler, W. (1948). The mentality of the apes 2nd edition. New York: New Haven.
Originalmente publicado em 1917.

Maier, N. R. F. (1931). Reasoning and learning. Psychological Review, 38, 332-346.


doi:10.1037/h0069991

Neves Filho, H. B. (2015). Efeito de variáveis de treino e teste sobre a recombinação


de repertórios em pombos (Columba livia), ratos (Rattus norvegicus) e corvos da
Nova Caledônia (Corvus moneduloides). (Tese de Doutorado). Instituto de
Psicologia. Universidade de São Paulo, São Paulo.

Neves Filho, H. B. (2018). Criatividade: Suas origens e produtos sob uma perspectiva
comportamental. Fortaleza: Imagine Publicações.

Neves Filho, H. B., Dicezare, R. H. F., Filho, A. M., & Garcia-Mijares, M. (2016).
Efeitos de treinos sucessivo e concomitante sobre a recombinação de repertórios
de cavar e escalar em Rattus norvegicus. Perspectivas em Análise do
Comportamento, 7(02), 243-255.

Sturz, B. R., Bodily, K. D., & Katz J. S. (2009). Dissociation of past and present
experience in problem solving using a virtual environment. CyberPsychology &
Behavior, 15 (1), 15-19. doi: 10.1089/cpb.2008.0147
59

A discriminação condicional de Karl Lashley: a formação do


comportamento de atentar a propriedades específicas de estímulos
ambientais

Diogo de Paula Sousa


Leonardo Murilo Leão
André Luis Cardoso do Prado
Isabella Tereza Rodrigues Pires
Julio César Abdalla Filho
Sérgio Augusto Ramos França Filho
Pedro Henrique Carvalho
Samanta Alves Pereira

Experimento original recriado:


Lashley, K. S. (1930). The mechanisms of vision: 1.A method for rapid analysis of
pattern-vision in the rat. Journal of Genetic Psychology, 37, 461-480.
https://doi.org/10.1080/08856559.1930.9944155

Acesse os mapas em:

http://steamcommunity.com/sharedfiles/filedetails/?id=913027472
60

Na primeira metade do século XX, Lashley (1930) descreveu que não havia dados
suficientes sobre o caráter da visão de mamíferos além dos humanos e primatas. Waugh
(1910) fez experimentos no Laboratório de Psicologia Harvard com ratos
para discriminar o que eles recebem do mundo externo pela sua visão e de que forma
seus comportamentos são afetados por ela. Ele apresentou aos ratos duas condições de
escolha, sendo uma reforçadora (comida) e uma punitiva (choque). Seus estudos
demonstraram que as diferentes espécies de ratos podem responder de forma distinta à
luminosidade, mas não conseguiram dados consistentes no que diz respeito à
discriminação de padrões visuais em ratos (Waugh, 1910).

Lashley (1930) se propôs a estudar sobre padrões visuais em ratos por uma década
e sempre obteve resultados negativos. Alvo de críticas, realizou novos experimentos
com mudança no método e verificou que ao fazer com que os ratos saltassem ao invés
de correr em direção ao alimento produzia novos dados que demonstravam
discriminação de padrões visuais nos ratos. Esses novos experimentos, de acordo com
Debert, Matos e Andery (2016) tiveram como objetivo o estabelecimento de relações de
controles condicionais diretamente treinados e a generalização desse controle para
situações novas.

De acordo com Debert, Matos e Andery, (2006), os experimentos realizados por


Lashley em 1930 tiveram como objetivo o estabelecimento de relações de controles
condicionais diretamente treinadas e a generalização desse controle para situações
novas. O experimento realizado por Lashley (1930) teve como intuito averiguar os
limites da discriminação visual em ratos, o que ele chamou de padrão visual. Em seu
experimento original, o aparato (Figura 1) utilizado para que fosse realizado o
experimento de discriminação foi uma plataforma de salto.

Os ratos deveriam saltar em direção a um de dois estímulos a certa distância, para


que fosse retirado qualquer possível viés de utilização de outros sentidos que não fosse à
visão. Do outro lado do painel de estímulos residia alimento. Padrões de estímulos eram
manipulados com o intuído de se verificar variáveis visuais que controlam o responder
dos sujeitos. Para isso Lashley (1938) fez uso de estímulos compostos.

De acordo com Matos (2006), em uma situação de discriminação condicional,


diferentemente de uma situação de discriminação simples, não se estabelece uma
relação constante entre um estímulo antecedente e uma resposta; essa relação muda de
61

acordo com os contextos nos quais esse estímulo aparece, dessa forma, o procedimento
básico de discriminações condicionais geralmente envolve, no mínimo, quatro
estímulos.

Determinadas respostas são seguidas de reforço apenas na presença de dois dos


possíveis pares daqueles quatro estímulos, a união desses estímulos é o que denomina-
se de estímulos compostos. Millenson (1967) afirma que com o passar dos anos, os
psicólogos projetaram uma variedade de aparelhos para testar a capacidade
discriminativa dos animais. Muitos desses envolvem pelo menos duas respostas e pelo
menos duas condições de estímulo.

O presente capítulo apresenta uma recriação de um procedimento similar a


plataforma de salto de Lashley (1930), criado no intuito de testar a discriminação
condicional em um jogo de videogame.

Figura 1. Figura reproduzida do livro “Princípios em análise do comportamento”, Millenson (1967).


Uma forma da plataforma de salto para testar reações discriminativas em ratos (segundo Lashley, 1938;
de Munn, 1950).

Recriação
Para a recriação do experimento de Lashley (1930), foram construídas 8 (oito)
salas em ambiente virtual com 4 (quatro) condições distintas, sendo elas Q, CX, C e B.
Em cada uma das sessões, o participante era exposto a dois estímulos distintos (Figura
2), com propriedades previamente manipulados pelo experimentador.
62

Figura 2.Visão do jogador em primeira pessoa no decorrer de uma sessão experimental .

Figura 3.Sala problema padrão da replicação do experimento, a estrutura da sala permanecia durante toda
a sessão experimental, o que era manipulado eram as propriedades e posições dos estímulos.

Como exposto na Figura 3, a tentativa do participante consistia em se jogar em


uma das fendas disponíveis. Uma delas era contingente a saída da sala, enquanto a outra
fenda era contingente a um robô que disparava tiros em direção ao personagem, de tal
forma que ele não poderia escapar dos tiros, culminando na sua morte e reaparecimento
no inicio da mesma sala.

Método

Participantes

Participaram do estudo três (3) estudantes universitários de uma instituição de


ensino particular, do sexo feminino, de diversos cursos.
63

Ambiente e Aparatos Experimentais

O procedimento experimental aconteceu no Laboratório de Análise Experimental


do Comportamento (LAEC-PUCGO). Para a coleta de dados utilizou-se um computador
modelo Wix da marca CCE info Windows 7, com programa de gravação de tela
Bandcam, acionado no início da atividade experimental e encerrado ao final da sessão,
mouse, instruções de manipulações do personagem.

Implementos do Jogo Utilizado

Para realização da replicação do experimento os aparatos disponíveis no jogo


foram, quadrado, circulo, bola, caixa, raio-trator, um robô que dispara tiros contra o
personagem (Figura 4).

Quadrado S+

Q1 Q2

Caixa S+

CX1 CX2

Círculo S+

C1 C2

Bola S+

B 1 B2

Figura 4. Estímulos utilizados.


64

Procedimento Geral

Em um primeiro momento, foi feito o convite verbal ao participante. Foram


selecionados participantes que nunca haviam participado de experimentos no LAEC
(Laboratório de análise experimental do comportamento), de diversos cursos de
graduação, exceto Psicologia. Os participantes que se encaixavam nesse critério foram
levados para a sala de coleta de dados logo após o convite, e lá foi entregue o termo de
consentimento livre e esclarecido e um questionário sobre contato prévio com jogos.

Após o preenchimento do termo de consentimento e do questionário, o


experimentador enunciou verbalmente a seguinte instrução: “Seu objetivo é sair da sala
no jogo.”. Ao lado do computador, permanecia disponível para o participante, a mesma
instrução escrita em uma folha de papel A4, junto a instruções de manejo dos comandos
do jogo.

Os participantes eram expostos inicialmente a uma sessão de cinco minutos para


manuseio dos controles do jogo. Em seguida eram expostos a quatro condições de seis
sessões cada, em cada sessão havia na sala dois operandos concorrentes apresentados
lado a lado sendo um reforçador (sair da sala) e outro delta (morrer e recomeçar). Ao se
jogar na fenda abaixo de um dos estímulos, a tarefa era concluída. Os pares de estímulos
foram Caixa e Bola / Quadrado e Círculo. Em todas as sessões houve a alternância de
lado do estímulo discriminativo. As condições tiveram, nesta ordem, como estímulo
discriminativo: quadrado, caixa, círculo e bola.

Tabela 1. Procedimento geral


Condições experimentais Ordem das sessões
Q Q1, Q2, Q1, Q2, Q1, Q2
CX CX1, CX2, CX1, CX2, CX1
C C1, C2, C1, C2, C1, C2
B B1, B2, B1, B2, B1, B2

Ao finalizar cada sessão, o participante era instruído a chamar o experimentador,


que entrava na cabine, realizava a mudança de condições e reinseria o participante no
experimento. Ao final da última sessão da última condição, o experimentador agradecia
a participação dos sujeitos e os encaminhava a saída do laboratório.
65

Análise dos dados. A análise de dados ocorreu após o termino das sessões, sendo
todas gravadas. As respostas contabilizadas foram a da primeira tentativa em cada
sessão, cada primeira escolha do participante de um dos operandos.

Tabela 2. Primeira resposta dos participantes nas sessões de cada condição

PP1 PP2 PP3


S1 Q Q Q
Q1 S2 Q C C
S3 Q C C

S1 Q C Q
Q2 S2 Q C Q
S3 Q Q Q

S1 CX B CX
CX1 S2 CX B B
S3 CX CX B

S1 CX B CX
CX2 S2 CX B CX
S3 CX B CX

S1 Q Q Q
C1 S2 C C C
S3 C C C

S1 C C Q
C2 S2 C C C
S3 C C C

S1 B CX CX
B1 S2 B B B
S3 B B B

S1 B B B
B2 S2 B B B
S3 B B B

Nota: Em cada condição representada na tabela por Q1, quadrado a direita é reforçado, CX 1 caixa à
direita é reforçado, C1 círculo à direita é reforçado, C2 círculo à esquerda é reforçado, B1 bola à direita é
66

reforçado, B2 Bola à esquerda é reforçado. Em frente as condições se encontra o número da sessão, em


seguida se encontra a opção escolhida pelos participantes 1, 2 e 3 (representado por PP1, PP2 e PP3). A
primeira escolha feita pelo participante em determinada sessão, está representada pela cor verde quando
foi reforçada, e vermelha quando não foi reforçada.

Resultados

A porcentagem de respostas reforçadas, na ordem das condições, foi: 67% na


condição Q, 61% na condição CX, 78% na condição C e 89% na condição B referente a
primeira tentativa dos três participantes. A porcentagem de respostas reforçadas na
primeira sessão de cada condição, na ordem da coleta, foi: 100%, 67%, 0% e 33%.

Discussão

Com base na análise de dados, é possível afirmar que não foi possível replicar os
achados originais de Lashley (1930) na presente recriação. Observou-se que, para que
realmente se estabeleça um processo de discriminação condicional, é necessário um
maior número de sessões, ou seja, de exposição às consequências reforçadoras ou
aversivas, mediante a escolha de um dos estímulos antecedentes. No presente estudo
foram realizadas somente 6 tentativas, por condição experimental enquanto que outros
estudos como Lashley (1930) utilizaram 128 tentativas no primeiro par de estímulo, 260
tentativas no segundo par de estímulos e no terceiro par de estímulos 350-700
tentativas . Outro fator que talvez facilite o estabelecimento de uma relação de estímulo
composto é uso de um estímulo contextual, que sinalize que contingência está em vigor.
Na medida em que é sabido que é possível se observar e testar a discriminação
condicional em humanos em situação de laboratório (Debert, Matos & Andery, 2016), a
explicação para que o dado não tenha sido replicado nesta recriação recai sobre
problemas metodológicos, como os citados anteriormente. Novas replicações podem
focar na solução desses problemas, e, de qualquer forma foi visto que o jogo Portal 2®
foi efetivo como instrumento de coleta de dados em um experimento de controle de
estímulos com humanos, e nesse sentido, sua ferramenta de modificação de mapas é um
convite para maiores refinamentos metodológicos de questões de estudos.
67

Referências
Debert, P., Matos, M. A. &Andery, M. A. P. A. (2006). Discriminação condicional:
definições, procedimentos e dados recentes. Revista Brasileira de Análise do
Comportamento, 2(1).
Lashley, K. S. (1930). The mechanism of vision: I. A method for rapid analysis of
pattern-vision in the rat. The Pedagogical Seminary and Journal of Genetic
Psychology, 37(4), 453-460.
Millenson, J. R. (1975). Princípios de análise do comportamento (AA Rosa & D.
Resende, Trads.). Brasília, DF: Editora de Brasília.(Obra originalmente publicada
em 1967).
Munn, N. L. (1950). Handbook of psychological research on the rat; an introduction to
animal psychology. New York: Houghton Mifflin Company
Waugh, K. T. (1910). The role of vision in the mental life of the mouse. Journal o f
Comparative Neurology, 20(6), 549-599.
68

Os mapas cognitivos e a aprendizagem latente de E. C. Tolman

Samanta Alves Pereira


Amanda Viana dos Santos
Ana Luiza Barbosa Camacho
Sofia nunes Ferreira
Millena Schutz Selhorst

Experimento original recriado:

Tolman, E. C. Honzik, C. H. (1930). Introduction and Removal of Reward, and Maze


Performance in Rats. University of California Publications on Psychology, 4,
257-275. Disponível em: https://psycnet.apa.org/record/1931-02280-001

Acesse os mapas em:

https://steamcommunity.com/sharedfiles/filedetails/?id=1575483670
69

Edward Chace Tolman foi um influente psicólogo norte-americano, que nasceu


em Massachussetts no ano de 1886, e faleceu em 1959. Ele estudou no Massachussetts
Institute of Tchnology (MIT) e recebeu seu PhD pela Harvard University após um
prolífico período de visita à Alemanha onde conheceu os principais expoentes da
Psicologia da Gestalt. Durante sua trajetória acadêmica, Tolman foi bastante
influenciado por Willian James, Kurt Lewin e Kurt Koffka (Ritchie, 1964).

Segundo Lopes, o behaviorismo de Tolman consiste em uma ruptura com a


tradição watsioniana. Trata-se, portanto, de entender o comportamento como um
fenômeno molar.

Tolman realizou dezenas pesquisas sobre comportamento de animais, sendo uma


das principais a que se encontra no artigo “Cognitive Maps in Rats and Men”, em 1948,
onde arquitetou definições operacionais para os mecanismos de defesa a partir de
variações dos mapas mentais. No livro “Purposive Behavior in Animals and Men”
(1932), o pesquisador expõe suas ideias sobre cautelas no laboratório, a epistemologia e
a natureza intencional dos fenômenos psicológicos, e a expansão de alguns
experimentos.

Ao longo de sua carreira, Tolman adquiriu novas concepções sobre determinantes


do comportamento (Ciancia, 1991; Lopes, 2009), o que mudou seu olhar sobre o
experimento sobre aprendizagem latente (Tolman & Honzik, 1930; Ciancia, 1991). Essa
é um tipo de aprendizagem que é determinada por propósitos e pelo ambiente, sem um
evento temporal, como um alimento (Tolman & Honzik, 1930), e contrapunha com a
aprendizagem por reforçamento de Skinner por apresentar três problemas apontados por
Tolman (Santana & Borba, 2015). São eles: 1) o comportamento aprendido não
equivale ao próprio comportamento incondicionado nem a um próximo
topograficamente; 2) uso equivocadamente do termo “estímulo” e “resposta” ao falar na
aquisição de hábitos; e 3) limitação do controle causal do comportamento à
contiguidade entre estímulo e resposta (Santana & Borba, 2015).

O modelo de aprendizagem latente, portanto, é descrito de forma que, diante de


uma situação problema, o organismo com o mínimo ou nenhuma recompensa
aprenderia, ficando mais evidente essa aprendizagem logo após em uma sequência sem
recompensa, expor o organismo já treinado, à mesma atividade seguida por uma
recompensa (Santana & Borba, 2015). Esse achado levou Tolman desconsiderar a Lei
70

do Efeito e o condicionamento clássico como as únicas explicações para ocorrer à


aprendizagem e a ser um caminho ao modelo skinneriano, uma vez que considera
componentes motivacionais e cognitivos nas explicações (Santana & Borba, 2015).

Tolman (1967 [1932]) conclui que o comportamento “não é diretamente


determinado pelo ambiente, mas por variáveis que se interpõem entre o organismo e o
ambiente - as variáveis intervenientes” (Lopes, 2009), evidenciando a natureza
compreensiva e cognitiva de interação com o ambiente (Tolman, 1948). Nesse sentido,
seus estudos ficaram conhecidos por demonstrar que animais poderiam aprender sem
necessariamente receberem um reforço explícito. Logo, formulariam cognições a partir
de estímulos do ambiente.

Na concepção de mapas cognitivos, estratégia criada para fins pragmáticos na


definições de conceitos, as variáveis intervenientes são mapas criados pelos organismos
a fim de guia-los, representar a realidade e explicar comportamentos na forma causal e
motivacional (Tolman, 1948).

Vale ressaltar especialmente o artigo de Tolman (1948), além de alguns outros


como o de Tolman e Honzik (1930c), Tolman (1930), Tolman, Honzik e Robinson
(1930), em que foi discutido a atividade experimental de colocar um rato privado de
alimento em um labirinto de beco ou um labirinto elevado, que vagueia no labirinto, às
vezes entrando em becos cegos, até encontrar uma caixa com comida. O processo é
repetido a cada 24 horas e as tentativas de erro são diminuídas, além do tempo gasto até
encontrar a caixa. Nesse experimento foi discutido a explicação para ele, em que era os
mapas cognitivos que antecediam e determinavam o comportamento do animal dentro
do labirinto.

A título de curiosidade, recentes dados empíricos, como o de Jensen (2006),


mostraram o equívoco da concepção de que não haveria reforço nenhum no
procedimento de experimento sobre aprendizagem latente. Jensen afirma que apesar de
não haver alimento no final da atividade, o caminho escolhido pelo organismo produzia
uma consequência que, ainda que sutil, atuaria como estímulo discriminativo para o
organismo fazer a próxima escolha dentro do labirinto, fortalecendo a aprendizagem,
sendo essa uma interpretação operante moderna da aprendizagem latente.

Por fim, o presente estudo tem como objetivo replicar sistematicamente o


experimento original de mapas cognitivos (Tolman & Honzik, 1930), criando um
71

ambiente similar em questões funcionais em um jogo de vídeo game (Portal 2®).

Recriação

Para a recriação do experimento com labirintos, criou-se um ambiente similar em


questões funcionais ao labirinto de Tolman e Honzik (1930c), em um jogo virtual
chamado Portal 2®. Os participantes do experimento foram divididos em dois grupos,
cada grupo contendo 3 sujeitos. No grupo 1, os participantes foram expostos
primeiramente a sala (labirinto) sem a porta de saída (recompensa), por 5 minutos. Após
5 minutos, esses mesmos participantes foram expostos uma segunda vez ao mesmo
labirinto, dessa vez com saída. No grupo 2, os participantes eram expostos diretamente a
sala com saída. A sala era a mesma em todos os momentos de exposição. Veja na Figura
1.

Figura 1. Sala-problema criada para a recriação do experimento de Tolman. A sala continha duas portas
uma de entrada (circulo inferior preto) e a de saída (circulo superior preto). O circulo vermelho demarca o
lugar separado para encaixar a porta nos primeiro 5 minutos de “conhecimento” da sala pelos
participantes do grupo um. Após os cinco primeiros minutos, a porta era recolocada no lugar demarcado.

Método

Participantes

Participaram do experimento seis pessoas, de ambos os sexos com idades entre 18


a 30 anos de idade, sem histórico prévio com situações experimentais envolvendo jogos.

Ambiente e aparatos experimentais

A coleta de dados aconteceu em uma sala espelho padrão para coleta de dados
72

com humanos. A sala possuía um espelho em uma de suas paredes. No ambiente onde a
coleta foi realizada, esse espelho era opaco. O outro lado desse espelho localizava-se em
uma sala adjunta, e nessa sala, o espelho era translúcido, permitindo que o
experimentador observasse a sala de coleta de dados, sendo que o participante na sala de
coleta de dados não poderia ver o experimentador na sala de observação adjacente.

A sala continha uma mesa, quatro cadeiras, um computador modelo Wix © da


marca CCE © info Windows 7 ©, um mouse, e iluminação e ventilação artificiais. A
sala adjacente a sala de observação, possuía uma mesa, oito cadeiras e um ventilador.

Para a coleta, o computador rodou o jogo, Portal 2® , e um software de gravação


de tela, chamado Bandicam ©. O software de gravação era iniciado antes da coleta, e
gravou em vídeo (.mpeg) tudo que ocorria na tela do computador enquanto o
participante jogava o jogo. Na análise de dados foi utilizado um cronometro digital.

Implementos do jogo utilizados

Para a recriação do experimento de mapas cognitivos, foram utilizados os


seguintes implementos do jogo Portal 2®, disponíveis no seu map maker: 4 botões
interativos no teclado (W, S, A, D) para a movimentação, mais o mouse para a visão do
participante da sala virtual.

Procedimento geral

Em um primeiro momento, foi feito o convite de forma verbal ao participante, e


esse foi questionado se já participara de atividades experimentais no LAEC
(Laboratório de Análise Experimental do Comportamento, da PUC-GO). Foram
selecionados participantes que nunca haviam participado de estudos nesse laboratório,
advindos de diversos cursos de graduação, exceto da Psicologia. Os participantes que se
encaixavam nesse critério e concordaram em participar, foram levados para a sala de
coleta de dados, e entregue a eles o termo de consentimento livre e esclarecido e um
questionário sobre contato prévio com jogos.

Após o preenchimento do termo de consentimento e do questionário, o


experimentador dizia ao participante do grupo 1 (participantes mapa) a seguinte
instrução: “seu objetivo é encontrar a saída do labirinto o mais rápido que puder”. Após
5 minutos, eles eram chamado a sair da sala de espelho, e enquanto isso o pesquisador
recolocava a porta no labirinto. Feito isso os participantes eram expostos uma segunda
73

vez (sessão teste) a sala-problema, dessa vez com saída, recebendo a mesma instrução
“seu objetivo é encontrar a saída do labirinto o mais rápido que puder”. No grupo 2
(participantes controle), os participantes eram expostos diretamente a sessão teste, ou
seja, expostos a sala-problema (labirinto com saída) recebendo a mesma instrução
verbal. Na sessão de teste o participante teria no máximo 10 minutos para sair do
labirinto.

As instruções e os comandos básicos dos jogos ficaram disponibilizados durante


toda a atividade experimental, impressas em uma folha de papel localizada na mesa na
qual o computador estava disponível. Durante toda a coleta havia um experimentador do
lado de fora da sala, e um segundo experimentador na sala de observação, observando a
resolução da tarefa pelo participante. Assim que o participante solucionava a sala-
problema, um dos experimentadores ia até o computador e, no caso do grupo 1, iniciava
a sala-problema novamente agora com a porta. Na sessão teste se o participante não
achasse a saída em até 10 minutos os pesquisadores finalizavam a sessão.

Análise de dados

Toda a análise de dados foi feita após a coleta dos mesmos, utilizando os vídeos
gravados das performances dos sujeitos. Os vídeos foram feitos através de um software
de gravação de tela, chamado Bandicam. Nos vídeos, foram analisados e registrados o
tempos de solução de cada participante em cada tentativa na sala problema e então
comparando-se os resultados dos sujeito de um grupo com o outro (intersujeito).

Resultados

Observou-se que ao entrar novamente em contato com a sala, todos os três


participantes mapa (PMs - grupo 1) saíram da mesma (Tabela 1). O PM1 encontrou a
saída aos 2:52 minutos, o PM2 aos 6:18 e o PM3 aos 2:28. Já os participantes controle
(PCs – grupo 2), os PC2 e 3 não encontraram a saída no tempo máximo estipulado (10
minutos), enquanto o PC1 encontrou em 2:07 minutos. Assim como no experimento
original, neste comparou-se a aprendizagem dos dois grupos. O segundo grupo de
pessoas, que não era exposto previamente ao labirinto sem a recompensa (sair da sala),
demorava mais tempo para resolver (quando resolvia) do que o primeiro grupo que era
exposto ao labirinto em uma sessão inicial (Tabela 2).
74

Tabela 1. Participantes Mapa

Pp1 Pp2 Pp3


Encontrou a saída Sim Sim Sim

Tempo de 2:52 6:18 2:28


resolução

Tabela 2. Participantes Controle

Pp1 Pp2 Pp3


Encontrou a saída Sim Não Não

Tempo de 2:07 - -
resolução

Discussão

Os dados desta replicação foram semelhantes aos dados do experimento do


Tolman, ou seja, aqueles que foram inseridos anteriormente a uma sessão (no caso da
replicação descrita aqui) sem recompensas, obtiveram êxito na resolução do problema
em si. Como explanado pelo autor (Tolman, 1948), para haver a aprendizagem latente,
não precisa haver um reforçador explícito presente para que haja maior probabilidade do
comportamento ocorrer novamente, apenas exposição a contingências específicas.
Portanto, o fato dos participantes mapa terem sido expostos primeiramente por 10
minutos na sala sem saída, para depois estarem expostos novamente a sala com saída,
pode ter influenciado nos resultados de todos os participantes acharam a saída.

Da mesma forma, dois participantes controle, não encontraram a saída dentro do


período de 10 minutos. O que pode ter sido ocasionado por não terem sido expostos
primeiramente à sala. Isso se deve ao fato de que por não terem sido expostos as
mesmas contingências (sem a recompensa explicita) uma primeira vez, os participantes
não formularam o que Tolman define como mapa cognitivo (ou seja, aquela
75

contingência não faz parte do repertorio do indivíduo). Além disso, o fato de que o
participante 1, do grupo controle, era um gamer (que já havia entrado em contato com o
jogo Portal 2® em especifico) pode ter sido uma variável que influenciou o encontro da
saída de forma mais rápida pela familiarização com games (esse tipo de contingência
fazia parte do seu repertório comportamental), se destacando dentre os outros
participantes do seu grupo.

Referências
Anthony, W. S. (1959). The Tolman and Honzik insight situation. British Journal of
Psychology, 50(2), 117-124.
Jensen, R. (2006). Behaviorism, latent learning, and cognitive maps: needed revisions in
introductory psychology textbooks. The BehaviorAnalyst, 29(2), 187-209.
Ciancia, F. (1991).Tolman and Honzik (1930) revisited or the mazes of psychology
(1930-1980). The PsychologicalRecord, 41(4), 461.
Lopes, C. E. (2009). O projeto de psicologia científica de Edward Tolman.
ScientiaeStudia, 7(2), 237-250.
Ritchie, B. F. (1964). Edward Chace Tolman 1886-1959: A biographical memoir.
National Academy of Sciences, 37, 292-324. Recuperado de
http://www.nasonline.org/publications/biographical-memoirs/memoir-
pdfs/tolman-edward.pdf
Tolman, E. C. (1948). Cognitive Maps in Rats and Men. Psychological Review, 55, 89-
208.
Tolman, E. C. Honzik, C. H. (1930). Introduction and Removal of Reward, and Maze
Performance in Rats. University of California Publications on Psychology, 4,
257-275.
Tolman, E. C. (1930). Maze Performance a Function of Motivation and of Reward as
Well as of Knowledge of the Maze Paths. Journal of General Psychology, 4,
338-342.
Tolman, E. C. Honzik, C. H. Robinson, E. W. (1930). The Effect of Degrees of Hunger
upon the Order of Elimination of Long and Short Blinds. University of
California Publicationson Psychology, 4, 189-202.
Jensen, R. (2006). Behaviorism, Latent Learning, and Cognitive Maps: Needed
Revisions in Introductory Psychology Textbooks. The Behavior Analyst, 29(2),
187–209.
Santana, L. H., & Borba, A. (2015). Edward Chace Tolman e o uso da aprendizagem
latente e do reforçamento como princípios explicativos. Acta
Comportamentalia: Revista Latina de Análisis de Comportamiento, 23(2).
76

Raciocínio e a integração de aprendizagens isoladas de N. R. F. Maier

Ana Carolina de Lima Bovo


Ana Clara Aguiar Guimarães
Karla Graciano Ribeiro
Lanussy Karoliny Oliveira Lira
Maria Luiza Bitencourt Silva Couto
Patrícia Eiterer de Souza Pinto
Hernando Borges Neves Filho

Experimento original recriado:

Maier, N. R. F. (1931). Reasoning and learning. Psychological Review, 38, 332-346.


https://doi.org/10.1037/h0069991

Acesse os mapas em:

https://steamcommunity.com/sharedfiles/filedetails/?id=1555851122
77

N. R. F. Maier foi um cientista influenciado pela psicologia da Gestalt e seus


trabalhos são considerados uns dos pioneiros da Psicologia Cognitiva. As obras desse
autor influenciaram as áreas da criatividade e a psicologia industrial. Seus primeiros
estudos foram feitos com ratos, sendo esses os precursores dos seus procedimentos para
os estudos de aprendizagem, raciocínio, criatividade e insight (Neves Filho, 2016).

Embasado em estudos experimentais com humanos e animais, Maier (1931)


indica as diferenças qualitativas entre os conceitos de aprendizagem (learning) e
raciocínio (reasoning). O autor cita estudos experimentais de sua autoria os quais
indicam que certos padrões comportamentais em ratos não podem ser explicados por
associação de elementos baseadas em relações de contiguidade espacial ou temporal
(Para conferir um experimento clássico sobre a formação de associações, veja o
Capítulo 3 deste livro).

O experimento descrito (Maier, 1931) consiste na exposição do rato a condições


entre as quais não há relações contingenciais a fim de investigar a possibilidade de
combinação de elementos essenciais das duas experiências para atingir um objetivo
específico. Assim, numa primeira condição do estudo, o rato foi colocado numa mesa
para a exploração e habituação com o ambiente. Na segunda condição, era esperado
que o rato percorresse um caminho elevado em direção a um pedaço de comida. Esse
caminho foi disposto dentro do território explorado, mas estava ausente na condição 1.
Na situação de teste o rato era colocado na mesa da experiência 1 e, para obter a
comida, deveria percorrer o caminho da experiência 2. Os resultados indicaram o
sucesso dos animais na obtenção da comida através da combinação das aprendizagens
da experiência 1 e da experiência 2 (Maier, 1931)

A partir desses estudos e de suas variações como, por exemplo, realizar as


condições em ambiente escuro e a eliminação de uma das experiências, Maier (1931)
conclui que há combinação entre aspectos essenciais de experiências isoladas, a qual
ocorre de modo a atingir um objetivo específico. Concluiu-se que a explicação de tais
combinações não poderiam ser reduzidas às leis da associação e certos padrões
comportamentais poderiam ser caracterizados como raciocínio (reasoning), uma
proposta similar a oferecida por Tolman (1948) com relação a seus mapas cognitivos
(Para mais detalhes desse experimento e proposta, conferir o Capítulo 6 deste livro).

Maier (1931) reconhece a importância da associação entre experiências que


78

ocorrem em tempo e espaço semelhantes para explicar a aprendizagem, todavia,


evidencia que a integração de comportamentos aprendidos em situações isoladas é
qualitativamente distinta, propondo, assim, o termo reasoning para falar do fenômeno
comportamental de resolução súbita de problemas. Portanto, o termo indica, em uma
visão analítico comportamental, manipulação de experiências passadas e o surgimento
de uma resposta nova.

Pode-se dizer que a visão de Maier (1931) ao atribuir a tal processo


comportamental uma qualidade distinta está relacionada a sua aproximação com a
Gestalt. Sendo que, a obra de Maier foi uma importante influência para a consolidação
dessa área de conhecimento e teve também ressonâncias importantes, como o
cognitivismo. Pondera-se que Maier não teve uma visão analítico-comportamental para
os fenômenos comportamentais que investigou experimentalmente, mesmo porque, na
época de seus experimentos a Análise do Comportamento ainda não era uma disciplina
bem estabelecida. Todavia, sua obra é fundamental para a elucidação de processos de
aprendizagem e, logo, não deve ser ignorada por estudos da Análise do Comportamento.

Sridharan, Hrishikesh e Raj (2012) compreendem a gamificação como a utilização


da ideia e mecânica dos jogos para outros fins além do entretenimento. Apesar da
recente utilização do conceito gamificação e da exploração dessa ferramenta nos
espaços acadêmicos, Xu (2012) afirma que sua aplicação vem se abrangendo para áreas
da educação, saúde e sustentabilidade.

A replicação de experimentos em salas virtuais é um exemplo da ampliação dos


recursos de games. Essa replicação pode ser realizada em jogos como Portal II. O
Portal, teve sua primeira versão comercializada em 2011, é definido como um jogo de
ação, em primeira pessoa. Produzido pela Valve Corporation e distribuído por
Microsoft Game Studios, o jogo tem o recurso de criação de fases, que possibilita a
recriação de experimentos clássicos da psicologia em ambientes virtuais (Para mais
detalhes sobre isso, conferir o Capítulo 1).

Assim, o presente trabalho apresenta uma sala virtual análoga ao experimento de


Maier (1931). Pretende-se, além de contribuir para o campo científico da gamificação
em sua relação com a Análise do Comportamento, verificar a replicabilidade dos
resultados encontrados por Maier (1931) criando uma condição experimental análoga
em ambiente virtual.
79

Método

Participantes

Participaram do experimento onze pessoas, de faixa etária entre 20 e 41 anos,


sendo seis homens e cinco mulheres, os quais foram organizados em dois grupos: com
experiência em Portal e/ou jogos de primeira pessoa (GRUPO 01), e com pouca ou
nenhuma experiência em jogos de primeira pessoa (GRUPO 02).

Ambiente e aparatos experimentais

A coleta de dados aconteceu em uma sala espelho nas dependências da Faculdade


de Educação da Universidade Federal de Goiás (campus Goiânia). Para a coleta, foi
utilizado o jogo Portal 2®, no qual foram desenvolvidos mapas que atendessem à
recriação do experimento original, e um software de gravação de tela (Open
Broadcaster). O software era iniciado anteriormente a cada sessão de coleta e o material
era armazenado em vídeo. Fez-se uso também de um cronômetro digital para marcação
do tempo de cada etapa do procedimento.

Procedimentos

Os participantes foram convidados a participar de forma aleatória, tendo sido


submetidos a um questionário de experiência em jogos e entregues um termo de
compromisso, que foi assinado antes do início do experimento. A partir das informações
obtidas no questionário, organizou-se dois grupos: GRUPO 1) com experiência em
Portal 2® e/ou jogos de primeira pessoa e GRUPO 2) com pouca ou nenhuma
experiência em jogos.

O procedimento foi organizado de forma a ficar o mais análogo possível ao


original de Maier (1931), tendo-se então variado as etapas aplicadas entre os diferentes
participantes, considerando uma fase inicial de exploração (Experiência 1), uma de
treino (Experiência 2) e uma de teste. Desse modo, alguns participantes foram
submetidos a todas as fases, outros apenas à exploração e teste ou somente ao teste. A
variável para sucesso no teste foi o tempo para conclusão e o número de mortes, sendo
que superior a cinco mortes e/ou 10 minutos foi considerado fracasso na resolução do
problema.

Esses resultados foram comparados entre si, considerando especialmente a


80

experiência anterior dos participantes e a passagem ou não pela fase de observação e


treino. As fases foram iniciadas pelos experimentadores, inclusive nos momentos de
troca de sala. Os comandos de orientação foram detalhados a todos os participantes
antes do início, sendo que na fase de exploração, eram também acompanhados da
seguinte instrução verbal: “Nesta fase, você deverá apenas observar os objetos e não
interagir com eles. Faça o caminho até a saída da sala, apenas observando o que tem à
sua disposição”.

Descrição das salas

Experiência 01. A sala de exploração era rodeada por um caminho de azulejos


pretos e cuja parede esquerda era de vidro para possibilitar a visualização das
ferramentas contidas no meio da sala (cubos com receptáculos, pontes luminosas, portas
e líquido mortal). No início, havia quatro cubos com seus respectivos droppers e era
possível avistar as pontes luminosas dispostas no meio do cenário.

No andar inferior, o participante se deparava com um cubo já posicionado em seu


receptáculo, cuja finalidade era acionar uma porta que se movimentava para cima e para
baixo ininterruptamente quando ativada.

Após descer mais um andar, o participante passava por um átrio de vidro, em que
havia outro cubro já posicionado no receptáculo, de modo a acionar uma porta
semelhante à anterior. Através de todos os vidros, era possível enxergar o interior da
sala com as ferramentas citadas anteriormente. Ao final, havia uma porta para encerrar a
fase (Figura 1). Na figura 2 é possível ter a visão do jogado ao iniciar a fase.
81

Figura 1, Sala de Exploração (Experiência 1) visão do mapa no Portal 2®.

Figura 2. Sala de Exploração (Experiência 1) no modo jogo do Portal 2®.

Experiência 02. Esta sala era composta por cinco andares. Concluía-se a fase
quando eram percorridos todos os andares. Cada andar era um tablado que se ligava ao
superior através de um elevador. Ao início da fase o elevador começava, no entanto,
desligado e para ligá-lo, o jogador precisava pressionar um botão posicionado à
esquerda de cada elevador. O elevador que levava o participante ao próximo andar
cessava sua movimentação ao passar de 25 a 35 segundos.
82

Sobre o piso de fundo dessa sala experimental existia o líquido mortal, suficiente
para retornar o jogador ao início da fase - caso ele caísse (o que seria representativo de
sua morte). No andar inicial, considerando a exploração de um ambiente totalmente
novo, foi colocada uma parede de vidro que impedia que o participante caísse no líquido
mortal logo no primeiro contato com a fase. A parede culturalmente é um estímulo
discriminativo com função de impedir a passagem e, por esse motivo, foi esperado que
os jogadores se atentassem para o motivo pelo qual eles não deveriam transpassar. Nos
outros andares, considerando o líquido mortal que havia sob os tablados e a ausência de
parede que os impedisse de cair, maior controle do jogador era exigido (Figura 3). A
visão que o jogador tem está é ilustrado na Figura 4.

Figura 3. Sala de Treino (Experiência 2) visão do mapa no Portal 2®.


83

Figura 4. Sala de Treino (Experiência 2) visão do mapa no Portal 2®.

Teste. Ao entrar na sala de teste, o participante se deparava com uma ponte


luminosa e uma escada que o direcionavam a um átrio cercado por paredes de vidro.
Nesse átrio, estavam dispostos um cubo com seu receptáculo para ativar uma ponte
luminosa e um botão para acionar o elevador.

Nos três andares seguintes, havia novamente um cubo com seu receptáculo para
ativar uma ponte luminosa e um botão para acionar o elevador. Contudo, em nenhum
deles havia paredes para impedir a queda do participante no líquido mortal (Figura 5).

No quinto andar, o participante também se deparava com um cubo, seu


receptáculo e um botão. E esse andar somente se diferia no aspecto de que o botão
ativava a porta de saída em vez de outro elevador. Na figura 6 é possível ter a visão do
jogador ao entrar na sala.
84

Figura 5. Sala de Teste visão do mapa no Portal 2®

Figura 6. Sala de Teste no modo jogo do Portal 2®.

Resultados e Discussão

Os resultados não indicam uma replicação direta dos dados obtidos por Maier
(1931). A variável que mais influenciou na resolução do teste em menor tempo foi a
experiência anterior dos participantes em jogos de primeira pessoa. Embora seja
possível notar um impacto mínimo da exposição às fases de exploração e treino em
conjunto, esse dado não foi consistente entre os participantes. Entretanto, esse dado
85

replica o achado de Sturz, Bodily e Katz (2010) sobre o papel da experiência com jogos
no desempenho em experimentos que utilizaram características semelhantes ao presente
estudo (para mais detalhes desse estudo, conferir o Capítulo 4 deste livro)

Tabela 1. Coleta de dados com Grupo 01

Grupo 01 Experiência 1 Experiência 2 Teste Mortes Teste

Participante A 2’31” 2’26” 3’02" 0

Participante B 2’47” 1’52” 4’45'' 1

Participante C 2’53” ---- 2’15” 0

Participante D ---- ---- 4’18'' 0

No caso do grupo 01 (Figura 7), o participante B foi o que demorou mais tempo
para a solução do teste (Tabela 1), tendo morrido uma vez no percurso, mesmo
passando pelo protocolo completo. É preciso considerar, no entanto, que, segundo relato
dos participantes, ele era o único do grupo com experiência em jogos que não havia tido
contato com o Portal 2® anteriormente. Então, é possível observar a influência da
passagem pelas fases anteriores, ou seja, a partir de aprendizagens isoladas, a resolução
do teste foi mais rápida. Mas, ainda assim, o participante exposto apenas a exploração
realizou o experimento um pouco mais rápido, com diferença de apenas 47 segundos
(Tabela 1). Pode-se considerar que a experiência anterior dos jogadores foi responsável
por essa relativa homogeneidade em seu desempenho.
86

Figura 7. Coleta com Grupo 01

Ainda sobre o grupo 01, pode-se supor, segundo a concepção de aprendizagens


isoladas, que a experiência anterior com outros jogos também é um contexto em que se
tem aprendizagens que não estão em relação de contiguidade e que exercem controle
sobre a situação experimental (Sturz, Bodily & Katz, 2010). O conceito de
recombinação de repertórios se aproxima muito dessa perspectiva, embora tenha sido
elaborado posteriormente por Epstein, que concluiu que é possível a recombinação de
aprendizagens em uma sequência nova (Neves Filho, 2016). No entanto, o experimento
1 de Maier (1931) envolve uma aprendizagem por observação e uma por treino direto, o
que seria diferente do que ocorre na experiência anterior dos entrevistados.
87

Tabela 2. Coleta de dados com Grupo 02

Grupo 02 Experiência 1 Experiência 2 Mortes Ex. 2 Teste Mortes Teste

Participante E 12’38” 11’43” 3 * *

Participante F 3’30” 4’05” 1 6’17” 3

Participante G 4’35” 4’48” 3 5’13”* 1

Participante H 3’57” 12’30” 5 5’10”* 2

Participante I 3’25” ---- ---- 9’51”* 5

Participante J 3’11” ---- ---- 13’22” 6

Participante K ---- ---- ---- 11’25” 3

*Desistências.

A partir da Tabela 2, pode-se notar que o melhor tempo de teste foi feito pelos
participantes que passaram pela fase de exploração e pela fase de treino antes (Figura
8), ou seja, há uma replicação parcial dos dados de Maier (1931).
88

55
54
53
572
55
50
9
= R1
8 R2
6 R3
5
4
3
72
5
0
Linha de Base Reforçamento Eliminação Ressorgência

Figura 8. Coleta com Grupo 02.

Participantes que passaram somente pela fase de teste ou que não fizeram a fase
de treino, não terminaram o teste no tempo estabelecido para sucesso da tarefa e/ou
morreram mais vezes do que o limite estabelecido, como está explícito também na
Tabela 2. Diferente do participante que passou pelo protocolo completo, terminando a
fase teste em menos de dez minutos sem ultrapassar o limite máximo de mortes. No
entanto, alguns participantes desistiram antes do fim da fase.

Considerações Finais

Algumas hipóteses podem ser levantadas em relação aos resultados obtidos.


Primeiramente, as fases elaboradas, embora de simples resolução para aqueles que já
tiveram experiência com jogos de primeira pessoa, acabaram se mostrando complexas
para aqueles com repertório mínimo em jogos, sendo que os fracassos sucessivos
demonstraram a necessidade de um treino mais detalhado para emissão dos operantes
necessários para realização da tarefa. Também, quase todos os participantes do grupo 2
se mostraram impacientes com o tamanho da fase de teste, que repete a mesma tarefa
seguidas vezes. Esses fatos contribuíram para que a atividade se tornasse aversiva para
alguns participantes, levando-os ao abandono da tarefa, como pode ser verificado na
tabela 2.

Além disso, na observação dos experimentos, percebeu-se que o manuseio dos


controles no teclado e, em especial, do mouse para direcionamento da visão do
personagem foram um obstáculo para efetiva interação com as salas. Aliado a isso, a
89

complexidade dos repertórios exigidos (que muitas vezes eram associados a um tempo
máximo para serem completados) e alguns “bugs” do jogo, como a tremulação da ponte
de luz e a queda aleatória do cubo no botão de ativação do elevador, o que às vezes não
permitia que ele funcionasse corretamente, acabaram se mostrando empecilhos para a
conclusão dos protocolos.

Também, na fase de exploração, por vezes os participantes não ficaram sob


controle da regra de não interagir com os objetos, o que enviesou a execução das outras
fases. Assim que se deparavam com o reforço (a saída e consequente fim da fase),
dirigiam-se a ele diretamente, sem se atentarem para os objetos ao redor. Uma
alternativa seria expor o jogador a uma sala sem saída, determinar um tempo para
exploração - induzida por regra - e manualmente encerrar a fase ao final desse tempo.

Outro ponto de diferença entre a recriação aqui descrita e o experimento original,


e que possivelmente facilitaria a replicação é o controle da história dos participantes. Os
ratos de Maier (1931) eram todos ingênuos com relação ao equipamento (mesas, pontes,
etc), já os participantes da recriação possuíam diversos níveis de intimidade com o
equipamento (controle de teclado, jogos de primeira pessoa etc). Possivelmente, um
maior controle dessa história permita uma replicação dos dados, na medida em que
mesmo com um controle pouco exigente, foi possível identificar uma replicação parcial,
ou indícios do mesmo fenômeno.

Com tudo isso, o Portal mostrou ser uma ferramenta extremamente relevante para
esse tipo de estudo, possibilitando não só a replicação de experimentos clássicos da
psicologia, mas dando perspectiva para novos experimentos e testes.

Referências

Maier, N. R. F. (1931). Reasoning and learning. Psychological review, 37, 332-346.


Neves Filho, H. B. (2017) N. R. F. Maier: da criatividade às indústrias, entre a
psicologia da Gestalt e a revolução cognitiva. Memorandum, 32, 33-57.
Sridharan, M., Hrishikesh, A., Raj, L. (2012) An academic analysis of gamification. UX
Magazine, 6, 1-13.
Sturz, B. R., Bodily, K. D. & Katz J. S. (2010). Dissociation of past and present
experience in problem solving using a virtual environment. CyberPsychology
& Behavior, 15, 15-19. doi: 10.1089/cpb.2008.0147
Xu, Y. (2012) Literature Review on Web Application Gamification and Analytics.
CSDL Technical Report, 05-11.
90

Procedimento de conjuntos de aprendizagem: a formação de


“Learning Sets” de H. Harlow

Maria Luiza Bitencourt Silva Couto


Patricia Eiterer Souza Pinto

Experimento original recriado:

Harlow, H. F (1949). The formation of learning sets. Psychological Review, 56, 51-65.
https://doi.org/10.1037/h0062474

Acesse os mapas em:

https://steamcommunity.com/sharedfiles/filedetails/?id=1555788760
91

Motivado pela necessidade de novas descobertas científicas acerca de leis gerais


dos processos de aprendizagem aplicáveis ao comportamento não-humano e humano,
Harry Harlow desenvolveu o “Wisconsin General Test Apparatus” (Harlow & Bromer,
1938; Harlow, 1942). Nesse aparato, o sujeito respondia deslocando um de dois objetos
que cobria uma bandeja na sua frente e, caso escolhesse corretamente, teria acesso à
comida disposta sob um dos objetos. Em seu artigo “The formation of learning sets”,
Harlow (1949) desenvolve e explica, a partir de uma série de experimentos, o conceito
de conjuntos de aprendizagem, referido por ele como “o aprender a aprender
eficientemente em situações nas quais o animal frequentemente se encontra” (Harlow,
1949, p.51, tradução nossa). Com o treino e a formação de conjuntos de aprendizagem,
o sujeito é conduzido a um padrão mais próximo de um responder por “insight” do que
de um responder por tentativa-e-erro. É nesse sentido que Harlow (1949) afirma que um
padrão de insight deve ser compreendido historicamente (para visões alternativas do que
seria um “insight”, conferir os Capítulos 4, 6 e 7 deste livro).

Harlow (1949) situa o fenômeno de aprender a aprender, o conjunto de


aprendizagens, na discussão corrente entre diferentes tipos de aprendizagem, mais
especificamente uma aprendizagem por tentativa-e-erro e uma aprendizagem súbita, por
“insight”. Essa centenária discussão, decorre dos trabalhos de Thorndike (1911) e
Köhler (1917/1948). Uma aprendizagem por tentativa-e-erro não envolveria processos
cognitivos superiores, e seria um processo associativo básico, ao passo que um “insight”
envolveria a aprendizagem de relações complexas entre eventos, um atributo geralmente
ligado a comportamentos ditos inteligentes. Harlow (1949), partindo do seu
procedimento de conjunto de aprendizagens, é um pioneiro em identificar como é
construído um comportamento complexo como o “insight” após múltiplas
aprendizagens sequencias, ou a aprendizagem de uma “regra”, ou relação entre eventos.

Assim, situado nessa discussão, os objetivos principais dos experimentos originais


de Harlow (1949) com os conjuntos de aprendizagem foram, portanto: a) demonstrar a
natureza ordenada e quantificável do desenvolvimento de alguns conjuntos de
aprendizagem; e b) indicar a importância dos conjuntos de aprendizagem para o
desenvolvimento de organizações intelectuais, “insights” e estruturas de personalidade.

Na pesquisa original (Harlow, 1948), foi apresentado um total de 8 experimentos,


cujos participantes foram macacos (Macaca mulatta) com e sem lesões cerebrais e
crianças humanas. Nesses experimentos, havia três condições de discriminação: a)
92

discriminação qualitativa; b) discriminação qualitativa reversa; e c) discriminação


posicional. Na condição de discriminação pela qualidade, escolher um dos objetos do
par era diferencialmente reforçado, sendo que, em exposições múltiplas os objetos
alternavam de posição. Nas condições de discriminação qualitativa reversa, era
requerido que o sujeito escolhesse o objeto oposto ao escolhido na discriminação
qualitativa. Por fim, na discriminação posicional, o sujeito que houvesse passado por
um treino na condição qualitativa teria respostas reforçadas sempre que optasse por um
dos lados, a despeito do objeto ali posicionado.

Com o treino e repetidas exposições a conjuntos de pares de discriminações,


Harlow (1948) conduziu os sujeitos a um padrão próximo de um responder por
“insight”. Tomando os resultados que obteve, com base nas exposições sucessivas a
problemas de tipos semelhantes (pares de estímulos com o mesmo tipo de
discriminação), ele observou que as respostas aos primeiros pares de estímulos exibiam
um padrão de tentativa e erro, descrita por ele como informing trial (tentativa
informativa), a primeira tentativa de cada novo par. As últimas tentativas de cada
condição experimental, por outro lado, se caracterizavam por terem um padrão de
“insight”. Isto é, a frequência de acerto dos sujeitos nas últimas tentativas era
consideravelmente maior quando comparada com a frequência das primeiras, já que os
dados apontaram que a porcentagem de acerto teve um aumento de, aproximadamente,
50% no início para 98% no final. Em outras palavras, os animais que acertavam na
primeira tentativa de uma discriminação (escolhiam o estímulo que liberava alimento)
mantinham esse responder durante todas as outras tentativas com esse par de estímulos,
e, quando esses animais erravam a primeira tentativa em um novo par de estímulos,
imediatamente escolhiam o outro estímulo na segunda tentativa. Em termos genéricos,
era como se os animais aprendessem uma “regra” (i.e “somente um destes estímulos
libera alimento, se eu acertar, mantenho, se errar, troco”), ou uma relação complexa
entre eventos e objetos. Nesse sentido, Harlow (1948) afirma que um padrão de
“insight” deve ser compreendido historicamente, contribuindo significativamente para
as pesquisas na área.

A seguir será descrito o experimento realizado, parte da série de recriação de


experimentos clássicos em Psicologia decorrente da contribuição de diversos autores do
presente livro. Este experimento se configura enquanto recriação e não uma replicação
sistemática, dado que nele foram utilizadas instruções durante o procedimento e nisso se
93

diferencia do original. É interessante pontuar, nesse sentido, que o presente capítulo traz
novas questões investigativas, quando se considera a influência das variáveis envoltas
no fornecimento de regras.

De acordo com Matos (2001), o comportamento governado por regras pode ser
analisado no sentido de um estímulo discriminativo de ordem superior ou um estímulo
condicional que altera a função dos estímulos relacionados. Segundo Matos (2001), “o
enunciado de regras poderia substituir o procedimento de modelagem de uma resposta
em seres humanos” (p. 52). Tendo em vista que o presente estudo se deu com seres
humanos, mostrou-se inviável a exposição dos participantes a um grande número de
tentativas, portanto, notou-se a necessidade de inclusão de instruções como mecanismo
facilitador da aprendizagem. A análise do presente trabalho, no entanto, demandou um
recorte no qual o controle por regras não poderá ser pormenorizado.

Recriação

Em todo este trabalho, foram usados apenas dois mapas, criados no map maker do
Portal 2®, que seguiam o mesmo padrão. A situação experimental se iniciava com a
apresentação do primeiro par de estímulos. Cada escolha – ou seja, cada tentativa – era
um cômodo pequeno e quadrangular com duas aberturas na parede à frente do jogador.
As aberturas foram situadas no extremo de cada cômodo e, entre elas, havia o par de
estímulos visuais (dois desenhos na parede) dividido por uma elevação. A abertura da
esquerda ficava imediatamente abaixo do estímulo visual da esquerda e a da direita
abaixo do estímulo da direita. Para efetuar sua escolha, o jogador optava por uma das
aberturas que o levavam para a próxima tentativa.

Cada um dos mapas era composto por cinco pares de estímulos, os quais foram
arranjados em 15 cômodos no primeiro mapa e em 20 cômodos no segundo. Esses
mapas, de acordo com os grupos estabelecidos, eram repetidos de forma pré-
determinada. Ao longo de uma condição experimental, o jogador passava por todos os
cômodos do mapa.

Os estímulos visuais eram desenhos nas paredes do fundo. Todos os cômodos


eram pretos, com exceção dos desenhos que eram compostos por azulejos brancos, num
espaço de 3 quadrados de altura por 3 de comprimento (Figuras 1 e 2).
94

Figura 1. Primeiro par de estímulos (situação problema), vista pelo modo de edição no Portal 2® da
desenvolvedora Valve.

Figura 2. Primeiro par de estímulos (situação problema), visto pelo modo de jogo no Portal 2® da
desenvolvedora Valve.
95

Método

Participantes

Participaram do experimento dezenove pessoas de faixa etária entre 18 a 26 anos,


sendo doze mulheres e sete homens. A partir de um questionário prévio, esses
participantes foram separados de acordo com suas experiências prévias em jogos de
vídeo game caracterizados como de primeira pessoa, sendo, portanto, Grupo Experiente
e Grupo Inexperiente.

Ambiente e aparatos experimentais

A coleta de dados ocorreu em uma sala espelho nas dependências da Faculdade de


Educação da Universidade Federal de Goiás. Para a coleta, foram utilizados: 1) um
notebook Dell Inspiron; 2) o jogo Portal 2® da desenvolvedora Valve, no qual foram
construídos mapas voltados à recriação do experimento original de Harlow; 3) o
software de gravação de tela Open Broadcaster; 4) uma caneca como recipiente; 5)
bolas de gude; e 6) três copos com guloseimas sortidas.

Procedimento Geral

Os sujeitos, convidados de forma randômica e separados mediante à experiência


prévia, foram divididos aleatoriamente em outros quatro grupos, referentes à exposição
a determinadas salas e ao tipo de instruções fornecidas.

 Grupo 1: obtinha instruções completas e passava por salas com 5


problemas e 3 tentativas cada (total de 45 tentativas).
 Composto por 12 participantes, 3 com e 9 sem experiência.
 Grupo 2: obtinha instruções completas e passava por salas com 5
problemas e 4 tentativas cada (total de 60 tentativas).
 Composto por 2 participantes, um com e o outro sem experiência.
 Grupo 3: obtinha instruções parciais e passava por salas com 5
problemas e 4 tentativas cada (total de 60 tentativas).
 Composto por 2 participantes, ambos com experiência.
 Grupo 4: não recebia instruções e passava por salas com 5 problemas e
4 tentativas cada (total de 60 tentativas).
 Composto por 3 participantes, um com e dois sem experiência.
96

Inicialmente, era requisitado o preenchimento do termo de consentimento livre e


esclarecido e do questionário e, então, era aberto o jogo Portal 2®. Foi permitido que os
participantes sem experiência com jogos de primeira pessoa treinassem a jogabilidade
básica para diminuir a influência dessa variável no desempenho dos sujeitos ao longo do
experimento.

As experimentadoras iniciavam a gravação da tela do jogo com o software Open


Broadcaster e forneciam ou não as instruções, dependendo do grupo ao qual o
participante pertencesse. As instruções fornecidas eram as seguintes:

Instrução Completa:

“Este é um experimento de escolha. Para realizar suas escolhas,


em cada tentativa, você deve passar por uma das aberturas,
sendo que cada uma delas está associada a um desenho na
parede. Exemplo: escolher a abertura da direita representa
escolher o desenho da direita. Se você se direcionar a uma
saída, você não pode optar por outra, por isso, tome o tempo
necessário. Se atente às consequências das suas escolhas:
receber uma bola de gude significa que você acertou; não
receber significa que você errou. Seu objetivo é conseguir a
maior quantidade de pontos.”

Instrução Parcial:

“Este é um experimento de escolha. Para fazer sua escolha, você


deve passar por uma das aberturas na parede. Se atente às
consequências das suas escolhas: receber uma bola de gude
significa que você acertou; não receber significa que você
errou.”

A resposta exigida do participante era escolher uma das aberturas, estando elas
associadas ou não aos estímulos visuais na parede – a depender da condição
experimental. A cada escolha certa, uma das experimentadoras colocava uma bola de
gude dentro da caneca e, a cada escolha errada, o participante não recebia bola de gude.
97

Ao fim do experimento, as bolas de gude poderiam ser trocadas por guloseimas, num
esquema de economia de fichas, conforme combinado inicialmente.

O participante era exposto três vezes ao mesmo mapa do Portal 2®, sendo cada
exposição referente a uma condição experimental. Assim, as respostas certas variavam
conforme a condição, mas os pares de estímulos visuais e sua ordem de apresentação
em cada tentativa eram sempre os mesmos para os participantes expostos ao Grupo 1, e
os mesmos nos Grupos 2, 3, e 4.

Todas as condições experimentais seguiram os critérios estabelecidos no


experimento original de Harlow (1949). Nelas, o participante deveria escolher o
estímulo visual e passar pela sua referente abertura. Na condição de Discriminação
Qualitativa, o critério de acerto estava relacionado à escolha de um dos padrões visuais
das paredes. Por exemplo: se escolheu o padrão visual da direita, passaria pela abertura
da direita. Na condição de Discriminação Qualitativa Reversa, o estímulo anteriormente
correto tornava-se errado e vice versa. Por fim, na condição de Discriminação
Posicional o acerto variava entre esquerda e direita em uma ordem sequencial,
independente dos estímulos visuais nas paredes. Portanto, a cada novo problema o
critério alternava: se no par anterior se acertava optando pela abertura da direita, no
próximo par o acerto se daria pela esquerda.

Resultados

Na Figura 3, podem ser observados os dados dos 12 participantes pertencentes ao


Grupo 1. Dois dos três participantes experientes foram os únicos que obtiveram
resultados acima de 66,6% de acertos (100% e 80% respectivamente) na condição de
Discriminação Posicional. O terceiro integrante experiente, nessa mesma condição
obteve 53,3% de respostas corretas, e para todos os outros participantes os resultados
variaram entre 33,3% a 66,6%. No entanto, no que se refere às condições de
Discriminação Qualitativa e Qualitativa Reversa, 8 de 9 participantes inexperientes e os
três participantes experientes obtiveram bons resultados.
98

Figura 3. Dados do Grupo 1 (n=12), com instrução completa, expostos a 5 problemas com 3 tentativas
cada (total 45 tentativas).

No Grupo 2 (Figura 4), a condição de Discriminação Posicional foi mediana para


os dois participantes, sendo um experiente com 60% de acerto e o outro inexperiente
com 50%. Na Discriminação Qualitativa e Qualitativa Reversa, foram obtidos bons
resultados gerais: o integrante experiente acertou 85% na Qualitativa e 75% na
Qualitativa Reversa; e o inexperiente obteve 75% de acerto na Qualitativa e 85% na
Qualitativa Reversa.
99

Figura 4. Dados do Grupo 2 (n=2), com instrução completa, expostos a 5 problemas com 4 tentativas
cada (total de 60 tentativas).

O Grupo 3 foi constituído apenas por integrantes com experiência em jogos, mas
os resultados foram díspares (Figura 5). Na Discriminação Posicional, os dois
participantes obtiveram uma pontuação baixa, tendo sido 40% de acerto para o primeiro
e 45% para o segundo. Contudo, nas condições de Discriminação Qualitativa e
Qualitativa Reversa, o primeiro participante obteve 95% e 95%; e o segundo 40% e
75%, respectivamente.
100

Figura 5. Dados do Grupo 3 (n=2), instrução parcial, expostos a 5 problemas com 4 tentativas cada (total
de 60 tentativas).

No Grupo 4, com dois participantes experientes e um inexperiente, os dados


também apresentaram disparidade (Figura 6). Todos os participantes obtiveram
resultados medianos na Discriminação Posicional: 25% de acerto para o inexperiente;
50% para o primeiro experiente; e 50% para o segundo. Nas discriminações Qualitativa
e Qualitativa Reversa, o participante inexperiente e o primeiro participante experiente
obtiveram resultados medianos: 45% e 25% para o inexperiente; e 50% e 50%, para o
primeiro experiente. O segundo participante experiente obteve resultados satisfatórios
nessas mesmas condições, sendo 65% e 90% de respostas corretas.
101

Figura 6. Dados do Grupo 4 (n=3), sem instrução, expostos a 5 problemas com 4 tentativas cada (total de
60 tentativas).

Ao todo, participaram do experimento 19 pessoas, 5 com experiência em jogos,


dentre as quais, quatro com bons resultados nas discriminações Qualitativa e Qualitativa
Reversa. Por outro lado, dos 11 participantes inexperientes, 10 também obtiveram bons
resultados.

Na condição experimental de Discriminação Posicional, os participantes


demonstraram, nos resultados gerais, a menor quantidade de acertos. Dos 5 participantes
experientes, apenas 2 apresentaram bons resultados nessa condição. E todos os 11
participantes inexperientes apresentaram resultados medianos.

Discussão

Não se pode afirmar diretamente que a variável experiência prévia em vídeo


games foi determinante nessa experimentação, uma vez que os resultados dos grupos
experiente e inexperiente não foram significativamente discrepantes.

No que tange aos resultados medianos na condição de Discriminação Posicional,


observa-se que o responder diferencialmente às qualidades dos estímulos foi aprendido
102

no decorrer do experimento, justificando tais resultados. Isto é, todos os participantes do


Grupo 1 foram expostos a 30 tentativas cujas respostas para discriminação qualitativa e
qualitativa reversa foram diferencialmente reforçadas; e os participantes dos Grupos 2, 3
e 4 foram expostos a 40 tentativas com o mesmo critério. Nesse sentido, para posterior
recriação desse experimento, sugere-se que os participantes sejam expostos a mais
tentativas de discriminação posicional para que seja possível observar melhor a
formação de conjuntos de aprendizagem.

Harlow, quando realizou a modalidade experimental de Discriminação Qualitativa


seguida de Posicional variando em direita e esquerda, contou com sete blocos de 14
problemas cada, com 25 tentativas para cada par, totalizando 2450 tentativas. Para esta
pesquisa, com sujeitos humanos isso seria inviável, considerando: 1) o tempo
demandado para uma sessão com essa quantidade de tentativas; e 2) caso as tentativas
fossem divididas em duas ou mais sessões, correr-se-ia o risco de que maior quantidade
de variáveis intervenientes exercesse controle entre uma sessão e outra. Foi observada,
então, a necessidade de instruções, mesmo que mínimas, principalmente no que tange à
explicitação do sistema de consequenciação.

Nas condições de Discriminação Qualitativa e Qualitativa Reversa, os Grupos 1, 2


e 3 apresentaram dados semelhantes ao experimento original de Harry Harlow. A
informação omitida no Grupo 3, que recebeu instruções parciais, não se mostrou
determinante, uma vez que os dois participantes obtiveram bons resultados nas
condições de Discriminação Qualitativa e Qualitativa Reversa.

No entanto, no que concerne ao grupo sem instruções, observou-se uma queda no


desempenho da maioria dos participantes. A partir dos relatos coletados ao fim da
sessão experimental, duas dos três participantes afirmaram que não reconheciam os
critérios por não terem compreendido que as bolas de gude eram as consequências das
suas escolhas. O outro participante relatou ter conhecimento prévio da consequenciação
feita com as bolas de gude e isso justificou seu bom rendimento nas duas primeiras
condições.

Considerações Finais

Os resultados encontrados nesta recriação estão em consonância com aqueles


obtidos por Harry Harlow (1949). No entanto, faz-se necessário que novos estudos
sejam realizados devido a: a) pertinência histórica da conceituação e metodologia dos
103

conjuntos de aprendizagem; e b) necessidade de se estudar a interação dos processos


formadores dos conjuntos de aprendizagem com outras variáveis de controle.
Recomenda-se que os futuros projetos trabalhem com números maiores de participantes,
problemas e tentativas.

Também foi possível perceber que as quantidades reduzidas de problemas e


tentativas determinaram diretamente o desempenho dos participantes no experimento,
sendo mais evidente na condição de Discriminação Posicional. Isto é, um total de 45 ou
60 tentativas não é suficiente para a aquisição de conjuntos de aprendizagem e,
portanto, dados mais fidedignos poderiam ser coletados se os participantes passassem
por mais exposições.

A inserção das instruções se mostrou bastante eficaz para auxiliar na recriação


do experimento clássico, já que o grupo 4 – o qual não recebeu instruções – apresentou
desempenho consideravelmente inferior aos demais grupos e sendo que, inicialmente, a
emissão das respostas primordiais de atravessar por uma das aberturas e de associá-las
ao estímulo visual já demandava grande abstração por parte dos participantes.

No experimento original, os participantes não eram expostos a tantas variáveis


intervenientes quanto nos mapas virtuais utilizados. Além disso, a consequência das
escolhas corretas para os macacos era um reforçador primário (comida), não
demandando treino prévio para aquisição de valor reforçador como foi o caso das bolas
de gude.

Apesar de ainda serem necessárias algumas alterações nos procedimentos, pode-se


dizer que o presente estudo contribuiu com a literatura sobre conjuntos de aprendizagem
no sentido de reafirmar a importância do treino prévio para que haja aumento na
frequência de emissão de respostas adequadas e para que o aprendizado de novos
problemas de mesmo padrão se torne mais ágil. Da mesma forma, este experimento
demonstrou que o fornecimento de instruções pode funcionar como um atalho no que
tange à história de aprendizagem do sujeito, no caso humano.

Por fim, pode-se afirmar que o jogo Portal 2®, tomando seus benefícios de ser um
jogo comercial de baixo custo e fácil acesso, é uma alternativa metodológica muito útil
e promissora na execução de experimentos com humanos. Essa ferramenta possibilita a
construção e manipulação de mapas e pode ser usada não só para replicação de
experimentos, como pode ser plataforma de produção de novos problemas de pesquisa.
104

Como as experiências são virtuais, os participantes não se submetem a riscos reais e têm
sua identidade preservada mesmo quando seu desempenho é gravado em vídeo (que
registra somente o que ocorre na tela do jogo).

Referências

Epstein, R., Kirshnit, C. E., Lanza, R. P. & Rubin, L. C. (1984) “Insight” in the pigeon:
Antecedents and determinants of an intelligent performance. Nature, 308, 61-
61.
Harlow, H. F. (1942) Responses by rhesus monkeys to stimuli having multiple sign-
values. Em: Q. McNemar & M. A. Merrill (eds.) Studies in Personality,
McGraw-Hill, New York, 105 - 123, 1942.
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Köhler, W. (1948). The mentality of the apes (2nd ed.). New York: New Haven.
Originalmente publicado em 1917.
Matos, M.A. (2001). Comportamento Governado por Regras. Revista Brasileira de
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Neves Filho, H. B. (2016) Recombinação de repertório: criatividade e a integração de
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Schrier, A. M. (1984). Leaning How to Learn: The Significance and Current Status of
Learning Set Formation. Primates., 25 (1), 95-102.
105

O efeito generalizado do reforço: a indução de respostas de J. J.


Antonitis

Isabella Tereza Rodrigues Pires


Sérgio Augusto Ramos França Filho
Samanta Alves Pereira

Experimento original recriado:

Antonitis, J. J. (1951). Response variability in the white rat during conditioning,


extinction, and reconditioning. Journal of Experimental psychology, 42(4), 273.
https://doi.org/50.5038/h0060408

Acesse os mapas em:

http://steamcommunity.com/sharedfiles/filedetails/?id=950884602
106

Estudos e observações que indicam a diminuição topográfica de respostas em


situações de condicionamento em reforçamento contínuo começaram a ser
desenvolvidos no final do século XIX e tiveram continuidade na primeira metade do
século XX (Antonitis, 1951). Como citado no capítulo três deste livro, Thorndike
(1898) colocou gatos em caixas-problema em estado de privação de alimento em que
estes deveriam emitir um comportamento acionando um mecanismo para sair da caixa.
Foi observado grande variabilidade nas respostas dos gatos na primeira vez em que
eram colocados nessa situação, como arranhar e morder. Porém, depois que
conseguiram acionar o mecanismo e sair da caixa, quando eram postos nessa mesma
situação, rapidamente saiam da caixa diminuindo a variabilidade de seus
comportamentos. Muezinger (1928) realizou um experimento com Cavia porcellus em
que o número de tentativas variou entre 600 e 1000 com cada sujeito experimental e
pôde observar que os porcos apresentavam o mesmo padrão de resposta durante o
reforçamento contínuo.

Esses estudos demonstravam que havia uma diminuição na variabilidade das


respostas nas condições de reforçamento mas não definia claramente a relação entre
essa variabilidade e o número de vezes em que havia a liberação do reforço. Dessa
forma, e atacando esse problema, Antonitis (1951) desenvolveu um procedimento para
investigar a variabilidade da resposta em uma contingência de reforço padrão em níveis
operantes, sessões de condicionamento, extinção e sucessivos recondicionamentos e
extinções (Antonitis, 1951).

Antonitis (1951) desenvolveu o aparato ilustrado na Figura 1. O aparato


registrava a resposta de focinhar em um painel horizontal que continha diversos
orifícios. As respostas foram registradas por fotografias acionadas pelo dispositivo
fotoelétrico, ativado automaticamente sempre que algum animal inseria o focinha no
orifício. Nas fotos via-se a posição do rato ao focinhar o painel e - por meio do espelho
inclinado - o número da tentativa correspondente.
107

Figura 1. As letras indicam as seguintes estruturas: J o compartimento de início e alimentação, H a porta


de acesso ao interior do aparato, F as linhas pintadas em forma de grade no chão do aparato, E o painel de
respostas posto no fundo da caixa, S o emissor de laser, P o receptor fotoelétrico, C o espelho, B a lente
de aumento, A o contador eletrônico, K o comedouro e L a porta de acesso ao compartimento inicial.

Doze ratos albinos (Rattus norvegicus) wistar foram submetidos ao estudo e


separados aleatoriamente em dois grupos (controle e experimental) proporcionais. O
procedimento do experimento de Antonitis (1951) foi realizado em dezesseis dias
consecutivos com cada rato, sendo que o grupo controle não passou pelos quatro dias de
extinção. Até o terceiro dia foi estabelecido o ritmo de alimentação diário em que os
ratos eram colocados na gaiola por uma hora, sob iluminação, com alimentação livre
após 23 horas de privação. No quarto dia foi feita a determinação do nível operante em
que os ratos, privados de alimentos, eram colocados no compartimento de alimentação
(J) com a porta aberta (H) e eles poderiam andar livremente pelo aparato experimental
por uma hora. Todos focinharam o painel de respostas (E) durante esse tempo, sem
consequenciação de sua resposta. No quinto dia foi realizado o treino preliminar em que
os ratos ficaram presos dentro do compartimento de alimentação (J) e foram
alimentados com 50 pelotas de comida. Cada vez que o rato comia uma pelota, o “click”
do fotossensor (P) era acionado pelo experimentador. Do sexto ao décimo dia foi
realizado o condicionamento em que os ratos deveriam completar 25 cadeias de
respostas comportamentais (sair do compartimento de comida [J], focinhar o painel de
108

resposta [E] uma ou mais vezes e voltar ao compartimento de comida [J]). Sempre que
ele retornava ao compartimento de alimentação (J) era liberada uma pelota de comida.
No décimo primeiro e décimo segundo dia foi realizado o procedimento de extinção
idem ao de nível operante em que as cadeias de respostas não eram reforçadas. Foi
realizado o recondicionamento (idem fase de condicionamento) no décimo terceiro dia,
extinção no décimo quarto e décimo quinto e recondicionamento no décimo sexto.

Os resultados demonstraram que a variabilidade no nível operante e nas fases de


extinção foram significativamente maiores do que nas fases de condicionamento e
recondicionamento. Diante disso notou-se que o reforçamento induziu a constrição da
variabilidade do responder dos ratos e a extinção aumentou a variabilidade (Antonitis,
1951). Isso posto, o objetivo do presente experimento é a recriação do experimento de
Antonitis, dessa vez aplicado a humanos, em uma plataforma virtual.

Recriação

Para a recriação do experimento de Antonitis (1951), criou-se um ambiente virtual


funcionalmente similar ao relatado pelo autor, utilizando o video-game Portal 2®. Esse
ambiente foi composto por duas salas interligadas, Sala A e Sala B (Figura 2), sendo a
Sala A lugar onde os operandos estavam postos e Sala B onde havia acesso a saída
(estímulo reforçador condicionado).

Figura 2. Ambiente criado pelo map maker do Portal 2® para simular o aparato de Antonitis (1951).
Estão contidos na Sala A os operandos e na Sala B o reforçador condicionado.
109

O vão com o dispositivo fotoelétrico do experimento de Antonitis (1951) foi


substituído por nove botões dispostos lado a lado. O local de início no experimento de
recriação se manteve na sala problema, todavia os estímulos reforçadores foram
dispostos na Sala B - situada atrás do compartimento de início - devido a restrições de
programação no map maker. Os participantes foram submetidos a três condições
experimentais, além de uma sessão de Habituação com os controles e mapa.

As condições foram Linha de Base, Treino e Extinção. A Habituação foi


correspondente ao Treino Preliminar, salvo a alteração do esquema de reforçamento, e a
Linha de Base foi realizada após a Habituação devido a complexidade das respostas a
serem emitidas em ambiente virtual e a diferença na estrutura da sala. Nela, a Sala A
não continha nenhum botão e o participante devia andar do compartimento de início até
um botão localizado no meio da Sala B, pressioná-lo e então passar pela porta de saída.
Todas as seguintes salas tiveram a mesma estrutura: compartimento de início
centralizado no fundo da Sala A, nove botões próximos à parede frontal, acesso à Sala
B por trás do compartimento de início e Sala B com nove portas de saída nas paredes.

Na Linha de Base e Extinção a pressão aos botões não abria as portas de saída.
Durante o Treino uma única pressão a qualquer um dos botões abria as portas de saída.
Inseriu-se o mesmo número de botões e portas pois essa é a única maneira de programar
o acesso a saída pela pressão de qualquer um dos botões. A pressão a um botão produzia
um som quando liberava acesso à saída e um outro som ligeiramente diferente quando
não liberava.

Método

Participantes

Participaram do experimento três pessoas, duas mulheres e um homem, com


idades entre 18 a 25 anos de idade, sem histórico prévio com situações experimentais
envolvendo jogos.

Ambiente e aparatos experimentais

A coleta de dados aconteceu em uma sala espelho padrão para coleta de dados
com humanos. A sala possuía um espelho em uma de suas paredes. Em um dos
ambientes, o ambiente onde a coleta foi realizada, esse espelho era opaco. O outro lado
desse espelho localizava-se em uma sala adjunta, e nessa sala, o espelho era translúcido,
110

permitindo que o experimentador observasse a sala de coleta de dados, sendo que o


participante na sala de coleta de dados não poderia ver o experimentador na sala de
observação adjacente.

A sala de coleta de dados continha uma mesa, quatro cadeiras, um computador


modelo Wix da marca CCE info Windows 7, um mouse, e iluminação e ventilação
artificiais. A sala adjacente, a sala de observação, possuía uma mesa, oito cadeiras e um
ventilador.

Para a coleta, o computador rodou o jogo, Portal 2®, e um software de gravação


de tela, chamado Open Broadcaster. O software de gravação era iniciado antes da
coleta, e gravou em vídeo (.mpeg) tudo que ocorria na tela do computador enquanto o
participante jogava o jogo.

Na análise de dados foi utilizado um cronômetro digital.

Implementos do jogo utilizados

Para a recriação do experimento de Antonitis, foram utilizados os seguintes


implementos do jogo Portal 2®, disponíveis no seu map maker: pedestais interativos
acionados por pressionamento, portas de saída.

Procedimento geral

Em um primeiro momento, foi feito o convite de forma verbal ao participante, e


ele foi questionado se já participara de atividades experimentais no LAEC (Laboratório
de Análise Experimental do Comportamento) da PUC-GO. Foram selecionados
participantes que nunca haviam participado de experimentos no LAEC, de diversos
cursos de graduação, exceto Psicologia. Os participantes que se encaixaram nesse
critério foram levados para a sala de coleta de dados logo após o convite, e lá foram
entregues o termo de consentimento livre e esclarecido e um questionário sobre contato
prévio com jogos.

O participante, após assinar o termo de consentimento livre e esclarecido, se


direcionava à cabine experimental onde respondia o formulário Histórico com
Videogames. Foram selecionados somente participantes que responderam ao formulário
ter pouca ou nenhuma experiência com jogos de computadores. Logo a seguir o
experimentador selecionava no jogo a condição Habituação e a iniciava junto com a
gravação da tela. O experimentador repetia essa cadeia, alterando para a próxima
111

condição, sempre que o critério da condição em vigor fosse atingido, até que o
experimento se cessasse. O critério para encerramento das sessões de Linha de Base e
Extinção foi jogar por cinco minutos. As condições Habituação e Treino tiveram como
critério de encerramento a resolução do problema ou cinco minutos jogados.

Análise de dados

Toda a análise de dados foi feita após a coleta de dados, utilizando os vídeos
gravados da performances dos sujeitos durante as sessões. Nos vídeos foram analisados
e registrados o número de vezes que os participantes pressionaram os pedestais em cada
cadeia de respostas e o número de cadeia de respostas durante as condições.

Resultados

Os gráficos foram feitos pela soma do número de cliques em cada botão entre os
três participantes. Na Linha de Base o Botão 1 foi pressionado 11 vezes, o Botão 2 13
vezes, o Botão 3 11 vezes, o Botão 4 12 vezes, o Botão 5 14 vezes, o Botão 6 11 vezes,
o Botão 7 10 vezes, o Botão 8 17 vezes e o Botão 9 14 vezes.

Figura 3. Gráfico com a soma de respostas dos participantes em cada botão na Linha de Base.

Durante o Treino o Botão 1 foi pressionado uma vez, o Botão 2 duas vezes, o
Botão 3 uma vez, o Botão 4 quatro vezes, o Botão 5 cinco vezes, o Botão 6 três vezes, o
Botão 7 uma vez e o Botão 8 e o Botão 9 não foram pressionados.

Figura 4. Gráfico com a soma de respostas dos participantes em cada botão no Treino.

Por último, os registros da Extinção marcaram nove pressões no Botão 1, cinco


no Botão 2, 10 nos Botões 3 e 4, 20 no Botão 5, nove no Botão 6, cinco no Botão 7, seis
no Botão 8 e sete no Botão 9.
112

Figura 5. Gráfico com a soma de respostas dos participantes em cada botão na Extinção.

Discussão
Os dados encontrados corroboram os resultados obtidos por Antonitis (1951). A
diferença no número de respostas nos botões das extremidades para os botões centrais,
comparando Linha de Base e Treino, foi alta . Na Linha de Base 67% (76 de 113
pressões) das pressões foram em botões das extremidades (B1 a B3 e B7 a B9) enquanto
no Treino 69% (11 de 16 pressões) das pressões se deram nos botões centrais (B4 a B6).
Isto indica que o efeito do reforçamento na diminuição da variabilidade e indução de
respostas encontrado em ratos wistar (Antonitis, 1951) também foi verificado em
humanos no nosso procedimento.

As respostas de pressão foram intensas em todos os botões durante a primeira


condição, com diferença de cinco pressões em média quando comparados os principais
núcleos (extremidades, direita e esquerda; e centro), muito similar a variação da posição
dos ratos ao focinhar o aparato, chegando a deslizar o focinho de um extremo ao outro
(Antonitis, 1951). Durante a Extinção ocorreram mais respostas no botão central,
indicando ressurgência comportamental, apesar da grande variação na ocorrência de
pressão nos demais botões.

Para os próximos estudos sugere-se que o compartimento inicial não dificulte a


passagem dos participantes para a obtenção do reforçador. Também é recomendado que
o procedimento seja estendido com maior número de sessões nos treinos e mais
extinções e recondicionamentos.
113

Referências

Antonitis, J. J. (1951). Response variability in the white rat during conditioning,


extinction, and reconditioning. Journal of Experimental psychology, 42(4),
273.
Muenzinger, K. F. (1928). Plasticity and mechanization of the problem box habit in
guinea pigs. Journal of Comparative Psychology, 8(1), 45.
Thorndike, E. L. (1898). Animal intelligence: An experimental study of the associative
processes in animals. Psychological Monographs: General and Applied, 2(4), i-
109.
114

Variabilidade comportamental aprendida: o estabelecimento do


repertório comportamental de inovar de Pryor, Haag e O’Reilly

Marina Morena Maia,


Ana Terra Pires de Moraes,
Kaoma de Kassia Marçal Aleixo,
Larissa Ferraz Sabino,
Mateus Rodolpho Peres Farias,
Osvaldo Soares de Araújo Júnior

Experimento original recriado:


Pr.or, K. W., Haag, R., & O'reill., J. (5969). The creatve tportpoise: training for novel
behavior. Joornal of the Extperimental Anal.sis of Behavior, 572(4), 653–665.
https://doi.org/50.5905/eeab.5969.5726653

Acesse os mapas em:

https://steamcommunity.com/sharedfiles/filedetails/?id=1555897585
115

Em 1969, Karen Wylie Pryor, Richard Haag e Joseph O’Reilly publicaram seu
artigo intitulado The Creative Porpoise: Training for novel behavior. O estudo descreve
a recriação de um treinamento realizado pela autora principal em 1965, no oceanário
Sea Life Park, localizado no Havaí, onde introduziu nas cinco apresentações públicas
diárias uma demonstração de reforço do comportamento anteriormente incondicionado.
O sujeito animal era um golfinho-de-dentes-rugosos fêmea, Steno bredanensis, chamada
Malia.

No experimento controlado que recriou o treino de Malia, (Pryor, Haag e


O’Reilly, 1969), a participante foi Hou, uma fêmea da mesma espécie de Malia que, no
entanto, não estava sendo usada para apresentações públicas ou qualquer outro tipo de
trabalho no momento do experimento. Hou tinha um grande repertório de respostas
modeladas, mas sua "atividade espontânea", inovadora, nunca tinha sido reforçada.

O arranjo experimental foi desenhado para simular as cinco apresentações diárias


de Malia. Eram realizadas diariamente de duas a quatro sessões, com duração de 5 a 20
min cada, com períodos de descanso de cerca de meia hora entre as sessões. Durante o
período experimental, nenhum trabalho foi exigido de Hou além do próprio
experimento. Hou foi alimentado normalmente durante todo o período experimental,
visto que não havia necessidade de privação para tornar o estímulo “comida” reforçador
para os animais dessa espécie.

Um sino era tocado no início e final de cada sessão, servindo como marcador de
contexto. A aparência e o posicionamento dos treinadores serviram de estímulo
adicional sinalizando que a oportunidade de reforço estava agora presente.

Para registrar os eventos de cada sessão, o treinador e dois observadores, um


acima da água e um observando a área subaquática através das paredes de vidro do
tanque, usavam microfones e faziam comentários verbais. Fones de ouvido permitiam
que os experimentadores se ouvissem. Os comentários dos três experimentadores, e o
som de um reforçador condicionado, um apito, foram gravados em uma única fita.

Para que um comportamento pudesse ser reforçado ou registrado, ele deveria


diferir dos movimentos que fazem parte da ação normal de natação do animal, e deveria
ser suficientemente estendido pelo espaço e tempo para serem relatados por dois ou
mais observadores. Comportamentos como giros oculares, assobios inaudíveis e
mudanças graduais na direção, podem ter ocorrido, mas como não podiam ser
116

distinguidos pelos treinadores, seu reforçamento não podia ser realizado, exceto por
coincidência. Respostas de posição e sequência não foram consideradas. Como critério
adicional, os treinadores definiram que apenas um tipo de resposta seria reforçada por
sessão. Esse plano experimental não foi totalmente cumprido. Segundo os autores, por
vezes foi necessário que uma resposta anteriormente reforçada fosse novamente
escolhida para o reforço, para fortalecer a resposta, para aumentar o nível geral de
respostas ou para filmar um determinado comportamento.

A confiabilidade entre observadores foi avaliada a partir das transcrições das


sessões gravadas, nas quais um novo comportamento foi geralmente reconhecido em
consonância pelos observadores. Após 32 sessões de treinamento, a topografia dos
comportamentos aéreos de Hou tornou-se tão complexa que, embora indubitavelmente
nova, os comportamentos excediam a capacidade dos observadores para discriminá-los
e descrevê-los. Essa ruptura na confiabilidade dos observadores foi o que marcou o
término do experimento.

Durante o primeiro terço das sessões de treinamento, as respostas de “breaching”


(saltar para o ar e cair de lado), “porpoising” (pular suavemente para fora da água e
voltar para dentro, uma ou duas vezes) e “beaching” (apoiar a cabeça contra a borda da
piscina aos pés do treinador) foram reforçadas e repetidas diversas vezes. Hou iniciava
cada sessão com o comportamento que tinha sido reforçado na última. Por vezes esse
comportamento voltava a ser reforçado, quando o treinador sentia que o comportamento
não havia sido fortemente estabelecido na sessão anterior.

Para interromper a repetição invariante de Hou de um repertório limitado, os


treinadores decidiram modelar respostas específicas. A Sessão 8 foi dedicada a modelar
a resposta de "tail walk", ou o comportamento de se equilibrar verticalmente com
metade do corpo fora da água. Essa resposta foi novamente reforçada na sessão 9, e as
sessões 10 e 11 foram dedicadas a modelar a resposta de “tail wave”, a resposta de
levantar a cauda da água. A “tail wave” foi emitida e reforçada na Sessão 12.

Embora isso representasse uma afastamento do objetivo inicial de condicionar


comportamentos novos, os experimentadores perceberam que no treinamento de Malia,
quando nenhuma ação espontânea nova era emitida, alguma resposta específica era
moldada. Portanto, a inclusão de modelagem no treinamento de Hou parecia
permissível. Também era desejável evitar que um baixo nível de reforço levasse à
117

extinção de todas as respostas.

Nas sessões seguintes, Hou se apresentava mais ativo e a quantidade de respostas


novas emitidas crescia. Na sessão 16, os experimentadores se concluíram como bem-
sucedidos no estabelecimento de uma classe de respostas caracterizadas pela descrição,
"apenas novos tipos de respostas serão reforçadas" e, consequentemente, Hou emitia
uma ampla variedade de novas respostas. As diferenças entre a Sessão 16 e as sessões
anteriores podem ser vistas comparando o registro cumulativo da Sessão 16 com a da
Sessão 7, uma sessão anterior típica.

De acordo com os autores, em todas as sessões finais, o critério de que o


comportamento deveria ser diferente dos já emitidos para que fosse reforçado, e que
apenas um tipo de resposta seria reforçada por sessão foi implementado. No entanto, a
atividade geral de Hou mudou de outras duas maneiras após a Sessão 16. Primeiro, se
nenhum reforço era dado em vários minutos, a taxa e o nível de atividade diminuíam,
mas o animal não retomou um padrão de comportamento estereotipado. Em segundo
lugar, Hou passou a emitir muitos comportamentos tipicamente associados em cetáceos
com situações que produzem frustração ou agressividade, como bater na água com
cabeça, cauda, barbatana peitoral ou corpo inteiro.

Hou já emitira comportamentos novos em seis de sete sessões consecutivas. Além


disso, Hou começou as sessões 31 e 32 com uma nova resposta e não emitiu respostas
inadequadas, uma vez que o reforço foi apresentado. Assim, os experimentadores
concluíram o experimento.

Pryor, Haag e O’Reilly (1969) discutem que, dos 16 tipos de respostas diferentes
emitidas durante o experimento, pelo menos metade nunca tinha sido observado ocorrer
de maneira espontânea na espécie de Hou. Uma técnica de reforço de uma série de
ações diferentes, que normalmente já ocorrem, em uma série de sessões de treinamento,
serviu, no caso de Hou e Malia, para estabelecer no animal uma probabilidade altamente
aumentada de emissão de novos tipos de comportamento. Em outras palavras, foi
reforçada uma categoria de comportamentos genéricos de “inovar”, ou de
“comportamentos criativos”.

Os autores destacam ainda o trabalho de Maltzman (1960) com sujeitos humanos


e comportamento verbal. Maltzman descreveu um procedimento bem-sucedido para
induzir respostas originais, consistindo em reforçar diferentes respostas aos mesmos
118

estímulos, essencialmente o mesmo procedimento seguido por Hou e Malia. É


interessante notar que Maltzman conclui, ao observar sujeitos na situação experimental,
que a evocação repetida de respostas diferentes para os mesmos estímulos torna-se
bastante frustrante, o sujeito é perturbado pelo que rapidamente se torna uma tarefa
surpreendentemente difícil. As respostas de frustração também foram observadas nos
treinamentos de Hou e Malia.

Outros aspectos do experimento de Maltzman (1960) também foram replicados no


estudo com golfinhos-de-dentes-rugosos (Steno bredanensis), são eles: a indução e o
reforço do comportamento original em um conjunto de circunstâncias aumentaram a
tendência de respostas originais em outros tipos de situações e, em algumas condições, a
originalidade pode ser aumentada evocando um número relativamente grande de
respostas diferentes a diferentes estímulos.

Sendo assim, concluem que, ao usar a técnica de treinamento para novos


comportamentos aqui descrita, torna-se possível induzir uma tendência para a
espontaneidade e criatividade na maioria dos indivíduos de uma ampla gama de
espécies.

Os experimentos de Pryor, Haag e O’Reilly marcaram significativamente a


bibliografia experimental sobre variabilidade comportamental e criatividade. Desse
modo, por sua notabilidade e características metodológicas, foram escolhidos como os
candidatos à recriação em jogos de videogames, de acordo com a proposta.

Recriação
O experimento original de Pryor se mostrou particularmente complexo em sua
recriação. A natureza pouco laboratorial do ambiente original nos pareceu uma
característica particular que precisava ser refletida, juntamente com a dificuldade
inerente de identificar e reforçar novos comportamentos à medida que aconteciam.

Para servir de análogo à extensa liberdade de movimentos que o golfinho possuía,


uma sala foi criada contendo um grande número de operandos – objetos para se interagir
– com várias funções (Figuras 1, 2 e 3). Na sala, o experimentador se inseria como um
jogador secundário em modo de cooperação, e possuía um ambiente separado para
observação, construído especialmente para não ser acessado pelo jogador em
experimento (Figuras 1, 2 e 3). Para tal, foram utilizados dois computadores, um pelo
jogador principal e outro pelo experimentador.
119

Os operandos foram selecionados e montados de forma que permitissem várias


interações diferentes, em especial entre si (Quadro 1).

Figura 1. A sala, como vista no editor, com legenda dos operandos. Conferir a Figura 6 para a legenda
dos operandos.
Foram ainda colocadas superfícies brancas abaixo e acima da área de testes, para
que os jogadores pudessem interagir com portais. A introdução de L – 1, um gel capaz
de pintar superfícies escuras de branco, possibilita ainda mais oportunidades de
interação.

Figura 2. A sala, como vista no editor, com outro ângulo. Conferir a Figura 6 para a legenda dos
operandos.
120

Os cubos (classe ‘O’ na legenda) foram disponibilizados acompanhados de seus


distribuidores (parte superior da imagem na figura 2), impedindo que ações realizadas
pelo jogador removessem esse operando do experimento.

A área do experimentador foi testada para que nenhuma combinação possível de


operandos e movimentos do jogador pudesse oferecer acesso do sujeito à ela, mas a
posição de L – 3 ( ver Figura 4 para a legenda ) poderia servir, a jogadores que
conheciam o jogo, como um estímulo discriminativo para a tentativa de subir.

Para separar o sujeito do experimentador, o experimentador precisaria entrar na


sala (via S – 1 no momento que a sala era carregada em ambos os computadores), passar
por Z – 2 (que estaria desligada ) e pressionar B – 3. Isso ligaria Z – 2 e impediria que o
sujeito entrasse na área de observação. O jogador teria apenas a opção de descer pelo
túnel, acessando a área de testes.

É importante notar que S – 2 não possuía nenhuma ligação visível com outros
operandos, apesar de ser operada por B – 4 (Figuras 5 e 6).

Figura 3. A sala, como vista no editor, de outro ângulo. Conferir a Figura 6 para a legenda dos
operandos.
121

Quadro 1 - Legenda dos operandos disponíveis na sala, para sujeito e experimentador.


Classe de Legend Nome formal Descrição
Operandos a
O-1 “Esfera” Capaz de rolar sozinha mediante empurro, de
O ser carregada, e de ativar B – 2. Pode ser
colorida por L - 3 e L – 4.
“Objetos” O-2 “Cubo Capaz de ser carregado e redirecionar Z – 1.
Espelhado” Pode ser colorido por L - 3 e L – 4.
O-3 “Cubo Capaz de ser carregado. Pode ser colorido por
Companheiro” L - 3 e L – 4.
O - 4 “Frankencubo”( “Cubo” capaz de se arrastar sozinho, quando se
frankencube) apoia em uma das suas faces. Instável e difícil
de posicionar. Pode ser colorido por L - 3 e L –
4.
L-1 “Gel Branco” Quando acerta superfícies escuras, as deixa
L brancas, permitindo suportarem portais. Limpa
objetos como L – 2.
“Líquidos” L-2 “Água” Limpa objetos (‘O’) que foram coloridos por L
– 3 e L – 4, e superfícies coloridas pelos outros
líquidos.
L-3 “Gel Azul” Cria superfícies elásticas, permitindo saltos e
ricochetes maiores. Também pode colorir
objetos , os fazendo quicar indefinidamente
enquanto não são carregados.
L-4 “Gel Laranja” Cria superfícies de aceleração, aumentando a
velocidade do jogador. Mancha objetos de
laranja, que perdem parte de seu atrito.
B - 1 “Botão de Poste O jogador pode interagir com a tecla E,
B A” ativando R – 3 por três segundos.
B-2 “Botão Slot O jogador pode depositar O – 1 em seu interior,
“Botões” Redondo” ativando R – 1. Isso tranca O – 1 até que seja
removida. Não interage com outros objetos.
B - 3 “Botão de Poste Botão para o experimentador ativar Z – 2.
B”
B - 4 “Botão de Poste Botão para o experimentador ativar S – 2 e
C” terminar o experimento.
122

R-1 “Rampa A” Plataforma branca, ativada por B – 2. Permite o


R uso de portais inclinados, e pode servir como
plataforma de corrida se colorido de laranja.
“Rampas”
Quando desligada, destrói objetos depositados
em sua parte posterior.
R-2 “Rampa B” Similar a R – 1, mas ativada por D – 1.
R-3 “Rampa C” Similar a R – 1, mas ativada por B – 1,
permanecendo por 3 segundos.
D-1 “Dial de laser” Pode receber o feixe de lazer Z – 1 para ativar
D R – 2, e desligar R – 2 quando o feixe não mais
o afetar. Não interage de nenhuma outra forma.
“Dials”
P-1 “Plataforma de Plataforma de salto que, quando tocada pelo
P Salto” jogador ou um objeto, o arremessa em direção
ao círculo azul, localizado em R – 3 no mapa.
“Plataform
as ”
S-1 “Início da Sala” Entrada dos jogadores.
S S -2 “Saída do Saída dos jogadores. Ativada por B – 4, e
experimento” fechada até então. Termina o experimento.
“Saídas ”
Z-1 “Feixe Laser” Linha vermelha que, quando atinge o jogador, o
Z afasta, com apresentação de som aversivo. Pode
destruir o jogador após contato extensivo. Pode
“Lasers /
ser bloqueado por qualquer objeto. É refletivo
Zappers”
por O – 2 e atravessa portais. Ativa D -1.
Z-2 “Parede Laser Destrói jogadores que a tocarem. Serve para
Vermelha” limitar acesso à uma área.
Z-3 “Parede Laser Impede que objetos, portais e demais projéteis
Azul” o atravessem. Destrói objetos ao tocar, mesmo
se carregados.

A escolha dos comportamentos foi dada após a criação da sala, com alguns testes-
piloto. Foi decidido criar uma lista de comportamentos “acordados”. Durante o
experimento, porém, o experimentador poderia adicionar outros comportamentos
particularmente criativos, se o julgasse dessa forma. Esse último fator está em
concordância com o experimento original, uma vez que os observadores se comunicam
123

para definir a ocorrência de um novo comportamento à medida que ele acontecia.

A lista dos comportamentos é a seguinte:

1º Bloquear o Laser;
 Uso não-acidental de algum dos objetos ( Classe O) no jogo para impedir
que o laser( Z – 1 ) o atinja. O objeto deve ser colocado na frente do laser
e deixado lá. Não conta como comportamento de bloquear o laser passar na
frente dele segurando um objeto.
2º Pular o Laser
 Desviar do feixe laser (Z - 1) , pulando sobre ele, de forma a não ser atingido.
3º Refletir o Laser;
 Usar o Cubo Espelhado( O – 2 ) para redirecionar o feixe do laser ( Z – 1
) para outro lugar.
4º Auto-Destruição
 Se movimentar em direção ao feixe laser (Z - 1) repetidamente até a destruição
do personagem.
5º Desintegrar objetos;
 Levar um objeto até o outro lado da Parede Laser Azul ( Z – 3 ) fazendo com
que ele se desintegre.
6º Usar a Plataforma;
 Acionar e fazer uso da plataforma de salto ( P – 1 ) (A interação com a
plataforma pode se dar com o próprio jogador, com algum objeto ou com
ambos simultaneamente)
7º Colocar a Esfera no Botão de Slot Redondo;
 Colocar a Esfera ( O – 1 ) no Botão de Slot Redondo ( B – 2 ) ativando uma das
rampas. (Classe R)
8º Destruir um objeto Com Rampa
 Acionar alguma das rampas (Classe R) e colocar algum objeto (de modo que o
experimentador julgue não-acidental) em baixo da rampa de modo que
quando o tempo se esgotar esse objeto seja destruído.
9º Empilhar;
 Posicionar um Objeto (Classe O) apoiado em outro, de maneira estável.
10º Uso do Frankencubo Azul
 Sujar o Frankencubo ( O - 4) com a tinta azul e colocá-lo de modo que ele não
124

consiga se mover (Com as "patas para cima"). Nesse estado, interagir com o
Frankencubo Azul usando objetos do jogo.
11º Pintar Objeto;
 Carregar, arremessar ou empurrar um objeto (classe O) para ser sujo por um
fluxo de gel (L 3 e L -4 são os únicos capazes se sujar objetos).
12º Lavar Objeto;
 Após o objeto ser pintado (comportamento 10), carregar, arremessar ou
empurrar o objeto para um Gel que o limpe (L - 1 e L - 2)
13º Uso do Gel Laranja;
 Quando usado para manchar o chão, L- 4, o Gel Laranja, acelera o jogador que
passa por cima dele. Exige o comportamento 18, construindo uma rampa/linha
para que o jogador se acelere.
14º Uso do Gel Azul;
 Uso das características elásticas do Gel Azul (L-3) causa objetos e
jogadores que pulem ou sejam arremessados contra ele a pular alto.
Exige comportamento 18 ou 11.
15º Uso do Gel Branco;
 Uso do Gel Branco ( L - 1) para manchar uma área escura, a capacitando para
receber portais, e usar um portal nela. Exige o uso de portais angulados na R - 1,
que por sua vez exige o comportamento 7.
16º Criar um Loop de Tinta;
 Versão complexa do Comportamento 19, onde um operando da classe L é
mergulhado em um portal, liberado no outro, e então construído em um
loop de portais, criando um efeito visual distinto.
17º Criar um Loop com Diversas Tintas;
 Similar ao comportamento 16, mas integrando mais de um operando na classe L.
Exige comportamento 16, mas com a adição de um controle fino de
posicionamento de portais.
18º Sujar uma nova área;
 Interagir com os Géis (Classe L) de tal forma que haja Gel em uma área que até
então não havia tinta.
19º Usar o Portal horizontal;
 Abrir dois portais no mesmo plano (Dois portais no teto, dois portais no chão,
etc) e fazer uso deles seja com o próprio jogador ou com objetos que não sejam
125

tintas (Cubos, etc).


20º Usar o Portal vertical;
Abrir dois portais em planos diferentes (Chão e teto, paredes opostas, etc) e fazer
uso deles seja com o próprio jogador ou com objetos que não sejam tintas
(Cubos, etc).
21º Uso de Momentum; / Jogador em Loop
 Passar por um portal, e usar um portal no lugar da queda, efetivamente
ganhando velocidade. Pode ser feito de maneira infinita se vertical.

Figura 5. Visão do jogador durante o experimento


126

Figura 6. Visão do experimentador. O prompt no centro da tela ("Pressione R para controlar o outro
jogador") acontece quando estamos construindo a sala, já que podemos movimentar ambos personagens.
127

Método
Participantes
O experimento contou com 5 participantes, sendo 1 do sexo feminino e 4 do
sexo masculino. Dos participantes do experimento, 4 possuíam histórico prévio com o
jogo Portal 2®.

Ambientes e aparatos experimentais


A coleta dos dados foi realizada em uma sala espelho padrão para coleta de
dados em humanos, localizada na Faculdade de Educação da Universidade Federal de
Goiás. A sala possuía um espelho em uma de suas paredes, o qual era opaco em um dos
lados. Do outro lado, o espelho era translúcido e havia uma sala adjunta na qual era
possível observar a sala de coleta de dados sem que o participante pudesse ver o
experimentador.

Na sala de coleta de dados havia uma mesa estilo escrivaninha, um projetor


multimídia LG BS275, duas cadeiras, um notebook modelo ASUS X555UB,
processador Intel Core i5 6200U e Windows 10 Home Edition com mouse para uso do
participante, um notebook da marca HP Pavilion x360 11-n226br com processador Intel
Celeron Dual Core e Windows 10 Home Edition com mouse para uso do
experimentador, um saco de bolas de vidro, uma caneca de porcelana, copos com
pontuações numeradas e doces sortidos, folha com controles do Portal 2®, lista com 20
comportamentos pré-selecionados e iluminação artificial. Na sala de observação,
adjacente à sala de coleta de dados, dispunham 5 cadeiras e iluminação artificial.

Para a coleta, ambos os notebooks rodaram o jogo Portal 2®. Apenas o notebook
ASUS rodou um software de gravação de tela, chamado Open Broadcaster. O software
de gravação era iniciado antes da coleta, e produziu um vídeo no formato .mpeg com
todas as imagens da tela do notebook ASUS, que era destinado ao participante,
enquanto ele jogava o jogo.

Utilizou-se também do cronômetro digital de um celular iPhone 5c da marca


Apple e de um Samsung Galaxy S6 Edge.

Procedimento geral
O convite para participar do experimento foi feito a conhecidos dos
experimentadores e para alunos que se encontravam na Faculdade de Educação da UFG,
onde os experimentos foram rodados. Foram selecionados participantes que não
128

conheciam o experimento de Variabilidade de Pryor e que possuíam algum tipo de


experiência com jogos digitais, incluindo o Portal 2®.

Os participantes eram levados até a sala de coleta de dados e lá recebiam o termo


de consentimento livre e esclarecido, assim como um questionário sobre habilidades e
contato prévio com jogos.

Após responder o questionário e leitura conjunta e preenchimento do termo de


consentimento livre e esclarecido, o experimentador entregou um mapa de controles do
Portal 2®, com fins de conhecimento. Após a leitura do mapa de controles, o
experimentador dava a seguinte instrução: “pode começar”.

Dada a instrução, o experimentador permaneceu na sala de observação, tanto


física, quanto virtual, durante todo o experimento, atento a resolução das tarefas pelo
participante, as quais foram dividas em três etapas. No âmbito virtual, durante a
primeira etapa, o participante explorava a sala durante 5 minutos, esse momento foi
denominado de Nível Operante e teve como propósito observar o repertório
comportamental dos sujeitos. Após esse período, o experimentador descia da plataforma
– inalcançável para o participante – e dava início a segunda etapa, na qual ele ensinava
3 comportamentos, da lista dos 21 comportamentos pré-selecionados, que não haviam
sido observados até então. Esse momento foi chamado de Treino. Por fim, o jogo era
reinicializado e a instrução “pode começar” era dada, iniciando a terceira etapa (etapa
de Experimento), em que o participante permanecia 15 minutos na sala. Apenas nessa
etapa, a cada novo comportamento emitido virtualmente (incluindo os emitidos nas
fases anteriores), o jogador era reforçado, no ambiente físico, com bolas de vidro.
Decorridos os 15 minutos, o experimentador acionava o botão que se encontrava na
plataforma inalcançável que abria a porta de saída.

Na sala física, as observações do experimentador eram possíveis tanto pelo


notebook que dispunha em sua frente, quanto pela imagem da visão do jogador
projetada na parede. Durante as etapas o experimentador possuía controle sobre o
ambiente físico e virtual, assim, após o fim da segunda etapa, o experimentador, em seu
computador, reiniciava a sala no jogo, iniciando a próxima etapa. Durante a terceira
parte do experimento, o reforço se dava da seguinte forma: era explicado para o jogador
que durante o experimento ele ganharia pontos que ao final seriam trocados por doces
sortidos, esses pontos eram demarcados por esferas de vidro, que eram depositadas em
129

uma caneca de porcelana, de uma forma audível; a obtenção de tais pontos eram de
acordo com a emissão de comportamentos inéditos, emitidos no ambiente virtual.

Resultados e discussão
O sujeito 1 no Nível Operante emitiu sete comportamentos distintos durante os
cinco minutos que permaneceu na sala. Durante seu período de Teste ao ser ensinado os
três comportamentos que não foram emitidos anteriormente o participante acabou por
aprender mais um comportamento. Isso ocorreu porque ao ser ensinado o
comportamento de empilhar, um dos cubos caiu e estando muito próximo da Parede
Laser Azul o objeto foi desintegrado. Na fase de experimento o sujeito alternava entre
os comportamentos que emitiu nas duas fases anteriores (sete comportamentos ao todo),
mas também emitiu três novos comportamentos. Em geral, foi um sujeito de difícil
análise, à medida que emitia unidades comportamentais complexas. A variabilidade que
demonstrou, embora não possa ser visualizada no esquema apresentado, se assemelha a
do experimento original. Caso a replicação não tivesse contado com os comportamentos
pré-definidos, teria sido o que mais apresentou comportamentos novos. O
experimentador responsável resolveu anotar dois dos comportamentos mais extensos
com um “+” no esquema. A criação de uma extensa passarela de gel laranja com uma
área de salto em gel laranja foi um deles, e a criação de uma área onde poderia saltar
entre chão e parede, manchados de gel azul, aparentemente buscando acesso à área do
experimentador, o outro.

O sujeito 2, durante o Nível Operante, emitiu sete comportamentos distintos. Ao


ser colocado em treino, aprendeu três comportamentos, que, assim como ocorreu com
os demais sujeitos do experimento, não havia sido emitido anteriormente. No último
momento do experimento, o sujeito 2 iniciou a fase Experimento emitindo os três
comportamentos emitidos no nível Treino - não apresentando os mesmos na ordem da
emissão anterior - apresentou dois comportamentos que foram previamente emitidos no
Nível Operante, um comportamento novo (não emitido em nenhuma fase anterior),
depois executou dois outros comportamentos já emitidos no Nível Operante, outros três
novos comportamentos, um outro emitido no Nível Operante e, por fim, um outro novo
comportamento - totalizando a emissão de cinco novos comportamentos no
experimento.

O sujeito 3 emitiu quatro comportamentos distintos no Nível Operante. Durante a


fase de Teste emitiu cinco comportamentos distintos sendo que apenas um
130

comportamento não havia sido observado momentos anteriores. Tal comportamento em


questão foi de usar o gel laranja e ocorreu enquanto o sujeito explorava a caixa e
diferentemente dos demais comportamentos não foi repetido pelo sujeito em nenhum
outro momento do experimento.

O sujeito 4 iniciou a primeira fase do experimento apresentando oito


comportamentos. Logo após, no Treino, aprendeu três novos comportamentos. Na fase
do experimento, apresentou inicialmente dois comportamentos aprendidos por
modelação, no treino, um novo comportamento, um comportamento emitido no Nível
Operante, o terceiro comportamento ensinado no treino, cinco comportamentos que já
haviam se apresentado anteriormente no Nível Operante, um novo comportamento, um
outro emitido no primeiro nível e, ao fim, um comportamento não apresentado em
nenhum momento anterior. No sujeito 4, assim como no sujeito 3, o padrão de
variabilidade não pode ser reconhecido, devido aos novos comportamentos não se
apresentarem com uma frequência alta.

O sujeito 5 começou o nível operante manifestando sete comportamentos.


Aprendeu os três comportamentos ensinados pelo experimentador no treino e, na última
fase do experimento, iniciou apresentando um comportamento aprendido no treino, um
emitido no Nível Operante, dois novos comportamentos, outro aprendido, dois outros
novos e, finalizou apresentando um comportamento emitido no Nível Operante. Com o
sujeito 5, houve a apresentação de quatro novos comportamentos, número significativo
que corrobora com a hipótese (Figura 7).
131

Nível Operante 3 7 1 20 2 6 18

Sujeito 1 Treino 21 16 12 5

Experimento 7 9 5 21 16 18 6 11 14 12 1 + +

Nível Operante 3 11 12 18 16 14 17

Sujeito 2 Treino 7 6 1

Experimento 7 1 6 18 16 19 14 17 9 15 20 3 2

Nível Operante 15 20 18 1

Sujeito 3 Treino 23 19 7

Experimento 7 15 20 13 18

Nível Operante 20 18 19 16 5 11 13 14

Sujeito 4 Treino 3 2 1

Experimento 3 2 7 11 1 14 18 20 13 5 12 19 17

Nível Operante 21 20 2 19 1 10 13

Sujeito 5 Treino 22 3 5

Experimento 3 1 7 17 5 14 6 20
Figura 7. Enumeração dos operandos emitidos por sujeito, de acordo com sua ocorrência em cada fase.

Dessa forma, nos sujeitos 1, 2 e 5, foi percebido um padrão análogo ao de


variabilidade, à medida que houve uma tendência de apresentação de novos
comportamentos (e uma não repetição dos antigos, não registrada). Também é possível
perceber uma tendência a exaurir os repertórios já estabelecidos.

Nos sujeitos 3 e 4, por outro lado, esse padrão não é reconhecível. Os


comportamentos já estabelecidos se repetem e não há uma adição de novos
comportamentos em alta frequência. Um possível empecilho para o estabelecimento de
padrões de variabilidade foi a existência de regras, possibilitada pela diferença entre
espécies. De forma geral, é possível perceber um padrão de resolução de problemas no
experimento, sugerindo a formulação de regras por parte dos sujeitos – insensibilizando-
os às contingências. Essas regras podem ter sido formuladas pela experiência passada
132

dos sujeitos com o jogo Portal, uma vez que ele é caracterizado por soluções de
problemas e formulação de regras (Quatro dos sujeitos tinham experiência prévia com o
jogo. Apenas o sujeito 05 não tinha jogado o jogo).

Considerações finais
Apesar da ideia central da indução de comportamento criativo esteja na
replicação, é impossível dizer que houve uma replicação sistemática. Os estímulos
intervenientes impedem uma afirmação relevante acerca dos dados originais, em relação
à confiabilidade do experimento original de Pryor, Haag e O’Reilly (1969). Contudo, os
resultados são suficientes para uma discussão do tema e o auxílio de pesquisas
posteriores – já que a “atividade espontânea”, como definida no estudo original, ficou
clara e presente na maioria das sessões de nossa recriação.

Uma das principais dificuldades encontradas foi a qualificação do


experimentadores em relação ao sujeito e os mecanismos do experimento, tais como
presente no original. Nesta replicação, nenhum dos experimentadores possuíam
experiência necessária para identificar unidades comportamentais em tempo real, e não
obtiveram tempo e recurso para se capacitarem. Assim, a alternativa de identificar
comportamentos em um momento anterior ao do experimento se mostrou uma
alternativa pouco ideal, que influenciou coleta e avaliação de dados.

Para os próximos experimentos e replicações, existem algumas variáveis que


precisam ser melhor trabalhadas, como por exemplo: a coleta de dados com mais
sujeitos, fazer capacitação dos experimentadores, igualar ou aproximar o tempo do
“nível operante” e do teste, além de gravar as sessões para ser possível verificar as
interferências emocionais, identificar melhor os comportamentos dos sujeitos,
considerar comportamentos que forem reproduzidos pelos sujeitos, mesmo se não
estiverem na folha de comportamentos elencados previamente.

Os experimentadores adquiriram com o experimento o contato com a replicação


através da utilização de plataforma virtual, utilizando sujeitos humanos. Os
experimentadores que não ficaram na sala com o sujeito, tiveram a oportunidade de
adquirir experiência como observadores, melhorando a capacitação dos mesmos para
aplicação de demais testes/experimentos. Puderam aumentar sua bagagem científica,
aprendendo tanto o fator histórico quanto teórico do tema “variabilidade”.

Por último, vale comentar sobre o ato de replicar este experimento em um


133

ambiente de videogame. O experimento original foi realizado em um ambiente onde o


sujeito deveria variar, principalmente, movimentações corporais. O nível de possíveis
movimentações corporais é potencialmente infinito, e, como corretamente pontuado
pelos próprios autores, de uma complexidade possível extensa demais para uma análise
em tempo real. A replicação no videogame precisou prover o sujeito de um alto número
de operandos para que um alto número de comportamentos distintos pudesse ocorrer.
De fato, não faltaram unidades comportamentais para serem analisadas, mas a escolha
de comportamentos pré-determinados foi necessária, e a liberdade de movimentos de
Hou não foi equiparada.

Existem ambientes virtuais, em particular aqueles definidos pela sua liberdade de


criação, que podem ser melhores análogos para este experimento. Mas a facilidade de
construção e divulgação do Portal 2® transforma esta replicação em uma imensa
oportunidade de aprendizado para futuros pesquisadores do tema.

Referências
Calvillo-Gámez, E.; Gow, J. & Calrns, P. (2011). Introduction to special issue: video
game as research instruments. Entertainment Computing, 2, 1, p. 1-2.
Pryor, K. W., Haag, R. & O’Reilley, J. (1969) The creative porpoise: Training for novel
behavior. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 12, 653-661.
Maltzman, I. (1960). On the training of originality. Psychological Review, 67 (4), 229-
242.
134

Encadeamento de respostas: Criando longas cadeias comportamentais


com os procedimentos “para frente” e “para trás” de Weiss

Lucas Cândido Campos


Mateus Rodolpho Peres Farias

Experimento original recriado:

Weiss K. M. (1978). A comparison of forward and backward procedures for the


acquisition of response chains in humans. Journal of the Experimental Analysis
of Behavior, 29(2), 255–259. https://doi.org/10.1901/jeab.1978.29-255

Acesse os mapas em:

https://steamcommunity.com/sharedfiles/filedetails/?id=1555885901
135

Cadeias comportamentais, descritas como a sequência de comportamentos que


produzem uma consequência após serem emitidos em uma determinada ordem (Moreira
& Medeiros, 2007, p.113), é uma consequência direta da capacidade do comportamento
operante de ser reforçada por estímulos condicionados. Encadear uma resposta não
significa mais do que instaurar um comportamento que possua como consequência os
estímulos discriminativos que servem como antecedente de uma outra resposta e outro
reforçador.

Se assume que o último reforçador da cadeia, normalmente incondicionado, é


responsável pela manutenção da cadeia como um todo, mesmo à distância, através da
maneira com que as respostas anteriores são reforçadas pela simples possibilidade de se
responder de forma que se aproxima do reforço final. É um conceito particularmente
importante na análise de comportamentos complexos, e é visitado experimentalmente de
maneira comum. De fato, é possível argumentar que o processo de treino ao bebedouro,
comum na modelagem de ratos em laboratório, possui elementos de encadeamento.

Esse processo é o assunto do experimento de Weiss. Em 1978, no Journal of the


Experimental Analysis of Behavior, é descrito que esse conceito tem sido ressaltado
mesmo nas primeiras obras de Skinner (Weiss, 1978, p.255), e teria sido utilizada até
então como ferramenta de análise e de intervenção. O problema que se percebe, porém,
é que autores posteriores têm assumido que a maneira mais eficaz de se estabelecer uma
cadeia é iniciando pelo ensino da última resposta, isto é, a mais próxima do
reforçamento final (p. 255), acreditando que essa proximidade auxilia a instalação do
repertório necessário.

Weiss argumenta que não existem estudos sistematizados na área que seriam
suficientes para embasar esses fatos – inferindo que seriam conjecturas hipotéticas,
baseadas no entendimento de princípios básicos de reforçamento – e que existiriam
evidências anedóticas vastas que argumentam que, pelo contrário, o sujeito humano
parece ter predileção pelo aprendizado que se inicia pela primeira resposta de uma
sequência (e é reforçado, obviamente, pela consequência última). Como exemplo,
trouxe que aprendemos o alfabeto não pela última letra primeiro e de trás para frente
(backwards, sequência reversa), como em Z, YZ, XYZ, mas da primeira resposta à
frente (forwards, sequencialmente), A, AB, ABC. Há de se notar, porém, que ambos os
modos parecem possuir uma explicação científica que os embasam, o que Weiss não
deixou de pontuar em seu trabalho.
136

Os defensores da sequência reversa argumentam que a última resposta, associada


diretamente com o reforçador último, pode ser aprendida primeiro de forma a ser
potente o suficiente para reforçar as ações anteriores, após seus precorrentes adquirirem
valor de reforçador suficiente por mecanismos como o emparelhamento. É uma
proposição que está de acordo com o que se entende de comportamento.

Weiss, assumindo a importância da conexão com o reforçador último, descreve


que a cadeia sequencial, iniciando na primeira resposta que já obtém reforçador, poderia
se provar superior pela maneira com que permite que cada resposta esteja associada
diretamente com o reforçador último em algum momento, o que proporcionaria
aprendizado mais veloz e com menos erros (p. 258)

Para testar essa hipótese, resolveu comparar a velocidade de aprendizado de uma


sequência, tanto de maneira sequencial quanto reversa. Selecionou 10 alunos que ainda
não foram introduzidos ao conceito de encadeamento e os dividiu em dois grupos.
Ambos os grupos passariam por 4 sequências, duas de maneira sequencial e duas de
maneira reversa, mas um deles iniciaria com uma cadeia sequencial, e outro, com uma
cadeia reversa. Criou-se um dispositivo eletromecânico que pontuava respostas corretas
e registrava erros, efetivamente instalando uma sequência em cada um dos sujeitos. Sua
unidade de análise para comparar os dois procedimentos foi a quantidade de “erros
sinceros”, significando os erros cometidos após uma resposta correta da sequência, na
medida que acertar o próximo passo da sequência seria uma questão de acaso.

Os resultados foram claros: nenhum dos sujeitos aprendeu uma sequência reversa
com menos erros que uma sequencial (p. 257), demonstrando uma superioridade da
introdução sequencial ordenada (forwards). Um detalhe interessante de seus resultados
que é apenas um terço dos sujeitos notaram a diferença entre os tipos de sequência (p.
258). Weiss entendeu que sua hipótese teria sido confirmada: “O resultado apresentado
pode ser resumido pelo princípio: quanto mais forte o reforçador utilizado para
estabelecer uma resposta, mais forte é a tendência da resposta. Essa é uma extensão
natural da lei do efeito” (p. 258).

Após o estudo do trabalho original, os autores desta recriação, familiarizados com


a literatura da predileção por sequências reversas, perceberam que um aspecto do
trabalho era a utilização de sujeitos humanos, e uma extensa instrução que poderia
servir como regra e, portanto, um fator interveniente importante.
137

A tradução da instrução completa é algo como:

“Este é um experimento para estudar o aprendizado de sequência de respostas.


Você precisará aprender quatro sequências separadas, cada uma consistindo de

seis respostas. Deverá aprender cada sequência de maneira gradual. Primeiro,

você precisará fazer apenas uma resposta sem nenhum erro para conseguir obter

cinco pontos. Então, derverá fazer duas respostas sem erros para adquirir cinco

pontos, então três respostas para adquirir cinco pontos, etc, até que chegará a

seis respostas sem erros, que serão requeridas para que cinsiga cinco pontos.

Atrás de cada botão existe uma letra, número ou símbolo. A qualquer tempo,

todos os seis símbolos poderão ser os mesmos. A cada vez que realizar uma

resposta correta, os símbolos mudarão. Cada símbolo vai em um botão

particular que é o correto para aquele momento. Por exemplo, “A” pode ser o

botão superior esquerdo, “B” pode ser o botão central superior, e por aí vai.

Lembrar quais botões são associados a quais símbolos pode lhe ajudar a

lembrar a sequência de botões corretos. Se realizar uma resposta correta, um

ton irá soar e os símbolos irão mudar. Ao final da sequência, vocÊ receberá

cinco pontos se tiver completado sem nenhum erros. Se fizer um erro, irá perder

um ponto e um sinal sonoro irá soar. Após dez sequências sem erros, os

símbolos irão sumir por dez segundos e uma nova sequência irá iniciar. Cada

uma das quatro sequências são completamente separadas das outras. Pressione

os botões apenas quando a luz erde estiver ligada. Ao final da quarta sequência,

o experimento termina. Ganhará um centavo para cada três pontos que ganhou,

e você começa o experimento com cinquenta pontos.” (p. 256, tradução e grifo

nossos)

A instrução extensa apresentada aos sujeitos pode ter sido um fator interveniente,
impossível de se recriar em sujeitos animais. Durante a replicação deste experimento
através do videogame, buscamos variar a regra apresentada para investigar os possíveis
efeitos.

Recriação

A construção de um modelo de encadeamento no Portal 2® demonstrou ser um


desafio particular. Para manter os sistemas e mecânicas internos ao jogo e não
dependentes de consequências externas (e.g. vindas do experimentador), era necessário
que todos os eventos ocorressem por mediação dos operandos internos. O problema era
138

simples: uma consequência dentro do jogo (tal como a abertura de uma porta) não
poderia ser programada para acontecer depois de um sequência particular. Ou ela era
função direta de uma resposta apenas, ou de várias em nenhuma ordem particular. Essa
limitação do jogo se proveu difícil de superar, e foi necessário montar uma sala
particularmente complexa, que será descrita a seguir.

Foram utilizadas 4 salas (duas de sequência ordenada e duas de sequência reversa,


chamadas F1, F2, B1 e B2 (forwards e backwards, respectivamente), cada um composto
de 4 saguões com 4 andares cada, como visto na figura 1.

Figura 1. Visão da sala, como visto no editor de fases.

Cada saguão de 4 andares representava a sequência de 4 respostas, mas o jogador


era posicionado de forma que só precisasse responder o número requerido antes de
passar pra saguões (como descrito no método)
139

Figura 2. Visão do saguão, como visto no editor, separado de outros saguões.

Portanto, em cada andar, acontece uma resposta. Um andar é composto de uma


caixa (B), quatro slots-botão (S) que só são ativados quando uma caixa é depositada em
cima deles. Um dos slots é associado a passagem para um outro andar ou saguão,
através de uma escada que é ativada ou a abertura de uma parede de lasers ( P ). Cada
andar, ainda, possui gel colorido em suas parede para simbolizar qual nível do saguão se
está colocado - Azul para o primeiro, Laranja para o segundo, Branco para o terceiro, e
Água (que, nas configurações de jogo, é transparente e não colore o andar).
140

Figura 3. Visão de um andar, com a legenda.

Figura 4. Visão de um andar, pelo jogador, já dentro de jogo.


141

Além do slot que ativa P, os outros três ativam lasers que descendem sobre o
próprio slot e o cubo de maneira instantânea, servindo como o aviso de que é uma
resposta errada e outra precisa ser tentada. É no posicionamento de uma caixa sob um
slot que não responde com um laser imediatamente, que o sujeito prosseguir para o
próximo andar (caso ainda possuam respostas a serem emitidas nesse momento da
cadeia), para o próximo saguão (caso terminou este estágio de aprendizado da
sequência, mas não o último), ou possa sair da sala (quando completar o último estágio
de quatro respostas).

Método

Participantes

O experimento foi realizado com 8 sujeitos, divididos em 2 grupos de 4 sujeitos,


sendo que, para o primeiro grupo foi dada uma regra curta e, para o segundo, uma regra
mais longa e detalhada. Os sujeitos foram, em sua maioria, estudantes universitários
com idades entre 20 e 23 anos.

Dentre os 4 sujeitos do 1º grupo: apenas 1 declarou ter tido contato anterior com o
jogo Portal (1 ou 2), contudo, os outros 3 sujeitos revelaram ter experiência com outros
jogos semelhantes em primeira pessoa. Já entre os 4 sujeitos do 2º grupo: 1 sujeito
possuía experiência prévia com o Portal; 1 sujeito era familiarizado com outros jogos
em primeira pessoa; e os outros 2 sujeitos não tinham qualquer contato com plataformas
semelhantes.

Ambientes e aparatos experimentais

Utilizou-se, para a coleta de dados, um laptop modelo ASUS X555UB,


processador Intel Core i5 6200U, portando o sistema operacional Windows 10 Home
Edition, equipado com mouse para uso do sujeito experimental durante o experimento.
Para registro dos dados para posterior análise, utilizou-se do software de gravação de
tela Open Broadcaster. O software era iniciado antes de cada coleta e produzia um vídeo
no formato .mpeg, contendo todas as imagens da tela de jogo do participante.

Procedimento geral

Para a realização do experimento, foram utilizadas quatro salas construídas pelos


142

experimentadores no jogo Portal 2®. Cada uma delas continha uma sequência de 4
respostas a serem aprendidas por cada um dos sujeitos experimentais, sendo duas dessas
sequências aprendidas de maneira ordenada e duas de maneira reversa. As quatro
sequências eram diferentes entre si. Para garantir a ocorrência do encadeamento de
respostas, cada uma das 4 salas era composta por 4 saguões que, por sua vez, possuíam
4 andares (manipuláveis ou não).

Cada andar possuía: 1 caixa; 4 botões, espaçados em duas fileiras de duas colunas,
todos eles sinalizados por uma espécie de lâmpada em uma posição específica na
parede; e 1 porta (caso fosse o último andar manipulável do saguão) ou 1 escada (caso
fosse qualquer um dos demais andares). Além disso, cada um dos andares possuía uma
cor específica de gel na parede, que servia como um estímulo extra para o aprendizado
da cadeia, de modo que, o andar em uma mesma posição relativa (1º, 2º, 3º ou 4º)
possuía uma cor de gel padronizada presente em todos os saguões. Todo esse esquema
pode ser visualizado através das Figuras 2, 3 e 4.

Os sujeitos experimentais foram submetidos à sessão experimental única e


individual, em ambiente controlado e livre de distratores potenciais como ruídos e
interrupções. O aprendizado de cada uma das 4 sequências tinha sua duração limitada
em 15 minutos¹, a contarem a partir do momento em que o experimentador autorizava o
seu início.

Após assinar o termo de consentimento de sua participação no estudo, o sujeito


era convidado a sentar-se diante do laptop. Em seguida, eram lidas para o participante as
instruções da tarefa. Para o primeiro grupo (regra curta), era dito que se tratava de um
experimento de aprendizado de sequências, as quais ele (o sujeito) deveria aprender o
mais rápido e com o menor número de erros possível, sendo o seu objetivo final dar
todas as respostas do último saguão de cada sala, de forma consecutiva e sem cometer
erros. Também era dito que as sequências seriam aprendidas, uma de cada vez, de forma
gradual, de modo que uma resposta correta liberaria o acesso à próxima resposta, e que
atentar-se a outros estímulos presentes na sala poderia ajudar a resolver a tarefa. Todos
também receberam as instruções sobre como interagir com os objetos da sala, bem
como foram alertados aos estímulos que sinalizariam se uma resposta estaria correta ou
não, e como proceder em relação a isto.

Para o segundo grupo (regra longa), foram passadas todas as instruções dadas aos
143

sujeitos do primeiro grupo, acrescidas de algumas informações. Os participantes desse


grupo foram informados que as sequências que aprenderiam continham quatro respostas
e que, há cada novo saguão, uma nova resposta era adicionada, até que a sequência
completa pudesse ser emitida no último saguão. Além disso, os sujeitos foram
informados que a posição das lâmpadas acima dos botões ajudavam a identificá-los, e
que cada andar dos saguões possuía uma cor de gel característica.

Depois de dadas as instruções, iniciava-se, então, a gravação das imagens da tela


do laptop e, logo após, era carregada a sala experimental. Uma vez terminado esse
processo, os participantes do primeiro grupo eram autorizados a começar o
experimento. Já os participantes do segundo grupo, também iniciavam sua exploração
nessa etapa, mas após passar emitirem 1 (uma) vez todas as respostas da sequência,
outra sequência do mesmo tipo era carregada (forwards ou backwards) e, agora sim,
começava a coleta dos dados. Esse processo se repetia para cada uma das quatro
sequências.

Uma vez inserido numa sala, o objetivo do participante consistia em aprender uma
sequência de quatro respostas. Para isso, o sujeito deveria avançar pelos quatro saguões
da sala, de modo que, a cada novo saguão uma resposta inédita era adquirida. Dessa
forma, no primeiro saguão apenas um andar era manipulável - após emitir a resposta
correta o participante obtinha o acesso ao segundo saguão. No segundo, além de repetir
a resposta adquirida no primeiro saguão, o participante passa pelo aprendizado de um
novo elo da cadeia, tendo esse andar, desse modo, dois andares manipuláveis. E assim
ocorria, sucessivamente, até que no último saguão, o participante emitisse as quatro
respostas da sequência completa (as 3 adquiridas nos demais saguões e 1 inédita),
passando por todos os quatro andares.

As respostas dos participantes consistiam em colocar a caixa sobre um dos quatro


botões contidos no chão do ambiente (andar de um saguão) em que se encontravam. A
cada vez que isso se repetia, era contabilizada 1 (uma) resposta. Ao ser acionado,
apenas 1 dos 4 botões liberava o acesso do avatar do participante ao próximo ambiente.
Assim sendo, se o participante estivesse no segundo saguão e emitisse corretamente a
segunda resposta, a porta, antes obstruída por um laser (com potencial “letal” ao avatar
do participante), era liberada e o participante acessava o terceiro saguão. No entanto, ao
emitir a 2ª resposta do 3º saguão, ao invés de desbloquear uma porta, o participante
fazia elevar uma escada que lhe dava acesso ao último andar manipulável do saguão.
144

Ademais, a única resposta que liberava o acesso do participante à porta de saída da sala
era a última resposta do 4º saguão.

Para uma mesma sala e um mesmo andar, a resposta desejada sempre


correspondia ao botão localizado em uma posição análoga, independente do saguão
considerado. Por exemplo, se a resposta desejada no primeiro andar do primeiro saguão
correspondesse ao botão esquerdo traseiro, esse sempre seria o slot correspondente à
resposta desejada no primeiro andar de qualquer um dos saguões dessa sala. Além do
mais, como já foi dito, tanto os andares quanto os botões possuíam outros estímulos que
poderiam ser associados a eles (cor do gel e posição da lâmpada).

Eram consideradas como erros as respostas dos sujeitos de colocar a caixa sobre
um botão que não aquele que liberava o acesso ao próximo ambiente. Nesses casos,
além de o acesso ao próximo ambiente não ser liberado, um laser vermelho descia sobre
a caixa, sinalizando o equívoco. Ao errar, os participantes deveriam reposicionar a caixa
sobre algum dos outros botões, até que o correto fosse acionado, de forma a liberar o
acesso ao próximo ambiente. Para atenuar o viés de acaso, os erros cometidos durante a
aquisição de uma resposta inédita da sequência não foram contabilizados.

O sujeito deveria repetir a sequência da sala até emitir, sem erros, a sequência
completa de quatro respostas. Quando isto ocorria a partir da segunda tentativa (para
eliminar o viés de acaso), o aprendizado da sequência era considerado completo. Caso
contrário, ao concluir todas as respostas e deixar a sala, a sequência era
automaticamente recarregada e o avatar do participante retornava ao início, no primeiro
saguão. Esse procedimento se repetia até que o sujeito emitisse as quatro respostas do
último saguão sem erros, ou até que o limite de 15 minutos fosse alcançado. Sem
demora, uma nova sequência era carregada e, após o participante concluir as 4
sequências, a sessão era dada por encerrada.

As quatro salas eram divididas em dois modelos: duas permitiam o encadeamento


reverso e, as demais, o encadeamento para a frente. Os dois tipos de sala eram
alternados no experimento de cada um dos participantes, tendo, metade dos sujeitos de
cada grupo, começado a sessão por um dos tipos e a outra metade pelo outro. Nas salas
de encadeamento para a frente, o participante sempre acessava um novo saguão pelo
primeiro andar (inferior). No primeiro saguão, a porta de acesso para o segundo saguão
encontra-se no primeiro andar. No segundo saguão, a porta encontrava-se no segundo
145

andar, e assim por diante. Nas salas de encadeamento reverso, como o aprendizado da
cadeia se dava do último para o primeiro elo, o sujeito começava a sequência pelo
último andar (superior) e, a cada novo saguão, o seu acesso se dava através de um andar
abaixo em relação àquele no qual iniciou no saguão anterior. O resultado pode ser
melhor descrito com a ajuda das Tabelas 1 e 2.

Sequência para frente*: Sequência reversa*:


1ªR 2ªR 3ªR 4ªR 1ªR 2ªR 3ªR 4ªR

(Elo) (Elo) (Elo) (Elo) (Elo) (Elo) (Elo) (Elo)

1º saguão 1 | 1º saguão 4

2º saguão 1, 2 | 2º saguão 3, 4

3º saguão 1, 2, 3 | 3º saguão, 2, 3, 4

4º saguão 1, 2, 3, 4 | 4º saguão 1, 2, 3, 4

*Considerando uma sequência do tipo 1, 2, 3, 4.

Resultados

A qualidade do aprendizado das sequências foi medido através da quantidade de


erros. Os sujeitos do primeiro grupo foram numerados de 1 a 4 e, os sujeitos do segundo
grupo, de 5 a 8.

No grupo de sujeitos que receberam a regra curta, observou-se a não replicação


dos resultados encontrados por Weiss (1978). A Figura 1 apresenta os dados desses
sujeitos (S1, S2, S3 e S4), identificando o número de erros dos sujeitos desse grupo em
cada uma das sequências. Em conjunto, os dados desses quaro sujeitos mostra que os
número de erros no aprendizado das sequências para frente foi maior para alguns, e para
outros foi menor, em relação à quantidade de erros nas sequências reversas. Os sujeitos
1 a 4 relataram ter resolvido todas as tarefas como se fossem grandes sequências de 10
respostas, ao invés do aprendizado gradual de sequências de 4 respostas. Por
consequência, nenhum dos quatro sujeitos também percebeu a diferença da ordem de
aquisição das sequências, ou se atentaram para as posições das lâmpadas ou para a cor
do gel de cada andar.
146

Figura 1. Dados dos quatro participantes (S1, S2, S3 e S4) que receberam regra curta.

Por outro lado, os dados produzidos pelo segundo grupo de sujeitos apontam na
direção da replicação dos resultados encontrados no experimento original (Figura 2). Os
dados dos sujeitos 5, 6, 7 e 8 indicam que o procedimento de encadeamento para a
frente produziu, consistentemente, menos erros do que o de encadeamento reverso.
147

Figura 2. Dados dos sujeitos dos quatro participantes (S5, S6, S7 e S8) que receberam regra longa.

Discussão

A utilização do Portal 2® como ferramenta de pesquisa consistiu em uma


alternativa funcional ao problema da falta de opções acessíveis para a realização de
pesquisa experimental em psicologia. Por se tratar de uma ferramenta de fácil utilização,
o delineamento experimental de uma pesquisa como esta é bastante facilitado. Como
mais um ponto positivo, há de se destacar o baixo custo financeiro envolvido na
utilização do jogo como ferramenta de pesquisa. No entanto, a restrição das
possibilidades de interação aos mecanismos oferecidos por essa ferramenta se mostrou
um desafio para a criação de um modelo de encadeamento.

Os dados apontam para uma replicação dos resultados encontrados no


experimento original, sinalizando uma possível influência das instruções no
desempenho dos sujeitos. É importante notar, porém, que existem alguns fatores
intervenientes. Por exemplo, a construção das salas de maneira sequencial, sem a
presença de um estímulo marcante para sinalizar a apresentação de um novo elo da
cadeia, pode ter configurado todas as quatro sequências do primeiro grupo como
sequências longas de 10 respostas ordenadas.
148

Ainda é possível perceber a diferença significativa que uma regra longa que traga
o indivíduo sob controle de estímulos capazes de servir como discriminativos para
respostas particulares. É possível que essa relação possa explicar em partes a
superioridade do procedimento sequencial, mas outras pesquisas precisam ser feitas
para oferecer mais luz ao assunto.

Referências

Weiss, K. M. (1978). A comparison of forward and backward procedures for the


acquisition of response chains in humans. Journal of the Experimental
Analysis of Behavior, v. 29, p. 255-259.
Moreira M. B. & Medeiros, C. A. (2007). Princípios Básicos de Análise do
Comportamento. Porto Alegre: Artmed.
149

Ressurgência comportamental de R. Epstein: Como estudar a


ordenação da variabilidade

Arni Romualdo Ribeiro Silva


Diogo de Paula Sousa
Isabella Tereza Rodrigues Pires
Julio César Abdala Filho
Lara Abreu de Lima
Leonardo Murilo Leão
Samanta Alves Pereira
Sérgio Augusto Ramos França Filho
Yulla Christoffersen Knaus

Experimento original recriado:

Epstein, R. (1983). Resurgence of previously reinforced behavior during extinction.


Behavior Analysis Letter, 3, 3921-397. Disponível em:
https://psycnet.apa.org/record/1984-30645-001

Acesse os mapas em:

https://steamcommunity.com/sharedfiles/filedetails/?id=880528534
150

Antonitis (1951) diz que, em situações que um comportamento previamente


reforçado é posto em extinção - ou seja, não mais vigora uma contingência de
reforçamento, alguns padrões de comportamentos surgem, entre eles a variabilidade
comportamental. A chamada variabilidade induzida por extinção é o aumento da
probabilidade de que um organismo se comporte de uma forma anteriormente reforçada.
Essa variabilidade induzida por extinção é portanto ordenada, e essa ordem é descrita no
processo chamado de ressurgência comportamental (Epstein, 1983, 1985).

Epstein (1983) diz que a ressurgência é observada quando, em um determinado


contexto, uma determinada contingência de reforço é suspensa, e nessa situação,
comportamentos que anteriormente haviam sido reforçados nesse mesmo contexto,
tendem a recorrer. Para aprofundar a compreensão desse fenômeno, Epstein (1983)
desenvolveu um procedimento para estudá-lo em laboratório. Em um primeiro momento
(Reforçamento), ocorre o reforçamento positivo de uma resposta alvo; em uma segunda
fase (Eliminação), tal resposta deixará de ser reforçada e outra resposta, chamada de
alternativa, é reforçada. Na terceira fase ou teste (Ressurgência) as duas respostas
previamente reforçadas são postas em extinção e o fenômeno da ressurgência, então, é
observado.

Em seu estudo original, com pombos (Columba livia) mantidos a 80% do peso
Epstein (1983), teve como resposta alvo bicar o disco. Para a resposta alternativa,
determinou uma série de comportamentos incompatíveis com o bicar, variando de
animal para animal. Cada sessão durou 60 minutos. As sessões foram conduzidas em
câmaras de condicionamento operante. Seis sujeitos participaram do experimento, todos
experimentalmente ingênuos.

Os autores também apontam a importância de estabelecer uma resposta controle,


visando obter um parâmetro que diferencie respostas oriundas de uma história de
reforçamento prévio. Para a observação do fenômeno de ressurgência, a frequência das
respostas alvo deve ser maior do que o observado para as respostas controle.

Assim, o objetivo do presente capítulo foi tentar observar o fenômeno da


ressurgência comportamental, como observada por Epstein, em uma recriação de seu
procedimento para humanos, em um ambiente virtual (jogo em primeira pessoa).
151

Recriação

Foram criadas 3 (Três) salas experimentais distintas em ambiente virtual no jogo


Portal 2®. Três respostas foram escolhidas: (R1) encaixar um cubo em um orifício; (R2)
pressionar um botão e (R3), a resposta controle, disparar a arma disponibilizada no jogo
Portal 2® (Figura 1). Essa resposta foi definida assim pois servia de parâmetro para a
descrição do fenômeno como ressurgência ou simples variação do comportamento.

Figura 1. Arma disponibilizada ao jogador, que permite a criação de portais, exceto que essa função não
foi preciso para a resolução do problema.

As salas para linha de base e teste continham o cubo e orifício de encaixe (R1) e o
botão que deveria ser pressionado (R2), respectivamente (Figura 2). R3 podia ser
emitida livremente.
152

Figura 2. Mapa criado no MapMaker do jogo Portal 2®. É possível ver o cubo e o orifício de encaixe
(R1) e o botão a ser pressionando (R2).

Os primeiros três minutos da atividade experimental consistiram na linha de base,


fase na qual R1 e R2 não possuíam consequência programada. Nessa fase o participante
permanecia um total de três minutos exposto a situação experimental e, ao final do
tempo, o experimentador o retirava da sala para que fosse alterado para uma nova
condição, de reforçamento da R1. Na próxima fase, a reposta exigida para a resolução
do problema, sair da sala, foi R1. Para que o participante passasse para a próxima fase, o
critério era sair da sala três vezes seguidas. Esse critério também foi usado na condição
seguinte, a de eliminação, na qual R2 era a resposta necessária para a abertura da sala.
Nessa condição, a emissão de R1 estava em extinção, ou seja, ela poderia ser emitida,
mas a sala não se abriria.

Na Linha de Base o critério de encerramento era a permanência de 3 minutos na


sala, já na fase de Ressurgência o critério de encerramento era a permanência na sala
durante 5 minutos. Na fase de Teste ambas respostas previamente reforçadas foram
postas em extinção. Um aumento da frequência de R1, nessa fase, foi considerado
evidência de que havia ocorrido ressurgência.
153

Método

Participantes

Participaram do estudo três (3) estudantes universitários de uma instituição de


ensino particular, do sexo feminino, de diversos cursos, com faixa etária entre 18 e 29
anos.

Ambiente e aparatos experimentais

As sessões experimentais ocorreram na sala de espelho no Laboratório de Análise


Experimental do Comportamento (LAEC) na PUC/GO. As cabines tinham ar
condicionado e isolamento acústico, uma mesa, cadeira, computador usado para coleta
de dados, modelo Wix da marca CCE info Windows 7 e mouse. A sala adjacente, sala
de observação, possuía uma mesa, oito cadeiras e um ventilador.

Implementos do jogo utilizados

Para a replicação do experimento, os implementos utilizados disponíveis no jogo


Portal 2® na função MapMaker, foram um orifício de encaixe de cubo, um cubo,
plataforma suspensa, um botão em um pedestal e a arma de portal.

Procedimento geral

Ao entrar na sala o experimentador anunciava a seguinte instrução: “Seu objetivo


é passar pela porta de saída o mais rápido que conseguir. Assim que passar pela porta de
saída ou for eliminado, chame o experimentador.”. Tal instrução também ficava
disponibilizada para o participante em um papel ao lado do computador.

Foram criadas três fases diferentes, respeitando o delineamento original, com


exceção à linha de base que foi utilizada para analisar a distribuição de respostas entre
os operandos e comparar com respostas emitidas nas fases seguintes. A cada fase, o
participante era introduzido em uma sala; seu objetivo era sair, sendo que a abertura da
porta de saída era contingente a uma resposta específica.

Na fase de reforçamento, o participante era treinado a encaixar um cubo em sua


base (R1); na fase de eliminação, deveria apertar um botão. A sala era a mesma e as
respostas alvo poderiam ser emitidas nas duas fases. Entretanto, na fase 1 apenas
colocar cubo no local correto abria a porta e na fase 2 somente pressionar o botão o
154

fazia. Após o treino das fases, o participante era exposto ao teste, onde as respostas
previamente treinadas não abriam a porta, tendo tempo (5 minutos) como critério para o
final da sessão (Quadro 1). Todas as sessões foram filmadas.

Quadro 1 - Procedimento geral

Linha de Base R1 e R2 não foram reforçados.

Fase 1 Somente R1 (encaixar o cubo na base) foi


reforçado.

Fase 2 Extinção da R1 e reforçamento da R2


(pressionar o botão).

Fase 3 Ressurgência.

Análise de dados

A análise dos dados foi realizada ao fim de todo o procedimento de coleta de


dados, usando a gravação de todo o decorrer da atividade experimental. As repostas que
foram contabilizadas foram pressão ao botão, encaixe do cubo ao orifício e utilização da
arma de portais. Todos os três estímulos estavam presentes na sala em todas as
condições experimentais.

Resultados

Para o participante 1 na linha de base, observou-se sete respostas do tipo R1, de


colocar o cubo no orifício, e duas do tipo R2, pressionar o botão. Na fase de teste, foram
observadas sete R1e uma R2 (figura 3).
155

55
54
53
572
55
50
9
=
8 R1
6 R2
5 R3
4
3
72
5
0
Linha de Refor6 Eli6 Res6
Base çamen6 mi6 sor6
to nação gência

Figura 3. Frequência simples das respostas de interação com o cubo (R1) e o botão (R2) na linha de base,
reforçamento, eliminação e ressurgência para o participante 1.

Para o participante 2, um R1e três R2 na linha de base, e duas R1 e uma R2 no


teste. (Figura 4)

55
54
53
572
55
50
9
=
8 R1
6 R2
5 R3
4
3
72
5
0
Linha de Refor6 Eli6 Res6
Base çamen6 mi6 sor6
to nação gência

Figura4. Frequência simples das respostas de interação o cubo (R1) e o botão (R2) na linha de base,
reforçamento, eliminação e ressurgência para o participante 2.

Para o participante 3, três ocorrências de R1 e uma de R2 na linha de base e seis


de R1 e uma de R2 no teste (Figura 5).
156

15
14
13
12
11
10
9
8 R1
7 R2
6 R3
5
4
3
2
1
0
Linha de Base Reforçamento Eliminação Ressurgência

Figura 5. Frequência simples das respostasde interação com o cubo (R1) e o botão (R2) na linha de base,
reforçamento, eliminação e ressurgência para o participante 3.

Mediu-se também R3, atirar, chamada de controle. O primeiro participante emitiu


quinze tiros na linha de base e nove no teste (figura 3); participante 2 emitiu catorze
tiros na linha de base e um no teste (figura 4) e; participante 3, dez na linha de base e
quinze no teste (figura 5).

Foi observado então, nos três participantes, que a resposta R1 ressurgiu na sessão
de Ressurgência. Porém, observou-se também, uma alta frequência da resposta controle
(R3), nos três participantes, sendo emitida nessa mesma condição.

Discussão

O experimento de Epstein (1983) mostrou que a variabilidade observada em


pombos não acontecia de maneira aleatória, mas sim que ela possuía uma ordem
definida. Esse experimento é de grande importância na análise do comportamento, pois
demonstra que podemos, com certa precisão, prever a ocorrência de diversos
comportamentos dentro da variabilidade, pois esses não ocorrem de maneira aleatória.
No presente experimento foi realizada uma replicação desse mesmo experimento, em
humanos, fazendo uso de uma situação experimental de vídeo game. É interessante
observar que, não somente a espécie de sujeitos experimentais utilizada foi distinta do
experimento clássico, assim como o presente estudo também foi desenvolvido em
ambiente virtual, mas também que houve a adição de uma sessão de Linha de Base no
experimento.
157

Foi observado que a resposta alvo, R1, ressurgiu conforme esperado nas sessões
de teste, ocorrendo sempre em maior frequência que R2, de acordo com o descrito na
literatura (Epstein, 1983), indicando que a replicação foi bem-sucedida. Esse dado
reforça a generalidade do fenômeno, uma vez que o mesmo foi observado não somente
com outra espécie em relação ao experimento original, quanto em ambiente virtual,
validando a possibilidade de mais estudos neste tipo de plataforma experimental.

Adicionalmente, foi verificada uma alta frequência de R3 na fase de ressurgência


para todos os sujeitos, o que poderia ir contra a interpretação do observado como
ressurgência. Porém, deve ser notado que a R3 não só possui custo de resposta
extremamente baixo, como também é possivelmente reforçada pelas alterações
ambientais que a mesma gera (ruídos e luzes), embora essas não tivessem consequência
programada em relação à resolução da tarefa. É de interesse que, em futuros
experimentos utilizando esse método, que seja escolhida uma resposta controle com
custo de resposta similar à R1 e R2, e sem nenhum tipo de consequência que possa ter
algum valor reforçador não previsto.

Referências

Epstein, R. (1983). Resurgence of previously reinforced behavior during extinction.


Behavior Analysis Letter, 3, 3921-397
Epstein, R. (1985). Extinction-induced resurgence: Preliminary investigations and
possible applications. The Psychological Record, 35(2), 143-153.
Soares, P. G. Almeira, J.H. & Cançado, C.R.X. (2016). Experimentos Clássicos em
Análise do Comportamento. Brasília: Instituto Walden4.
158
159

Inferindo eventos comportamentais e ambientais a partir de eventos do


jogo Portal 2

Carlos Rafael Fernandes Picanço


Gerôncio Oliveira da Silva Filho

O registro de eventos comportamentais e ambientais é a fundação sobre a qual


ciências do comportamento têm sido construídas (e.g., Pavlov, 1927; Skinner, 1938), o
que vem permitindo descrições de como tais eventos se relacionam. Consequentemente,
uma forma de ampliar as possibilidades de estudo do comportamento envolve
desenvolver ou aprimorar fontes de dados comportamentais e seus registros. Todos os
experimentos documentados no presente livro utilizaram como estratégia de registro a
gravação da tela (i.e., da saída de vídeo do monitor do computador por meio de
programas de computador auxiliares). Em seguida, a análise de dados ocorria por
inspeção visual dos vídeos gravados dessa maneira. O presente capítulo discute uma
abordagem alternativa, o registro de eventos ocorridos internamente no jogo Portal 2®
(Valve Corporation, 2011) realizado de forma automática e em tempo real pelo próprio
jogo em arquivos de texto. Esse tipo de registro facilita o tratamento de dados, assim
como amplia as fontes de dados comportamentais disponíveis para análise.

Durante os experimentos relatados no presente livro, os participantes


comportavam-se em um ambiente virtual. Isto é, o vídeo apresentado na tela do monitor
ao participante permitia que ele controlasse o personagem no jogo usando teclado e
mouse. Instruções faziam parte do ambiente pré-experimental e tinham o objetivo de
orientar o participante sobre o problema apresentado assim como de auxiliar o uso do
computador. Porém, o comportamento verbal dos participantes não fazia parte dos fins
analíticos de cada experimento. Expressões como “comportamento do jogador”, “o
160

jogador interage”, “o personagem controlado pelo jogador”, serão usadas como uma
forma de resumir o comportamento do participante nessas condições.

De posse do registro em vídeo, eventos comportamentais ou ambientais de


interesse eram inferidos por meio de inspeção visual. O pesquisador observava o vídeo e
contabilizava manualmente a frequência e o tempo de certos eventos. Esses eventos iam
sendo categorizados à medida que eram observados, permitindo a composição das
unidades analíticas de interesse. Porém, a coleta e a análise de dados do comportamento
do jogador (ao menos em parte) pode ser automatizada por meio do registro de eventos
internos do jogo, e registrada em arquivos de texto simples.

É necessário frisar que essa forma de registro envolve um custo de


implementação. Uma contribuição do presente trabalho é reduzir esse custo, fornecendo
a) uma descrição sucinta do sistema de registro, que pode servir de base para trabalhos
futuros, b) uma implementação de um protocolo de coleta por meio de um plugin no
jogo que automatiza os passos do sistema de registro e c) um protocolo de tratamento e
análise por meio de scripts python. Com o registro automático, a inspeção visual pode
tornar-se obsoleta, contudo, a automatização nem sempre é possível e, algumas vezes,
não é desejável. No segundo caso, por exemplo, a “observação naturalística”, uma
competência esperada do analista do comportamento, envolve inspeção visual criteriosa
a despeito da possibilidade ou não de automação em um dado contexto. Portanto, o
presente capítulo propõe uma estratégia de registro automático dos eventos do jogo
como uma forma complementar ao registro observacional, e não como necessariamente
um substituto.

O presente capítulo descreve o sistema de eventos do Portal 2® e seu registro


apenas o suficiente para inferir eventos comportamentais e ambientais a partir deles.
Também descreve algumas dificuldades da estratégia de registro adotada, assim como
fornece recomendações concretas para contorná-las. Finalmente, discute-se sobre os
limites e vantagens da estratégia geral de registro adotada e suas implicações para
estudos futuros.

Portal 2: uma breve descrição

Portal 2® é um jogo de escape, com perspectiva em primeira pessoa, no qual o


jogador controla Shell, a personagem humanóide do modo de jogador único oficial
(acessível pelo item “Play Single Player” do menu principal). Essa personagem deseja
161

sair da instalação onde se encontra e para tanto segue escapando de câmaras de teste
sucessivamente. Paralelamente, é possível optar por uma modalidade de jogo diferente
na qual você cria novas câmaras de teste (acessível pelo item “Community test
chambers” ou “Câmaras de Teste Comunitárias”, do menu principal). Nessa
modalidade, você constrói mapas e cada mapa equivale a uma câmara de teste.

De forma geral, uma câmara no jogo pode ser entendida como uma caixa
problema da literatura sobre Resolução de Problemas. O planejamento do mapa da
câmara (level design) equivale ao planejamento de caixas problema na medida em que
cria barreiras entre respostas e reforço (Holth, 2008). Por exemplo, escapar da câmara
pode ser estabelecido como um reforçador final, por meio de instruções no ambiente
pré-experimental, cujo acesso pode ser obstruído de inúmeras formas. Porém, embora o
jogo tenha sido originalmente pensado como um jogo de escape, ele é suficientemente
modular e permite a investigação dos mais diversos problemas de pesquisa.

Ao optar pela modalidade de construção de mapas, o pesquisador terá ao menos


três opções. A primeira delas é usar o construtor de mapas do próprio jogo (acessível
pelo menu “Community test chambers” > “Build test chamber”), uma ferramenta mais
simples. Essa é uma opção viável para pessoas que não necessitam de customização dos
eventos do jogo e com nenhuma experiência em modelagem tridimensional e
programação de computadores. A segunda opção é usar uma ferramenta mais complexa,
o Valve Hammer Editor (também chamado de “Hammer”, acessível pelo programa
“Steam”, menu “Bibliotecas” > “Ferramentas”, item “Portal 2 Authoring Tools - Beta”,
opção “Hammer World Editor”), um programa auxiliar que acompanha o jogo e que
depende da Source Game Engine, o motor de criação do jogo. Essa opção demanda
conhecimento intermediário de modelagem tridimensional no contexto da Source Game
Engine e básico de programação por meio de scripts suportados pela plataforma. Essa
opção permite maior customização do sistema de registro e a construção de mapas
apenas com elementos definidos antes do tempo de execução do jogo. Uma terceira
opção é uma abordagem ainda mais complexa, e consiste em usar o sistema de plugins
do jogo e criar novos recursos para o jogo. Um plugin pode ser compilado, por
exemplo, com o Microsoft Visual Studio e permite implementar novas entidades,
customizar entidades existentes, customizar seus eventos e criá-las no tempo de
execução do jogo. Essa opção é recomendada apenas para pessoas que têm experiência
com linguagens de programação e com disponibilidade para compreender a arquitetura
162

de construção de jogos programaticamente.

Como pode ser notado no parágrafo anterior, as opções mais avançadas de


construção de mapas também são as opções que permitem maior customização do
sistema de registro. Porém, de acordo com nossa avaliação do sistema de eventos
padrão do jogo, a opção mais simples é suficiente para uma ampla gama de motivos de
pesquisa. Portanto, recomendamos iniciar a construção de um mapa pela opção mais
simples, avançando para as opções mais complexas de acordo com a necessidade.
Adicionalmente, uma vez que o plugin modificado por nós foi disponibilizado por meio
de uma licença permissiva, ele pode ser usado livremente (tal como descrito na seção
“Automatizando o protocolo de coleta” a seguir), o que facilita ainda mais a execução
da rotina de registro descrita na seção “Habilitando o registro de eventos no console” a
seguir.

O sistema de registro de eventos do Portal 2

Independente de qual modalidade de jogo se escolha, ter conhecimento sobre as


entidades presentes no mapa de interesse é fundamental para a compreensão de quais
eventos serão registrados pelo jogo e se há ou não a necessidade de maior customização
do sistema de registro. De forma simplificada, uma “entidade” é um módulo no jogo
composto por um estado, um método de entrada e outro de saída. Dentro de uma câmara
de testes, são justamente informações chave trocadas entre entidades por meio de seus
métodos que constituem o registro.

As entidades que têm representação visual dentro do jogo são chamadas Entidades
Modelo, o jogador normalmente interage com elas a fim de escapar de uma câmara de
testes e parte dessa interação pode ser registrada na forma de mensagens no console do
jogo. Como o personagem controlado pelo jogador possui representação visual, o
personagem também é uma Entidade Modelo. Outros exemplos de Entidades Modelo
são botões, cubos, portas e portais. Outro tipo comum de entidade é a Entidade Lógica
que não tem representação visual no jogo (embora ela possa mudar a representação
visual de uma Entidade Modelo). Uma Entidade Lógica é ativada quando certas
condições no jogo são atendidas, por exemplo, no começo de cada mapa ou
periodicamente de acordo com um contador de tempo. (Para uma lista completa das
entidades: https://developer.valvesoftware.com/wiki/List_of_Portal_2_Entities)

Neste capítulo, a estratégia adotada consistiu de usar comandos de console do


163

próprio jogo que habilitam mensagens (de entidades) nesse console e as salvam em um
arquivo de texto. Uma série de comandos que habilitam mensagens no console foi
escolhida e organizada na forma de um protocolo de coleta de dados, com comandos
que devem ser executados no início de cada sessão. O reinício ou finalização de uma
câmara de testes demarca o final da sessão e interrompe a escrita no arquivo de dados.
Dessa forma, cada nova sessão possui um arquivo de texto com o registro de eventos
correspondentes. A seguir, descrevemos como usar o console na seção “Usando o
console” e o que cada comando de nosso protocolo fazia nas seções “Habilitando o
registro de eventos no console” e “Exportando os eventos do console para um arquivo
de texto”.

Usando o console

O console é uma interface que permite o usuário executar comandos de texto.


Esse recurso está disponível em todos os jogos que utilizam a ferramenta de
desenvolvimento de jogos da Valve, a chamada Source Game Engine. Em tese, o
protocolo pode ser aplicado a outros jogos, porém nós não testamos essa possibilidade.
Os jogadores mais experientes usam o console constantemente para fazer pequenas
modificações nas condições de jogo.

É necessário habilitar o console antes de usá-lo, pois por padrão ele não vem
habilitado no jogo. Para isso, clique em “Options” (Opções) no menu principal, em
seguida clique em “Keyboard/Mouse” (Teclado/Mouse), e então certifique-se de que a
opção “Allow Developer Console” (Permitir console de desenvolvedor) esteja
selecionada com “Enabled” (Ativado). Depois de habilitá-lo, basta apertar a tecla <‘>
para abrir o console (a tecla está localizada no canto superior esquerdo do teclado logo
acima da tecla <tab>). Para executar um comando, digite o texto do comando que
desejar executar e apertar a tecla <enter>. (Comandos básicos para inspeção de
informações do jogo podem ser encontradas em
https://developer.valvesoftware.com/wiki/Developer_Console.).

Habilitando o registro de eventos no console

O comando “net_showevents 1” habilita o registro de uma série de eventos que


podem ser relevantes para uma pesquisa em análise do comportamento, por exemplo:
164

 Quando o jogador interage com uma entidade no jogo apertando a tecla

<e>;

 Quando o jogador se aproxima e vê uma entidade pela primeira vez;

 Quando o jogador solta uma entidade;

 Quando o jogador dispara um portal;

 Quando o jogador entra em um portal.

O comando deve ser executado sempre que uma câmera de testes for iniciada, isto
é, no início de cada sessão experimental. Os eventos de jogo habilitados por esse
comando serão mostrados no console seguindo o padrão ilustrado na Figura 1:

Game event "<nome do evento>", Tick <tempo em segundos * 60>:

- "<nome da chave 1>" = "<valor 1>"

- "<nome da chave 2>" = "<valor 2>"

...

- "<nome da chave n>" = "<valor n>"

Figura 1. Padrão de um evento do jogo tal como registrado no console após o comando “net_showevents

1” ser habilitado.

A Figura 1 mostra de forma abstrata que cada evento possui um nome (ilustrado
pelo texto <nome do evento>), um tempo de base sexagesimal (ilustrado pelo texto
<tempo em segundos * 60>) e um conjunto de pares que incluem chave e valor
respectivo. O número total de pares de um evento variam assim como as informações
contidas em cada par. Com o objetivo de permitir a leitura dos eventos do jogo, alguns
exemplos concretos são apresentados a seguir.

Game event "player_landed", Tick 668:

- "userid" = "2"

Figura 2. Exemplo de um evento do jogo quando o jogador toca no piso de uma câmara de testes.

A Figura 2 mostra que o evento player_landed ocorreu aproximadamente 11.13 s


após o início da câmara de teste (668 divido por 60 é igual à 11.133...). Esse evento
ocorre quando um jogador toca o piso da câmara. A Figura 2 mostra que o jogador com
165

a userid número 2 tocou o piso naquele tempo.

Game event "player_use", Tick 5768:

- "userid" = "2"

- "entity" = "872"

Figura 3. Exemplo de um evento do jogo quando o jogador usa uma entidade.

A Figura 3 mostra que o evento player_use ocorreu aproximadamente 93.13 s


após o início da câmara de teste (5768 divido por 60 é igual à 93.133...). Esse evento
ocorre quando um jogador pressiona a tecla <e> próximo o suficiente de uma entidade
que pode ser “usada”. A Figura 2 mostra que o jogador com a userid número 2 usou a
entity (entidade) identificada pelo índice 872. As entidades de uma câmera de teste são
indexadas e, caso haja necessidade de identificação do nome da entidade usada, a
associação entre índice e nome da entidade pode ser mostrada no console por meio do
comando find_ent_index <índice>. Nesse exemplo, o comando find_ent_index 872
retornaria uma mensagem semelhante à:

'prop_button' : 'button-8' (entindex 872)

Essa mensagem mostra que o nome (genérico) da classe da entidade usada era
prop_button (um botão) e que o nome específico do botão usado era button-8. Para
listar todas as entidades do tipo botão você pode executar o comando find_ent
prop_button.

A Figura 4 mostra um exemplo de um evento que registra quando um jogador se


aproximou de uma entidade mantendo ela visível na tela.

Game event "entity_visible", Tick 2130:

- "userid" = "2"

- "subject" = "872"

- "classname" = "prop_button"

- "entityname" = "button-8"

Figura 4. Exemplo de um evento do jogo quando o jogador se aproxima de uma entidade mantendo ela

no campo de visão.

A Figura 4 mostra que o evento entity_visible ocorreu aproximadamente 35.5 s


166

após o início da câmara de teste (2130 divido por 60 é igual à 35.5). O jogador com a
userid número 2 se aproximou da entidade de nome button-8, a classe dessa entidade
era prop_button e seu índice era 872.

Como o volume de informações acumuladas no console é grande, as mensagens


de interesse devem ser exportadas, filtradas e tabuladas, pois isso facilita sua análise. A
exportação pode ser feita facilmente por meio de um comando de console e o processo
de tratamento pode ser automatizado, por exemplo, usando scripts python. Exemplos
concretos de cada etapa são apresentados a seguir.

Exportando os eventos do console para um arquivo de texto

Uma vez que os eventos já estejam sendo registrados no console, é possível criar
um arquivo de texto com essas informações. O comando “con_logfile <nome do
arquivo>” gera um arquivo de texto com o nome escolhido na pasta de origem do jogo.
Por exemplo, no sistema operacional Windows 10 o local de origem padrão é:

C:\Program Files\Steam\Portal 2\portal2\

É importante observar que esse arquivo é atualizado em tempo real. Isso significa
que só são adicionadas ao arquivo as mensagens que foram enviadas ao console depois
que o comando foi executado, sendo assim, esse comando também deve ser executado
no início de cada sessão experimental.

Uma outra forma de gerar o arquivo de texto com os eventos é executar o


comando con_logfile <nome do arquivo> no início da visualização de um arquivo
demo. Arquivos demo possuem extensão .dem e são um registro completo e econômico
de um momento no jogo. A gravação de um arquivo demo pode ser iniciada com o
comando de console record <nome do arquivo>. A gravação é encerrada
automaticamente ao final de uma câmara ou manualmente com o comando stop. Após a
gravação, é possível visualizá-la com o comando playdemo <nome do arquivo> (para
mais informações sobre a gravação de arquivos demo ver
https://developer.valvesoftware.com/wiki/Demo_Recording_Tools)

O arquivo de texto gerado através dos procedimentos relatados contém os eventos


de interesse, mas também muitas outras informações referentes ao jogo. Nessa
circunstância, é necessário filtrar as informações de interesse e organizá-las para
facilitar a análise. Usando um programa escrito em Python foi possível extrair as
167

informações que seguem o padrão de eventos apresentado anteriormente na seção


“Habilitando o registro de eventos no console” e organizá-las em um formato de tabela
que facilita a análise de dados. O script escrito por nós, juntamente com instruções e
exemplos concretos de como usá-lo, pode ser encontrado no endereço:

https://github.com/ourlearningbox/portal2mod/blob/master/code/pyt_scripts/portal2csv.

py

Automatizando o protocolo de coleta

Como mencionado anteriormente, modificamos um plugin existente com o


objetivo pontual de automatizar o protocolo de coleta. O plugin original pode ser
encontrado no endereço https://github.com/NeKzor/SourceAutoRecord e foi pensado
para a gravação automática de SpeedRuns. Para o nosso objetivo pontual, modificar um
plugin existente mostrou-se mais econômico do que iniciar um novo plugin do zero. O
arquivo compilado do plugin modificado por nós pode ser encontrado no endereço:

https://github.com/cpicanco/SourceAutoRecord/releases/download/v0.1/sar.dll

Esse arquivo deve ser copiado para a pasta C:\Program Files\Steam\Portal 2\bin e
ser carregado dentro do jogo por meio do comando load_plugin sar. O plugin
disponibiliza um novo comando de console que pode ser usado na forma log_session
<nome do participante>. Esse comando impede que os arquivos de dados de uma
sessão sejam subscritos, atribuindo uma data e um identificador único para cada
arquivo. Ele também executa os comandos previamente apresentados que devem ser
executados no início da sessão (net_showevents 1, con_logfile <nome do arquivo> e
record <nome do arquivo>), tornando mais simples, padronizada e segura a execução do
protocolo de coleta. Dessa forma, tudo o que o pesquisador deve fazer no início de uma
sessão é carregar o plugin e executar o comando com o nome do participante.

Perspectivas futuras

Como previamente sugerido, a construção de um mapa deve iniciar com a opção


mais simples, usando o construtor de mapas embutido no jogo, e avançar para opções
mais complexas apenas quando essa opção se mostrar insuficiente. O sistema de registro
até então descrito é perfeitamente suficiente para muito motivos de pesquisa, porém a
posição espacial (coordenadas x, y e z) e o ângulo de visão (alfa, beta e gama) do
personagem controlado pelo jogador não é registrada por nenhum dos comandos
168

mencionados. Uma forma de registrar essa informação é executar o comando spec_pos


de forma periódica (por exemplo, de segundo a segundo) através de uma Entidade
Lógica criada usando o editor de mapas que acompanha o jogo, o Hammer. Caso a
granularidade de um segundo não seja o suficiente, uma outra alternativa é criar um
plugin que execute esse comando com a granularidade desejada, sendo que o máximo
possível seria executar o comando frame a frame. Considerando que a execução frame a
frame de um comando possui efeitos negativos sobre a performance do jogo (o que
pode tornar essa estratégia inviável com computadores com pouco poder de
processamento), recomendamos a criação de um plugin que execute o comando post
facto e não em tempo real, por exemplo, durante a visualização de arquivos demo.

Como previamente observado, o Portal 2® possui um editor de mapas que é


bastante amigável para usuários leigos, porém mais limitado na extensibilidade. Com o
Hammer, ao contrário, é possível criar mapas bem mais elaborados, por outro lado ele
tem uma interface bem menos amigável para usuários leigos. Contudo, também é
possível criar mapas utilizando o editor de mapas embutido no jogo e depois editar
apenas o essencial utilizando o Hammer. Um recurso do Hammer que pode ser útil para
a análise de dados é a possibilidade de renomear as entidades. Caso as entidades não
sejam renomeadas elas recebem um índice e um nome aleatório. Essa característica
dificulta a inspeção dos dados e, a depender do mapa em questão, pode ser demorado
descobrir que número corresponde a cada nome de entidade.

Organizar fontes complementares de dados (como a frequência e o tempo de


eventos, a posição espacial e o ângulo de visão do personagem) permite a análise
conjunta desses dados. O interesse na análise conjunta de múltiplas fontes de dados
comportamentais está alinhado com o interesse na sofisticação de predições do
comportamento. Um princípio cumulativo, segundo o qual quanto mais dados melhores
são as predições, tem orientado o florescimento de diversas tecnologias de ponta e o
chamado Big Data. Áreas como o aprendizado de máquina (Machine Learning) e a
mineração de dados (Data Mining), possuem como fato o aumento preditivo dos
modelos quando há o aumento da base de dados. Empresas que trabalham com a venda
de anúncios personalizados na internet (e.g., Facebook e Google), empresas que
fornecem serviços de GPS, os esforços empreendidos para a predição do tempo, a
predição de doenças genéticas, a predição de infecções em leitos de hospitais, são
apenas alguns dos exemplos vivos e em plena atividade que corroboram tal princípio
169

cumulativo.

No sentido da análise conjunta de múltiplas fontes de dados, outras formas


complementares de registro que podem ser analisadas em estudos futuros de forma
conjunta no contexto do comportamento de jogar incluem: a) gravações em vídeo de
movimentos oculares do participante; b) expressões faciais; c) posturais; d) batimentos
cardíacos; e) resposta galvânica da pele; f) eletroencefalogramas; g) registro em áudio
de comportamento verbal; h) registro qualitativo de informações do participante por
meio de questionários ou entrevistas. O registro de tempo no jogo Portal 2® permite tal
sincronização, porém Portal 2® pode impor dificuldades de sincronização, pois é um
jogo arquitetado para o ambiente de redes (para detalhes, ver
https://developer.valvesoftware.com/wiki/Latency_Compensating_Methods_in_Client/
Server_In-game_Protocol_Design_and_Optimization).

Embora a documentação sobre o jogo seja farta para questões básicas


(https://developer.valvesoftware.com/wiki/SDK_Docs), de fato, uma dificuldade
encontrada ao longo da preparação do presente trabalho foi a pouca ou inexistente
documentação oficial sobre funções e recursos avançados do jogo em questão e da
Source Game Engine. A documentação existente encontra-se em uma wiki, um meio
que depende de voluntários para manter-se atualizado, ou ainda espalhada por fóruns e
repositórios de terceiros. Adicionalmente, embora extensível por meio da Source SDK,
trata-se de jogo comercial fechado, o que dificulta o acesso a partes importantes do
conhecimento necessário para um processo de desenvolvimento ágil de recursos para o
jogo. Portanto, reiteramos cautela ao optar por estratégias mais complexas de
construção de mapas e funcionalidades para o jogo.

Referências

Holth, P. (2008). What is a problem? Theoretical conceptions and methodological

approaches to the study of problem solving. European Journal of Behavior Analysis,

9(2), 157–172. https://doi.org/10.1080/15021149.2008.11434302

Pavlov, I. P. (1927). Conditioned reflexes: an investigation of the physiological activity of

the cerebral cortex. Oxford, England: Oxford Univ. Press.

Skinner, B. F. (1938). The behavior of organisms. New York, London: D. Appleton-


170

Century Company, incorporated.

Valve Corporation (2011). Portal 2 [Formato para computador pessoal]. Bellevue,

Washington: Valve’s Steam.


171

O uso de videogames como plataforma para compartilhamento de


dados e como veículo para promoção de ciência cidadã

Luiz Henrique Santana

Construir uma psicologia científica é um desafio e tanto. Cada pessoa tem uma
familiaridade com seu próprio mundo privado e anos de história de vida em que aprende
a falar sobre a mente e o comportamento sob a ótica, os termos e as causas que se
concebe no senso comum. Contudo, educar em psicologia experimental pode ser um
desafio ainda maior.

Como toda prática científica, a psicologia experimental é um conjunto de práticas


e conceitos que utiliza o método experimental como base para testar seus próprios
limites e identificar relações entre eventos. No laboratório, nos deparamos
constantemente com evidências que contradizem nossa intuição, nossos julgamentos de
valor e/ou de realidade. Contudo, a robustez dos dados gerados pelo cuidado aos
procedimentos e pela atenta observação costuma – de modo geral – nos confrontar com
as limitações e erros de nossas opiniões anteriores e, assim, modifica nossa forma de ver
e falar sobre o mundo e sobre nós mesmos.

Ao ensinar psicologia experimental, no entanto, nem sempre temos condições de


experimentar essa vivência do laboratório. As condições com que entramos em contato
com a psicologia experimental – usualmente como uma disciplina ou atividade
obrigatória, altamente roteirizada e desconectada do percurso acadêmica e interesses
dos estudantes – muitas vezes favorece o desinteresse e desengajamento dos alunos, o
que torna a rotina de sala de aula enfadonha e desimportante (West & Pateman, 2016).

Essas condições desfavoráveis se repetem a cada novo período letivo e – se não


são causa direta do desconhecimento por parte dos alunos e profissionais de psicologia
172

acerca das bases empíricas e tradições de pesquisa que moldaram seu campo de atuação
e estudo – são, ao menos, parte do problema ao tornar o contato com a ciência algo
frustrante e burocrático. Isto torna-se ainda mais relevante dentro de uma realidade
social em que a desinformação e o compartilhamento de notícias falsas e enganadoras
prolifera e cria raízes entre a vida cotidiana das pessoas e das instituições.

Reinventar o ensino das bases científicas da psicologia serve não apenas à


formação do profissional Psicólogo, mas à educação das pessoas e, em última instância
ao exercício pleno da cidadania, na medida em que permite reconhecer fatos, reconhecer
fontes consistentes e confiáveis, fortalece uma postura cética e atenciosa no trato das
opiniões e ideologias e fomenta o uso de evidências e do diálogo na tomada de decisões.

O projeto de recriar experimentos clássicos da psicologia pelo uso de jogos


eletrônicos é uma ideia cujo potencial se está apenas começando a se explorar com esta
iniciativa. Embora não seja a primeira de seu tipo, no que se refere ao uso de
videogames, ela tem como mérito o potencial transformador não apenas pela
metodologia que emprega, mas pelas ideias que nutre e sobre as quais se sustenta. Meu
objetivo aqui é estabelecer um recorte que apresente dois potenciais a serem explorados
a partir deste trabalho e que estão diretamente dentro da proposta original apresentada
nesta obra. A primeira delas trata da possibilidade de manter um banco de dados aberto
ao acesso público e capaz de ser continuamente alimentado com novas informações
coletadas em laboratórios situados em diferentes locais e instituições espalhados pelo
Brasil e pelo mundo. A segunda trata do potencial de uso desses dados para se promover
a prática da ciência psicológica cidadã.

Chama-se ciência cidadã à prática de tornar a coleta, análise e/ou interpretação de


dados um processo público, coletivo e educativo. Ao utilizar o videogame, este projeto
de replicação usa uma plataforma digital flexível para preparação de tarefas e arranjos
experimentais variados. A própria interface do jogo permite o registro preciso, padrão e
automático do tempo de resolução, percurso e registro audiovisual de cada sessão
experimental. Essa padronização facilita a comparação de dados entre grupos e sujeitos
e facilita a construção de uma base de dados online, integrando experimentos de
múltiplos lugares, com o mesmo sistema de registro, e permitindo – ao mesmo tempo –
o acúmulo de dados e o teste de replicabilidade dos experimentos clássicos em
diferentes contextos e com grandes amostras (Frank & Saxe, 2012). Como seria
possível, então, replicar em larga escala esse conjunto de trabalhos? Uma resposta
173

possível é a replicação destes experimentos em outras salas de aula de Psicologia


Experimental, com os alunos assumindo o papel de experimentadores.

Os cuidados éticos na implementação de práticas de ciência cidadã traz desafios


inerentes (Whyte & Pryor, 2011) – dado o compartilhamento de informações entre
múltiplos centros e seu acesso aberto –, mas a própria plataforma do jogo pode permitir
a coleta anônima de dados e o devido controle bioético pode ficar facilitado pela
padronização dos procedimentos de coleta e registro de dados mesmo assumindo que a
pesquisa se daria de maneira multicêntrica.

O uso do jogo em si tem potencial para aumento do interesse e engajamento dos


alunos nas atividades práticas de experimentação (Bowser, 2013; Rotman et al., 2014;
Curtis, 2015). A aplicação dos experimentos entre os próprios alunos e/ou com a
comunidade universitária e externa pode ter um efeito duplo: 1. Reduzir o uso de
animais de experimentação – usualmente roedores – para fins de ensino, em
conformidade com as diretrizes bioéticas internacionais para pesquisa com animais
(Ferdosian & Beck, 2011); 2. E promover o debate e divulgação das bases científicas da
psicologia não apenas entre alunos de Psicologia Experimental, mas também entre a
comunidade envolvida nos projetos. O nível de engajamento dessa população nos
projetos, pode – inclusive – ir para além da simples participação na coleta de dados.

De fato, para tornar esta iniciativa uma boa prática em ciência cidadã,
disponibilizar os dados para acesso, ensinar os participantes a entender e manipular os
dados brutos e auxiliá-los na análise exploratória dos dados são todos exemplos de
como aproximar a comunidade da rotina científica e educar sobre o que faz um cientista
e como ele procede no tratamento da informação.

O compartilhamento e publicitação de bancos de dados científicos brutos é uma


tendência que surgiu nas últimas décadas em decorrência do grande acúmulo de dados
promovido pelo desenvolvimento e disseminação de técnicas informacionais de
produção e gestão de dados científicos (Jen, He & Oh, 2016). Sua utilização neste
projeto serve não apenas como o início de uma experiência de compartilhamento, mas
como um convite e estímulo a construção coletivo de conhecimento científico em
psicologia no Brasil e América Latina, visando o fomento de práticas científicas e
profissionais baseadas em evidência.

O uso de plataformas digitais integradas à rede mundial de computadores teve


174

grande impacto na produção, publicação e compartilhamento de informações científicas


nesse último meio século (Whyte & Pryor, 2011). Seu uso redimensionou os processos
de produção, educação e divulgação científica e teve papel fundamental na facilitação
do acesso à informação científica qualificada (Whyte & Pryor, 2011). O próximo passo
no processo de democratização do conhecimento científico é, de fato, criar práticas
novas que integrem o fazer científico ao cotidiano das pessoas e que tornem a ciência
uma prática social universalmente acessível.

Não estamos no século XIX, as transformações sociais do século XX e XXI nos


ensinaram sobre o potencial bélico e coercitivo do conhecimento científico ao custo de
grande estigma sobre o papel social do cientista e o perigo que o emprego tecnológico
do conhecimento científico pode representar quando ele é produzido e gerido por grupos
pequenos e não representativos da diversidade sociocultural humana.

Contudo, a ciência é uma prática social cujo potencial transformador é imenso e


inesgotável. Sua capacidade de reorganização, sua exposição ao escrutínio público, sua
insubordinação à autoridade e subordinação às mudanças e fatos do mundo fazem dela
um dispositivo social de transformação pelo esforço coletivo e acúmulo histórico de
conhecimento (Bourdieu, 1997). A inciativa começada por este projeto, nos aproxima
de uma prática científica educativa, transformadora e universal à medida que indica um
caminho possível para construção coletiva do e gestão cidadã da informação e dos
meios de conhecimento.

A Psicologia como uma ciência do comportamento, tem irrevogável função


mediadora do debate e da investigação sobre processos básicos e complexos que geram,
modulam, controlam (e libertam) o ser humano em sua interação com o ambiente físico
e social. Nos permite entender e circunscrever o papel dos determinantes hereditários e
culturais sobre nossas condutas, opiniões e valores, e busca compreender nosso
potencial criador, destrutivo, histórico, inventivo, cooperativo e competitivo. E, acima
de tudo, ela nos apresenta um ponto de vista que nos possibilita nos reconhecer no
mundo e nos outros e assim, modificar o mundo para modificar a nós mesmos.
175

Referências

Bourdieu, P. (2003). Os Usos Sociais da Ciência: por uma sociologia clínica d ocampo
científico. São Paulo: UNESP. Publicado originalmente em 1997.
Bowser, A., Hansen, D., He, Y., Boston, C., Reid, M., Gunnell, L., Preece, J. (2013).
Using gamification to inspire new citizen science volunteers. Gamification, 13.
DOI: 10.1145/2583008.2583011.
Curtis, V. (2015). Motivation to Participate in an Online Citizen Science Game: A
Study of Foldit. Science Communication, 37(6), 723-746.
Ferdowsian, H. R., & Beck, N. (2011). Ethical and Scientific Considerations Regarding
Animal Testing and Research. PLoS ONE, 6(9), e24059.
http://doi.org/10.1371/journal.pone.0024059
Frank, M. C., Saxe, R. (2012). Teaching Replication. Perspectives on Psychological
Sciences, 7(6), 600-604.
Funke, J. (2017). Citizen Science and Psychology: An Evaluation of Chances and Risks.
HDJBO, 2. DOI: 10.17885/heiup.hdjbo.2017.0.23690.
Jeng, W., He, D., Oh, J. S. (2016). Toward a Conceptual Framework for Data Sharing
Practices in Social Sciences: A Profile Approach. Asist, 14-16
Rotman, D., Hammock, J., Preece, J., Hansen, D., Boston, C., Bowser, A., & He, Y.
(2014). Motivations Affecting Initial and Long-Term Participation in Citizen
Science Projects in Three Countries. In: iConference 2014 Proceedings, 110–
124. DOI:10.9776/14054
West, S., Pateman, R. (2016). Recruiting and Retaining Participants in Citizen Science:
What Can Be Learned from the Volunteering Literature? Citizen Science:
Theory and Practice, 1(2), 1–10, DOI: 10.5334/cstp.8.
Whyte, A., Pryor, G. (2011). OPen Science in Practice: Researcher Perspectives and
Participation. The International Journal of Digital Curation, 1(6), 199-214.
176

Cultura e videogames: A arte, o entretenimento e o esporte do século


XXI

Alberto Santos

"Um dia, o pacífico Reino dos Cogumelos foi invadido pelos


Koopas, uma tribo de tartarugas famosas pelo uso de magia
negra. Os pacíficos e calmos habitantes do reino foram
transformados em pedra, barro e mesmo em flores pelo
caminho. Assim, o Reino entrou em ruína. A única pessoa que
pelo menos tenta enfrentá-los é Princesa Peach, filha do rei do
local. Mas infelizmente, ela está sendo mantida em cativeiro
pelo rei dos koopas: Bowser que quer se casar com ela para
poder virar Rei do seu reino. Sabendo disso, um encanador
chamado Mario decide que irá salvar a princesa e assim libertar
todos os habitantes do reino…"

Se você, leitor ou leitora, reconheceu de alguma forma o jogo ao qual a história


acima se refere, provavelmente fazemos parte de um mesmo fenômeno da natureza,
produto da interação homo sapiens e ambiente.

Além disso, mesmo que a história acima não lhe seja particular, várias outras
histórias podem ser! Seja ela a saga de um humano que batalha contra deuses, um tal de
Kratos. Seja do Porco Espinho azul que corre atrás das Chaos Emerald coletando anéis
de ouro e lutando contra as armadilhas de Mr Eggman. E, até mesmo, sendo o herói um
lutador cujo melhor amigo se chama Ken Masters ou apenas um piloto de Fórmula 1 em
busca do pódio. Se ainda não leu algo que lhe parecesse particular, não se preocupe.
177

Para Skinner (1953) quando certos aspectos do ambiente social são peculiares a
um dado grupo, esperamos encontrar certas características comuns do comportamento
de seus membros.

As discussões a seguir podem sugerir que somos, ou seremos, parte de um número


de indivíduos que conhecem um pouco de jogos, fliperamas, Super Mario Bros, League
of Legends etc.

Num emaranhando de práticas e fazeres, que hoje constituem a cultura Gamer, o


objetivo deste texto não é discutir mocinhos e bandidos de todas as histórias, mas sim,
entender como e o que inspirou, ou pode ter inspirado, iniciativas individuais que
tomaram proporções gigantescas a ponto de influenciar toda uma geração em prol da
tecnologia, diversão e inspiração e, atualmente, esportes.

Que atire a primeira pedra quem nunca sentiu aquela sensação nostálgica ao ouvir
temas clássicos de games como Pac Man, Sonic ou Super Mario Bros. Até mesmo a
experiencia provocada pela imersão num mundo de aventuras épicas proporcionados
por jogos que exploram a fantasia, novos planetas ou universos paralelos que podem
habitar o imaginário de cada pessoa desde sua infância.

O que hoje conhecemos por “Universo dos Games” ou “Cultura dos Games”, teve
um início tímido, numa época que a tecnologia atual era um futuro bem distante.
Práticas, invenções e o modo como as culturas pré gamers foram sobrevivendo
culminou num fenômeno que não seleciona idade, etnia ou religião. Se tornou indústria
de serviços, consumo, entretenimento e até esportes. Quais foram essas transformações?
Como algo restrito a nerds venceu barreiras e se tornou algo de tantos fãs?

Cultura, para a análise do comportamento, é o termo usado para designar práticas


de um grupo ou sociedade, cujo objetivo é garantir a sobrevivência dos membros de
uma determinada espécie. É um conjunto particular de condições na qual muitas pessoas
se desenvolvem e vivem. Essas condições geram os padrões ou aspectos do
comportamento (Skinner 1953). Avisos, dicas, conselhos e outros comportamentos que
tem por objetivo garantir que o indivíduo não entre em contato com contingências que
coloquem em risco sua integridade, ou evite a produção de respostas que o coloquem
em contato condições aversivas, também são práticas que buscam garantir a
sobrevivência de uma cultura e seus indivíduos. O que se entende por usos e costumes é
o ponto de partida para compreendermos o fenômeno “Cultura”.
178

“O que o homem come e bebe, e como o faz, os tipos de


comportamento sexual em que se empenha, como constrói uma
casa, ou desenha um quadro, rema um barco, os assuntos sobre
os quais fala ou cala, a música que compõe, os tipos de relações
pessoais que tem, e os tipos que evita - tudo depende em parte
dos procedimentos do grupo de que é membro. Os usos e os
costumes vigentes em muitos grupos, é claro, têm sido
extensamente descritos por sociólogos e antropólogos.”
(Skinner, 1953, p. 451)

Em 1981 Skinner publicou na revista Science sua concepção sobre os chamados


níveis de seleção. O primeiro nível de seleção, de modo geral, pode ser entendido como
a variação genética sendo selecionada pelo ambiente, ou seja, a forma, o funcionamento
biológico, comportamentos inatos e classes semelhantes de características de todo
organismo vivo, resultantes da relação entre organismo e um ambiente em constantes
mutações – A própria seleção natural das espécies, teoria construída por Charles Darwin
e adotada pelo Behaviorismo Radical. Então, por variação genética podemos temos o
próprio “aprimoramento” de espécies na sua relação de sobrevivência com o ambiente,
musculatura, forma e etc. A seleção Filogenética.

Já o segundo nível de seleção é o comportamento operante, ou seleção


Ontogenética (Skinner 1981). Segundo Catania (1999) são os comportamentos que o
indivíduo aprende ao longo de sua vida, para comer, perpetuar a espécie e encontrar
soluções para os problemas. Esses comportamentos, caso sejam passados para outros
indivíduos de alguma forma, podem se tornar uma prática. Caso contrário tais
comportamentos desaparecem junto com o indivíduo.

O terceiro nível de seleção por consequências formulado por Skinner (1981), é a


seleção de práticas individuais pelos ambientes sociais e culturais.

“A cultura evolui a partir de práticas que de alguma maneira


contribuem para o sucesso de um grupo. O que um grupo adota
como prática de sobrevivência, ou comportamentos que garantam a
frequência de acesso a reforçadores comuns, são selecionados pelos
seus efeitos no grupo e não por consequências reforçadoras para
179

poucos membros” (Skinner 1981).

Às tais práticas as quais se refere Skinner (1981) se iniciam na relação entre o


indivíduo e ambiente e o processo presumivelmente se inicia no nível do indivíduo.

“Uma melhor maneira de fabricar uma ferramenta, de produzir


alimentos ou de ensinar a uma criança é reforçada por suas
consequências – respectivamente, a ferramenta, os alimentos ou
uma ajudante útil. A cultura evolui quando práticas que se originam
dessa maneira contribuem para o sucesso de um grupo praticante
em solucionar os seus problemas.” (Skinner, 1953, p. 502)

A cultura dos videogames

Por delimitação histórica e aproximações, tentaremos organizar algumas das


possíveis condições que atribuíram valor reforçador às consequências que propiciaram e
fomentaram as iniciativas individuais que resultaram, no que para nós foi, no primórdio
dos videogames

De modo conveniente o marco aqui adotado como a base da cultura gamer será o
mesmo utilizado por Valin (2013), o momento em que os lucros, produto da
fabricação/criação dos consoles, tornaram-se significativos a ponto de constituir-se uma
indústria.

A história do fliperama de bar, os Arcades, se confunde com a história do vídeo


game caseiro. A primeira máquina de fliperama foi lançada em 1971 por pesquisadores
da Universidade de Stanford, o Computer Space (Goldberg, 2011). A interação com a
máquina tinha como base um enredo em que o jogador controlava uma espaçonave, cujo
objetivo final seria destruir objetos e inimigos.

Embora muitos acreditem que o Atari seja o primeiro vídeo game inventado, o
primeiro aparelho surgiu em 1966 pelas mãos de um homem chamado Ralph Baer.
(Goldberg, 2011). Baer trabalhava como inventor e tinha contrato com o Departamento
de Defesa dos Estados Unidos, seu trabalho envolvia principalmente o desenvolvimento
de radares submarinos eletrônicos de defesa militar. Desde o rascunho inicial, em 1951,
até o desenvolvimento do aparelho foram 15 anos. Após a venda do projeto do Brown
box, produzir em larga escala ficou nas mãos da empresa Magnavox sendo
180

comercialmente chamado de Odissey 100.

No ano de 1972, região do vale do silício – Califórnia, nasce uma das mais
tradicionais e importantes empresas para a indústria do vídeo game, a Atari. Fundada
por Nolan Bushnell e Ted Dabney. a ascensão da Atari teve início com a construção e
venda em larga escala de um dos pais do fliperama de bar, a máquina Pong. O famoso
Atari 2600 foi lançado somente em 1978 acompanhado do jogo Space War – ou,
Guerras Espaciais.

Pessoas distintas em épocas próximas realizaram projetos semelhantes, quais


acontecimentos sociais podem ter sido a fonte de tal criatividade?

Não é possível inferir sobre as consequências individuais resultantes da criação


dos jogos eletrônicos, porém, há pistas que indicam algumas variáveis pertencentes às
condições sociais que serviram de dica para o início da indústria dos games. As décadas
de 1950,1960 e 1970, por exemplo, foram marcadas pela corrida espacial e a tentativa e
êxito de levar o homem à Lua. Não distante disso, o impacto destes grandes fatos pôde
ter sido condição também para que, em ambas as décadas, mitos, símbolos e
extrapolações da realidade da época ganhassem detalhes mais palpáveis. Ainda, o livro
2001: Uma odisseia no espaço é listada como o 24º melhor livro da década de 60,
enquanto que na década de 70 o livro O Guia do Mochileiro das Galáxias foi eleito
como o melhor do ano. Ainda, uma das formas de expressão artística, o cinema, também
pode ter contribuído para o estabelecimento de condições necessárias para o
desenvolvimento dos jogos eletrônicos. Na lista dos melhores 100 filmes da década de
50 temos os clássicos de ficção; A guerra dos Mundos, Planeta Proibido, Viagem ao
centro da Terra, O dia em que a terra parou e muitos outros cuja temática remetam a
monstros, planetas, mistérios tecnológicos ou de realidades paralelas. Dos filmes mais
populares da década de 60 podemos destacar 2001; Uma odisseia no espaço; Planeta
dos Macacos. Já na década de 70 temos O Guerra nas Estrelas – Star Wars; Contatos
imediatos de terceiro grau; Superman: O filme.

A representação de ideias, conceitos ou histórias por meio de filmes e livros são


uma uma expressão de arte. Então, se adotarmos a ideia de que provavelmente essa arte
pode ter influenciado as pessoas que se engajaram na construção de games, faz sentido
relacionarmos os games com arte? Em meu ponto de vista, sim!
181

A arte nos videogames

O que entendemos como arte é um dos frutos de uma combinação de elementos


resultantes da evolução do comportamento humano e sua relação com o ambiente.
Segundo o dicionário Aurélio o termo mais comum para descrever o termo arte é:
Capacidade humana e sua criação. Ainda, duas exemplificações dos termos pertinentes
são apresentadas no mesmo verbete: Artes Gráficas, conjunto de técnicas e atividades
relacionadas a impressão de livros, revistas e jornais. Além de atividades técnico –
artísticas voltadas para a produção de gravuras etc. Artes Plásticas, artes que se
manifestam por meio de elementos visuais e táteis, tais como desenho e pintura.
(Dicionário Aurélio).

O compartilhamento de ideias, sonhos e outros comportamentos imaginativos faz


da arte uma de suas formas de expressão, e ao ser compartilhado pode ser condição
anterior para outros sujeitos se engajem em atividades semelhantes, sendo o que dá
simbolismo e vida a mitos e heróis. Shigeru Miyamoto, uma figura de suma importância
na história dos games, foi um dos mestres em utilizar da liberdade de representação por
meio da arte para dar vida a um Herói. Formado em Artes Shigeru reuniu na forma de
jogo os conceitos da arte e do teatro. O jogo Super Mario Bros continha diversos
elementos que atraíam a atenção. Gráficos animados, ação rápida e senso de humor.

O engajamento humano nestas atividades relacionadas a arte, sonhos e símbolos


se mantém como uma prática cultural da mesma forma que quaisquer outros tipos de
fenômenos comportamentais, pelo seu valor reforçador. Seja para produzir condições
favoráveis ou para afastar condições aversivas.

Ao discutir símbolos Skinner (1953) explica que,

“Um símbolo, tal como o termo foi usado por Freud na análise
de sonhos e da arte, é qualquer padrão temporal ou espacial que
seja reforçador em razão da semelhança com outros padrões,
mas escape de punição por causa das diferenças.” (Skinner,
1953, p. 321).

Um herói apresenta comportamentos de altruísmo altamente reforçados por


determinadas culturas enquanto outros comportamentos, além de irreais, podem escapar
de qualquer tipo de punição, se tornando um símbolo. Outras áreas humanas que
182

apresentam características semelhantes são o sonho e a arte. Ainda (Skinner, 1953), o


sonho exerce função importante no domínio dos símbolos, já que na representação
encoberta é pouco provável a ocorrência de punição ao imaginar determinadas
situações.

“Os indivíduos estão fortemente inclinados a se empenhar em


comportamentos que alcançam reforços, como contato sexual ou
imposição de danos sobre outros. Esses tipos de comportamento,
contudo, são precisamente o tipo com maior probabilidade de
ser punido. Disso resulta que o indivíduo apenas não se
empenha abertamente no comportamento, mas não pode se
empenhar cobertamente ou se ver encobertamente empenhado
sem estimulação aversiva automática. No sonho simbólico e no
comportamento artístico ou literário, entretanto, ele pode se
empenhar em um comportamento discriminativo que é reforçado
através da indução de estímulos ou de respostas pelas mesmas
variáveis, mas que não está sujeito à punição.” Skinner (1953, p.
321)

Ainda, a intersecção entre o símbolo/ mito do herói e arte propiciou a diminuição


de fronteiras entre o dito “Mundo Real” e “Mundo Imaginário” cujo suas
consequências, embora não surjam exatamente como a solução de problemas, alteram
minimamente o nível de uma condição de privação.

Outra forma de interpretar a intersecção entre sonhos e símbolos provavelmente


está contemplada na licença poética, sendo adotada por autores e também é uma prática
cultural, possuindo como uma de suas características a vantagem de que
comportamentos tidos como devaneios, ou loucura, sejam pouco punidos e, caso seja
um bom material, passível de obter boas consequências – sucesso de crítica, por
exemplo. Assim como os jogos – no sentido literal da palavra, as noções de arte,
emoção e entretenimento já eram práticas pertencentes a culturas antigas, como a
cultura grega e romana e estão também relacionados a variáveis que aplacam a
curiosidade humana sobre fenômenos inexplicados ou fora da realidade conhecida.

Novas formas de entretenimento sempre surgem influenciada por formas


anteriores.
183

“E os videogames tornaram-se correspondentemente uma força


imparável na cultura popular, que constantemente influencia
outras formas de entretenimento. De 30 Rock a South Park, os
videogames são tema de enredos cruciais e episódios completos.
Ainda mais importante, eles mudaram a maneira como os
blockbusters de ação e programas de TV são filmados. Carros
que eclodem em Transformers e rolam em sua direção, como se
estivessem vivos, estilo Need for Speed ou do Burnout Paradise.
Anúncios publicitários apresentam os personagens e monstros
em World of Warcraft. Anúncios de bebidas são oferecidos por
Grand Theft Auto. Sonic the Hedgehog e Pikachu são balões de
destaques na Parada do Dia de Ação de Graças da Macy, altas e
orgulhosas ao lado Homem-Aranha e Buzz Lightyear. Mark
Ecko projetou uma linha completa de roupas dedicadas para
Halo. E o fenômeno é mundial. Você pode até comprar uma
caixa de leite da marca Pokémon na Tailândia.” (Goldberg,
2011, p. 2)

O início do fenômeno cultural dos jogos eletrônicos se deu por máquinas que em
sua grande maioria foram fabricadas para ambientes públicos, tais como bares,
mercados de bairro e danceterias, os famosos Fliperamas. A popularização de consoles
como Super Nintendo, Playstation e Dreamcast no ambiente domiciliar e evolução
tecnológica, causada pela otimização do processo de fabricação e diminuição do
tamanho de componentes eletrônicos, permitiu que famílias pudessem ter em suas
residências vídeo games como mais uma forma de entretenimento. Neste cenário heróis
virtuais começam a se tornar famosos, tais como Super Mario bros e Sonic:The
Hedgehog.

Entreter-se é engajar-se em determinados comportamentos com finalidades de


lazer, prazer, passa tempo e diversão. São comportamentos difundidos na cultura
humana desde a antiguidade. Quando realizados em grupo, pode adquirir o valor de
reforçadores generalizados. No teatro e na pintura heróis ganham materialidade. Nos
jogos digitais o salto se dá pela expansão da experiência humana de criação simbólica
para o controle mais amplo desta representação, controlar o personagem do game.
Assim como em todas as formas de entretenimento grupal ou cultural, no conceito de
184

entretenimento da cultura gamer o que podemos levar em consideração é a magnitude e


força dos reforçadores presentes neste contexto. Nas histórias de fantasias a função de
ser indestrutível ou poder abusar da sorte é algo restrito a seres sobre-humanos com
super força, poderes e mágica, cuja função é sempre a de salvar, fazer o bem e enfrentar
perigos do mundo. O caráter lúdico dos jogos também faz parte de conjuntos de
potentes reforçadores generalizados, a restrição é ultrapassada e o jogador pode ser um
personagem indestrutível que pode arriscar e perder a vida diversas vezes, um tipo de
extensão do fantasiar, com trilha sonora e histórias adjacentes. O segundo ponto que
impulsiona o valor reforçador das práticas e engajam indivíduos em torno da cultura
gamer é o caráter social dos jogos digitais. Fato presente desde o momento em que os
consoles começaram a ser utilizados também para a competição ou cooperação seja em
casa irmãos e primos ou nos fliperamas, naquele 1 contra 1 no Street Fighter ou cumprir
o percurso de Cadillac’s Dinossaur em dupla. A partir da otimização de computadores e
redes de acesso um novo fenômeno passou a vigorar como parte da cultura gamer, os
Esportes Eletrônicos.

Videogames como esportes do séc. XXI

A partir dos anos de 1970, com o desenvolvimento tecnológico de jogos


eletrônicos, surgiram novas modalidades esportivas. A primeira competição
documentada, oficialmente chamada ‘Olimpíadas Intergalácticas de Spacewar’, foi
organizada para estudantes da Universidade de Stanford em 19 de outubro de 1972, e o
prêmio consistia em uma assinatura da revista Rolling Stones (Copadineanu, 2014). Em
1980, a Atari (empresa dos Estados Unidos) organizou uma competição do jogo Space
Invaders em que participaram mais de 10.000 jogadores. A Nintendo, famosa empresa
de jogos eletrônicos, promoveu um campeonato de jogos eletrônicos mais complexo,
com várias etapas em 29 diferentes cidades dos Estados Unidos da América no início de
1990, chamado de Nintendo World Championship. Esses e outros campeonatos
semelhantes estabeleceram a base para os e-sports, ou Esportes Eletrônicos, atuais.

A institucionalização dos jogos competitivos foi possível, também, em razão do


avanço tecnológico e da popularização da rede de comunicação entre computadores, a
internet, a partir do fim dos anos 1980. Foi, ainda, fortemente impulsionada pelo
lançamento dos jogos Doom em 1993 e Quake em1996, nos quais vários jogadores
poderiam competir coletivamente em uma partida.
185

Pouco antes do final da década de 1990, jogadores começaram a se organizar em


clãs, times de atletas, profissionais e amadores, que competiam a partir do modelo de
Ligas Profissionais de Atletas, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa (Goldberg,
2011).

O termo e-sports foi utilizado pela primeira vez, para designar competições
realizadas por meio de jogos eletrônicos, em dezembro de 1999, na conferência de
lançamento da Online Gamers Association (OGA), quando o jogador europeu Met
Bettington comparou os esportes eletrônicos aos esportes tradicionais.

Um dos aspectos essenciais para que uma modalidade seja considerada esporte é o
modo como ela é organizada e regulamentada. Esportes envolvem um conjunto de
situações formais, com regras explícitas, que podem culminar numa competição. Ainda,
competição se define por um processo pelo qual o sucesso é definido de modo direto
pela comparação das habilidades dos participantes, num dado momento. As regras de
cada esporte são procedimentos que descrevem como a modalidade deve ser praticada,
indicando seus aspectos técnicos fundamentais. O cumprimento dessas regras é
fiscalizado por entidades oficiais e reconhecidas por seus participantes que garantem
que aspectos técnicos da modalidade sejam comparáveis em qualquer lugar que a
prática seja desenvolvida. Todos estes aspectos estão presentes em competições
envolvendo jogos eletrônicos, o que confirma a nominação de e-sports.

De seu início em 1972 à expansão na década de 1990 e atualmente, o mercado dos


e-sports ao redor do mundo, cresceu exponencialmente. No ano de 2015 faturou a cifra
de US$ 700 milhões e a estimativa de sites especializados prevê que até o ano de 2019 o
mercado lucre US$ 1,1 Bilhão . Em quase 20 anos os esportes eletrônicos tornaram-se
muito competitivos e lucrativos e equipes passaram a investir cada vez mais na
preparação de jogadores. Resultados positivos estão fortemente relacionados à
quantidade de patrocínio e à visibilidade que um time pode obter a partir de seu
desempenho.

Os gêneros de jogos mais comuns associados com esportes eletrônicos são: jogos
de Estratégia em Tempo Real (RTS), jogos de computador e videogame, no qual se
enxerga apenas o ponto de vista do protagonista, como se o jogador e personagem do
jogo fossem o mesmo observador, chamados First Person Shooter (FPS) e os
Multiplayer Online Battle Arena (MOBA).
186

Com o crescimento das modalidades aspectos comuns aos esportes tradicionais


surgem; jogadores têm que lidar com o risco que envolve maus resultados e derrotas em
competições, dado que estes impactam diretamente no próprio time, na organização,
patrocinadores e na relação com torcedores. Resultados competitivos não satisfatórios
podem trazer consigo a apresentação de consequências aversivas, tais como retirada de
patrocínio, agressões verbais por parte de seguidores, entre outras.

Infraestrutura e profissionais, que eram vistos apenas em modalidades esportivas e


competitivas tradicionais, fazem parte de várias equipes de esportes eletrônicos. Os
centros de treinamentos de jogadores profissionais de e-sports têm se sofisticado. Há
modalidades em que os cyber-atletas, geralmente, moram em Gaming House. Uma das
razões é que não há muitos centros de treinamentos espalhados pelos países, e os atletas
provêm de várias cidades. O motivo mais proeminente, todavia, é diminuir problemas
relacionados ao uso da tecnologia, internet ou computadores durante os treinos. A
estrutura física tecnológica desses centros conta com computadores especialmente
montados para suportar jogos pesados e rede de internet que ultrapassa a largura de
banda de uso doméstico, de forma a diminuir possíveis interferências causadas por
maquinário. A estrutura de profissionais de apoio, geralmente, conta com um House
Manager, responsável tanto pela logística da casa quanto da agenda de compromissos
dos jogadores em relação a campeonatos, patrocinadores, imprensa e outros quesitos
que exijam organização; um técnico especialista no jogo, responsável por preparar o
time técnica e taticamente para jogos e campeonatos; psicólogos do esporte; educadores
físicos; profissionais que exercem a função de marketing, administração e relações
públicas. As estruturas adotadas por times brasileiros são semelhantes às oferecidas aos
jogadores de times de outros continentes pelo mundo, tais como Europa, EUA e Ásia.
Além disso, por ser um jogo em grupo, morar em uma gaming house permite aos
jogadores maior qualidade de interação em aspectos sociais que influenciam a prática do
jogo (Nunes, 2016).

No cenário competitivo, a preparação não se limita somente aos campeonatos. No


dia a dia os treinos são estruturados e divididos entre: (a) treinos online em grupo contra
outros times; (b) replays, que são assistidos pelo grupo, seja das suas partidas para
analisar os erros ou de outros times, para aprender novas técnicas; (c) momentos
dedicados a análises e reuniões com o técnico; (d) sessões de exercícios físicos, em
academia ou com preparador físico; e (e) momentos individuais e grupais com
187

profissionais da Psicologia do Esporte (Nunes, 2016).

Considerações finais

Diante de um cenário emergente tão complexo tudo que gira em torno dos jogos
eletrônicos tem se adaptado, novas profissões tem surgido ao mesmo passo que
profissões antigas se adéquam para atender as demandas emergentes de uma indústria
em que a criatividade e a inovação são passos chave para o sucesso.

Por fim, compreender as relações básicas que fortalecem a cultura gamer até a
noção de como se formam culturas é uma empreitada complexa que exige análise de
todos os componentes que fazem parte deste fenômeno. Videogames fazem parte
integral de nossa cultura, formando gerações e modelando opiniões sobre
entretenimento, artes e esportes, com impactos tangíveis em economias e relações
sociais das mais variadas. Entender a cultura dos videogames é entender uma parcela
relevante da cultura humano no século XXI.

Referências

Catania, A. C. (1999). Aprendizagem: Comportamento, linguagem e cognição. Porto


Alegre: Artmed.

Copadineanu, D. (2014). E-Sports Cluj: How to improve the activities of an e-sports


organization. (Bachelor Thesis). Laurea University of Applied Sciences,
Programme in Business Information Technology, Vantaa, Finland.

Goldberg, H. (2011). All your base are belong to us: How fifty years of videogames
conquered Pop Culture. New York: Three Rivers Press.

Nunes, E. C. (2016, Junho 11). Como funciona uma gaming house no Brasil. Free the
Essence. Recuperado de: https://www.freetheessence.com.br/nova-
economia/modelos-disruptivos/como-funciona-uma-gaming-house-no-brasil/

Skinner, B. F. (1953/2003). Ciência e comportamento humano. São Paulo: Martins


Fontes.

Skinner, B. F. (1981). Selection by consequences. Science, 213, 501-504.


188

Valin, A. (2013, Março 26). Conheça Ralph Baer, o inventor do video game.
Tecmundo. Recuperado de: https://www.tecmundo.com.br/video-game-e-
jogos/37988-conheca-ralph-baer-o-inventor-do-video-game.htm

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