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PONTOS – PROVA ORAL – DPE/SP – DIREITO PENAL

Direito Penal: conceito, fontes, objetivos. Direito penal e poder punitivo.


Princípios penais.
1 Genealogia do pensamento penal. As escolas penais. Evolução histórica do Luis Gustavo
Direito Penal. Modernas tendências do pensamento penal.

O
História do processo de criminalização no Brasil.

IT
As escolas criminológicas. Sistema penal e controle social. Processo de
criminalização.

TU
Vitimologia e vitimização.
Polícia e Sistema Penal.
O sistema penal brasileiro. Política criminal e penitenciária no Brasil. O Leonardo de

RA
2 encarceramento no Brasil: dados e perspectivas. Paula
Prisão: prisionização e relações de poder penitenciárias.
LG
Mídia e sistema penal.
Análises criminológicas concretas.
Modernas tendências do pensamento criminológico e de política criminal.
IA

Constituição e Direito Penal. O Direito Penal e o Estado Democrático de


Direito.
3
ER

Direito Penal e Direitos Humanos. Direitos humanos e processo de Letícia


criminalização.
Aplicação e interpretação da lei penal.
AT

Teoria do delito: evolução histórica, elementos do crime.


4 Bem jurídico-penal. Cristina
Modernas tendências da teoria do delito.
M

Tipicidade: tipo penal, conduta (ação e omissão), nexo de causalidade,


resultado.
5 Imputação objetiva. Mariana
Dolo.
Culpa.
6 Ilicitude: conceito. O injusto penal. Roberto

1
Direito Penal e moral.
Excludentes da ilicitude.
Culpabilidade: conceito, evolução histórica, estrutura.
Princípio da culpabilidade.
Culpabilidade e liberdade.

O
Culpabilidade e periculosidade.
7 Culpabilidade e vulnerabilidade. Lucas

IT
Direito Penal do fato e Direito Penal do autor.
Imputabilidade.

TU
Inexigibilidade de conduta diversa.
Excludentes da culpabilidade.

RA
Iter criminis.
Desistência voluntária e arrependimento eficaz.
8 Mariela
Arrependimento posterior.
LG
Crime impossível.
9 Erro no Direito Penal. Concurso de crimes. Ana Carolina
10 Concurso de agentes. Bel
IA

Punibilidade. Extinção da punibilidade.


11 Danilo
Reabilitação.
ER

Pena: evolução histórica, espécies, aplicação.


Teorias da pena. Modernas tendências das teorias da pena.
12 Circunstâncias Judiciais. Agravantes e Atenuantes. Causas de Aumento e
AT

Camila
de Diminuição. Cálculo da Pena.
Suspensão condicional da pena.
M

Execução penal: evolução histórica, crise e alternativas.


Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84).
13 Regras mínimas para o tratamento de pessoas presas: plano Gisela
nacional e internacional de proteção.
Indulto e comutação (Decreto 8.380/14).
Direito Penal e saúde mental.
14 Érica
Medidas de segurança: evolução histórica, conceito, espécies, execução.

2
Lei nº 10.216/01. Reforma psiquiátrica.
A antipsiquiatria.
15 Crimes contra a pessoa. Gabriel Kenji
Crimes contra o patrimônio.
16 Maria Camila
Crimes contra a propriedade imaterial.

O
Crimes contra a dignidade sexual. Bruno
17
Crimes contra a paz pública. Zogaibe

IT
Crimes contra a fé pública. Leonardo
18
Crimes contra a administração pública. Lima

TU
Crime organizado (Lei nº 12.850/13).
19 Bruna
Abuso de autoridade (Lei nº 4.898/65),

RA
20 Violência doméstica (Lei nº 11.340/06), Thomaz
Crimes de trânsito (Lei nº 9.503/97),
21 Gabriela
Estatuto do desarmamento (Lei nº 10.826/03 e Decreto nº 5.123/04),
LG
22 Crimes ambientais (Lei nº 9.605/98), Eduardo
Crimes hediondos (Lei nº 8.072/90), Bruno
23
Lei de tortura (Lei nº 9.455/97), Pacheco
IA

Fabrício de
24 Lei de drogas (Lei nº 11.343/06),
Vecchi
ER

Crimes contra o consumidor (Lei nº 8.078/90),


Crimes contra a ordem tributária (Leis nºs 8.137/90, 9249/95, 9.430/96 e
25 Ana Beatriz
AT

10.684/03),
Lavagem de dinheiro (Lei nº 9.613/98),
Crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor (Lei nº 7.716/89),
M

Pedro
Estatuto do idoso (Lei nº 10.741/03),
26 Magalhães
Crimes previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8069/90),
27 Lei das contravenções penais (Decreto-Lei nº 3688/41). Vanessa

O que ficou de fora:


i. crimes contra a organização do trabalho,
ii. crimes contra o sentimento religioso e o respeito aos mortos,
iii. crimes contra a família,

3
iv. crimes contra a incolumidade pública,
v. crimes falenciais,
vi. crimes contra a economia popular,
vii. crimes de licitação,
viii. crimes contra o parcelamento do solo urbano

O
IT
TU
RA
LG
IA
ER
AT
M

4
Sumário
PONTO 1 ........................................................................................................................ 7

PONTO 2 ...................................................................................................................... 26

PONTO 3 ...................................................................................................................... 59

O
PONTO 4 ...................................................................................................................... 79

PONTO 5 ...................................................................................................................... 92

IT
PONTO 6 ...................................................................................................................... 99

TU
PONTO 7 .................................................................................................................... 102

PONTO 8 .................................................................................................................... 112

RA
PONTO 9 .................................................................................................................... 118

PONTO 10 .................................................................................................................. 134

PONTO 11 .................................................................................................................. 141


LG
PONTO 12 .................................................................................................................. 149

PONTO 13 .................................................................................................................. 176


IA

PONTO 14 .................................................................................................................. 200

PONTO 15 .................................................................................................................. 216


ER

PONTO 16 .................................................................................................................. 222

PONTO 17 .................................................................................................................. 232


AT

PONTO 18 .................................................................................................................. 245

PONTO 19 .................................................................................................................. 259


M

PONTO 20 .................................................................................................................. 288

PONTO 21 .................................................................................................................. 296

PONTO 22 .................................................................................................................. 313

PONTO 23 .................................................................................................................. 322

PONTO 24 .................................................................................................................. 330

5
PONTO 25 .................................................................................................................. 341

PONTO 26 .................................................................................................................. 353

PONTO 27 .................................................................................................................. 362

O
IT
TU
RA
LG
IA
ER
AT
M

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PONTO 1
Direito Penal: conceito, fontes, objetivos. Direito penal e poder punitivo.
Princípios penais.
Genealogia do pensamento penal. As escolas penais. Evolução histórica do
Direito Penal. Modernas tendências do pensamento penal.
História do processo de criminalização no Brasil.

O
1. Qual o conceito de Direito Penal?
Para Paulo Queiroz, o direito penal é “a parte do ordenamento jurídico que define
as infrações penais (crimes e contravenções), comina as respectivas sanções (penas e

IT
medidas de segurança), estabelece os princípios-garantias que limitam o poder punitivo
e prevê os pressupostos de punibilidade”.
Queiroz, citando García-Pablos, também traz o conceito sob enfoque dinâmico e

TU
sociológico, segundo o qual o direito penal “é um dos instrumentos do controle social
formal por meio do qual o Estado, mediante determinado sistema normativo (as leis
penais), castiga com sanções negativas de particular gravidade (penas e outras
consequências afins) as condutas desviadas mais nocivas para a convivência,

RA
assegurando desse modo a necessária disciplina social e a correta socialização dos
membros do grupo”.
Por fim, sob uma perspectiva crítica, afirma Queiroz que “formal e materialmente, o
LG
direito penal é ele mesmo uma forma de violência (prisões, penas, medidas de
segurança, legítima defesa) que se pressupõe justa e necessária relativamente às
violências que regula e combate (os crimes), de modo que o direito penal é violência –
nem sempre legítima – a serviço do controle da violência – nem sempre ilegítima. O
direito penal é uma espada de duplo fio, pois é lesão de bens jurídicos para proteção
IA

de bens jurídicos (Franz von Liszt)”.

2. Quais são as fontes do Direito Penal?


ER

Fontes materiais, substanciais ou de produção


Fonte material é a fonte de produção da norma, é o órgão constitucionalmente
encarregado da criaçãodo Direito Penal.Por previsão constitucional, a fonte material do
Direito Penal é a União. É este oórgão que, em regra, pode produzir normais penais
AT

(art. 22, I, CF/88).


Não obstante, a própria CF prevê uma exceção, disciplinando a possibilidadedos
Estados-membros legislarem sobre questões específicas de direito penal, desdeque
autorizados por lei complementar (art. 22, parágrafo único, CF/88).
M

Fontes formais, de conhecimento ou de cognição


Trata-se do instrumento de exteriorização do Direito Penal, ou seja, do modo como
as regras são reveladas. As fontes formais são tradicionalmente classificadas em:
a) Fonte formal imediata: a lei é a única fonte formal imediata do direito penal,
pois somente ela pode criar crimes e cominar penas.Enseja a produção da norma e
torna obrigatório o seu cumprimento.
b) Fontes formais mediatas ou secundárias: abrangem os costumese os
princípios gerais do Direito.Flávio Monteiro de Barros e Luiz Vicente Cernichiaro
incluem também os atos administrativos, observando ser comum a sua utilização nas
chamadas normas penais em branco, servindo de complemento da conduta

7
criminosa(ex: art. 33 da Lei n º 11.343/06 e o complemento para definir que
substânciaspodem ser definidas como drogas).
Modernamente, há entendimentos no sentido de que também podem ser
consideradas fontes formais do Direito Penal:
Constituição Federal: “A Constituição de 1988 contém um significativo elenco de
normas que, em princípio, não outorgam direitos, mas que, antes, determinam a
criminalização de condutas (CF, art. 5°, XLI, XLII, XLIII, XLIV; art. 7°, X; art. 227, § 4°).
Em todas essas normas é possível identificar um mandado de criminalização

O
expresso, tendo em vista os bens e valores envolvidos." (STF - Segunda Turma - HC
104410 - Rel. Min. Gilmar Mendes - DJe 27/03/2012).

IT
Há entendimentos também no sentido de que a doutrina, a jurisprudência e os
tratados internacionais seriam também fontes formais mediatas do Direito Penal.
Contudo, deve-se ressaltar que a doutrina, por mais abalizada que seja, é na

TU
verdade um estudo científico, não se revestindo de obrigatoriedade. Já a jurisprudência
revela o entendimento dos tribunais, servindo como vetor ao aplicador do Direito. Não
tem natureza cogente, salvo quando representativa de súmula vinculante oriunda do
Supremo Tribunal Federal, conforme previsto no art. 103-A da Constituição Federal.

RA
Por fim, os tratados internacionais, ainda que deles o Brasil seja signatário,
precisam obedecer a procedimento complexo para ingressarem no ordenamento
jurídico. Só depois de cumpridas as fases perante os Poderes Legislativo e Executivo é
que terão força de lei ordinária ou de emenda constitucional, dependendo da matéria
LG
que seja seu objeto e de seu quorum de aprovação (CF, art. 5.º, § 3.º). De qualquer
maneira, os tratados e convenções não são instrumentoshábeis à criação de crimes ou
cominação de penas para o direito interno (apenas parao direito internacional). Antes
do advento das Leis 12.694/12 e 12.850/13 (quedefiniram, sucessivamente,
IA

organização criminosa), o STF manifestou-se pela inadmissibilidadeda utilização do


conceito de organização criminosa dado pela Convenção dePalermo, trancando a ação
penal que deu origem à impetração, em face da atipicidade daconduta (HC n° 96007).
ER

3. Quais os objetivos do Direito Penal?


a) Objetivo declarado: Direito Penal como proteção de bens jurídicos
Tradicionalmente se aponta que o Direito Penal tem como objetivo a proteção de
AT

bens jurídicos, isto é, valores ou interesses reconhecidos pelo Direito como


imprescindíveis à satisfação do indivíduo ou da sociedade.
Apenas os interesses mais relevantes são erigidos à categoria de bens jurídicos
penais, em face do caráter fragmentário e da subsidiariedade do Direito Penal. O
M

legislador seleciona, em um Estado Democrático de Direito, os bens especialmente


relevantes para a vida social e, por isso mesmo, merecedores da tutela penal. A noção
de bem jurídico implica a realização de um juízo positivo de valoracerca de
determinado objeto ou situação social e de sua importância para o desenvolvimento do
ser humano. E, para coibir e reprimir as condutas lesivas ou perigosas a bens jurídicos
fundamentais, a lei penal se utiliza de rigorosas formas de reação, quais sejam, penas
e medidas de segurança [texto base: Luiz Regis Prado, Curso de Direito Penal
Brasileiro].
Nesse sentido, a proteção de bens jurídicos é a missão
precípua, que fundamenta e confere legitimidade ao Direito Penal. O Superior

8
Tribunal de Justiça já entendeu que “o respeito aos bens jurídicos protegidos pela
norma penal é, primariamente, interesse de toda a coletividade, sendo manifesta a
legitimidade do Poder do Estado para a imposição da resposta penal, cuja efetividade
atende a uma necessidade social”.
Contudo, desde uma perspectiva crítica, Juarez Cirino dos Santos observa que,
nas sociedades contemporâneas, a proteção de bens jurídicos é apenas o objetivo
declarado do Direito Penal, que oculta o seu objetivo real, conforme a seguir exposto.

O
b) Objetivo real:o Direito Penal como instrumento de controle social
No discurso jurídico majoritário, por vezes se aponta que ao Direito Penal é
também reservado o controle social ou a preservação da paz pública, compreendida

IT
como a ordem que deve existir em determinada coletividade. Esse controle se dirigiria
a todas as pessoas de modo uniforme.
Contudo, Juarez Cirino dos Santos aponta que o objetivo realdo Direito Penal é

TU
proteger os interesses das classes dominantes, ou seja,reproduzir as relações
sociais no sistema do direito. A pena seria então um eficiente meio de reação oficial
contra as violações da ordem social, econômica e política institucionalizada, garantindo
todos os sistemas e instituições particulares, bem como a existência e continuidade do

RA
próprio sistema social, como um todo.
Os objetivos declarados do Direito Penal produzem uma aparência de neutralidade
do sistema de justiça criminal (já que a fonte formal do Direito Penal – a lei penal - seria
universal). Contudo, essa aparência de neutralidade é dissolvida pelo estudo das
LG
fontes materiais do ordenamento, enraizadas no modo de produção da vida material,
que fundamentam os interesses, necessidades e valores das classes sociais
dominantes.
De qualquer forma, Cirino dos Santos pondera que o conceito de bem jurídico é
IA

ainda necessário como critério de criminalização no Estado Democrático de Direito,


fundado no sistema capitalista, em que vivemos. Isso porque existe um núcleo duro de
bens jurídicos individuais, como a vida, o corpo, a liberdade e a sexualidade humanas,
ER

que configuram a base de um Direito Penal mínimo e dependem de proteção penal,


ainda uma resposta legítima para certos problemas sociais. A noção de bem jurídico
também pode impedir a criminalização da “vontade do poder” ou de meras
“expectativas normativas”, tal como pretende o funcionalismo sistêmico de Jakobs, que
AT

despreza o bem jurídico tanto como objeto de proteção quanto como critério de
criminalização.
Na atualidade, criminólogos críticos propõem reservar o conceito de bem jurídico
para os direitos e garantias individuais do ser humano, excluindo a criminalização (a)
M

da vontade do poder, (b) de papeis sistêmicos, (c) do risco abstrato, (d) ou dos
interesses difusos característicos de complexos funcionais como a economia, a
ecologia, o sistema tributário etc. Essa posição reafirma os princípios do Direito Penal
do fato, como lesão do bem jurídico, e da culpabilidade, como limitação do poder de
punir, excluindo a estabilização das expectativas normativas das concepções
autoritárias do funcionalismo de Jakobs, por exemplo. Assim, consideradas todas as
limitações e críticas, o conceito de bem jurídico, como critério de criminalização e como
objeto de proteção, parece constituir garantia política irrenunciável do Direito Penal
democrático, nas formações sociais estruturadas sobre a relação capital/trabalho

9
assalariado, em que se articulam as classes sociais fundamentais do neoliberalismo
contemporâneo.
c) Direito Penal como garantia frente ao poder punitivo
O Direito Penal também tem objetivo de garantia, pois funciona como
um escudo aos cidadãos, uma vez que só pode haver punição caso sejam praticados
os fatos expressamente previstos em lei como infração penal.
Para Zaffaroni, a função do Direito Penal, hoje e sempre, é conter o poder punitivo.

O
O poder punitivo não é seletivo do poder jurídico, e sim um fato político, exercido pelas
agências do poder punitivo, especialmente a polícia. Não estou falando da Polícia
Federal ou da que está na rua e sim de todas as agências policiais, campanhas de

IT
inteligência, arquivos secretos, polícia financeira, enfim, agências executivas. Essas
agências têm uma contenção jurídica que é o Direito Penal.O Judiciário é indispensável
para essa contenção do poder punitivo. A contenção é feita pelos juízes. Sem limites,

TU
saímos do Estado de Direito e caímos em um Estado Policial. Fora de controle, as
forças do poder punitivo praticam um massacre, um genocídio. O Direito Penal é
indispensável à persistência do Estado de Direito, que não é feito uma vez e está
pronto para sempre. Há uma luta permanente com o poder. O Estado de Polícia se

RA
confronta com o Estado de Direito no interior do próprio Estado de Direito. Estar perto
do modelo ideal de Estado de Direito depende da força de contenção do Estado
Policial. [cf. entrevista colhida em http://www.conjur.com.br/2009-jul-05/entrevista-
eugenio-raul-zaffaroni-ministro-argentino]
LG
d) Função simbólica do Direito Penal
A função simbólica é inerente a todas as leis, não dizendo respeito somente às de
cunho penal. Não produz efeitos externos, mas somente na mente dos governantes e
dos cidadãos.
IA

Em relação aos primeiros, acarreta a sensação de terem feito algo para a proteção
da paz pública. No tocante aos últimos, proporciona a falsa impressão de que o
problema da criminalidade se encontra sob o controle das autoridades, buscando
ER

transmitir à opinião pública a impressão tranquilizadora de um legislador atento e


decidido.
Manifesta-se, comumente, no direito penal do terror, que se verifica com
a inflação legislativa(Direito Penal de emergência), criando-se exageradamente
AT

figuras penais desnecessárias, ou então com o aumento desproporcional e injustificado


das penas para os casos pontuais (hipertrofia do Direito Penal).
O objetivo simbólico deve ser afastado, pois, em curto prazo, cumpre funções
educativas e promocionais dos programas de governo, tarefa que não pode ser
M

atribuída ao Direito Penal. Além disso, em longo prazo resulta na perda de credibilidade
do ordenamento jurídico, bloqueando as suas funções instrumentais.
Como pontuado por Ney Moura Teles: “querer combater a criminalidade com o
Direito Penal é querer eliminar a infecção com analgésico”.

4. Quais são os principais princípios penais?


Inicialmente, é válido ressaltar que Paulo Queiroz afirma que todos os princípios
penais possuem assento constitucional, uma vez que, ainda que implícitos, decorrem
da lógica do sistema de valores que a Constituição consagra (ex: princípios da
proporcionalidade e da lesividade).

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O Defensor Público Gustavo Junqueira considera que os princípios do Direito Penal
podem ser classificados da seguinte forma:
a) princípio relativo à forma de incriminação: (i) princípio da legalidade.
b) princípios relativos ao conteúdo da incriminação: (i) princípio da exclusiva proteção
a bens jurídicos; (ii) princípio da alteridade; (iii) princípio da fragmentariedade; (iv)
princípio da intervenção mínima ou subsidiariedade; (v) princípio da lesividade ou
ofensividade; (vi) princípio da insignificância; (vii) princípio da adequação social.
c) princípios relacionados à imputação: (i) princípio da culpabilidade; (ii) princípio da

O
personalidade.
d) princípios relacionados à pena: (i) princípio da humanidade; (ii) princípio da

IT
individualização; (iii) princípio da pessoalidade; (iv) princípio da proporcionalidade.

5. O princípio da legalidade está expresso na Constituição e na legislação? Qual

TU
sua origem histórica e suas funções?
O princípio da legalidade está expresso no artigo 5º, XXXIX da Constituição
Federal e no artigo 1º do CP (“não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena
sem prévia cominação legal”).

RA
Podem ser apontados como antecedentes históricos do princípio da legalidade a
Magna Carta de 1215 e o “Bill of Rights” de 1689. O Iluminismo trouxe a ideia de
contenção do arbítrio judicial e a submissão do juiz à lei. A obra “Dos delitos e das
Penas” do marquês de Beccaria foi importante marco na consolidação do princípio.
LG
Atribui-se a Feuerbach a sistematização do princípio da legalidade segundo a fórmula
latina “nulla poena sine lege, nullum crimen sine lege”.
Quanto às suas funções, o princípio da legalidade tem duasfunções políticas:
de garantia, protegendo o cidadão contra a violência estatal, e constitutiva,
IA

constituindo a pena legal para além de excluir as ilegais. Aponta-se ainda umafunção
jurídica que seria a prevenção geral dos delitos, já que, ao delimitar o que é proibido
por meio da definição de condutas, comunica-se ao destinatário da norma seu espaço
ER

de atuação dentro do tecido social, orientando condutas.

6. Quais osaspectos do princípio da legalidade?


Para que se dê eficácia à legalidade e ela atinja seus objetivos, o princípio é
AT

desdobrado em quatro princípios:


(i) Irretroatividade (“lege praevia”): nova lei mais severa não pode atingir fatos
anteriores à sua vigência. Em caso de “abolitio criminis” ou “lex mitior” admite-se a
retroatividade.
M

(ii) Reserva legal (“lege scripta”): somente lei escrita pode definir crimes e penas.
(iii) Proibição da analogia in malam partem (“lege stricta”): é proibido o emprego de
analogia para ampliar os limites do direito penal positivado.
(iv) Taxatividade (“lege certa”): proibição de incriminações vagas e indeterminadas,
tipos que não sejam claros ou precisos.

7. A norma penal em branco é compatível com o princípio da legalidade e com a


taxatividade?
Para a corrente dominante, as normas penais em branco, ainda que heterogêneas,
são compatíveis com o princípio da legalidade. Isso porque sempre haveria uma “lei

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anterior” que disciplina e completa aquela norma penal em branco, mesmo que seja de
espécie e hierarquia diferenciadas.
Contudo, pode-se sustentar a inconstitucionalidade da norma penal em branco
heterogênea, já que tal norma surge tão difusa e imprecisa que obriga a intrincadas
averiguações para positivar-se a existência ou não do crime.

8. É possível edição de medida provisória sobre matéria penal?

O
Somente a lei em sentido estrito (lei ordinária) pode criar tipos penais proibindo
condutas sob ameaça de pena.O art. 62, § 1º, “b”, da CF veda expressamente a edição
de medidas provisórias sobre direito penal. No entanto, o STF admite Medida

IT
Provisória não incriminadora (alterações benéficas ao réu no Estatuto do
Desarmamento via MP).

TU
9. Qual a finalidade do princípio da exclusiva proteção a bens jurídicos?
Em um Estado Democrático de Direito, que tem como fundamento o pluralismo, o
Direito Penal não detém legitimidade para tutelar valores puramente morais, religiosos
ou ideológicos. Apenas condutas socialmente intoleráveis devem submeter-se a

RA
controle penal.

10. O artigo 28 da Lei n. 11.343/06 subsiste se confrontado aos princípios da


alteridade e da lesividade, que regem o direito penal?
LG
O princípio da alteridade sustenta que apenas será objeto de tutela penal a
conduta que extrapolar o âmbito interno do agente, atingindo interesse de outrem. A
ação ou omissão que não lesa interesse juridicamente protegido de outro, mas tão
somente de seu causador, não tem importância para o direito penal. Por essa razão
IA

não se pune a autolesão ou qualquer conduta que apenas lese o sujeito que a pratica.
Em semelhante sentido, o princípio da lesividade ou ofensividade preconiza que
não há crime sem que haja lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico determinado.
ER

Ataques desprovidos de qualquer idoneidade lesiva, mesmo que dirigidos a


importantes bens jurídicos, quedam subtraídos da esfera de tutela penal.
Assim sendo, decorrem algumas importantes consequências: (i) não pode ser
incriminada a mera atitude interna, como ideias, convicções, desejos, aspirações e
AT

sentimentos; (ii) é vedada a incriminação de simples estados ou condições


existenciais, pois não é dado ao Direito Penal moldar a personalidade, mas apenas
impedir que tal se manifeste em condutas lesivas. Não se pode punir alguém pelo que
é ou pela sua periculosidade, mas tão somente pelo que faz. (iii) é vedada a
M

incriminação de atitudes exteriorizadas que não ponham sequer em risco


qualquer bem jurídico relevante.
Assim sendo, revela-se inconstitucional o tipo do artigo 28 da Lei n. 11.343/06, por
não haver ofensa a bem jurídico de outrem e por sua escassa idoneidade lesiva.
Deve-se ressaltar que o tema está sob análise do Supremo Tribunal Federal. O RE
nº 635.659-SP foi interposto pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo
contra a decisão do Tribunal de Justiça paulista, que manteve a condenação do réu
Francisco Benedito de Souza acusado em primeira instância pelo porte de 3 gramas de
maconha encontrados em sua cela, quando estava preso no Centro de Detenção
Provisória de Diadema, no ano de 2009. O Recurso chegou ao STF em 2011 e entrou

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na pauta de julgamentos do plenário no último 19 de agosto. O Ministro Relator Gilmar
Mendes e os Ministros Luiz Edson Fachin e Luís Roberto Barroso, que já votaram,
julgaram o dispositivo legal como inconstitucional. Em 10/09/2015, o Ministro Teori
Zavascki pediu vistas dos autos do recurso, suspendendo o julgamento por tempo
indeterminado.

11. Que se entende por fragmentariedade e subsidiariedade?

O
Por fragmentariedade se entende que o Direito Penal não protege qualquer lesão a
bem jurídico, mas tão somente as lesõesmais graves aos bens jurídicos mais
relevantes. O poder punitivo apenas se ocupa de parte da totalidade de bens jurídicos

IT
protegidos pela ordem jurídica.
Já a subsidiariedade é o princípio de política criminal que identifica o Direito Penal
como “ultima ratio” no conjunto do ordenamento jurídico. Isso porque a pena e a

TU
medida de segurança não são os únicos meios dos quais dispõe a sociedade para a
proteção de seus bens. Roxin entende que a subsidiariedade decorre da
proporcionalidade e do próprio Estado de Direito. Já Regis Prado pontua que o uso
excessivo da sanção criminal não garante uma maior proteção a bens jurídicos, mas,

RA
ao contrário, condena o sistema penal a uma função meramente simbólica e negativa.
Por fim, é válido salientar que diversos autores classificam a fragmentariedade e
subsidiariedade como decorrentes do princípio da intervenção mínima. Já Gustavo
Junqueira identifica subsidiariedade a intervenção mínima (limitação do poder punitivo
LG
estatal em face de outros ramos do direito), analisando a fragmentariedade (limitação
do poder punitivo em face de outros bens jurídicos) em separado.

12. O que é o princípio da insignificância e quais são suas origens e requisitos?


IA

É possível o reconhecimento da insignificância em crimes contra o patrimônio


cometidos com violência ou grave ameaça? Quanto ao porte de drogas para
consumo próprio? Quanto a crimes ambientais? Quanto a atos infracionais?
ER

Ainda que se concretize, em algum grau, lesão a um bem jurídico penal, tal
circunstância não basta para que seja legítima a incriminação da conduta. Entende-se
o princípio da insignificância ou bagatela como um instrumento de interpretação
restritiva que exclui a faceta material da tipicidade penal, tornando-se possível
AT

alcançar, pela via judicial e sem macular a segurança jurídica do pensamento


sistemático, a proposição político-criminal da necessidade de descriminalização de
condutas que, embora formalmente típicas, não atingem de forma relevante os bens
jurídicos protegidos pelo Direito Penal.
M

O princípio da insignificância remontaao Direito Romano e ao brocardo “minimis


non curat praetor”, tendo sido reintroduzido no sistema penal por Claus Roxin, na
Alemanha, no ano de 1964.
No Brasil, o princípio da insignificância é reconhecido desde o final da década de
1980 pela jurisprudência do STF. Contudo, foi somente em 2004 que o STF firmou o
entendimento de que para a aplicação do princípio são necessários os seguintes
requisitos: (i) mínima ofensividade da conduta do paciente; (ii) ausência de
periculosidade social da ação; (iii) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do
comportamento; (iv) inexpressividade da lesão jurídica provocada.

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Majoritariamente não se admite a incidência da bagatela quanto a crimes contra o
patrimônio com violência ou grave ameaça, sendo este o entendimento do STJ e
STF. No entanto, pode-se sustentar que a ausência absoluta de lesão ou ameaça
patrimonial é incompatível com a ocorrência de crime contra o patrimônio. Dessa
forma, afastada a norma principal, restaria a possibilidade de punição fundada nas
normas subsidiárias (lesões corporais e constrangimento ilegal, por exemplo).
Tese Institucional 88 DP/SP: Caso o bem subtraído seja insignificante, é

O
possível a desclassificação do crime de roubo para o crime subsidiário. (V
Encontro Estadual - 2012)
Quanto ao porte de drogas para consumo pessoal, a questão é controvertida

IT
nos tribunais superiores. Já se analisou o tipo face ao princípio da lesividade e que a
questão está pendente de julgamento no STF. Também é possível uma abordagem
face ao princípio da insignificância. Nesse caso, observa-se que muitas vezes os

TU
tribunais negam a incidência da bagatela no caso em questão sob o argumento de que
estaríamos diante de tipo de perigo abstrato em que a pequena quantidade seria
inerente ao próprio tipo. Nesse sentido o STJ:
Não se aplica o princípio da insignificância para o crime de posse/porte de

RA
droga paraconsumo pessoal (art. 28 da Lei n. 11.343/2006).Para a
jurisprudência, não é possível afastar a tipicidade material do porte de
substânciaentorpecente para consumo próprio com base no princípio da
insignificância, ainda que ínfimaa quantidade de droga apreendida.STJ. 6ª
LG
Turma. RHC 35.920-DF, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em
20/5/2014 (Info 541).
Contudo, na verdade a pequena quantidade de droga não constitui elemento do
tipo em questão, não havendo qualquer referência textual nesse sentido. Além disso,
IA

mesmo os crimes de perigo abstrato necessitam de alguma perigosidade concreta ou


real, sob pena de afastarem-se por completo do escopo de proteção subsidiária de
bens jurídicos. Por isso, é perfeitamente possível pensar-se em uma quantidade tão
ER

ínfima que não coloque sequer em risco a saúde pública. O STF tem precedente
(isolado) nesse sentido, reconhecendo a insignificância em caso de ínfima quantidade
de droga (HC 110.475, 1ª Turma, Rel. Min. Dias Toffoli,julgado em 14/02/2012).
Por outro lado, tanto o STF quanto o STJ acolhem o princípio da insignificância
AT

quanto a crimes contra o meio ambiente e quanto a atos infracionais (o adolescente


não pode receber tratamento mais gravoso que o adulto).
No tocante à jurisprudência do STF e do STJ acerca da aplicação do princípio
da insignificância a casos concretos, é interessante destacar ainda os seguintes casos:
M

i. aplica-se o princípio da insignificância ao “flanelinha”. Segundo o art. 1º da Lei


6.242/75, o exercício da profissão de guardador e lavador autônomo de veículos
automotores (“flanelinha”) depende de registro na Delegacia Regional do Trabalho
competente. Diante disso, caso a pessoa exerça a profissão de “flanelinha”, ela poderia
ser denunciada pela prática do art. 47 da Lei de Contravenções Penais. Tanto o STF
como o STJ entendem que se aplica à hipótese do flanelinha o princípio da
insignificância. STF, 2ª Turma, HC 115046/MG, 2013 (Inf. 699). STJ, 5ª Turma, RHC
36.280/MG, 2014 (Inf. 536);

14
ii. qual é o valor máximo considerado insignificante no caso de crimes tributários?
Para o STJ: 10 mil reais (art. 20 da Lei n.10.522/2002). Para o STF: 20 mil reais (art.
1º, II, da Portaria MF n.75/2012).
STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1.406.356-PR, Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em
6/2/2014.STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1.402.207-PR, Min. Rel. Assusete Magalhães,
julgado em 4/2/2014.STF. 1ª Turma. HC 120617, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em
04/02/2014.STF. 2ª Turma. HC 120620/RS e HC 121322/PR, Rel. Min. Ricardo

O
Lewandowski, julgados em 18/2/2014. Inf. 739.
iii. via de regra, a jurisprudência do STF e do STJ entende que não é possível a
aplicação do princípio da insignificância para réus reincidentes ou que

IT
respondam a outros inquéritos ou ações penais. No entanto, o STF reconheceu a
aplicação do princípio a um réu que praticou um furto de R$16,00, mesmo já tendo
sido condenado por lesão corporal anteriormente. Entendeu-se que é possível aplicar o

TU
princípio da insignificância mesmo havendo essa condenação, porque a contumácia de
infrações penais que não têm o patrimônio como bem jurídico tutelado pela norma
penal (a exemplo da lesão corporal) não pode ser valorada como fator impeditivo à
aplicação do princípio da insignificância. STF. 2ª Turma. HC 114723/MG, Rel. Min.

RA
Teori Zavascki, julgado em 26/8/2014 (Info 756).
iv. Ainda mais recentemente, o Plenário do STF, ao analisar o tema do item anterior,
afirmou que não é possível fixar uma regra geral (uma tese) sobre aaplicação do
princípio em caso de reincidência e de furto qualificado. Entendeu o STF que a
LG
decisão sobre a incidência ou não do princípio da insignificância deve ser feita caso a
caso. Apesar disso, na prática, observa-se que, na maioria dos casos, o STF e o STJ
negam a aplicação do princípio da insignificância caso o réu seja reincidente ou já
responda a outros inquéritos ou ações penais. De igual modo, nega o benefício em
IA

situações de furto qualificado. STF. Plenário.HC 123108/MG, HC 123533/SP e HC


123734/MG, Rel. Min. Roberto Barroso, julgados em 3/8/2015 (Info 793).
v. é possível aplicar o princípio da insignificância para a conduta de manter rádio
comunitária clandestina?
ER

1ª corrente (STF): SIM Segunda Turma. HC 115729/BA, rel. Min. Ricardo


Lewandowski, 18.12.2012. (Inf. 693).
2ª corrente (STJ): NÃO AgRg no AREsp 108.176/BA, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze,
AT

Quinta Turma, julgado em 28/08/2012)


vi. não se aplica o princípio da insignificância aos crimes de contrabando de
máquinas caça-níqueis ou de outros materiais relacionados com a exploração de
jogos de azar STJ, Quinta Turma. REsp 1.212.946-RS, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado
M

em 4/12/2012 (Inf. 511);


vii. o STJ não aplicou o princípio da insignificância para o réu que furtou uma máquina
de cortar cerâmica avaliada em R$ 130,00 que a vítima utilizava usualmente para
exercer seu trabalho e que foi recuperada somente alguns dias depois da consumação
do crime. Vale ressaltar, ainda, que o agente respondia a vários processos por delitos
contra o patrimônio. STJ. 6a Turma. HC 241.713-DF, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz,
julgado em 10/12/2013;
viii. não é aplicável o princípio da insignificância em relação à conduta de importar
gasolina sem autorização e sem o devido recolhimento de tributos. Isso porque
essa conduta tem adequação típica ao crime de contrabando, ao qual não se admite

15
a aplicação do princípio da insignificância. STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp
348.408-RR, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 18/2/2014 (Inf. 536).
ix. para se aplicar o princípio da insignificância aos crimes tributários envolvendo
tributos estaduais ou municipais, é necessário que exista lei estadual ou
municipal dispensando a execução fiscal no caso de tributos abaixo de
determinado valor. Esse será o parâmetro para a insignificância. Não é possível
aplicar o patamar estabelecido no art. 20 da Lei10.522/2002, uma vez que essa lei

O
trata de tributos que sejam da competência da União. STJ. 6ª Turma. HC 165.003-SP,
Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 20/3/2014 (Inf. 540);
Outros entendimentos do STF e do STJ: não se aplica o princípio da

IT
insignificância ao furto qualificado; aos crimes contra a fé pública, mais precisamente o
de moeda falsa; em nenhuma forma de tráfico e em crimes praticado com violência.

TU
13. Quais as funções do princípio da adequação social? Tal princípio tem o
condão de revogar tipos penais incriminadores?
A teoria da adequação social, concebida por Hans Welzel, significa que apesar
de uma conduta se subsumir ao modelo legal, ela não será considerada típica se for

RA
socialmente adequada ou reconhecida, isto é, se estiver de acordo com a ordem social
da vida historicamente condicionada. O desenvolvimento de ações praticadas com o
oportuno dever de cuidado e que estejam completamente inseridas nos referenciais
normativos da vida comunitária, que se configuraram historicamente, não realiza o tipo
LG
delitivo, ainda que afete bens jurídicos. Ficam também excluídas dos tipos penais as
ações socialmente adequadas, ainda que formalmente típicas.
O princípio da adequação social possui uma dupla função: (i) restringir o
âmbito de abrangência do tipo penal, limitando a sua interpretação, e dele excluindo
IA

as condutas consideradas socialmente adequadas e aceitas pela sociedade; (ii) dirigir-


se ao legislador em 2 vertentes (relação com o princípio da intervenção mínima): a) a
primeira delas orienta o legislador quando da seleção das condutas que deseja
proibir ou impor, com a finalidade de proteger os bens considerados mais
ER

importantes; b) a segunda destina-se a fazer com que o legislador repense os tipos


penais e retire do ordenamento jurídico a proteção sobre aqueles bens cujas
condutas já se adaptaram perfeitamente à evolução da sociedade
AT

(descriminalização).
Segundo Rogério Greco e posição que vem sendo adotada pelos tribunais
superiores, embora sirva de norte para o legislador, que deverá ter a sensibilidade de
distinguir as condutas consideradas socialmente adequadas daquelas que estão a
M

merecer a reprimenda do Direito Penal, o princípio da adequação social, por si só,


não tem o condão de revogar tipos penais incriminadores.
E essa tem sido a orientação dos nossos tribunais superiores: (i) sobre a
contravenção penal do jogo do bicho, o STJ entende que a tolerância ou a omissão
de algumas autoridades em reprimir essa contravenção penal não tem o condão de ab-
rogar o derrogar a norma legal (REsp. 215153 / SP, 5ª Turma, 2001 e REsp. 23221/SP,
6ª Turma, 1992); (ii) sobre a venda de produtos piratas, o STF indeferiu HC em que a
DPE/SP requeria, com base no princípio da adequação social, a declaração de
atipicidade da conduta imputada a condenado como incurso nas penas do art. 184, §
2º, CP. A DPE sustentava que a referida conduta seria socialmente adequada, haja

16
vista que a coletividade não recriminaria o vendedor de CDs e DVDs reproduzidos sem
a autorização do titular do direito autoral, mas, ao contrário, estimularia a sua prática
em virtude dos altos preços desses produtos, insuscetíveis de serem adquiridos por
grande parte da população. O STF, no entanto, asseverou que o fato de a sociedade
tolerar a prática do delito em questão não implicaria dizer que o comportamento do
agente ser considerado lícito (HC 98898/SP, 1ª Turma, 2010 – Inf. 583). Em
semelhante sentido, em 2013 o STJ editou sua Súmula 502: “presentes a materialidade
e a autoria, afigura-se típica, em relação ao crime previsto no art. 184, § 2º, do CP, a

O
conduta de expor à venda CDs e DVDs piratas”.

IT
14. Quais são os aspectos do princípio da culpabilidade/da responsabilidade
pessoal/da personalidade? Há hipóteses de responsabilidade objetiva previstas
no ordenamento?

TU
Possível abordar os seguintes aspectos:
(i) Repúdio à responsabilidade objetiva:só se justifica a punição quando o resultado
lesivo ou perigoso ao bem jurídico resultar de dolo ou culpa. Contudo, apesar
da proibição, nosso ordenamento contempla algumas hipóteses de

RA
responsabilidade objetiva, como no caso da a) rixa qualificada (punição do
rixoso pelo resultado mais grave pelo simples fato de participação na
disputa); b) da punição do agente que pratica conduta em estado de
embriaguez voluntária ou culposa (“actio libera in causa”, 28 CP); c) da
LG
responsabilidade penal da pessoa jurídica.
(ii) A punição deve estar condicionada à reprovação do sujeito que podia agir de
outro modo mas não o fez: trata-se de aspecto analítico.
(iii) Culpabilidade como fundamento e limite da pena, justificando a punição imposta
IA

e impedindo que esta seja além do referencial da própria culpabilidade.


(iv) Proibição de responsabilização por fato de terceiro (princípio da personalidade):
a pena não pode jamais transcender a pessoa que foi a autora ou partícipe
ER

do delito. Proibição de punição por fato alheio.

15. O que significa o princípio da intranscendência, personalidade ou


pessoalidade da pena? Em caso de morte do condenado poderá o valor da pena
AT

de multa a ele aplicada ser cobrada de seus herdeiros?


Trata-se do postulado segundo o qual a pena não pode ultrapassar da pessoa
do condenado. Nunca se pode interpretar uma lei penal no sentido de que a pena
transcenda da pessoa que é autora ou partícipe do delito. A pena é uma medida de
M

caráter estritamente pessoal.


São desdobramentos desse princípio: (i) a obrigatoriedade da
individualização da acusação, ficando proibida a denúncia genérica, vaga ou evasiva;
(ii) obrigatoriedade da individualização da pena.
O art. 5º, XLV, da CF estabelece que “nenhuma pena passará da pessoa do
condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de
bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o
limite do valor do patrimônio transferido”.
No entanto, em caso de morte do condenado, não poderá o valor
correspondente à pena de multa a ele aplicada ser cobrado de seus herdeiros,

17
uma vez que, mesmo considerada dívida de valor, a multa ainda é uma das 3
modalidades de pena previstas pelo art. 32 do CP.

16. Quais os desdobramentos do princípio da presunção de inocência ou não


culpa?
Prevista pelo art. 8.2 da Convenção Americana de Direitos Humanos e pelo art.
5º, LXVII, da CF/88, o princípio da presunção de inocência ou não culpa estabelece

O
que ninguém será considerado culpado até que haja decisão definitiva em sentido
contrário.
Como desdobramentos desse princípio temos: (i) qualquer restrição à liberdade

IT
do investigado ou acusado somente se admite após a condenação definitiva; (ii)
cumpre à acusação o dever de demonstrar a responsabilidade do réu e não a este
comprovar a sua inocência; (iii) a condenação deve derivar da certeza do julgador (in

TU
dubio pro reo).

17. Quais são as fases de aplicação do princípio da individualização da pena?


Interpretando o texto constitucional (art. 5º, XLVI), podemos concluir que o

RA
primeiro momento da chamada individualização da pena ocorre com a seleção feita
pelo legislador, quando escolhe para fazer parte do âmbito de abrangência do Direito
Penal aquelas condutas, positivas ou negativas, que atacam os bens jurídicos mais
importantes. Uma vez feita essa seleção, o legislador valora as condutas cominando-
LG
lhes penas que variam de acordo com a importância do bem a ser tutelado. Essa fase é
aquela na qual cabe ao legislador, com base em um critério político, valorar os bens
que estão sendo objeto de proteção pelo Direito Penal. Nessa fase de cominação
legislativa deve ser respeitada a proporcionalidade entre a gravidade do crime e a pena
IA

prevista.
Em um segundo momento, temos a fase de aplicação da pena, em que o juiz,
de acordo com o critério trifásico (circunstâncias judiciais, atenuantes e agravantes,
ER

causas de aumento e diminuição), aplica a pena ao caso concreto.


Por fim, temos a fase de execução penal, que consiste na previsão de dar a
cada apenado as oportunidades e os elementos necessários para lograr a sua
reinserção social. (art. 1º da LEP).
AT

18. Quem são os destinatários do princípio da proporcionalidade? Disserte sobre


proibição de excesso e proibição de proteção deficiente.
O princípio da proporcionalidade exige que se faça um juízo de ponderação
M

sobre a relação existente entre o bem que é lesionado ou posto em perigo (gravidade
do fato) e o bem de que pode alguém ser privado (gravidade da pena).
Tem em consequência um duplo destinatário: (i) o poder legislativo (que tem
que estabelecer penas proporcionais, em abstrato, à gravidade do delito); (ii) o juiz (as
penas que os juízes impõem ao autor do delito têm de ser proporcionais à sua concreta
gravidade).
Uma das vertentes do princípio da proporcionalidade é a proibição do excesso,
dirigida tanto ao legislador quanto ao julgador. Procura-se proteger o direito de
liberdade dos cidadãos, evitando-se a punição desnecessária de comportamentos
que não possuem a relevância exigida pelo Direito Penal, ou mesmo

18
comportamentos que são penalmente relevantes, mas que foram excessivamente
valorados, fazendo com que o legislador cominasse, em abstrato, pena
desproporcional à conduta praticada, lesiva a determinado bem jurídico.
A outra vertente é a proibição da proteção insuficiente, que não admite que
um direito fundamental seja deficientemente protegido, seja mediante a eliminação de
figuras típicas, seja pela cominação de penas que ficam aquém da importância exigida
pelo bem que se quer proteger.

O
19. Quais são as penas proibidas pelo ordenamento jurídico brasileiro, tendo em
vista o princípio da humanidade das penas?

IT
A CF, visando a impedir qualquer tentativa de retrocesso quanto à cominação
das penas levadas a efeito pelo legislador, estabelece em seu art. 5º, XLVII, a
proibição das penas: (i) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do

TU
art. 84, XIX; (ii) de caráter perpétuo; (iii) de trabalhos forçados; (iv) de banimento;
(v) cruéis.

20. A imposição do trabalho como dever do preso pela LEP afronta a vedação de

RA
trabalhos forçados prevista na CF?
Majoritariamente se entende que trabalho forçado é o trabalho realizado mediante
castigo físico ou sob condição indigna e que trabalho obrigatório seria o dever do
preso de trabalhar sob pena de falta grave. Argumenta-se que a Convenção 29 da OIT
LG
afasta da definição de trabalho forçado aquele imposto em virtude de condenação
judiciária, tratando-se o trabalho forçado de todo aquele prestado em condições
indignas, sob vara ou constrangimento físico.
Pode-se sustentar, o que é minoritário, que mesmo o trabalho obrigatório da LEP é
IA

inconstitucional. Isso porque apenas benefícios poderiam ser excluídos daquele que
não trabalha e não a imposição de punições ou falta grave. A aplicação dos castigos do
artigo 50 da LEP equipararia a hipótese a trabalho forçado.
ER

21. O que são as Escolas Penais e quais seus antecedentes históricos?


Até o medievo o ilícito penal possuía uma dimensão fundamentalmente teológica
e privada. O crime era antes de tudo um pecado e a justiça penal, influenciada pela
AT

confusão entre poder político e religioso, não encontrava limites, sendo o poder do
soberano inapelável.
O movimento Iluminista, opondo-se às monarquias absolutas, vieram com as
ideias de secularização, contratualismo, racionalismo, utilitarismo e legalismo.
M

Essa ampla transformação pôs em marcha uma forte reação à arbitrariedade da justiça
criminal do período anterior, a partir da qual se pretenderam traçar limites ao “jus
puniendi”.
Com o movimento codificador, os princípios penais foram sistematizados e
surgem as primeiras Escolas Penais, que são corpos de doutrina que visam a
sistematizar a concepção sobre a legitimidade do direito de punir, a natureza do
delito e as finalidades das sanções.
O movimento iluminista foi um importante antecedente, podendo-se citar que a
obra de Cesare Bonesana (Marquês de Beccaria) é considerada precursora da Escola

19
Clássica. Deve-se anotar que, para alguns autores, este autor já marca o início da
própria Escola Clássica, não sendo propriamente um antecedente.

22. Quais as principais características e desdobramentos da Escola Clássica?


Embora a Escola Clássica tenha conteúdo em certa medida heterogêneo, seus
representantes foram aglutinados para marcar a contraposição com o movimento
posterior, do positivismo.
A Escola Clássica de modo geral se caracteriza por sua índole filosófica; por seu

O
sentido liberal;por seu método racionalista (dedução lógico-abstrata); pela
concepção de imputabilidade baseada no livre-arbítrio e na culpabilidade moral;

IT
pela consideração da pena como um mal em retribuição à culpa moral.
Pode-se mencionar Carrara como grande expoente da Escola Clássica italiana e
Feuerbach como expoente da Escola Clássica alemã.

TU
23. Diferencie a Escola Clássica da Escola Positiva, especificando as
características desta última.
A Escola Clássica entende que o agente tem livre-arbítrio, que os homens são

RA
sensivelmente iguais e que o fator produtor do delito é a vontade do agente, não sendo
dada importância a fatores biológicos, físicos ou sociais. O “homem delinquente” é um
homem normal que teria optado pelo mal.
Enquanto a Escola Clássica se centrava no estudo do delito, a Escola Positiva
LG
confere maior importância ao autor do delito do que ao crime propriamente dito. O
individualismo da Escola Clássica cede lugar a uma análise com enfoque na defesa do
corpo social contra o delinquente, priorizando os interesses sociais em relação aos
individuais. Não se considera mais o crime em abstrato, mas, sim, em seu aspecto
IA

fenomênico, passando-se a analisar também o homem criminoso, o que conduz à


formação das ciências criminológicas (com os métodos científico e positivista).
São características da Escola Positivista: o uso do método experimental; a
substituição do livre-arbítrio pelo determinismo; a consideração do delito como
ER

fenômeno natural e social produzido pelo homem (o delito é um fato natural,


inerente ao homem, com fundo antropológico, físico ou social); visão da pena não
como castigo, mas como meio de defesa social.
AT

24. Quais as principais fases da Escola Positiva e quais seus principais


expoentes?
Inicialmente pode-se apontar a fase antropológica, aqui representada pelo médico
M

Cesare Lombroso. Lombroso partiu da ideia de um criminoso nato, acentuando as


anomalias que um delinquente apresentaria, constituindo um tipo antropológico
específico, originando-se a antropologia criminal. Para Lombroso, a constituição física
de cada delinquente poderia identifica-lo, pois haveria uma disposição natural inata que
o inclinaria para o crime. Identificava o criminoso como “um degenerado atávico de
fundo epilético”, utilizando as seguintes análises: craniometria, antropometria,
fisionomia, tatuagens etc.
Houve também a fase sociológica, de Enrico Ferri. Ferri expandiu ao máximo o
trinômio causal do delito: fatores antropológicos, sociais e físicos. Preponderam os
fatores sociais. A razão e o fundamento da reação punitiva é a defesa social, que se

20
promove mais eficazmente pela prevenção do que pela repressão aos fatos criminosos.
Delineia a ideia de periculosidade.
Já Garofalo, expoente da fase jurídica, entende que o crime sempre está no
indivíduo e que é a revelação de uma natureza degenerada, quaisquer que sejam as
causas dessa degeneração, antigas ou recentes. Desenvolveu a ideia de
temibilidade/periculosidade, que posteriormente sustentaria a sanção da medida de
segurança. A temibilidade era a justificativa para a imposição do tratamento; unificava

O
os fins de proteção social e tratamento, alcançando a eficácia com a obstrução de
novos delitos.

IT
25. Há resquícios do pensamento positivista no atual ordenamento jurídico penal
brasileiro? Cite exemplos.
Sim, há diversos resquícios dos ideais positivistas no ordenamento. As ideias de

TU
periculosidade e a permanência do exame criminológicosão exemplos da
persistência de um direito penal mais focado no autor do que no fato. A medida de
segurança sem prazo máximo e a reincidência também são exemplos possíveis.

RA
26. Disserte sucintamente acerca das chamadas Terceiras Escolas (ecléticas,
mistas ou ainda positivismo crítico), citando principais autores.
(i) “Terza scuola” italiana: Carnevale e Alimena. Aceita o princípio da defesa
social, mas não em seu sentido naturalista ou utilitário, tendo o Direito Penal como
LG
medida a justiça e como limite o mínimo de sofrimento individual dentro do máximo de
defesa da sociedade. A visão de delito como fenômeno individual e social, bem como a
negação do livre-arbítrio aproxima a escola dos positivistas; por outro lado, a distinção
entre imputáveis e inimputáveis tem mais semelhança com a Escola Clássica.
IA

(ii)Escola Moderna alemã (ou Terceira Escola Alemã/Escola Sociológica


Alemã). Liszt. Distinção entre imputáveis e inimputáveis; crime como fenômeno
humano-social e fato jurídico; função finalística da pena mesmo sem perder seu caráter
ER

retributivo; eliminação ou substituição das penas privativas de liberdade de curta


duração.
(iii) Tecnicismo jurídico. Rocco. Eliminação de toda consideração de ordem
filosófica; questões como o livre-arbítrio estão fora do Direito Penal. Forte positivismo
AT

jurídico.
(iv) Correcionalismo. Röder (Alemanha); Dorado Montero (Espanha). A sanção
penal é vista como um bem, um “remédio” apto a curar o delinquente, que é um
indivíduo débil de corpo e espírito, devendo a administração da justiça visar ao
M

saneamento social e o juiz ser visto como um médico social.


(v) Nova defesa social. Marc Ancel. O Direito Penal deve ser substituído por um
direito de defesa social, com o objetivo de adaptar o indivíduo à ordem social. Propõe-
se a substituição da responsabilidade penal, fundada no delito, pela antissociabilidade,
fundada em direitos subjetivos do autor.

27. Quais são as modernas tendências do pensamento penal?


Destacam-se os movimentos de “Lei e Ordem”; “Direito Penal do Inimigo”;
“Garantismo Penal”; “Abolicionismo Penal”; “Funcionalismo Redutor” (ou Direito Penal
Redutor).

21
28. Quais os principais postulados das ideias aglutinadas na tendência de “lei e
ordem”?
Wilson e Kelling, bem como Dahrendorf, podem ser lembrados como expoentes
deste movimento. Grosso modo, adeptos do movimento de “lei e ordem” defendem que
(i) prevalece o interesse coletivo sobre o individual (democracia seria a supremacia do
interesse da maioria, que deve prevalecer sobre a minoria; “a maioria honesta não
pode permanecer refém da minoria desonesta” – Dahendorf); (ii) passado o pós-

O
guerra, não há mais razão para a exacerbação dos direitos humanos; (iii) deve haver
aumento das forças de repressão e do poder interno das polícias; (iv)tolerância zero,

IT
devendo ser reprimidas com grande intensidade as pequenas infrações por motivos
pragmáticos e comunicativos; (v) teoria das janelas quebradas de Wilson e Kelling,
segundo os quais a sensação de segurança é essencial para a eficácia de uma política

TU
de contenção da criminalidade. A sensação de segurança é tão ou mais importante que
a efetiva diminuição de crimes. Defesa de intervenção sobre ““““vagabundos,
prostitutas, bêbados e outros indesejados”””””; (vi) penas alternativas fomentam a
criminalidade.

29. Quaisas velocidades do Direito Penal?


RA
Primeira Velocidade – Assegura a todos os critérios clássicos de imputação e os
princípios penais e processuais penais tradicionais (ex. princípios da subsidiariedade e
LG
ofensividade, mas permite a aplicação da pena de prisão).
Segunda Velocidade – Permite a flexibilização de garantias penais e processuais
penais. Confere proteção a bens jurídicos supraindividuais, possibilitando a
antecipação da tutela penal (tipificação de condutas presumivelmente perigosas –
IA

crimes de perigo presumido) e a criação de crimes de acumulação (a lesão ao bem


jurídico pressupõe a soma de várias condutas praticadas individualmente). Porém, não
admite a aplicação da pena de prisão, mas somente as penas restritivas de direitos e
ER

pecuniárias.
Terceira Velocidade – Relativização de garantias criminais, regras de imputação e
critérios processuais. Fase em que se configura o Direito Penal do Inimigo.
Quarta Velocidade (neopunitivismo) – Modelo de sistema penal utilizado pelo
AT

Tribunal Penal Internacional, com restrição e supressão de garantias penais e


processuais penais de réus que no passado ostentaram função de chefes de estado e,
como tal, violaram gravemente tratados internacionais que tutelam direitos humanos.
M

30. Critique o Direito Penal do Inimigo (dissertação do Patrick ajuda :p).


Algumas críticas possíveis são: (i) a aleatoriedade na escolha do inimigo, a partir
do paradigma do opressor, que no caso do Brasil deixa a certeza sobre quem seria o
inimigo, a cor de sua pele, sua origem, seu nível educacional, sua renda etc; (ii) a
universalidade dos direitos humanos é absolutamente incompatível com a
discriminação entre cidadãos e inimigos; (iii) trata-se de consagração do
antidemocrático direito penal do autor, típico de regimes totalitários; (iv) não se trata de
um verdadeiro direito penal, visto que se afasta de suas características essenciais,
impondo-se como uma mera manifestação de poder.

22
31. Quais os axiomas do garantismo de Ferrajoli?
O garantismo resgata uma série de premissas clássicas e iluministas, com novo
enfoque. Para Ferrajoli, o garantismo é um modelo normativo de direito que pretende
minimizar a violência estatal e maximizar a liberdade individual. A violência estatal
sobre o cidadão só se legitima quando é capaz de diminuir a violência social. Para isso
desenvolveu 10 axiomas: 1) não há pena sem crime;2) não há crime sem lei;3) não há
lei penal sem necessidade;4) não há necessidade sem lesão [lesividade,

O
ofensividade];5) não há lesão sem conduta;6) não há conduta [relevante penal] sem
culpa;7) não há culpa sem processo/jurisdição;8) não há processo sem acusação;9)
não há acusação sem prova [princípio do ônus da prova];10) não há prova sem defesa.

IT
Críticos à direita criticam o garantismo pela falta de rigor no combate ao crime e
críticos à esquerda afirmam que Ferrajoli parte da premissa de uma sociedade de
consenso e que sua teoria não corresponde à realidade social.

TU
32. Disserte brevemente sobre o abolicionismo penal.
Louk Hulsman pode ser apontado como expoente do abolicionismo penal. Parte da
ideia de que o direito penal deve ser abolido, pois não se justifica a partir de uma

RA
perspectiva racional e humanista. O direito penal serve a propósitos ilegítimos, além de
ser seletivo, discriminatório, estigmatizante e criminógeno. Se se outorgasse às
pessoas maior liberdade para a solução de seus conflitos, seria muito provável que as
demais soluções aflorassem, com maior legitimidade racional e eficácia social. Por
LG
outro lado, é impossível tentar qualquer controle racional da criminalidade, pois a cifra
negra impede a percepção da realidade.
Há críticas ao abolicionismo no sentido de que poderia haver risco de opressão
estatal sem as garantias penais. Para Zaffaroni, mesmo com o abolicionismo a
IA

opressão do poderoso contra o vulnerável que ora se serve do direito penal vai
continuar, mas sem as garantias históricas do direito penal. Assim, em homenagem a
tais garantias, o direito penal não pode ser abolido, mas sim transformado.
ER

33. Delineie as principais fases da evolução epistemológico-histórica do Direito


Penal.
(i) Positivismo: data do final do século XIX. É marcado pelo ideal de rejeitar toda
AT

imposição metafísica do mundo da ciência (negativismo) e de restringi-la, de modo


rigoroso, aos fatos e às suas leis, empiricamente considerados. Visa a reduzir as
ciências da cultura ao modelo das ciências naturais. A ciência tem como característica
fundamental sua avaloratividade, sendo a única atividade científica admissível aquela
M

fundada na experiência apreendida através do método causal-explicativo.


(ii) Neokantismo: é uma corrente filosófica que aparece como superação do
positivismo e não necessariamente sua negação. Aqui, o Direito é concebido como
uma realidade cultural, referida a valores. E é justamente a referência a valores que
marca a diferença entre as ciências naturais (método ontológico) e as ciências jurídicas
(método axiológico).
(iii) Finalismo: Refuta o positivismo formalista e o realismo axiológico, substituindo-
os por uma consideração ontológica dos problemas. O conceito é determinado pelas
estruturas lógico-objetivas (imanentes à realidade) do objeto cognoscível. Essas
estruturas pertencem ao mundo do ser, mas já contêm em si uma dimensão de sentido,

23
com a qual condicionam toda valoração que sobre elas possa recair. Vinculam o
legislador e a ciência, de forma que toda e qualquer valoração jurídica está limitada ou
condicionada a determinada estrutura lógico-objetiva, isto é, às qualidades ontológicas
do objeto valorado. Mas essa vinculação é relativa, pois é o legislador, guiado por suas
representações valorativas, quem determina qual aspecto da realidade pré-jurídica
deseja tomar como fundamento de sua regulação.
(iv) Funcionalismo teleológico-racional: busca inserir nas categorias dogmático-

O
penais, em particular no conceito de delito, elementos político-criminais. Define-se o
sistema penal com base em critérios teleológicos decorrentes de decisões político-
criminais.

IT
(v) Funcionalismo sistêmico: Insiste em uma renormativização penal, deixando o
legislador absolutamente livre, sem vinculação a nenhuma estrutura pré-jurídica, para
considerara apenas, na seleção de condutas objeto de criminalização, o aspecto social,

TU
com o objetivo de influir na estrutura da sociedade através da sanção criminal (fins da
pena). O delito é considerado como ato comunicativo transgressor da norma penal.
(vi) Funcionalismo redutor (Zaffaroni): Todos os modelos partem de uma sociedade
de consenso e por isso se legitimam no “bem comum”, nos “valores fundamentais”,

RA
“bens jurídicos vitais”. A premissa é falsa. Deve ser adotada como premissa base a
sociedade de conflito e, assim, a pena não tem uma função legítima, devendo ser
compreendida como instrumento de opressão dos donos do poder contra os
vulneráveis. Todas as estruturas do Direito Penal devem ser compreendidas de forma a
LG
restringir ou impedir a imposição da pena. Assim, para Zaffaroni, “o Direito Penal deve
ser um dique para salvaguardar o Estado de Direito diante de um inevitável Estado de
Polícia imposto pelos poderosos. Juízes não exercem o poder punitivo, mas sim as
agências executivas. O poder que os juízes dispõem é o de contenção, pois sem tal
IA

contenção o poder punitivo ficaria liberado ao puro impulso da opressão penal”. A


máxima efetividade redutora traz a edificação de uma política criminal epicentrada no
juiz de despenalização parcial por meios interpretativos. A operação penal deve ainda
ER

exercer um papel contra-seletivo ilustrado na culpabilidade por vulnerabilidade.

34. Discorra sobre a evolução do Direito Penal no Brasil ao longo da colônia,


império e república.
AT

No Brasil pré-português, não havia uniformidade nas formas de reação contra as


condutas consideradas ofensivas. Havia uma pluralidade de sociedades indígenas,
com sistemática de “vingança privada”. Com o domínio português, vigeram as
Ordenações Afonsinas e Manuelinas. As Ordenações Filipinas de 1603 se orientavam
M

no sentido de uma ampla e generalizada criminalização e severas punições.


Já durante a fase imperial, foi sancionado o Código Criminal do Império de 1830,
primeiro código autônomo da América Latina. Tal código foi original ao estabelecer pela
primeira vez o sistema de dias-multa e previu pontos importantes, como o princípio da
legalidade, as regras sobre tentativa, elemento subjetivo, autoria e participação, casos
de inimputabilidade, causas de justificação, agravantes e atenuantes. O Código
Imperial apresenta um texto retributivo, ou seja, marcado pelo pensamento
contratualista de seu tempo, ainda que apresentasse ideias de Bentham. Seu sistema
de "penas fixas", tabuladas quase que matematicamente, constitui herança do
pensamento francês da Revolução. O código contemplava a pena de morte. O sentido

24
liberal do código foi neutralizado, numa certa medida, através de leis processuais,
como a que cuidava do julgamento dos escravos que tivessem atentado contra a vida e
segurança de seu senhor ou de suas famílias. Esta lei manteve-se em vigor até 1886.
Outra lei, esta de maior duração, foi a 1841, que criou o inquérito policial.
No período republicano, o Código Penal de 1890 foi criticado por graves defeitos
de técnica e por estar atrasado em relação à ciência de seu tempo. Não obstante as
críticas, o primeiro códigopenal republicano possuía um texto liberal, clássico, que

O
simplificou o sistemade penas do Código anterior, ponto que, para seu tempo,
significou um sensívelavanço sobre o texto do código imperial. É obvio que a República
nasceu sob o signo ideológico do positivismo, e oCódigo de 1890 não correspondia a

IT
essa ideologia. Isto explica as críticasde que foi alvo, particularmente quando
chegaram ao Brasil as influências de FERRI e de toda a escola criminológica italiana.
Obviamente, as tendências elitistas e racistascriticariam o código de 1890 porser

TU
espécie da materialização do liberalismo que elas satanizavam.
O panorama geral da legislação penal do século XIX reflete momentos políticos
sumamente diferenciados, e inaugura o claro paralelismo que se estabeleceentre a
política criminal e a política em geral, que caracteriza a história legislativa penal do

RA
Brasil até o presente momento. O século inicia-se com uma legislação de cunho liberal
pragmático que corresponde a um despotismoilustrado, e culmina com uma orientação
liberal clássica, que foi atacada pelopositivismo.
Em 1937, Alcântara Machado apresentou um projeto de Código Criminal, que
LG
acabou sendo sancionado em 1940, passando a vigorar desde 1942 até os dias atuais,
tendo sido reformado em sua parte geral pela Lei 7209/1984.
É bastante sintomático que, mantendo a tradição dos séculos XIX e XX,também
neste seja possível seguir, passo a passo, o curso da política geral doBrasil através de
IA

seus textos penais: o Código republicano de 1890 e os ataquespositivistas e


autoritários, que culminaram com a adoção do "modelo Rocco",em 1940, ou seja, o
chamado "Estado Novo"; a manutenção do mesmo, na novalei de "Segurança
ER

Nacional", e, finalmente, o seu abandono, com o ocaso da"segurança nacional".


O mais importante a assinalar é que, no decorrer dos últimos anos, opera-seo
abandono do modelo tecnocrático, vale dizer, estabelece-se o convencimento deque o
mesmo nada mais é do que um instrumento de repressão, de cunho fascista,que
AT

esconde a sua verdadeira ideologia através de técnica, da "ciência" objetivae


asséptica. A utilização desse modelo e, ainda, a busca de seu perfeccionismodurante a
vigência da Lei de Segurança Nacional são uma prova irrefutável deseu sentido
ideológico. Desastradamente, demostrando uma recaída, diante doimpacto dos meios
M

massivos de comunicação "mobilizados em face de extorsõesmediante sequestro, que


tinham vitimizado figuras importantes da eliteeconômica e social do país"... "um medo
difuso e irracional, acompanhado deuma desconfiança para com os órgãos oficiais de
controle social, tomou contada população, atuando como um mecanismo de pressão
ao qual o legisladornão soube resistir" (SILVA FRANCO), culminando com a edição da
Lei 8.072/1990, que dispõe sobre os "crimes hediondos", e outras, no mesmosentido,
estão em elaboração. É a passagem da ideologia da segurança nacionalpara a
ideologia da segurança urbana. Lamentavelmente. [Zaffaroni e Pierangeli]

25
PONTO 2
As escolas criminológicas. Sistema penal e controle social. Processo de
criminalização.
Vitimologia e vitimização.
Polícia e Sistema Penal.
O sistema penal brasileiro. Política criminal e penitenciária no Brasil. O
encarceramento no Brasil: dados e perspectivas.
Prisão: prisionização e relações de poder penitenciárias.

O
Mídia e sistema penal.
Análises criminológicas concretas.

IT
Modernas tendências do pensamento criminológico e de política criminal.

1. Quais as diferenças entre as teorias macrossociológicas do consenso e do

TU
conflito? Aponte algumas escolas criminológicas relacionadas a cada uma delas.
Para a perspectiva das TEORIAS CONSENSUAIS a finalidade da sociedade é
atingida quando há um perfeito funcionamento das suas instituições de forma que os
indivíduos compartilham os objetivos comuns a todos os cidadãos, aceitando as regras

RA
vigentes e compartilhando as regras sociais dominantes. De seu ponto de vista, as
unidades de análise social (os chamados sistemas sociais) são essencialmente
associações voluntárias de pessoas que partilham certos valores e criam instituições,
LG
com vistas a assegurar que a cooperação funcione regularmente. Partem do princípio
de que o crime representa um desvio social, que se desvia das regras da sociedade,
que são criadas por autopoiese (a própria sociedade é que cria suas regras), assim
legitimam essas regras e, por conseguinte, o próprio status quo. A pergunta
fundamental: pq as pessoas cometem crime? – focam no bad actor. Possuem como
IA

premissas as ideias de que “toda sociedade é uma estrutura de elementos


relativamente persistente e estável”; “toda sociedade é uma estrutura de elementos
bem integrada”; “todo elemento em uma sociedade tem um função, isto é, contribui
ER

para sua manutenção como sistema”; “toda estrutura social em funcionamento é


baseada em um consenso entre seus membros sobre valores”. As escolas
criminológicas da desorganização social (escola de Chicago), da associação
diferencial, da anomia e da subcultura do delinquente podem ser apontadas como
AT

relacionadas à teoria do consenso.


Já para a perspectiva das TEORIAS CONFLITUAIS a coesão e a ordem na
sociedade são fundadas na força e na coerção, na dominação por alguns e sujeição de
outros, ignorando-se a existência de acordos em torno de valores de que depende o
M

próprio estabelecimento da força. De seu ponto de vista, a coesão das organizações


sociais se dá em razão da coerção imposta e não em função de uma cooperação
voluntária ou de um consenso geral. As regras da sociedade não são autopoéticas,
mas são impostas por uma classe dominante às classes dominadas, que são alienadas
para aceitar essas regras como verdadeiras. Pergunta fundamental: pq o sistema penal
escolhe determinadas pessoas para criminalizar? – focam nos powerfull reactors.
Possui como premissas as ideias de que “toda a sociedade está, a cada momento,
sujeita a processos de mudança”; “a mudança social é ubíqua”; “toda sociedade exibe
a cada momento dissensão e conflito e o conflito social é ubíquo”; “todo elemento em
uma sociedade contribui de certa forma para sua desintegração e mudança”; “toda

26
sociedade é baseada na coerção de alguns de seus membros por outros”. As teorias
criminológicas da rotulação social (Labelling Approach/reação social) e crítica podem
ser apontadas como relacionadas à teoria do conflito.
(FONTES: Criminologia – Sérgio Salomão Shecaira – 2ª edição; Caderno Bruno
Shimizu FMB semestral 2014).

2. Discorra suscintamente sobre as escolas pré-científicas da criminologia,


abordando as ideias essenciais de cada uma, seus principais representantes e as

O
críticas que pesaram sobre cada uma.
ESCOLA CLÁSSICA - caracterizou-se por ter projetado sobre o problema do crime

IT
os ideais filosóficos e o ethos (modo de ser) político do humanismo racionalista. A pena
era entendida como a reparação do dano causado pela violação do contrato social
(negação da negação do direito). Fundamentava-se na ideia de livre-arbítrio, que é a

TU
base para uma pena proporcional. A base precursora foi a obra “Dos delitos e das
penas” de Cesare Bonesana, o Marquês de Beccaria, que, ao lado de Francesco
Carrara, representam os principais expoentes desta escola. As principais críticas que
podem ser apontadas são a de que supunham uma homogeneidade absoluta de todos

RA
os homens no que toca aos processos pessoais de motivação dos atos; e que não
logrou conter o avanço da criminalidade com o suposto efeito dissuasório da pena.
ESCOLA POSITIVISTA (ANTROPOLÓGICA) - reconhecia o crime como um
fenômeno natural e social, sujeito às influências do meio de múltiplos fatores, exigindo
LG
a adoção do método experimental para seu estudo.
Tratava o criminoso como sendo sempre um sujeito psicologicamente anormal, sendo a
pena uma medida de defesa social visando a sua recuperação. Seus principais
representantes foram: Cesare Lombroso, que sustentava que a criminalidade é uma
IA

característica biológica do criminoso (o criminoso é biologicamente diferente do


indivíduo normal), concluindo que os criminosos nascem criminosos (criminoso nato) e
que as causas do crime residem em um trupe (tríptico lombrosiano) - regressão
ER

atávica, taras degenerativas e fatores externos que apenas desencadeariam o


potencial criminoso já existente no indivíduo; Enrico Ferri, responsável por
desenvolver uma sociologia criminal ligada às ideias de Lombroso, entendendo o
fenômeno da criminalidade como decorrente de fatores antropológicos, físicos e sociais
AT

(precursor do determinismo sociológico criminal), negando o livre-arbítrio, tendo, ainda,


criado uma classificação quíntupla dos delinquentes (natos, loucos, ocasionais, por
hábito adquirido, e passionais); Rafaele Garofalo, que formulou o conceito de
temibilidade, isto é, a mensuração da probabilidade de alguém cometer um crime,
M

através da análise e observação do homem (é o conceito precursor da periculosidade).


As principais críticas apontadas a esta escola são: patologização do fenômeno
delituoso; subvalorização do entorno social, que era visto como mero fator
desencadeante daquilo que já existia na personalidade (apenas desencadearia a
criminalidade e não constituiria um fator determinante); volta suas pesquisas apenas
para os indivíduos já encarcerados, ou seja, para os indivíduos já selecionados pelo
complexo sistema de filtros sucessivos que é o sistema penal; erro metodológico
profundo: a grande falha é a falta de um grupo de controle (grupo de criminosos que
não foram presos); acaba por legitimar a violência e a seletividade racista do sistema
penal – a polícia prende o criminoso nato.

27
ESCOLA DE LYON – O principal representante é Gabriel Tarde, o qual refutava a
ideia segundo a qual o criminoso tinha alguma regressão atávica, afirmando que, o que
Lombroso atribui como características biológicas do criminoso, é, na verdade, o
conjunto de características físicas socialmente adquiridas. Defendia que são causas
sociais e não físicas que explicam as estatísticas da criminalidade e formulou as leis da
imitação, segundo as quais todo comportamento humano é aprendido e imitado,
inclusive, o comportamento criminoso.

O
(FONTES: Criminologia – Sérgio Salomão Shecaira – 2ª edição; Caderno Bruno
Shimizu FMB semestral 2014).

IT
3. No que consiste, quais os princípios e quais as críticas a respeito da ideologia
da defesa social? Aponte eventuais resquícios dessa ideologia na legislação
penal brasileira.

TU
A ideologia da defesa social (que não se confunde com a teoria da reação
social), apesar de assumir diferentes significados no decorrer dos tempos, chegando,
inclusive, a configurar conceitos contraditórios em determinadas épocas, pode ser
entendida, em apertada síntese, como a ideia geral de defesa da sociedade contra o

RA
crime e os criminosos, por meio de uma vigorosa repressão das infrações penais. Nota-
se, deste modo, que a defesa social legitima o poder punitivo estatal, mesmo quando
encoberta pelo discurso (típico da Escola Clássica do Direito Penal) de que protege o
indivíduo por meio de um conjunto de regras e princípios que regulam o poder de punir,
LG
limitando-o; ou quando nega expressamente essa característica, como no discurso de
Filippo Gramatica, que sustentou que o sistema de defesa social é incompatível e nem
sequer pode se integrar com o direito punitivo, devendo substituir-se o direito penal por
medidas preventivas e reeducativas, de modo que prevaleça a ideia “não uma pena
IA

para cada delito, mas uma medida para cada pessoa” (importante observar o caráter
extremamente autoritário, repressivo e opressor da proposta de Gramatica, haja vista
que defende medidas preventivas, pois estas são aplicáveis antes da prática do crime,
ER

opondo-se, consequentemente, à punição, pois esta pressupõe a prática de um crime).


Anota-se, ainda, que, após receber severas críticas acerca de seu discurso em prol
da defesa social, Filippo Gramatica e também Marc Ancel, propõem a chamada Nova
Defesa Social, a qual não visaria à supressão do direito penal, mas sua transformação,
AT

de modo a reagir contra os excessos de “juridismo”, focar na ressocialização e


reeducação do delinquente, e reorganizar a justiça criminal, com a formação de quadro
de pessoal das ciências criminológicas. Verifica-se, todavia, que, apesar do esforço
para se preservar o direito penal e o princípio da legalidade, a Nova Defesa Social
M

flexibilizava, em muito, o sistema de garantias penais.


Segundo Alessandro Baratta, a ideologia da defesa social nasceu
contemporaneamente à revolução burguesa, e assumiu o predomínio ideológico dentro
do específico setor penal, tanto no tocante à filosofia dominante na ciência jurídica
quanto nas opiniões comuns, não só dos representantes do aparato penal
penitenciário, mas tbm do homem de rua (every day theories).
A ideologia da defesa social é consubstanciada pelos seguintes princípios:
I) Princípio da legitimidade: o Estado, como expressão da sociedade, está
legitimado para reprimir a criminalidade, da qual são responsáveis determinados
indivíduos, por meio das instâncias oficiais de controle social;

28
II) Princípio do bem e do mal: o desvio criminal é o mal (delito como dano para a
sociedade, e delinquente como elemento negativo e disfuncional do sistema), e a
sociedade constituída é o bem;
III) Princípio da culpabilidade: o delito é expressão de uma atitude interior
reprovável, pq contrária aos valores e às normas, presentes na sociedade mesmo
antes de serem sancionadas pelo legislador;
IV) Princípio da finalidade ou da prevenção: como sanção abstrata prevista pela lei,

O
a pena tem a função de criar uma justa e adequada contramotivação ao
comportamento criminoso. Como sanção concreta, exerce a função de ressocializar o
delinquente;

IT
V) Princípio de igualdade: a lei penal é igual para todos. A reação penal se aplica
de modo igual aos autores de delitos.
VI) Princípio do interesse social e do delito natural: Os interesses protegidos pelo

TU
direito penal são essenciais à existência de toda a sociedade. O núcleo central dos
delitos definidos na legislação representa a ofensa a interesses essenciais à existência
da sociedade, e apenas uma pequena parte dos delitos representa violação de
determinados arranjos políticos e econômicos e é punida em função da consolidação

RA
destes (delitos artificiais).
As principais críticas que podem ser feitas a esta ideologia são no sentido de que o
rigor da punição e a busca pela eficácia da defesa social levam invariavelmente à
desconsideração da legalidade que deve pautar o Estado em sua função preventiva e
LG
punitiva, gerando abusos e insegurança jurídica, o que faz com que a defesa social
seja associada à violação dos direitos humanos.
Ressalta-se, ademais, que, mesmo após o fim da 2ª Guerra Mundial e com o
declínio do fascismo, a defesa social penetrou na legislação penal de diversos países
IA

(inclusive do Brasil), por meio dos postulados do chamado direito penal do autor,
cindindo os sistemas penais em dois subsistemas que, embora contraditórios,
passaram a conviver lado a lado: o direito penal do fato e o direito penal do autor.
ER

Criando-se, então, o modelo ideal para a realização autoritária e seletiva de aplicação


da sanção penal, com dois discursos bem distintos, mas funcionalmente
complementares: um oficial, baseado na legalidade e na igualdade do funcionamento
de justiça criminal; e outro latente, baseado na justificação da barbárie e na punição
AT

dos pobres e indesejáveis, em nome da defesa social.


Na legislação penal e processual penal pátria, podem ser apontados como
institutos tributários à defesa social a medida de segurança; o agravamento da pena
em razão da reincidência; a consideração da personalidade, dos antecedentes e da
M

conduta social como elementos a serem dosados na aplicação da pena; a


ressocialização como fim da pena; a prisão preventiva; o princípio da verdade real;
dentre outros.
(FONTE: Defesa Social: uma visão crítica – Bartira Macedo de Miranda Santos;
Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal – Alessandro Baratta – 6ªedição).

4. Explique a relação dos conceitos de “desorganização social” e “áreas de


delinquência” com o fator criminal, segundo o paradigma etiológico da Escola de
Chicago (teoria da ecologia criminal). Aponte também qual o principal mérito
desta teoria e quais as críticas efetuadas contra ela.

29
O fenômeno da desorganização social é uma experiência pela qual passa o recém-
chegado à cidade com uma rejeição de hábitos e concepções morais, acompanhados
do conflito interior e do seu sentimento de perda pessoal, conferindo-lhe um sentimento
de emancipação e um impulso em direção a novas metas, que permite um
afrouxamento das influências das regras sociais de conduta existentes sobre os
membros individuais do grupo (diminuição do controle social informal), causando uma
perda total das raízes, o que seria, segundo esta teoria, um fator potencializador da

O
criminalidade.
Já a ideia de “áreas de delinquência” encerra a noção de que a cidade é
organizada por zonas concêntricas, em que o círculo central – chamado de Loop –

IT
concentra os grandes bancos, armazéns, lojas, a administração da cidade, fábricas etc,
seguindo-se por um anel, denominado zona de transição, que concentra o comércio e
as indústrias, a partir do qual seguem os demais anéis de caráter residencial. Segundo

TU
os adeptos dessa teoria, a zona 2 (zona de transição) concentraria a população mais
vulnerável da cidade, especialmente, os recém-chegados, tendendo, deste modo a
formação de guetos e a possuir altos graus de criminalidade. A terceira zona
concentraria os trabalhadores pobres e os imigrantes de segunda geração, a quarta, os

RA
trabalhadores de classe média, e a quinta zona, o estrato social mais alto da
população. Com base nessa divisão, os criminólogos da escola de Chicago, através de
estudos empíricos, concluíram que a criminalidade era estatisticamente maior nas
zonas próximas ao Loop e menor nas áreas residenciais externas da cidade.
LG
A principal contribuição da escola de Chicago foi a utilização de métodos de
pesquisa que propiciam o conhecimento da realidade da cidade antes de se
estabelecer a política criminal adequada para a intervenção estatal, além de permitir o
envolvimento de toda a comunidade para o enfrentamento do problema diagnosticado.
IA

As críticas a esta escola consistem em apontar a tendência dela de substituir o


determinismo positivista por um determinismo ecológico, minimizando o caráter ético e
individual do crime. Ademais, o conceito de desorganização social pode ser visto, ao
ER

mesmo tempo, como descrição de uma condição e causa dessa mesma condição (o
crime é produto da desorganização social e também um exemplo dela). Os teóricos
dessa escola também cometeram um grave erro metodológico ao trabalharem apenas
com os dados oficiais, ignorando a cifra negra da criminalidade (diferença entre os
AT

casos comunicados e os fatos delituosos efetivamente ocorridos). Por fim, aponta-se


que seus teóricos não questionam o conceito de delito, partindo daquilo que está
convencionado como sendo um ato antissocial (denotando seu caráter conservador) e
não explicam os crimes praticados pelas camadas mais altas da população.
M

(FONTE: Criminologia – Sérgio Salomão Shecaira – 2ª edição)

5. Explique suscintamente a teoria da associação diferencial e aponte os méritos


e as críticas dessa teoria.
A teoria da associação diferencial tem seus aportes iniciais com Edwin Sutherland,
com base no pensamento originário de Gabriel Tarde. A teoria supracitada parte da
ideia segundo a qual o crime não pode ser definido simplesmente como disfunção ou
inadaptação de pessoas de classes menos favorecidas, não sendo exclusividade
destas. A teoria assenta-se na consideração de que o processo de comunicação é
determinante para a prática delitiva, na medida em que os valores dominantes no seio

30
do grupo “ensinam” o delito. Deste modo, uma pessoa converter-se-ia em delinquente
quando as definições favoráveis à violação superam as desfavoráveis.
Como méritos da teoria podem ser apontados a ampliação que promoveu da crítica
ao fenômeno criminal como tendo caráter exclusivamente biológico (a partir de
Sutherland, a criminologia passa a proporcionar uma explicação de valor
onicompreensivo e macrossocial do fenômeno); bem como o fato de ter sido a primeira
abordagem criminológica a colocar o foco da criminalidade dos poderosos (cunhando a

O
expressão “crimes de colarinho branco”), desnudando a forma diferenciada como a
justiça penal os trata.
Critica-se, todavia, a teoria, pois desconsidera a incidência de fatores individuais da

IT
personalidade na associação e demais processos psicossociais; o crime nem sempre
decorre de processos racionais e utilitários, pois há fatos absurdos, ocasionais,
espontâneos, impulsivos etc; há uma certa simplificação do processo de aprendizagem,

TU
que ignora as diferentes aptidões individuais para a aprendizagem, não conseguindo
demonstrar, por exemplo, o motivo de que, nas mesmas condições, uma pessoa cede
a influência do modelo desviante e outra não.
(FONTE: Criminologia – Sérgio Salomão Shecaira – 2ª edição)

RA
6. No que consiste a teoria criminológica da anomia?
Segundo Émile Durkheim, a anomia reflete uma situação em que se verifica a
ausência de normas sociais de referência, que acarreta uma ruptura dos padrões
LG
sociais de conduta, produzindo uma situação de pouca coesão social. Tal ideia remete
à noção de consciência coletiva, que pode ser designada como o conjunto de
crenças e dos sentimentos comuns à média dos membros de uma mesma sociedade e
que forma um sistema determinado que tem sua vida própria. Para Durkheim, o crime é
IA

um desvio da consciência coletiva, mas, em termos sociológicos, o crime não é


anormal (patológico) em si, o problema do crime é quando ele ocorre em número tão
elevado que acaba por romper com a consciência coletiva – ocasião em que se terá a
ER

anomia. Excetuada tal situação, o crime serve tanto para a


plasticidade/flexibilidade/dinâmica da consciência coletiva quanto para fortalecê-la
(alguns comportamentos considerados criminosos acabam, com o tempo e em razão
da sua frequência, bem como por não destoaram tanto da consciência coletiva, sendo
AT

incorporados por ela – o crime atua como elemento dinamizador dessa consciência
coletiva; quando, todavia, o crime é totalmente oposto ao consciente coletivo, a
sociedade se une contra esse ato – o crime como recrudescimento da consciência
coletiva).
M

Robert Merton, partindo das ideias de Durkheim, explica o delito como resultado de
uma desproporção entre as metas sociais (objetivos impostos pela sociedade – que, no
caso das sociedades capitalistas ocidentais pode ser reduzida, em última análise, à
riqueza) e os meios institucionalizados (meios aceitos pela sociedade para que o
indivíduo atinja as metas). Merton afirma a existência de 5 distintos tipos de adaptação
individual à sociedade, segundo a recusa ou aceitação das metas e dos meios
institucionais: a) meio conformista: i) as metas e os meios são aceitos (conformismo);
b) meios não conformistas: i) as metas são aceitas e os meios rechaçados
(inovação); ii) as metas são rechaçadas e os meios são aceitos (ritualismo); iii) as
metas e os meios são rechaçados (retraimento); iv) as metas e os meios são

31
rechaçados, mas são propostos novas metas e novos meios (rebelião). De acordo com
esse esquema, o conformista é o socialmente adaptado, o ritualista identifica-se com o
burocrata, o retraído é o vadio, o mendigo, o alcoólatra etc, o rebelde seria o
identificado com movimentos de contracultura, e o inovador é a categoria que abrange
vários personagens, como o inventor, mas à qual também correspondem os chamados
delinquentes. Merton conclui que a situação de anomia se dá quando os modos não
conformistas de adaptação à sociedade superaram os conformistas, bem como que a

O
discrepância entre as metas sociais e os meios aceitos e disponíveis para alcança-las
favorece o comportamento inovador, levando ao crescimento dos casos de desvio.
Segundo Merton, isso explica porque o delito não é produto da simples limitação de

IT
meios para alcançar a riqueza nem da exaltação isolada das metas pecuniárias, mas é
necessária a combinação de ambas para que se produza o desvio.
Ressalta-se, por fim, que a tese de Merton merece críticas, como a de não

TU
conseguir explicar o delito do colarinho branco, de não levar em conta, aparentemente,
a delinquência grupal e, sobretudo, pela dificuldade em definir as metas comuns em
sociedades plurais.
(FONTES: Criminologia – Sérgio Salomão Shecaira – 2ª edição; Caderno Bruno

RA
Shimizu FMB semestral 2014; A Questão Criminal – Eugenio Raul Zaffaroni).

7. No que consiste a teoria da subcultura do delinquente?


Teoria criminológica desenvolvida, principalmente, por Albert k. Cohen, que estuda
LG
um tipo específico de criminalidade: a das gangues de jovens Americanos. Ele
identifica a sociedade WASP (white, anglo-saxon, protestant), como sendo o ideal da
sociedade americana – contudo a maioria das pessoas que vivem nos EUA não se
enquadra nesse modelo e esses grupos de pessoas terão oportunidades reduzidas. O
IA

jovem excluído, então, percebe que nunca conseguirá atingir as metas (ao passo que é
vendido o pensamento de que a meritocracia leva inexoravelmente ao sucesso e quem
não o alcança é fracassado). Para conviver com o sofrimento do fracasso o indivíduo
ER

acaba por se convencer de que não queria atingir as metas sociais (formação reativa).
Deste modo, os jovens excluídos se juntam em grupos (gangues) – formando-se,
assim, as subculturas, para juntos negarem (afrontarem) as metas sociais (a cultura).
Observa-se que subcultura é diferente de contracultura - essa critica a cultura, já a
AT

subcultura adere , reproduzindo a cultura pelo seu polo negativo.


A delinquência subcultural tem 3 características principais: i) malícia (perversidade
até inconsciente de afrontar os valores culturais); ii) não utilitarismo (o delito é mera
satisfação psicológica); iii) negatividade (não critica os valores sociais, mas adere a
M

eles pelo polo negativo).


(FONTES: Criminologia – Sérgio Salomão Shecaira – 2ª edição; Caderno Bruno
Shimizu FMB semestral 2014).

8. Discorra sobre a teoria da reação social (labelling


approach/etiquetamento/rotulação social)?
O movimento criminológico do labelling approach é o verdadeiro marco da
chamada teoria do conflito. Ele significa um abandono do paradigma etiológico-
determinista e a substituição de um modelo estático e monolítico de análise social por
uma perspectiva dinâmica e contínua de corte democrático. As questões centrais do

32
pensamento criminológico deixam de referir-se ao crime e ao criminoso, passando a
voltar sua base de reflexão ao sistema de controle social e suas consequências, bem
como ao papel exercido pela vítima na relação delitual.
Essa criminologia recebia influências da psicologia social, com o interacionismo
simbólico e da filosofia, com a fenomenologia de Husserl. O interacionismo simbólico
baseava-se nas ideia de George Mead, segundo as quais todos temos um “mim” que
vai se formando pelas exigências de papéis dos demais (expectativas sociais

O
recíprocas), e um “eu” que é o que nós trazemos. Segundo Erving Goffman, importante
autor desta corrente, se todas as demandas de papéis (expectativas sociais) forem
satisfeitas, todo nós ficamos felizes, contudo, quando as expectativas são frustradas,

IT
todos se aborrecem. Esses episódios, que geram agressividade quando não se
responde às demandas de papel, são chamados de disrupções e nos irritamos, porque,
quando acontece uma disrupção, não sabemos como agir. Os papéis sociais podem

TU
ser positivos ou negativos, mas isso não importa quanto ao seu funcionamento, pois
operam da mesma maneira, isto é, normalmente, costumamos responder às demandas
de papel (expectativas sociais), para que os outros não se aborreçam e evitemos
disrupções – é isso que vai configurando nosso “eu”, ou seja, em boa medida somos

RA
como os outros nos demandam que sejamos.
Com esse esquema, Goffman analisou as instituições totais, que são aquelas em
que a pessoa desenvolve toda sua atividade vital, desde a hora em que se levanta até
quando se deita (manicômios, prisões, conventos, asilos...). Os círculos separados de
LG
trabalho, diversão e descanso se unificam e regulamentam, não há esferas separadas
da vida; a pessoa se desculturaliza, a separação entre o pessoal e o interno é
contundente – o interno deve se acostumar a pedir por favor para fazer o que na vida
livre é óbvio, sofre o efeito de cerimônias de degradação, a pessoa fica entregue a
IA

profanações verbais por parte do pessoal, e, ademais, ela perde toda sua reserva, haja
vista que é invadida e controlada até mesmo nos atos mais íntimos. Todo o discurso da
ressocialização se dissipa com essa investigação. Goffman trata, ainda, do conceito de
estigma, como algo que deteriora a identidade, a partir das ideias de identidade social
ER

real (como a pessoa se coloca nas interações sociais – papel de gênero, gostos...) e
identidade social virtual (maneira como as demais pessoas veem o indivíduo dentro da
sociedade). Normalmente há uma identificação entre essas duas identidades, mas no
AT

caso do estigmatizado haverá uma distância entre esses conceitos, já que


independentemente de como a pessoa se comporte (identidade social real) as pessoas
sempre a verão da mesma forma (identidade social virtual).
Dentro dessa corrente, foi determinante a obra de Howard Becker, que consolidou
M

a teoria do etiquetamento. Becker descobriu que o desvio é provocado, que há uma


empresa moral que faz as regras, que não se estudam os fabricantes dessas regras
(empresários morais) e sim as pessoas às quais lhes é aplicada a etiqueta que as
deixa de fora (outsiders). Essa rotulação coloca a pessoa em outro status, que a
impede de continuar sua vida normal: desde o “não te juntes” até a desqualificação em
qualquer atividade competitiva da vida corrente. Foi condicionada a ela uma carreira,
conforme a etiqueta que lhe foi colocada. Becker, assim, demonstra a arbitrariedade da
distribuição desses rótulos pelos empresários morais (etiquetamento) e com isso
coloca em xeque todos os argumentos com que o direito penal tenta conferir
racionalidade ao poder punitivo. Becker traz, ainda, o conceito de mergulho no papel

33
desviado (role-engolfman), que traduz-se nesse comportamento desviado a partir da
rotulação.
Outro autor importante filiado a esta escola de pensamento foi Edwin Lemert, que
destacou que o desvio primário, ao qual é aplicada uma pena, é, em geral, seguido
pelo desvio secundário, pior que o anterior, e causado pela mesma intervenção
punitiva e que condiciona as chamadas carreiras criminosas. Segundo Lemert, o desvio
secundário constitui conduta desviada ou papéis sociais baseados nele que chegam a

O
ser meios de defesa, ataque ou adaptação aos problemas manifestos ou ocultos
criados pela reação da sociedade ao desvio primário. Com efeito, as “causas” originais
do desvio primário desaparecem e cedem lugar à importância central das reações de

IT
desaprovação, degradação e isolamento de parte da sociedade.
Em síntese, os principais postulados do labelling approach são:
a) Interacionismo simbólico e construtivismo social: A realidade social é

TU
construída sobre a base de certas definições e sobre o significado atribuído a elas
mediante complexos processos sociais de interação. Por isso, o comportamento
humano é inseparável da interação social e sua interpretação não pode dispensar
referida mediação simbólica. O conceito que tem um indivíduo de si mesmo, de sua

RA
sociedade e da situação que nela ostenta, é ponto importante do significado genuíno
da conduta criminal.
b) Introspecção simpatizante como técnica de aproximação da realidade
criminal para compreendê-la a partir do mundo do desviado e captar o verdadeiro
LG
sentido que ele atribui a sua conduta.
c) Natureza "definitorial" do delito: o delito carece de substrato material ou
ontológico: uma conduta não é delitiva in se ou per se (qualidade negativa inerente a
ela), nem seu autor é um delinquente por merecimentos objetivos (nocividade do fato,
IA

patologia da personalidade); o caráter delitivo de uma conduta e de seu autor depende


de certos processos sociais de definição, que lhe atribuem tal caráter, e de seleção,
que etiquetam o autor como delinquente.
d) Caráter constitutivo do controle social: em consequência, a criminalidade é
ER

criada pelo controle social. As instâncias ou repartições do controle social (polícia,


juízes etc.) não detectam ou declaram o caráter delitivo de um comportamento, senão
que o geram ou produzem ao etiquetá-lo.
AT

e) Seletividade e discriminatoriedade do controle social: o controle social é


altamente discriminatório e seletivo. Enquanto os estudos empíricos demonstram o
caráter majoritário e ubíquo do comportamento delitivo, a etiqueta de delinquente, sem
embargo, manifesta-se como um fator negativo que os mecanismos do controle social
M

repartem com o mesmo critério de distribuição dos bens positivos (fama, riqueza, poder
etc.): levando em conta o status e o papel das pessoas. De modo que as "chances" ou
"riscos" de ser etiquetado como delinquente não dependem tanto da conduta
executada (delito), senão da posição do indivíduo na pirâmide social (status). Os
processos de criminalização, ademais, vinculam-se ao estímulo da visibilidade
diferencial da conduta desviada em uma sociedade concreta, isto é, guiam-se mais
pela sintomatologia do conflito que pela etiologia do mesmo (visibilidade versus
latência).
f) Efeito criminógeno da pena: a reação social não só é injusta, senão
intrinsecamente irracional e criminógena. Longe de fazer justiça, de prevenir a

34
criminalidade e de reinserir o desviado, seu impacto real converte a pena em uma
resposta intrinsecamente irracional e criminógena porque exacerba o conflito social em
lugar de resolvê-lo; potencia e perpetua a desviação, consolida o desviado em seu
status de delinquente e gera os estereótipos e etiologias que se supõem que pretende
evitar, ensejando, deste modo, um lamentável círculo vicioso (self-fulfilling prophecy
– profecia autorrealizável). A pena, pois, culmina uma escala dramática e um ritual de
cerimônias de degradação do condenado, estigmatizando-o com o selo de um status

O
irreversível. O condenado assumirá, assim, uma nova imagem de si mesmo e redefinirá
sua personalidade em torno do papel de desviado, desencadeando-se a denominada
"desviação secundária".

IT
g) Paradigma do controle: a natureza "definitorial" da criminalidade impõe a
substituição do paradigma etiológico pelo paradigma do controle. Os fatores que
podem explicar a desviação primária do indivíduo carecem de interesse, como sucede

TU
com o próprio enfoque etiológico tradicional. O decisivo é o estudo dos processos de
criminalização que atribuem a etiqueta de delinquente ao indivíduo, isto é, os
processos de definição e os de seleção.
As principais consequências dessas teorias no plano político-criminal poderiam ser

RA
reduzidas àquilo que se convencionou chamar de “política dos quatro D’s”:
Descriminalização, Diversão, Devido processo legal e Desinstitucionalização.
Também por esta teoria foi possível constatar-se as diferenças entre as instâncias
de controle social informais e as formais, sendo esta última apontada como seletiva e
LG
discriminatória, pesando o status sobre o merecimento.
Uma das principais críticas feitas a esta escola é realizada pela chamada
criminologia (crítica) radical, segundo a qual as teorias da reação social se situam no
nível dos cachorros pequenos (under dogs), que chega, no máximo, aos cachorros
IA

médios (middle dogs), mas não alcança os cachorros grandes (top dogs), ou seja, não
enfrenta a raiz dos problemas.
(FONTES: Criminologia – Sérgio Salomão Shecaira – 2ª edição; Caderno Bruno
ER

Shimizu FMB semestral 2014; A Questão Criminal – Eugenio Raul Zaffaroni;


Criminologia - Antonio García-Pablos de Molina e Luiz Flávio Gomes - 5.ed – cujos
trechos citados foram publicados no site
http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/60389/modelos-sociologicos-sociologia-criminal-parte-
AT

xvi).

9. Discorra sobre a corrente do abolicionismo penal.


Abolicionismo penal é a denominação atribuída à vertente da criminologia crítica
M

que sustenta a deslegitimação mais radical do sistema carcerário e da própria lógica


punitiva. Essa vertente é mais bem identificada nos movimentos do abolicionismo
radical escandinavo e da política criminal tolerante holandesa.
Na historicamente tolerante Holanda, desenvolveu-se um movimento que, aliando o
arsenal da teoria do etiquetamento com os pressupostos histórico-culturais locais,
entendia que uma política criminal pouco intervencionista seria socialmente menos
danosa. Dentre os autores inseridos nesse contexto, destacou-se Hermann Bianchi, o
qual afirmava que não bastava abolir as prisões, mas que deveria ser abolida a própria
ideia de castigo, pois enquanto se mantiver intacta a ideia de castigo como uma forma
aceitável de reagir diante do delito, não se pode esperar nada de bom de uma simples

35
reforma do sistema. Em resumo, entendia que seria necessário um novo sistema
alternativo de controle do delito que não se baseie em um modelo punitivo, mas sim em
outros princípios legais e éticos, de forma tal que a prisão ou outro tipo de repressão
física torne-se essencialmente desnecessária. Ele defendia um sistema de justiça que
protegesse o estigmatizado, que lhe oferecesse oportunidades de sentir e demonstrar
remorso, cujos princípios seriam a reconciliação e a reimposição da paz (os quais
passariam a integrar todo o movimento conhecido por “justiça restaurativa”).

O
Ainda no contexto do movimento holandês, o autor de maior destaque foi Louk
Hulsman, que também reafirmava os valores morais como o limite mais adequado para
as violências, entre as quais, historicamente, incluía as realizadas pelas burocracias

IT
criadas ao redor dos sistemas de justiça criminal. Sua proposta de “desconstruir a
definição de delito” segue jungida a um desejo de resolução dos problemas sociais
(afastando, assim, as críticas normalmente realizadas contra os abolicionistas, no

TU
sentido de que pleiteiam utopias). Em essência, sustenta que abolir o sistema penal
seria apenas um passo capaz de evitar o sofrimento em muitos indivíduos, mas um
passo que também permitiria uma aproximação da realidade social. Para Hulsman, o
delito não tem realidade ontológica, sendo apenas o produto da política criminal que

RA
também constrói a realidade social – “os problemas são reais, mas o delito é um mito”,
afirmava. Com a eliminação da qualificação comum de “delito” para situações tão
diversas, Hulsman queria indicar que se a comunidade aborda os eventos
criminalizados e os trata como problemas sociais, isso permitiria ampliar o leque de
LG
respostas possíveis, não se limitando à resposta punitiva, que, ao longo da história,
não somente não resolveu nada, como também criou mais problemas. Hulsman
propunha uma visão anascópica mais abrangente, ou “desde baixo”, da vida social, em
oposição à visão catascópica, que a máquina estatal realiza, “desde cima”, e que não
IA

se sente parte dos problemas, mas sim só uma solução. Dever-se-ia tentar
compreender a realidade social a partir do ponto de vista dos indivíduos e não de
acordo com as definições da realidade e do marco conceitual burocrático que o sistema
ER

penal assume. Hulsman faz menção às soluções possíveis na, já clássica, analogia
acerca da república de estudantes, em que um dos cinco moradores do local quebra
deliberadamente uma televisão pertencente a todos. A partir daí, cada um dos demais
estudantes passa a propor soluções ao caso: o primeiro sustenta a reação de castigar
AT

o agressor com a expulsão da república; o segundo propõe o modelo terapêutico,


consistente em chamar um especialista para que tratasse o problema de personalidade
do agressor e, assim, evitasse novos ataques de fúria; o terceiro defende um modelo
reparador, recomendando que o responsável adquirisse outro aparelho de televisão
M

para o lugar do que fora quebrado; por fim, o quarto estudante propõe um modelo
conciliador, em que aproveitar-se-ia a situação problemática para que aquela pequena
comunidade debatesse em conjunto os problemas gerais que poderiam ter
desencadeado aquele ato de violência. Hulsman parece se inclinar para a última
solução – ao criticar severamente a primeira, demonstrava claramente a incorreção e o
aumento gratuito da violência do modelo punitivo, que é o essencial para o discurso
abolicionista, embora também assinalasse os perigos e as violências que o modelo
terapêutico comporta; tampouco mostrava-se partidário do modelo restaurativo (ao
contrário de outros abolicionistas). A solução pela qual se inclina reforça formas sociais
comunitárias e reflete uma clara opção política – esse modelo político horizonta e

36
solidário seria assumido por Huslman não apenas como um projeto para o futuro, mas
também como um “topos” a ser implementado, e mesmo como um modelo de ação
para a prática cotidiana, que é o primeiros a ser colocado em prática nas suas relações
com outros.
Outro enfoque abolicionista é o representado pelo denominado abolicionismo
radical escandinavo, de forte matriz marxista, de cujo um dos principais expoentes é o
norueguês Thomas Mathiesen. A tese de Mathiesen assenta as bases para uma

O
estratégia em prol da abolição do punitivo, a ser exercida pelas forças progressistas e
de esquerda, cuja essência é a ideia de “inacabado”. Para Mathiesen, os críticos têm a
obrigação e a necessidade de comprometer-se com a reforma e também com a

IT
revolução, sustentando que a mudança total do sistema não é incompatível com
melhoras. Assim, entende ser fundamental que as forças progressistas lutem por
reformas de redução da punitividade, mas que, igualmente, nunca admitam que estas

TU
reformas estejam “acabadas”, isto é, que a sua pretensão política se satisfaça com
elas. Para o autor, a estratégia da abolição do punitivo é “inacabada”; nem sequer com
a abolição das prisões esta busca de liberdade, igualdade e fraternidade estará
terminada. Mathiesen também centra sua proposta de reforma na ideia de

RA
comunicação, que consiste numa comunicação alternativa àquela que atua hoje no
intuito de desinformar e negar a realidade, o que seria a chave para acabar com os
preconceitos e reduzir a violência e até mesmo eliminá-la – sustenta o autor, que os
sujeitos informados não apoiarão o sistema de sequestro da participação. Mathiesen
LG
estava convencido da necessidade e da plausibilidade de os cárceres serem abolidos e
de que a sociedade podia se organizar de forma tal que as prisões não tivessem mais
razão de ser; esta meta seria alcançada, sem um ponto final, em diferentes etapas e
apelando sempre à racionalidade comunicativa. O objetivo mais imediato ao qual ele se
IA

propunha era o de deter a construção de prisões, para o qual defendia uma “moratória”;
ele tinha claro que a indústria que se organizava em torno dessa construção era o
inimigo mais poderoso contra os objetivos que pretendia alcançar. Segundo o autor, os
ER

cárceres ficam cheios uma vez que estão sendo construídos: trata-se, pois, de um
negócio infinito; por isso Mathiesen fornecia os argumentos para deter essa construção
e evitar o possível holocausto para o qual se encaminham as sociedades ocidentais, e
oferecia explicações de como a sociedade podia se organizar melhor sem prisões,
AT

prestando atenção à pobreza e a outros problemas sociais, à integração dentro das


comunidades e às reais necessidades daqueles que são vítimas desses problemas.
Outro autor de destaque no contexto do abolicionismo escandinavo é o também
norueguês Nils Christie. Para esse autor, a criminologia serve como instrumento para
M

verificar a interação entre o delito e a sociedade, na qual o Estado intervém. O Estado,


através do sistema penal, realiza um controle formal que normalmente aumentará
quando os mecanismos de controle informal se reduzirem, sendo que apenas o
informal é que funciona. Christie sustenta que os conflitos representam um potencial
para a atividade, isto é, para a participação, e que o sistema de controle punitivo atual
representa uma das tantas oportunidades perdidas de envolver os cidadãos em tarefas
que têm uma importância imediata para eles. O autor afirmava, ainda, que a imposição
de um castigo, ainda que se enquadre dentro de um Estado de direito e se cerque de
todas as garantias legais, não faz senão causar deliberadamente dor, e sustenta que,
além de antropologicamente insustentável, impor a dor tampouco é o melhor que se

37
pode fazer em termos de controle social. Christie dizia que, mais do que admitir
reações diferentes das punitivas diante dos conflitos, é necessário perceber que nem
sempre é preciso reagir. Ele identificava um problema na suposição de que os conflitos
têm que ser sempre resolvidos – os conflitos são importantes em si mesmos, e o que é
importante é saber conviver com eles e não negá-los; o melhor, então, seria falar de
uma necessidade de participação nos conflitos. Com efeito, a participação – na
solução, saída ou manutenção do conflito – é mais importante que as próprias

O
soluções, e, sobretudo, quando as soluções não são outra coisa senão a simples
imposição de outro conflito, que busca um aparente consenso com a demonstração de
quem é o mais forte ou poderoso. Para o autor, numa sociedade libertária, democrática

IT
e solidária, seria necessário que os conflitos fossem discutidos por todos de um ponto
de vista político; nesse sentido, recomendava uma necessária “reapropriação do
conflito”. Christie mantém até hoje sua posição crítica em relação à “solução” punitiva

TU
dos conflitos e sustenta que até nos casos mais graves é mais importante o diálogo, a
reflexão comunitária, o julgamento, e a condenação ética e moral do que o próprio
castigo, contudo, principalmente a partir de sua obra “Uma razoável quantidade de
crimes” passou a demonstrar certo entendimento e respeito pela opção punitiva nesses

RA
casos (fazendo com que parte da doutrina passe a aponta-lo como um minimalista
radical e não mais como um abolicionista).
(FONTE: História dos Pensamentos Criminológicos – Gabriel Ignacio Anitua).
LG
10. Discorra sobre a criminologia crítica radical ou (neo)realismo de esquerda.
A criminologia crítica radical teve como origem (apesar da existência de estudos
anteriores nesse sentido, que, contudo, são geralmente apontados como menos
sólidos) a obra dos britânicos marxistas Ian Taylor, Paul Walton e Jock Young: A Nova
IA

Criminologia (1973). Com contribuições posteriores (e mesmo anteriores), esta escola


criminológica se desenvolveu e sobre ela, em síntese, pode-se afirmar que:
1. Tem por objeto geral as relações sociais de produção (estrutura de classes) e de
ER

reprodução político-jurídica (superestruturas de controle) da formação social,


que produzem e reproduzem seu objeto específico de conhecimento científico:
o crime e o controle social. Defende que o processo de criminalização, nos
componentes de produção e aplicação de normas penais, protege
AT

seletivamente os interesses das classes dominantes, pré-seleciona os


indivíduos estigmatizáveis distribuídos pelas classes e categorias sociais
subalternas e, portanto, administra a punição pela posição de classe do autor.
2. A abordagem teórica do autor (sujeito livre na criminologia clássica, ou sujeito
M

determinado no positivismo biológico), do ambiente do autor (limitações e


condicionamentos familiares, econômicos, culturais etc., do positivismo
sociológico) e das percepções e atitudes do autor (interações, reações e
rotulações sociais, das fenomenologias do crime) é transposta pela criminologia
radical para as relações de classes na estrutura econômica e nas
superestruturas jurídicas e políticas de poder da formação social.
3. A base social da criminologia radical é constituída pelas classes trabalhadoras e
outras categorias sociais oprimidas, o que explica a) o compromisso de luta
contra o imperialismo, a exploração capitalista, o racismo e todas as formas de
discriminação e de opressão social; b) o objetivo estratégico de construção do

38
socialismo; c) a tarefa científica de elaboração de uma teoria materialista do
Direito e do crime, na sociedade capitalista.
4. O trabalho científico da criminologia radical tem por base a) o conceito de Direito
como lei do modo de produção da vida material, que institui e reproduz as
relações sociais de classes, e b) o conceito de Estado como organização
política do poder das classes hegemônicas, que controla as relações sociais
nos limites do modo de produção dominante da formação social.

O
5. A criminologia radical, com base nas contradições de classes da sociedade,
distingue a) um conceito burguês de crime, correspondente à posição de classe
da burguesia na formação social capitalista, representado pela definição legal

IT
de crime, em que predominam ações contrárias ás relações de produção
capitalistas; e b) um conceito proletário de crime, correspondente à posição de
classe dos trabalhadores assalariados na formação social capitalista,

TU
representado por definições reais de relações sociais danosas, em que
predominam ações contrárias à segurança pessoal e à igualdade social,
econômica e política das camadas sociais inferiorizadas, mudando o foco da
forma legal para as condições estruturais, necessárias e suficientes, do crime.

RA
6. Distingue objetivos ideológicos aparentes do sistema punitivo (repressão da
criminalidade, controle e redução do crime e ressocialização do criminoso) e
objetivos reais ocultos do sistema punitivo (reprodução das relações de
produção e da massa criminalizada), demonstrando que o fracasso histórico do
LG
sistema penal limita-se aos objetivos ideológicos aparentes, porque os objetivos
reais ocultos do sistema punitivo representam êxito histórico absoluto desse
aparelho de reprodução do poder econômico e político da sociedade capitalista.
7. A inserção metodológica da política de controle do crime nas relações
IA

estruturais da formação social permite erigir as seguintes hipóteses radicais de


trabalho teórico: a) todo sistema de produção adota o sistema de punição que
corresponde às suas relações produtivas, ou inversamente, todo sistema
ER

punitivo se enraíza no sistema de produção da estrutura econômica da


sociedade; b) o mercado de trabalho é a principal categoria explicativa do
sistema punitivo, mostrando que em situação de força de trabalho insuficiente
os sistemas econômico e punitivo a preservam, e em situação de força de
AT

trabalho excedente os sistemas econômico e punitivo a destroem.


8. O Direito, como relação social objetiva, realiza funções ideológicas aparentes de
proteção da igualdade e da liberdade e funções reais ocultas de instituição e
reprodução das relações sociais de produção: a desigualdade das relações de
M

classe (exploração) e a coação das relações econômicas (dominação) é o


conteúdo instituído e reproduzido pela forma livre e igual do Direito.
9. O sistema punitivo constituído pela polícia, justiça e prisão, como o mais
importante aparelho de controle social, garante os fundamentos e reproduz as
condições de produção da fábrica, baseadas na separação trabalhador/meios
de produção – enquanto a família, a escola, os meios de comunicação e outras
instituições complementares de controle social cuidam da formação da massa
de trabalhadores e de sua adequação às necessidades materiais e intelectuais
dos processos produtivos. As transformações contemporâneas do sistema de
controle social são o resultado de contradições internas entre o sistema punitivo

39
e a estrutura de classes da sociedade: por um lado, a prisão parece abandonar
a ideologia do tratamento, constituindo-se menos como aparelho produtivo e
mais como instrumento de terror; por outro, a convergência entre a ideologia do
controle social e a organização capitalista do trabalho engendrou a política dos
substitutivos penais: o “arquipélago carcerário” se ampliou de setores não-
produtivos (a prisão, instrumento de terror) para setores produtivos da
sociedade (o mercado de trabalho, área dos substitutivos penais).

O
10. A política criminal alternativa da criminologia radical, como meio de reduzir as
desigualdades de classes no processo de criminalização e de limitar as
consequências de marginalização social do processo de execução penal,

IT
distingue a criminalidade das classes dominantes, entendida como articulação
funcional da estrutura econômica com as superestruturas jurídico-políticas da
sociedade, de um lado, e a criminalidade das classes dominadas, definida como

TU
resposta individual inadequada de sujeitos em posição social desvantajosa, de
outro.
11. Propõe: a) no processo de criminalização: i) a penalização da criminalidade
econômica e política das classes dominantes, com ampliação do sistema

RA
punitivo, e ii) a despenalização da criminalidade típica das classes e categorias
sociais subalternas, com contração do sistema punitivo e substituição das
sanções estigmatizantes por não-estigmatizantes; b) no processo de execução
penal, mediatizada pela mais ampla extensão das medidas alternativas da pena
LG
e pela abertura do cárcere para a sociedade, a abolição da prisão.
(FONTE: A Criminologia Radical – Juarez Cirino dos Santos – 3ª edição).

11. O que é o minimalismo penal? Ele é sinônimo do garantismo penal?


IA

O minimalismo e o garantismo emergiram no confronto contra a sobrevivência da


legislação autoritária e contra a emergência da legislação antiterrorista que, tanto na
Espanha quanto na Itália, ameaçavam os princípios de um direito penal ilustrado que
ER

não havia chegado a desenvolver-se completamente, e que, portanto, podia ser usado
mais por suas promessas do que propriamente por suas realizações. Essa estratégia
juridicista seria especialmente útil às necessidades do progressismo nesse contexto,
mas sobretudo frente à prática não legal, paralegal ou ilegal desenvolvida pelo
AT

neoliberalismo na América Latina. Três autores, com concepções distintas, se


destacam nesta corrente, são eles Alessandro Baratta, Raúl Eugênio Zaffaroni e Luigi
Ferrajoli (importante ressaltar que, conquanto próximas em suas consequências, as
visões de cada um desses autores possuem aportes teóricos distintos, fazendo com
M

que parte da doutrina aponte os dois primeiros como autores que deslegitimam o
sistema penal, ao passo que enquadre o último dentre aqueles que o legitimam,
reservando, ademais, para a teoria deste a alcunha especifica de “garantismo” ou
“direito penal mínimo legitimador”, distinguindo-o, deste modo, do “minimalismo
radical”, que seria o gênero próprio das visões consonantes com as de Baratta e
Zaffaroni).
Alessandro Baratta contestava a criminologia radical, mas aceitava seu enfoque
marxista de defesa dos trabalhadores, amenizando, todavia, com uma elevada quota
de realismo, a descrição do sujeito histórico da atualidade. Por isso, ele falava em
adotar o ponto de vista das “classes subalternas”, única garantia de uma práxis teórica

40
alternativa e, por conseguinte, crítica. A reposta crítica real à questão criminal, para
Baratta, proviria daqueles que sempre seriam afetados pelo poder punitivo: os sujeitos
fracos. Isso não significava, porém, que o autor relegitimasse o sistema penal, mas sim
que fundamentava outro sistema, que serviria para buscar aqueles comportamentos
imunes ao sistema atual, mas muito mais daninhos, como as formas de criminalidade
das classes dominantes - a criação de um novo sistema democrático devia assumir a
deslegitimação do atual sistema penal. Para essas tarefas, era fundamental o novo

O
modelo integrado de direito penal e criminologia, que não se limitasse à descrição das
desigualdades e discriminações no campo penal, mas sim que, recorrendo à
sociologia, entendesse as funções reais do sistema penal nas sociedades tardio-

IT
capitalistas como reprodutoras das relações sociais de desigualdade, produzidas,
segundo o marco político marxista, nas próprias relações de produção. Ao integrar
sociologia, política e direito, Baratta pôde dar um passo mais adiante das colocações

TU
meramente críticas, resgatando um direito penal que se baseava nos direitos humanos
e que, a partir daí, servisse de limite para o poder – direitos humanos como negação da
punição – e ao mesmo tempo gerasse progresso social, representado pela igualdade e
pelo gozo dos direitos humanos em seu aspecto positivo. O fundamento dessa

RA
intervenção, pois, residia no conceito dos direitos humanos que assume uma dupla
função: i) negativa – concernente aos limites da intervenção penal; b) positiva – relativa
à definição do objeto possível, mas não obrigatório, da tutela por meio do direito penal.
Baratta, então, passou a desenvolver e enumerar uma série de princípios relativos a
LG
critérios políticos e metodológicos para a descriminalização e para a construção dos
conflitos e dos problemas sociais de uma forma alternativa à que o sistema penal atual
oferece. Dentro de um modelo integrado de política criminal alternativa, Baratta
assinala ao direito penal um papel – relativo e provisório – tríplice: a) defesa de
IA

garantias liberais fundamentais; b) defesa frente ao direito penal mesmo, pela redução
de seu campo de intervenção; c) defesa de certos interesses sociais ante a falta de
alternativas. Baratta defendeu uma nova disciplina integradora e também um novo
ER

discurso sobre a política, igualmente integrador; propunha, assim, uma refundação do


Estado e do Direito, com uma nova concepção de democracia baseada no princípio de
inclusão das vítimas e de todos aqueles que mais sofrem. O autor reivindicava esses
pontos adotando um discurso alter-globalizador, que respeita as diferenças diante da
AT

homogeneização empobrecedora do projeto globalizador. A confiança nesse futuro


melhor constitui, talvez, a grande diferença entre o pensamento de Baratta e de
Ferrajoli.
Para Ferrajoli, esse materialismo marxista devia desenvolver-se harmoniosamente,
M

com a presença do Estado e do Direito, verdadeiros artífices dessa sociedade tolerante


para a qual os juristas críticos também trabalhavam, assim, nesse esquema de utopia
possível, continuaria havendo um lugar para o direito penal, mas será um direito penal
e um poder punitivo radicalmente distintos dos existentes. Na opinião do autor italiano,
o desaparecimento do sistema penal, isto é, não apenas do direito penal, mas também
da própria pena, levaria à existência de uma anarquia punitiva, com respostas estatais
ou sociais mais selvagens, ou à existência de uma sociedade disciplinar na qual o
cometimento desses fatos imorais seria faticamente impossível devido à existência de
uma vigilância social ou estatal total – diante dessas perspectivas de futuro (utopias
regressivas), é que seu direito penal garantista se colocaria como uma alternativa

41
progressista. Ferrajoli afirma que um sistema penal é justificado se e somente se
minimiza a violência arbitrária na sociedade, e atinge esse fim na medida em que
satisfaz as garantias penais e processuais do direito penal mínimo. O sistema que
Ferrajoli sustenta é embasado em dois pressupostos utilitaristas e que legitimam a
imposição do castigo, são eles: a) a teoria da prevenção geral negativa (ou dissuasão),
que, todavia, não serve para fixar um limite máximo às penas, que poderiam aumentar
indefinidamente, levando ao terror, mas que serve para estabelecer o limite mínimo,

O
abaixo do qual a sanção carece de capacidade dissuasória; b) para prevenir os
castigos injustos, isto é, a reação maior que a falta de penas poderia provocar da parte
ofendida, da comunidade, ou mesmo das burocracias estatais ilimitadas – esta

IT
finalidade, por seu turno, é adequada para indicar o limite máximo da pena, acima do
qual não se justifica a pena que substitua os castigos informais. Para o autor, um
sistema penal será garantista somente se incluir todos os seguintes princípios: 1)

TU
retributividade ou sucessividade da pena com relação ao delito (Nulla poena sine
crimine); 2) legalidade estrita (Nullum crimine sine lege); 3) necessidade ou economia
do direito penal (Nulla lex poenalis sine necessitate); 4) lesividade ou ofensividade do
ato (Nulla necessitate sine injuria); 5) materialidade ou exterioridade da ação (Nulla

RA
injuria sine actione); 6) culpabilidade ou responsabilidade pessoal (Nulla actio sine
culpa); 7) jurisdicionalidade (Nulla culpa sine iudicio); 8) acusatório ou separação entre
acusação e juiz (Nullum iudicium sine accusatione); 9) prova dos fatos alegados em
processo (Nulla accusatio sine probatione); 10) contraditório e ampla defesa (Nulla
LG
probatio sine defensione).
A partir da obra “Em busca das penas perdidas” (1990) – cujo título é uma clara
alusão à obra de Louk Hulsman, “Penas perdidas” –, o argentino Zaffaroni passa a
defender a reconstrução da dogmática jurídico-penal, desde um ponto de vista
IA

“garantista”, mas reconhecendo a deslegitimação do sistema penal e levando em


consideração as críticas feitas ao sistema penal pelos abolicionistas. Essa posição o
levaria a afirmar que a seletividade, a reprodução da violência, o condicionamento de
ER

maiores condutas lesivas, a corrupção institucional, a concentração de poder, a


verticalização social e a destruição das relações horizontais ou comunitárias não são
características conjunturais, mas sim estruturais do exercício do poder de todos os
sistemas penais. Sua reflexão política e sociológica o levaria, ao mesmo tempo, a
AT

reconhecer o sistema penal e a pena como “fatos de poder”. Para Zaffaroni, então,
seria possível trabalhar com diversos meios, e com uma estratégia “inacabada”
(referência à ideia de Mathiesen) para limitar os efeitos nocivos desse fato de poder,
deixando em aberto o problema de sua legitimidade, ou negando legitimidade ao poder
M

punitivo. Essa legitimação de um direito penal mínimo que deslegitima a pena e o


poder punitivo fica mais clara quando Zaffaroni estabelece uma analogia entre a pena e
a guerra – um direito penal mínimo poderia ter, em relação à pena, o papel limitador
que o direito humanitário desempenha em relação à guerra (ideia desenvolvida a partir
das lições do jurista e escritor brasileiro Tobias Barreto). Nessa perspectiva, o direito
penal é concebido para assinalar os limites e eventualmente, se isso for possível, para
cancelar o poder punitivo. A partir de então, a elaboração crítica de Zaffaroni acerca do
direito penal deixaria esse ramo do direito desprovido de sua ferramenta característica,
a pena, ao menos no que concerne à sua justificativa (teoria agnóstica da pena) – para
o autor, tudo o que foi dito até agora sobre os fins e funções desejáveis da pena é

42
sociologicamente falso. Nesta esteira, se a pena não é justificada, o direito penal e os
penalistas encontrariam uma nova função, que seria a de reduzir a própria violência do
sistema punitivo (funcionalismo redutor). Zaffaroni faria igualmente uma idêntica
reviravolta, deslegitimadora e relegitimadora, a respeito da criminologia clínica e seus
cultivadores, os psiquiatras e assistentes sociais. Uma vez que ficou demonstrada a
alta seletividade do sistema punitivo, e que aquele que a clínica analisa não mostra, na
sua personalidade, “periculosidade” ou “causa da delinquência”, mas sim

O
“vulnerabilidade” ou “causa da seleção”, ele propõe que a criminologia não deve
simplesmente desaparecer, mas sim ter outra função – as “marcas, os “estereótipos”,
são constatados pelos criminólogos clínicos e pelos operadores do sistema, e é

IT
justamente sobre eles que esses profissionais devem atuar, ajudando os criminalizados
a sair desse estado ou a “reduzir seus níveis de vulnerabilidade ao sistema penal”.
Para o autor, essa tarefa não deveria ficar limitada aos criminalizados, mas sim ser

TU
estendida aos “policizados” e aos “burocratizados” (agentes penitenciários, judiciais e
da administração), que também sofrem lesões em sua identidade e integridade
psíquicas. Para essa nova função, Zaffaroni sugere mudar o nome e adotar o de
“clínica da vulnerabilidade”.

RA
(FONTES: História dos Pensamentos Criminológicos – Gabriel Ignacio Anitua;
Funções do Direito Penal – Paulo Queiroz – 3ª edição; Caderno Thiago Pagliuca FMB
semestral 2014).
LG
12. Qual a diferença entre o movimento “lei e ordem” e aquele denominado
“tolerância zero”?
O movimento “lei e ordem”, também conhecido como (neo)realismo de direita,
é uma espécie de política criminal teorizada a partir da década de 1970 por autores que
IA

pretendiam acabar com o que denominavam de “domínio de especialistas brandos com


os delinquentes” (numa referência à criminologia e, em especial, sua vertente crítica).
Para tais autores, seria necessário abandonar as grandes teorização e voltar ao básico,
ER

ao que as pessoas comuns entendem como bem e mal, passando-se, deste modo, a
chamar esse pensamento intencionalmente “básico” de “criminologia da vida cotidiana”.
Seus autores se concentrariam, sobretudo, na prevenção do delito, que segundo eles
teria a ver com a escolha racional, com as rotinas cotidianas e com as oportunidades
AT

situacionais.
Tal linha de pensamento teve bastante projeção nos Estados Unidos da América,
com autores como James Q. Wilson (alçado a assessor do presidente norte-americano
Ronald Reagan), que defendia que os indicadores delitivos nos EUA haviam subido
M

porque haviam baixado as possibilidades do indivíduo ser detido, condenado e,


principalmente, ser severamente castigado. Argumentava, ademais, que as
considerações dissuasórias deviam ajustar o nível geral de imposição de penas e que
os delinquentes perigosos ou reincidentes deviam ser sujeitos a penalidades mais
severas, incapacitadoras e, em alguns casos, à própria morte.
Também teve destaque o pensamento de Ernest van den Haag, que identificava a
ordem como valor jurídico supremo e, portanto, dizia não acreditar na utilidade nem na
justiça. Segundo ele, havia três classes de pessoas: os maus, os inocentes e os
calculadores; a única coisa que poderia ser feita em relação aos “maus” era separá-los
dos outros para que não lhes causassem danos; já os inocentes deveriam ser

43
protegidos; e para a grande maioria das pessoas, que pensavam de acordo com a
lógica do custo-benefício (os calculadores), deveria haver uma série de leis que os
convencesse da inconveniência de delinquir. van den Haag também criticava as
políticas penais do Estado de Bem-Estar, dizendo que elas não prestaram atenção aos
maus, frustraram os inocentes e estimularam os calculadores a delinquir. Do mesmo
modo, criticava as políticas penais de inspiração sociológica tendentes à
ressocialização, visto que elas representariam um enorme gasto a ser dispendido pelas

O
pessoas “honradas” e que, no melhor dos casos, quem delas tiraria proveito seria quem
não merecia.
James Q. Wilson, juntamente com George Kelling e Catherine Coles, em uma série

IT
de artigos e livros, desenvolveram, no âmbito da política-criminal, a famigerada “teoria
das janelas quebradas”, a qual reunia ideias sociológicas mais amplas com a
justificativa de deter os “suspeitos de sempre” antes que eles cometessem algo mais

TU
sério. Segundo os autores, as pequenas desordens, às quais não se presta atenção,
seriam o início de problemas muito mais sérios de convivência. O controle social sobre
essas pequenas coisas seria a melhor forma de prevenir delitos graves, e por isso seria
de grande relevância que a polícia reprimisse aquilo que era comumente chamado de

RA
“incivilidades”, como a mendicância, a prostituição, a vadiagem etc. Contra elas deveria
atuar uma cidadania consubstanciada com a polícia e com alguns valores morais
conservadores. Os autores também recorreriam à velha técnica inquisitorial de
encontrar culpados entre os deslegitimadores de sua teoria: os criminólogos e políticos
LG
liberais, com seus reclamos de liberdade, tolerância e direitos humanos, seriam, na
verdade, os responsáveis por estes comportamentos desrespeitosos. Os autores
usavam, para explicar sua teoria, a metáfora das “janelas quebradas”: se uma janela de
um edifício está quebrada e se ela não é consertada, as demais janelas, em pouco
IA

tempo, estarão quebradas também, porque uma janela sem conserto é sinal de que
ninguém se preocupa com ela e, portanto, quebrar mais janelas não teria custo algum;
um edifício com todas as janelas quebradas traduz a ideia de que ninguém se importa
ER

com o que acontece nas ruas, e logo outros edifícios estarão danificados – isso terá
efeitos negativos, pois, segundo eles, só os “jovens”, os “criminosos” ou os “temerários”
mantêm alguma atividade numa avenida sem proteção, e, por conseguinte, cada vez
mais “cidadãos” abandonarão a rua. Para evitar essa deterioração e para que os
AT

“cidadãos” ocupem os locais públicos, diriam os autores que um bom recurso consiste
em fazer com que os policiais vigiem os bairros a pé, já que desse modo o nível de
ordem pública nesses bairros se elevaria – propunham, em síntese, uma polícia mais
barata, eficiente, visível e próxima. Essa polícia mais próxima não teria, porém, tanto a
M

finalidade de perseguir delitos, mas sim lhe competiria combater as condutas


desordenadas e antissociais (mendicância, prostituição etc), pois elas seriam a “janela
quebrada” que logo daria lugar às condutas mais graves – diriam eles: se o bairro não
puder evitar que um mendigo incomode os transeuntes, o ladrão pode raciocinar que
seria até mesmo menos possível os moradores chamarem a polícia para identificar um
assaltante em potencial ou para interferir em um assalto que está ocorrendo. A política
criminal preventiva recomendada viria como consequência de não se deixar nenhuma
“janela quebrada”, nenhuma mostra de descontrole sem castigo – a proposta era
controlar as atividades que favorecessem a delinquência com tanto rigor, ou até com
mais rigor, do que a própria delinquência.

44
Da teoria das “janelas quebradas” decorreria a técnica policial intensiva conhecida
como “tolerância zero”, que proveio da estratégia policial que se implantou em Nova
Iorque, a partir de 1994, com a eleição do prefeito conservador Rudolph Giuliani –
nesta esteira, observa-se que a política de “tolerância zero” não se confunde
inteiramente com o movimento “lei e ordem”, aquela é apenas uma das ramificações
deste. A campanha de Giuliani foi baseada na lógica belicista, pois era declarada
“guerra” à delinquência de rua, às drogas, às gangues e à violência dos jovens em

O
geral; a tudo isso era prometido um “basta”, através da expressão “tolerância zero”. A
violência dos corpos policiais e de segurança, até mesmo privada, seria um
componente desse discurso simplificador, que buscava a aceitação, ao menos passiva,

IT
de importantes setores da opinião pública. No mesmo ano em que assumiu, já seriam
revelados números que indicavam que a “guerra” estava sendo ganha – quem pedia
esmolas e os lavadores de para-brisa passaram a ser presos ao invés de pagarem

TU
multa, aumentando as detenções em 3 vezes; o número de policiais aumentou cerca
de 20%; as denúncias diminuíram 30%; por outro lado, as queixas de abuso policial
dobraram e o número de pessoas mortas sob a custódia da polícia aumentaram 53%;
contudo, 3 em cada 4 nova iorquinos declaravam-se mais “seguros” (e esse era o

RA
número que importava). Nesse contexto, o total de violência social aumentaria, haja
vista que agora se tratava de aumentar a violência exercida pela polícia ao “lutar”
contra os que faziam pichações, não pagavam os serviços públicos, dormiam ou
consumiam substâncias diferentes em lugares públicos, ou ofereciam serviços de
LG
natureza sexual em via pública; isso, porém, seria considerado “normal” numa lógica de
“guerra”, segundo a qual as baixas dos outros não contam, e o que se busca é,
exatamente, impor uma segurança “cidadã”, pública, estética e moral, definida
justamente contra esses “outros”. Essa política será difundida (por determinadas
IA

empresas e burocracias) em todos os lugares da América Latina e da Europa, onde os


discursos neoconservadores exasperaram o modelo – tratava-se de justificar, sem
complexos, uma nova criminalização da marginalidade e da pobreza que, por sua vez,
ER

eram gestadas nas decisões macroeconômicas que são consubstanciais a esse


modelo punitivo.
(FONTE: História dos Pensamentos Criminológicos – Gabriel Ignacio Anitua).
AT

13. Discorra sobre o direito penal simbólico e sua relação com o denominado
direito penal do inimigo.
O direito penal simbólico, que reconhece suas origens na tradição sociológica
funcionalista, atingiria, nesse último quarto do século XX, um auge significativo,
M

sobretudo, na Europa. A ideia de prevenção geral positiva é retomada e o castigo


passa a ser visto como uma mensagem, que indica que o fato praticado representa o
mal e não, apenas, que cometê-lo acarreta somente uma experiência desagradável.
Isto teria como fundamento as teorias da comunicação que falavam das respostas
expressivas intimamente vinculadas ao desenvolvimento mais amplo que as teorias
funcionalistas nunca tiveram. Com o domínio conservador e o retorno à penalidade do
começo da modernidade, seria recuperado o valor de “signo” tradicionalmente atribuído
ao castigo. Isso está vinculado também ao papel preponderante que ganha a
“censura”, ou seja, a expressão pública de desaprovação acerca da conduta incorreta,
como parte da teoria do “merecimento” ou “modelo de justiça”, que, portanto, não é

45
apenas um modelo de tipo retributivo. Ocorreria uma união entre as teoria retributivas e
teorias da prevenção geral positiva, cujos maiores expoentes são os alemães Gunther
Jakobs e Ralf Dahrehdorf.
Para quase todos os penalistas reconhecidos (inclusive críticos, como Hassemer),
a pena se conformaria como mecanismo simbólico que fortalece a consciência jurídica
e freia, mediante atuações psicológicas profundas, a reação social que supostamente
poderia ser mais grave devido à indignação criada pelo fato delitivo. A prevenção geral

O
positiva, de acordo com Claus Roxin, apresenta três funções inter-relacionadas: efeito
social pedagógico de respeito às normas, consolidação da confiança no direito que os
tribunais produzem, e pacificação da consciência jurídica da comunidade, ao ser

IT
comprovada com a superação do conflito. Nessas ideias repousa uma certa
perspectiva funcionalista concorde com o Estado de Bem-Estar e os princípios
expostos nas Constituições sociais.

TU
Seria mais complexa a teoria sistêmica posterior, aquela que deve justificar a pena
sem o necessário recurso justificador dessa forma-Estado que já havia entrado em
decadência. No discurso jurídico-penal de conteúdo criminológico de Jakobs, que diz
refletir os pontos de vista sociológico do funcionalista alemão Niklas Luhmann,

RA
considera-se o delito simplesmente como uma ruptura em relação à fidelidade devida
ao direito. Dessa forma, o lesado não seria um terceiro (ou vários terceiros), mas sim
um bem jurídico, definido como uma abstração que simboliza a confiança nas (e das)
instituições públicas. A pena seria necessária e seria justificada porque consegue
LG
restabelecer essa confiança no direito. Surge, assim, uma teoria da pena que se
pretende nova, embora seja, outra vez, uma rara mistura de ideias hegelianas e de
defesa social, rodeada por um novo discurso, de difícil compreensão. Essa teoria é da
“prevenção-integração”, que derivaria em uma dupla função da pena: a latente, de
IA

consolidação da sociedade; e a manifesta, de marginalização do fato delitivo e de seu


autor. Jakobs, na esteira de Hegel, possui uma definição estreita de pessoa, como
sendo “aquele a quem se confere o papel de um cidadão respeitoso do Direito”, ou
ER

“pessoa real é aquele cujo comportamento é adequado à norma”, ou, ainda, “nas
referências à situação frente ao mundo econômico, pessoa é quem produz, produziu ou
quem produzirá”. Dessa forma, fica fácil perceber que aqueles tradicionalmente
segregados pelo poder punitivo se enquadram fora do conceito de pessoa, como o
AT

“outro”, a “não-pessoa”, ou o “inimigo”. Nessa construção, que anos antes os regimes


nazistas e fascistas haviam feito derivar da filosofia alemã, Jakobs seria um tanto mais
cuidadoso e não indicaria que todos os infratores são “inimigos”, mas sim que devem
ser tratados dessa forma apenas aqueles que podem “perder a personalidade pela
M

própria culpa”. Ele não procuraria gerar um novo direito conforme a existência de
inimigos, mas indicaria que quem “desafia” o sistema de direitos e garantias já não
pode exigir a sua vigência. Em suas próprias palavras “a existência de um direito penal
de inimigos não é sinal, portanto, da fortaleza do Estado de liberdades, mas sim um
sinal de que, nessa perspectiva [esse Estado de direito para o inimigo] simplesmente
não existe”. Para ele, vigoraria uma medida de execução ou de emergência.
As políticas penais que os diversos governos da atualidade implementam têm uma
função simbólica declarada de impor os valores morais tradicionais. Para isso, é
utilizada a ferramenta tradicional de reprimir e, ao mesmo tempo, construir
subjetividades. É possível, porém, perceber que o punitivo não é somente um “meio”,

46
pois encerra em si mesmo as condições de reprodução de uma organização social
hierarquizada e baseada na exclusão. É nesse ponto, e em atenção aos resultados
históricos das sociedades modernas, que não cabe a análise “interna”, mas deve-se
criticar politicamente essa fundamentação do castigo, que, segundo alguns autores,
tem a vantagem de não poder ser falseada. Todavia, como insiste Jock Young, o
falseamento dessa teoria também pode ser comprovado sociologicamente, na medida
em que a crescente criminalização da vida cotidiana provoca mais transgressão do que

O
conformidade. Esses valores morais não poderão ser impostos se pertencerem apenas
a uma pequena parcela da população, por mais poderosa que ela seja, ao menos, não
apenas com o recurso do punitivo.

IT
(FONTE: História dos Pensamentos Criminológicos – Gabriel Ignacio Anitua).

14. Discorra sobre o atuarialismo penal e a gestão de “risco” na sociedade

TU
excludente global.
Com o abandono das tentativas de legitimar a pena, e com a resignação na busca
de causas que não trariam qualquer utilidade imediata, grande parte dos funcionários
do sistema penal adotou uma “ideologia desideologizada”, que os levava a não

RA
pretenderem ir mais além de seus objetivos sistêmicos. A reflexão penológica
assumiria essa tendência tecnocrática destinada a legitimar a própria ação das
burocracias punitivas, sem ter que arriscar o confronto com resultados. As penas,
desse modo, “funcionam”, fazem o que fazem dentro do sistema e é esse mesmo
LG
sistema que lhes confere a razão de existir. Chegar-se-ia a pensar que a maquinaria
punitiva “funcionaria” melhor se desconectada desse risco de deslegitimação que se
corre ao perseguir uma finalidade incumprível ou falível.
A justiça atuarial modifica a maneira como se concebe e se fala sobre política
IA

criminal, mas não porque é uma ideologia ou pensamento, no sentido de um conjunto


de crenças e ideias que impulsionam a ação, mas, ao contrário, porque impõe práticas,
mas não as reduz a uma tecnologia específica ou a um conjunto de comportamentos
ER

guiados por uma racionalidade idêntica. A justiça penal atuarial é poderosa e


significante, precisamente, porque carece de um pensamento bem articulado e porque
não se identifica com uma tecnologia específica – desse modo, torna-se difícil de ser
combatida, e essa indefinição contribui para o seu poder.
AT

O objetivo da justiça pena atuarial seria a tradicional “gerência” de grupos


populacionais classificados e identificados previamente como perigosos e de risco,
assim como a manutenção do funcionamento do sistema e de seus privilégios com um
custo mínimo. No novo enfoque, as finalidades principais atribuídas ao sistema não
M

serão mais castigar nem ressocializar indivíduos, mas sim identificar, classificar,
ordenar e gerenciar grupos perigosos de modo eficiente. As estratégias de controle
dizem respeito, em resumo, à gestão de determinados grupos, de determinadas
categorias de sujeitos, para os quais a vigilância, a incapacitação e a intimidação se
destinam.
O fato de que se fale tanto em “gerência” significa que a penologia do início do
século XXI não pretende castigar, ética ou juridicamente, nem reeducar ou reabilitar,
nem tampouco eliminar a delinquência no futuro, mas simplesmente torná-la tolerável.
O sistema penal adquire uma função gerencial, já que se converte no mecanismo de
gestão daqueles grupos de risco, através de instrumentos que vão desde o

47
confinamento em cárceres de simples custódia, até sistemas de monitoramento
eletrônico, novas formas de vigilância, impedimentos físicos etc. Pretende-se, com isso,
reduzir os danos e afastar a ideia de perigo, sem comprometer-se com qualquer
proposta de um futuro melhor, sem delitos nem castigos. A “periculosidade” positivista
é atualizada e traduzida na ideia “risco” atuarialista, o que torna-se bastante perceptível
através da defesa, cada vez mais presente, da penalização da mera colocação em
perigo dos bens jurídicos, por mais abstrata e antecipada que seja.

O
Se as causas não importam mais, e apenas a prevenção de efeitos é necessária, o
universo da população criminosa e também da população encarcerada pode der
convertido em algo não problemático – com isso a efetiva atuação do poder punitivo e

IT
de suas agências deixaria de ser criticada. De acordo com a nova lógica atuarial,
enquanto os que estão em risco de delinquir se encontrarem encarcerados, restringe-
se fisicamente sua possibilidade de concretizar essa ação, e isso constitui justificativa

TU
suficiente para sua consideração. O certo é que a inabilitação, em seus antecedentes
históricos, era considerada uma função secundária ou uma proposta específica para
certa classe de delinquentes (os habituais ou especialmente perigosos), contudo, a
partir das últimas três décadas, a inabilitação passa a ser considerada seriamente

RA
como o fim principal da “moderna” pena de prisão.
Surge, assim, a maior expressão atual da cultura punitiva tecnocrática e
administrativa: a teoria da “incapacitação seletiva”. Essa teoria, juntamente com o
cálculo probabilístico e a distribuição estatística, propõe que a extensão da sentença
LG
não dependa da natureza da ofensa ou da avaliação do caráter passado e presente do
“delinquente”, mas sim de perfis de risco especiais, com os quais se utiliza técnicas
idênticas às usadas por companhias de seguro e suas maximizações da eficácia. A
ideia é a de que a incapacitação protegerá efetivamente a população, ao inocuizar os
IA

sujeitos de alto risco ou “delinquentes crônicos” e, ao mesmo tempo, intimidar os de


risco médio, que ficam nas ruas, para que eles não cometam novos delitos. E tudo isso
“poupando dinheiro”, pois diminuiria o número de vezes que os delinquentes
ER

reincidentes devem ser processados pelo sistema. Finalmente, para os cultores desse
“pensamento”, será possível transmitir valores de “lei e ordem”, de acordo com os quais
o Estado é o mais forte “fazendo justiça”, pois aqueles que, repetidamente, causam
perdas e danos aos outros “merecem” um tratamento duro.
AT

(FONTE: História dos Pensamentos Criminológicos – Gabriel Ignacio Anitua).

15. Discorra sobrea as relações entre a criminologia e o movimento feminista.


O movimento feminista teve (e tem) essencial importância para o estudo
M

criminológico, sendo co-fundador do pensamento crítico, especialmente, em sua


decisiva influência acerca da reflexão sobre a vítima (e sobre toda a vitimologia), não
de um ponto de vista meramente abstrato, mas sim real, enfocando suas
necessidades.
A criminologia feminista também prestou atenção às formas especiais em que a
mulher foi oprimida na história pelo sistema de justiça criminal, e pelos quais o é na
atualidade. De fato, as formas de vitimização eram igualmente vistas como uma
expressão dessa opressão, motivo pelo qual não tardariam a ocorrer alianças entre
setores abolicionistas e feministas que reivindicavam a abolição de um sistema
punitivo, classista e patriarcal. Depois, em contrapartida, algumas feministas se

48
somariam às demandas de um castigo ampliado aos agressores de mulheres, o que
tendia a reproduzir as desigualdades da dominação machista com o delito machista por
antonomásia que é a violação. Deste modo, os reclamos das feministas influenciaram a
criminologia, mas antes o direito penal, que teve que dar respostas às demandas – às
vezes punitivas – destes novos “empresários morais”. De qualquer maneira, antes das
demandas punitivas, tornaram-se evidentes as exigências de atenção às vítimas.
A discussão entre feminismo e abolicionismo foi muito rica. Criticava-se que podia

O
haver nessas demandas uma reafirmação da legitimidade da intervenção penal,
mesmo quando se limitasse a justificar uma função protetora meramente simbólica. As
feministas justificavam o uso do direito penal pelos valores que podia transmitir, mas

IT
além das críticas que formularam anteriormente à função meramente simbólica, pelo
aparecimento de teorizadores que justificavam o castigo não apesar, mas justamente
por causa de sua carga simbólica. As feministas afirmavam que, embora o uso do

TU
simbólico da pena merecer críticas, não se pode esquecer que também o não-uso da
lei penal tem efeitos simbólicos que não deveriam ser descuidados – por exemplo,
normalizar certos maus-tratos a mulheres.
Com efeito, o feminismo é uma das manifestações mais significativas da

RA
reflexividade da modernidade. Justamente por isso a criminologia feminista foi
amplíssima. E todas essas vozes apresentariam características diferentes: haveria
defensoras do direito penal e da criminalização da violência sexista; outras que não
estariam interessadas no castigo efetivo, mas sim no uso simbólico e na discussão
LG
pública para mudanças de valores; outras, ainda, seriam críticas em relação a toda
lógica penal que, em si mesma, é machista; outras, por fim, consideram que falar em
termos de leis desvia a atenção para mudanças materiais e ajudas concretas.
Outrossim, o feminismo trouxe dois conceitos – o de patriarcado e o de gênero –
IA

que hoje são de uso corrente e sem os quais faltariam letras-chaves no abecedários
que utilizamos para descrever a hierarquização naturalizada que o poder planetário nos
vende. Entende-se por patriarcado o domínio machista e todas as suas implicações; já
ER

o gênero revela a principal armadilha do patriarcado: a confusão entre o sexo com ao


papel atribuído – o sexo é algo anatômico, mas o gênero não tem nada a ver com a
anatomia, tratando-se, antes, de um conjunto de papéis culturalmente atribuídos pelo
poder patriarcal.
AT

Por derradeiro, o feminismo chamou à atenção para o fato de que o sistema penal
se ocupava quase exclusivamente dos homens: no “exército” da sociedade
hierarquizada, os “sargentos” controlam a mulher e os “sargentos” são controlados pelo
poder punitivo, que só se ocupa das mulheres quando elas se rebelam contra o
M

“sargento” – este é o programa que provém da Idade Média e que se mantém em vigor.
(FONTES: História dos Pensamentos Criminológicos – Gabriel Ignacio Anitua; A
Questão Criminal – Eugenio Raul Zaffaroni).

16. Discorra sobre as novas tendências criminológicas de resistência ao


neopunitivismo.
Nos Estados Unidos, as características do Estado mudaram totalmente desde o
estabelecimento do denominado neopunitivismo – 1 em cada 3 homens negros entre
20 e 29 anos encontra-se criminalizado; 1 estadunidense em cada 100 está na prisão;
3 em cada 100 está submetido à vigilância etc. – em que é possível inferir-se que o

49
pós-moderno recupera todas as características do pré-moderno inquisitorial. O nazismo
penal renasceu nos EUA e é oferecido como modelo mundial. Deste dato se ocupam
diversos criminólogos, com destaque para David Garland, Löic Wacquant e Jonathan
Simon.
Garland, formado em Edimburgo-Escócia, mas docente em NY-EUA, afirma, em
sua obra “A cultura do controle” (2001), que na sociedade pós-moderna reina uma
espécie de esquizofrenia, que dá lugar, por um lado, a uma “criminologia da vida

O
cotidiana”, que apela a todos os recursos preventivos mecânicos, eletrônicos etc. e, por
outro, a uma “criminologia do outro”, que ressuscita, definitivamente, as versões mais
tenebrosas do velho positivismo. A criminologia da vida cotidiana incorpora o delito

IT
como risco normal e nos enche de engenhos humanos preventivos, ou seja, a
prevenção do delito não depende de valores morais, e sim de impedimentos físicos que
retiram a oportunidade - nesse sentido, contrasta com a tradição conservadora que

TU
entende que a prevenção depende dos valores morais e do respeito à autoridade. Já a
criminologia do outro, baseada na vingança, que se expressa como exclusão, defesa
social, neutralização do sujeito perigoso, ou seja, lança mão do discurso do velho
positivismo, mas em um sentido bem vingativo. A contradição é clara: o delito não pode

RA
ser tão normal como a chuva e, ao mesmo tempo, não pode ser dramatizado al
máximo, usando vocabulário militar ou de guerra e apresentando o infrator como um
sujeito irredutivelmente mau, que deve ser aniquilado.
Para o francês Löic Wacquant, professor da Universidade da Califórnia-EUA
LG
(Berkeley), a tensão assinalada por Garland responde a um sistema pós-fordista que
precariza o trabalho, aprofunda as discriminações e segregações de classe e raciais,
relega os setores mais golpeados pela política chamada de neoliberal aos bairros mais
pobres, marginais e distantes, e monta um aparato punitivo de contenção que configura
IA

o que ele denomina de “Estado Penal”. Afirma, também, que este Estado Penal dá
continuidade ao racismo do apartheid, o qual, segundo ele, jamais desapareceu das
prática burocráticas estadunidenses, razão pela qual o considera também um “Estado
ER

racial”.
Segundo o autor argentino Raúl Eugênio Zaffaroni, Wacquant sustenta uma
interpretação estrutural do fenômeno, diante de uma interpretação cultura de Garland,
mas Wacquant detém-se pouco nas mudanças políticas gerais e no próprio sistema
AT

penal que foram preparando o terreno para a virada autoritária, ou seja, não repara na
transformação institucional que se produziu nas últimas três décadas e que, sem
dúvida, incidiu na virada repressiva do punitivo estadunidense.
Jonathan Simon, também professor em Berkeley, leva a cabo uma investigação
M

que complementa as visões de Garland e Wacquant, analisando em profundidade


como se foi gestando a tremenda transformação institucional e social que desembocou
no autoritarismo penal atual. Ele atribui essa explosão repressiva à lenta, mas
incessante, deslegitimação do Estado de Bem-Estar, fixando seu início na agressiva
campanha do conservador Barry Goldwater em 1964, baseada quase completamente
na palavra de ordem do movimento “lei e ordem”. A ela se seguiram as guerras contra
a droga de Nixon, Reagan e Bush pai, para culminar com a guerra ao terrorismo de
Bush filho, após 11 de setembro de 2011. Para Simon, tudo isso configura uma
governance – ou seja, uma técnica de governo – que se caracteriza como um governo

50
referenciado pelo crime, completamente oposto à tradição liberal. Trata-se, em
essência, de uma maneira de governar mediante a administração dos medos.
Todavia, segundo Zaffaroni, a análise de Simon não percebe a dimensão total da
virada autoritária, pois não enfoca a questão com uma visão histórica mais ampla.
Governar mediante o medo importa a fabricação de inimigos e a consequente
neutralização de qualquer obstáculo ao poder punitivo ilimitado, supostamente usado
para destruir o inimigo, ainda que todos saibam que é materialmente utilizado para

O
aquilo .que o poder quiser. No fundo, segundo o professor argentino, o fenômeno é
sempre uma enorme enganação para distrair a atenção sobre outros riscos e obter o
consenso para exercer um poder policial sem controle. Esse poder punitivo sem

IT
controle sempre foi usado para verticalizar e hierarquizar as sociedades, ou seja, para
dotá-las de estrutura colonizadora, Por conseguinte, é natural que esta técnica, ou
governance, tenha penetrado como uma torrente em todas as instituições sociais –

TU
toda inquisição tende a hierarquizar e a produzir homogeneidade e conformismo.
Zaffaroni, adverte, ainda, que, de todo modo, Simon bate na tecla certa ao
sintetizar que a chave é governar valendo-se da centralização do medo em um objeto.
Nesse sentido, a contribuição de Simon, ao descrever como e por que isso é feito na

RA
atualidade nos EUA, é fundamental, pois, a partir daí, se globaliza ou planetariza essa
técnica de governo.
(FONTE: A Questão Criminal – Eugenio Raul Zaffaroni).
LG
17. Discorra sobre a “criminologia midiática”.
Zaffaroni, seguindo as lições de René Girard, assevera que o poder punitivo
formalizado na civilização atual tem por função real tentar canalizar racionalmente a
vingança. Nesse contexto, é essencial o papel desempenhado pelos meios de
IA

comunicação de massas, uma vez que, se o sistema penal tem a missão de canalizar a
vingança e a violência difusa na sociedade, é mister que as pessoas acreditem que o
poder punitivo está neutralizando o causador de todos os seus males. Assim, os meios
ER

de comunicação de massa constroem essa realidade, através do que Zaffaroni


denomina de criminologia midiática, e as pessoas, geralmente, possuem uma
disposição em aceita-la como verdadeira para, assim, tentarem reduzir seu nível de
angústia diante da violência difusa na sociedade – a regra, segundo o autor, é a de
AT

que, quando a angústia é muito pesada, ela se converte, através da criminologia


midiática, em medo a uma única fonte humana.
O autor segue sustentando que a criminologia midiática sempre existiu e sempre
apela a uma criação da realidade através de informação, subinformação e
M

desinformação em convergência com preconceitos e crenças, baseada em uma


etiologia criminal simplista, assentada na causalidade mágica – ressaltando que o
mágico não é a vingança, mas sim a ideia de causalidade especial que se usa para
canalizá-la contra determinados grupos humanos, convertendo-os, assim, em “bodes
expiatórios”. Zaffaroni afirma que essa característica não muda (o que varia muito é a
tecnologia comunicacional – desde o púlpito e a praça até a TV e a comunicação
eletrônica), e que o discurso atual desta criminologia midiática é o do chamado
neopunitivismo dos EUA, que se expande pelo mundo globalizado.
Com fundamento no filósofo italiano Giovanni Sartori, o professor argentino explica
que a criminologia midiática cria a realidade de um mundo de pessoas decentes, diante

51
de uma massa de criminosos, identificada através de estereótipos, que configuram um
“eles” separado do resto da sociedade, por ser um conjunto de “diferentes e maus”, e,
para tanto, é necessário que a polícia nos proteja, sem que se oponha qualquer limite
ou obstáculo à sua atividade. O autor destaca que este “eles” é construído por
semelhanças, sendo a televisão o meio ideal, pois joga com imagens, no mais das
vezes descontextualizadas, que referem-se sempre a objetos concretos, utilizando-se
de linguagem empobrecida e disponibilizando pouco (ou nenhum) tempo para reflexão,

O
o que impede o pensamento abstrato, além de impactar na esfera emocional da
pessoa, dificultando sua reflexão sobre o ocorrido.
Zaffaroni segue, explicitando que esse “eles” é construído sobre bases bem

IT
simplistas, que se internalizam à força da reiteração e do bombardeio de mensagens
emocionais mediante imagens: indignação frente a alguns fatos aberrante, mas não a
todos, e sim somente aos dos estereotipados; impulso vingativo por identificação com a

TU
vítima desses fatos, mas não com todas as vítimas, e sim somente com as dos
estereotipados, etc. Este “eles” desenha um mundo de “nós os bons” e “eles os maus”,
que não deixa espaço para a neutralidade, como também não existe na guerra – a
prudência não tem espaço na criminologia midiática, toda tibieza é mostrada como

RA
cumplicidade com o crime, com o inimigo, porque fora construído um mundo bipolar e
maciço, como nos tempos da inquisição. Uma vez identificado o “eles”, tudo o que lhes
for feito é pouco, mas, além disso, segundo a criminologia midiática, “eles” não sofrem
praticamente qualquer dano, tudo que lhes é feito é mostrado como sendo
LG
generosidade, bom tratamento e gastos inúteis para o Estado, “que é pago com nossos
impostos”, o que está a reclamar, implicitamente, o extermínio dos estereotipados – a
criminologia midiática assume o discurso da higiene social.
(FONTE: A Questão Criminal – Eugenio Raul Zaffaroni).
IA

18. Massacre, genocídio e guerra são termos sinônimos? Como que o massacre
pode ser prevenido?
ER

Primeiramente, cumpre esclarecer, na esteira de Zaffaroni, que a definição legal de


genocídio (tal qual a realizada pela convenção de 1948) é produto de um exercício de
poder, ou seja, de uma decisão política de criminalização primária e que não perde seu
caráter seletivo por provir do campo do direito internacional, fazendo-se necessária,
AT

assim, substituí-la por um conceito criminológico. Partindo de Semelin, Zaffaroni


conceitua massacre como “toda prática de homicídio de um número considerável de
pessoas por parte de agentes de um Estado ou de um grupo organizado com controle
territorial, de forma direta ou com clara complacência destes, levada a cabo de forma
M

conjunta ou continuada, fora das situações reais de guerra que importem forças mais
ou menos simétricas”. Verifica-se que da própria definição de massacre trazida por
Zaffaroni é possível distingui-lo da guerra, haja vista que esta exige que haja duas
forças armadas regulares ou irregulares, porém mais ou menos simétricas. Importante,
ainda, ressaltar, que há, por vezes, massacres concomitantes à guerra, que dão
decididos e executados aproveitando-se da própria guerra, mas que com ela não se
confundem.
Sendo o massacre um crime, e como tal sua prevenção pode operar em dois
níveis: prevenção primária – que vai à raiz social do conflito (desigualdade social,
estratificação, cultura machista etc); prevenção secundária – que opera contra o próprio

52
fato (segurança pública, polícia e o aparato estatal). A respeito dos massacres, todavia,
Zaffaroni alerta que apenas a prevenção primária é que seria capaz de corrigir nossa
neurose civilizatória e deter o efeito acelerador do capitalismo selvagem, o que, por
óbvio, são tarefas que correspondem a toda a humanidade e não somente à
criminologia. Contudo, o professor argentino assevera que cabe especificamente ao
jurista (ao penalista e ao criminólogo) a tarefa de deixar de lado as racionalizações com
que pretende explicar a pena, para aceitar que esta responde a um conceito irracional

O
(a vingança) e que, portanto, sua missão seria a de contê-la, através da denominada
de uma atitude de cautela. Essa cautela, no âmbito específico da criminologia, dará
ensejo ao que o autor denomina de criminologia cautelar, que seria aquela que

IT
proporciona a informação necessária e alerta a respeito do transbordamento do poder
punitivo, suscetível de produzir um massacre. Alerta, todavia, o autor, que não se trata
de uma criminologia abolicionista, pois isso implicaria num projeto de nova sociedade,

TU
tarefa para a qual os criminólogos não estão aptos a desempenhar, mas sim de uma
missão de contenção do uso do poder que sempre está tentado a se expandir e a
acabar cometendo um massacre.
Por conseguinte, aduz Zaffaroni, que a criminologia cautelar deve, por um lado, se

RA
confrontar com o pânico moral, mas, por outro, apoiar o temor racional – e, daí, a
cautela – frente aos riscos reais causadores de cadáveres antecipados, seja os que
provenham do delito violente, sua de outros riscos minimizados midiaticamente ou do
próprio poder punitivo.
LG
(FONTE: A Questão Criminal – Eugenio Raul Zaffaroni).

19. No que consiste o fenômeno da prizionização?


Segundo Leonardo Isaac Yarochewsky, prisionização é a assimilação dos padrões
IA

vigorantes na penitenciária, estabelecidos, precipuamente, pelos internos mais


endurecidos, mais persistentes e menos propenso a melhoras. Adaptar-se à cadeia,
destarte, significa, em regra, adquirir as qualificações e atitudes do criminoso habitual.
ER

Na prisão, pois, o interno mais desenvolverá a tendência criminosa que trouxe de fora
do que anulará ou suavizará.
Zaffaroni pondera que a intervenção penal por desvios primários gera outros,
secundários e mais graves, e a reclusão de adolescentes prepara carreiras criminosas.
AT

A priosionização desnecessária fabrica delinquentes, do mesmo modo que a


estigmatização de minorias em uma clara profecia autorrealizada (jovens com
dificuldades de identidade assumes os papéis desviados imputados midiaticamente,
reafirmando os preconceitos próprios do estereótipo). A explicação convencional
M

segundo a qual há mais prisionização porque há mais homicídios (ou outros crimes
graves) é falsa porque, se fosse correta, ao longo dos anos as taxas elevadas de
encarceramento deveriam ter provocado a diminuição dos homicídios, enquanto taxas
reduzidas de encarceramento deviam as ter elevados, mas nada disso ocorreu de fato.
A conclusão é clara: o maior uso da prisão não tem efeito preventivo dos homicídios, e
cabe suspeitar até que tem um efeito contrário.
(FONTES: Sistema prisional brasileiro aumenta a reincidência - Leonardo Isaac
Yarochewsky – disponível em: http://www.conjur.com.br/2012-nov-16/leonardo-
yarochewsky-sistema-prisional-brasileiro-aumenta-reincidencia ; A Questão Criminal –
Eugenio Raul Zaffaroni).

53
20. Qual a diferença entre vitimologia e vitimização?
Vitimologia é o movimento criminológico que estuda a complexidade da vítima,
tanto na esfera individual, quanto na inter-relação existente entre a vítima e o autor do
crime. Seu estudo contribui para o exame do papel desempenhado pelas vítimas no
desencadeamento do fato criminal e para o estudo da criminalidade real, isto é, aquela
sem a máscara da “cifra negra” da criminalidade. O fundador da vítimologia foi o

O
israelense Benjamin Medelsohn, na conferência: “Um horizonte novo na ciência
biopsicossocial: a vitimologia” – 1947; e o alemão Hans Von Hentig, na obra “O
criminoso e sua vítima” – 1948.

IT
A Profª. Lola Aniyar de Castro, famosa criminóloga venezuelana, em sua obra
“Vitimologia” – tese de Doutorado publicada em 1969, citando Mendelsohn, sintetiza o
objeto da Vitimologia nos seguintes itens:

TU
1º) Estudo da personalidade da vítima, tanto vítima de delinqüente, ou vítima de
outros fatores, como conseqüência de suas inclinações subconscientes.
2º) O descobrimento dos elementos psíquicos do “complexo criminógeno” existente
na “dupla penal”, que determina a aproximação entre a vítima e o criminoso, quer dizer:

RA
“o potencial de receptividade vitimal”.
3º) Análise da personalidade das vítimas sem intervenção de um terceiro – estudo
que tem maior alcance do que o feito pela Criminologia, pois abrange assuntos tão
diferentes como o suicídio e os acidentes de trabalho.
LG
4º) Estudo dos meios de identificação dos indivíduos com tendência a se tornarem
vítimas; seria então possível a investigação estatística de tabelas de previsão, como as
que foram feitas com os delinqüentes pelos casal Glueck o que permitiria incluir os
métodos psicoeducativos necessários para organizar a sua própria defesa.
IA

5º) A importantíssima busca dos meios de tratamento curativo, a fim de prevenir a


recidiva da vítima.
Já a vitimização é a ação ou efeito de alguém (indivíduo ou grupo) se autovitimar
ER

ou vitimar outrem (indivíduos ou grupos). A vitimização de grupos é mais séria que a


nível individual.
Segundo Ester Kosovski, no âmbito da vitimização, já foi pensado na:
I – vitimização da mulher – no trabalho, explorada por salário menor, desrespeitado
AT

princípio da isonomia constitucional, ou constrangida a ceder no terreno sexual para


conseguir ascender na carreira – mulheres espancadas e oprimidas;
II – vitimização do idoso – preocupação da geriatria – com o afastamento às vezes
precoce do trabalho e do poder decisório; acusações gratuitas de senilidade, alcunhas
M

de “esclerosado”, recusa de mercado de trabalho da sua mão-de-obra experiente e


ridicularização da condição de “velho” (que deveria estar no asilo, esperando a morte);
III – vitimização da criança – espancamentos, lesões corporais, lesões psíquicas
em crianças indefesas, constatados em poucos casos, a tempo de salvar de
consequências funestas. Os consultórios pediátricos e psiquiátricos registram estórias
incríveis sobre este assunto;
IV – vitimização do acusado – em todos os níveis, transformar o acusado em
vítima, tentando comprovar que o seu ato foi gerado por coações de natureza
psicológica individual ou social, econômico-políticas etc., cabíveis ou não estas

54
alegações, e também a transformação do condenado em vítima da sociedade e do
sistema na instituição prisional;
V – criminalização da vítima – a vítima colocada no banco dos réus. Acusação à
vítima, muitas vezes feita na defesa do acusado, para eximi-lo. Utilização muitas vezes
artificiosa da vitimologia para a ampliação do conceito de que a vítima também é
culpada, na medida em que de algum modo contribui para o delito, mas na realidade é
a inversão dos papéis – a vitimização do acusado e a criminalização da vítima que em

O
geral já não pode se defender (ex.: caso de “Doca Street”).
(FONTES: Criminologia – Sérgio Salomão Shecaira – 2ª edição; Fundamentos da
vitimologia - Ester Kosovski – disponível em: http://www.ambito-

IT
juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1813).

21. No que consiste o processo de criminalização primária? E o de criminalização

TU
secundária? Qual a relação entre ambos?
Todas as sociedades contemporâneas que institucionalizam ou formalizam o poder
(estado) selecionam um reduzido número de pessoas que submetem à sua coação
com o fim de impor-lhes uma penal. Esta seleção penalizante se chama

RA
“criminalização” e não se leva a cabo por acaso, mas como resultado da gestão de um
conjunto de agências que formam o chamado sistema penal. O processo seletivo de
criminalização se desenvolve em duas etapas denominadas, respectivamente,
“primária” e “secundária”. Criminalização primária é o ato e o efeito de sancionar uma
LG
lei penal material que incrimina ou permite a punição de certas pessoas - trata-se de
um ato formal fundamentalmente programático. Enquanto a criminalização primária
(elaboração de leis penais) é uma declaração que, em geral, se refere a condutas e
atos, a criminalização secundária é a ação punitiva exercida sobre pessoas
IA

concretas, que acontece quando as agências policiais detectam uma pessoa que
supõe-se tenha praticado certo ato criminalizado primariamente, a investiga, em alguns
casos privam-na de sua liberdade de ir e vir, submetem-na à agência judicial, que
ER

legitima tais iniciativas e admite um processo, em que discute-se publicamente se esse


acusado praticou aquela ação e, em caso afirmativo, autoriza-se a imposição de uma
pena de certa magnitude que, no caso de privação de liberdade de ir e vir da pessoa,
será executada por uma agência penitenciária (prisionização).
AT

A criminalização primária é um programa tão imenso que nunca e em nenhum país


se pretendeu levá-lo a cabo em toda a sua extensão nem sequer em parcela
considerável, porque é inimaginável. A disparidade entre a quantidade de conflitos
criminalizados que realmente acontecem numa sociedade e aquela parcela que chega
M

ao conhecimento das agências do sistema é tão grande e inevitável que seu escândalo
não logra ocultar-se na referência tecnicista a uma cifra oculta. As agências de
criminalização secundária têm limitada capacidade operacional e seu crescimento sem
controle desemboca uma utopia negativa. Por conseguinte, considera-se natural que o
sistema penal leve a cabo a seleção de criminalização secundária apenas como
realização de uma parte ínfima do programa primário.
(FONTE: Direito Penal Brasileiro vol. I – Eugênio Raúl Zaffaroni e Nilo Batista – 4ª
edição).

55
22. O CNJ fez um levantamento recente acerca da população carcerária brasileira.
Qual foi o resultado dessa pesquisa?
Em junho de 2014, o CNJ divulgou os dados da pesquisa realizada sobre a
população carcerária no Brasil e os números assustam:

População no sistema prisional 563.526


Capacidade do sistema 357.219
Déficit de Vagas 206.307

O
Pessoas em Prisão Domiciliar no Brasil 147.937
Total pessoas presas + Prisão domiciliar 711.463

IT
Déficit de Vagas – computada a prisão domiciliar 354.244
Número de Mandados de Prisão em aberto no BNMP 373.991
Total de Pessoas Presas + Cumpr. de Mandados de 1.085.454

TU
Prisão em aberto
Déficit de Vagas 728.235

RA
De acordo com o estudo, a nova população carcerária brasileira é de 711.463
presos. Os números apresentados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a
representantes dos tribunais de Justiça brasileiros levam em conta as 147.937 pessoas
em prisão domiciliar. Para realizar o levantamento inédito, o CNJ consultou os juízes
LG
responsáveis pelo monitoramento do sistema carcerário dos 26 estados e do Distrito
Federal. De acordo com os dados anteriores do CNJ, que não contabilizavam prisões
domiciliares, em maio de 2014, a população carcerária era de 563.526.
Considerando apenas a população no sistema prisional, o Brasil ocupa a 4ª
posição no ranking mundial:
IA

1. Estados Unidos da América 2.228.424


2. China 1.701.344
3. Rússia 676.400
ER

4. Brasil 563.526
5. Índia 385.135
6. Tailândia 296.577
7. México 249.912
AT

8. Irã 217.000
9. África do Sul 157.394
10. Indonésia 154.000
Computadas as pessoas em prisão domiciliar, o Brasil passa a ocupar a 3ª posição
M

no ranking mundial:
1. Estados Unidos da América 2.228.424
2. China 1.701.344
3. Brasil 711.463
4. Rússia 676.400
5. Índia 385.135
6. Tailândia 296.577
7. México 249.912
8. Irã 217.000
9. África do Sul 157.394

56
10. Indonésia 154.000
De acordo com a pesquisa, do total das pessoas presas 41% correspondem a
presos provisórios. Computando os presos domiciliares, o percentual cai para
32%.
Íntegra da pesquisa:
http://www.cnj.jus.br/images/imprensa/diagnostico_de_pessoas_presas_correcao.pdf
(FONTE: Pontos do edital da DPE.MS – Difusos: ponto 24).

O
23. Discorra sobra a desmilitarização da Polícia Militar.
A existência de uma polícia militar configura uma contradição, já que a palavra

IT
“policial” deriva de polis, de civilização; já militar é o oposto de civil, significa aquele que
combate.
No império romano as organizações militares situavam-se fora das cidades (das

TU
polis) para combater os povos invasores externos. Ao mesmo tempo, havia uma
guarda interna com o objetivo de manter certo nível de paz social. No Brasil, a primeira
divisão militar da (guarda real) da polícia data de 1809, decorrente da vinda da família
real ao país. É uma guarda que fica no interior da cidade, mas treinada e organizada

RA
para o combate dos inimigos externos. Nessa época 50% dos morados do RJ eram
negros escravos, assim, a precípua função dessa guarda militar era a de substituir a
função dos capitães do mato (ou seja, capturar negros escravos fugidos). Até hoje as
pessoas mais atingidas pela violência policial são negros e pardos: segundo o
LG
representante do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Antonio Teixeira de
Lima, pesquisador da área de Igualdade de Gênero e Raça, da Diretoria de Estudos e
Políticas Sociais, o Ipea estima que o total de mortes violentas no País já ultrapassou a
casa de 60 mil por ano (de acordo com o Mapa da Violência 2002-2012), e houve
IA

redução significativa da taxa de homicídios entre os brancos, enquanto entre os negros


o índice aumentou, neste período de 10 anos, morreram 70% mais negros que
brancos. Para Teixeira, isso significa que o País possui uma verdadeira “máquina de
ER

morte em massa” e que uma raça inteira está sendo dizimada. Para o pesquisador,
“não são apenas indivíduos que estão morrendo, estamos falando de uma raça inteira
que é arrastada pela precariedade e pela política de morte instituída pelo Estado
brasileiro, desde o período colonial e que persiste até hoje”.
AT

Para Túlio Vianna, professor de Direito Penal da UFMG (Universidade Federal de


Minas Gerais), a violência começa no treinamento do policial, o que depois é refletido
na sua atuação ostensiva nas ruas dos grandes centros urbanos brasileiros. Segundo o
professor, “o treinamento da PM é absolutamente violento. Ele é feito para ser violento.
M

O sujeito passa em um concurso e é submetido a rituais próprios do militarismo que


retiram a sua individualidade, muitas vezes por meio de humilhação. O que acontece,
ele aprende desde cedo que tem um valor a ser respeitado, a hierarquia, a obediência.
Quando a sociedade opta por uma polícia militar, o que essa sociedade quer é uma
polícia que cumpra ordens sem refletir. É claro que quando se dá um treinamento onde
o próprio policial é violentado, como vou exigir que esse indivíduo não violente os
direitos de um suspeito?”. E complementa “a lógica dele é muito racional. Se existe
uma hierarquia, você tem um coronel, um capitão, um tenente e chega lá no soldado. E
quem está abaixo do soldado? Os únicos que estão abaixo do soldado somos nós, os
civis. E abaixo dos civis somente mesmo os ‘bandidos’, ‘marginais, ‘vagabundos’ e

57
‘subversivos’, ‘vândalos’ e ‘manifestantes’. Ou seja, todo mundo, que na visão
maniqueísta dele, vê como inimigo”, explicou Vianna. “O policial aprende que o valor
máximo não é o respeito aos direitos, à lei, e sim a hierarquia, a obediência. ‘Manda
quem pode, obedece quem tem juízo’, é isso que ele aprende sempre”.
Vianna falou de como outros países formatam a suas estruturas policiais e declarou
que o modelo brasileiro de polícia ostensiva e militarizada é único no mundo. “Na forma
que nós temos hoje, com uma polícia separada entre uma polícia militar, no

O
policiamento ostensivo, e uma polícia civil, que é de investigação, só no Brasil. Nos
Estados Unidos e Inglaterra as polícias são 100% civis. Em alguns países da Europa
existem polícias militares, mas não na forma que é concebida no Brasil. Por exemplo,

IT
na França, Portugal e Itália, a polícia militar é reservada para áreas rurais, áreas de
fronteira afastadas dos grandes centros urbanas. E elas têm a função principal de
proteger fronteiras, de proteger estas áreas de ameaças externas”, explicou. Outra

TU
crítica de Vianna à militarização da PM é o código penal próprio aplicado para policiais
que cometem delitos. “É muito cômodo você ter uma justiça que te julga pelo seus
próprios pares. Quando a gente pensa em acabar com o militarismo não é acabar com
o uniforme. É acabar com o treinamento militar, com o código penal militar, é acabar

RA
com a estrutura e a lógica militar. Nós temos que pensar em uma polícia cidadã. E para
ser uma polícia cidadã, temos que pensar, em primeiro lugar, em respeitar o direito do
policial ser cidadão”, defendeu o professor de direito penal. Vianna também afirmou
que o argumento de que o militarismo impede a corrupção por parte da polícia é
LG
errôneo. “O que é garantia contra a corrupção é uma corregedoria forte. Principalmente
uma corregedoria com controle externo. Corregedoria com controle interno não garante
nada”, defendeu. Segundo o professor, a militarização da polícia não traz nenhum
benefício. “Ela não é boa para o policial militar e é péssima para o cidadão. Ela é
IA

péssima porque não é garantia de absolutamente nada. Não garante um polícia melhor
e menos corrupta. Só é garantia de uma polícia violenta porque o treinamento é
violento”.
ER

Segundo Relatório do Relator Especial de execuções extrajudiciais, sumárias ou


arbitrárias do Conselho de Direitos Humanos da ONU, Dr. Philip Alston, o Brasil tem
um dos mais elevados índices de homicídios do mundo, com mais de 48.000 pessoas
mortas a cada ano. Os assassinatos cometidos por facções, internos, policiais,
AT

esquadrões da morte e assassinos contratados são, regularmente, manchetes no Brasil


e no mundo. As execuções extrajudiciais e a justiça dos vigilantes contam com o apoio
de uma parte significativa da população que teme as elevadas taxas de criminalidade,
e percebe que o sistema da justiça criminal é demasiado lento ao processar os
M

criminosos. Muitos políticos, ávidos por agradar um eleitorado amedrontado, falham ao


demonstrar a vontade política necessária para refrear as execuções praticadas pela
polícia. Essa atitude precisa mudar. Os estados têm a obrigação de proteger os seus
cidadãos evitando e punindo a violência criminal. No entanto, essa obrigação
acompanha o dever do estado de garantir o respeito ao direito à vida de todos os
cidadãos, incluindo os suspeitos de terem cometido crimes. Não existe qualquer
conflito entre o direito de todos os brasileiros à segurança e à liberdade em relação à
violência criminal, tampouco o direito de não ser arbitrariamente baleado pela polícia. O
assassinato não é uma técnica aceitável nem eficaz de controle do crime. Este relatório
defende uma nova abordagem e recomenda reformas na Polícia Civil, Polícia Militar,

58
corregedoria de polícia, medicina legal, ouvidorias, promotores públicos, judiciário e
administração carcerária. O escopo das reformas necessárias é assustador, mas a
reforma é possível e necessária. Os brasileiros não lutaram bravamente contra 20 anos
de ditadura, nem adotaram uma Constituição Federal dedicada a restaurar o respeito
aos direitos humanos apenas para que o Brasil ficasse livre para que os policiais
matassem com impunidade, em nome da segurança.
É válido ressaltar, ainda, que uma das 170 recomendações que os membros do

O
Conselho de Direitos Humanos aprovaram como parte do relatório elaborado pelo
Grupo de Trabalho sobre o Exame Periódico Universal (EPU) do Brasil foi justamente a
desmilitarização da PM. Todavia, essa recomendação foi a única cujo cumprimento

IT
fora prontamente negado pelo governo brasileiro.
Por fim, destaca-se que uma das 29 recomendações realizadas pela Comissão
Nacional da Verdade, no contexto da justiça de transição, foi, também, a

TU
Desmilitarização das polícias militares estaduais (além do fortalecimento das
Defensorias Públicas!!).
(FONTES: Caderno Bruno Shimizu FMB semestral 2014; Matérias e relatórios
disponíveis em:

RA
- http://www.revistaforum.com.br/2013/07/02/tulio-vianna-a-militarizacao-da-policia-nao-
traz-beneficio-nenhum-nao-e-boa-para-o-policial-e-pessima-para-o-cidadao/;

- http://www.abant.org.br/conteudo/000NOTICIAS/OutrasNoticias/portugues.PDF
LG
- http://justificando.com/2015/04/23/estado-brasileiro-conduz-maquina-de-morte-em-
massa-diz-pesquisador-do-ipea/;
IA

- http://g1.globo.com/mundo/noticia/2012/05/paises-da-onu-recomendam-fim-da-policia-
militar-no-brasil.html;
ER

-http://www.brasil.gov.br/governo/2014/12/conheca-as-29-recomendacoes-da-
comissao-nacional-da-verdade ).
AT

PONTO 3
Constituição e Direito Penal. O Direito Penal e o Estado Democrático de Direito.
Direito Penal e Direitos Humanos. Direitos humanos e processo de
criminalização.
M

Aplicação e interpretação da lei penal.

1. Discorra sobre como se dá a atuação do direito penal no Estado Democrático


de Direito contemporâneo?
A República Federativa do Brasil foi constituídacomo Estado Democrático de
Direito com todas as implicações que este modelo enseja, destacando-se a obrigação
de transformação social positiva, mediante a efetivação dos valores da liberdade e da
igualdade, através da concretização dos direitos humanos, de sorte a permitir a toda e
qualquer pessoa o livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade humana em
comunidade e com dignidade.

59
Alguns objetivos fundamentais do Estado e de seus agentes (art. 3º, CF),
consignam os deveres de construção de uma sociedadelivre, justa e solidária, de
garantia do desenvolvimento nacional, de erradicação dapobreza e da marginalização
além de redução das desigualdades sociais e regionais,assim como de promoção do
bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,idade e quaisquer outras
formas de discriminação.
Dessa forma, o Estado Democrático de Direito é considerado um autênticoEstado

O
de Justiça material, cujaessência resulta da conjugação material entre EstadoLiberal de
Direito, Estado Social de Direito e o valor democracia, sob o manto dadignidade da
pessoa humana, que representa verdadeiro núcleo do qual derivamtodos os direitos

IT
humanos.
A consolidação da globalização hegemônica neoliberal significou, para alguns,a
decadência do Estado Democrático de Direito. Por isso, um dos grandes problemas

TU
enfrentados hoje pelos Estados que se autodenominam de Constitucionais,
Democráticos e de Direito é o questionamento acerca da concretização dos direitos e
garantias fundamentais dos indivíduos. A globalização econômica, pautada nas
doutrinas de matriz neoliberal e a consequente crise do Estado Social, fazem com que

RA
se intervenha menos na atividade econômica, impossibilitando a garantia de condições
materiais mínimas para o exercício de uma existência digna para a maioria da
população.
Neste contexto, constata-se o cotidiano ataque à Constituição, notadamente pelas
LG
seguidas emendas constitucionais, que desfiguram seu caráter dirigente, de forma a
esvaziar seu projetooriginário de promoção e aprofundamento da democracia e de
catalisação do avanço social, a isso denominou Paulo Bonavides de “golpe de Estado
institucional”, ou seja, o constante fervilhamento de processos de flexibilização,
IA

deslegalização edesconstitucionalização de direitos.


Assim, percebe-se que a tal da era dos direitos dá lugar a um cenário sombrio, em
que a tutela dos direitos humanos se concretiza para pequena parcela da população,
ER

demodo que a pobreza e a marginalização avançam independente de todos os


objetivos fundamentais com os quais a República foi construída.
Nesse sentido, percebe-se que a faceta mais marcante deste novo Estado é a
atuação do direito penal,na medida em que se abandona o compromisso de promoção
AT

de políticas públicassociais, tão caras à Constituição Dirigente e essenciais a um


Estado Democrático de Direito, para dedicar todas as suas forças à consecução
depolíticas criminais. Perante tal cenário, Wacquant identifica estarmos diante da
transformação do Estado Social em Estado Penal, com a paulatina substituição das
M

políticas públicas de inclusão social pelo cárcere.


Neste contexto, explicita ainda o autor, que, com deliberada destruição do Estado
Social e a hipertrofia súbita do Estado penal, desenha-se o chamado ‘Estado centauro’,
cuja cabeçaliberal assenta-se sobre corpo autoritário, aplicando a doutrina do ‘laissez
faire, laissez passer’ ao tratar dascausas das desigualdades sociais, mas
brutalmentepaternalista e punitivo quando se trata de assumir as consequências
sociais desastrosas (contenção das classes desfavorecidas).
Assim, a justiça social transforma-se em justiça penal, de forma que parece
simplificar os problemas sociais, reduzindo-os aproblemas de cunho penal. Assim,
determinados grupos sociais cada vez maiores são expulsos do contratosocial ou nem

60
têm acesso a ele e a única forma de incluí-los na sociedade é pelo direito penal. O
objetivo fundamental do Estado Democrático de Direito de luta contra a pobreza e
desigualdade social é substituído pela guerra contra os pobres, como se estes fossem
a origem de todos os males do país.
Constata-se facilmente a crise pela qual passam as instituições democráticas,
sendo possível apontar as antinomias encontradas entre o discurso democrático e o
discurso punitivo, pois em épocas caracterizadas por uma crescente desagregação da

O
sociedade, o poder estabelecido se utiliza com certa frequência dopoder punitivo como
forma de administrar a permanente instabilidade social.
A democracia, no seu aspecto formal, sempre é vinculada aos procedimentos ou,

IT
conjunto de regras, anteriormente estabelecidas, que devem definir as relações de
poder. A força motriz da democracia formal é a regra da maioria.No Brasil, em
particular, assistimos ao cumprimento de todas as formalidades democráticas atinentes

TU
ao processo eleitoral, como o voto secreto o sufrágio universal, enfim, o amplo acesso
ao direito de votar e ser votado, o que não impede às elites utilizarem-se de meios de
manipulação – abuso de poder econômico, uso abusivo dos meios de comunicação de
massa, entre outros – para obtenção do necessário consenso mínimo que à leve ao

RA
poder.
No entanto, o exercício pleno da cidadania pressupõe um necessário engajamento
dos sujeitos sociais, que deverá refletir em reivindicações por direitos existentes ainda
não alcançados, assim como por novos direitos que ainda devem implementados.
LG
Por outro lado, a democracia material (ou substancial) fundamenta-se na dignidade
da pessoa humana, que se expressa necessariamente através do exercício da
cidadania, que se exterioriza na fruição dos direitos e liberdades fundamentais, de
maneira ampla e irrestrita.
IA

Democracia e cidadania, portanto, são instituições umbilicalmente ligadas. A


democracia real facilita o acesso à ampla cidadania e dela precisa para se manter e
continuar efetiva. A democracia substancial reconhece a regra da maioria, entretanto,
ER

não se sobrepõe aos direitos das minorias, haja vista que nenhuma maioria, nem
mesmo a unanimidade pode suprimir direitos humanos fundamentais.
Em um país como o Brasil permeado pela exclusão social, portanto, não há que se
falar em democracia apenas em seu aspecto formal, pois quando se garante à
AT

população apenas o direito ao voto, obstaculizando-se todos os demais imanentes à


cidadania, não se pode caracterizar tal Estado como democracia.
Entretanto, um sistema político que consegue manter-se no poder às custas de
exclusão social, com um processo forçado de estabelecimento de apatia política pela
M

via da ignorância do povo, semeia violência. E a isso se chama violência estrutural,


inimigo mortal da democracia substancial, vez que é a responsável pelas quase
insuperáveis diferenças de classes, geradoras da flagrante injustiça social.
Hoje o Estado responde à violência por ele mesmo gerada com a violência do
sistema penal. Enquanto não for implementada uma política séria de inclusão social,
que funcione como uma verdadeira barreira de contenção ante os abusos e as
disparidades sociais, somente se agravará o conhecido quadro de violência cruzada
entre incluídos e excluídos, que acarretam como a exacerbação inaceitável da
repressão penal.

61
O Direito Penal vem se afastando muito do leito normal em que deveria correr, no
longo caminho percorrido desde os ideais ilustradosaté alcançar o atual formato,
delineado pelas políticas neoliberais. Os ideais ilustrados de um Direito Penal liberal
sempre se encontraram mais no discurso do que na prática, facilmente comprovado
através da análise das novas políticas criminais implementadas, nas quais se tem
paulatinamente desrespeitado garantias fundamentais ante o poder punitivo.
É urgente a mudança dos mecanismos de aplicação do Direito Penal dentro do

O
contexto social, econômico e histórico acima delineado para compatibilizá-lo com os
ideais democráticos, em que o cidadão passe a ser visto pelas lentes da dignidade que
lhe é imanente e por isso, enquanto ser humano, inviolável em sua liberdade e

IT
personalidade.
O cenário acima exposto não se coaduna em nada com o esperado dos ditos
Estados democráticos, posto que a democracia, no plano da ética política, é

TU
incompatível com a exclusão social. A democracia leva necessariamente a uma
reconstrução do conceito de cidadania, na qual há uma superação do conceito do povo
como apenas cidadão-eleitor e de cidadania como direito de votar e ser votado.
A cidadania, através de tal superação, vai adquirindo paulatinamente uma nova

RA
dimensão, passando a incorporar outros direitos distintos dos eleitorais, como os
direitos políticos, econômicos, culturais, sociais, difusos e coletivos, entre outros.
Dessa forma, o conceito de cidadania ocupa uma posição nuclear na concepção e
estratégia de luta pela construção de uma sociedade democrática, carregando consigo
LG
uma ideia de inclusão, luta pela inserção e ampliação no mundo dos direitos – é o
direito a ter direitos.
No campo do controle social punitivo, as concepções de democracia, cidadania,
direitos humanos e justiça social passam necessariamente por uma nova leitura e
IA

interpretação do Direito Penal liberal.


Para Baratta, se for para se fazer uso do Direito Penal, que sua utilização seja
deslocada dos insignificantes delitos contra o patrimônio, entre outros tantos que não
ER

têm o condão de produzir maiores danos sociais, e passe a ser utilizado em


importantes zonas de nocividade social,como a criminalidade econômica, ambiental,
política, fatores de desestabilização do Estado Social e Democrático.
Sempre que os problemas sociais são enfrentados através de punições, lícitas ou
AT

ilícitas, enfraquece-se a democracia na mesma proporção em que se fortalece a


dominação de classe.
Dessa forma, percebe-se que o Estado tem respondido antidemocraticamente à
violência que produz, ou seja, responde à violência estrutural com a violência do
M

sistema penal.
A violência estrutural atinge diretamente os direitos humanos, ferindo de morte a
democracia. Ao invés de resolver os problemas estruturais e resgatar os direitos
humanos estimulando a cidadania, a resposta do poder é repressiva, o que acaba por
inviabilizar de vez os ideais democráticos. Logo, um sistema penal mais justo, que
respeite os direitos humanos – e, acima de tudo, seja igualitário e mínimo, é a via para
a superação da violência estrutural e, consequentemente, de resgate da democracia.
O Direito Penal só poderá ser recepcionado pelo conceito material de democracia,
no momento exato em que conseguir superar a seletividade em sua aplicação, os

62
efeitos simbólicos que lhe permeiam e a deletéria estigmatização daqueles que sofrem
suas consequências.
É essencial a participação de todos os indivíduos que compõem o corpo social na
definição e fruição dos bens jurídicos a serem protegidos pelo Direito Penal, o que
acarretaria a inclusão do indivíduo nas relações sociais, pressuposto do Estado
Democrático.
Não se pode prescindir da efetivação dos postulados fundamentais do Estado

O
Democrático de Direito para que se viabilize uma prática penal constitucional, pois a
potencialização do Direito Penal como instrumento pedagógico de contenção,
embasado numa pretensa ideia de defesa social, somente reproduz as características

IT
deletérias da sociedade capitalista neoliberal dentro do cárcere, violando tanto a
democracia quanto a cidadania.
Fundamental para a consecução desse objetivo foi a teoria de Luigi Ferrajoli,

TU
queoriginou o “garantismo penal”.Para o autor, o sistema de garantiasconstituído por
dez axiomas fundamentais pode ser de extrema valia na tarefa de limitação
dairracionalidade do exercício de poder do sistema penal. O decaimento do Estado
Democrático de Direito somente terá o seufim mediante a práxis dos homens, em

RA
especial os juristas, colocando seu saber/fazer a serviço da construção de um autêntico
Estado Democrático de Direito material, permitindo a valorização da dignidade da
pessoa humana.
(Fonte: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista
LG
_artigos_leitura&artigo_id=6160 e “Selecionar e Excluir” – Caio Granduque)

2. Discorra sobre a situação do sistema criminal brasileiro na atualidade?


(Resposta retirada da obra: TUTELA PENAL E TEORIA CRÍTICA DE
IA

DIREITOSHUMANOS: UMA INTERSECÇÃO CRÍTICO-DIALÉTICAMARGINAL -


ROBERTO GALVÃO FALEIROS JÚNIOR)
O sistema criminal brasileiro é identificado por sua arbitrária seletividade,
ER

reprodução deviolências institucionais, concentração de poder, hierarquização social,


etc., ou seja,grande parte das características apontadas quando da identificação e
formulação daideia de sistemas penais subterrâneos.
Com o desenvolvimento tecnológico potencializado durante o século XX,sobretudo
AT

dos meios de telecomunicação, a humanidade passou a sofrer umachatamento


ideológico com a emanação de modos de vida homogeneizados.
Na formulação das estruturas dos sistemas penais, da busca pela legitimaçãodo
poder punitivo, há, também, a dissipação, mais ou menos equiparadas, das
M

suasprincipais características. O encarceramento massivo de milhões de


norteamericanos,gerando circulação de capital e criação de empregos, - através
daconstrução ininterrupta de presídios (até com a privatização de algumasinstituições),
a criação de mecanismos de vigia, de escolta, a invenção denecessidades supérfluas -
acaba tornando-se um modelo a ser observado ebuscado por outros países
“civilizados”.
Deste modo, de maneira mais acentuada, dentro das sociedades periféricasde
capitalismo tardio, onde predomina o “vídeo-capital financeiro transnacional”(Nilo
Batista) e que vivenciam essa globalização através de práticas neocolonialista ou
“tecnocolonialista”, a situação atual de seus sistemas penais étão aviltante que permite

63
até considerar que Auschwitz e os Gulags estão crescendoem nossos continentes
(ZAFFARONI).
Podem-se identificar diversas razões para estas situações absurdas, como,por
exemplo, o caráter seletivo e neutralizador do sistema penal, que é acentuadonestas
comunidades subalternizadas, a dissipação de precariedades, com aalimentação das
incertezas e a debilidade estrutural e financeira dos Estadosperiféricos.
Neste momento, as transformações desencadeadas com a globalizaçãoacabam

O
gerando uma avalanche de setores sociais vulneráveis, em algumasocasiões
retomando até outros setores, o que produz uma sensação de medo e deinseguranças
quase insuportáveis.Estas situações emblemáticas geram a produção sucessiva de

IT
inimigos comcaracterísticas similares, porém, substancialmente diferenciados ao longo
doprocesso social e histórico.
Zaffaroni elencacomoprincipal característica desta nova roupagem do poder

TU
punitivo a “inversão do sistema penal”. Identifica esta característica com os
aprisionamentos cautelares deindivíduos, com a aplicação de medidas antes ou
durante os processos e que, emúltima instância, não produzem condenações. Na
prática, as prisões cautelaresacabam se tornando prisões efetivas, antes de

RA
pronunciamento judicial definitivo,assim, inverte-se o sistema penal. Necessário
mencionar que no Brasil houve uma tentativa paradesfigurar esta situação com a
edição da Lei n. 12.411/2011 que alterou deas matérias referentes às prisões e à
liberdade provisória, coma previsão de diversas novas medidas cautelares.
LG
Contudo, observa-se mesmo assim um crescimento exponencial da população
carcerária no Brasil, principalmente dos presosprovisórios. Todas as questões que
envolvem este acautelamento provisório sãonefastas tanto para os sujeitos quanto para
a sociedade.
IA

Evidente que, no Brasil e em quase todos os países latino-americanos, aoinvés de


edificar um sistema penal de condenação, observando-se as regras legaise
constitucionais, segundo Zaffaroni, vivencia-se na realidade um sistema penal cautelar.
ER

No entanto, como a maioria das tentativas de solução para os


problemasespecíficos dos sistemas penais latino-americanos são, ainda, produtos
da“transnacionalização do saber criminológico”, até mesmo estasiniciativas legislativas
acabam reproduzindo valores, ideias, propostas quecorroboram para a manutenção
AT

das atuais estruturas sociopolíticas.


Assim, há a perpetuação de escopos autoritários, estigmatizantes,segregacionistas
e, principalmente, seletivos. As alterações formais, apesar de certa relevância para a
ampliação de focos de abordagensou de instrumentalização legislativa ou institucional,
M

restam insuficientes em nossasmargens.


Assim, talvez como formulação de uma verdadeira hipótese científica, pareceque
enquanto os sistemas jurídico-penais continuarem absorvendo, inspirando-seem
modelos, paradigmas e experiências de outros países e realidades, eventuaisrepostas
para seus problemas estarão cada vez mais distantes.
Por isso que, na América Latina, com a perpetuação das características dosistema
penal subterrâneo, acaba gerando “um direito penal de periculosidadepresumida”, o
que indica a manutenção do aspecto classista, de seletividade dosistema.
Pode-se afirmar que o poder punitivo na América Latina éexercido mediante
medidas de contenção para suspeitos perigosos, ou seja,trata-se, na prática, de um

64
direito penal de periculosidade presumida, nas palavras de Zaffaroni, que éa base para
a imposição de penas sem sentença condenatória formal àmaior parte da população
encarcerada.
De fato, estes sistemas, além de manterem suas históricas características,com
estigmatização e criminalizações dos inimigos e indesejáveis (atualmente,
osimigrantes, integrantes de movimentos sociais, pobres, etc.), modulam novas que,
narealidade, acabam reforçando as características anteriores.

O
Dentro do modelo neoliberal, a crescente criminalizaçãodedeterminados setores
sociais, com a ampliação das estruturas estatais vinculadas àmanutenção do sistema
penal, acaba alimentando e contribuindo para aconservação da atual estruturação

IT
socioeconômica, com a circulação de dividendose a geração de lucros.É permanente a
construção de presídios, cadeias, delegacias, o fornecimentode alimentos,
equipamentos e etc., bem como tem sido constante o crescimento das“empresas de

TU
segurança” que prestam infindáveis serviços a grande parcela dapopulação com medo
crescente.
Aventa-se, portanto, que antes de qualquer discussão jurídica, preservaçãodos
direitos dos presos, amenização das superlotações nos estabelecimentoscarcerários

RA
ou a preservação da vida de vítimas inocentes, o interesse econômicoacaba
privilegiado.
As mudanças paliativas de leis, com dupla intencionalidade, apenas alteramas
formas, mantendo-se o conteúdo, a estrutura.De modo que, quase nada, ou muito
LG
pouco é feito para transformar aseletividade das agências criminais.
No Brasil, segundo o Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (InfoPen) 1,
das 607.731 pessoas privadas de liberdade em junho de 2014, o grau de escolaridade
mostra-se extremamente baixo. Aproximadamente oito em cada dez pessoas presas
IA

estudaram, no máximo, até o ensino fundamental, enquanto a média nacional de


pessoas que não frequentaram o ensino fundamental ou o têm incompleto é de 50%.
Ao passo que na população brasileira cerca de 32% completou o ensino médio, apenas
ER

8% da população prisional o concluiu. Entre as mulheres presas, esta proporção é um


pouco maior (14%). No entanto, de forma não tão ingênua, apenas 2% chegou ao
menos a cursar o ensino superior. Um dado entristecedor para qualquer país do mundo
que se julgue democrático.
AT

Estes dados no Brasil corroboram as análises feitas e permitem fornecer mais


argumentos para as denúncias sobre os aspectos autoritários e seletivos dos sistemas
penais subterrâneos, ou de periculosidade presumida. Não é crível pressupor que a
maioria das pessoas que comete crimes e acaba presa no Brasil possui baixa
M

escolaridade. Existem infindáveis variáveis que permitem e intensificam esta relação


perversa.
Segundo os dados já mencionado, identificou-se 245.821 crimes tentados ou
consumados praticados pelos indivíduos que estavam sujeitos ao sistema penal em
junho 2014. Deste total, 97.206 referiam-se a crimes contra o patrimônio e 66.313 aos
crimes previstos nas leis de drogas.

1
Dados: http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2015/11/080f04f01d5b0efebfbcf06d050dca34.pdf

65
Aproximadamente 66,5% do total de crimes tentados ou consumados, praticados
pelas pessoas que estavam sujeitas ao sistema penal brasileiro em 2014, aludiam-se a
crimes contra o patrimônio e os previstos nas leis de drogas.
De outro lado, o sistema informativo aponta que apenas 121 crimes de tortura (Lei
n. 9.455/1997), 267 crimes contra o meio ambiente (Lei n. 9.605/98) e 311 crimes
contra a administração pública (especificamente: peculato, art. 312 e 313, concussão e
excesso de exação, art. 316 e corrupção passiva, art. 317, todos do Código Penal)

O
tentados ou consumados foram cometidas pelas pessoas sujeitas ao sistema penal. E
ainda, não há dados oficiais que apontam sobre os crimes cometidos contra o sistema
financeiro, a econômica popular ou ordem econômica.

IT
Evidente que esses números são absurdos, alarmantes, e que deveriam
desencadear uma série de reflexões, propostas e alterações tanto do sistema penal
estrutural quanto dos aspectos jurídico-penais. Ainda, as políticas públicas de

TU
segurança e promoção dos direitos sociais deveriam ser completamente revistas, pois
cada vez mais nítido que a função seletiva do sistema penal em face dos interesses
específicos dosgrupos sociais, a função de sustentação que tal sistema exerce em face
dosoutros mecanismos de repressão e de marginalização dos grupos

RA
sociaissubalternos, em benefício dos grupos dominantes – hipóteses sobre asquais o
labeling approach já havia chamado nossa atenção -, parece,portanto, colocar-se como
motivo central para uma crítica da ideologiapenal, também no interior desta reflexão.
(BARATTA).
LG
As pessoas que estão sendo responsabilizadas, de alguma forma, perante
ossistemas de justiça criminal são determinadas, estigmatizadas, pertencentes
àdeterminada classe e sujeitas a especificas condições sociais, culturais eeconômicas.
Assim, como inseridas em sociedades sob o modelo neoliberal são,infelizmente,
IA

“refugos de mercado” (WACQUANT).


Em dada medida verifica-se, não apenas com os elementos apresentados,mas
com a conexão com outras informações, estudos sociológicos e antropológicosque em
ER

países como o Brasil, periféricos, de capitalismo tardio, ocorre uma


profundacriminalização da miséria. Neste sentido, surge um “Estado Penal” que ao
invés depromover direitos individuais e sociais através de políticas públicas e sociais,
acabacontendo, sobretudo através dos sistemas jurídico-penais, as classes
AT

subalternas,relegadas do sistema socioeconômico (WACQUANT).


Há,corriqueiramente, um acirramento na implementação das políticas criminais e
umaarrefecimento das políticas sociais, dos direitos e das garantias.Dada estas
características, e, por conseguinte, a segregação dedeterminadas pessoas
M

pertencentes a específicos grupos sociais, não há qualquerpreocupação política com a


condição dos cárceres em nosso país.
Como já mencionado acima, na opinião de Zaffaroni, as condições dos sistemas
penaissão tão desumanas que não se diferenciam totalmente de campos de
concentraçãoou de trabalho forçados. O agravante, porém, é que esta situação é
notória edesconsiderada constantemente.
Neste sentido, alerta Alessandro Baratta que o cárcere representaa ponta do
iceberg que é o sistema penalburguês, o momento culminante de um processo de
seleção que começaainda antes da intervenção do sistema penal, com a discriminação
social eescolar, com a intervenção dos institutos de controle do desvio de crianças e

66
adolescentes,da assistência social etc. O cárcere representa, geralmente, a
consolidaçãodefinitiva de uma carreira criminosa.
Toda esta sistemática, como o etiquetamento de indivíduos,
violênciasinstitucionais, o desrespeito das constituições e das leis que tratam da
questãopenitenciária pelos próprios Estados, demonstra que há expansão do caos,
desituações insustentáveis jurídicas e socialmente.
Segundo a OIT (dados de 2014), entre 1995 e os dias atuais no Brasil,

O
aproximadamente 45.000 pessoas foramresgatadas de condições análogas ao trabalho
escravo que, conforme art. 149 doCódigo penal ocorre quando alguém é submetido a
trabalhos forçados, jornadaexaustiva, condições degradantes de trabalho, ou, ainda,

IT
quando tem restringida sualocomoção em razão de dívida contraída com o empregador
ou preposto.
Em pleno século XXI, depois de inúmeras guerras, revoluções e lutas

TU
porindependência, reconhecimento de direitos e respeito cultural, ainda há
sereshumanos que submetem outros à condição de escravos.
Além destas violências absurdas, que solidificam e perpetuam a atual forma de
organização socioeconômica, podemos constatar que vivemos num paísracista.

RA
Conforme demonstrado pelo Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografiae
Estatística (IBGE, 2010, online) a população brasileira chegou a 190 milhões
depessoas, sendo, 97 milhões de negros e pardos e 91 milhões de brancos.
No entanto, conforme o estudo "Perfil Social, Racial e de Gênero das 500Maiores
LG
Empresas e suas Ações Afirmativas" publicado pelo Instituto Ethos e Ibope (2010,
online), a presença de negros no quadro funcional das companhiascom faturamento
anual entre R$ 1 bilhão e R$ 3 bilhões em 2010 era de 31,1%enquanto a presença de
funcionários brancos era de 67,3%. Já em relação aoscargos de direção, 93,3%
IA

estavam ocupados por brancos e apenas 5,3% pornegros.


Constata-se, portanto, enormes discrepâncias de equiparação
socioeconômica.Porém, ainda há agravantes dessas discriminações, dessas
violências.Conforme o estudo “Mapa da Violência”2, entre 2002 e 2010 enquanto que
ER

as taxas dehomicídios de pessoas brancos caíram 25,5%, as de negros aumentaram


29,8%.
A proporção foi aumentando paulatinamente conforme os estudos, em
AT

2002morriam 42% mais negros assassinados do que brancos (26.952 ante 18.867),
aumentou até atingir o absurdo percentual de aproximadamente 140% (34.983 ante
14.047). Para cada branco vítima de homicídio, hoje em dia,matam-se mais de dois
negros.
M

Alguns não consideram como práticas/omissõesintencionais e violentas a


concentração de renda e terra, o racismo, o machismo ou amanutenção de trabalho
escravo. Da mesma forma, não se assustam com o enormecontingente de jovens
brasileiros (em especial, negros) vítimas de violências. Só se incomodam quando
seusvalores, seus bens ou pessoas dos círculos sociais são atingidos.
Estas situações desumanas são responsáveis, em certa medida, para
aperpetuação do estado de coisas e manutenção do sistema penal com todas suas
características deletérias vistas. As violências e violações cotidianas, naturalizadas

2
Dados: http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2012/mapa2012_cor.pdf

67
para determinado segmento social quando recaem sobre sujeitos desprovidos de poder
econômico e político, acabam legitimando o discurso jurídico-penalpunitivista, que
almeja o incremento de punições. Assim, o sistema penal acabacumprindo suas
funções primordiais, agora na sociedade capitalista, neoliberal, doséculo XXI.
Há, evidentemente, uma disparidade entre o discurso jurídico-penal e a realidade
dos sistemas penais, o que indica que as problemáticas constatadas eapontadas sejam
inerentes à formatação destes sistemas.

O
Nilo Batista apontou a existência do “direito penal dasilusões publicitárias”, com o
aumento desmesurado de criminalizações sem asolução categórica dos conflitos.
Assim, a hipercriminalização, com o menosprezodos princípios da subsidiariedade, da

IT
lesividade, e da proteção de bens jurídicosrelevantes, produz uma solução simbólica.
Da mesma forma, a profusão das “leispropagandísticas” que servem para atender
interesses específicos e apelospopulares circunstanciais, almejando assegurar a

TU
segurança e bem-estar.
Alerta ainda para o fato de estarmos diante de um “sistema de dupla face”.
Paraalguns indivíduos capturados pelas agenciais penais possibilita-se uma série
debenefícios, composição civil do dano, transação, suspensão condicional doprocesso,

RA
agora as diversas medidas cautelares (principalmente a concessão da fiança, o que
beneficia os detentores de podereconômico) suspensão da pena, ou seja, alternativas
à pena de reclusão. Já paraoutros indivíduos, restam os estigmas, inicialmente pela
criminalização primária, posteriormente a secundária (como exposto com os dados
LG
apresentados), a força doEstado, das instituições, da ideologia da “lei e da ordem”.
Como terceira característica, Nilo Batista aponta as mudanças nas finalidadesda
prisão. Evidenciam-se os mitos ressocializadores e constata-se que as
prisõestransformaram-se “numa pena de neutralização do condenado”. Dada a
IA

altaseletividade, arbitrariedade e desproporcionalidades apontadas, as


prisõescontribuem para retirar determinados indivíduos do convívio com a sociedade,
moldando aestruturação social.
ER

Por fim, aponta para a identificação dos “novos papéis da mídia” queassumiu e
propalou “o estratégico discurso do controle social penal”. De fato, emmuitos aspectos
não só a política criminal é pautada e direcionada pelas diversasmídias com programas
televisivos que exploram situações de violência e executam“diretamente funções de
AT

agências policiais”, mas, também, o próprio debate políticonacional está submetido aos
interesses de alguns grupos de comunicação quemonopolizam descaradamente quase
todos os canais de comunicação do país.
M

3. O que são os processos de criminalização no contexto da criminologia crítica,


em contraposição aos conceitos de “crime/criminoso” como objeto de estudo da
criminologia positivista tradicional? (retirado do curso CEI/2ª fase DPE-SP)
Os processos de criminalização são o objeto de estudo das perspectivas críticas da
Criminologia, diferenciando-se assim dacriminologia tradicional, que estuda o “crime” e
o “criminoso” e busca explicá-los a partir de relações decausalidade.
O fenômenocriminógeno é um processo de criminalização, com a estipulação de
certoscomportamentos como violadores de seletos bens jurídicos e uma posterior
escolha eestigmatização de determinados indivíduos que teriam realizados
essescomportamentos violadores.

68
O conceito de “processo de criminalização” parte de uma base conflitual, e não
consensual, tendo emvista a existência de um processo de construção e seleção das
condutas a serem tipificadas edos sujeitos a serem perseguidos (ou seja, dos
processos de criminalização primária e secundária). O focopassa a ser, ao invés dos
comportamentos individuais ou a própria situação de pobreza e déficits sociais,a
seletividade politicamente informada nos processos de criminalização primária e
secundária.

O
A criminalização primária se dá no âmbito abstrato e genérico das escolhas do
Poder Legislativo, exclusivamente, de quais condutas serão criminalizadas, ou seja, é o
processo de edição de leisque define bens jurídicos penalmente protegidos, condutas

IT
tipificadas, a qualidade e aquantidade de pena. Neste momento, a lógica seletiva do
direito penal se revela na predominância da criminalização primária de formas de
desvio típicas das classes egrupos sociais vulneráveis, que ofendem muito mais as

TU
relações econômicas de produção (crimespatrimoniais), do que bens jurídicos de maior
intensidade, como a liberdade pessoal e a vida.
O Legislativo, espaço importante para a democracia nacional, é composto por
grupos representantes de inúmeros interesses, que nem sempre condizem com os

RA
anseios sociais e populares e com os fundamentos, objetivos e princípios
constitucionais.
Uma primeira aproximação entre as funções da Constituição e asfinalidades do
Direito Penal nos permitirá afirmar que o legislador penal seencontra materialmente
LG
vinculado à Constituição precisamente naquilo quediz respeito ao epicentro dessa
anunciada relação entre a ordemconstitucional e o Direito Penal: a tutela de direitos
fundamentais.
Nesse vínculo com o texto constitucional, seria necessário e condizente
IA

umprocesso legislativo mais democrático, com respaldo nas aspirações populares,


erespeito aos anseios sociais, incorporado, assim, de maneira cotidiana epermanente,
outros interesses que não estão representados nos parlamentos, masque são também
ER

legítimos.
No Brasil, há uma supervalorização do simbólico sobre o real, com a ilusão de que
para a solução de qualquer conflito, mesmo problemas sociaisgraves, deve-se criar leis
e penas para que os aparatos policiais confiram segurançaaos cidadãos. Almejam que
AT

qualquer “fato policial” com repercussão social difundidadeve ter uma reação
contundente das autoridades políticas,desconsiderando, emmuitos casos, o necessário
vínculo com a Constituição e seu conteúdo.
Importante relembrar os importantes conceitos críticos sobrebens jurídico-penais e
M

sua imprescindível busca em cumprir aos anseiosconstitucionalmente previstos. O que,


talvez, possa indicar algum caminho entre aas previsões legislativas e atuação incisiva
e opressora do Estado, através do Direito Penal, contra determinados grupos sociais, e
a ausência de leis penais e não atuação desse mesmo Estado contra determinados
comportamentos danosos contra a coletividade e contra as classes subalternas.
Assim, as forças populares e democráticas devem disputar esses espaços, estes
campos e aberturas para poder tencionar e retrair os processos de expansão criminal e
não apenas denunciar as mazelas dos cárceres, das leis e sistemas penais que
oprimem e maltratam há séculos os “inimigos” do direito penal.

69
Há a possibilidade, nos limites e fundamentos da Constituição, da compreensão de
um Direito Penal não só num aspecto negativo, com vinculação e respeito incondicional
às liberdades e garantias individuais, mas também num papel positivo, reconhecendo,
promovendo e tutelando os anseios e direitos construídos nas lutas sociais populares.
Já a criminalização secundária é responsável pelo fecho na formação
dacriminalização ao circunscrever a seleção de pessoas. Esse momento peculiar
acaba estabelecendo aestigmatização de alguns sujeitos, dentro do controle social

O
como um todo, poisfamílias, sociedade civil, imprensa etc., acabam sendo parte dessas
situações. Aopassar pelo crivo das agências penais o cidadão se torna delinquente,
recebendo, apartir daí a alcunha de criminoso.

IT
O status social de delinquência pressupõe, necessariamente, o efeito daatividade
das instancias oficiais de controle social,enquanto não adquire esse status aquele que,
apesar de ter realizado omesmo comportamento punível, não é alcançado, todavia,

TU
pela açãodaquelas instâncias. Portanto, este não é considerado e tratado
pelasociedade como “delinquente”. (Baratta)
A aquisição desse status de criminoso revela e escancara, de maneira cabal,a
desigualdade dos sistemas penais. Em nenhuma outra ocasião é permitidoconstatar

RA
concretamente, sem margens para divagações, que efetivamente osinstrumentos
jurídico-penais tratam pessoas de forma diferente, uns com extremoautoritarismo e
opressão, outros com condescendência e privilégios.
Há de se ter em mente a grande diferença entre praticar crime e sercriminalizado.
LG
Dificilmente existe uma pessoa maior de idade, no Brasil, quenão tenha consumado um
delito. Consideram-se as práticas corriqueiras defotocopiar livros, usar programas de
computador “piratas”, apostar no jogodo bicho, dirigir embriagado, comprar produtos
vindos do Paraguai, utilizar bens de repartição pública para beneficio particular:
IA

corrupção em todas assuas modalidades, entre tantas outras.


Essas práticas cotidianas, dentre outras dezenas, que são considerasinfrações
penais e que não chegam a abalar o sistema democrático e a ordemjurídica, não
ER

sofrem, em quase todos os casos, qualquer persecução por parte doEstado. Na


realidade, as agências penais não chegam nem a ser provocadas, podendo gerar, o
que a doutrina denomina, de cifras ocultas da criminalidade.
Outras circunstâncias também podem influenciar essasincoerências, porém,
AT

pertencer a determinado grupo social pode ser determinante. Assim, as probabilidades


maiores de ser selecionado comocriminoso são daquelas pessoas com posição
precária no mercado detrabalho (desemprego, subemprego, falta de qualificação
profissional) edefeitos de socialização familiar e escolar – características das classes
M

maisbaixas. As características principais e a incisiva seletividade da


criminalizaçãosecundária com a produção de suas consequências ocorrem, sobretudo,
dentro dossistemas penais, através basicamente da atuação da Polícia, do Ministério
Público,do Judiciário e do Poder Executivo.
Baratta chama ainda de zonas de “imunização” aquelas em que as agencias de
poder (Polícias, Ministérios Públicos, PoderesJudiciários e Executivos) deixam de atuar
contra certos setores sociais, passam arelevar determinadas condutas e, até, não
investigam crimes cometidos por sujeitosintegrantes desses espaços.

70
Assim, a criminalização secundária acentuao caráter seletivo do sistema penal
abstrato, pautada em preconceitos e estereótipos que guiam aação dos órgãos
investigadores e judiciais.

4. Discorra sobre a crítica da utilização dos direitos humanos pelo direito penal.
(retirado curso CEI/ 2ª fase DPE-SP)
A utilização dos direitos humanos pelo direito penal gera muita crítica na doutrina,

O
especialmente pela dúvida existente quanto à sua aplicação, ou seja, servem os
direitos humanos como mandados de criminalização ou como parâmetros de restrição
do Direito Penal.

IT
Pode-se corretamente reconhecer o direito internacional dos direitos humanos e a
própria Constituiçãocomo portadores de mandados de criminalização, os quais teriam a
finalidade de proteger, de modomais contundente e eficaz, determinados direitos

TU
humanos e fundamentais, especialmente nos casos dos“crimes de ódio” e crimes de
Estado.
Os direitos humanos podem ser definidos como“necessidades reais”, diretamente
atingidas, por sua vez, pelas contradições e injustiças sociais, sinônimos da “violência

RA
estrutural”. Indo além da compreensão da violênciacomo fenômeno meramente
individual, portanto, é fundamental tomar em conta a “violênciaestrutural” (repressão de
necessidades reais) e a “violência institucional” (repressão do aparelho estatal), as
quais em conjunto constituem a “violência primária”. Nesse contexto, reconhecendo o
LG
próprio sistema penal e apena privativa de liberdade como violadores dos direitos
humanos e não seus protetores.
Nessa linha, em termos de delimitação do injusto, foi elaborada a teoria
constitucionaldo bem jurídico (Franco BRICOLA), com base na eficácia vinculante e
IA

cogenteda Constituição, não apenas programática, e considerando que a imposição de


uma pena significa asupressão ou redução institucional de um direito de alta relevância
constitucional como é a liberdade individual, entende-se que só se poderá cogitar
ER

permitir ao Estado fazê-lo quando servir à proteçãode outro bem ou direito de igual
importância (à liberdade).
A teoria constitucional do bem jurídico nunca foi adotada como critério exclusivo na
atividade do legislador penal, mas indica,de certo modo, um limite no plano normativo
AT

além do qual é difícil ultrapassar. Deve-se equiparar conceitualmente bem jurídico e


direitos fundamentais ou direitos humanoscomo limitação para a criminalização
primária. Apenas as condutas que violam direitos equiparáveis ou superiores à
liberdade é que poderiam recebera cominação de pena privativa de liberdade. Trata-se,
M

portanto, da restrição e limitação dos processosde criminalização primária a partir do


reconhecimento de que a aplicação da pena também é violadora de direitos
fundamentais.
Para Baratta, os direitos humanos poderiam ajudar a diminuir a seletividade do
direito penal, porque, ao invés de tutelar bens jurídicos eleitos pelas próprias
instânciasde poder, os direitos humanos serviriam como parâmetro maisrígido e
restritivo, reduzindo, assim, os espaços para a criminalização primária. Por outro lado,
a corrente neorrealista de esquerda sugere que o direito penal deve ser tomado pelas
classesproletárias como forma de assegurar os direitos humanos de viés socialista,
pautados na igualdadee na segurança pessoal. Assim, seriam criminalizados atos que

71
proliferam a exploração do homempelo homem, minimizando a repressão penal sobre
as classes vulneráveis.
Encontramos ainda outras críticas quanto à vinculação dos direitos humanos ao
direito penal. Para alguns, a utilização do Direito Penal por movimentos de defesa dos
direitos humanos de grupos vulneráveis como instrumento para conter as condutas
discriminatórias é preocupante, especialmente quando sabemos que o direito penal é
um sistemaestigmatizante e notadamente discriminatório, que sempre objetivou

O
acessar a parcela mais vulnerável da população e que, na tentativa de ressocializar,
mais dessocializa.
Maria Lucia Karam, ao analisar a chamada “esquerda punitiva”, reconhece que

IT
alguns setores da sociedade, buscam o conforto no Direito Penal para a tutela de suas
pretensões. Contudo, constatou ainda que, a partir de dados coletados após as
diversas criminalizações, não houve impacto positivo significativo na redução das

TU
condutas. Na verdade, a crescente criminalização, cada vez mais severa, consiste em
resposta fácil e barata dada pelo Estado ao invés de investir em políticas públicas
efetivas que visem alcançar as causas do problema.

RA
5. O que é o direito penal mínimo? E o direito penal redutor?
O Direito Penal Mínimo ou minimalismo penal busca compatibilizar o direito penal
aos princípios constitucionais, um direito penal com intervenção mínima, mas com
maximização das garantias. Mesmo na criminologia radical, hoje, muitos sustentam que
LG
as graves violações aos direitos humanos como genocídio, racismo, imperialismo,
merecem intervenção penal.A princípio, o direito penal mínimo parte de uma
perspectiva legitimadora, é a ideia de que a pena pode contribuir para melhorar a vida
na comunidade.
IA

O direito penal mínimo traz elementos importantes para a afirmação


eaprofundamento da tutela penal de direitos humanos. Existe, em suas compreensões,
a preocupação pelos direitos e garantias doscidadãos e dos acusados, no entanto,
ER

reflete sobre os espaços possíveis para adifusão de uma tutela penal democrática de
direitos humanos. Nessa abertura decaminhos é possível constatar a similaridade entre
o direito penal mínimo e o direito penal democrático. É por isso que os penalistas
afirmam que o Direito Penal deve ser restrito àshipóteses de violação de bens jurídicos,
AT

socialmente relevantes, pois a suaaplicação alcança o bem fundamental que é a


liberdade – e mesmo assimdefendem que esta deve ser limitada apenas nos casos
extremos,preferindo-se primeiro as penas alternativas (multa, perda de bens, etc).
Não consiste em acabar com o Direito Penal, senão minimizar sua utilização para a
M

resolução dos conflitos penais, não só reduzindo seu âmbito de aplicação (seja
impedindo o quanto possível novas "criminalizações", seja, sobretudo, propugnando
por uma ampla descriminalização), senão também a intensidade ou o grau da resposta
estatal, especialmente quando se trata de pena de prisão (nisso consiste o denominado
processo de despenalização).
Os princípios que se destacam no Direito Penal Mínimo são: Insignificância,
Intervenção Mínima, Fragmentariedade, Adequação Social. Alguns mencionam ainda,
a Ofensividade e Exclusiva Proteção dos Bens Jurídicos.
Já o direito penal redutor, proposta de Zaffaroni, parte da premissa deslegitimadora
da pena. A pena é um instrumento de opressão dos poderosos contra os vulneráveis.

72
Não há valor positivo identificado nela. Parte de uma teoria do conflito, em que não é
identificado o bem comum, as pessoas têm interesses diferentes e muitas vezes
antagônicos. E, neste contexto, a pena serve para o opressor conseguir manter
algumas camadas da população oprimidas.Na perspectiva do direito penal redutor, o
direito penal tem como função impedir ou minimizar a imposição da pena, exercendo
papel contrasseletivo, de forma a proteger os mais vulneráveis. O direito penal deve ser
um dique para salvaguardar um Estado de Direito diante da expansão do Estado

O
policial.
A função do direito penal será sempre, na atribuição de sentido a cada estrutura
dogmática, atribuir a mais restritiva, aquela que mais evite a imposição da pena, porque

IT
a pena é um mal.
A princípio, a missão contrasseletiva será exercida pelo operador do Direito, que
compreenderá sua responsabilidade social a partir de sínteses acadêmicas e, em

TU
especial, da criminologia crítica. Deve ser rompida a premissa tradicional do legislador
racional, que busca adestrar o estudante no ensino jurídico e facilitar a decisão
despindo o juiz de sua responsabilidade crítica. A lei é produto da classe poderosa e
opressora e deve ser compreendida a partir de um filtro redutor.

RA
6. Discorra sobre a teoria criada por Zaffaroni denominada “realismo marginal”.
Zaffaroni traz a noção de realismo marginal em sua obra “Em busca das penas
perdidas”. O autor diagnostica a perda de legitimidade dos sistemas penaislatino-
LG
americanos e desenvolve o “realismo marginal”, partindo da crise dodiscurso jurídico-
penal, busca reconstruí-lo e elaborar, em última análise, um modelo integrado
condizentecom a realidade operacional do poder de punir.
O autor identifica como características estruturais do direito penal a seletividade,
IA

reprodução da violência, corrupção e concentração do poder. Assim, assume que o


direito penal na América Latina deve ser como o direito humanitário na guerra, como
forma de contenção do abuso punitivo estatal. Assim, acusa o controle social da
ER

América Latina de caracterizar-se por ser um sistema de punição institucionalizada que


impõe uma cota de dor e privação, não prevista em lei e também levada a cabo pelo
controle social para-institucional ou “subterrâneo”.
Assim, para Zaffaroni, o direito penal na América Latina dá margem não apenas à
AT

seletividade criminalizante, em que apenas alguns indivíduos são selecionados para


sofrerem os rigores da lei, também escolhe as vítimas (seletividade vitimizante), pois
vai resguardar com políticas públicas e segurança as zonas mais ricas da cidade,
deixando a zona periférica à deriva. Por fim, Zaffaroni fala ainda da seletividade
M

policizante, o direito penal busca os policiais dentre as camadas mais vulneráveis da


sociedade, obriga-os a adotar um discurso autoritário típico das classes opressoras e o
remunera extremamente mal. O discurso incorporado e a péssima remuneração dão
margem à postura corrupta e violenta deste policial, gerando oportunidade da prática
de tortura, prisão autoritária, corrupção, situação esta denominada como direito penal
subterrâneo.
Assim, denuncia o autor no livro que não adianta estudar o direito penal com base
em teses europeias para aplicar na América Latina, pois nossa realidade é outra, é
uma realidade marginal. É marginal, pois estamos numa posição marginal em relação
aos outros países, aos países dominantes, também denominados centrais (EUA e

73
Europa). Dentro dessa posição de continente marginal, o direito penal vai incidir sobre
a população marginal, que é a população mais pobre.E o “realismo” justifica-se pela
necessidade de nos desligarmos das ficções do direito penal e focarmos na realidade,
para entender a violência da América Latina com base na visão do mais pobre.
A criminologia é um saber necessário para instrumentalizar a decisão política de
salvar vidas humanas e diminuir a violência política em nossa região marginal com
vistas a alcançar, um dia, a supressão do direito penal, ou seja, a única função racional

O
da criminologia em nossa margem é a de impulsionar o movimento contrário, redutor
de violência estrutural.

IT
7. A respeito da aplicação/eficácia da lei penal no tempo, responda:
a) Qual foi a teoria adotada pelo CP?
b) Qual a teoria aplicável sobre o tempo do crime?

TU
c) Como será a sucessão de lei mais grave no crime permanente e no
continuado?
d) Conceitue abolitio criminis. Fale sobre a continuidade normativo-típica.
e) Conceitue novatio legis in mellius. Quem é o juízo competente para aplicá-

RA
la após o transito em julgado?
f) É possível aplicar lei mais benéfica no prazo de vacatio? É possível
combinação de leis para beneficiar o réu?
g) Existe retroatividade da jurisprudência?
LG
h) Diferencie lei temporária e lei excepcional.
i) Fale sobre lei penal em branco e suas modalidades. A alteração do
complemento retroage?
IA

a) Qual foi a teoria adotada pelo CP?


Como decorrência do princípio da legalidade, aplica-se, em regra, a lei penal
vigente ao tempo do fato criminoso (tempus regit actum). É possível,
ER

excepcionalmente, a retroatividade da lei penal para alcançar fatos passados, desde


que benéfica ao réu.
Princípio da extratividade:
a) ultratividade, se a lei posterior é maléfica;
AT

b) retroatividade, se lei posterior mais benéfica, alcança os fatos pretéritos.


b) Qual a teoria aplicável sobre o tempo do crime?
Quanto ao tempo do crime, são três teorias:
(i) teoria da atividade (art. 4º, CP): momento da ação ou omissão;
M

(ii) teoria do resultado: praticado no momento do resultado;


(iii) teoria mista ou da ubiquidade: momento da conduta ou do resultado.
c) Como será a sucessão de lei mais grave no crime permanente e no
continuado?
A regra é a irretroatividade da lei penal, com exceção da lei posterior benéfica.
Neste caso, contudo, diante da S. 711/STF, aplica-se a lei mais grave, se sua vigência
é anterior à cessação da continuidade ou permanência.
d)Conceitue “abolitio criminis”. Fale sobre a continuidade normativo-típica.

74
Abolitio criminis é a supressão da figura criminosa, revogação de um tipo penal
pela superveniência de lei descriminalizadora (art. 2º, caput). Prevalece que se trata de
causa extintiva da punibilidade (art. 107, III, CP).
Em verdade, a abolitio produz dois efeitos: com relação aos fatos novos, é
atipicidade; para os fatos anteriores, ocorre a extinção da punibilidade. Assim, faz
cessar a execução penal (não respeita a coisa julgada) e faz cessar os efeitos penais
da sentença condenatória.
O princípio da continuidade normativo-típica é a supressão formal do tipo, o

O
fato permanece punível, com migração da conduta para outro tipo penal (a intenção do
legislador é manter o caráter criminoso do fato, mas com outra roupagem). A abolitio,

IT
diferentemente, revela a supressão da figura criminosa (fato deixa de ser punível), a
intenção do legislador é não mais considerar o fato criminoso.
e) Conceituenovatio legis in mellius. Quem é o juízo competente para aplicá-

TU
la após o transito em julgado?
Novatio legis in mellius ou lex mitior é a lei que, de qualquer modo, favorece o réu
(art. 2º, p. único, CP). Esta lei retroage, alcançando mesmo fatos decididos por
sentença condenatória definitiva, também não obedece à coisa julgada. O juiz

RA
competente para aplicação depois do trânsito em julgado, segundo a S. 611/STF, é o
da execução. Contudo, a doutrina apresenta divergências, em que depende do caso
concreto. Se for aplicação meramente matemática, é o juízo da execução. Se implicar
juízo de valor, deve ser ajuizada revisão criminal.
LG
f)É possível aplicar lei mais benéfica no prazo de vacatio? É possível
combinação de leis para beneficiar o réu?
Uma primeira corrente defende que a finalidade da vacatio é dar conhecimento da
lei promulgada, o que não impede a produção de efeitos mais brandos para aqueles
IA

que se inteiram do seu teor. Outra corrente defende que ainda não possui eficácia
jurídica ou social (Nucci, Damasio).
Sobre a combinação, a maioria da doutrina entende que é possível (se o juiz pode
aplicar in totem, pode também aplicar parcialmente, o que confere máxima eficácia ao
ER

princípio constitucional da retroatividade benéfica). Porém, há forte corrente em sentido


contrário, o juiz não é legislador, violaria a separação de poderes, criando lei
inexistente (lex tercia) – certa tendência dos tribunais superiores.
AT

g) Existe retroatividade da jurisprudência?


Prevalece que a extra-atividade só se refere à lei, não se estendendo à
jurisprudência. A posição favorável para as defensorias, contudo, com Paulo de
Queiroz, preconiza que deve ser proibida a retroatividade desfavorável da
M

jurisprudência e aplicada a retroatividade benéfica, autorizando mesmo a revisão


criminal. Obs.: Não se nega a retroatividade da jurisprudência, quando dotada de
efeitos vinculantes (súmula vinculante, ADI, ADPF, etc).
h) Diferencie lei temporária e lei excepcional.
Lei temporária é aquela instituída por um prazo determinado, enquanto a lei
excepcional é editada em função de algum evento transitório, que perdura
enquanto persistir o estado de emergência. As duas são autorrevogáveis e ultra-ativas
(hipótese excepcional de ultra-atividade maléfica). Não se sujeitam ao efeito da abolitio,
salvo se houver previsão expressa. Há quem defenda a inconstitucionalidade do art. 3º,
CP, pois a irretroatividade da CF, não permite exceções (caráter absoluto) – extra-

75
atividade sempre em benefício do réu (Zaffaroni). Outra corrente aduz que não viola o
princípio, pois não há sucessão de leis penais, não existe tipo sobre mesmo fato que a
suceda (prevalece).
i) Fale sobre lei penal em branco e suas modalidades. A alteração do
complemento retroage?
Lei penal em branco é aquela cujo preceito primário se mostra incompleto,
exigindo complemento de outra norma jurídica. Pode ser:
I) em sentido lato ou homogênea (homovitelina = mesma instância legislativa ou

O
heterovitelina = instância legislativa diversa) – complemento em outra lei;
II) emsentido estrito ou heterogênea – espécie normativa distinta de lei.

IT
Prevalece (STF) que a alteração do complemento tem efeito retroativo, se benéfica
(homogênea). Contudo, na heterogênea, a alteração mais benéfica retroage apenas
quando a legislação complementar não for excepcional.

TU
8, Conceitue e diferencie os fenômenos da descriminalização, despenalização,
diversificação e intervenção mínima no Direito Penal.
Intervenção mínima é o princípio que consagra que o direito penal só deve se

RA
preocupar com os bens mais importantes e necessários à vida em sociedade. Ou seja,
o direito penal deverá ser a ultima ratio. Pode ser desdobrado em outros dois principais
sub-princípios: fragmentariedade (só entra o direito penal em casos relevantes de
lesão ou perigos de lesão) ou subsidiariedade (atua o direito penal diante do fracasso
LG
das demais instâncias).
A partir deste princípio, pode-se falar nos fenômenos de descriminalização,
despenalização e diversificação. Isto porque a intervenção mínima decorre de uma
corrente denominada direito penal mínimo, buscando outras formas de solução que
IA

não a prisão.
Descriminalizar é abolir a figura criminal, tornando-a fato jurídico irrelevante.
Já na despenalização, substitui-se a pena de prisão por penas de outra
natureza. Importante questão foi levantada pelo art. 28 da lei de drogas, se seria
ER

descriminalizar ou despenalizar, tendo o STF acolhido esta última.


Na diversificação ocorre a suspensão dos procedimentos criminais,
mantendo-se, contudo, a competência da justiça penal para apreciar a conduta ilícita e,
AT

em certas ocasiões, implica remeter o problema às partes diretamente afetadas, para


que o resolvam, com ou sem a intervenção de um organismo externo. Nils Christie,
adepto do abolicionismo, atesta que a diversificação busca reduzir o sofrimento,
aumentar as respostas positivas e confiar nos seres humanos comuns.
M

9. Sobre a aplicação da lei penal no espaço:


a) Qual foi a teoria consagrada pelo direito brasileiro?
b) O que é espaço físico por equiparação?
c) Qual a teoria aplicada no que diz respeito ao local do crime?
d) Em que casos se aplica a extraterritorialidade?
a) Qual foi a teoria consagrada pelo direito brasileiro?
A lei penal no espaço busca definir a fronteira de atuação da lei penal no Brasil.
Pelo art. 5º, CP, vigora o princípio da territorialidade temperada. Aplica-se a lei
penal do crime, não importando a nacionalidade do agente, da vítima ou do bem

76
jurídico, mas é possível que, por conta de regras internacionais, um crime cometido no
Brasil não sofra as consequências da lei nacional.
b) O que é espaço físico por equiparação?
Fixado que a aplicação da lei penal brasileira está limitada pela fronteira ‘território
nacional’, lembra-se que este conceito envolve não só o espaço físico ou geográfico,
mas também o espaço jurídico (art. 5º, §§ 1º e 2º, CP) – espaço físico por ficção ou
equiparação: (i) quando os navios ou aeronaves brasileiros forem públicosou
estiverem a serviço do governo brasileiro, quer se encontrem em território nacional

O
ou estrangeiro, são considerados parte do nosso território; (ii) se privados, quando
em alto-mar ou espaço aéreo correspondente, seguem a lei da bandeira que

IT
ostentam; (iii) quando estrangeiros, em território brasileiro, desde que privados,
são considerados parte de nosso território. Obs.: embaixada não é regrada pelo CP, é
inviolável, mas não extensão do território que representa.

TU
Obs.: pelo direito de passagem inocente, o navio estrangeiro que utiliza o mar
territorial brasileiro somente como caminho para seu destino, sem pretensão de atracar
em nosso território, não terá a lei brasileira aplicada, desde que não seja prejudicial à
paz, à boa ordem ou à segurança do BR (L. 8.617/93).

RA
c) Qual a teoria aplicada no que diz respeito ao local do crime?
Para o local do crime, o Brasil adotou a teoria mista ou da ubiquidade,
considera-se o crime praticado no lugar da conduta ou do resultado (art. 6º, CP).
Obs.: Não se confundem os conceitos de crime à distancia, crime em trânsito e crime
LG
plurilocal:
- Crime á distância ou crime de espaço máximo: o crime percorre territórios de 2
países soberanos, gera conflito internacional de jurisdição, aplicando-se o art. 6º, CP;
- Crime em trânsito: o crime percorre territórios de mais de 2 países, também gera
IA

conflito internacional de jurisdição (art. 6º, CP).


- Crime plurilocal: percorre 2 ou mais territórios do mesmo país soberano, gera
conflito interno de competência (qual juízo), incidindo art. 70, CPP – teoria do resultado
ER

(com exceção da L. 9099/95).


d) Em que casos se aplica a extraterritorialidade?
Há casos excepcionais em que nossa lei pode extrapolar os limites do território
alcançando crimes cometidos exclusivamente no estrangeiro (extraterritorialidade), o
AT

art. 7º, CP traz três grupos:

Art. 7º, II, CP –


Art. 7º, I, CP – extraterritorialidade Art. 7º, § 3º, CP –
M

extraterritorialidade condicionada (§ 2º) – extraterritorialidade


incondicionada (§ 1º) é a que mais cai em hipercondicionada
concurso

a) Crime contra a vida a) Crimes que o Brasil Crimes cometidos por


ou liberdade do se obrigou a reprimir estrangeiros contra
Presidente da por meio de tratados - brasileiro – Princípio da
República – Princípio Princípio da Justiça Nacionalidade Passiva.
da Defesa. Universal.
b) Crime contra o b) Crimes praticados
patrimônio público – por brasileiros –
77
Princípio da Defesa. Princípio da
c) Crime contra a Nacionalidade Ativa.
administração pública – c) Crimes praticados
Princípio da Defesa. em embarcações e
d) Genocídio – Princípio aeronaves brasileiras
da Justiça Universal privadas, no
(mas há doutrina estrangeiro, e não são

O
minoritária que fala que punidos – Princípio da
nesse caso também é Representação.
Princípio da Defesa).

IT
Os elementos para a extraterritorialidade condicionada são (art. 7º, II, CP):
(i) entrar no território nacional (não necessita permanecer)

TU
(ii) fato punível no país em que foi praticado;
(iii) estar o crime dentre aqueles que legislação brasileira autoriza extradição;
(iv) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro e não ter aí cumprido pena;
(v) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, extinta sua

RA
punibilidade.
Na extraterritorialidade hipercondicionada, além das condições anteriores,
ocorre se (i) não foi pedida ou foi negada a extradição e (ii) houve requisição do
Ministro da Justiça.
LG
Obs.: o art. 8º dispõe que a pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta
no Brasil, pelo mesmo crime, quando diversas ou nela é computada quando idênticas.
Pode-se criticá-lo por configurar bis in idem (há dois processos, julgamentos e
condenação pelo mesmo fato).
IA

10. Qual a natureza jurídica das imunidades (alguns incluem como aplicação da
lei penal no espaço, há quem separe como aplicação da lei penal em relação às
pessoas)?
ER

A respeito das imunidades diplomáticas, são prerrogativas de direito público


internacional de que desfrutam: chefes de governo ou Estado estrangeiro e membros
da família ou comitiva; embaixador e família; funcionários do corpo diplomático,
AT

funcionários das organizações internacionais (quando em serviço).


Devem obediência ao preceito primário do país em que se encontram, contudo, a
consequência jurídica permanece sob a eficácia da lei penal do Estado a que
pertencem (intraterritorialidade).
M

Para uma primeira corrente, seria causa especial de isenção de pena


(prevalece). Há quem sustente ser causa impeditiva de punibilidade. A imunidade é
irrenunciável, pelo destinatário, mas pode haver renúncia pelo Estado de origem.
Obs.: lembra-se também das imunidades (materiais) parlamentares (art. 53, CF –
civil e penal), que, para o STF, são causa de atipicidade, devendo haver nexo funcional
das palavras opiniões e votos, sendo que, nas dependências da Casa Legislativa, este
nexo é presumido.

78
PONTO 4
Teoria do delito: evolução histórica, elementos do crime.
Bem jurídico-penal.
Modernas tendências da teoria do delito.

1. Quais os sistemas que originaram a teoria do delito como a conhecemos na


atualidade?

O
A forma como se encontra sistematizada hoje a teoria do delito deve-se,
fundamentalmente, a dois grandes sistemas – o causalista ou naturalista e o finalista –
os quais travaram exaustivo debate sobre o conceito de ação humana, considerada por

IT
ambos como questão fundamental para a correta sistematização da teoria do delito. A
partir de 1970 surgiu um novo sistema – o funcional ou teleológico.

TU
2. Explique o que é a teoria causalista.
A conceito causal de ação foi elaborado por Von Liszt e Beling no final do século
XIX, em decorrência da influência do pensamento científico-natural na ciência do direito
penal. Para a teoria causalista, crime é fato típico, antijurídico e culpável (a teoria

RA
causalista é tripartite). A conduta, que é elemento do fato típico, é a ação humana,
voluntária, causadora de modificação no mundo exterior (teoria mecanicista da
conduta). Para o causalismo a culpabilidade é sinônimo de imputabilidade e possui
LG
duas espécies: dolo e culpa. Por essa razão, o tipo penal deve ser o mais neutro
possível, somente se reconhecendo nele elementos objetivos.

3. Quais são os elementos do tipo penal para a teoria causalista?


O tipo penal pode ter elementos objetivos (percebidos pelos sentidos), normativos
IA

(demandam juízo de valor) e subjetivos (espelham a finalidade especial do agente). O


causalista vê no tipo penal somente os elementos objetivos, percebidos pelos sentidos.
Como o tipo não tem dolo nem culpa (que para essa teoria estão na culpabilidade), fica
ER

difícil realizar juízo de valor ou imaginar que ele possa espelhar uma finalidade especial
do agente. O causalismo divide o tipo penal em normal e anormal. O tipo penal normal
somente possui elementos objetivos (ex.: art. 121, caput, do CP). O anormal possui
elementos objetivos e normativos e/ou subjetivos (ex.: art. 299, caput, CP).
AT

4. Quais são as que a doutrina faz a teoria causalista?


A doutrina traz algumas críticas à teoria causalista. Afirma que o causalismo não
explica o crime omissivo, analisa o dolo e a culpa somente na culpabilidade e não
M

reconhece elementos não objetivos no tipo.

5. O que é a Teoria Neokantista?


A teoria neokantista, também conhecida como neoclássica, tem base causalista.
Seus principais expoentes são Max Ernst Mayer, Edmund Mezger e Reinhard Frank.
Também é tripartite, dividindo o crime em fato típico, ilícito (ou antijurídico) e culpável.
O dolo e a culpa também estão na culpabilidade que,para os neokantistas, tem como
elementos a imputabilidade, a exigibilidade de conduta diversa, o dolo e a culpa. Dolo e
culpa passam a ser elementos, e não mais espécies de culpabilidade. A conduta, que
para essa corrente também é elemento do fato típico, é o comportamento humano,

79
voluntário, causador de modificação no mundo exterior. Para o causalista, conduta é
ação humana. O neokantista fala em comportamento humano, que abrange ação e
omissão. A teoria neokantista admite elementos não objetivos no tipo.

6. Quais as críticas que podem ser feitas a teoria neokantista?


A doutrina afirma que a teoria neokantista merece críticas, pois partindo de
conceitos naturalistas, ficou contraditória quando reconheceu elementos não objetivos

O
no tipo e coloca dolo e culpa como elementos da culpabilidade.

7. Por que a teoria neokantista recebe esse nome?

IT
A teoria neokantista recebe este nome pois seus expoentes preconizavam o
retorno aos princípios de Immanuel Kant. Postulavam um rompimento com alguns
paradigmas defendidos pelos causalistas clássicos, pontuando o sistema jurídico-penal

TU
com nuances valorativas, frente aos parâmetros puramente descritivos de outrora.

8. O que é Teoria finalista?


A teoria finalista é criação de Hans Welzel e nasceu tripartite (fato típico, ilicitude e

RA
culpabilidade). A culpabilidade, para essa teoria passa a ter contornos diversos: é
formada pela imputabilidade, exigibilidade de conduta diversa e potencial consciência
da ilicitude. A conduta está no fato típico. É o comportamento humano voluntário
causador de modificação no mundo exterior, psiquicamente dirigido a um fim.
LG
Relativamente aos conceitos das teorias anteriores, o finalismo acrescentou o
“psiquicamente dirigido a um fim”. O conceito de conduta para o finalismo nasceu
diferente: falava-se em “psiquicamente dirigido a um fim ilícito”. Mas a teoria logo se
corrigiu, tendo o “ilícito” sido retirado do conceito, pois ele excluía o crime culposo. O
IA

grande marco do finalismo foi a saída do dolo e da culpa da culpabilidade, os quais


migraram para a conduta (ou seja, para o fato típico). Aqui nasce a famosa expressão:
“o causalismo é cego; o finalismo, vidente”.
ER

9. Então o finalismo abandonou a causalidade?


Não. O finalismo apenas lhe acrescentou o elemento finalidade. A causalidade
passou a ser uma causalidade dirigida a um fim. Deste modo, quem se dispõe a matar,
AT

para essa teoria, elege os meios, adquire a arma a ser utilizada, adota a melhor forma
de executar a empreitada criminosa, toma os cuidados para realiza-la com sucesso etc.
A causalidade é apenas uma parte desse complexo processo.
M

10. Se a ação é o exercício de uma atividade final, como explicar a estrutura dos
crimes culposos?
Nos crimes culposos também existe uma ação dirigida a um fim, no entanto o fim
será conforme o direito, de modo que a reprovação nos crimes culposos não recai na
finalidade do agente, mas nos meios que o agente elegeu para a consecução do fim.

11. O que é ação cibernética?


A doutrina finalista não estava muito convencida da explicação adotada para os
crimes culposos, assim, na etapa final de sua teoria, propôs, ainda que de forma fugaz,
substituir o conceito de ação final por ação cibernética, na qual o que conta é o controle

80
da vontade, presente tanto nos fatos dolosos quanto culposos. Assim, Conduta
cibernética significa conduta voluntária, ou seja, é a conduta dominada pela vontade
humana. Ela tem suma importância para o Direito penal porque somente as condutas
dominadas ou domináveis pelo ser humano podem dar ensejo à responsabilização
criminal. Numa visão garantista, pode-se dizer que a conduta é o primeiro filtro para
analisar o que é ou não é importante para a esfera penal. Se o ato, ação ou omissão, é
involuntário, a conduta é penalmente irrelevante. Exemplo disso é o que ocorre na

O
coação física irresistível. Nesse caso o coagido não tem domínio da sua conduta, visto
que está ausente a voluntariedade. Há voluntariedade na coação moral, no ato reflexo
e no ato instintivo. Pode-se dizer que a voluntariedade é diminuída em tais casos, mas

IT
não há como negá-la. Por exemplo: o vendedor de uma joalheria é vítima de coação
moral quando os ladrões posicionam a arma municiada à sua frente ordenando que
abra o cofre. Há voluntariedade na conduta do gerente da loja, pois do contrário não

TU
empreenderia o comportamento e aguardaria os prováveis disparos. Logo, a conduta é
relevante e a (não) responsabilização será analisada na culpabilidade. Por serem
circunstâncias parecidas, deve-se atentar para a diferença entre ato reflexo e reflexo
rotular. Naquele há voluntariedade, por conseguinte, a conduta será penalmente

RA
relevante. Na outra situação háinvoluntariedade e a relevância penal é inexistente.

12. A doutrina aponta alguma crítica à teoria finalista?


A doutrina afirma que a teoria finalista pode ser criticada por, a princípio, não
LG
abranger os crimes culposos. Todavia, a teoria foi corrigida, alterando o conceito de
conduta, para abranger os crimes culposos. Critica-se, ainda, a centralização da teoria
no desvalor da conduta, ignorando o desvalor do resultado.
IA

13. O que é finalismo dissidente?


A teoria finalista dissidente não foi criada por Welzel. Trata-se de teoria adotada
por alguns doutrinadores brasileiro, como o Professor Damásio de Jesus, para a qual
ER

crime é fato típico e ilicitude. A culpabilidade, assim, não integra conceito de crime,
sendo mero pressuposto de aplicação da pena (juízo de censura). O conceito de
conduta, todavia, continua o mesmo.
AT

14 . O que é a Teoria Social da Ação?


A teoria social da ação considera a conduta sob o aspecto causal e finalístico, mas
acrescenta o aspecto social. Concebe-se a conduta como um comportamento humano
socialmente relevante. A preocupação é a significação social da conduta humana do
M

ponto de vista da sociedade (conceito valorado de ação). Importante acentuar que não
há clareza acerca do que significa “fim socialmente relevante”.

15 . O que é a teoria funcionalista?


O funcionalismo é uma teoria que busca desvendar a função que direito penal deve
desempenhar na sociedade. Tem a pretensão de unir a teoria do delito e a teoria da
pena ou integrar dogmática penal e política criminal, temas tradicionalmente tratados
de forma separada, como se nenhuma relação mantivessem entre si. Parte de
postulados neokantianos, retomando, em certa medida a teoria dos valores. Surgiu na
Alemanha, em 1970. Há dois grandes expoentes dentro dessa corrente, Roxin

81
(funcionalismo teleológico) e Jakobs (funcionalismo sistêmico), que divergem quanto à
missão do Direito Penal.

16. O que é o funcionalismo teleológico?


A teoria funcionalista teleológica, também conhecida como teoria personalista da
ação, teoria valorativa ou moderada ou Funcionalismo da Escola de Munique, busca
uma reconstrução da teoria do delito com base em critérios políticos criminais. O direito

O
penal é visto como uma forma através da qual as finalidades político-criminais podem
ser transferidas para o modo da vigência jurídica. Para Roxin, as ações, intencionais ou
imprudentes, são manifestações da personalidade, bem como as omissões. A ação é

IT
tudo que pode ser atribuído ao ser humano. Não pratica ação a pessoa que atua sob
força física irresistível ou em estado de ilusão ou por atos reflexos, pois não há domínio
da vontade e consciência. Os pensamentos e impulsos da vontade também não são

TU
ações, pois não se concretizaram no mundo exterior.

17. Aponte algumas características do Funcionalismo de Roxin.


Acerca do funcionalismo teleológico podem ser apontadas as seguintes

RA
características: 1) possui orientações político-criminais; 2) acolhe valores e princípios
garantistas; 3) a pena possui finalidade preventiva (geral e especial);4) a pena não
possui finalidade retributiva; 5) a culpabilidade é substituída pela reprovabilidade no
conceito analítico de crime; 6) culpabilidade passa ser vista como limite à aplicação da
LG
pena; 7) reprovabilidade é formada por inexigibilidade de conduta diversa, potencial
consciência da ilicitude, imputabilidade (até aqui = ao conceito finalista de
culpabilidade) + NECESSIDADE DE APLICAÇÃO DA PENA (se a aplicação da pena
não for necessária, não há que se falar em crime); 8) conduta é definida como
IA

comportamento humano voluntário causador de RELEVANTE e INTOLERÁVEL


LESÃO ou PERIGO DE LESÃO ao bem jurídico protegido (engloba, portanto, a
tipicidade material).
ER

18. Exemplifique condutas que seriam típicas conforme o nosso direito positivo,
mas que, com a aplicação da teoria de Roxin, não constituiriam crimes.
Consoante os ensinamentos da teoria funcionalista teleológica, o sujeito que, tendo
AT

subtraído um relógio, se arrepende e devolve o bem à vítima, para Roxin não pratica
crime. Ao devolver o relógio, ele devolve a paz social, o que torna a pena
desnecessária. O bem jurídico foi protegido e o conflito pacificado. Do mesmo modo, o
marido que bate na esposa, causando lesão leve. A esposa vai à delegacia, noticia o
M

crime e representa criminalmente por lesão leve. O promotor oferece a denúncia e ela
é recebida. Na instrução, a mulher, grávida do agressor e convivendo com ele há muito
tempo, pede o encerramento do processo, por ter ele se arrependido e se tornado uma
pessoa diferente. Para o direito positivo brasileiro atual, o máximo que ocorreria seria
uma atenuante. Para Roxin, todavia, não houve reprovabilidade e, por consequência,
não houve crime.

19. Como Roxin concebe a culpabilidade?


Outra inovação da Teoria de Roxin é que a culpabilidade passa ser vista como
limite à aplicação da pena, como responsabilidade, e não mais como elemento

82
estruturante do crime: a culpabilidade como condição indispensável de toda a pena
deve se relacionar sempre à necessidade preventiva (especial ou geral), da sanção
penal, de tal modo que a culpabilidade e as necessidades de prevenção se limitam
reciprocamente e, só verificadas conjuntamente, amparam a responsabilidade pessoal
do sujeito, que desencadeia a imposição da pena.

20. Para Roxin, qual é a missão do direito penal?

O
A missão do Direito Penal é proteger bens jurídicos indispensáveis ao homem.
Como se observa, para Roxin, um moderno sistema do direito penal há de estar
estruturado teleologicamente, ou seja, há de ser construído atendendo a finalidades

IT
valorativas, sendo certo que essas finalidades que constituem o sistema do direito
penal só podem ser do tipo político-criminal, já que naturalmente, os pressupostos da
punibilidade hão de orientar-se aos fins do direito penal. Neste ponto, importante

TU
esclarecer que, para o autor, ao Direito Penal foi atribuída constitucionalmente a função
de proteção subsidiária dos bens jurídicos, sendo estes entendidos como
circunstâncias dadas ou finalidades que são úteis para o indivíduo e para seu livre
desenvolvimento no marco de um sistema social global estruturado sobre a base dessa

RA
concepção dos fins ou para o funcionamento do próprio sistema. Com isso se quer
dizer que os bens jurídicos são as condições essenciais para uma convivência pacífica
e harmoniosa entre as pessoas, como a vida, a integridade corporal, a autonomia
sexual etc. Quer dizer, ainda, que ao Estado não é permitido criminalizar tudo, mas
LG
somente poderá proibir quando isso for necessário para a segurança e liberdade das
pessoas. Daí porque a tarefa do Direito Penal é a proteção subsidiária de bens
jurídicos, é dizer: ele só pode interferir quando falhem outros meios de solução do
problema.
IA

21. Essa construção reforça a subsidiariedade do Direito Penal?


É possível afirmar que essa construção reforça a subsidiariedade por duas óticas.
ER

Uma de ordem legislativa e outra de ordem dogmática. De uma perspectiva político-


criminal da legislação, a doutrina da proteção subsidiária dos bens jurídicos oferece ao
legislador um critério sobre o que apenar e o que deixar impune. Se, por um lado, deve
proteger, por exemplo, os direitos à vida e à liberdade, por outro deve excluir do seu
AT

campo de proteção às meras imoralidades e as simples contravenções. Do ponto de


vista dogmático, quando realmente se considera como papel constitucional do Direito
Penal a proteção subsidiária de bens jurídicos e se pergunta como o sistema jurídico
pode garantir essa proteção, tem-se como única resposta plausível a seguinte: “deve-
M

se proibir a criação de riscos não permitidos a bens jurídicos protegidos penalmente e


imputar a realização de tais riscos em um resultado lesivo aos autores como uma ação
típica proibida”

22. Porque Roxin prefere o termo “injusto penal”?


No que tange à antijuridicidade, Roxin prefere utilizar o termo injusto penal porque
a antijuridicidade não é um elemento exclusivo do direito penal, mas sim de todo o
ordenamento jurídico. O injusto penal refere-se, pois, à ação típica antijurídica,
incluindo todos os elementos reais da respectiva situação, conforme os critérios de
permissão ou proibição.

83
No aspecto político-criminal, o juízo de injusto se caracteriza, inicialmente, por
desligar o fato da abstrata tipificação do tipo, ou seja, ele situa o fato em um contexto
social e contém, desde o ponto de vista do que está proibido ou permitido, uma
valoração de conflito de interesses que derivam da interação social.
Em segundo lugar, o injusto é político criminalmente importante como pressuposto
fundamental de toda medida de segurança, isto porque referida medida apenas é
imposta ao inimputável se provado que este praticou fato típico e antijurídico (a

O
inimputabilidade afeta a capacidade de culpabilidade do agente).
Por último, o direito penal, ao reconhecer na valoração do injusto causas de
justificação de todo o tipo e precedentes de todos os setores do ordenamento jurídico,

IT
tem em conta o interesse de outros campos do direito e garante assim a unidade e a
ausência de contradição do ordenamento jurídico.

TU
23. Para Roxin a Política criminal exerce influência sobre os elementos do crime?
Sim. Roxin sistematiza com clareza a influência político-criminal sobre cada
elemento do delito. As concretas categorias do delito – tipicidade, antijuridicidade e
culpabilidade – devem se sistematizar, se desenvolver e ser contempladas, em

RA
princípio, sob o prisma da função político-criminal. Estas funções são de distinta
natureza: o tipo está sob a regra da determinação legal, ao que frequentemente se
reduziu unicamente à legitimação da dogmática; os tipos servem realmente à
realização do princípio nullum crimen e dele se deve derivar a estruturação dogmática.
LG
A antijuridicidade, pelo contrário, é o setor das soluções sociais aos conflitos, o campo
no qual se chocam os interesses individuais opostos ou as exigências sociais com as
necessidades do indivíduo. Por último, a categoria delitiva que tradicionalmente
denominamos culpabilidade tem, na realidade, muito menos a ver com averiguação do
IA

poder atuar de um modo distinto, algo empiricamente difícil de se constatar, que com o
problema normativo de se e até que ponto, nos casos de circunstâncias pessoais
irregulares ou condicionadas por uma situação, convém aplicar uma sanção penal a
ER

uma conduta que, em princípio, possui uma pena cominada. Para responder a esta
questão deve-se incluir no trabalho dogmático tanto a função limitadora da pena que
representa o princípio da culpabilidade como as considerações da prevenção geral e
especial.
AT

24. Quais as críticas feitas pela doutrina ao funcionalismo teleológico?


A doutrina assevera que o funcionalismo teleológico merece críticas, pois coloca a
reprovabilidade como elemento integrante do crime e a culpabilidade como limite da
M

pena, sem, no entanto, explicar o que é a culpabilidade, indicando apenas para que ela
serve.

25. O que é a teoria funcionalista sistêmica ou radical?


O funcionalismo sistêmico, também conhecido como radical, normativista,
funcionalismo estratégico ou da Escola de Bonn assevera que o direito penal deve
visar primordialmente a reafirmação da norma violada e ao fortalecimento das
expectativas de seus destinatários. A ação é a produção de um resultado evitável pelo
indivíduo (teoria da evitabilidade individual). A noção conceitual de ação depende
apenas da possibilidade de influir no comportamento mediante uma motivação dirigida

84
a evitar o resultado. O agente é punido porque violou a norma, sendo que a pena visa a
reafirmar essa norma violada.

26. Quais são as características do funcionalismo radical?


O funcionalismo radical apresenta as seguintes características: 1) foco na proteção
do sistema social, jurídico e político vigente; 2) aponta o direito como um instrumento
de estabilização social; 3) aponta o indivíduo como um centro de imputação e

O
responsabilidade; 4) a violação da norma é considerada socialmente disfuncional
porque questiona a violação do sistema e não porque viola o bem jurídico; 5) a pena
possui função de prevenção integradora, isto é, reafirmação da norma violada,

IT
reforçando a confiança e finalidade do direito; 6) não visa proteger bens jurídicos
(quando o direito penal interfere a violação já ocorreu); 7) cria espécies distintas de
pessoas (o cidadão e o não cidadão – violador do sistema); 8) mitiga ou, a depender do

TU
caso, suprime garantias individuais.

27. Qual a missão do direito penal para o funcionalismo sistêmico?


Para Jakobs, a missão do direito penal é bem diferente da preconizada por Roxin.

RA
É resguardar o sistema. Desrespeitada a norma, há o crime. Ou seja, aquele que não
respeita o sistema, é seu inimigo. Nasce a teoria do direito penal do inimigo.
Exatamente por isso, diferentemente de Roxin, que trabalha com o princípio da
insignificância, Jakobs não admite sua aplicação. Como se observa, Jakobs afasta-se
LG
completamente da realidade empírica e toma como ponto de partida a
inquestionabilidade do ordenamento jurídico vigente, sendo que, toda vez que há uma
ruptura da norma colocando-se em dúvida a sua validade, deve-se apenar o infrator,
restabelecendo-se a validade da norma. Para ele, somente a lesividade social
IA

consistente na negação da validade da norma é juridicamente relevante. Daí porque a


única função da pena que tem sentido dentro da teoria de que se ocupa é justamente
função preventivo-geral positiva. Para Jakobs, a pena, como equivalente funcional do
ER

consenso, restabelece a validade da norma tanto para a sociedade quanto para o


infrator.

28. Quais críticas a doutrina tece ao funcionalismo radical?


AT

A doutrina critica o funcionalismo sistêmico alegando que ele serve aos estados
totalitários (para alguns, seria uma teoria nazista, fascista), pois cria a noção de direito
penal do inimigo.
M

29. O funcionalismo rechaça o finalismo?


O funcionalismo assevera que o sistema jurídico penal deve se nortear pela
finalidade do direito penal e não pode se vincular a realidades ontológicas previas –
ação, causalidade etc. Nessa medida rechaça o finalismo. Com efeito, os defensores
de um sistema racional-final não só estão de acordo em rechaçar o ponto de partida da
teoria final da ação, mas também partem de um ponto comum, qual seja a hipótese de
que um sistema jurídico penal não pode vincular-se a realidades ontológicas prévias,
como ação ou causalidade, mas única e exclusivamente pode guiar-se pelas
finalidades do direito penal. O rechaço do conceito final de ação se fundamenta
justamente no fato de que uma concepção ontológica de ação não pode ser vinculante

85
a um sistema de direito penal fundamentado em decisões valorativas, além do fato de
que a definição de ação como um controle de cursos causais dirigidos a um
determinado objetivo não se ajusta bem aos delitos imprudentes e omissivos.

30. O que é bem jurídico para o direito penal?


No período pré-iluminista o crime era visto como um pecado, de sorte que com a
sua prática havia a violação da vontade divina. Com a separação entre Estado e Igreja,

O
o crime passou a ser um dano a nação. No período iluminista, Feuerbach busca um
conceito material de crime, e com isso define-o como uma violação de um direito
subjetivo alheio. Em seu ponto de vista, aquele que ultrapassa os limites da liberdade

IT
legal viola um direito, causando uma ofensa (lesão). Com Birnbaum (1834) abandona-
se a definição do crime como violação de direitos subjetivos e inicia-se o conceito de
bem jurídico. O crime passa a ser a ofensa a bens protegidos pela norma. Dessa

TU
forma, os bens jurídicos passam a ser o centro da discussão do crime e não mais os
direitos subjetivos. Contudo, o direito penal somente se preocupa com os bens jurídicos
tidos como os mais importantes para determinada sociedade, em um dado momento
histórico. Assim, o bem jurídico penal pode ser conceituado como um bem ou valor de

RA
relevante significância para uma sociedade, em um determinado momento histórico, a
ponto de merecer a proteção máxima caracterizada na tutela penal.

31. O bem jurídico consiste num limite para o direito penal?


LG
A teoria do bem jurídico é limitadora do poder punitivo estatal na medida em que
ela se presta, essencialmente, a fixar condições em que não se mostra legítima a
intervenção penal. Ao estado só é legítimo utilizar o direito penal para coibir condutas
que provoquem lesões a relevantes bens jurídicos de terceiros.
IA

32. Quais são as teorias que fixam a constituição como parâmetro de


legitimidade para a atuação do poder punitivo?
ER

A doutrina aponta duas correntes teóricas que apontam a constituição como


parâmetro de legitimidade, uma vez que nesta estariam os valores mais relevantes
para a sociedade. A primeira corrente engloba as teorias constitucionais amplas, para
as quais a constituição é apenas um dos parâmetros legítimos para a elaboração da lei
AT

penal, nada impedindo que o legislador proteja bens jurídicos não acolhidos pela
Constituição, mas desde que não afronte seus princípios e valores. Já a segunda, diz
respeito às teorias constitucionais restritas, para as quais os bens jurídicos penais
somente poderiam ser buscados na Constituição, pois esta estabelece os bens mais
M

relevantes para a sociedade.

33. O que é o princípio da exclusiva proteção de bens jurídicos?


O princípio da exclusiva proteção de bens jurídicos é um princípio norteador do
Direito Penal que impede que o Estado venha a utilizar o Direito Penal para a proteção
de bens ilegítimos. Isso porque a missão do direito penal é proteger os bens jurídicos
mais relevantes do homem.
Exemplo de violação ao princípio seria a edição de tipo penal punindo o ateísmo ou
a homossexualidade, na medida em que a CFR defende as liberdades de crença e de
orientação sexual.

86
34. Há outros princípios de direito penal que fazem conexão com a noção de bem
jurídico?
Vários importantes princípios do direito penal estão intimamente relacionados à
noção de bem jurídico. O princípio da fragmentariedade aduz que o direito penal
somente deve proibir as condutas que causem lesões expressivas aos bens jurídicos
mais relevantes para a sociedade, ou seja, deverá proteger apenas um pequeno
fragmento dos interesses humanos.Já o princípio da ofensividade dispõe que só

O
haverá crime se a conduta for apta a ofender determinado bem jurídico. Do princípio
dasubsidiariedade decorre que o direito penal só terá legitimidade para a proteção do

IT
bem jurídico se os outros meios de controle social se mostrarem insuficientes. De
acordo com o princípio da alteridade o direito penal não pode punir a autolesão, assim
apenas a violação a bem jurídico de terceiro pode estar sujeita ao direito penal.

TU
35. Se o princípio da ofensividade exige efetivo perigo ao bem jurídico, como
pode a lei presumir esse perigo?
Exatamente por violação a esse princípio, parte da doutrina faz duras críticas aos

RA
crimes de perigo abstrato, sustentando a inconstitucionalidade de tais tipos penais.

36. Explique o que é a espiritualização do bem jurídico?


A espiritualização, liquefação ou dinamização do bem jurídico é a tendência atual
LG
deutilização do direito penal para a proteção de direitos coletivos, os quais são
extremamente imprecisos e vagos. Essa tendência representa uma expansão
inadequada e ineficaz do poder punitivo. O direito penal acaba não sendo utilizado para
a proteção de bens jurídicos, mas para funções, consistentes em objetivos perseguidos
IA

pelo Estado ou, ainda, condições prévias para a fruição de bens jurídicos individuais.

37. O que são crimes de perigo abstrato?


ER

Na perspectiva da lesão ou risco de lesão ao bem jurídico, os crimes podem ser


classificados em crimes de dano e crimes de perigo. O crime de dano exige, para sua
consumação, uma efetiva lesão ao bem jurídico tutelado pela norma penal. O crime de
perigo, por sua vez, se consuma com a simples produção de um perigo juridicamente
AT

relevante. Os crimes de perigo podem ser classificados em crime de perigo concreto e


crime de perigo abstrato. O perigo será concreto quando a descrição do tipo aludir a
um perigo real de lesão ao bem jurídico, o qual deverá ser comprovado (ex: maus-
tratos, art. 136, CP). No crime de perigo abstrato ou presumido não há necessidade de
M

comprovação de exposição do bem jurídico a uma situação de perigo. O perigo é


presumido de forma absoluta pela legislação.

38. Cite exemplos de crime de perigo abstrato.


Como exemplos de delitos de perigo podem ser citados, o porte de arma de fogo
sem autorização legal, o tráfico de drogas ilícitas a condução de veículo automotor sob
a influência de álcool, uso de moeda falsa.

39. Qual a diferença entre crime de dano e de perigo, se ambos admitem o dano e
o perigo como forma de realização do tipo?

87
No crime de dano, a lesão ao bem jurídico é a principal forma de realização do tipo
(consumação) e o perigo, um modo acessório (tentativa). Assim, nos crimes de dano, a
lesão é, pois, essencial à realização do tipo e o perigo é acidental. Nos crimes de
perigo, por sua vez, o essencial reside na mera exposição do bem jurídico a um perigo
de lesão. O eventual dano é irrelevante para a consumação do delito e configura, a
princípio, exaurimento de um crime já consumado.

40. O que é crime de perigo abstrato de perigosidade real?

O
O crime de perigo abstrato de perigosidade real é uma nova espécie de infração
penal, segundo a qual existiriam não apenas dois tipos de crime de perigo (abstrato e

IT
concreto), mas sim três. No crime de perigo abstrato (ou puro), o risco advindo da
conduta é absolutamente presumido por lei, bastando a violação da norma. Já no crime
de perigo concreto, o risco deve ser comprovado. A acusação tem o dever de

TU
demonstrar que da conduta houve perigo real para vítima certa e determinada. No
crime de perigo abstrato de perigosidade real, o risco ao bem jurídico tutelado deve ser
comprovado, dispensando vítima certa e determinada. É indispensável a superação de
um determinado risco-base ao bem jurídico protegido. Vamos trabalhar essa discussão

RA
com o auxílio de um exemplo: sabemos que o crime de embriaguez ao volante (art. 306
do CTB) é de perigo. Mas de qual espécie? Se de perigo abstrato (ou puro), basta a
condução de veículo sob efeito de álcool, pois o risco advindo da conduta é
absolutamente presumido por lei (haverá crime ainda que ausente a condução anormal
LG
do veículo). Se de perigo concreto, deve ser comprovado que a conduta gerou risco
(condução anormal do veículo), periclitando vítima certa e determinada. Se de perigo
abstrato de perigosidade real, exige-se a prova de condução anormal (rebaixando o
nível de segurança viário), mas dispensa a demonstração de perigo para vítima certa e
IA

determinada. Sem essa perigosidade real para a coletividade, que é concreta,


caracteriza mera infração administrativa. Nesse sentido, pode-se afirmar que o crime
de perigo abstrato de perigosidade real é aquele que não haveria necessidade de
ER

comprovar o perigo para uma pessoa ou grupo determinado, mas apenas um perigo
genérico.

41. O crime de perigo abstrato pode ser considerado constitucional?


AT

A doutrina discute quanto à constitucionalidade dos crimes de perigo abstrato, visto


que a lei acaba por criminalizar a simples desobediência à norma, independentemente
da realização de um perigo concreto. Há casos em que o perigo de lesão é de tal modo
importante que a sua tipificação é plenamente justificável, razão pela qual não cabe
M

afirmar, aprioristicamente, a inconstitucionalidade de todo e qualquer crime de perigo


abstrato.
O problema fundamental reside, portanto, no tipo de perigo que se pretende evitar
e na forma como se realiza essa proteção.
Os crimes de perigo não podem, em princípio, ser punidos com penas superiores
aos correlatos crimes de dano, sob pena de violação do princípio da proporcionalidade,
mesmo porque a criminalização do perigo visa a evitar os delitos de dano, constituindo
antecipação da tutela penal.
De todo modo, é importante pontuar que parcela (Rogério Greco, Luiz Flávio
Gomes, Cezar Roberto Bitencourt, Damásio de Jesus)da doutrina defende que os tipos

88
penais de perigo abstrato violam diversos princípios constitucionais-penais. Essa
corrente doutrinária defende que o delito é, em princípio, um fato típico, que tem na
conduta seu primeiro requisito, de modo que o sujeito responde pelo fato cometido, não
podendo o legislador estender, mediante presunção, a responsabilidade à parte do tipo
não concretizada. Significa que o autor não realiza o tipo por inteiro, uma vez que parte
dele é presumida pelo legislador. Ademais, afirma que o Direito Penal somente deve
atuar como ultima ratio, a fim de limitar a criminalização das condutas para aqueles

O
bens mais importantes para o indivíduo e a sociedade, na tentativa de elidir que
condutas menos relevantes sejam criminalizadas. Sustenta, ainda, que esse tipo penal
por ser presumido pelo legislador, não possibilita prova contrária; o que por si só, fere

IT
os princípios garantistas que estão consagrados no sistema jurídico, como por
exemplo, o princípio da legalidade, da ofensividade, da intervenção mínima, da
presunção de inocência, da culpabilidade, entre outros.

TU
42. Qual a postura do Supremo Tribunal Federal sobre isso?
O Supremo Tribunal Federal e de modo geral os tribunais brasileiros entendem ser
constitucional o crime de perigo abstrato. O Supremo Tribunal Federal já afirmouque se

RA
trada de legítima estratégia de defesa do bem jurídico contra agressões em seu estágio
ainda embrionário, reprimindo-se a conduta, antes que ela venha a produzir um perigo
concreto ou um dano efetivo. O STF entende que o legislador age conforme a
Constituição quando seleciona condutas socialmente perniciosas e potencialmente
LG
lesivas, incriminando-as em seus estágios iniciais. Cuida-se de atividade legislativa,
decorrente da soberania estatal, que não ofende a dignidade da pessoa humana ou a
presunção de não culpabilidade; pelo contrário, trata-se de agir de modo preventivo,
antes que a lesão ao bem esteja consumada.
IA

43. O que são delitos de acumulação?


Delito de acumulação, segundo a doutrina, é aquele delito que isoladamente é
ER

incapaz de lesar o bem jurídico tutelado, mas a soma de várias condutas idênticas se
mostra apta a causar intensa lesão ao bem jurídico. Por este motivo, o legislador pune
a conduta isolada, mesmo sem lesividade aparente. Um exemplo que poderia ser
citado é a pesca proibida em determinada época. Uma pessoa sozinha realizando tal
AT

conduta não traria lesão significativa ao bem jurídico, mas um número expressivo de
pessoas sim, por isso pune-se a conduta de uma só pessoa. A doutrina pontua que,
não havendo lesividade, o que se pune é o desrespeito à norma, ou seja, uma simples
infração do dever (o que se denomina de crime de transgressão), de sorte que esses
M

fatos deveriam ser tratados por outros modos de controle social, como o Direito
Administrativo, do contrário, se estaria diante de uma inadmissível administrativização
do Direito Penal.
Com a punição da mera desobediência à norma, sem qualquer lesão perceptível a
bem jurídico o direito penal passa a ser convertido em primeira primeira ratio, para
defesa das funções estatais.

44. O que é direito de intervenção?


O direito de intervenção é uma doutrina oriunda do direito alemão que sustenta que
para a proteção dos novos bens jurídicos da sociedade moderna deveria ser criado um

89
sistema intermediário, situado entre o direito penal e o direito administrativo, chamado
direito de intervenção. Esse direito seria caracterizado por sanções de natureza
extrapenal e pela flexibilização de garantias processuais, mas com julgamento afeto a
uma autoridade judiciária e não administrativa. Essa corrente critica o direito penal
como forma de controle da nova criminalidade em face de sua ineficácia, pois é voltado
ao indivíduo e não aos grupos, pessoas jurídicas e organizações sociais. Em relação
às autoridades administrativas, sustenta que estas não possuem a independência

O
necessária para aplicação das penalidades. O novo ramo proposto lidaria com maior
sucesso com essa criminalidade moderna, voltando-se para o risco e não para o dano,
de sorte que deve ser célere e de eficácia preventiva, já que eventuais danos podem

IT
ser de grande dimensão.

45. O que são as velocidades do Direito Penal?

TU
As velocidades do Direito Penal devem ser entendidas como ritmos da ação
punitiva estatal. Demonstra a abrangência das ações que podem ser empreendidas
pelo direito penal em resposta às diversas possibilidades comportamentais do
delituoso.

RA
A teoria foi criada pelo jurista espanhol Jesús-María Sanchez, a qual propõe um
dualismo do direito penal (primeira e segunda velocidades) para legitimar sua
expansão.
O direito penal de primeira velocidade seria o direito penal clássico, caracterizado
LG
pela morosidade, pois assegura todos os critérios clássicos de imputação e os
princípios penais e processuais penais tradicionais, mas permite a aplicação da pena
de prisão. Essa forma de direito penal deve ser utilizada quando houver lesão ou perigo
concreto de lesão a um bem individual e, eventualmente, a um bem supraindividual.
IA

O direito penal de segunda velocidade seria o direito penal caracterizado pela


possibilidade de flexibilização de garantias processuais e penais. Nesse âmbito,
admite-se a criação de crimes de perigo presumido e de crimes de acumulação. No
ER

entanto, para esses delitos não se deve cominar a pena de prisão, mas sim as penas
restritivas de direitos pecuniárias.
Por fim, o direito penal de terceira velocidade sustenta que essa velocidade se
caracteriza pela imposição da pena de prisão e flexibilização das regras penais e
AT

processuais. Destina-se a coibir a delinquência patrimonial profissional, a delinquência


sexual violenta e reiterada, crimes organizados e terrorismo. A doutrina aponta que o
direito penal do inimigo é expressão dessa terceira velocidade do direito penal.
A doutrina mais moderna aponta, ainda, a existência de uma quarta velocidade no
M

direito penal, nomeada pelo jurista Daniel Pastor como neopunitivismo. A quarta
velocidade do Direito Penal está ligada ao Direito Internacional. Tem por finalidade
punir aqueles que uma vez ostentaram a posição de Chefes de Estado e como tais
violaram gravemente tratados internacionais de tutela de direitos humanos. O TPI
(Tribunal Penal Internacional) será especialmente aplicado a esses réus. Nessa
velocidade, há uma nítida diminuição das garantias individuais penais e processuais
penais desses réus, defendida inclusive pelas ONGs.

46. O que são mandados de criminalização?

90
A Constituição Federal Brasileira, seguindo o modelo de algumas constituições
europeias, como as da Alemanha, Espanha, Itália, França e da própria Comunidade
Europeia, estabelece mandados explícitos e implícitos de criminalização (ou
penalização). Cuida-se de hipóteses de obrigatória intervenção do legislador penal. Os
mandados de criminalização indicam matérias sobre as quais o legislador ordinário não
tem a faculdade de legislar, mas a obrigatoriedade de tratar, protegendo determinados
bens ou interesses de forma adequada e, dentro do possível, integral. Os mandados de

O
criminalização explícitos contidos na Constituição Federal são encontrados nos artigos
5.°, incisos XLII (racismo), XLIII (tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins,
terrorismo e crimes hediondos) e XLIV (ação de grupos armados, civis ou militares,

IT
contra a ordem constitucional e o Estado democrático), 7.°, inciso X (retenção dolosa
do salário dos trabalhadores), 227, § 4.° (abuso, violência e exploração sexual da
criança ou adolescente), 225 (condutas lesivas ao meio ambiente).

TU
47. Existem mandados de criminalização implícitos?
A doutrina sustenta a existência de mandados implicítos de criminalização,
afirmando que tais mandados decorreriam do princípio da vedação à proteção

RA
deficiente. Segundo este entendimento doutrinário, o princípio da proporcionalidade,
derivado do devido processo legal substancial, possui duas vertentes: vedação ao
excesso e à proteção deficiente, sendo que os mandados implicitos de criminalização
decorreriam dessa segunda vertente, impondo ao legislador a obrigação de legislar de
LG
modo a impedir a protelão deficiente dos direitos estampados no Texto Constitucional.

48. São constitucionais os mandados de criminalização implícitos?


A doutrina traz críticas à tese que sustenta a existência dos mandados implícitos de
IA

criminalização, sustentando que ao se verificar a existência de mandados de


criminalização explícitos na Carta Republicana, o constituinte teria exaurido sua
atuação criminalizante.Outra crítica é no sentido de que o reconhecimento desses
ER

mandados implicaria caminhar em sentido contrário a um direito penal mínimo, calcado


na ultima ratio. O direito penal deve se nortear pelos princípios da intervenção mínima
e da subsidiariedade, atuando apenas quando outras formas de controle não tutelem
de forma adequada os bens jurídicos.
AT

49. Existem mandados de criminalização nos tratados sobre direitos humanos?


A doutrina entende que quando um tratado internacional estampa uma ordem de
tipificação de determinada conduta, ele traz um mandado explicito de criminalização.
M

Caso o comando para atipificação de uma determinada conduta advenha de uma


sentença de determinado tribunal internacional, atribui-se o nome de mandado
internacional implícito de criminalização. Segundo entendimento doutrinário, o direito
internacional dos Direitos Humanos estipulou verdadeiros mandados implícitos de
criminalização por meio do reconhecimento do dever de investigar e punir
criminalmente os autores de violações de direitos humanos. No caso Gomes Lund e
outros vs. Brasil, a Corte Interamericana determinou ao Estado brasileiro que
investigue e puna as violações de direitos humanos perpetradas durante o regime
ditatorial, proferindo, deste modo mandado implícito de criminalização ao Brasil. A
doutrina critica os mandados internacionais de criminalização sob o argumento de que

91
o direito penal é instrumento inidôneo para a proteção de direito humanos, pois se trata
de instrumento odioso de opressão das classes vulneráveis. Ademais, pontua-se que,
atuando, após a pratica do fato delituoso não se mostra adequado à proteção dos
direitos humanos, mostrando-se mais adequada a implementação de políticas públicas
promocionais e de defesa dos direitos humanos.

PONTO 5

O
Tipicidade: tipo penal, conduta (ação e omissão), nexo de causalidade,
resultado.

IT
Imputação objetiva.
Dolo.
Culpa.

TU
1. Qual a função do tipo penal? O que se entende por tipicidade?
A função precípua do tipo penal é descrever objetivamente um comportamento
proibido pelo Direito Penal, limitando e individualizando as condutas relevantes para o

RA
Direito Penal.
A tipicidade pode ser entendida lato senso, como uma expressão que se refere ao
fato típico, primeiro substrato do crime, composto pela conduta, nexo de causalidade,
resultado e tipicidade estrito senso; ou estrito senso, como um dos elementos que o
LG
compõe e que resulta da análise de uma conduta realizada no plano concreto e de seu
posterior enquadramento na previsão abstrata no tipo, ela pode ser objetiva (formal e
material) e subjetiva (dolosa ou culposa). A tipicidade nada mais é do que a subsunção
da conduta concreta na conduta abstratamente prevista no tipo.
IA

2. Conceitue tipicidade objetiva formal e material.


A tipicidade objetiva formal se relaciona com a subsunção a pura letra da lei. Na
ER

adequação típica direta o fato se amolda ao tipo independentemente de qualquer


norma de extensão. Já na indireta, há exigência de uma norma de extensão (ex. crimes
omissivos impróprios, tentativa e concurso de pessoas). A tipicidade material, por sua
vez, está relacionada com o conteúdo da norma proibitiva, ou seja, para que uma
AT

conduta seja penalmente típica é necessário que tenha afetado de forma significativa o
bem jurídico.

3. O conceito de conduta está relacionado com o Garantismo Penal? Como o


M

conceito de conduta evoluiu na teoria do delito?


A impossibilidade de haver crime sem conduta é um dos axiomas do Garantismo
de Ferrajoli, assim uma pessoa somente pode ser reprovada por aquilo que ela faz.
A conduta tal qual como concebida no modelo Causalista referia-se a um
movimento corporal voluntário que produz uma modificação no mundo exterior,
perceptível pelos sentidos. No Neokantismo há uma integração de elementos
valorativos na conduta. Para a teoria Finalista, o dolo e a culpa são transportados para
o fato típico, e assim, a conduta deixa de ser analisada meramente pela voluntariedade
e passa a ser aferida também pela finalidade, passando a ser entendida como
comportamento humano voluntário psiquicamente dirigido a um fim. Já no

92
Funcionalismo Moderado de Roxin, a conduta é tratada como o comportamento
humano voluntário causador de relevante e intolerável lesão ou perigo de lesão ao bem
jurídico tutelado. No Funcionalismo radical de Jakobs, a conduta é o comportamento
humano voluntário causador de um resultado, frustrando as expectativas normativas do
sistema.

4. Quais são as formas de exteriorização da conduta? Como se classificam os


crimes de acordo com essa divisão?

O
A conduta pode se exteriorizar por uma ação ou por uma omissão. O que
determina a classificação em crimes comissivos e omissivos. O crime comissivo nada

IT
mais é do que uma conduta desvaliosa proibida pelo tipo incriminador. O crime
omissivo, por sua vez, representa a não realização (omissão) de determinada conduta
valiosa a que o agente estava juridicamente obrigado, e que lhe era possível

TU
concretizar. Há ainda, os crimes de conduta mista, um tipo penal incriminador
composto de ação seguida de omissão. (ex. apropriação indébita de coisa achada)

5. Como se classificam os crimes omissivos?

RA
A omissão é classificada como omissão própria e imprópria. Na omissão própria há
um tipo mandamental, a própria norma incriminadora descreve a omissão (ex. omissão
de socorro). Na omissão imprópria (crimes comissivos por omissão), o legislador, em
uma clausula geral define a figura o garantidor, que tem o dever de evitar o resultado,
LG
sob pena de responder por sua ocorrência (art. 13, § 2ºCP: quem tenha por lei
obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; de outra forma, assumiu a
responsabilidade de impedir o resultado; com seu comportamento anterior, criou o
risco da ocorrência do resultado).
IA

6. O que se entende por crime omissivo por comissão?


Poucos autores concentrados na doutrina Alemã e Italiana fazem menção a essa
ER

categoria. Em suma tratar-se-ia de uma situação em que o indivíduo autor do crime age
(ação) a fim de impedir que alguém pratique um ato que salvaria o bem jurídico. O
autor do crime impede o agir de outrem que salvaria o bem jurídico, ou seja, com sua
ação produz uma omissão de terceiro. Não é ele quem se omite, mas causa
AT

dolosamente a omissão de terceiro.Ex. do marido que impede o médico de agir e leva


sua esposa à morte. Por meio de sua ação o marido provoca a omissão não desejada
pelo médico.
Fragoso apresenta um rol de autores estrangeiros que fazem referência à
M

modalidade de crimes “omissivos por comissão”, dentre os quais Von Weber, Binding,
Von Overbeck e, no Brasil, Paulo José da Costa Júnior. Não obstante, também indica
vários autores que criticam essa modalidade criminosa, alegando sua absoluta
inconsistência, pois que, na verdade, se trataria de um crime comissivo ou mesmo
omissivo. Entre eles, Petrocelli, Jimenez de Asúa, Von Hippel, Welzel, Armin Kaufmann
e Claus Roxin.

7. O que é nexo de causalidade? Qual a teoria adotada por nosso ordenamento


jurídico? Há algum método para se aferir quais condutas podem ser

93
consideradas causa do crime? Quais críticas podem ser feitas a adoção desta
teoria?
Nexo de causalidade é o vínculo entre conduta e resultado. O art. 13, caput, do CP
determina que o resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável
a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado
não teria ocorrido. De acordo com esse dispositivo, todas as causas concorrentes se
põem no mesmo nível de importância, equivalendo-se em seu valor (teoria da

O
equivalência dos antecedentes causais ou conditio sine qua non). Para fazer essa
aferição recorre-se ao método da “eliminação hipotética dos antecedentes causais”,
segundo o qual causa é todo fato que, se suprimido mentalmente, o resultado não teria

IT
ocorrido como ocorreu ou no momento em que ocorreu. A teoria da equivalência dos
antecedentes causais demonstra um inconveniente que consiste na possibilidade de
regresso ao infinito.

TU
8. O que são concausas? Quais suas modalidades?
As concausas consistem na pluralidade de causas concorrendo para o mesmo
resultado. As concausas podem ser absoluta ou relativamente independentes. As

RA
concausas são absolutamente independentes quando a causa efetiva não se origina da
causa concorrente. Elas podem ser preexistentes, concomitantes ou supervenientes.
As concausas são relativamente independentes quando a causa efetiva se origina
direta ou indiretamente da causa concorrente. Elas também podem ser preexistentes,
LG
concomitantes ou supervenientes.
O art, 13 § 1º prevê que a superveniência de causa relativamente independente
exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores,
entretanto, imputam-se a quem os praticou.
IA

9. No que consiste a Teoria da Imputação Objetiva?


Claus Roxin, partindo das premissas: 1.da necessidade de se desvalorar a ação a
ER

partir de uma opção de política criminal, 2. de que a atribuição de responsabilidade não


pode se restringir a causalidade física e, 3. de que vivemos em uma sociedade de
risco, na qual o direito penal não pode proteger o bem jurídico de todos os riscos, mas
apenas dos riscos proibidos; aponta a necessidade de uma aferição de ordem objetiva
AT

para se imputar um delito a alguém, e da delimitação do alcance do tipo objetivo, a


partir da adoção de critérios essencialmente normativos, desenvolvendo a Teoria da
Imputação Objetiva.
Esta Teoria que surge da sofisticação dos critérios para instrumentalização do
M

princípio da adequação social, para parte da doutrina é um filtro necessário que exclui
os excessos da causalidade e adapta a imputação ao plano de política criminal.

10. Quais os critérios citados para a Imputação Objetiva?


Roxin propõe critérios instrumentais para a imputação objetiva:
1. É necessária a criação ou incremento de um risco juridicamente proibido a partir
de uma perspectiva ex ante. Ou seja, não há imputação objetiva quando o risco é
juridicamente permitido; quando o risco produzido é irrelevante e quando a conduta
objetivamentebusca diminuir o risco ao bem jurídico, o que deve ser aferido no

94
momento em que é ela praticada, mesmo que o resultado já tenha ocorrido (prognose
póstuma objetiva).
2. O resultado deve ser a concretização do risco proibido, dentro do âmbito de
proteção da norma, a partir de uma perspectiva ex post. Logo, não há imputação
objetiva se o resultado jurídico não deriva do risco criado, o que pode ser aferido pelo
exercício do comportamento alternativo conforme o direito, também não há imputação
objetiva se o resultado está fora do âmbito de proteção da norma de cuidado.

O
3. O risco deve estar no alcance do tipo, ou seja, não há imputação se terceiro é
responsável pelo risco no caso concreto. Não há imputação se a gestão do risco é
atribuição de terceiros, nem se a vítima se coloca em perigo livre e conscientemente

IT
sozinha ou com cooperação de terceiro.

11. O que se entende por resultado naturalístico? Como os crimes se classificam

TU
de acordo com essa ótica?
O Resultado naturalístico é a modificação no mundo exterior, perceptível pelos
sentidos, provocada pelo comportamento do agente. De acordo com o resultado
naturalístico os crimes podem ser classificados como “material”, “formal” ou “de mera

RA
conduta”. O Crime material só se consuma com a ocorrência resultado naturalístico (ex.
homicídio). No crime formal, o tipo penal descreve a conduta e o resultado naturalístico,
no entanto resultado naturalístico é dispensável para a consumação, que ocorre com a
simples realização conduta, chamado também de crime de consumação antecipada, se
LG
o resultado ocorre é considerado mero exaurimento, (ex. extorsão). Já no crime de
mera conduta, o tipo apenas descreve a conduta (ex. violação de domicilio).

12. O que é resultado normativo? Como os crimes se classificam de acordo com


IA

essa ótica?
Resultado normativo (ou jurídico) representa a lesão ou perigo de lesão ao bem
jurídico tutelado. Todos os crimes possuem resultado normativo. Classifica-se,
ER

doutrinariamente, o crime quanto ao resultado normativo: Crimes de “dano” e crimes de


“perigo”. Crime de dano ocorre quando a consumação exige efetiva lesão ao bem
jurídico tutelado. Já no crime de perigo, a consumação se contenta com a exposição do
bem jurídico a uma situação de perigo. A doutrina divide os crimes de perigo em:
AT

“perigo concreto”: o risco de dano advindo da conduta deve ser comprovado, ex. art.
130 do CP (perigo de contagem de moléstia venérea); “perigo abstrato”: o perigo
advindo da conduta é absolutamente presumido por lei ex: Tráfico de drogas. Parte da
doutrina ainda fala em crimes de “perigosidade real”, o perigo advindo da conduta deve
M

ser comprovado. No entanto, dispensa a demonstração de risco para pessoa certa e


indeterminada.

13. A criminalização dos crimes de perigo abstrato é constitucional?


Só se pode falar na incidência de um direito penal garantista, subsidiário, ultima
ratio quando há a constatação da violação a um bem jurídico penalmente tutelado,
defende-se a inconstitucionalidade dos crimes de perigo abstrato em razão da violação
ao estado de inocência dos acusados, pois a lei está criando uma presunção contrária
ao réu, e aos princípios da lesividade e ofensividade, uma vez que não se constata

95
efetivo dano relevante ao bem jurídico penalmente tutelado, a ensejar a atuação tão
arbitrária e estigmatizante do direito penal.

14. O que é Tipicidade Conglobante?


O conceito de tipicidade conglobante foi desenvolvido pelo jurista Eugenio Raul
Zaffaroni, a partir premissa de que a tipicidade deve representar proibição a priori. A
tipicidade penal passa a ser composta pela tipicidade formal, acrescida da tipicidade

O
conglobante, esta composta pela antinormatividade e pela tipicidade material.
A antinormatividade representa esta ideia proibição a priori, partindo do dogma da
harmonia interna da ordem jurídica, concluí-se que se o Estado determina ou fomenta

IT
certa conduta, não pode ao mesmo tempo proibi-la, ainda que a priori.

15. Qual a diferença entre a tipicidade conglobante e as causas de exclusão da

TU
ilicitude? Há alteração no entendimento tradicional com relação ao Estrito
cumprimento do dever legal e exercício regular de um direito?
A tipicidade conglobante é um corretivo da tipicidade legal, posto que exclui do
âmbito do típico aquelas condutas que apenas aparentemente estão proibidas. A

RA
função deste segundo passo do juízo de tipicidade penal é de reduzi-la à verdadeira
dimensão daquilo que a norma proíbe, deixando fora da tipicidade penal aquelas
condutas que somente são alcançadas pela tipicidade legal, mas que a ordem
normativa não quer proibir, precisamente porque as ordena ou as fomenta.
LG
A ilicitude surge da tipicidade penal somada a falta de adequação a um tipo
permissivo, ou seja, da circunstância de que a conduta antinormativa não esteja
amparada por uma causa de justificação. É precisamente esta a mais importante
diferença entre a tipicidade conglobante e a justificação: a atipicidade conglobante não
IA

surge em função de permissões que a ordem jurídica resignadamente concede, e sim


em razão de mandatos ou fomentos normativos.
Assim, toda conduta tradicionalmente entendida como estrito cumprimento do
ER

dever legal deverá ser tratada como atípica, por falta de antinormatividade, também
será atípica parcela ora explicada como exercício regular de um direito, quando a
conduta é fomentada pelo estado. Cita-se como exemplo a pratica desportiva e a
cirurgia curativa.
AT

16. Como se dá a Responsabilidade em âmbito criminal?


Em razão do princípio da culpabilidade, somente se pode falar em responsabilidade
penal subjetiva, ou seja, para ocorrer a responsabilidade penal do agente, há que se
M

aferir se houve dolo ou culpa em sua conduta, sob pena de se recair em


Responsabilidade Objetiva. Todos os tipos incriminadores são a principio, dolosos, pois
o dolo está implícito em todos eles, a culpa, por outro lado, precisa de previsão
expressa para que tenha relevância.

17. Conceitue dolo, quais suas teorias e características?


O art. 18, I CP define crime dolosocomo aquele praticado quando o agente quis o
resultado ou assumiu o risco de produzi-lo. O dolo pode ser entendido como a
consciência e vontade na realização do tipo. Ele deve ser contemporâneo à conduta e

96
alcançar todos os elementos do tipo, quanto aos elementos normativos basta o
conhecimento leigo.
São teorias do dolo: 1. Teorias volitivas: a. teoria da vontade: dolo é querer o
resultado, b. teoria do consentimento: dolo é aceitar o risco da produção do resultado;
2. Teorias cognitivas: a. teoria da representação: dolo é fazer a previsão do resultado,
b. teoria da probabilidade: dolo é ter como provável o resultado. Nos termos do art. 18,
I, do CP, o Brasil adota as teorias volitivas.

O
18. Quais as classificações do dolo?
A doutrina estabelece diversas classificações sobre o dolo, dentre elas destacam-

IT
se:
Dolo direito de 1º grau, no qual o agente persegue o resultado típico diretamente
com sua ação, é justamente a representação do resultado que orienta a conduta. Dolo

TU
direto de 2º grau, abrange todos os prováveis e inevitáveis resultados da ação
criminosa, chamado “dolo das consequências necessárias”. Há também o Dolo
eventual que ocorre quando o agente faz a previsão do resultado, mas para se manter
na conduta, assume o risco de produzi-lo.

RA
Dolo indireto (ou indeterminado): o agente, com a sua conduta, não busca
resultado certo e determinado. O dolo indireto tem duas subespécies: i) dolo
alternativo: No dolo alternativo, o agente prevê uma pluralidade de resultados, dirigindo
sua conduta para realizar qualquer deles. ii) dolo eventual: No dolo eventual, o agente
LG
prevê a pluralidade de resultados, dirigindo sua conduta para realizar um deles,
assumindo o risco em relação aos outros.
No dolo cumulativo, o agente pretende alcançar dois resultados, em sequência. É
um caso de progressão criminosa.
IA

No dolo de dano, a vontade do agente é causar efetiva lesão ao bem jurídico. No


dolo de perigo, o agente atua com a intenção de expor a risco o bem jurídico tutelado.
No dolo genérico, o agente tem vontade de realizar a conduta descrita no tipo, sem
ER

um fim específico. No dolo específico, o agente tem vontade de realizar a conduta


descrita no tipo, com um fim específico (ex.: art. 299 do CP).
Dolo geral (ou erro sucessivo): na hipótese de erro sobre o nexo causal em que o
agente, supondo já ter alcançado o resultado visado, pratica nova ação que
AT

efetivamente o provoca.
Dolo normativo é o dolo adotado pela teoria neokantista. Trata-se de elemento da
culpabilidade composto de consciência, vontade e consciência atual da ilicitude. Dolo
natural Para a teoria finalista original, crime é fato típico, ilicitude e culpabilidade. O
M

dolo é analisado na conduta e composto somente de elementos naturais: consciência e


vontade.
Dolo de ímpeto é o dolo repentino: ocorre nos crimes multitudinários, como a rixa.

19. Conceitue tipos culposos, quais suas características?


O tipo culposo não individualiza a conduta pela finalidade criminosa e sim porque,
na forma em que se obtém essa finalidade há a violação de um dever de cuidado.
São elementos do crime culposo: i) conduta voluntária. ii) violação de um dever de
cuidado objetivo: imprudência (descuido comissivo), a negligência (descuido omissivo)
e a imperícia (falta de aptidão técnica para o exercício de arte, ofício ou profissão).

97
Trata-se das chamadas “modalidades de culpa”. iii) resultado naturalístico: O crime
culposo é sempre delito material. Há, entretanto, uma exceção a essa regra (uma
hipótese de crime culposo não material): o art. 38 da Lei de Drogas (Lei nº
11.343/2006). iv) nexo causal entre a conduta e o resultado; v) previsibilidade: é a
possibilidade de conhecer o perigo. vi) tipicidade (art. 18, parágrafo único, do CP: Salvo
os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime,
senão quando o pratica dolosamente).

O
Além disso, para verificação da culpa deve ser observado o “princípio da
confiança”, pois, para evitar excessos, é preciso levar em conta o comportamento dos
demais sujeitos, assim, “quem se comporta devidamente pode confiar que os outros

IT
também o façam”.

20. Quais classificações de culpa?

TU
A doutrina distingue culpa consciente e inconsciente, que recebem o mesmo
tratamento jurídico, na consciente cria-se conscientemente um risco juridicamente
desaprovado, acreditando, porém, que tal não causará a lesão ao bem jurídico e na
inconsciente o agente não prevê a realização do tipo, embora lhe fosse concretamente

RA
previsível.
Na Culpa própria (ou propriamente dita) o agente não quer nem assume o risco de
produzir o resultado. A culpa imprópria, por sua vez, está prevista no art. 20, § 1º, do
CP, deriva de uma descriminante putativa, na qual, apesar de a ação ser dolosa, o
LG
agente responde por culpa por expressa previsão legal.

21. Diferencie dolo eventual de culpa consciente.


No dolo eventual o agente, fazendo a previsão da possibilidade da ocorrência do
IA

resultado, a fim de se manter em sua conduta, assume o risco de produzi-lo. Já na


Culpa Consciente, o agente apesar de fazer a previsão do resultado, acredita que com
suas habilidades conseguirá evitá-lo.
ER

22. O que é crime preterdoloso?


No crime preterdoloso, o agente pratica um crime distinto do que havia projetado
cometer, advindo resultado mais grave, em decorrência de culpa. Cuida-se de espécie
AT

de crime qualificado pelo resultado, havendo concurso de dolo (no antecedente) e


culpa (no consequente). Ou seja, é uma figura híbrida.

23. O dolo e a culpa sempre integraram a tipicidade? Explique situando as teorias


M

do delito.
Nem sempre o dolo e a culpa integraram a tipicidade. É possível traçar uma
evolução da tipicidade histórica da teoria do delito.
Em um primeiro momento Causalista, no modelo Listz-Beling, o injusto configurava-
se como a causação física de um resultado socialmente danoso, e a culpabilidade
como sua causação psíquica, que assumia a forma de dolo ou culpa. Em um segundo
momento, Neokantista, com as contribuições de Mezger, o injusto passa a ser
concebido como um juízo de desvalor do ato e a culpabilidade, a reprovação deste ato
desvalorado que se faz do autor, por ser exigível sua atuação de maneira diversa, dolo
e culpa ainda situavam-se na culpabilidade.O dolo neokantista era normativo,

98
composto pela consciência, vontade e consciência atual da ilicitude. Somente no
Finalismo, com Hans Welzel, a ação passa a ser considerada uma conduta final (o
homem, prevendo as consequências possíveis de suas atividades, elege fins diversos
e dirige sua ação conforme seu plano). Dessa forma, o dolo e a culpa foram
reconhecidos na tipicidade. Manteve-se na tipicidade o conteúdo do ponto de vista
objetivo, mas incorporou-se a face subjetiva. Daí a expressão “tipicidade complexa”.
Importante referir que o dolo reconhecido na tipicidade é o dolo natural, composto

O
apenas da consciência e da vontade, a consciência da ilicitude que compunha o dolo
normativo, permanece na culpabilidade na forma de “potencial consciência da ilicitude”.

IT
24. Quais as causas excludentes de tipicidade?
As causas excludentes de tipicidade são as que interferem em seus elementos:
Excluem a conduta: o caso fortuito, a força maior, a involuntariedade e a Coação

TU
física irresistível.
O dolo e a culpa podem ser afastados pelo Erro (Ponto 9).
A tipicidade material, por sua vez, pode ser afastada pelos princípios da
insignificância e da adequação social: o princípio da insignificância estabelece que

RA
embora o fato esteja formalmente previsto em lei, não será típico materialmente, pois
não houve lesão grave para o bem jurídico tutelado. O fato é atípico.Já segundo o
Princípio da adequação Social, embora o fato esteja formalmente previsto em lei, não
será típico materialmente, pois não há real desvalor da ação, tendo em vista a
LG
tolerância da sociedade com relação àquela conduta (ex. brincos em bebês).
São excludentes da tipicidade ainda, o arrependimento eficaz e a desistência
voluntária e o crime impossível. Oarrependimento eficaz e a desistência voluntária
excluem a tipicidade mediata da tentativa, no entanto, permite que o agente seja
IA

punido pelos atos já praticados, se típicos. O Crime impossível exclui a configuração do


crime tentado, quando por ineficácia absoluta do meio ou absoluta impropriedade do
objeto o crime jamais se consumaria. Não há qualquer punição, pois o fato é atípico.
ER

PONTO 6
Ilicitude: conceito. O injusto penal.
AT

Direito Penal e moral.


Excludentes da ilicitude.

1. Qual o conceito de ilicitude?


M

Segundo Francisco de Assis Toledo, Ilicitude é a relação de antagonismo que se


estabelece entre uma conduta humana voluntária e o ordenamento jurídico, de modo a
causar lesão ou expor a perigo de lesão um bem jurídico penal.

2. Fale sobre direito penal e moral.


A separação entre o direito e a moral é uma conquista da civilização e considerada
por Ferrajoli um dos pilares do garantismo penal. A distinção entre a moral e o direito,
segundo Kelsen, não pode ser encontrada naquilo que as duas ordens sociais
prescrevem ou proíbem, mas no como elas prescrevem ou proíbem uma determinada
conduta humana. A diferença entre ordem jurídica e moral é de forma e não de

99
conteúdo. Os princípios que regem o direito penal serviram de baliza para delimitar
quais condutas morais serão ou não previstas como tipos penais. Pelo princípio da
legalidade, ações moralmente reprováveis, mas não previstas como crime não serão
punidas. Pelo princípio da fragmentariedade e subsidiariedade somente parte das
condutas moralmente reprováveis serão consideradas crimes e somente serão crimes
os fatos que outras formas de controle social não conseguiram evitar. Pelo princípio da
alteridade, não serão criminalizadas condutas que não lese bens jurídicos de terceiros.

O
Por fim, somente serão criminalizados condutas e não estados de pessoas, separando
o direito penal do fato do direito penal do autor.

IT
3. Quais são as causas de exclusão de ilicitudes previstas no CP e por que
outros nomes elas são conhecidas?
As causa de exclusão de ilicitude, também conhecidas como causas de justificação

TU
ou tipos permissivos, são: legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento
do dever legal e exercício regular do direito.

4. Existem causas excludentes de ilicitude não previstas no CP?

RA
Parte da doutrina entende que existem causas supralegais de exclusão de ilicitude.
O consentimento do ofendido é uma dessas causas.

5. Quais os requisitos para que o consentimento do ofendido seja considerado


LG
uma causa supralegal de exclusão de ilicitude?
Os requisitos são o consentimento livre e consciente do significado e
consequências de tal consentimento; que o bem jurídico seja disponível; que a conduta
se mantenha nos limites do consentimento; e que a oposição do ofendido não seja
IA

elementar do tipo.

6. Caso o consentimento seja elementar do tipo penal, sua ocorrência não exclui
a ilicitude?
ER

Não, a análise da ilicitude exige uma conduta típica. O consentimento do ofendido


nestes casos exclui a própria tipicidade.
AT

7. Exige-se o elemento subjetivo nas causas excludentes de ilicitude?


Para maioria da doutrina, é necessário o agente tenha consciência e vontade de
agir com fundamento nestas causas.
M

8. Qual o conceito de legitima defesa?


Legitima defesa é uma causa de exclusão da ilicitude pelo qual a pessoa, usando
moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a
direito seu ou de outrem.

9. quais são os requisitos da legítima defesa?


Os requisitos da legítima defesa são a agressão injusta, atual ou iminente a direito
próprio ou alheio; defesa contra esta agressão, emprego moderado dos meios
necessário e consciência e vontade de se defender.

100
10. O que é excesso de legítima defesa exculpante?
É causa de exclusão da culpabilidade, por inexigibilidade de conduta diversa, que
ocorre quando há excesso na legitima defesa em razão do medo, susto ou perturbação
dos sentidos decorrentes da injusta agressão.

11. Quais os requisitos do estado de necessidade?


Situação de perigo concreto e atual a bens jurídico decorrente de processo causal

O
irrefreável que não tenha sido originado pelo agente de maneira voluntária, em que
seja impossível salvar todos os bens em perigo e em que o agente sacrifique o bem
superior ou igual, próprio ou alheio, em prejuízo do menor alheio.

IT
12. O estado de necessidade pode ser invocado por quem causou culposamente
o perigo?

TU
Doutrina diverge, mas se pode defender que sim. O artigo 24 do CP menciona
quem voluntariamente causou o perigo, referindo-se, portanto, ao dolo.

13. O que é estado de necessidade agressivo?

RA
É uma das formas do estado de necessidade em que a conduta lesiva recai sobre
direito de quem não causou o perigo. Do mesmo modo, entende-se por estado de
necessidade defensivo quando a perigo conduta lesiva recai sobre direito de quem
causou o perigo.
LG
14. Diferencie excesso extensivo de excesso intensivo?
O excesso extensivo ocorre quando a pessoa atuando em legitima defesa continua
agindo após ter cessado as agressões. Já o intensivo ocorre enquanto persiste a
IA

agressão, mas não usa do meio adequado ou não age com moderação.

15. Pode-se falar em estrito cumprimento do dever legal quando o policial atira e
mata um suspeito?
ER

Não, não existe previsão legal para policiais atentarem contra a vida das pessoas.
No máximo poderá configurar legitima defesa, caso preenchido os requisitos para esta.
AT

16. Em qual causa de exclusão da ilicitude se encaixam as intervenções médicas


ou cirúrgicas, a violência esportiva e os ofendículos.
As intervenções e a violência esportiva são consideradas pela doutrina como
exercício regular do direito. Já os ofendículos são considerados exercício regular do
M

direito no momento de sua fixação e legitima defesa preordenada quando são


utilizados.

17. Quais teorias consideram as situações anteriormente citadas como


excludentes da tipicidade?
A teoria da tipicidade conglobante, de Zaffaroni, e da imputação objetiva,
consideram que tais condutas são atípicas.

18. Por quê?

101
A primeira considera que situações permitidas pelo ordenamento jurídico ou
incentivadas pelas práticas sociais não podem ser consideradas crimes. Já a segunda,
por serem riscos permitidos, são condutas atípicas.

PONTO 7
Culpabilidade: conceito, evolução histórica, estrutura.
Princípio da culpabilidade.

O
Culpabilidade e liberdade.
Culpabilidade e periculosidade.

IT
Culpabilidade e vulnerabilidade.
Direito Penal do fato e Direito Penal do autor.
Imputabilidade.

TU
Inexigibilidade de conduta diversa.
Excludentes da culpabilidade.

1. Conceitue culpabilidade.

RA
Como conceito geral pode-se afirmar que a culpabilidade é a reprovabilidade do
injusto ao autor do crime. Um injusto, isto é, uma conduta típica e antijurídica, é
culpável quando é reprovável ao autor a realização desta conduta porque não se
motivou na norma, sendo exigível, nas circunstâncias em que agiu, que nela se
LG
motivasse. Ao não se ter motivado na norma, quando podia e lhe era exigível que o
fizesse, o autor mostra uma disposição interna contrária ao direito. (Zaffaroni).

2. Evolução teórica do conceito de culpabilidade.


IA

a) Teoria psicológica da culpabilidade: é relação psicológica entre a conduta e o


resultado – não resolve o problema da culpa, o da imputabilidade e o da necessidade
exculpante.
ER

b) Teoria complexa: é reprovabilidade, mas conserva os componentes


psicológicos, como o dolo entendido como: a) conteúdo não desvalorado (Reinhardt
Frank); b) pressuposto da culpabilidade (Goldschmidt); c) conteúdo desvalorado
(Mezger). Seu conteúdo heterogêneo coloca no mesmo plano o dolo e a culpa, que
AT

reprova, e a reprovação que a eles faz.


c) Teoria normativa: é reprovabilidade, que pressupõe possibilidade de
compreensão da antijuridicidade da conduta, e que o âmbito de determinação do
sujeito tenha tido certa amplitude.
M

3. O vem a ser direito penal de periculosidade? Estabeleça contrapontos entre o


direito penal de culpabilidade e o direito penal de periculosidade.
O direito penal de periculosidade sustenta que o homem é um ser que somente se
move por causas, isto é, determinado, que não goza de possibilidade de escolha, que a
escolha é uma ilusão e que, a realidade, sempre atuamos movidos por causas, sem
que nossa conduta se distinga dos outros fatos da natureza, nessa concepção não
haverá lugar para a culpabilidade. Dentro desse pensamento, a culpabilidade será uma
enteléquia, o reflexo de uma ilusão. Por conseguinte, em nada servirá para a

102
quantificação da pena. Somente será considerado o grau de determinação que tenha o
homem para o delito, ou seja, a periculosidade.
Contrapontos:
Direito penal de culpabilidade Direito penal de periculosidade
O homem pode escolher O homem está determinado
Se pode escolher, pode ser Se está determinado, pode-se
censurado (culpabilidade) constatar em que medida o está

O
(periculosidade)
A pena retribui a culpabilidade A pena ressocializa neutralizando a
periculosidade

IT
O limite da pena é o grau de O limite da pena é o grau de
culpabilidade periculosidade

TU
4. O que é direito penal do autor? Relacione com a culpabilidade pela conduta de
vida.
Pode-se dizer que direito penal do autor é uma corrupção do direito penal, em que
não se proíbe o ato em si, mas o ato como manifestação de uma “forma de ser”, esta

RA
sim considerada verdadeiramente delitiva. O ato teria valor de sintoma de uma
periculosidade; o proibido e reprovável ou perigoso, seria a personalidade e não o ato.
Dentro dessa concepção não se condena tanto o furto, como o “ser ladrão”, não se
LG
condena tanto o homicídio como o ser homicida, o estupro, como o ser delinquente
sexual etc.
Nota-se que o direito penal do autor, via de regra, é um direito penal de
periculosidade.
Entretanto, mesmo dentro do direito de culpabilidade, há posições bastante
IA

antitéticas e inconciliáveis: a culpabilidade de ato e a culpabilidade de autor. A


culpabilidade de autor também é chamada de culpabilidade pela conduta de vida.
Exemplifica-se: diz-se que quando um homem comete um homicídio e trata-se de um
ER

sujeito que tem maus hábitos e reações violentas e imoderadas, é mais culpável que
quando o mesmo homicídio é cometido por alguém que não tem esse tipo de reações,
mas que, ao contrário, é mais calmo e pacífico.
AT

5. O que é coculpabilidade?
No interior da sociedade complexa há sujeitos que têm um menor âmbito de
autodeterminação, condicionado dessa maneira por causas sociais. Não será possível
atribuir estas causas sociais ao sujeito e sobrecarrega-lo com elas no momento da
M

reprovação de culpabilidade. Costuma-se dizer que há, aqui, uma “coculpabilidade”,


com a qual a própria sociedade deve arcar.

6. O que é culpabilidade?
É o juízo de censura pelo mau uso da liberdade. Na doutrina moderna,
culpabilidade é o juízo de reprovação sobre aquele que pode e deve agir de acordo
com o direito. Crítica ao conceito - A liberdade é indemonstrável. Argumenta Roxin que
se levada a sério a dúvida sobre a existência de liberdade absolveria todos os réus
pelo in dubio pro réu. Para o autor a culpabilidade deve ser substituída por
motivabilidade.

103
7. O que é coculpabilidade?
A coculpabilidade nega a premissa de plena liberdade a todos. São várias as
causas sociais que condicionam o agente à conduta delituosa. A sociedade deve dividir
com o sujeito a carga de reprovação, amenizando a culpabilidade individual. O direito
penal é seletivo e assim deve ser analisada a vulnerabilidade do sujeito, quanto mais
próximo do estereótipo vulnerável maior é a co-culpabilidade e menor deve ser sua
censura.Muitos criticam que temos no Brasil umaco-culpabilidade às avessas, ou

O
seja, o direito penal éespecialmente intenso com as camadas mais vulneráveis da
população.

IT
8. Quais as teorias da culpabilidade ?
As teorias são:

TU
i. teoria psicológica da culpabilidade – Essa teoria tem base causalista. Para
essa teoria, a culpabilidade é a relação psíquica entre o autor e o resultado. A
culpabilidade pode ser de 2 espécies, a depender dessa relação psíquica: (i)
culpabilidade-dolo; (ii) culpabilidade-culpa. A culpabilidade pressupõe apenas a

RA
imputabilidade do agente;
ii. teoria psicológica normativa – Essa teoria tem base neokantista. Para essa
teoria, a culpabilidade deixa de ser puro vínculo psicológico (como a teoria psicológica)
e passa a exigir a consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa. Nessa
LG
teoria, a culpabilidade não se divide. Tem como pressupostos: imputabilidade,
exigibilidade de conduta diversa, culpa e dolo. O dolo, por sua vez, tem 3 elementos: (i)
consciência (sabe o que faz); (ii) vontade (quer fazer); e (iii) consciência atual da
ilicitude (sabe que o que faz e quer contrariar o ordenamento jurídico) – este é o
IA

elemento normativo do dolo – É o chamado DOLO NORMATIVO (ou DOLO


COLORIDO);
iii. teoria normativa pura ou extremada da culpabilidade – Essa teoria tem base
ER

finalista. O dolo e a culpa migram para o fato típico. São pressupostos da culpabilidade:
(i) imputabilidade; (ii) exigibilidade de conduta diversa; (iii) potencial consciência da
ilicitude (que era o elemento normativo do dolo para a teoria psicológica normativa).
Conclusão: o dolo que migra para o fato típico não é o dolo normativo, porque o dolo
AT

que migra é despido de seu elemento normativo, que passa a fazer parte da
culpabilidade. O dolo que migra para o fato típico (despido do elemento normativo) é o
dolo natural, composto somente de consciência e vontade. A consciência da ilicitude é
elemento ou pressuposto da culpabilidade;
M

iv. teoria limitada da culpabilidade – Essa teoria parte das mesmas premissas da
teoria normativa pura, divergindo somente quanto à natureza jurídica da descriminante
putativa sobre pressupostos fáticos (se erro de tipo ou erro de proibição).

9. Quais são os elementos da culpabilidade?


Os elementos da culpabilidade, nos moldes da teoria finalista, são: i.
imputabilidade; ii. potencial consciência da ilicitude; iii. exigibilidade de conduta diversa.

10. Em que consiste a imputabilidade? Quais os critérios adotados no Brasil?

104
A imputabilidade é o primeiro elemento da culpabilidade e consiste na
possibilidadede se atribuir, imputar o fato típico e ilícito ao agente. No Brasil são
quatro as causas consagradas de inimputabilidade: a) menoridade, critério
cronológico etário (teoria biológica); b) silvícola não adaptado, aplica-se o estatuto do
índio, realização de perícia antropológica que demonstre a não adaptação ( teoria
biopsicologica) – O STF em 2005 rechaçou essa ideia de índio isolado não ter potencial
consciência de ilicitude; c) embriaguez acidental completa (biopsicológica);d) doença

O
mental mais incapacidade de compreender e determinar-se de acordo com a conduta
do art. 26, CP (teoria biopsicológica).

IT
11. Fale sobre as consequências da inimputabilidade e da semi-imputabilidade.
O inimputável que pratica fato típico e antijurídico recebe medida de segurança. Já
o semi-imputável será condenado e receberá pena reduzida ou será a mesma

TU
substituída por medida de segurança.

12. Fale sobre causas que não excluem a imputabilidade no direito penal embora
possam refletir no grau de liberdade da conduta?

RA
O art. 28 do CP estabelece causas que não excluem a imputabilidade, quais sejam:
i. emoção e paixão; ii. embriaguez voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de
efeitos análogos. Sobre a embriaguez, temos que ela se trata de intoxicação transitória
causada pelo álcool ou substância de efeitos análogos, como repercussão no
LG
psiquismo da pessoa, podendo afetar a sua capacidade intelectiva ou volitiva. Espécies
de embriaguez: i. embriaguez acidental – decorrente de caso fortuito ou força maior;
ii. embriaguez não acidental – voluntária (o agente quer se embriagar) ou involuntária
(culposa); iii. embriaguez patológica – é a embriaguez doentia; iv. embriaguez
IA

preordenada – é a embriaguez voluntária para a prática do crime. Emoção é o estado


afetivo que acarreta na perturbação transitória do equilíbrio psíquico tal como na ira,
medo alegria cólera, ansiedade, prazer erótico, surpresa, vergonha. A paixão é a
ER

emoção mais intensa, ou seja, perturbação duradoura do equilíbrio psíquico. Exemplos:


amor, inveja, avareza, ciúme, vingança, ódio, fanatismo, ambição. Sobre a embriaguez,
temos que ela se trata de intoxicação transitória causada pelo álcool ou substância de
efeitos análogos, como repercussão no psiquismo da pessoa, podendo afetar a sua
AT

capacidade intelectiva ou volitiva. Espécies de embriaguez: i. a embriaguez “acidental


completa” isenta o agente de pena (art. 28, § 1º, CP); ii. aembriaguezacidental
incompleta acarreta uma diminuição de pena(art. 28, § 2º, CP); iii. aembriaguez
patológica completa exclui a imputabilidade(art. 26, caput, CP); iv. a embriaguez
M

patológica incompleta é caso de semi-imputabilidade (art.26, parágrafo único, CP);


v. embriaguez preordenada é agravante de pena (art. 61, CP).

13. Qual o fundamento para a punição da embriaguez não acidental e embriaguez


preordenada mesmo quando completa? E qual a crítica a adoção dessa teoria?
O fundamento para se punir a embriagueznão acidental (vontade de se
embreagar) e a embriaguez preordenada (vontade de se embreagar e de praticar o
delito), mesmo quando completa, isto é, quando o agente claramente não tem
capacidade de entendimento e autodeterminação no momento da conduta, é a adoção
da TEORIA DA ACTIO LIBERA IN CAUSA: o ato transitório revestido de inconsciência

105
(momento do crime em que o agente se encontra embriagado) decorre de ato
antecedente que foi livre na vontade (momento da ingestão da bebida), transferindo-
se para esse momento anterior a constatação da imputabilidade e da
voluntariedade.
Critica pela tese de defensoria: Fernando Galvão afirma que “ao considerar
imputável o agente que se embriagou proposital ou culposamente, mas não pretendia
cometer crimes ou não podia prever sua prática, a teoria da “actio libera in causa”,
materializa hipótese de responsabilidade penal objetiva, ferindo o princípio do nullun

O
crimen sine culpa (princípio da culpabilidade).

IT
14. O que é a potencial consciência da ilicitude? Fale sobre o erro de proibição.
A potencial consciência da ilicitude é o 2º elemento da culpabilidade e consiste na
possibilidade que tem o agente imputável de compreender a reprovabilidade da sua

TU
conduta. Não se exige do sujeito ativo uma compreensão técnica, um conhecimento
jurídico sobre o evento, mas apenas uma percepção leiga de que o seu
comportamento contraria o direito (o que é certo).
É possível, no entanto, que o agente, mesmo conhecendo a lei, incida em erro de

RA
proibição, valorando equivocadamente a reprovabilidade da sua
conduta(VALORAÇÃO PARALELA DA ESFERA DO PROFANO). Sãos 3 situações
possíveis:
LG
i. o agente, apesar de ignorar a lei, conhece a reprovabilidade da sua conduta.
Conclusão: não configura erro de proibição. Ex.: Fulano não conhecendo que o
desrespeito ao hino nacional é contravenção penal prevista no art. 35 da Lei 5700/71,
passa zombar da letra, sabendo que seu comportamento é socialmente reprovável;
ii. o agente conhece a lei, mas ignora a reprovabilidade do comportamento.
IA

Conclusão: pode alegar erro de proibição. Ex.: Fulano, mesmo sabendo que homicídio
é crime, acredita que o tipo penal não alcança a eutanásia. Se o erro é inevitável, ele
fica isento de pena. Se o erro é evitável, diminuição de pena.
ER

iii. o agente ignora a lei e a reprovabilidade de seu comportamento. Conclusão:


pode alegar erro de proibição. Ex.: Fulano fabrica açúcar em casa, ignorando a
reprovabilidade de seu comportamento e não conhecendo o crime previsto no artigo 1º
do Decreto-lei 16/66. Se o erro for inevitável, há isenção de pena. Se o erro for evitável,
AT

há diminuição de pena.
Pergunta de aprofundamento: o que é a valoração paralela da esfera do
profano?
Diz-se profano aquele não conhecedor da ciência do Direito, cujas concepções do
M

que seja legal e ilegal são diretamente influenciadas pela classe social, pelos valores
morais e culturais, pela crença religiosa etc. Tal indivíduo desconhece a ilicitude de
alguns tipos normativos, podendo vir a praticar fato típico, ilícito, mas não culpável. A
esse comportamento denominamos de valoração paralela na esfera do profano.
O nosso ordenamento adotou a teoria limitada da culpabilidade, assim, a falta da
potencial consciência da ilicitude é conhecida como erro de proibição, isto é, uma
suposição equivocada de que um dado comportamento é lícito.
Cabe ao juiz examinar em cada caso concreto se o agente tinha capacidade de
entender ou de querer e, ademais, se tinha possibilidade de ter consciência da ilicitude,
ainda que seja nos limites de sua capacidade de compreensão do injusto -numa

106
'valoração paralela na esfera do profano' (Mezger, Tratado de derecho penal, trad. de
1955), isto é, valoração do injusto levada a cabo pelo leigo, de acordo com sua
capacidade de compreensão.

15 . Qual a diferença entre erro de proibição direto e erro de proibição indireto?


Erro de proibição direto = o agente se equivoca quanto ao CONTEÚDO de uma
norma proibitiva, ignorando a sua existência ou o seu âmbito de incidência. Todos os
exemplos acima são de erro de proibição direto.Erro de proibição indireto = o agente

O
sabe que a conduta é típica, mas supõe presente uma NORMA
PERMISSIVA(excludente de ilicitude). Exemplo: Fulano, agredido por um tapa, acredita

IT
estar autorizado a revidar com um disparo de arma de fogo.

16. Quais as hipóteses que excluem a exigibilidade de conduta diversa? Existem

TU
causas supralegais?
Para a reprovação social, não basta que o autor do fato lesivo seja imputável e
tenha a possibilidade de reconhecer o caráter ilícito, exigindo-se, ainda, a
possibilidade de atuar de acordo com o ordenamento jurídico, se exigindo dele

RA
uma conduta diversa diante da situação delituosa. As causas de exclusão
(dirimentes) de exigibilidade de conduta diversa são previstas pelo art. 22, CP:
i. coação irresistível – trata-se de coação moral (a coação física irresistível exclui
a conduta). Essa coação deve ser IRRESISTÍVEL, sendo que coação moral resistível
LG
pode configurar atenuante de pena (art. 65, III, “c”, CP). Consequências: só é punível
o autor da coação – a responsabilidade penal desloca-se do coagido para o coator. Ex.:
Fulano constrange de forma irresistível Beltrano para matar Ciclano. Beltrano, sofrendo
coação moral mata Ciclano. Fulano responde por homicídio na condição de autor
IA

mediato + tortura (art. 1º, I, “d”, Lei 9.455/97) – concurso material, porque ele primeiro
tortura e depois Beltrano mata Ciclano;
ii. obediência hierárquica – requisitos: (i) ordem de superior hierárquico –
ER

manifestação de vontade emanada de um detentor de função pública dirigida a um


agente público hierarquicamente inferior. Atenção: outras relações que não públicas
não permitem essa dirimente – não abrange subordinação doméstica (pai/filho),
subordinação eclesiástica (bispo/sacerdote) ou particular (diretor de uma empresa/sua
AT

secretária); (ii) ordem não manifestamente ilegal – ordem não claramente, não
evidentemente ilegal. Atenção: de acordo com Noronha, não só a ordem, mas também
as circunstâncias atinentes ao executor (rusticidade, atraso, tempo de serviço), tudo em
conjunto, há de ser apreciado no caso concreto. Consequências: só é punível o autor
M

da ordem (a responsabilidade penal desloca-se do subordinado para o superior, autor


da ordem) – caso Carandiru. Também é caso de autoria mediata.
O legislador não consegue prever todos os casos em que é inexigível do agente
conduta diversa, admitindo-se hipóteses não previstas em lei (causas supralegais
de exclusão da culpabilidade). Exemplos: i. gestante que pratica nela mesma o
aborto resultante de estupro; ii. desobediência civil – atos de insubordinação que têm
por finalidade transformar a ordem estabelecida, demonstrando a sua injustiça e
necessidade de mudança. Requisitos: (i) proteção de direitos fundamentais; (ii) dano
causado não relevante; (iii) MST, estudantes da USP na reitoria.

107
17. Qual o conceito de inexigibilidade de conduta diversa para Roxin?
No funcionalismo de Roxin a inexigibilidade de conduta diversa não é interpretada
sob parâmetros morais, mas sim de utilidade e necessidade de pena. Partindo dessa
premissa, ROXIN arrola causas supralegais como: o fato de consciência, a
desobediência civil em movimentos populares e o conflito de deveres na escolha do
mal menor.

18. Conceitue imputabilidade penal e aponte os seus elementos.

O
A imputabilidade penal é a capacidade mental, inerente ao ser humano, de, ao
tempo da ação ou omissão, compreender o caráter ilícito do fato e de determinar-

IT
se de acordo com esse entendimento.
Diante desse conceito, extraem-se dois elementos: o intelectivo, consistente na
integridade biopsíquica (perfeita saúde mental) que permite ao indivíduo identificar

TU
a ilicitude do fato; e o volitivo, ou seja, o domínio da vontade, o controle do agente
sobre seus impulsos relativos ao caráter ilícito do fato e à determinação do seu
comportamento.

RA
19. Quais são as hipóteses de inimputabilidade arroladas pelo Código Penal? E
quais os critérios de identificação relativos a cada uma delas?
São cinco as hipóteses:
(i) menoridade;
LG
(ii) doença mental;
(iii) desenvolvimento mental incompleto;
(iv) desenvolvimento mental retardado;
e (v) embriaguez completa e fortuita.
IA

O critério para constatação da inimputabilidade em relação à menoriedade é o


puramente biológico (ou cronológico ou etário), ao passo que em relação às demais
causas é o biopsicológico.
Obs.: para o índio não adaptado, temos como consequência a aplicação do
ER

Estatuto do Índio. Alguns criticam esta previsão para o índio, pois não teria fator nem
biológico, nem psicológico (não tem desenvolvimento mental incompleto ou
incapacidade de autodeterminação). Não se justificaria arrolar os indígenas entre os
AT

inimputáveis, pois não há fatores biopsíquicos que justifiquem tal condição. O simples
fato de ser índio não implica em exclusão de imputabilidade. A condição de índio não
integrado não gera presunção de incapacidade penal, mas, diante do caso concreto, a
sua não integração pode excluir a culpabilidade por ausência de potencial consciência
M

da ilicitude ou inexigibilidade de conduta diversa


Obs.1: Para Welzel, é equívoca a classificação biopsicológica. Na verdade, o que
chamamos de fatores biológicos, são vetores sociológicos e dos ditos psicológicos são
normativos.

20. Há distinção entre a sanção penal imposta ao inimputável e ao semi-


imputável? Em caso afirmativo, demonstre-a.
Há distinção. Em relação ao inimputável, há um juízo de periculosidade, pelo
qual, reconhecendo-se seu envolvimento em um fato típico e ilícito, será, em sentença

108
absolutória imprópria, aplicada medida de segurança (internação ou tratamento
ambulatorial).
Por sua vez, o semi-imputável é submetido a juízo de culpabilidade e
comprovada a prática da infração penal, ser-lhe-á imposta a pena, em sentença
condenatória, com redução de 1/3 a 2/3. O magistrado poderá, ante a necessidade de
especial tratamento curativo, substituir a pena por medida de segurança.
Interessante notar que a pena deve ser fixada, reduzida e, se for o caso, convertida

O
em medida de segurança. O procedimento é importante para a) fixar base de cálculo
para prescrição executória e b) posição minoritária na doutrina, sustentada nas
defensorias, que o prazo máximo da medida de segurança, não pode superar a pena

IT
fixada e substituída, sob risco de sancionar o sujeito pelo que ele é e não pelo que fez.
O CP adota o sistema unitário ou vicariante:
Inimputável Semi-inimputável

TU
Absolvição imprópria Condenação
Não interrompe a prescrição Interrompe a prescrição
A sentença não serve como título A sentença serve como título
executivo executivo

RA
Lembrando que os sistemas que regem as medidas de segurança são:
i. sistema vicariante ou unitário: o semi-imputável ou cumpre a pena diminuída
ou cumpre a medida de segurança – é o adotado hoje – é impossível cumular pena e
LG
MS;
ii. sistema do duplo binário:era o sistema vigorante no CP antes da reforma da
Lei 7.209/84. Com tal reforma, o sistema passou a ser o vicariante. O duplo binário, ou
dupla via, era o sistema pelo qual o semi-imputável perigoso cumpria inicialmente a
pena privativa de liberdade e, ao final desta, se subsistisse a periculosidade, aplicava-
IA

se a MS.

21. Quais as modalidades de embriaguez? Discorra sobre a relação de cada uma


ER

delas com a imputabilidade penal.


São as seguintes modalidades:
(i) Preordenada: sujeito se embriaga para tomar coragem, para se descontrolar.
Consequência: é uma agravante (art. 61, II, l, CP).
AT

(ii)Voluntária ou Culposa: melhor seria falar em intencional, aquele em que o


sujeito quer se embriagar. Culposa – embriaga-se por descuido. Consequência: art. 28,
II, CP, a embriaguez voluntária ou culposa não afasta culpabilidade. Há quem divida
voluntária e culposa em modalidades distintas.
M

(iii) Acidental: é aquela que decorre de caso fortuito ou força maior. Exemplo
de força maior pode ser o trote de faculdade. Se for completa, afasta culpabilidade,
se incompleta, diminui a pena (art. 28, § 2º, CP).
(iv) Patológica: alcoolismo, que é doença mental, pode gerar
inimputabilidade do art. 26 (mas não gera inimputabilidade por embriaguez). O critério é
biopsicológico deve perder também a capacidade de autodeterminação.
Nas modalidades voluntária e culposa, considerando a vontade livre do indivíduo
de ingerir substância alcoólica ou que cause dependência, ele é imputável. O mesmo
se verifica em relação à embriaguez preordenada ou dolosa, que, além de não excluir a
imputabilidade penal, funciona como agravante genérica.

109
De outro lado, se completa, a embriaguez acidental ou fortuita, exclui a
culpabilidade, pois o indivíduo é inimputável, ante à falta de opção de ingerir ou não a
substância. Mas se incompleta, o caso equivalerá à semi-imputabilidade, causa de
diminuição da pena.
Por fim, se a embriaguez for patológica, o sujeito será ou não imputável a depender
da circunstância de ela configurar doença mental.
Obs.: quanto à intensidade, fala-se em embriaguez (i) incompleta – mera
excitação, (ii) completa – sujeito perde a livre deliberação, normalmente marcada pela

O
agressividade, exclui a capacidade de entendimento e autodeterminação e (iii)
comatosa – sono profundo.

IT
Obs.1: o art. 28, I diz que não afasta imputabilidade emoção e paixão. Crítica:
são forças primárias que determinam grande parte das ações humanas, desprezá-las
como faz o art. 28, I é presumir um homem plenamente racional que não existe. É,

TU
enfim, julgar o homem real como alguém que ele não é.

22. Sabe-se que no momento em que a pessoa embriagada pratica a infração


penal ela está privada da capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de

RA
determinar-se de acordo com esse entendimento. A partir dessa ideia, como
justificar a imputabilidade nos casos de embriaguez voluntária, culposa e
preordenada?
Tal imputabilidade justifica-se com a teoria da actio libera in causa (ação livre na
LG
causa), segundo a qual para aferir-se a imputabilidade penal no caso de embriaguez,
despreza-se o tempo em que o crime foi praticado. De fato, nesse momento o sujeito
estava privado da capacidade de entendimento e de autodeterminação, por vontade
própria, pois ingeriu a substância e embriagou-se livre de qualquer coação. Por esse
IA

motivo, considera-se como marco da imputabilidade penal o período anterior à


embriaguez, em que o agente espontaneamente decidiu consumir bebida alcoólica ou
de efeitos análogos.
ER

23. A adoção da teoria da actio libera in causa configura responsabilidade penal


objetiva?
A doutrina diverge acerca desta indagação. Para uma primeira corrente, seria,
AT

sim, hipótese de responsabilidade objetiva, pois o indivíduo, no momento da ação


ou omissão, em estado de inconsciência, não possuiria dolo ou culpa e, desse modo,
não haveria fato típico. Já a corrente oposta defende que não há responsabilização
objetiva, porque, como sustenta Nelson Hungria, ocorreria ampliação do próprio
M

critério voluntarístico, isto é, o voluntário abuso do álcool é primeiro liame de uma


cadeia causal que liga a embriaguez ao crime.
Atenção! A embriaguez é intoxicação de caráter agudo causada pela ingestão de
álcool ou substância de efeitos análogos, capaz de causar desde uma ligeira excitação
até a perda de consciência.
A actio libera in causa, dispõe Narcelio de Queiroz, no Brasil costuma ser restrita à
aferição de culpabilidade. Se a ação era livre na causa (momento da ingestão da
bebida), tal liberdade se estende ao momento da ação lesiva.
Mas, para a correta incidência da actio libera in causa, é necessário distinguir dois
momentos na dinâmica criminosa: (1) momento em que é ingerida a bebida; (2) ação

110
lesiva. Se a embriaguez é completa no momento 2, o sujeito se tornou objeto
descontrolado que não pode ser alvo de censura. Assim, todo desvalor sobre o
elemento subjetivo e sobre a culpabilidade deve incidir no momento 1.
Como ensina Narcelio de Queiroz, se, ao se embriagar o sujeito quer o evento
lesivo, responde pelo crime doloso. Se há descuido em relação à lesão, o crime é
culposo. No entanto, se não há descuido, não poderá ser condenado, sob pena de
insuportável responsabilidade objetiva.

O
Crítica: a adoção da teoria em sua pureza, iria gerar um abismo de impunidade.
Resposta de Roxin: não há perigo de tanta impunidade, pois a embriaguez completa é
raríssima, e, na maioria dos casos, o embriagado é incapaz de gerar lesão. Apenas em

IT
tais excepcionais hipóteses incide a actio libera in causa. Nas demais, deve ser
verificada, sem presunções a existência de dolo ou culpa.

TU
24. Qual a abrangência do conceito de doença mental?
No conceito de doença mental, são incluídas as psicoses exógenas (como
epilepsia, arteroesclerose) e endógenas (como esquizofrenia e paranoia). O
desenvolvimento mental incompleto trata de debilidades. Não são aceitos intervalos

RA
lúcidos.

25. Discorra sobre a imputabilidade do índio.


O Supremo Tribunal Federal (Ministro Eros Grau), superando entendimento até
LG
então majoritário, decidiu que a culpabilidade do índio é constatada da mesma forma
que a dos demais indivíduos, não subsistindo a distinção, para tal fim, entre indígenas
integrados, em vias de integração e isolados. Para os índios, não existe uma condição
específica de inimputabilidade, mas apenas as já mencionadas menoridade, doença
IA

mental, desenvolvimento mental incompleto ou retardado e embriaguez completa e


fortuita.
Nos casos dos índios isolados, será possível a exclusão da culpabilidade em razão
ER

da ausência de potencial consciência da ilicitude.

26. É possível a redução da maioridade penal?


A doutrina diverge acerca desse tema. O artigo 228 da Constituição Federal, que
AT

alicerça as discussões, reza que “são penalmente inimputáveis os menores de dezoito


anos, sujeitos às normas da legislação especial”. Para uma corrente, a redução da
maioridade penal somente seria possível com o advento de nova Constituição, fruto do
poder constituinte originário, pois se constitui cláusula pétrea. Já para a segunda
M

corrente, é suficiente uma emenda constitucional, por não se tratar de cláusula pétrea,
mas de norma constitucional inserida no capítulo inerente à família, à criança, ao
adolescente e ao idoso.

RESUMO – EXCLUDENTES DE CULPABILIDADE

Elementos da culpabilidade – IPE Dirimentes – MEDECO


Imputabilidade Menoridade, embriaguez e doença mental
– rol taxativo
Potencial consciência da ilicitude Erro de proibição – taxativo

111
Exigibilidade de conduta diversa Coação moral irresistível e obediência
hierárquica – rol exemplificativo – é aqui
que são colocadas as causas supralegais
de excludentes culpabilidade.

PONTO 8
Iter criminis.

O
Desistência voluntária e arrependimento eficaz.
Arrependimento posterior.

IT
Crime impossível.

(Questões elaboradas a partir dos Pontos para a prova oral da DPEMS e DPEMG)

TU
1. Fale sobre consumação.
O iter criminis é o caminho percorrido pelo crime – é o conjunto de fases que se
sucedem cronologicamente no desenvolvimento do delito doloso. São 4 fases:

RA
a) cogitação – É a idealização do crime. A fase da cogitação é impunível –
desdobramento lógico do princípio da materialização do fato. Punir a cogitação é
Direito Penal do Autor;
LG
b) preparação – O agente procura criar condições para a realização da conduta
idealizada. Atos preparatórios também são chamados de conatus remotus.
Cuidado: os atos preparatórios, em regra, são impuníveis.
Exceção: art. 288, CP – associação criminosa; art. 288-A, CP – milícia particular;
art. 291, CP – fabricação de petrechos para falsificação de moeda;
IA

c) execução – Atos executórios traduzem a maneira pela qual o agente atua


exteriormente para realizar o crime idealizado. Em regra, somente os atos
executórios são puníveis – excepcionalmente alguns atos preparatórios são
ER

puníveis, conforme dito acima. Ocorre que nem sempre é fácil delimitar o que é ato
preparatório e o que é ato executório. Ex.: Fulano quer subtrair objetos do interior
de um imóvel. Aguarda, na esquina, o dono do imóvel deixar a residência. Depois
que o dono sai, Fulano pula o muro e toma a intimidade da casa. Fulano apodera-
AT

se de um aparelho eletrônico. Quando se iniciou a execução? Foi no momento em


que ele aguardou na esquina o dono sair do imóvel? Foi no momento em que ele
pulou o muro e tomou a intimidade do imóvel? Ou foi no momento em que se
apoderou do aparelho? Para a teoria da hostilidade ao bem jurídico (ou critério
M

material), consideram-se atos executórios aqueles que atacam o bem jurídico,


criando-lhe concreta situação de perigo – Nelson Hungria. Ou seja, no momento
em que Fulano aguarda na esquina já temos ato executório. Para a teoria objetivo-
formal, entende-se como ato executório aquele que inicia a realização do núcleo do
tipo – Frederico Marques. Ou seja, apenas no momento em que Fulano se
apoderou do aparelho temos ato executório. Para a teoria objetivo-individual,
consideram-se atos executórios aqueles que, de acordo com o plano do agente,
realizam-se no período imediatamente anterior ao começo da realização do núcleo
– Zaffaroni. Ou seja, no momento em que Fulano pula o muro temos o início da
execução. Essa corrente prevalece na doutrina moderna e foi adotada pelo STJ

112
recentemente. Inclusive, na reforma do CP, querem adotar essa teoria
expressamente.
Nesse contexto, consumação é o instante da composição plena do fato criminoso.
Crime consumado: art. 14, I, CP – quando nele se reúnem todos os elementos da sua
definição legal.
Ex.: latrocínio – é composto de subtração + morte:
SUBTRAÇÃO MORTE LATROCÍNIO

O
Consumado Consumado Consumado
Tentado Tentado Tentado
Consumado Tentado Tentado

IT
Tentado Consumado Consumado –
súmula 681, STF*
* Para Rogério Greco, essa súmula viola o conceito de crime consumado

TU
(DEFENSORIA PÚBLICA).
Classificação doutrinária relacionada à consumação do crime:
i. crime material (ver resultado naturalístico);
ii. crime formal (ver resultado naturalístico);

RA
iii. crime de mera conduta (ver resultado naturalístico);
iv. crime permanente – a consumação se protrai no tempo, prolonga-se até que o
agente encerre a conduta delituosa. Ex.: delito de seqüestro, extorsão mediante
LG
seqüestro, associação criminosa. Atenção: súmula 711, STF (“A lei penal mais grave
aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à
cessação da continuidade ou permanência”);
vi. crime habitual – a consumação exige reiteração da conduta típica. Ex.: art. 284,
CP – curandeirismo.
IA

Crime consumado não se confunde com crime exaurido (também chamado de


crime esgotado plenamente).
Consumação Exaurimento
ER

Encerra o iter criminis – ou seja, é a Atos posteriores ao encerramento


última fase do desenvolvimento do delito do iter criminis
doloso
Ex.: o recebimento da indevida vantagem na concussão é o exaurimento.
AT

O exaurimento (i) pode servir como circunstância judicial desfavorável; (ii) pode
atuar como qualificadora – ex.: a não execução da ordem na resistência – art. 329, §
1º, CP; (iii) pode caracterizar causa de aumento de pena – ex.: art. 317, § 1º, CP; (iv)
pode configurar crime autônomo – ex.: art. 148, § 1º, V, onde o exaurimento configura
M

estupro.
Obs.: Questão DPE/RS/14 – Diferencie crime progressivo de progressão
criminosa.Crime progressivo é aquele realizado mediante um único ato ou atos que
compõem único contexto. Em outras palavras, ocorre quando o agente, para alcançar
um resultado mais grave, passa por uma conduta inicial que produz um evento menos
grave. A progressão criminosa é aquela realizada mediante dois atos, dois
movimentos, ou seja, quando o agente inicia um comportamento que configura um
crime menos grave, porém, ainda dentro do mesmo inter criminis, resolve praticar uma
infração mais grave, que pressupõe a primeira. A diferença básica entre crime
progressivo e progressão criminosa se relaciona diretamente com a questão de dolo.

113
No crime progressivo o agente, desde o início, tem a intenção de praticar um crime
mais grave, mas, para concretizá-lo, passa pelo menos grave. Na progressão criminosa
o agente inicialmente queria o resultado menos grave, mas, no "meio do caminho"
muda de idéia e passa a querer o resultado mais grave.

2. O que é crime manco?


Trata-se da tentativa de crime. É chamado de crime manco porque a perna objetiva

O
do crime é mais curta que a pena subjetiva, pois há o dolo de consumação, no entanto,
por circunstâncias alheias a vontade do agente o crime não se consuma.

IT
3. Qual é a natureza jurídica da tentativa?
A tentativa configura norma de extensão temporal, ampliando a proibição contida
nas normas penais incriminadoras a fatos humanos realizados de forma incompleta.

TU
4. Quais são os elementos da tentativa?
- Início da execução;
- Não consumação por circunstâncias alheias à vontade do agente;

RA
- Dolo de consumação (implícito).

5. Qual é a consequência prevista em lei para a tentativa de crime? Há exceções?


A tentativa será punida com a pena correspondente ao crime consumado,
LG
diminuída de 1/3 a 2/3. A diminuição será proporcional ao caminho percorrido no iter
criminis. Os crimes denominados de atentado punem de forma igual o crime
consumado e o crime tentado, por exemplo, art. 352 do CP – Evadir ou tentar evadir-
se.
IA

6. Quais são as formas de tentativa?


- Imperfeita: o agente é impedido de prosseguir no seu intento, deixando de praticar
ER

todos os atos executórios à sua disposição. É chamada de tentativa inacabada.


- Perfeita: o agente apesar de esgotar os atos executórios a sua disposição não
consegue consumar o delito por circunstâncias alheias a sua vontade. É também
chamada de tentativa acabada ou crime falho. A tentativa perfeita somente é
AT

compatível com os crimes materiais, uma vez que o esgotamento dos atos executórios
nos delitos formais e de mera conduta caracteriza a consumação.
- Cruenta: quando a vítima é atingida. Também conhecida como tentativa
vermelha.
M

- Incruenta: a vítima não é atingida. Também conhecida como tentativa branca. -


Idônea: o resultado era possível de ser alcançado;
- Inidônea: o resultado era absolutamente impossível de ser alcançado. É sinônimo
de crime impossível.

7. Quais são os crimes que não admitem tentativa?


Crime culposo e Crime preterdoloso (ambos por ausência de dolo de consumação);
Contravenção Penal (por força do art. 4º, da LCP); Crime de Atentado; Crime Habitual;
Crime Unissubsistente (a execução não admite fracionamento); Delito de mera
conduta; Crimes que só são puníveis quando há determinado resultado (ex: art. 122 –

114
participação em suicídio) OBS: Bitencourt discorda, para ele a lesão grave resultante
do art. 122 é tentativa; Dolo Eventual (existe doutrina não admitindo tentativa em dolo
eventual, mas a maioria não pensa dessa forma, pois existe vontade nos dois, dolo
direto e dolo eventual); Crimes comissivos de perigo abstrato.

8. É possível a tentativa em crimes omissivos?


Os crimes omissivos próprios são incompatíveis com a forma tentada. Os crimes

O
omissivos próprios são os que objetivamente são descritos com uma conduta negativa,
dispensando qualquer resultado naturalístico. Assim por se tratar de crime formal é
inadmissível a forma tentada. Já os crimes omissivos impróprios admitem tentativa.

IT
9. No que consiste a tentativa qualificada ou abandonada e quais as suas
espécies?

TU
Trata-se de hipóteses expressamente previstas em lei em que o autor do fato
desiste voluntariamente ou impede a produção do resultado. Na desistência voluntária
o agente pode prosseguir para a consumação do delito, mas desiste, respondendo
apenas pelos atos já praticados. É admitida na desistência voluntária a interferência

RA
externa, ou seja, ela não precisa ser espontânea, no entanto, há doutrina que entende
que se essa influência externa for circunstância objetiva, como a sirene da polícia ou
alarme de casa, não configura o referido instituto. Já no arrependimento eficaz
(também chamado de Resipiscência), o agente após praticar o fato típico, pratica nova
LG
conduta evitando o resultado naturalístico, por isso, somente é possível nos crimes
materiais. Possui a mesma consequência da desistência voluntária e só responde
pelos atos já praticados.
IA

10. Qual a natureza jurídica da tentativa qualificada?


1ª corrente: é causa de exclusão da tipicidade.
2ª corrente: é causa de extinção da punibilidade.
ER

11. O que se entende por ponte de ouro e ponte de prata?


Tal classificação é feita por Franz Von Liszt. A ponte de ouro, de acordo com este
autor, é a possibilidade que o agente tem de retornar à situação de licitude, seja
AT

desistindo de prosseguir na execução (desistência voluntária), seja atuando


positivamente no intuito de impedir a ocorrência do resultado (arrependimento eficaz).
Já a ponte de prata é a denominação dada ao arrependimento posterior o agente não
retorna à situação de licitude e, portanto, não é beneficiado pela extinção da
M

punibilidade, mas tão somente pela redução da pena em virtude de sua iniciativa de
reparar o dano causado por sua conduta.

12. Qual a diferença entre a desistência voluntária e arrependimento eficaz? E o


arrependimento posterior?
A desistência voluntária e o arrependimento eficaz são espécies de tentativa
qualificada (também chamada de tentativa abandonada), previstos pelo art. 15, CP.
Tentativa simples Tentativa qualificada
Art. 14, II, CP Art. 15, CP
O agente inicia a execução O agente também inicia a execução

115
O resultado não ocorre por O resultado não ocorre por
circunstâncias alheias à vontade do circunstâncias inerentes à vontade do
agente agente – por isso “tentativa abandonada”
A tentativa simples atua como norma de extensão, em regra, reduzindo a pena. Já
o artigo 15 do CP, de acordo com a maioria, é causa de extinção da punibilidade da
tentativa, respondendo o agente somente pelos atos já praticados. Ex. 1: Fulano quer
subtrair o veículo de Beltrano. Pula o muro da casa, rompe o vidro do carro e, no

O
momento em que ia ligar o motor, desiste e abandona o local. A desistência voluntária
extingue a punibilidade da tentativa de furto, respondendo o agente por violação de
domicílio e dano. Ex. 2: Fulano quer matar Beltrano. Dispara contra a vítima e ao vê-la

IT
pedindo socorro se arrepende e a conduz até um hospital onde é salva, mas sofre
lesões graves. O arrependimento eficaz de Fulano extingue a punibilidade da tentativa
de homicídio, respondendo por lesão corporal de natureza grave.

TU
Prevista pelo art. 15, 1ª parte, do CP, a desistência voluntária é uma espécie de
tentativa qualificada e ocorre quando o agente, por manifestação exclusiva do seu
querer, desiste de prosseguir na execução do crime. O agente abandona o intento
quando ainda existiam atos executórios para serem praticados.

RA
Na tentativa simples, o agente quer prosseguir, mas não pode; na desistência
voluntária, o agente pode prosseguir, mas não quer.
A desistência deve ser voluntária, ainda que não espontânea – admite interferência
subjetiva externa. É sugerida ao agente e ele assimila prontamente esta sugestão, esta
LG
influência externa de outra pessoa. Não configura desistência voluntária a influência
objetiva externa – por ex.: barulho de sirene, acender uma luz, tocar um alarme são
influências objetivas externas – não admitem desistência – a pessoa responde por
tentativa.
IA

Tentativa simples Desistência voluntária


Art. 14, II, CP Art. 15, CP
É início da execução É início da execução
ER

Não consumação por circunstâncias Não consumação por circunstâncias


alheias inerentes à vontade do agente
Pune o crime tentado, com pena Extingue a punibilidade da tentativa,
diminuída punindo o agente pelos atos já praticados
AT

O agente quer prosseguir, mas não pode O agente pode prosseguir, mas não quer

Previsto pelo art. 15, 2ª parte, CP, o arrependimento eficaz (chamado de


M

RESIPISCÊNCIA) também é espécie de tentativa qualificada. Ocorre quando os atos


executórios já foram todos praticados, porém o agente, abandonando o intento,
desenvolve nova conduta para impedir o resultado. O arrependimento eficaz só tem
cabimento nos crimes materiais. Lembrando: nos crimes formais ou de mera conduta, o
esgotamento dos atos executórios já consuma o crime – não existe campo para o
arrependimento eficaz.
O arrependimento deve ser: (i) voluntário; (ii) não precisa ser espontâneo; e (iii)
eficaz – se ineficaz, o agente responde pelo resultado.

Desistência voluntária Arrependimento eficaz


Art. 15, 1ª parte, CP Art. 15, 2ª parte, CP

116
Ambos são espécies de tentativa qualificada
Exige voluntariedade Exige voluntariedade + eficácia
Ocorre durante a execução Ocorre depois da execução – por isso só
é possível nos crimes materiais
O agente abandona o dolo antes de Abandona após esgotar os atos
esgotar os atos executórios executórios, impedindo a consumação
O crime não se consuma por circunstâncias inerentes à vontade do agente

O
Extingue-se a punibilidade da tentativa, punindo-se o agente pelos atos já
praticados

IT
Por fim, o arrependimento posterior é uma causa geral de diminuição de pena (1
a 2/3), previsto pelo art. 16 do CP. Nele, o crime já foi consumado. Só é cabível nas
seguintes fases: (i) quando a reparação do dano ou a restituição da coisa é feita ainda

TU
na fase extrajudicial, isto é, enquanto estiverem em curso as investigações policiais; (ii)
mesmo depois de encerrado o inquérito policial, com a sua conseqüente remessa à
Justiça, pode o agente, ainda, valer-se do arrependimento posterior, desde que restitua
a coisa ou repare o dano por ele causado à vítima até o recebimento da denúncia (se o

RA
dano for reparado após o recebimento da denúncia e até o julgamento, será
considerado como circunstância atenuante – art. 65, III, “b”, CP). O arrependimento
posterior só tem cabimento em crimes praticados sem violência ou grave ameaça e
LG
comunica-se a todos os réus. O ato deve ser voluntário, e não necessariamente
espontâneo. A reparação do dano deve ser total e não parcial.
Cumpre destacar que a reparação dos danos no âmbito das infrações penais de
menor potencial ofensivo (Lei 9.099/95) é causa de extinção da punibilidade nos crimes
de ação penal privada e ação penal pública condicionada à representação. O art. 312,
IA

§ 3º do CP estabelece que a reparação do dano no peculato culposo é também causa


extintiva da punibilidade se ocorre antes da sentença irrecorrível, mas ocorre se depois
do trânsito em julgado, é causa de diminuição de pena (1/2).
ER

Nesse contexto, é importante mencionar a súmula 554 do STF (“O pagamento


de cheque emitido sem suficiente provisão de fundos, após o recebimento da denúncia,
não obsta ao prosseguimento da ação penal”), que ratifica a orientação do CP de que o
arrependimento posterior é causa geral de diminuição de pena.
AT

13. Arrependimento posterior comunica aos demais participantes?


1ª corrente: exigindo voluntariedade do agente, o arrependimento posterior
personalíssimo, não se comunicando aos demais concorrentes do crime (Régis Prado).
M

2ª corrente: o arrependimento é circunstância objetiva comunicável, beneficiando


os demais concorrentes do crime (LFG).

14. Existe hipótese em que a reparação do dano causará efeito mais benéfico que
o previsto no instituto do arrependimento posterior?
Sim. No caso de emissão de cheque sem fundos, havendo o seu pagamento antes
do recebimento da ação penal haverá extinção da punibilidade. Trata-se do
entendimento sumulado do STF (Súmula 554 do STF).

15. O que é o crime impossível?

117
O crime impossível, também conhecido como tentativa inidônea, inadequada ou
quase crime, parte da premissa de que o agente já ingressou na fase dos chamados
atos de execução, e a consumação da infração penal só não ocorreu por circunstâncias
alheias à sua vontade, quais sejam: (i) absoluta ineficácia do meio ou (ii) absoluta
impropriedade do objeto (art. 17, CP).
Meio absolutamente ineficaz é aquele de que o agente se vale a fim de comete a
infração penal, mas que, no caso concreto, não possui a mínima aptidão para produzir

O
os efeitos pretendidos. Ex.: arma sem munição e falsificação grosseira. Se a ineficácia
relativa do meio for relativa, estaremos diante de um crime tentado.
Objeto impróprio é a pessoa ou a coisa contra a qual recai a conduta do agente

IT
que não detém as características necessárias para que o crime seja sequer tentado.
Ex.: mulher, supondo-se grávida, ingere substância abortiva apta a expelir o feto,
quando, na realidade, não existe gravidez.

TU
Sobre o tema, súmula 145 do STF: “Não há crime quando a preparação do
flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”.

16. Quais são as teorias aplicáveis ao crime impossível? Qual foi adotada pelo

RA
nosso ordenamento jurídico?
Teoria Sintomática: com sua conduta, demonstra o agente ser perigoso, razão pela
qual deve ser punido, ainda que o crime se mostre impossível de ser consumado.
Crítica: caracteriza direito penal do autor.
LG
Teoria Subjetiva: sendo a conduta subjetivamente perfeita (dolo de consumação) o
agente deve ser punido com a mesma pena da tentativa. Crítica: também tem
predicados do direito penal do autor.
Teoria Objetiva: crime é conduta e resultado. A execução deve ser idônea. Caso
IA

inidônea, temos configurado o crime impossível. Divide-se em duas: Objetiva Pura: não
é tentativa mesmo que a inidoneidade seja relativa;Objetiva Temperada: não há
tentativa somente quando inidoneidade for absoluta. O CP adotou a teoria objetiva
ER

temperada, nos termos do art. 17 do CP.

17. Quais são os elementos do crime impossível?


É preciso que haja início da execução, a não consumação por circunstâncias
AT

alheias à vontade do agente e resultado absolutamente impossível de ser alcançado


por inidoneidade absoluta do meio ou do objeto. Na inidoneidade absoluta do objeto
temos a falta de potencialidade causal, pois os instrumentos utilizados pelo agente são
ineficazes em qualquer hipótese, para a produção do resultado (ex: revolver sem
M

munição, condição essa ignorada pelo agente; rezas e despachos) e na absoluta


inidoneidade do objeto a pessoa ou coisa que representa o ponto de incidência da ação
não serve à consumação do delito (ex: atirar em cadáver, provocar aborto em grávida
psicológica).

PONTO 9
Erro no Direito Penal. Concurso de crimes.

1. Em que consiste o erro de tipo? Quais as suas modalidades e conseqüências?

118
Erro de tipo é a falsa percepção sobre a realidade ou o falso/equivocado
conhecimento de um objeto.
As espécies de erro de tipo são:

Inevitável Sobre o objeto


Erro de tipo Erro de tipo
essencial acidental Sobre a pessoa

O
Evitável
Na execução

IT
Resultado diverso do
pretendido

TU
Sobre o nexo
causal

1) Erro de tipo essencial


RA
LG
O erro de tipo essencial recai sobre as elementares, circunstâncias ou qualquer
dado que se agregue à figura típica. É previsto pelo art. 20, caput, do CP.
Por afastar a vontade e a consciência do agente, exclui sempre o dolo. No
entanto, há situações em que se permite a punição em virtude de conduta culposa, se
IA

houver previsão legal do crime na modalidade culposa. Dessa forma, o erro de tipo
pode ser: (i) erro de tipo invencível (escusável, justificável, inevitável) – quando o
agente não tinha condições de evitá-lo, mesmo tomando todas as cautelas necessárias
– nesse caso, exclui-se o dolo e a culpa; (ii) erro de tipo vencível (inescusável,
ER

injustificável, evitável), quando o agente poderia ter evitado o resultado se tivesse agido
com a cautela necessária – nesse caso, exclui-se o dolo, mas pune-se a modalidade
culposa, se houver previsão legal.
AT

Exemplos clássicos: quando o agente toma coisa alheia como própria; relaciona-se
sexualmente com vítima menor de 14 anos, supondo-a maior, contrai casamento com
pessoa já casada, desconhecendo o matrimônio anterior.
A inevitabilidade da conduta deve ser analisada de acordo com o caso concreto
M

(nada de falar em “homem médio”).


2) Erro de tipo acidental
Ao contrário do erro de tipo essencial, o erro de tipo acidental não tem o condão
de afastar o dolo do agente. Apesar de não excluir o fato típico, uma vez que não
afasta o dolo, é importante saber quais os tipos de erro acidental para se analisar a
forma de responsabilização do agente quando incorrer nesse tipo de erro.
Nesse tipo de erro, o agente age com a consciência da anitjuridicidade de seu
comportamento, mas se engana quanto a um elemento não essencial do fato ou
erra no seu movimento de execução. Ele pode ser:

119
i. erro sobre o objeto (error in objecto) – não tem previsão legal. O agente se
confunde quanto ao objeto material (coisa) por ele visado, atingindo objeto diverso. Ex.:
Fulano querendo subtrair um relógio de ouro, por erro, acaba furtando um relógio
dourado. Somente haverá esta espécie de erro se a confusão de objetos materiais não
interferir na essência do crime, pois, caso contrário, deve ser tratado como erro de tipo
essencial. Ex.: senhora que cultiva em sua casa maconha, pesando ser planta
ornamental – nesse caso, é erro de tipo essencial. Consequências= não exclui o
dolo e não exclui a culpa; não isenta o agente de pena; o agente responde pelo

O
delito, considerando-se o objeto material efetivamente atingido – teoria da
concretização. No exemplo: furto do relógio dourado. Para fins de Defensoria, o objeto

IT
material a ser considerado deve ser aquele que menos prejudicar o réu – então se o
agente visava ao relógio de plástico, mas subtraiu sem querer o relógio de ouro, ele
deveria responder pelo objeto visado – porque esse erro não tem previsão legal – in

TU
dubio pro reo (posicionamento adotado pelo Rogério Sanches);
ii. erro sobre a pessoa (error in persona) – art. 20, § 3º, CP. Equivocada
representação do objeto material “pessoa” visada pelo agente – em decorrência do
erro, o agente acaba atingindo pessoa diversa. Obs. 1: erro sobre objeto material

RA
“coisa” caracteriza erro sobre o objeto. Obs. 2: não há erro de execução, mas de
representação – o agente confunde as vítimas. Obs. 3: tem-se 2 personagens: (i)
vítima virtual e (ii) vítima real. Ex.: Fulano quer matar seu pai (vítima virtual), porém,
representando equivocadamente a pessoa que entra na casa, acaba matando o seu tio
LG
(vítima real). Atenção: não houve erro na execução, mas confusão mental.
Consequências = não exclui o dolo, não exclui a culpa, não isenta o agente de
pena, responde pelo crime e deve ser punido considerando as qualidades da
vítima virtual. No erro sobre o objeto (coisa), o agente é punido considerando o objeto
IA

real, efetivamente atingido (teoria da concretização). Já no erro quanto à pessoa, o


agente é punido considerando a vítima virtual, pretendida pelo agente (teoria da
equivalência);
iii. erro na execução ou erro no golpe (aberratio ictus) – art. 73 do CP. Por
ER

acidente ou erro no uso dos meios de execução, o agente acaba atingindo


pessoa diversa da pretendida. Obs. 1: erro na execução envolvendo “coisa” é erro
sobre objeto (ex.: quer atingir um carro com uma pedra, mas atinge uma janela de
AT

vidro). Obs. 2: tem-se 2 personagens: (i) vítima virtual e (ii) vítima real. Obs. 3: a vítima
foi corretamente representada – o crime foi mal executado – não houve confusão
mental. Ex.: Fulano mira seu pai, mas, por falta de habilidade no manuseio da arma,
acaba atingindo um vizinho que passava na rua.
M

Erro sobre pessoa Erro na execução


Erro na representação da Representa-se corretamente a
vítima pretendida vítima pretendida
A execução do crime é correta A execução do crime é errada
– não há falha operacional – há falha operacional
A pessoa visada não corre A pessoa visada corre perigo
perigo, porque foi confundida com
outra
Nos 2 casos o agente responde pelo crime considerando as
qualidades da vítima virtual – teoria da equivalência
120
O art. 73, CP, traz duas modalidades de erro na execução: (i) aberratio ictus com
resultado único – o agente atinge somente a pessoa diversa da pretendida. O agente
será punido considerando-se a qualidade da vítima virtual; (ii) aberratio ictus com
resultado duplo ou unidade complexa – o agente atinge também a pessoa pretendida.
O agente responde pelo crime aplicando-se a regra do concurso formal. Problema:
Fulano, querendo matar seu pai, atira, mas, por erro, apesar de ferir a vítima visada,
acaba matando o vizinho. Duas correntes:

O
(a) o atirador responde em concurso formal, por homicídio doloso consumado do
pai + lesão culposa do vizinho – Damásio; (b) o atirador deve ser responsabilizado por
tentativa de homicídio do pai em concurso formal com homicídio culposo do vizinho –

IT
Fragoso;
Obs.: Na doutrina brasileira, prevalece que, se excluída a antijuridicidade da ação
dolosa, fica afastada a ilicitude do todo, ou seja, abrange aberratio com resultado

TU
múltiplo.
iv. resultado diverso do pretendido (aberratio criminis ou aberratio delicti) – art.
74 do CP. Redação do art. 74: “Fora dos casos do artigo anterior” – o artigo anterior é o
73, que trata de erro na execução – o art. 74 é também espécie de erro na execução.

RA
Conceito: por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o agente atinge bem
jurídicodistinto daquele que pretendia atingir. Ex.: Fulano quer danificar o carro de
Beltrano. Atira uma pedra contra o veículo, mas acaba atingindo o motorista que vem a
falecer.
LG
Art. 73, CP Art. 74, CP
Espécie de erro na execução Espécie de erro na execução
O agente, apesar do erro, atinge o O agente, em razão do erro, atinge
IA

mesmo bem jurídico, mas de pessoa bem jurídico diverso. O resultado


diversa. O resultado pretendido (vida) produzido (vida) é diverso do
coincide com o resultado produzido pretendido (patrimônio).
ER

Consequência: o agente responde pelo resultado produzido (diverso do


pretendido) na forma culposa. (responde pelo crime produzido na forma culposa, que
absorve a tentativa do intentado; se o culposo não tem previsão legal, nada poderá
AT

absorver e resta apenas a tentativa do crime visado). Atenção: no exemplo acima


descrito, Fulano responde por homicídio culposo. Em caso de resultado duplo:
concurso formal.Cuidado: a regra do artigo 74 do CP deve ser afastada quando o
resultado pretendido é mais grave que o resultado produzido, hipótese em que o
agente responde pelo resultado pretendido na forma tentada. (não seria muito bom
M

sustentar isso em defensoria, responderia pela forma tentada apenas quando não
houver previsão da segunda modalidade culposa) Ex.: Fulano quer matar Beltrano.
Atira uma pedra contra a cabeça de Beltrano, mas acaba atingindo o veículo da vítima
– Fulano responde por tentativa de homicídio;
v. erro sobre o nexo causal (aberratio causae) – não tem previsão legal.
Conceito: (caderno Junqueira) o sujeito quer atingir a consumação por um meio e
acaba atingindo por outro. O desvio no nexo causal pode ser classificado como
relevante ou como irrelevante. Será irrelevante na ação de um só ato, como disparo
para atingir o coração ou no empurrar da ponte para matar por afogamento. Em tais
casos, responderá pelo crime doloso consumado, ainda que o disparo tenha atingido o

121
pulmão e a vítima fraturado a cabeça e morrido ao se chocar com uma pilastra da
ponte.
O desvio será relevante, se praticado em dois atos. Destacam-se duas situações:
a) consumação antecipada. Ex.: administra narcótico para facilitar asfixia posterior, mas
mata por exagero no narcótico; b) consumação atingida em momento posterior, que
deveria ser ‘mero exaurimento’.
Resposta da doutrina brasileira: nos dois casos, deverá ser aplicada a teoria da
equivalência. Ou seja, responderá como se tivesse alcançado os crimes pelos meios

O
pretendidos. Justificativa: dolo geral. Se o sujeito faz o plano criminoso em dois atos,
não importa qual era preparação, consumação ou exaurimento. O dolo de consumar é

IT
geral. Ou seja, abrange todos momentos.
Crítica: o dolo geral não resiste à exigência de contemporaneidade. Trata-se de
uma ficção sem respaldo legal e que viola a culpabilidade. No primeiro caso, o sujeito

TU
nunca deliberou pela ação letal. Na segunda hipótese, no ato letal, o dolo já estava
extinto. Deveria ser adotada teoria da concreção, respondendo no primeiro caso, por
homicídio culposo e, no segundo, por tentativa + culposo.
Obs.: a aberratio ictus, a aberratio criminis e a aberratio causae são chamadas

RA
de CRIMES ABERRANTES.

2. É possível que o erro de tipo seja inescusável e o agente não responda por
nenhum crime?
LG
Sim, é possível, nos casos em que o crime não admite a modalidade culposa, só é
punido a título de dolo.

3. É possível que o erro de tipo seja escusável e o agente responda por algum
IA

crime?
Sim, quando, mesmo com o erro de tipo, opera-se a desclassificação para outro
crime. Ex. chamo um cara na rua de imbecil. Ele era funcionário público. Não haverá
ER

desacato, pois houve erro de tipo escusável, nunca daria pra saber que ele era
funcionário público, estava à paisana. Mas subsiste a injúria.

4. Quem responde pelo crime praticado em virtude de erro provocado por


AT

terceiro? Há concurso de agentes?


No erro de tipo, o agente erra por conta própria. Já no erro determinado por
terceiro, temos um erro induzido (art. 20, § 2º, CP). São 2 agentes: (i) o agente
provocador (autor mediato) e (ii) o agente provocado (autor imediato).
M

Ex.: médico com a intenção de matar o paciente induz a enfermeira a ministrar


dose letal no doente.
Consequências: responde pelo crime o terceiro que determina o erro. No
exemplo, o médico responde por homicídio doloso na condição de autor mediato. Em
regra, o autor imediato não pratica crime, salvo se agiu com dolo ou culpa.
Não há que se falar em concurso de agentes.

5. Quais são os sistemas de aplicação da pena no concurso de crimes?


São quatro sistemas de aplicação de pena, em caso de pluralidade de crimes
praticados pelo agente.

122
i. Cumulação material (somas das penas);
ii. Cúmulo jurídico – cabe ao magistrado escolher a pena adequada
entre a maior prevista aos delitos e o resultado da soma;
iii. Absorção – a pena do crime mais grave absorve a do menos
grave, por ser suficiente.
iv. Exasperação – a pena mais grave é aumentada.
O Brasil adota a cumulação (concurso material e formal impróprio) e exasperação

O
(concurso formal próprio e crime continuado).

6. Quais são as características do concurso material?

IT
Também chamado de concurso real e previsto no art. 69, CP, trata de duas ou
mais ações ou omissões, com dois ou mais crimes. Pode ser classificado como
homogêneo (mesmos crimes) ou heterogêneo (crimes diferentes). É hipótese residual,

TU
ou seja, só incide quando afastado o concurso formal e o crime continuado. Aplica-se o
sistema de cumulação da pena – pena de cada crime é aplicada individualmente e
depois somada.
Cada crime irá prescrever individualmente, conforme art. 119, CP. Se o concurso

RA
for detectado após a condenação, não se fala em cumulação de penas, mas sim em
unificação (art. 111, LEP). Se os crimes forem conexos e esta conexão acarretar na
unidade processual, a soma das penas será efetuada na própria sentença
condenatória (lembrando que o juiz segue o critério trifásico para cada um dos
LG
crimes). Se os crimes são objetos de ações penais diversas, a soma será efetuada
pelo juízo da execução. Art. 66, III, “a” da LEP.
Se aplicadas cumulativamente penas de reclusão e detenção, a reclusão será
executada primeiro (não unifica). Somente poderá aplicar PRD ao primeiro crime, se a
IA

privativa de liberdade do segundo for suspensa (art. 69, § 1º, CP). O juiz pode cumular
PPL e PRD, se compatíveis entre si. Cumuladas duas PRD, podem ter cumprimento
sucessivo ou simultâneo (se compatíveis)
ER

Concurso material de crimes deve ser considerado para fins de fiança. Suspensão
condicional do processo só é possível quando a somatória das penas mínimas
abstratamente cominadas não suplante um ano.
AT

7. O que se entende por concurso formal?


O concurso formal é aquele em que, mediante uma ação ou omissão, ocorrem dois
ou mais crimes. Pode ser classificado como próprio/perfeito ou impróprio/imperfeito
(art. 70).
M

- próprio/perfeito: o sujeito não tem mais de um desígnio, a consequência é a


exasperação (pena mais grave aumentada de 1/6 a 1/2);
- impróprio/imperfeito: sujeito tem mais de um desígnio, a consequência é a
cumulação (só ocorre nos crimes dolosos).
Desígnio é a representação de resultado que orienta a conduta, é o dolo direto (de
1º grau).
Quanto maior o número de infrações, maior o aumento. Pelo art. 70, aplica-se uma
só pena, se idênticas, ou a maior, se diferentes, aumentada, em qualquer dos casos,
de 1/6 a ½. No concurso formal próprio heterogêneo, o juiz deve observar se o cúmulo
material das penas é mais benéfico (art. 70, p. único).

123
Aqui, também se fala em concurso homogêneo (mesmos crimes) e heterogêneo
(crimes diversos).

8. Explique o crime continuado: conceito, natureza (teorias), requisitos,


classificações. É possível concurso formal e crime continuado simultâneos?
É uma ficção jurídica, por meio da qual, uma série de crimes será punida, como se
fosse um só, por razões de política criminal. O objetivo é impedir uma pena que

O
impossibilite o retorno do sujeito à sociedade (evitar uma pena dessocializante).
Quanto à natureza do crime continuado, podemos falar em três teorias:
a) Unidade real: trata-se de crime único, pois os diversos atos são elos de

IT
uma mesma corrente, com unidade de intenção e lesão, basta ao direito penal
reconhecê-lo.
b) Teoria da ficção: somente para efeitos de pena, todos os crimes formam

TU
um só, terá os requisitos que a lei mandar.
c) Teoria da unidade real ou realidade jurídica (ou mista): o crime
continuado não é uma realidade fática, tampouco uma ficção, mas sim uma
realidade jurídica, uma terceira categoria.

RA
Prevalece no BR, a teoria da ficção jurídica (art. 119), tem-se aproximado, porém,
da teoria da unidade real, o problema, porém, é que isso, muitas vezes, é feito sem
atentar para a previsão legal.
No que diz respeito aos requisitos, também se apresentam teorias:
LG
a) Subjetiva: o requisito preponderante é a unidade de plano criminoso;
b) Objetiva: a percepção do crime continuado advém da semelhança de
condições objetivas;
c) Mista: são necessárias as condições objetivas e a unidade de plano
IA

criminoso (desígnio lato sensu);


Nos termos da exposição de motivos do CP, o BR adota a teoria objetiva.
ER

Os requisitos estão no art. 71, CP:


a) Pluralidade de condutas
b) Pluralidade de crimes de mesma espécie
c) Elo de continuidade: condições de tempo e lugar
AT

Para os crimes de mesma espécie, os critérios podem ser:


i. Objetivo-formal: tradicionalmente adotado no BR, basta que
estejam no mesmo tipo;
ii. Objetivo-material: basta a identidade de bens jurídicos;
M

iii. Objetivo formal e material: mesmo tipo e mesmo bem jurídico (é o


que tem prevalecido nas Cortes Superiores).
Sobre as semelhantes condições de tempo, é consagrado do limite de 30 dias
entre um crime e outro (criação jurisprudencial arbítrio).
E, quanto às semelhantes condições de lugar, o entendimento jurisprudencial é que
abrange até cidades vizinhas.
Há quem inclua, além da conexão temporal e local, a modal (maneira de execução)
e ocasional (outras condições semelhantes).
Obs.: é possível o reconhecimento tardio de crime continuado e concurso formal,
na fase de execução de penas. O incidente é chamado de unificação de penas. O

124
problemas é que isso vinha gerando sistema de banco de penas no cárcere, em que se
auto imputava crime alheio, beneficiando-se da continuidade.
Como reação à banalização do reconhecimento do crime continuado, os tribunais
superiores passaram a exigir um requisitos subjetivo, qual seja a unidade de plano
criminoso, por muitos chamada de unidade de desígnios. Assim, ausente esta unidade,
estaria caracterizada a habitualidade criminosa (criminoso habitual, não crime habitual),
ou seja, a compreensão por parte do autor do crime como modo de viver, que não

O
merece favor penal.
Crítica defensoria: habitualidade não foi prevista no CP, além de ser evidente
direito penal do autor. A exigência de requisito subjetivo não tem respaldo legal.

IT
Ademais, a habitualidade criminosa não foi consagrada no CP comum (tem no militar) –
vedada a analogia in malam parte.
O crime continuado pode ser classificado como simples ou qualificado. No simples,

TU
terá aplicação da pena, com exasperação de 1/6 a 2/3 sobre a pena mais grave. O
crime continuado qualificado está previsto no p. único: são crimes praticados com
violência ou grave ameaça à pessoa contra vítimas diferentes. Neste caso, a pena
poderá ser exasperada de 1/6 ao triplo.

RA
Atenção! A S. 605/STF diz que não há crime continuado nos crimes contra a vida
(não foi formalmente revogada mas está vencida, com a reforma do art. 71, p. único).
Mirabete ensina ser inviável o reconhecimento simultâneo de crime continuado e
concurso formal, devendo prevalecer apenas o crime continuado. Neste caso, o
LG
concurso formal, criado para beneficiar o réu, o prejudicaria, o que não se pode admitir.
Para as Cortes Superiores, o art. 72 não incide no crime continuado (penas de
multa aplicadas distinta e integralmente), o que é um reflexo recente de que crime
continuado não é concurso de crimes, mas unidade.
IA

Aqui, também se aplica o concurso material benéfico, se a exasperação prejudicar


o réu.

9. O que é o erro de proibição?


ER

Erro de tipo, na redação original do CP, era chamado de erro de fato. O erro de
proibição, nesta mesma redação, era chamado de erro de direito.
Da mesma forma que o CP não fala de erro de tipo, não fala em erro de proibição.
AT

Fala em “erro sobre a ilicitude do fato”.


Erro de proibição não é a mesma coisa que o desconhecimento da lei.
Erro de proibição Desconhecimento da lei
É inescusável
M

Art. 21 - O desconhecimento da lei é inescusável. O erro


sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável,
poderá diminuí-la de um sexto a um terço. (Redação dada pela
Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
O OJ brasileiro adota uma presunção absoluta de que, com a publicação da lei, ela
passa a ser de conhecimento geral. Esta presunção é necessária por razoes de
segurança jurídica. Mesmo sendo inescusável, no direito penal, o desconhecimento da
lei produz 02 efeitos:
1) Art. 65, II CP – é uma atenuante genérica

125
2) Art. 8º, LCP – o desconhecimento da lei autoriza o perdão judicial
nas contravenções penais.
No erro de proibição, o agente conhece a lei. Até porque, o seu desconhecimento é
inescusável. Conhece a lei, mas ignora o caráter ilícito do FATO (que é o conteúdo da
lei)!
Uma coisa é saber que a lei existe, outra coisa é dominar seu conteúdo, alcance.
No erro de proibição, o agente conhece a lei, mas não sabe que a sua conduta se

O
enquadra naquela lei. Ex. caipira mata um tatu para comer. Ele sabe que existe uma lei
dos crimes ambientais (todos têm que saber!). Mas não sabe que a conduta dele se
enquadra naquela lei. Matar um tatu para comer não viola, para ele, a lei de crimes

IT
ambientais.
Isso é o erro de proibição  o agente não sabe que a sua conduta é contrária ao
direito.

TU
Cezar Roberto Bitencourt leciona que o erro de proibição “é o que incide sobre a
ilicitude de um comportamento. O agente supõe, por erro, ser lícita a sua conduta. O
objeto do erro não é, pois, nem a lei, nem o fato, mas a ilicitude, isto é, a contrariedade
do fato em relação à lei.” O autor aponta três espécies de erro de proibição: (i) direto: “o

RA
agente engana-se a respeito da norma proibitiva”; (ii) mandamental: “ocorre nos crimes
omissivos, próprios ou impróprios. O erro recai sobre uma norma mandamental, sobre
um norma imperativa”; (iii) indireto: também chamado de erro de permissão, o agente
desconhece a ilicitude, no caso concreto, em razão da suposição errônea da existência
LG
ou dos limites de uma causa de justificação. O erro de proibição exclui a culpabilidade.
Exemplo: o artigo 31 da Lei nº 9.605/98 considera crime a conduta de “introduzir
espécime animal no País, sem parecer técnico oficial favorável e licença expedida por
autoridade competente”. Quem desconhece a ilicitude desta conduta, está em erro de
IA

proibição.

10. Qual o critério para se aferir se houve um erro evitável ou não (de tipo e
proibição)? Diferencie erro de proibição evitável e inevitável e as suas
ER

conseqüências.
No erro de tipo, o critério de distinção é o homem médio (há uma crítica em relação
a tal critério, devendo ser defendida uma análise da pessoa no caso concreto). No erro
AT

de proibição, o critério de distinção é o perfil subjetivo do agente. Devemos valorá-lo de


acordo com um juízo leigo, profano.
 Inevitável/escusável: o agente errou, mas se ele tivesse se
esforçado no caso concreto, ainda assim ele erraria. Por isso que é
M

inevitável. Ele errou, e de acordo com suas condições pessoais, por mais
que se esforçasse, continuaria errando. Ex. capiau que mata tatu bola.
 Evitável/inescusável: o agente errou, mas se ele tivesse se
esforçado, teria evitado o erro.
STJ – Resp. 870.055. Alguém abre uma casa de prostituição, achando que não era
errado, porque tem vários sites, propagandas, outdoors.
É um erro de proibição evitável. O erro não teria ocorrido, se o agente se
esforçasse.
Art. 21 - Parágrafo único - Considera-se evitável o erro se o
agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato,

126
quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa
consciência.
O erro de proibição inevitável isenta de pena, exclui a culpabilidade porque elimina
um dos elementos da culpabilidade – a potencial consciência da ilicitude.
O erro de proibição evitável NÃO ISENTA DE PENA, não exclui a culpabilidade,
mas a pena será diminuída de 1/6 a 1/3.
NATUREZA JURÍDICA DO ERRO DE PROIBIÇÃO INEVITÁVEL: O erro de

O
proibição inevitável é uma EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE.
NATUREZA JURÍDICA DO ERRO DE PROIBIÇÃO EVITÁVEL: O erro de proibição
evitável é uma CAUSA DE DIMINUIÇÃO DA PENA.

IT
11. Qual a diferença entre erro de proibição e o crime putativo por erro de
proibição?

TU
Erro de proibição Crime putativo por erro de
proibição (também chamado delito
de alucinação)
O agente desconhece o caráter ilícito O agente quer praticar algo que ele

RA
do fato, não sabe que está violando acha ser crime, acredita que pratica
uma norma penal, mas está. Ex. este crime, mas não o faz, porque a
homem rústico que mata o tatu. sua conduta não constitui um crime.
Ex. um pai mantém relações sexuais
LG
com a filha maior. O pai acha que
pratica um crime de incesto. Vê a
polícia e fica com medo, acha que vai
ser preso, mas incesto no Brasil não é
IA

crime. É imoral, mas não é crime.

12. O que é erro culposo?


ER

O erro culposo (erro vencível ou evitável) verifica-se nos casos de descriminantes


putativas (erro de tipo permissivo) e se encontra previsto na segunda parte do
parágrafo 1º do artigo 20 do Código Penal: “É isento de pena quem, por erro
plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse,
AT

tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o
fato é punível como crime culposo.” Sendo vencível o erro, o agente é condenado à
pena prevista para a modalidade culposa do crime que cometeu. Não havendo
previsão legal de crime culposo, o agente será absolvido.
M

13. Existe alguma situação em que o erro de proibição será tratado como erro de
tipo?
Sim. Ocorre quando há erro de tipo que recai sobre a ilicitude do fato! Alguns tipos
penais têm elementos subjetivos. Elementos subjetivos se relacionam à especial
finalidade do agente, à ilicitude do fato.
Divulgação de segredo
Art. 153 - Divulgar alguém, sem justa causa, conteúdo de
documento particular ou de correspondência confidencial, de que

127
é destinatário ou detentor, e cuja divulgação possa produzir dano
a outrem:
Esse “sem justa causa” diz respeito à ilicitude do fato. Ex. o diretor do presídio tem
justa causa para abrir a carta do preso. Mas se não houvesse essa justa causa. O erro
sobre essa justa causa, a princípio,seria erro de proibição. Mas aqui, o que era pra ser
erro de proibição, vira erro de tipo, pois foi colocado no tipo penal! É parte do tipo.
Essa justa causa diz respeito à ilicitude do fato, mas esse elemento foi previsto

O
como parte do tipo. Se não integrasse o tipo penal, seria erro de proibição. O erro de
proibição será tratado como erro de tipo quando este disser respeito à ilicitude do fato
(e estiver no tipo).

IT
14. O que são discriminantes putativas e qual sua natureza jurídica?
Conceito de descriminante: descriminante é o que descrimina, é o que exclui o

TU
crime. Descriminantes são causas que excluem o crime, ou seja são as excludentes da
ilicitude.
Putativas: vem do verbo putare – teoria da aparência. Putativa é o travesti! Parece
uma coisa, mas é outra.

RA
Descriminantes putativas: São as excludentes da ilicitude erroneamente
imaginadas pelo agente. O agente age achando que está acobertado por uma
excludente de ilicitude. Ele acredita que existe uma legítima defesa que não existe, por
exemplo.
LG
É por isso que a descriminante putativa é também chamada de descriminante
imaginária, ou erroneamente suposta.
Natureza jurídica das descriminantes putativas:
Obs.: Teoria normativa pura da culpabilidade:
IA

 Extrema ou estrita
 Limitada
Estas duas teorias consideram a culpabilidade como formada pelos mesmos
ER

elementos: imputabilidade, potencial conhecimento da ilicitude e exigibilidade de


conduta diversa.
Mas a diferença existe em razão do tratamento dado às descriminantes putativas.
-Para a teoria normativa pura extrema/estrita, a descriminante putativa sempre
AT

será erro de proibição, em sua sub-espécie “erro de proibição indireto”. (Cezar Roberto
Bittencourt, Guilherme Nucci).  TEORIA UNITÁRIA DO ERRO (descriminante
putativa sempre é erro de proibição).
-Para a teoria limitada da culpabilidade, a descriminante putativa tanto pode ser
M

“erro de proibição” (indireto), como pode ser “erro de tipo” (erro de tipo permissivo) –
(Luiz Flavio Gomes e Francisco de Assis Toledo e Cleber Masson – esta teoria também
foi adotada pelo item 19 da exposição de motivos da parte geral do Código Penal. Obs.
exposição de motivos não integra o CP).
Ex. Erro na legítima defesa. Legítima defesa putativa: pode ocorrer em 3 situações:
a) O erro pode dizer respeito à existência da legítima defesa.
Ex. cara chega em casa e pega sua mulher com outro homem na cama. Ele mata
sua mulher porque acha que pode matar alguém em legítima defesa da honra. Não
existe essa tese! O erro, aqui, recai sobre a existência da legítima defesa. É um erro de

128
direito, aqui. O agente acha que o direito autoriza a matar. (ERRO DE PROIBIÇÃO -
indireto)
b) O erro pode dizer respeito aos limites da legítima defesa
Ex. o cara chega em casa e tem uns moleques furtando roupa em seu varal. Ele vai
e mata os moleques, na legítima defesa do patrimônio. Existe legítima defesa do
patrimônio, mas noutros limites (ex. chamar a polícia, empurrar os meninos pra fora de
casa etc.), não podia matar em razão das roupas. Esse erro sobre os limites da

O
legítima defesa diz respeito a um ERRO DE PROIBIÇÃO indireto! Erro de direito. O
agente acredita que o direito lhe autoriza a matar quem furta suas roupas.
c) O erro pode dizer respeito aos pressupostos fáticos da legítima

IT
defesa
Ex. dois caras brigaram há 10 anos, e um deles ameaça o outro de morte. Quando
os dois se trombam na rua, nos dias atuais, o ameaçador vem em direção ao

TU
ameaçado e coloca a mão por debaixo da blusa. O ameaçado saca uma arma e mata o
ameaçador. Mas na verdade ele não tinha uma arma. Estava só coçando a barriga. O
erro aqui diz respeito às circunstâncias fáticas (ERRO DE TIPO permissivo. O OJ não
permite isso, então é um erro de tipo permissivo).

RA
Obs.: Onde está a legítima defesa poderia estar perfeitamente quaisquer das
outras excludentes da ilicitude.
Obs.2: Tal teoria é melhor para a defesa, uma vez que o partícipe poderá não
responder caso se trate de erro sobre os pressupostos fáticos da discriminante,
LG
considerando-se que a doutrina/jurisprudência majoritárias adotam a teoria da
acessoriedade limitada na participação (para o partícipe responder pelo crime basta
que o fato seja típico e antijurídico, não interessando se é ou não culpável).
IA

15. O que é o concurso de crimes?


Resposta:
Conceito: é o instituto que se verifica quando o agente, mediante uma ou mais
ER

condutas, praticam 2 ou mais crimes.


Fórmula do concurso de crimes =
Unidade ou pluralidade de condutas + pluralidade de crimes. Sempre teremos
pluralidade de crimes, ainda que não haja pluralidade de condutas.
AT

16. Quais as espécies de concurso de crimes?


Resposta:
Espécies de concurso de crimes
M

Concurso material (art. 69)


Concurso formal (art. 70)
Crime continuado (art. 71)

17. Qual o momento adequado para a soma das penas no concurso material?
Sistema do “Cúmulo material”  soma das penas de todos os crimes praticados
pelo réu.
Aqui, o juiz aplica a pena de cada um dos crimes separadamente, de acordo com
o critério trifásico. Depois, ele soma todas elas. Não há como somar antes de uma vez.

129
Se todos os crimes são objetos do mesmo processo, a soma das penas será
efetuada na sentença ou no acórdão. Se os diversos crimes forem objeto de ações
penais diversas, a soma das penas será efetuada pelo juízo da execução.
Ex. o réu respondeu a 3 processos criminais (um no RJ, outro em salvador, outro
em Fortaleza). É condenado nos 3, e vai cumprir a pena num presídio em SP (pois a
família está lá). Quando ele é preso, todas as execuções vão para o local onde ele
cumpre a pena, juntando-se uma condenação na outra (“efeito sanfona”).

O
No caso de aplicação cumulativa de pena de reclusão ou detenção, executa-se
primeiro a reclusão. Após acabar de cumprir a reclusão, vai para o cumprimento da
pena de detenção. Esta parte final do artigo 69 consagra um princípio: “no concurso de

IT
crimes, executam-se primeiro as penas mais graves. Acabadas as mais graves,
executam-se as mais suaves”.
Ex. Tenho 2 crimes. Para um deles, o juiz aplicou uma PPL e não suspendeu. Em

TU
outras palavras, o condenado teve de ser preso. Para o outro crime, não cabe a pena
restritiva de direitos. São incompatíveis. Não dá para cumprir uma prestação de
serviços à comunidade, junto com a PPL.
Cumprimento sucessivo ou simultâneo de penas restritivas de direito (art. 69, § 2º)

RA
§ 2º - Quando forem aplicadas penas restritivas de direitos, o condenado
cumprirá simultaneamente as que forem compatíveis entre si e sucessivamente as
demais.
Ex. 2 crimes. Nos 2, o juiz aplicou pena restritiva de direitos (substituiu a PPL, por
LG
restritiva de direitos). Nestes casos, o condenado cumprirá simultaneamente as
compatíveis entre si, e, depois, as demais.
Se forem compatíveis entre si, o condenado cumprirá as 2 simultaneamente (ex.
prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária – são compatíveis entre
IA

si).
Porém, se o juiz aplica, para cada um dos 2 crimes, 2 penas de limitação de final
de semana, não dará para cumprir as duas ao mesmo tempo. O réu vai cumprir toda a
ER

primeira pena de limitação de final de semana, e, acabado este primeiro cumprimento,


irá para o segundo.

18. O que é CONCURSO FORMAL ou também chamado de IDEAL?


AT

Resposta:
O agente, mediante uma única conduta, pratica dois ou mais crimes. 1 única
conduta  vários crimes.
ESPÉCIES:
M

a) Homogêneos: crimes idênticos;


b) Heterogêneos: crimes diversos.
c) Próprio ou perfeito (art. 70, caput, 1ª parte): é aquele em que não há
desígnios autônomos. Desígnios autônomos é o dolo. Ou seja, não há dolo para a
produção de todos os crimes.
Desígnios autônomos significa VONTADES AUTÔNOMAS = dolo. Em outras
palavras, NÃO HÁ DOLO PARA A PRODUÇÃO DE TODOS OS CRIMES. O agente
não quer praticar todos os crimes.
Dica: o concurso formal se dá entre crimes culposos ou entre um doloso e demais
culposos.

130
No concurso formal próprio ou perfeito, o CP adota o sistema da exasperação. O
juiz aplica somente uma das penas: qualquer delas, se idênticas, ou a mais grave, se
diversas, aumentada de um sexto até a metade (1/6 até a metade).

19. Qual é o critério que vai nortear o aumento da pena de 1/6 até a metade no
concurso formal?
Resposta:

O
O STJ e o STF têm uma jurisprudência fechada sobre o assunto. O aumento se
baseia EXCLUSIVAMENTE no número de crimes. Então, o juiz vai efetuar este
aumento levando apenas em conta o numero de crimes praticados pelo agente. Se

IT
estamos falando de concurso de crimes, o que vale é o número de crimes.
Os tribunais superiores montam uma tabela:
Número de crimes Aumento da pena

TU
2 crimes 1/6
3 crimes 1/5
4 crimes 1/4
5 crimes 1/3

RA
6 ou mais crimes 1/2

 E se forem 10 crimes?
LG
Uso 6 crimes para chegar no aumento máximo, no aumento de 1/2.Os demais
crimes (4 crimes remanescentes) são utilizados como circunstâncias judiciais
desfavoráveis (1ª fase do sistema trifásico de aplicação da pena – cálculo da pena-
base).
Neste concurso formal próprio ou perfeito, surge o instituto do concurso material
IA

benéfico.
Parágrafo único - Não poderá a pena exceder a que seria cabível
pela regra do art. 69 deste Código. (Redação dada pela Lei nº
ER

7.209, de 11.7.1984)
A regra da vida é o concurso material. O formal é criado para benefício do réu.
Logo, na prática, quando o concurso formal prejudica o réu, deveremos desprezar o
concurso formal e utilizar o material!
AT

Ex. homicídio qualificado + lesão culposa: o agente dá um tiro para matar a vítima
e acaba ferindo também um terceiro.
Pena mínima do homicídio qualificado: 12 anos.
Pena mínima da lesão culposa: 3 meses.
M

Se aplicarmos a regra do concurso formal, pegaremos a pena do crime mais grave,


e, como são dois crimes, aumentamos de 1/6. 12 anos + 1/6 de 12  14 anos.
Isso para o réu é pior do que somar as penas. Pois a soma das duas penas dá 12
anos e 3 meses. Neste caso, o concurso formal é prejudicial ao réu.
Então, em casos como este acima, nós dispensamos a regra do concurso formal e
aplicamos o instituto do concurso material benéfico/favorável, ainda que o caso seja de
concurso formal.
DICA: O instituto do concurso material benéfico também é aplicável ao crime
continuado. Ou seja, é aplicado sempre que se adota o sistema da exasperação.

131
20. Disserte sobre o CRIME CONTINUADO.
Crime continuado é também chamado de continuidade delitiva. Consiste numa
tríade: pluralidade de condutas + pluralidade de crimes da mesma espécie + condições
semelhantes.
O crime continuado nada mais é um concurso material (sempre crimes dolosos)
com algo mais, com condições específicas.
Origem histórica

O
Criado no século XIV. Desenvolvido nos séculos XV e XVI (glosadores). Lei
Carolina: figura do “ladrão famoso”. Esta lei dizia que o sujeito que fosse condenado
pelo 3º furto, seria considerado “ladrão famoso”, e recebia a pena de morte.

IT
Um dia, um sujeito na Itália furtou uma galinha de seu vizinho. Em outro, furtou
uma ovelha. Em outro, uma cabra. Estes 3 furtos, por terem sido cometidos em
condições bastantes semelhantes, dentro de uma histórica de começo, meio e fim,

TU
devem ser considerados 1 só.
O italiano Francesco Carrara foi quem sistematizou a teoria da ficção jurídica. E
esta teoria que se aplica no caso dos crimes continuados. O CP adotou esta teoria,
isso está dito pelo STF (HC 70.593 – Informativo 448).

RA
Teoria da ficção jurídica: o crime continuado é composto por uma série de vários
crimes que, para fins de aplicação da pena, o CP faz de conta que existe um crime só.
Ex. Um caixa de supermercado que, ao longo de 20 dias, pega 10 reais por dia.
Totalizando 200 reais. O objetivo era pegar 200 reais ao todo. Mas foi pegando deizão
LG
por dia pra não dar fita.
Esta opção política serve para fins apenas de APLICAÇÃO DA PENA. Para todos
os outros fins, temos uma pluralidade de crimes: ex. prescrição (considera cada crime
separadamente). Se todos os crimes são de ação publica condicionada, a vítima tem
IA

que representar para todos eles.


Requisitos:
I - Pluralidade de condutas:
ER

“Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão”.


II - Pluralidade de crimes DA MESMA ESPÉCIE
O que se deve entender por crimes da mesma espécie?
Existem 2 posições sobre o assunto:
AT

1ª posição (DP!!): crimes da mesma espécie são aqueles que apresentam


características comuns, pouco importa se estão ou não previstos no mesmo tipo penal.
Essa é a posição para Defensoria e já foi adotada pelo STJ (REsp. 1212911 –
Informativo 493).
M

2ª posição (infelizmente a majoritária): são aqueles que estão no mesmo tipo penal,
e apresentam a mesma estrutura jurídica. Isso é dizer que ofendem o mesmo bem
jurídico.
(roubo + latrocínio em concurso material - A defesa recorreu dizendo que são
crimes da mesma espécie, estando num mesmo tipo penal  roubo e latrocínio não
são da mesma espécie. Ofendem bens jurídicos diversos, não tendo a mesma
estrutura jurídica).
III - Conexão temporal, especial, modal.

21. Fale sobre as CONEXÕES no crime continuado:

132
Resposta:
Conexões são as condições similares: tempo, local, modo de execução e outras
semelhantes.
a) CONEXÃO TEMPORAL: condições de tempo semelhantes. O CP não diz o que
se deve entender por condições de tempo. Mas a jurisprudência adotou um critério
objetivo: entre um crime e outro não pode haver intervalo superior a 30 dias, segundo a
doutrina majoritária.

O
O produto final pode passar de 30 dias (o conjunto de todos os crimes). Mas entre
um crime e outro não pode haver intervalo superior a 30 dias.
Obs.: Crimes parcelares: são os vários crimes integrantes da série continuada. São

IT
partes do crime continuado.
b) CONEXÃO ESPACIAL: são as condições de lugar. Os crimes devem ser todos
cometidos na mesma cidade, ou, no máximo, em cidades contíguas (próximas entre si).

TU
Ex. Rio de Janeiro e Niteroi. Ribeirão Preto e Cravinhos. Bauru e Piratininga. Se um
dos crimes for praticado numa cidade e outro numa cidade distante, não há conexão,
segundo doutrina e jurisprudência majoritárias.
Ex. um sujeito pratica crime na zona sul de SP e se desloca para a Zona norte,

RA
demorando 6 horas para atravessar a cidade. Aí pratica outro na Zona Norte. Dá para
falar em crime continuado? Sim, pois os crimes foram cometidos na mesma cidade.
Ex. um sujeito pratica um furto em SP. Uma hora depois (pois vai de jatinho para
RJ) vai pra o RJ e pratica outro furto lá. Tem crime continuado? Não! Pouco importa o
LG
tempo de deslocamento entre os locais, mas sim importará sua distância!
c) CONEXÃO MODAL: os diversos crimes devem apresentar um modo de
execução semelhante. Ex. o caixa furta 10 reais do estabelecimento onde trabalha. E
todo dia é assim. Mas um dia, alguém tranca o caixa, de modo que neste furto o agente
IA

tem que arrombar o caixa. Arrombando o caixa, o modo de execução é diferente. Não
se encaixa mais no crime continuado, segundo jurisprudência e doutrina majoritárias.
Obs.: CONEXÃO OCASIONAL: O MP coloca esta modalidade dentro das “outras
ER

semelhantes”. Quando mais requisitos eu coloco, mais difícil fica reconhecer/ a


caracterização do crime continuado. Isso é bem pior para o réu.
Esta conexão ocasional é o seguinte: o crime posterior foi praticado em razão da
ocasião, da facilidade proporcionada pelo crime anterior.
AT

22. O crime continuado, além de todos os requisitos já vistos, exige a unidade de


desígnios?
Para explicar isso, há 2 teorias:
M

1) Objetiva pura ou puramente objetiva: o crime continuado NÃO


depende da UNIDADE DE DESÍGNIOS. Bastam os requisitos objetivos
do artigo 71, caput, do CP.
2) Teoria objetivo-subjetiva: além dos requisitos objetivos, do artigo
71 caput, o crime continuado também reclama um elemento subjetivo: a
UNIDADE DE DESÍGNIOS.
A teoria PURAMENTE OBJETIVA (primeira) foi a teoria adotada pela exposição de
motivos da parte geral do CP. Isso porque a exposição de motivos NÃO É LEI, é uma
mera interpretação doutrinária. Ela exige um requisito a menos – não precisa ter

133
unidade de desígnios  é melhor para o réu. DEFENDER ESTA! É a que o Código
adota expressamente !
Contudo, tanto o STF, como também o STJ, se filiam a à teoria OBJETIVO-
SUBJETIVA (STF: HC 109.730 – Informativo 682// STJ: HC 54.802) – CRITICAR!
Isso porque esta teoria permite diferenciar o crime continuado, da chamada
“habitualidade” criminosa (fazer da prática de crimes o seu meio de vida). Ex. O sujeito
todo dia pratica roubos. Vende numa feirinha e fatura 200 reais. Se adotarmos a

O
puramente objetiva. Se ele praticou 30 roubos durante o mês, na mesma cidade, com o
mesmo modo de execução, dá para dizer que é crime continuado? Não, pois o réu
sempre fez isso antes, não foi só este mês. Continuaria fazendo por mais 60, 90. Esse

IT
é o entendimento do STF, infelizmente.

23. Quais as espécies de crime continuado?

TU
Crime continuado simples: as penas são idênticas. Ex. vários furtos simples. Todos
têm pena igual.
Crime continuado qualificado: as penas são diversas (mas são crimes da mesma
espécie). Ex. um furto consumado e outro tentado.

RA
Crime continuado específico: é o crime continuado do art. 71, parágrafo único.
Aqui, o CP coloca mais requisitos. E pode-se aumentar a pena até o triplo.
Parágrafo único - Nos crimes dolosos, contra vítimas
diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à
LG
pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os
antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem
como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só
dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o
IA

triplo,observadas as regras do parágrafo único do art. 70


(concurso material benéfico) e do art. 75 deste Código (não tem
como cumprir mais de 30 anos de prisão).
ER

24. Admite-se continuidade delitiva nos crimes contra a vida?


Súmula 605 STF: “não se admite continuidade delitiva nos crimes contra a vida”.
Esta súmula não foi revogada, nem cancelada, mas PERDEU A EFICÁCIA. Isso
AT

porque esta súmula foi editada anteriormente à entrada em vigor do parágrafo único do
artigo 71 do CP e incompatível com ele (continuado específico).
Hoje, o STF admite. Mas isso é raríssimo de se configurar na prática. Pois o crime
continuado é uma exceção, tem vários requisitos. A regra é o concurso material.
M

PONTO 10
Concurso de agentes.

1. O que é o concurso de pessoas?


Entende-se por concurso de pessoas a reunião de vários agentes concorrendo,
de forma relevante, para a realização do mesmo evento criminoso, agindo todos com
identidade de propósitos.

134
2. Quais os requisitos para a configuração do concurso de pessoas?
A maioria da doutrina fixa 5 (cinco) requisitos para a configuração do concurso
de pessoas, quais sejam:
a) Pluralidade de agentes e de condutas
b) Relevância causal das condutas
c) Liame subjetivo entre os agentes
d) Identidade da infração penal.

O
e) Existência de fato punível

3. Com relação ao quarto requisito (identidade da infração penal), todos os

IT
concorrentes do evento ilícito responderão pela mesma infração penal?
Existem 3 (três) teorias a respeito: a teoria monista; a teoria pluralista; e a teoria
dualista.

TU
Segundo a teoria monista (unitária ou igualitária), ainda que o fato criminoso tenha
sido praticado por vários agentes, conserva-se único e indivisível, sem qualquer
distinção entre os sujeitos. Todos e cada um, sem distinção, são responsáveis pela
produção do resultado, em concepção derivada da equivalência das condições e

RA
também fundamentada em questões de política criminal, em que se prefere punir
igualmente os vários agentes que, de alguma forma, contribuíram para a prática de
determinada infração penal.
De acordo com a teoria pluralista, a cada um dos agentes se atribui conduta,
LG
elemento psicológico e resultado específicos, razão pela qual há delitos autônomos
cominados individualmente. Haverá tantos crimes quantos sejam os agentes que
concorrem para o fato.
Por fim, para a teoria dualista tem-se um crime para os executores do núcleo do
IA

tipo (autores) e outro aos que não o realizam, mas de qualquer modo concorrem para
a sua execução (partícipes).
O Código Penal Brasileiro adotou a teoria monista, estabelecendo-se a existência
ER

de apenas um crime e a responsabilidade de todos os que concorreram para a sua


prática. O art.29 do CP, todavia, em sua parte final, faz uma ressalva no sentido de que
todos incidem nas penas cominadas ao crime “na medida de sua culpabilidade”.
Excepcionalmente, contudo, o Código Penal abre espaço para a teoria pluralista ou
AT

pluralística. É o que se dá, por exemplo, nos seguintes crimes:


a) aborto provocado por terceiro com o consentimento da gestante: ao terceiro
executor imputa-se o crime tipificado no art. 126, enquanto para a gestante incide o
crime previsto no art. 124, in fine;
M

b) bigamia: quem já é casado pratica a conduta narrada no art. 235, caput, ao


passo que aquele que, não sendo casado, contrai casamento com pessoa casada,
conhecendo essa circunstância, incide na figura típica prevista no § 1.º do citado
dispositivo legal;
c) corrupção passiva e ativa: o funcionário público pratica corrupção passiva (art.
317), e o particular, corrupção ativa (art. 333); e
d) falso testemunho ou falsa perícia: testemunha, perito, contador, tradutor ou
intérprete que faz afirmação falsa, nega ou cala a verdade em processo judicial, ou
administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral pratica o crime delineado pelo art.

135
342, caput, e quem dá, oferece ou promete dinheiro ou qualquer outra vantagem a tais
pessoas, almejando aquela finalidade, incide no art. 343, caput

4. O Código Penal brasileiro diferencia autoria e participação?


Inicialmente, o CP de 1940 não distinguia autoria de participação, tratando-os
indistintamente sob a rubrica “da coautoria”. Com a reforma de 1984, o código não
distinguiu explicitamente os institutos, tampouco os conceituo (tarefa deixada para a

O
doutrina), porém passou a discipliná-los distintamente no título IV (“do concurso de
pessoas”) ao adotar a teoria objetiva ou dualista da autoria. Com relação às teorias da
autoria, podemos agrupá-las em dois grupos:

IT
a) Teorias unitárias:
a.1.) teoria subjetiva ou unitária: não distingue autor e partícipe, considerando
como autor todo aquele que de alguma forma contribui para a produção do resultado.

TU
a.2) teoria extensiva: os partícipes são autores e as normas a ser respeito são
causas de atenuação da pena.
b) Teorias diferenciadoras:
b.1.) Teoria objetiva ou dualista: estabelece clara distinção entre autor e

RA
partícipe, podem ser subdividida em mais duas:
b.1.1.) Objetivo-formal (adotada pelo CP): autor é quem realiza a ação
nuclear típica e partícipe quem concorre de qualquer forma para o crime. A atuação do
partícipe seria impune, se não existisse a norma de extensão pessoal prevista no art.
LG
29, caput, do Código Penal. A adequação típica, na participação, é de subordinação
mediata.
b.1.2.) Objetivo-material: autor é quem presta a contribuição objetiva mais
importante para a produção do resultado, e não necessariamente aquele que realiza o
IA

núcleo do tipo penal. De seu turno, partícipe é quem concorre de forma menos
relevante, ainda que mediante a realização do núcleo do tipo.
b.2.) Teoria do domínio do fato: autor é quem possui controle sobre o domínio
ER

final do fato, domina finalisticamente o trâmite do crime e decide acerca da sua prática,
suspensão, interrupção e condições. Essa teoria amplia o conceito de autor, definindo-
o como aquele que tem o controle final do fato, apesar de não realizar o núcleo do tipo
penal. Por corolário, o conceito de autor compreende:
AT

 o autor propriamente dito: é aquele que pratica o núcleo do


tipo penal;
 o autor intelectual: é aquele que planeja mentalmente a
empreitada criminosa. É autor, e não partícipe, pois tem poderes
M

para controlar a prática do fato punível.


 o autor mediato: é aquele que se vale de um inculpável ou
de pessoa que atua sem dolo ou culpa para cometer a conduta
criminosa; e
 os coautores: a coautoria ocorre nas hipóteses em que o
núcleo do tipo penal é realizado por dois ou mais agentes.
Partícipe, no campo da teoria do domínio do fato, é quem de qualquer modo
concorre para o crime, desde que não realize o núcleo do tipo penal nem possua o
controle final do fato. Dentro de uma repartição estratificada de tarefas, o partícipe seria
um simples concorrente acessório.

136
5. Admite-se a aplicação da teoria do domínio do fato no direito brasileiro?
Em que pese o item 25 da Exposição de Motivos do Código Penal Brasileiro indicar
a adoção da teoria objetivo-formal na definição de autor do crime, os tribunais
superiores têm se inclinado cada vez mais para a aplicação da teoria do domínio do
fato.
No julgamento da Ação Penal 470 – o famoso caso do “mensalão” – alguns

O
ministros do STF se filiaram à teoria do domínio do fato. Contudo, o entendimento
capitaneado pelo então presidente do STF Joaquim Barbosa, pela aplicação da teoria
do domínio do fato ao réu José Dirceu, recebeu duras críticas doutrinárias (inclusive do

IT
próprio Claus Roxin, um dos difusores da teoria). Em face da falta de provas concretas
para condenar os mandantes dos crimes, ministros do STF cederam às argumentações
do Procurador-Geral da República e “criaram” um quarto desdobramento da teoria do

TU
domínio do fato, denominada “teoria do domínio da posição de comando”, segundo a
qual quem tem posição de comando deve ser também responsabilizado como autor.
Essa “adaptação” da teoria do domínio do fato à realidade dos crimes da AP 470
merece severas críticas, pois se aproxima da responsabilidade penal objetiva.

RA
Por fim, a teoria do domínio do fato também ganhou força com a edição da Lei
12.850/2013 – Lei do Crime Organizado, mais especificamente em seu art. 2.º, § 3.º: “A
pena é agravada para quem exerce o comando, individual ou coletivo, da organização
criminosa, ainda que não pratique pessoalmente atos de execução”.
LG
6. É possível a aplicação da teoria do domínio do fato aos crimes culposos?
Em face de sua finalidade, a teoria do domínio do fato somente tem aplicação nos
crimes dolosos.Essa teoria não se encaixa no perfil dos crimes culposos, pois não se
IA

pode conceber o controle final de um fato não desejado pelo autor da conduta. Padece
da mesma deficiência da teoria finalista da conduta, criticada por não se encaixar
nesses delitos. Sob a ótica da teoria do domínio do fato, a autoria dolosa baseia-se no
ER

domínio do fato, enquanto a autoria culposa baseia-se na causação do resultado


determinado pela violação de um dever de cuidado.

7. O que é a autoria mediata? Distinga-a da participação.


AT

A autoria mediata (ou indireta) é aquela realizada por quem se vale de outro, que
não comete o injusto, seja porque age sem dolo, atipicamente ou justificadamente.
Exemplo clássico oferecido pela doutrina é do ator que deve encenar uma cena em que
simula um tiro em seu companheiro com balas de festim, porém o diretor substitui as
M

balas de festim por balas de verdade para que o ator, ignorante da troca das balas,
mate o seu companheiro. Nesse exemplo, o diretor é o ator mediato.
O conceito de autor mediato difere do autor direto ou imediato, que realiza
pessoalmente a conduta típica, ainda que utilize outro, que não realiza a conduta
propriamente dita, como instrumento físico.
O autor mediato detém o domínio do fato e sua conduta é principal, distinguindo-se
do partícipe, cuja conduta é acessória, vez que não detém o domínio do fato.
Embora o CP não contenha expressa previsão a respeito do conceito de autoria
mediata, traz cinco hipóteses em que o instituto é aplicável:
a) inimputabilidade penal (art.62, III);

137
b) coação moral irresistível (art.22);
c) obediência hierárquica (art.22);
d) erro de tipo escusável provocado por terceiro (art.20, p.2º) e
e) erro de proibição escusável provocado por terceiro (art.21, caput).

8. É possível autoria mediata nos crimes culposos?


Não, pois o resultado nos crimes culposos é involuntário, sendo incompatível com o

O
domínio do fato.

9. É possível a autoria mediata no crime de peculato (art.312)? E no crime de

IT
falso testemunho (art.342)? O que se entende por autoria por determinação?
Inicialmente, devemos distinguir crimes próprios e crimes de mão própria.
Crimes próprios ou especiais: aqueles em que o tipo penal exige uma situação de

TU
fato ou de direito diferenciada por parte do sujeito ativo. Apenas quem reúne as
condições especiais previstas na lei pode praticá-lo. É o caso do peculato (CP, art.
312), cujo sujeito ativo deve ser funcionário público, e também do infanticídio (CP, art.
123), que precisa ser praticado pela mãe, durante o parto ou logo após, sob a

RA
influência do estado puerperal.
Crimes de mão própria, de atuação pessoal ou de conduta infungível, de outro
lado, são os que somente podem ser praticados pelo sujeito expressamente indicado
pelo tipo penal. Pode-se apontar o exemplo do falso testemunho (CP, art. 342).
LG
A maioria da doutrina admite a autoria mediata nos crimes próprios, desde que o
autor mediato detenha todas as qualidades ou condições pessoais reclamadas pelo
tipo penal. Nesse sentido, um funcionário público pode se valer de um subalterno sem
culpabilidade, em decorrência da obediência hierárquica, para praticar um peculato,
IA

subtraindo bens que se encontram sob a custódia da Administração Pública.


Todavia, prevalece o entendimento de que a autoria mediata é incompatível com os
crimes de mão própria, porque a conduta somente pode ser praticada pela pessoa
ER

diretamente indicada pelo tipo penal. A infração penal não pode ter a sua execução
delegada a outrem. No exemplo do falso testemunho, uma testemunha não poderia
colocar uma terceira pessoa para negar a verdade em seu lugar.
Zaffaroni e Pierangeli não admitem a figura da autoria mediata nos crimes próprios
AT

e de mão própria. Segundo os autores:


“Por tratar-se de delicta propria, tampouco pode ser autor aquele que, sem ser
funcionário, vale-se de um funcionário público para cometer um delito de corrupção
passiva, quando o funcionário age em erro de tipo, porque crê que aquilo que lhe é
M

entregue não tem valor econômico, por exemplo. Mas também não pode ser punido
como instigador, porque o funcionário age atipicamente, e, portanto, falta o injusto de
que a instigação deve ser acessória.”
Segundo os autores, não se trata de autoria do delito, mas de um tipo especial de
concorrência, em que o autor só pode ser apenado como autor da determinação em si,
e não do delito a que tenha determinado. Deve ser imputado ao autor de determinação
o resultado produzido, pois a ele de qualquer modo concorreu, em consonância com a
regra prevista no art. 29, caput, do Código Penal

10. O que se entende por autoria de escritório?

138
Autoria de escritório é uma modalidade de autoria mediata, relacionada à teoria do
domínio do fato. Diferentemente da clássica autoria mediata, a autoria de escritório
exige que o determinado seja culpável e punível, além de pressupor uma “máquina de
poder”, que pode ocorrer tanto num Estado em que se rompeu com toda a legalidade,
como numa organização paraestatal (um Estado dentro do Estado), ou como uma
máquina de poder autônoma “mafiosa”, por exemplo. Não se trata de qualquer
associação para delinquir, e sim de uma organização caracterizada pelo aparato de

O
seu poder hierarquizado, e pela fungibilidade de seus membros (se a pessoa
determinada não cumpre a ordem, outro a cumprirá; o próprio determinador faz parte
da organização).

IT
Assim, o autor de escritório é o agente que transmite a ordem a ser executada por
outro autor direto, dotado de culpabilidade e passível de ser substituído a qualquer
momento por outra pessoa, no âmbito de uma organização ilícita de poder.

TU
11. O que se entende por autoria colateral?
A autoria colateral ocorre quando dois ou mais agentes, um ignorando a
contribuição do outro, concentram suas condutas para o cometimento da mesma

RA
infração penal, sem que se verifique vínculo subjetivo entre eles (que, se presente, faria
incidir as regras do concurso de pessoas).

12. Se um agente aderir ao fato criminoso cuja execução já fora iniciada pelo
LG
autor, restará configurada coautoria, participação ou crime autônomo?
Caso a adesão ocorra após o início da execução, mas antes da consumação do
delito, poderá restar configurada a coautoria sucessiva. Segundo firmou o STJ em
recente julgado (info.568), a participação na modalidade de coautoria sucessiva é
IA

aquela em que o partícipe resolve aderir à conduta delituosa após o início da sua
execuçã. Além do liame subjetivo comum a todo concurso de agentes, exige que a
adesão do partícipe ocorra antes da consumação do delito, caso contrário restará
ER

configurado delito autônomo. Em razão da exigência da adesão do coautor antes da


consumação, o receptador não responde por participação em contrabando pelo simples
fato de conhecer a procedência estrangeira da mercadoria que recebe.
O STJ assentou a exigência da adesão antes da consumação para configuração da
AT

coautoria sucessiva em recente julgado divulgado no informativo 568:


“A conduta consistente em transportar, no território nacional, em desacordo com as
exigências estabelecidas na legislação pertinente, agrotóxicos importados por terceiro
de forma clandestina não se adequa ao tipo de importação ilegal de substância tóxica
M

(art. 56 da Lei 9.605/1998) caso o agente não tenha ajustado ou posteriormente


aderido à importação ilegal antes da entrada do produto no país, ainda que o autor
saiba da procedência estrangeira e ilegal do produto, subsumindo-se ao tipo de
transporte ilegal de agrotóxicos (art. 15 da Lei 7.802/1989).”( REsp 1.449.266-PR, Rel.
Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 6/8/2015, DJe 26/8/2015).

13. É possível coautoria em crime próprio? E nos crimes de mão própria?


Coautoria é a forma de concurso de pessoas que ocorre quando o núcleo do tipo
penal é executado por duas ou mais pessoas. Em síntese, há dois ou mais autores
unidos entre si pela busca do mesmo resultado.

139
A coautoria é compatível com os crimes próprios, tanto se todos os autores forem
dotados da característica necessária para a incidência da norma específica (Ex.: dois
ou mais funcionários públicos praticam peculato), quanto se apenas um deles o for e
esta característica ingresse na esfera de conhecimento dos demais (Ex.: um agente é
funcionário e o outro não, mas sabendo da condição do comparsa com ele comete
peculato).
Já os crimes de mão própria em regra não comportam coautoria, pois somente

O
podem ser cometidos por determinado agente designado no tipo penal. Exige-se a
atuação pessoal do sujeito ativo, que não pode ser substituído por mais ninguém.
Excepcionalmente, a doutrina vislumbra a possibilidade de coautoria no crime de falsa

IT
perícia (art.342), quando dois ou mais peritos conluiados firmam falsa perícia.

14. Qual é a natureza jurídica da participação?

TU
É a modalidade de concurso de pessoas em que o sujeito não realiza diretamente
o núcleo do tipo penal, mas de qualquer modo concorre para o crime. Sob a ótica da
teoria objetivo-formal da autoria, a participação é qualquer tipo de colaboração, desde
que não relacionada à prática do verbo contido na descrição da conduta criminosa.

RA
A participação é conduta acessória, que depende, para ter relevância, da conduta
principal. Como o partícipe não pratica a ação nuclear do tipo, sua ação somente será
punível, em regra, se o autor iniciar os atos executórios do fato a que havia se
proposto.
LG
Se a participação consistisse em tipo independente, seria admitida a tentativa de
participação, porém a própria redação do art.31 do CP exige que no mínimo o crime
seja tentado, de modo que não resta outra conclusão senão a de que o CP acolhe a
participação como conduta acessória.
IA

“Art. 31 - O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição


expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser
tentado.”
ER

15. Segundo o direito brasileiro, o partícipe responderá pelo crime ainda que o
autor principal tenha agido em legítima defesa? Explique brevemente as teorias
acerca da acessoriedade da participação, bem como indique aquela adotada pela
AT

direito brasileiro.
A maioria da doutrina brasileira acolhe a teoria da acessoriedade limitada, segundo
a qual a punição do partícipe pressupõe apenas a prática de fato típico e ilícito, ainda
que o autor não seja culpável. À luz dessa teoria, se o autor agir em legitima defesa, o
M

partícipe não responderá pelo crime, pois o fato não é antijurídico.


Vislumbram-se as seguintes teorias acerca da acessoriedade da participação:
(a) teoria da acessoriedade mínima: basta a constatação da prática de fato típico
por parte do autor principal para a possibilidade de punição do partícipe, ainda que o
autor principal alegue causa de exclusão da antijuridicidade ou da culpabilidade;
(b) teoria da acessoriedade limitada (majoritária): é necessário que haja fato típico
e antijurídico para a punição do partícipe, ainda que o autor principal alegue causa de
exclusão da culpabilidade;
(c) teoria da acessoriedade extremada: para a punição do partícipe, é preciso que
ao autor principal também seja imputado fato típico, antijurídico e culpável,

140
(e) hiperacessoriedade: a punição do partícipe pressupõe o prático de fato típico,
ilícito, por agente culpável, que seja efetivamente punido.

16. Quais são os requisitos da participação?


Aspecto interno da acessoriedade: dolo de contribuir para o injusto doloso. Não se
admite participação culposa, o que resta claro da leitura do art.29, p.2º, do CP:
Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este

O
cominadas, na medida de sua culpabilidade. (...)
§ 2º - Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á
aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido

IT
previsível o resultado mais grave.
Aspecto externo: que o fato principal se encontre ao numa etapa executiva, ou
seja, que ao menos o injusto tenha sido tentado.

TU
17. Segundo o art.30 do CP, “não se comunicam as circunstâncias e as
condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime”. À luz desse
dispositivo, o vínculo pessoal do autor com a vítima do furto previsto na

RA
qualificadora do art. 155, p.4º, II do CP (abuso de confiança) comunica-se aos
partícipes? Se essa mesma circunstância pessoal se achasse presente no roubo
(art.157), comunicar-se-ia aos partícipes?
No primeiro caso, do furto qualificado pelo abuso de confiança, o vínculo pessoal
LG
do autor com a vítima configura elementar do tipo, razão pela qual se comunica aos
partícipes.
Já na hipótese do roubo,o vínculo pessoal não configura elementar do tipo, não se
comunicando aos partícipes.
IA

Acerca da “comunicabilidade das circunstâncias”, podemos fazer as seguintes


afirmações:
a) Não se comunicam as circunstâncias e condições pessoais que se fundam em
ER

causas de exclusão ou de extinção da punibilidade;


b) Não se comunicam as circunstâncias que fundamentam diferentes graus de
culpabilidade;
c) Não se comunicam as circunstâncias e condições pessoais que aumentam o
AT

conteúdo do injusto do crime, mas que não são consideradas para que o fato seja
considerado crime ou para a sua qualificação.
M

PONTO 11
Punibilidade. Extinção da punibilidade.
Reabilitação.

1. O que se entende por punibilidade?


Punibilidade é a possibilidade jurídica de o Estado impor uma sanção penal ao
responsável (autor, coautor ou partícipe) pela infração penal. Importante notar que a
punibilidade surge em decorrência da prática de uma infração penal, não podendo ser
entendido como elemento do crime. Assim, havendo, p.e., um homicídio, este

141
continuará a ser crime se surgir uma causa extintiva da punibilidade, desaparecendo
apenas o poder punitivo.
Imperioso notar que o Estado é o titular exclusivo do direito de punir, ou seja,
possui o monopólio do direito de punir. Este direito de punir é genérico e abstrato,
dirigindo-se indistintamente a todas as pessoas. Desta forma, com a prática do crime,
este direito de punir se concretiza. Verifica-se que este direito de punir possui limites: (i)
materiais; (ii) formais; (iii) temporais.
Como limites materiais, temos a reserva legal, a insignificância etc. Como limites

O
formais, temos o contraditório, a ampla defesa, proibição de provas ilícitas etc. Como
limite temporal, temos a prescrição.

IT
2. A extinção de punibilidade pode levar a extinção da própria infração penal?
Em regra, não. No entanto, a exceção se dá por conta da abolitio criminis, a qual

TU
funciona como causa superveniente de extinção da tipicidade. Pode-se ainda falar na
anistia, vez que esta, por ficção legal e por força de sua eficácia retroativa, provoca a
atipicidade temporária do fato cometido pelo agente, resultando na exclusão da
infração penal.

RA
3. O que se entende por condições negativas de punibilidade?
Nucci entende que são as escusas absolutórias, ou seja, escusas especiais e
pessoais, fundadas em razões de ordem utilitária ou sentimental que não afetam o
LG
crime, mas somente a punibilidade. Caso estejam presentes, a conduta não será
punível, tal como é o caso do art. 181, I e II, CP 3.
Elas possuem efeito idêntico das condições objetivas de punibilidade (condições
exteriores à conduta delituosa, não abrangidas pelo elemento subjetivo, que, como
IA

regra, estão fora do tipo penal, tornando-se condições para punir, tal como a sentença
declaratória de falência em relação a alguns casos de crimes falimentares – art. 180, lei
11.101), mas tem natureza jurídica diversa
ER

4. O rol do art. 107, CP, que traz as causas de extinção da punibilidade, é


taxativo? Admite-se causas supralegais e extinção da punibilidade?
Não, pela doutrina amplamente majoritária, trata-se de rol exemplificativo. Diversos
AT

exemplos se encontram no CP e na legislação especial (escusas absolutórias – art.


181 e 348, §2º, CP; término do período de prova, sem revogação do sursis, do
livramento condicional e da suspensão condicional do processo - art. 89, Lei 9099/95).
Por sua vez, as causas supralegais são admitidas a exemplo da Súmula 554 STF
M

(O pagamento de cheque emitido sem provisão de fundos, após o recebimento da


denúncia, não obsta ao prosseguimento da ação penal – logo, se paga o cheque antes,
não há crime).

5. Há diferença entre a extinção da pretensão punitiva ou da pretensão


executória?

3 Art. 181 - É isento de pena quem comete qualquer dos crimes previstos neste título, em prejuízo:
(Vide Lei nº 10.741, de 2003)
I - do cônjuge, na constância da sociedade conjugal;
II - de ascendente ou descendente, seja o parentesco legítimo ou ilegítimo, seja civil ou natural.

142
Sim. Em primeiro lugar, notemos que ambas se tratam de causas de extinção da
punibilidade.
As causas que atingem a pretensão punitiva (decadência, perempção, renúncia do
direito de queixa, perdão aceito, retratação do agente e perdão judicial) eliminam todos
os efeitos penais de eventual sentença condenatória já proferida.
No entanto, as causas extintivas que afetam a pretensão executória (indulto, graça,
sursis, livramento condicional), salvo nas hipóteses de anistia e abolitio criminis,

O
apagam unicamente o efeito principal da condenação, qual seja a pena. Desta feita,
subsistem os efeitos secundários da sentença condenatória (pressuposto da
reincidência e constituição de título executivo judicial no campo civil).

IT
6. É possível a extinção da punibilidade do agente na pendência da execução da
pena de multa? (Tese institucional)

TU
Com a redação do art. 51, dada pela lei 9.268/96, estabeleceu-se que “transitada
em julgado a sentença condenatória, a multa será considerada dívida de valor,
aplicando-se-lhe as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública,
inclusive no que concerta às causas interruptivas e suspensivas da prescrição”. Desta

RA
forma, deve-se entender (tese mais favorável à Defensoria e encampada em tese
institucional) que, a despeito de a multa ainda ostentar natureza penal, a execução
desta pena tem caráter extrapenal a partir da lei 9268/96. Nesta linha, vejamos trecho
dos fundamentos da tese institucional:
LG
Neste sentido leciona Luiz Flávio Gomes: “O réu tem dez dias para pagar a multa
espontaneamente no juízo criminal mesmo (não foi revogado o art. 50 do CP). Não
efetuado o pagamento, extrai-se certidão da condenação, que será enviada à Fazenda
Pública para inscrição. A partir daí é pura ‘dívida de valor’, sem nenhum reflexo na
IA

liberdade do condenado, e já não será correto falar em prescrição penal, senão em


prescrição (de crédito) civil.”
Este mesmo autor, ao final de suas considerações, afirma textualmente que a
multa “deixa de ser um assunto penal e passa a ser um assunto fiscal.”4
ER

Consoante o caráter extrapenal da execução da pena de multa, o inadimplemento


deste não pode gerar o indeferimento da pretensão de ver declarada extinta a
punibilidade em razão do cumprimento da pena no âmbito penal, “determinando-se, via
AT

de conseqüência, a baixa nos registros criminais no Instituto de Identificação Civil


(IIRGD) e no Cartório Distribuidor Criminal, de conformidade com o art. 202 da LEP”.

7. O que se entende por prescrição?


M

Prescrição é a perda da pretensão punitiva, ou da pretensão executória, em face


da inércia estatal durante determinado prazo legalmente previsto.
Pretensão punitiva é o interesse do Estado em aplicar a pena a quem violou a lei
penal. Ela sempre ocorre antes do trânsito em julgado da condenação. Pretensão
executória é o interesse do Estado em fazer com que uma pena já aplicada seja
efetivamente cumprida. Ela se manifesta apenas após o trânsito em julgado da
condenação.

143
Verifica-se que se trata de matéria de ordem pública. Pode e deve ser reconhecida
a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição, inclusive de ofício pelo juiz (HC
110.221 – Informativo 731, STF). Outrossim, trata-se de matéria preliminar. Afinal,
antecede e impede a análise do mérito (STJ, Rcl. 4515, informativo 470).

8. Quais os fundamentos da prescrição?


Temos três fundamentos. O primeiro deles é a segurança jurídica, vez que as

O
pessoas não podem passar a vida inteira com o risco, com a ameaça de ser punida. O
segundo é a inadequação da pena aplicada muito tempo depois após a prática do
crime. A pena aplicada não cumpre com as suas finalidades de prevenção geral,

IT
prevenção especial. Trata-se de mera vingança do Estado em face do agente. O que
inibe a criminalidade é a resposta rápida por parte do Estado. Por fim, tem-se o
combate à ineficiência estatal.

TU
9. É possível a criação de novas hipóteses de imprescritibilidade penal?
Há duas posições sobre o assunto.
Uma primeira posição, majoritária, entende que não podem haver novos casos de

RA
imprescritibilidade. Os dois casos são previstos como cláusula pétrea, direito
fundamental. O raciocínio feito é a de que, no momento em que a CF apresenta dois
casos de imprescritibilidade, diz indiretamente que os demais prescrevem. A prescrição
é um direito fundamental do ser humano, qual seja, a de ser processado e julgado
LG
dentro de prazos previstos em lei.
Uma segunda posição entende que sim. Trata-se da posição do STF, adotada no
RE 460971. O STF entende que a CF não esgota as hipóteses de imprescritibilidade
penal, sem esgotá-los. A propósito, o artigo 29, decreto 4588/02, incorporou o TPI.
IA

Neste, estabeleceu-se que os crimes de competência do TPI não prescrevem (ex.:


crime de agressão internacional).

10. Qual a diferença entre prescrição e decadência?


ER

Em primeiro lugar, cabe ressaltar as semelhanças. Ambas são causas extintivas da


punibilidade previstas no art. 107, IV, CF, e que ocorrem pela inércia do titular do direito
durante um determinado prazo previsto em lei.
AT

A prescrição é possível em qualquer crime, salvo nas hipóteses de


imprescritibilidade penal. A decadência é o prazo para ajuizar a queixa crime ou
apresentar representação.
A prescrição pode ocorrer a qualquer tempo, isto é, antes, durante, ou após a ação
M

penal (mesmo após o transito em julgado da ação penal). Já a decadência só pode


ocorrer antes da ação penal (Ex.: 6 meses para representar, se não o fizer, decai, sem
ela a ação penal sequer começa).
A prescrição retira do Estado o direito de punir. A decadência atinge diretamente o
direito de ação e indiretamente o direito de punir. A vítima não pode mais representar
ao MP, ajuizar queixa crime, atinge o direito de ação. Sem ação, o Estado não pode
exercer o direito de punir.

11. Quais as espécies de prescrição existentes?

144
Basicamente, temos dois tipos: a prescrição da pretensão punitiva (“prescrição
da ação”) e a prescrição da pretensão executória (“prescrição da execução”).
A prescrição da pretensão punitiva se subdivide em três: propriamente dita;
retroativa; e intercorrente/superveniente. Nessas três modalidades, não há trânsito em
julgado da condenação para ambas as partes. Não há uma condenação definitiva.
Nota-se que, na PPP propriamente dita, inexiste transito julgado para ninguém. Na
PPP retroativa e intercorrente, há trânsito em julgado para a acusação, mas não o há

O
para a defesa.
Quanto à prescrição da pretensão punitiva propriamente dita (art. 109, caput,
CP), trata-se da prescrição antes de transitar em julgado a sentença penal, sendo

IT
calculada com base na pena máxima em abstrato, tendo como termo inicial a
consumação do crime (teoria do resultado5).
Por sua vez, a prescrição retroativa é aquela calculada “para trás”. Ela tem como

TU
pressuposto o trânsito em julgado para a acusação, sendo calculada com base na pena
aplicada. Tal se baseia no princípio da non reformatio in pejus (art. 117, CPP). Ou seja,
se o MP não recorre, a pena cominada na sentença é a expectativa máxima estatal de
punição. A situação do réu não pode ser agravada por recurso exclusivo da defesa.

RA
Por fim, a prescrição intercorrente tem como pressuposto o trânsito em julgado
para a acusação no que tange a pena aplicada. É calculada com base na pena
aplicada, mas, diferentemente da retroativa (contada da sentença para trás), a
superveniente é contada da sentença para frente (após a sentença condenatória, mas
LG
antes do trânsito em julgado para a defesa).
No que tange à prescrição da pretensão executória, tal é calculada com base na
pena em concreto (sendo aumentada de 1/3 se o réu é reincidente). A PPE só pode ser
reconhecida após o trânsito em julgado para ambas. Todavia, depois que existe o
IA

trânsito em julgado para ambas as partes, o termo inicial retroage para a data do
trânsito em julgado para a acusação

12. A reincidência gera efeitos no cálculo da prescrição?


ER

Sim, mas apenas no que diz respeito à prescrição da pretensão executória. A


reincidência aumenta de 1/3 somente o prazo da PPE, não interferindo no prazo da
PPP. Por outro lado, como já visto, não custa lembrar que o art. 115 é aplicável para
AT

5 Contudo, existem exceções ao termo inicial, sendo previstos em rol taxativo. Afinal, as exceções
previstas são prejudiciais ao réu, não cabendo analogia in malam partem.
No caso da tentativa, a prescrição começa a ocorrer a partir da data do último ato de execução.
M

No caso de crimes permanentes (aqueles em que a consumação se prolonga no tempo, por vontade do
agente), enquanto a vítima está em poder do agente, o crime continua se consumando. Nestes crimes, a
prescrição só começa a correr a partir da data em que cessar a permanência (ex.: quando a vítima for
liberada do cativeiro).
No caso dos crimes de bigamia ou falsificação do assento de registro civil, a prescrição só começa a
correr a partir da data em que o fato for conhecido por quem tenha a legitimidade para deflagrar a ação
penal (RHC 7206 STJ). É o caso do menino Pedrinho.
No caso de crimes sexuais contra crianças e adolescentes, a prescrição começa a correr a partir da data
em que a vítima fizer 18 anos. A exceção foi criada pela lei 12650/12 (lei “Joanna Maranhão”).
Nestes últimos crimes, temos duas possibilidades. Se já foi proposta a ação penal, segue-se a regra
geral. A prescrição começa a correr a partir da data da consumação. Por outro lado, se a ação não foi
ainda proposta, a prescrição começa a correr a partir da data em que a vítima completa 18 anos. Daí, o
prazo prescricional pode, tranquilamente, ultrapassar 20 anos

145
todos os prazos de prescrição. A súmula 220, STJ, é expressa em dizer que a
reincidência não influi no prazo da prescrição da pretensão punitiva.

13. O que se entende por prescrição virtual?


A prescrição virtual não possui previsão legal, sendo criação doutrinária e
jurisprudencial. Ela se baseia na inevitabilidade da prescrição retroativa e é calculada
com base na projeção da pena que será aplicada. Nota-se que ela modalidade peculiar

O
haja vista que é decretada antes de ter efetivamente ocorrido.
Verifica-se que os fundamentos da prescrição virtual são celeridade e economia
processual, bem como a falta de interesse processual. Todavia, atualmente, tanto

IT
STF (Inq. 2584, Plenário, Inf. 656) como STJ (Súmula 438) são contra essa modalidade
de prescrição.
O fundamento para rechaçar essa prescrição virtual foi, na verdade, o abuso dos

TU
juízes e promotores. Mas, o que embasou juridicamente o entendimento foi: (i) falta de
previsão legal (até ai, o principio da insignificância também não o tem); (ii) a
prescrição virtual ofende a presunção de não-culpabilidade (encampado por
Gilmar Mendes no STF, dizendo que, para reconhecer a prescrição virtual, temos que

RA
imaginar que o réu será condenado, antes de efetivamente o sê-lo ofendendo a
presunção); (iii) o crime imputado na denúncia pode ser modificado na instrução
penal (é o caso do réu denunciado por furto, mas que, durante a instrução, descobre-
se que se trata de roubo. Aqui, pode ocorrer que o prazo prescricional se altere).
LG
14. As medidas de segurança estão sujeitas à prescrição?
Paulo Queiroz, em exame sucinto (Manual de Direito Penal) apenas assevera que
a expressão “extinção de punibilidade” pode sugerir que estas causas somente são
IA

aplicáveis aos casos passíveis de pena. No entanto, ele afirma que as causas de que
trata o CP são também aplicável às situações passível de medida de segurança em
razão de inimputabilidade decorrente de doença mental ou perturbação da saúde
ER

mental do autor.
Aprofundando o assunto, Nucci (Código Penal Comentado) nos traz quatro
posições sobre o tema no que tange especificamente a aplicação da prescrição.
Vejamos.
AT

A primeira entende que só se aplica à PPP (prescrição da pretensão punitiva).


Afinal, para a executória se exige a fixação de pena, o que não acontece no caso de
medida de segurança. Portanto, antes da decisão, é possível haver prescrição; depois
não.
M

A segunda entende que se aplicam ambas as prescrições (PPP e PPE). No caso


da executória, por que não há pena e sim medida de segurança, calcula-se a
prescrição pela pena em abstrato fixada ao crime.
A terceira entende que se aplica normalmente a PPP quando antes da decisão.
Caso seja depois da decisão, diante do silêncio da lei, o melhor a fazer é verificar,
antes de efetivar a medida de segurança de internação ao foragido, se o seu estado
permanece o mesmo, ou seja, se continua “perigoso e doente” [sic – cuidado com isso
com o examinador, já que acredito que ele não vai gostar do uso do termo]. Caso tenha
superado a “doença e a periculosidade”, não mais se cumpre a medida de segurança
(haverá extinção da medida).

146
Por fim, a última entende que se aplica a prescrição da pretensão punitiva pelo
máximo em abstrato previsto para o crime; Quanto à pretensão executória, deve-se
seguir o máximo possível para a medida de segurança, numa analogia com o art. 75,
CP, ou seja, 30 anos.
Nucci conclui dizendo “embora, tecnicamente, a melhor posição , em nosso
entendimento, seja a segunda, podemos considerar a terceira em casos especiais.
Quanto ao semi-imputável, leva-se em conta a pena fiada e depois convertida em

O
internação (art. 98, CP) para o cálculo da prescrição executória. A prescrição da
pretensão punitiva ocorre normalmente, como nos demais casos”.

IT
15. O que se entende por perdão judicial e qual a diferença com o perdão do
ofendido?
Perdão judicial é o ato exclusivo (unilateral) do membro do Poder Judiciário que, na

TU
sentença, deixa de aplicar a pena ao réu, em face da presença de requisitos
legalmente exigidos. É causa de extinção da punibilidade e direito público subjetivo,
devendo ser concedido quando preenchidos os requisitos. Outrossim, só pode ser
concedido nos casos expressamente previstos em lei (ex.: homicídio culposo – art. 121,

RA
§5º, CP6).
Nota-se ainda que o perdão judicial alcança o crime que lhe dá ensejo, bem como
todos os demais cometidos no mesmo contexto fático (ex.: acidente de trânsito em que,
diante da imprudência de um motorista, morre seu filho e também um terceiro que
LG
estava noutro carro. O perdão judicial, embora justificado pela morte do filho do agente,
extingue igualmente a punibilidade do outro homicídio culposo).
Por sua vez, o perdão do ofendido é concedido pela vítima ou por seu
representante legal. Para que haja a extinção da punibilidade, é preciso a aceitação
IA

(ato bilateral). Por fim, é cabível apenas em crimes perseguidos mediante ação penal
de iniciativa privada

16. É possível a aplicação do perdão judicial no caso de homicídio e lesão


ER

culposos cometidos na direção de veículo automotor?


Em que pese a taxatividade das causas de perdão judicial e o fato do CTB não
trazer previsão expressa, entende-se que o perdão deve ser aplicado. Afinal, deve
AT

haver aplicação analógica do art. 121, §5º e do art. 129, §8º, ambos do CP, vez que
não normas de caráter geral (art. 12, CP), justificativa que ficou clara no veto do
Presidente da República ao dispositivo legal que previa o perdão judicial em tais crimes
do CTB.
M

17. Qual a diferença entre perdão judicial e escusas absolutórias?


De acordo com Cleber Masson: “Em ambos, o fato é típico e ilícito, e o agente
possui culpabilidade. Subsiste a infração penal, operando-se exclusivamente a extinção
da punibilidade. Em suma, há um crime ou contravenção penal e o seu responsável
deve submeter-se ao juízo de reprovabilidade, mas o Estado está impedido de punir.

6§ 5º - Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as conseqüências


da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária.

147
Além disso, tanto o perdão judicial como as escusas absolutórias são condições
subjetivas ou pessoais, incomunicáveis aos demais coautores e partícipes da infração
penal.
Mas, nada obstante tais semelhanças, os institutos não se confundem.
O perdão judicial somente pode ser concedido na sentença ou no acórdão, depois
de cumprido o devido processo legal. Por sua vez, as escusas absolutórias (CP, arts.
181 e 348, § 2.º) impedem a instauração da persecução penal. Sequer existe inquérito

O
policial.
Com efeito, as escusas absolutórias se justificam por questões objetivas,
provadas de imediato. Exemplo: relação de parentesco na linha reta.

IT
De outro lado, o perdão judicial reclama o regular trâmite da ação penal para
provar se estão ou não presentes os requisitos legalmente exigidos.
Exemplificativamente, somente com o término da instrução criminal será possível

TU
concluir se, em um homicídio culposo praticado por um homem contra sua esposa, as
consequências do crime foram tão graves de modo a tornar dispensável a aplicação da
pena. Pode o viúvo ter ficado depressivo, hipótese em que será pertinente o perdão
judicial, mas é possível também que, logo após a morte, tenha se casado com outra

RA
mulher e utilizado a herança da falecida para adquirir carros de luxo, bens que até
então não possuía, e realizar festas caríssimas, afastando a causa extintiva da
punibilidade.”
LG
18. O que se entende por reabilitação.
Trata-se de instituto jurídico penal que se destina a promover a reinserção social do
condenado, a ele assegurando o sigilo do de seus antecedentes criminais, bem como a
suspensão condicional de determinados efeitos secundários de natureza extrapenal e
IA

específicos da condenação, mediante a declaração judicial no sentido de que s penas a


ele aplicadas foram cumpridas ou por qualquer outro modo extintas (Masson).
Tem natureza de medida de política criminal assecuratória do sigilo sobre os
ER

antecedentes criminais do condenado e, ainda, causa suspensiva condicional de certos


efeitos secundários de natureza extrapenal e específicos da condenação
A reabilitação tem como pressuposto a existência de uma sentença condenatória
transitada em julgado (é indiferente a natureza da sanção penal aplicada, já que a
AT

reabilitação alcança quaisquer penas). Outrossim, a reabilitação apresenta requisitos


de ordem objetiva e subjetiva. Os requisitos objetivos são: tempo de cumprimento da
pena e reparação do dano. Já os requisitos subjetivos dizem respeito à pessoa do
condenado e são: domicílio no pais nos dois anos seguintes ao cumprimento ou
M

extinção da pena e bom comportamento público e privado nesse período

19. Qual o alcance do sigilo das condenações possibilitada pela reabilitação?


O sigilo assegurado pela reabilitação somente podem ser obtidas por requisição
(ordem), não de qualquer integrante do Poder Judiciário, mas exclusivamente do juiz
criminal (art. 748).
A grande utilidade se dá quanto ao sigilo dos registros sobre o processo e sentença
do condenado.
Verifica-se que a medida em questão é mais ampla que a prevista no art. 202, LEP,
que promove de forma automática e imediata – após o cumprimento integral ou da

148
extinção da pena por qualquer outro motivo – o desaparecimento da folha corrida,
atestados ou certidões fornecidas por autoridade policial ou por auxiliares da justiça
sobre qualquer notícia ou referência à condenação, salvo para instruir processo pela
prática de nova infração penal ou outros casos expresso em lei. O sigilo aqui pode ser
quebrado por qualquer autoridade judiciário, por membro do MP ou por Delegado de
polícia.

20. Qual o alcance da reabilitação em relação aos efeitos secundários de

O
natureza extrapenal e específicos da condenação?
A suspensão dos efeitos secundários elencados no art. 92, CP, é condicional.

IT
Afinal, exige-se do reabilitando o cumprimento de condições para retornar à situação
em que estava previamente à condenação.
No caso da incapacidade para exercer o pátrio poder, tutela ou curatela, o

TU
condenado pode voltar a exercê-las em relação àqueles que não foram vítimas do
delito doloso punido com reclusão, pois em relação ao ofendido a incapacidade é
permanente, conforme determina o art. 93, parágrafo único.
No que se refere à inabilitação para dirigir veículo, uma vez reabilitado, o agente

RA
pode obter nova carteira de habilitação.
Por fim, no que se refere à perda de cargo, função pública ou mandato eletivo, o
agente pode retornar ao exercício, desde que proveniente de uma nova investidura.
LG
21. A reabilitação afeta a reincidência?
Não. A condenação permanece íntegra, pois o instituto em análise não tem a
capacidade de rescindi-la. Portanto, se, embora reabilitado, o agente vier a praticar
novo delito, será considerado reincidente.
IA

22. Quem tem legitimidade para requerer a reabilitação?


Trata-se de ato pessoal e intransferível, tendo o condenado legitimidade privativa.
ER

Desta feita, não se estende aos seus herdeiros ou sucessores em caso de falecimento
do titular, o que se justifica pela finalidade do instituto (reinserção social do
condenado).
AT

23. A reabilitação pode ser revogada?


Sim. É o que preceitua o art. 95, CP. Art. 95 - A reabilitação será revogada, de
ofício ou a requerimento do Ministério Público, se o reabilitado for condenado, como
reincidente, por decisão definitiva, a pena que não seja de multa
M

PONTO 12
Pena: evolução histórica, espécies, aplicação.
Teorias da pena. Modernas tendências das teorias da pena.
Circunstâncias Judiciais. Agravantes e Atenuantes. Causas de Aumento e de
Diminuição. Cálculo da Pena.
Suspensão condicional da pena.

1. Discorra a respeito da evolução histórica da pena.

149
(i)Tempos primitivos e vingança privada (Antiguidade):
Homem contra o homem, grupo contra grupo. Totens e tabus (o grupo acreditava
que deveria castigar o outro diante de uma conduta porque senão os Deuses
castigariam aquele grupo). Totens eram divindades que influenciavam o
comportamento das pessoas, em razão da crença da premiação ou do castigo,
assumindo variadas formas (animal, vegetal ou fenômeno natural), de forma que se
punia o infrator para desagravar a divindade, por meio, por exemplo, do desterro

O
(expulsão do grupo), a fim de evitar que a classe social fosse contagiada pela mácula
que impregnava o agente e possíveis reações vingativas da divindade. Naquela época
o castigo era baseado na morte ao indivíduo ou ao grupo inteiro (eliminar aquele que

IT
se tornara um inimigo da comunidade e dos seus deuses e forças mágicas). Existia o
risco de dizimação, caso a pena não fosse proporcional, motivo pelo qual surge o
Talião (ex: Código de Hamurabbi), e a composição (“compra da paz”, ao invés de usar

TU
o “olho por olho”). Prisão-custódia (surgiu antes da prisão-pena). Na vingança privada,
a infração era vista como uma ofensa ao próprio grupo ao qual o ofensor pertencia.
Assim, o ofendido ou qualquer pessoa do grupo – e não mais a divindade, fazia “justiça
pelas próprias mãos”.

RA
(ii)Vingança divina (Idade Média):
Há duas espécies de justiça, a comum (para os cidadãos) e a eclesiástica (para os
membros do clero). Na primeira quem julgava eram os senhores feudais, o processo
era secreto, sigiloso, não havia direito à defesa. A tortura, as ordálias e os duelos eram
LG
meios de provas divinos. A pena principal era a pena de morte. Havia prisão-custódia.
Na segunda, quem julgava era a Igreja, o Tribunal de Santa Inquisição, que julgava o
clero, o processo era público, com direito à defesa; era permitida a produção de provas,
sem ordálias ou duelos e durante muito tempo não havia tortura. Tortura, na Igreja
IA

Católica foi vedada até 15 de maio 1252, quando foi editada a Bula Papal “Ad
Extirpanda”, pelo Papa Inocêncio IV, quando passou a ser admitida a tortura na justiça
eclesiástica, desde que não fosse vertido sangue (in cruenta). Se a pessoa
ER

confessasse a sua culpa, teria penas mais brandas, como o autoflagelo, a peregrinação
e penitência (clausura, daí o nome “penitenciária”, é aqui que surge a prisão-pena,
embora restrita à justiça eclesiástica). E se a pessoa não confessasse? Era
excomungada, declarada herege impenitente, e passava para a justiça comum, quando
AT

então podia receber a pena capital. A Igreja não sujava suas mãos de sangue.
(iii)Vingança pública (Absolutismo):
Ocorreu no Brasil, por força das Ordenações Filipinas (1603-1830). Processo era
sigiloso, não havia direito à defesa, o responsável pelo julgamento era a mesma
M

pessoa que acusava (juiz-inquisitor), as leis eram vagas, havia muita arbitrariedade, o
crime mais grave era a lesa-majestade. A tortura era admitida e legalizada. A pena
mais comum era a de morte, que podia ser simples, ou antecedida de tortura, ou “para
sempre” (primeiro torturava, depois matava por enforcamento, e depois expunha o
corpo em praça pública por um ano, tal como ocorreu com Tiradentes). Havia também
a pena de confisco, que não respeitava a personalidade das penas, ultrapassando
gerações, tal como o que ocorreu com a família de Tiradentes, até a quinta geração.
Prisão-custódia, apenas. Havia desigualdade na punição, de acordo com a classe
social, amparada por lei. Se fosse nobre, havia a pena de degredo (saí do território
português e vai para as colônias portuguesas, degredo mais grave era para o Brasil).

150
Era crime nas Ordenações fazer fofoca (“das mexeriqueiras”), adultério (se a mulher
traía, ela morria, e o homem tinha que usar capela de chifres).
(iv)Período humanitário (século XVIII – Rev. Francesa):
Dos delitos e das penas – Marquês de Beccaria, expoente filosófico da Escola
clássica (o expoente jurídico foi Carrara). Contraponto ao que ocorreu na vingança
pública. Leis claras, proporcionais, processo público, direito à defesa, em geral eram
contrários a pena de morte, com base no contrato social, já que cada um de nós demos

O
uma parcela de nossa liberdade ao Estado, e o indivíduo jamais daria como parcela de
sua liberdade a sua própria vida. Surge a prisão-pena. A preocupação era com a justiça
criminal, e não com a pessoa, tendo em vista que a pessoa comete crime porque quer

IT
(ideia de livre-arbítrio). Não se fala em ressocialização na Escola clássica. Prisão com
caráter retributivo, e só. A pena de prisão vem com um viés humanista, para acabar
com a pena de morte (corrente majoritária). Contudo, para outra corrente, a pena de

TU
prisão surge na verdade com um viés utilitarista (Rev. Industrial).
(v)Período criminológico (final do século XIX, começo do século XX):
Escola Positiva. Lombroso: psiquiatra. Ferri: sociólogo. Garófalo: jurista, que cria a
criminologia. Determinismo interno/externo. Fala-se em prisão para ressocialização. Há

RA
uma variante da Escola Positiva, que é a Escola Correcionalista (Pedro Dorado
Monteiro, Concepción Arenal, Luiz Gimenez de Asua), que radicaliza o discurso da
Escola Positiva, ao entender que o criminoso é sempre um doente, ou seja, sempre
receberá ao menos a influência interna; partindo desse pressuposto, não adianta lhe
LG
aplicar uma pena, e sim um tratamento por prazo indeterminado (embrião da medida
de segurança, só que antes era aplicada a qualquer criminoso). A ideia de correção do
ser humano era muito forte, entendiam que não havia criminoso incorrigível e sim
incorrigido.
IA

(vi)Período contemporâneo: movimentos de política criminal.


Lei e Ordem: norte-americano, autoritário, defende um direito penal mais severo,
com penas mais gravosas, de preferência prisão perpétua e pena de morte, a
ER

criminalização de condutas, menos garantias processuais e conta com grande apoio da


mídia. Maior número de prisões antes do trânsito em julgado.
Abolicionismo penal: pensa na intervenção mínima como meio e não como fim. O
direito penal deve ser substituído por outras formas de controle social, com a
AT

participação da comunidade.
Nova Defesa Social: descriminalização de algumas condutas, recomenda que se
evite a pena privativa de liberdade, com a utilização de penas alternativa, sendo
contrário à prisão perpétua e à pena de morte. Uso moderado das medidas cautelares
M

pessoais, desde que haja cautelaridade social (existência de razão concreta para se
proteger a sociedade) e/ou processual (existência de razão concreta para se proteger o
processo). Hoje há três estados quanto à liberdade da pessoa: da pessoa solta durante
o processo, que deve ser a regra; da pessoa presa durante o processo, que deve ser
exceção; da pessoa submetida a medida cautelar diversa da prisão, que protegem a
sociedade e/ou o processo sem levar a pessoa ao cárcere.

2. Quais são as espécies de sanção penal e seus respectivos destinatários e


pressupostos?
A sanção penal envolve duas espécies:

151
i. Pena: aplicada aos imputáveis e semi-imputáveis, tendo como pressuposto a
culpabilidade. Podemos falar em três espécies de pena: (i) privativas de liberdade
(detenção, reclusão, prisão simples); (ii) restritivas de direitos e (iii) pecuniária (multa);
ii. Medida de segurança: aplicada aos inimputáveis e semi-imputáveis, tendo como
pressuposto a periculosidade.
Pena é espécie de sanção penal consistente na privação ou na restrição de
determinados bens jurídicos do condenado, aplicada pelo Estado a quem violou a lei

O
penal.

3. Conceitue pena e discorra sobre três princípios concernentes à pena e suas

IT
aplicações práticas, problematizando-as.
Pena é espécie de sanção penal consistente na privação ou na restrição de
determinados bens jurídicos do condenado, aplicada pelo Estado a quem violou a lei

TU
penal. Podem ser citados como princípios da pena:
i. Princípio da personalidade
Também chamado de princípio da intransmissibilidade, intranscendência ou
responsabilidade pessoal, segundo o qual a pena não pode ultrapassar a pessoa do

RA
condenado.

Art. 5º, XLV, CF – Nenhuma pena passará da pessoa do


condenado (REGRA), podendo a obrigação de reparar o dano e a
LG
decretação do perdimento de bens(EXCEÇÕES) ser, nos termos
da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o
limite do valor do patrimônio transferido.
IA

Polêmica: O que fazer com a pena de multa? Há quem sustente que por ter se
transformado em dívida ativa pública, passa a ser dívida civil, nos termos do art. 51, do
CP, e por isso, se o sujeito morrer sem pagar, deve pagar o espólio ou os herdeiros.
ER

Contudo, a Constituição Federal reconhece a multa como pena penal, portanto, não
pode passar da pessoa do delinquente (art. 5º, LVI, CF).
Exceções: A responsabilidade pessoal não abrange duas situações, excetuadas
pelo próprio art. 5º, XLV, CF:
AT

- A indenização civil pelo crime praticado. Assim, poderá ser cobrada dos herdeiros
nos limites da herança.
- Confisco. Ninguém terá enriquecimento ilícito. É um efeito da condenação (art. 91,
I, CP) Ex: traficante que fica rico por causa do tráfico. Não é pena, o que ele amealhou
M

com o crime será retirado pelo Estado após a condenação.


O objeto da responsabilidade penal pessoal é o tipo de injusto, atribuído aos
partícipes e autores do fato punível, segundo as regras de imputação subjetiva e
objetiva. Seu fundamento é a culpabilidade.
ii. Princípio da humanidade das penas
O condenado não perde a sua condição humana (dignidade da pessoa humana) –
o princípio busca evitar o sofrimento excessivo e viabilizar a inserção social.
Art. 5º, XLVII, CF: Não haverá penas:
a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;
b) de caráter perpétuo;

152
c) de trabalhos forçados;
d) de banimento;
e) cruéis
O princípio proíbe a cominação, aplicação e execução de penas desumanas. No
texto, o Brasil está avançado. Na prática, não é o que ocorre (superlotações
carcerárias, etc).
 O regime disciplinar diferenciado (RDD) configura pena cruel, sendo

O
inconstitucional?
Há divergências doutrinárias sobre o tema. Para Gustavo Junqueira, não dá para
considerar o RDD inconstitucional, pois na realidade é muito melhor do que muita cela.

IT
Juarez Cirino dos Santos, por outro lado, entende que o RDD é inconstitucional.
 Vedação de pena perpétua x maus antecedentes
Posições sobre o prazo:

TU
a) os maus antecedentes são perpétuos (mau antecedente é toda condenação
anterior que não possa ser utilizada como reincidência; posição não admitida pela
DPE);
b) perdura por 30 anos, em analogia ao artigo 75 do CP;

RA
c) perdura por 5 anos, após o período depurador da reincidência, por analogia ao
artigo 64 do CP;
d) vencido o período depurador da reincidência (art. 64), devem ser
desconsiderados também os antecedentes (adotada pela DPE). Se purifica o mais
LG
(reincidência), tem que purificar o menos. ATENÇÃO: A 2ª Turma do STF se filiou a
essa corrente, ao decidir que, decorrido o prazo de cinco anos entre o cumprimento e a
extinção da pena e a data do novo crime, condenação anterior não pode ser
reconhecida como maus antecedentes, eis que é inadmissível que se atribua à
IA

condenação status de perpetuidade (HC 126315, set/2015).


Art. 64 - Para efeito de reincidência:
I - não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou
extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior
ER

a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento


condicional, se não ocorrer revogação.
Observação: Os maus antecedentes exigem condenação penal transitada em
AT

julgado, que não gere reincidência (caráter residual). Ou seja, inquérito em curso e
processo não transitado em julgado não geram maus antecedentes (princípio da
presunção de inocência). Neste sentido, Súmula 444, STJ: É vedada a utilização de
IP´s e ações penais em curso para agravar a pena base.
M

Maus antecedentes Reincidência


1ª fase de aplicação da pena: 2ª fase de aplicação da pena:
circunstâncias judiciais (art. 59, CP) circunstâncias agravantes

Súmula 241, STJ: A reincidência


penal não pode ser considerada como
circunstância agravante e,
simultaneamente, como circunstância
judicial.

153
Preferência pela agravante.

Só haverá incidência de maus antecedentes se:

O
IT
Nesse caso, não há reincidência (porque o F2 ocorreu antes do TJF1), mas há
maus antecedentes.
 Vedação de pena perpétua x Prazo máximo da medida de

TU
segurança(para os inimputáveis no momento do cometimento do crime):
i) Não há prazo máximo para MS (prazo máximo indeterminado) – como não é uma
pena, mas uma medida, não pode ter um prazo objetivamente fixado, pois a internação
existe para o benefício do agente – direito penal dos estranhos à comunidade (NÃO

RA
admitido nos tribunais brasileiros);
ii) STF: 30 anos, por analogia ao art. 75 do CP (Min. Marco Aurélio);
Art. 75 - O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode
ser superior a 30 anos.
LG
MEDIDA DE SEGURANÇA - PROJEÇÃO NO TEMPO - LIMITE. A interpretação
sistemática e teleológica dos artigos 75, 97 e 183, os dois primeiros do Código
Penal e o último da Lei de Execuções Penais, deve fazer-se considerada a
garantia constitucional abolidora das prisões perpétuas. A medida de segurança
IA

fica jungida ao período máximo de trinta anos (STF – 1ª Turma - HC 84219 / SP


– Rel. Marco Aurélio – j. 16.08.2005)
iii) 6ª Turma do STJ: o prazo máximo da MS é a pena máxima em abstrato prevista
ER

para o crime; Justificativa: de outra forma, o sujeito deixa de ser sancionado pelo que
fez (direito penal do fato) e passa a ser sancionado pelo que é (direito penal do autor).
“Nos termos do atual posicionamento desta Corte, o art. 97, § 1.º, do Código
Penal, deve ser interpretado em consonância com os princípios da isonomia e
AT

da razoabilidade. Assim, o tempo de cumprimento da medida de segurança, na


modalidade internação ou tratamento ambulatorial, deve ser limitado à pena
máxima abstratamente cominada ao delito perpetrado ou ao limite de 30 (trinta)
anos estabelecido no art. 75 do Código Penal, caso o máximo da pena
M

cominada seja superior a este período” (STJ – 5ª Turma - HC 84219 / SP – Rel.


Laurita Vaz – j. 13.03.2012)
Súmula 527, STJ (2015): “O tempo de duração da medida de segurança não deve
ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado.”
 Trabalhos forçados
Prevalece a distinção entre trabalho forçado e obrigatório. No entanto, ensina
Carmem Barros que não há diferença e que o artigo 39, V, da LEP é inconstitucional
(pois configura falta grave, ou seja, pune-se aquele que não trabalha – é, por isso,
forçado). O trabalho deve ser uma faculdade que garanta benefícios e não um
pressuposto para o exercício de direitos, cujo descumprimento implique em sanção.

154
Art. 39, LEP: Constituem deveres do condenado:
V - execução do trabalho, das tarefas e das ordens recebidas.
Art. 50, LEP: Comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade que:
VI – Inobservar os deveres previstos nos incisos II e V do art. 39.
LEP = Laboterapia
iii. Princípio da individualização da pena
Preceitua que não haverá pena-padrão; assim, as penas devem ser

O
individualizadas. Esse princípio decorre da Escola Positiva, que parte do pressuposto
de que as pessoas são diferentes.
A individualização da pena é a concretização da isonomia e deve ocorrer em três

IT
fases: (i) na elaboração legislativa (a pena deve ser proporcional ao crime cometido);
(ii) na sentença (de acordo com os critérios legais, sobretudo dos arts. 33, 59 e 68,
CP); (iii) na execução das penas.

TU
Todas as decisões devem ser fundamentadas.
Mudança Lei 8072/90 (Crimes Hediondos): Antes o regime inicial era SEMPRE
fechado. Com base neste princípio, o STF declarou a inconstitucionalidade do art. 2º,
§1º, da Lei 8072/90.

RA
A Corte Constitucional, no julgamento do HC no 111.840/ES, de relatoria do
Ministro Dias Toffoli, removeu o óbice constante do § 1o do art. 2º da Lei no
8.072/90, com a redação dada pela Lei no 11.464/07, o qual determinava que
'[a] pena por crime previsto nes[s]e artigo será cumprida inicialmente em regime
LG
fechado', declarando, de forma incidental, a inconstitucionalidade da
obrigatoriedade de fixação do regime fechado para o inicio do cumprimento de
pena decorrente da condenação por crime hediondo ou equiparado. 5. Esse
entendimento abriu passagem para que a fixação do regime prisional - mesmo
IA

nos casos de trafico ilícito de entorpecentes ou de outros crimes hediondos e


equiparados - seja devidamente fundamentada, como ocorre nos demais delitos
dispostos no ordenamento. 6. No caso, as instâncias ordinárias indicaram
elementos concretos e individualizados aptos a demonstrar a necessidade da
ER

prisão do paciente em regime fechado, impondo-lhe o regime mais severo


mediante fundamentação adequada, nos termos do que dispõe o art. 33, caput e
parágrafos, do CP." (HC 119167, Relator Ministro Dias Toffoli, Primeira Turma,
AT

julgamento em 26.11.2013, DJe de 16.12.2013)


Observação: Regime de fixação da pena É pena!

4. Discorra a respeito das teorias legitimadoras da pena e das suas funções


M

declaradas.
a) Teorias absolutas/retributivas
Sustentam que a pena encontra em si mesma a sua justificação, sem que possa
ser considerada um meio para fins ulteriores. Pune-se pela prática da infração, pura
retribuição, sem objetivo de alterar o futuro. A pena pode ser:
i. Pena vingança: é desproporcional e com responsabilidade flutuante (importa
punir alguém, não necessariamente o culpado);
ii. Pena expiação: pena para purificar o condenado, expiar o mal (forte inspiração
religiosa).

155
iii. Pena justiça/retribuição moral (KANT): é justo punir, ao mal do crime, o mal da
pena (imperativo categórico de justiça). Trata-se da coisa moralmente correta a ser
feita.
iv. Pena retribuição jurídica (HEGEL):o direito reafirma um valor; o sujeito, ao violar
a norma jurídica, nega determinado valor por seu comportamento, e a pena nega essa
negação ao valor, restabelecendo-o, “negação da negação”.
Aspecto positivo: Valoriza-se mais a dignidade da pessoa humana, já que a pena é

O
aplicada ao sujeito que comete o crime, como forma de retribuição (criminoso real), e
não para prevenir aqueles que sequer cometeram crimes (criminoso potencial), como
nas teorias relativas.

IT
Críticas: O direito penal objetiva a proteção de bens jurídicos, e não realizar
vinganças. Ademais, a retribuição pressupõe a liberdade de vontade do agente, que é
indemonstrável.

TU
b) Teorias relativas/preventivas
Desenvolveram-se em oposição às teorias absolutas, concebendo a pena como
um meio para a obtenção de ulteriores objetivos. Aqui, a pena não é um fim em si
mesma. O objetivo é alterar uma situação futura (evitar crime futuro).

RA
b.1. Prevenção geral: objetivo é comunicar algo para a sociedade. Pode ser
positiva e negativa:
i. Negativa: ideia de prevenção, intimidação (coação psicológica de
FEUERBACH). Pune-se para intimidar a coletividade, com o exemplo do sofrimento.
LG
Críticas: Não impõe limites ao poder punitivo, podendo se aproximar de um
Estado totalitário. A quantidade da pena não seria proporcional à gravidade do crime e
sim à frequência em que o mesmo é cometido. Ainda, acusados reais são punidos de
forma exemplar para influenciar a conduta de acusados potenciais; não é a gravidade
IA

da pena, mas a certeza da punição que pode desestimular o autor de praticar crimes.
Por fim, parte da premissa do homem econômico, que sempre mede custo e benefício.
ii. Positiva: tem um efeito comunicativo, apresentam-se duas vertentes
ER

principais:
a. Prevenção geral positiva limitadora (ROXIN): o objetivo da pena é revitalizar a
crença na vigência da norma, pela valorização dos bens jurídicos tutelados - arte do
efeito pedagógico da pena, Obs.: lembrar que Roxin é partidário do funcionalismo
AT

moderado, em que a função do direito penal é proteger subsidiariamente os bens


jurídicos mais importantes;
b. Prevenção geral positiva fundamentadora (JAKOBS): Sua teoria foi influenciada
pela dialética helegiana – “negação da negação”, de forma que a finalidade da pena é a
M

manutenção da expectativa pela anulação simbólica do ilícito que rompeu a


expectativa. A pena reafirma a expectativa: prevenção-integração. Em Jakobs, a pena
será tão intensa quanto à necessidade de anular a frustração de expectativa. Obs.:
lembrar que Jakobs é partidário do funcionalismo radical, em que a função do direito
penal é a manutenção de expectativas normativas, garantir a vigência da norma. O
Direito Penal não protege, por exemplo a vida, não teria como (as pessoas morrem o
tempo todo). Ele protege a sua expectativa de não ter a vida violada de certas formas.
A prevenção do delito pela pena deve garantir as condições para o convívio social
harmônico e exercitar a confiança na norma (“estabilização das expectativas
normativas”). Críticas: Teoria fundamentadora do incremento do poder do Estado,

156
necessidade de alcançar a estabilização normativa por meio da dor e do sofrimento;
utilização do ser humano como meio para alcançar fins simbólicos.
b.2) Prevenção especial: busca surtir efeitos no condenado. Também pode ser
positiva e negativa:
i. Negativa(LISZT):Visa segregar o indivíduo e neutralizar sua potencialidade
criminosa. Aplicada, desestimularia o condenado a cometer novos crimes. Ideia de
contenção (enquanto o sujeito estiver preso com certeza ele não cometerá novos

O
crimes fora dos presídios). A prevenção especial negativa é uma das funções
declaradas cumpridas pela pena criminal.
Crítica: legitima penas cruéis, como a de morte, castração química, etc.

IT
ii. Positiva:
a. Pena tratamento: como se crime fosse doença, pena é cura. Crítica:
parte da premissa de anormalidade do delinquente.

TU
b. Pena programa máximo: o Estado deve impor uma agenda de valores ao
condenado. Para defensoria, isto viola o direito individual à livre formação da
personalidade.
c. Pena programa mínimo: é integração social pela oferta (facultativa) de

RA
ações relacionadas aos valores vigentes. A adesão interna tem peso maior.
Crítica: Índices de reincidência comprovam que o cárcere não reintegra
ninguém.
c) Mista ou eclética
LG
Segundo Zaffaroni, as teorias mistas quase sempre partem das teorias absolutas, e
tratam de cobrir suas falhas acudindo a teorias relativas. São as mais usualmente
difundidas na atualidade e, por um lado, pensam que a retribuição é impraticável em
todas as suas consequências e, de outro, não se animam a aderir à prevenção
IA

especial. “Prevenção geral mediante retribuição justa”. Podem ser aditivas ou


dialéticas:
i. Aditiva: soma várias finalidades. Ex.: pena serve para vingar, intimidar, etc.
ER

Vantagem: benesses são somadas. Desvantagem: críticas também são. O Brasil


adota o modelo aditivo no art. 59 do CP, a pena serve para reprovar e prevenir.
Crítica (Roxin): é delegação inconstitucional de responsabilidade do legislativo para
o julgador (cheque em branco). O julgador escolhe ad hoc, a cada caso aplica uma
AT

finalidade. Crítica (Juarez Cirino): as teorias unificadas significam a soma dos defeitos
das teorias particulares, e não existe nenhum fundamento capaz de unificar
concepções penais fundadas em teorias contraditórias, com finalidades práticas
reciprocamente excludentes.
M

ii. Dialética: as finalidades se limitam reciprocamente, a partir de uma finalidade


preponderante (prevalece na Europa).

5. Discorra a respeito das teorias deslegitimadoras da pena e das suas funções


reais.
Tais teorias tem por base a criminologia da reação social,que faz inúmeras críticas
ao sistema punitivo. Surgem como constatação da ineficácia das funções declaradas
da pena e da seletividade do poder punitivo, além do fato de que o direito penal não
pode e não deve cumprir todas as funções declaradas da pena. Pode-se falar em duas
vertentes de Teoria de Pena Deslegitimadora:

157
i. Teoria Negativa/Agnóstica da Pena (Zaffaroni): Negação das funções declaradas
expressas no discurso oficial. Teoria agnóstica das funções reais ou latentes,
renunciando à cognição dos objetivos ocultos da pena, que seriam múltiplos e
heterogêneos. O objetivo do direito penal é a limitação do poder punitivo, com a
diminuição do estado de polícia e o aumento do estado de direito. A pena é ato de
poder político, tem o mesmo fundamento jurídico da guerra. A pena apenas cumpriria a
função de prevenção especial negativa.

O
II. Teorias Materialistas/Dialéticas (Juarez Cirino dos Santos): Fundadas na
distinção entre funções reais e funções ilusórias da ideologia penal nas sociedades
capitalistas, desenvolvidas pela tradição marxista em criminologia crítica. A

IT
Criminologia deveria dedicar-se ao estudo das funções reais – que se destinariam a
assegurar, unicamente, o funcionamento da sociedade capitalista.
Pena como retribuição equivalente do crime, medida pelo tempo de liberdade

TU
suprimida segundo a gravidade do crime realizado, determinada pela conjunção de
desvalor de ação e de desvalor do resultado. O trabalhador integrado no mercado de
trabalho é controlado pela disciplina do capital, enquanto aqueles fora do mercado de
trabalho são controlados pela disciplina da prisão. Foucault define o sistema punitivo

RA
como fenômeno social concreto ligado ao processo de produção, menos pelos efeitos
negativos de repressão e mais pelos efeitos políticos positivos de
dominação/exploração – uma economia política do corpo programada para produzir
corpos dóceis e úteis como disciplina da força de trabalho, com gestão diferenciada da
LG
criminalidade, com repressão das camadas sociais subalternas e imunidade das elites
do poder econômico e político da sociedade capitalista.
Prevenção especial como garantia das relações sociais: a prevenção especial
negativa em princípio incontestável porque impede a prática de crimes fora da prisão,
IA

possui aspectos contraditórios, como o fato de que a prisão diminui as chances de


futuro comportamento legal do criminoso, há sua máxima desintegração social, quanto
maior a pena, maior o seu contato com a subcultura da prisão, resultando na formação
de carreira criminosa, etc.; a prevenção especial positiva é criticada pelo fracasso
ER

histórico do projeto de técnico-corretivo da prisão. O crime não é, ao contrário do


discurso oficial, uma realidade ontológica pré-constituída que o sistema de justiça
identifica e processo, mas uma realidade social construída, sendo o sistema de justiça
AT

uma instituição ativa na distribuição social da criminalização. Na fase de execução, se


vê a desculturação pelo desaprendizado dos valores e normas de convivência social, e
de aculturação pelo aprendizado de valores e normas de sobrevivência na prisão.
Rotulação oficial do cidadão como criminoso, que transforma a sua autoimagem e
M

deforma a sua personalidade. Cumprida a pena, o retorno do condenado para as


mesmas condições sociais adversas determinantes da criminalização anterior encontra
um novo componente: a atitude dos outros. A expectativa da comunidade de que o
estigmatizado se comporte conforme o estigma fecha as supostas possibilidades de
reinserção social e completa o modelo sequencial de formação de carreiras criminosas,
realizando a chamada self fulfilling prophecy, em que o condenado assume as
características do rótulo, concretizando a previsão de autorrealização.
A prevenção geral como afirmação da ideologia dominante. A prevenção geral
negativa pode ter efeito desestimulante em crimes de reflexão (crimes econômicos,
tributários, ambientais, etc), característicos do direito penal simbólico (direito destituído

158
de eficácia instrumental e instituído para legitimação retórica do poder punitivo do
Estado, mediante criação de imagens ilusórias de eficiência repressiva na psicologia do
povo), mas não teria efeito em crimes impulsivos (violência pessoa ou sexual, por
exemplo), próprios da criminalidade comum. Discurso oficial da prevenção geral
positiva: crime como violação da norma (na verdade significa reduzir crime à lesão da
vontade do poder – frustração das expectativas normativas, que prescinde da lesão de
bens jurídicos como fundamento de punibilidade); pena como reação contra a violação

O
da norma, a fim de reafirmar a sua validade (parece ter por objetivo garantir a fidelidade
do cidadão à vontade do poder); a punição aumenta a confiança no direito, reforçando
a fidelidade jurídica do povo (então o fim do direito penal seria satisfazer os impulsos

IT
punitivos da população). OBS: A legitimação do direito penal pela criação de símbolos
no imaginário popular é simbólica, porque a penalização das situações problemas não
significa a solução social do problema, mas solução penal para a satisfação retórica da

TU
opinião pública.
Conclusão: para a criminologia crítica, o direito penal, ao nível de definição de
crimes constitui proteção seletiva de bens jurídicos representativos dos interesses das
classes hegemônicas nas relações de produção/circulação econômica e de poder

RA
política das sociedades capitalistas (criminalização primária); ao nível de aplicação de
penas constitui estigmatização seletiva de indivíduos excluídos das relações de
produção e de poder político da formação social (criminalização secundária – a posição
social do acusado representa a variável decisiva no processo penal); ao nível da
LG
execução penal constitui repressão seletiva de marginalizados sociais do mercado de
trabalho e, portanto, de sujeitos sem utilidade real nas relações de
produção/distribuição material.
IA

6. Sobre a aplicação das penas, explique: a) teoria das margens; b) sistema


adotado no Brasil.
A) Teoria das margens
ER

A aplicação da pena é atividade judicial, de exclusividade do Poder Judiciário. É a


individualização concreta da pena. Pela teoria das margens, a aplicação da pena é um
ato discricionário juridicamente vinculado. A teoria das margens estabelece a aplicação
de limites às penas – margens mínimas e máximas. É discricionário, porque o juiz que
AT

deve chegar ao valor e vinculada, porque depende de fundamentação.


B) Sistema adotado no Brasil
São dois sistemas/critérios principais de aplicação da pena.
(i) sistema bifásico (Roberto Lyra): foi adotado para a pena de multa (art. 49, CP);
M

(ii) sistema trifásico (Nelson Hungria): art. 68, CP (1ª fase – pena-base; 2ª fase –
agravantes e atenuantes e 3ª fase – causas de aumento e de diminuição).
Obs.: as penas restritivas de direitos são substitutivas em relação às penas
restritivas de liberdade. Dessa forma, o juiz fixa PPL de acordo com o sistema trifásico
e depois, se os requisitos estiverem presentes, ele substitui a privativa por restritiva.

7. Discorra sobre a aplicação da pena privativa de liberdade no Brasil.


São três estágios de fixação da pena:
1º) quantum de pena (os tipos penais são variáveis);
2º) regime de cumprimento (art. 33, CP);

159
3º) benefícios (por ordem de importância): (i) multa substitutiva (art. 60, CP), (ii)
penas alternativas (art. 43 e 44, CP) e (iii) sursis (art. 77, CP).
Depois desses passos, o juiz decide se vai recorrer em liberdade ou não, se
cabível decretação de preventiva.
No primeiro estágio, há também três fases (sistema trifásico) – art. 68, CP.
i. escolha da pena base, com fundamento no art. 59, CP (genéricas);
ii. agravantes e atenuantes (art. 61 e 66, CP);

O
iii. causas de aumento e de diminuição (esparsas pelo CP);
Obs.: para chegar à sentença condenatória, o juiz deve preencher o tipo básico,
composto por elementares. Todas as circunstâncias do crime servem apenas para a

IT
fixação da pena (mais circunstâncias, mais varia a pena); as elementares servem para
a condenação.
As circunstâncias podem ser qualificadoras e privilégios, causas de aumento e de

TU
diminuição, agravantes e atenuantes e circunstâncias judiciais (em ordem de
importância). Estas são as nomenclaturas para as circunstâncias do crime.
Circunstâncias judiciais são residuais. Cuidado, por isso, com o bis in idem. Sobre as
circunstâncias do crime:

RA
(i) Qualificadoras e privilégios: são circunstâncias legais, vinculadas ao tipo
incriminador que provocam a elevação concomitante do mínimo e do máximo em
abstrato cominados para a pena. Provoca a mudança de faixa na fixação da pena;
(ii) Causas de aumento e diminuição: são circunstâncias legais vinculadas ao tipo
LG
incriminador que obrigam o juiz a elevar ou diminuir a pena, por quotas indicadas em
lei. Qualificadoras, privilégios e causas de aumento/diminuição são o tipo derivado ou
tipicidade derivada (estão nos §§). Tendo em vista que são típicas, podem romper o
mínimo e o máximo de pena cominada;
IA

(iii) Agravantes e atenuantes: são circunstâncias legais genéricas, desvinculadas


do tipo incriminador, que recomendam ao juiz a elevação ou abrandamento da pena,
dentro dos limites legais. Se não constar na denúncia, o juiz pode se utilizar delas
ER

mesmo assim - art. 395, CPP. Crítica: viola o princípio da correlação entre acusação e
defesa. Assim, não podem romper os limites legais. S. 231/STJ. Agravantes e
atenuantes são recomendações e não imposições. Crítica: esta súmula não é
vinculante e viola a individualização da pena, além disso, o art. 65, fala que sempre
AT

atenuam a pena, pelo que poderiam deixar aquém do mínimo legal.


1ª FASE: Escolha da pena base
De acordo com as circunstâncias previstas no art. 59, CP (circunstâncias
inominadas) – caráter residual ou subsidiário e não podem ultrapassar os limites legais.
M

Toda pena deve ser fundamentada, ainda que aplicada no mínimo legal (art. 93, IX).
Obs.: No Brasil, firmou-se jurisprudência no sentido de que, se a pena foi aplicada no
mínimo legal, ela dispensa fundamentação, porque não há prejuízo para o réu – STF
chama isso de cultura da pena mínima: diante da jurisprudência de que quando fixada
a pena mínima não é necessário fundamentação, os juízes passaram a aplicar a pena
mínima pra tudo, independentemente de fundamentação – preguiça e comodismo. Por
isso, toda a pena deve ser fundamentada, ainda que aplicada no mínimo legal, seja
pela previsão expressa no art. 93, IX, CF, seja pelo fato de que o juiz é um agente
público e deve satisfação não apenas ao réu, mas a toda sociedade.
O art. 59 traz oito circunstâncias judiciais:

160
i. Culpabilidade: sentido de censura, reprovabilidade, o quanto que o sujeito deve
ser reprovado por aquela conduta concreta. Crítica: não poderia ser ao mesmo tempo
circunstância judicial e elemento do conceito analítico de crime, pois tal configura bis in
idem.Apesar da crítica, a doutrina aceita a aplicação simultânea da culpabilidade sob
as duas vertentes e as diferencia. Para a doutrina majoritária, a culpabilidade como
circunstância judicial é o grau de reprovabilidade social da conduta concretamente
avaliada. Aqui, a doutrina trata de quantidade de pena. Já na culpabilidade como

O
elemento do conceito analítico de crime a doutrina trata da qualidade da pena.A
culpabilidade pode funcionar como redutora de pena nos casos em que o grau de
imputabilidade, consciência do injusto e exigibilidade de conduta diversa, embora

IT
existentes, sejam inferiores ao normal. Culpabilidade pela vulnerabilidade (Zaffaroni).
ii. Antecedentes: vida pretérita do réu no âmbito criminal (se for em outro aspecto,
entra na conduta social). Prevalece que os antecedentes devem ser interpretados de

TU
forma restrita – apenas passado criminal. S. 444/STJ (vedação à utilização de
inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base).
iii. Conduta social: estilo de vida, família, trabalho. Crítica: Julga-se a pessoa pelo
que é, não pelo o que fez (direito penal do autor).

RA
iv. Personalidade: perfil subjetivo. Para defensoria, reitera-se que o juiz não tem
conhecimento técnico para avaliar personalidade do réu. Objeto de controvérsias no
âmbito da psicologia. Processo de constante transformação. Defender que o critério
judicial da “personalidade” não foi recepcionadopela CF/88, por ferir o princípio da
LG
reserva legal (art. 5º, XXXIX). Direito penal do autor. É uma forma de responsabilização
objetiva (responde pelo todo [toda sua presumida personalidade desvirtuada] e o juiz
só sabe parte [só um ato ou fato]). Além disso, no direito penal não se admite
presunções.
IA

v. Motivos do crime: motivo pode ter várias nuances, pode ser que haja múltiplos
motivos, não necessariamente com referência ao passado. Alguns motivos servem
para agravar a pena ou qualificar o crime. Cuidado com as fundamentações que trazem
ER

motivos inerentes ao tipo, como lucro fácil nos crimes patrimoniais.


vi. Circunstâncias (extremamente residual), dados secundários do crime.
vii. Consequências do crime: aquelas que vão além do resultado típico, isto é,
circunstâncias extraordinárias. Exige-se a previsibilidade das consequências pelo
AT

agressor.
viii. Comportamento da vítima: (estudos de vitimologia) Cuidado! A ideia de vitimo
dogmática envolve o quanto a vítima colabora para o crime, porém isso é rechaçado na
doutrina da defensoria também. Ex.: crime sexual e mulher com roupa provocante. A
M

vitimo dogmática deve ser atrelada à noção de que a pessoa parece renunciar à
proteção penal, tem a ver com a autocolocação em risco e se aproxima da imputação
objetiva (Schüneman). O comportamento da vítima só pode ser utilizado para diminuir a
pena.
Obs.: na primeira fase já se analisam as qualificadoras, porque é um primeiro
passo, que irá mudar os patamares. Se houver duas qualificadoras, coforme
entendimento majoritário do STF/STJ, uma qualificadora serve para qualificar o crime e
a outra:
i. Agravante genérica;

161
ii. Circunstância judicial desfavorável, se não for agravante. Há corrente que
sustenta que sempre constitui circunstância, pois a redação do art. 61, CP prevê que
haverá agravante, se não constituir ou qualificar o crime.
Crítica: possuindo o crime 2 ou 3 qualificadoras, o juiz deve utilizar uma para
qualificar o crime e desprezar as demais, porque uma só já desempenhou o papel de
qualificar.
No conflito entre circunstâncias judiciais, as subjetivas prevalecem sobre as

O
objetivas (Gustavo Junqueira) e, entre as subjetivas, aplica-se o art. 67, CP por
analogia (preponderância dos motivos do crime, antecedentes e personalidade do
agente).

IT
2ª FASE (pena intermediária):
i. Agravantes (art. 61-64, CP, rol taxativo): a reincidência ganha destaque, podendo
ser aplicada tanto para crimes dolosos quanto culposos. Mas atenção: as

TU
circunstâncias agravantes genéricas não se aplicam aos crimes culposos, com exceção
da reincidência (STF, 1ª Turma, 2014, Inf. 735). Obs.: Para o STJ, é possível a
aplicação das agravantes genéricas do art. 61 do CP aos crimes preterdolosos. Ex:
pode ser aplicada agravante genérica do art. 61, II, “c”, do CP (traição, emboscada etc.)

RA
no delito de lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3º, do CP). STJ. 6ª Turma.
REsp 1.254.749-SC, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 6/5/2014
(Info 541);
ii. Atenuantes (art. 65, CP, rol exemplificativo) – apontam-se algumas
LG
peculiaridades:
- Art. 65, I – menoridade relativa: ser o agente menor de 2, na data do fato, ou
maior de 70 anos, na data da sentença. Para Juarez Cirino dos Santos, há que fazer
analogia in bonam partem para que a atenuante se aplique ao maior de 60 anos, na
IA

data da sentença, em razão do Estatuto do Idoso.


- Art. 65, III, b – arrependimento: pode-se vislumbrar uma gradação entre (i)
arrependimento eficaz, em que se afasta a punição pelo crime desejado, evita a
ER

consumação; (ii) arrependimento posterior, que ocorre após a consumação e antes da


denúncia (fala-se em crimes patrimoniais, reparar o dano ou restituir a coisa – art. 16),
que é uma causa de diminuição de pena (de 1 a 2/3) e (iii) arrependimento atenuante,
antes do julgamento e em qualquer delito, a lei fala em atenuar as consequências de
AT

seu ato;
- Art. 65, III, c – coação resistível: também haveria gradação entre (i) coação física
irresistível, que afasta a própria conduta; (ii) coação moral irresistível, que exclui a
culpabilidade e (iii) coação física ou moral resistível: atenuante;
M

- Art. 65, III, d – confissão espontânea;


- Art. 66, CP – atenuante inominada - aqui, Zaffaroni inclui a tese dele de
coculpabilidade (posteriormente sofisticada por Zaffaroni para culpabilidade por
vulnerabilidade) e defende que seria possível reduzir a punitividade nos casos em que
o agente se encontrasse em extrema pobreza ou uma situação vulnerável, sendo a
sociedade corresponsável pelo delito.
3ª FASE (pena final)
Podem ser genéricas, previstas na parte geral do CP e aplicáveis aos crimes em
geral ou específicas, estipuladas na parte especial do CP e na legislação extravagante
e aplicáveis somente a dados crimes.

162
Além disso, aparecem em quantidade fixa ou variável. Nesta 3ª fase, a pena pode
romper os limites legais, porque a lei indica a quantidade de aumento ou diminuição.
Crítica de Paulo Queiroz - ofensa à legalidade.
Na pluralidade de causas de aumento ou diminuição, na parte especial, prevalece a
que mais aumente ou mais diminua (art. 68, p. único, CP), ou seja, juiz pode aplicar só
uma delas.
Se as duas são previstas na parte geral ou uma na parte geral e outra na especial,

O
o juiz aplica ambas.
Não se podem compensar causas de aumento com causas de diminuição, ao
contrário do que ocorre nas duas primeiras fases.

IT
8. Quais são as atenuantes/agravantes predominantes? É possível compensar a
reincidência com confissão espontânea?

TU
O art. 67, CP trata das circunstâncias preponderantes: motivo, personalidade e
reincidência. A confissão espontânea e a menoridade relativa não estão previstas, de
forma expressa, no referido dispositivo. O STJ já decidiu, em sua 3ª Seção, que, como
a menoridade relativa influencia no desenvolvimento da personalidade e como a

RA
confissão espontânea revela uma boa personalidade, é possível considerá-las
absolutamente preponderantes (inclusive sobre a reincidência).
Todavia, pacificou, posteriormente a compensação entre confissão espontânea e
reincidência. De qualquer modo, pode-se dizer que presentes a confissão espontânea
LG
E a menoridade relativa, ainda preponderam circunstâncias favoráveis.
As atenuantes da menoridade e da confissão espontânea, reconhecidas em
favor do recorrente, têm caráter preponderante, razão pela qual, pela presença
das duas, no concurso entre as duas atenuantes e as duas agravantes, deveria,
IA

ao final, ter sido a pena reduzida ao mínimo legal (Súmula 231/STJ) e não
aumentada. Segundo entendimento consolidado desta Corte, a agravante da
reincidência deve ser compensada com a atenuante da confissão
espontânea.REsp 1134362, d.j. 13/08/13.
ER

O Tribunal de origem, ao reconhecer que a atenuante de menoridade relativa do


réu prepondera sobre a agravante de reincidência, reduziu a pena ao mínimo
previsto em lei, faltando interesse ao recorrente, assim, no que tange ao pedido,
AT

efetuado no Recurso Especial, de compensação da agravante de reincidência


com a atenuante de confissão espontânea, porquanto, nos termos da Súmula
231/STJ, "a incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução
da pena abaixo do mínimo legal". AgRg no REsp 1371397, d.j. 04/06/13
M

A Terceira Seção desta Corte, no julgamento do EREsp 1.154.752/RS (DJe


04/09/12), pacificou o entendimento de que, observadas as peculiaridades do
caso concreto, "é possível, na segunda fase da dosimetria da pena, a
compensação da agravante da reincidência com a atenuante da confissão
espontânea, por serem igualmente preponderantes, de acordo com o artigo 67
do Código Penal".
A jurisprudência desta Quinta Turma tem admitido a possibilidade da
compensação total quando o réu possui uma só condenação transitada em
julgado (AgRg no HC 214.812/SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, QUINTA

163
TURMA, julgado em 17/10/2013, DJe 24/10/2013). AgRg no HC 180574, d.j.
04/11/14
Se a confissão do agente é utilizada como fundamento para embasar a conclusão
condenatória, a atenuante prevista no art. 65, inciso III, alínea d, do CP, deve ser
aplicada em seu favor, pouco importando se a admissão da prática do ilícito foi
espontânea ou não, integral ou parcial, ou se houve retratação posterior em juízo. (HC
176.405/RO, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 23/04/2013, DJe

O
03/05/2013). No mesmo sentido, deverá ser valorada se houve confissão extrajudicial e
foi considerada para a pena, ainda que haja retratação em juízo. A afirmação de que as
demais provas seriam suficientes para condenar o recorrente, a despeito da confissão

IT
espontânea, não autoriza a exclusão da atenuante se esta efetivamente ocorreu e foi
utilizada na formação do convencimento do julgador (STJ. 6ª Turma. REsp 1.183.157-
SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 16/10/2012).

TU
Quanto à compensação de confissão e reincidência, para o STF não seria possível,
pois a teor do art. 67, a reincidência prevalece (HC 96061, Rel. Min. Teori Zavascki,
Segunda Turma, julgado em 19/03/2013). Já, para o STJ, devem ser compensadas por
serem igualmente preponderantes (STJ 3ª Seção. wEREsp 1.154.752-RS, Rel. Min.

RA
Sebastião Reis Júnior, j. em 23/5/2012).

9. Acerca do instituto da confissão, o que é a confissão qualificada? Ela pode ser


utilizada como atenuante genérica?
LG
A confissão qualificada ocorre quando o réu admite a prática do fato, no entanto,
alega, em sua defesa, um motivo que excluiria o crime ou o isentaria de pena (ex: eu
matei sim, mas foi em legítima defesa). Ela pode ser utilizada como atenuante
genérica?
IA

1ª) SIM. Posição do STJ. A confissão qualificada (aquela na qual o agente agrega
teses defensivas discriminantes ou exculpantes), quando efetivamente utilizada como
elemento de convicção, enseja a aplicação da atenuante prevista na alínea “d” do
ER

inciso III do art. 65 do CP (STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1.198.354-ES, Rel. Min.
Jorge Mussi, julgado em 16/10/2014).
2ª) NÃO. Posição da 1ª Turma do STF. A aplicação da atenuante da confissão
espontânea prevista no art. 65, III, “d”, do Código Penal NÃO incide quando o agente
AT

reconhece sua participação no fato, contudo, alega tese de exclusão da ilicitude (STF.
1ª Turma. HC 119671, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 05/11/2013).

10. Discorra sobre os diferentes regimes de cumprimento de pena.


M

O regime ou sistema penitenciário é a forma pela qual se efetiva o cumprimento da


pena privativa de liberdade. No Brasil, existem três sistemas: fechado, semiaberto e
aberto.
No regime fechado, a pena é cumprida em estabelecimento de segurança máxima
ou média, são os presídios, com trabalho interno (em regra) durante o dia e isolamento
noturno.
Para o semiaberto haverá colônia agrícola, industrial ou estabelecimento
congênere, com trabalho interno ou externo durante o dia e recolhimento noturno,
sendo admissível frequência a cursos.

164
Por fim, no aberto, a pena é executada em casa de albergado ou estabelecimento
adequado durante o período noturno e dias de folga. Obs: O regime aberto, sempre
que não houver casa de albergado, deverá ser cumprido em prisão albergue domiciliar.

4. Concedido, de ofício, o habeas corpus a fim de que os pacientes aguardem


em prisão albergue domiciliar o surgimento de vaga em estabelecimento
compatível com o regime aberto, devendo o Juízo da Execução Criminal analisar
a situação de cada réu em separado, caso ainda estejam no regime aberto, mas

O
em cumprimento da pena em estabelecimento inadequado. (STJ, HC nº 291650
/ RS, Rel. Moura Ribeiro, 5ª Turma, julgado em 20/05/2014)

IT
Obs.: cadeia pública é local para prisão cautelar.

11. Como se dá a fixação do regime de cumprimento da pena?

TU
Os critérios para determinação do regime estão no art. 33, §§ 2º e 3º, CP, na
ordem da reincidência, quantidade de pena aplicada e circunstâncias judiciais do art.
59, CP.
Além disso, existem três modalidades de pena: reclusão, detenção e prisão simples

RA
(contravenção penal).
Para a pena de reclusão, o regime inicial de cumprimento pode ser: fechado,
semiaberto, aberto. Quando o réu é reincidente, o regime é o fechado,
independentemente da quantidade da pena aplicada. Para quebrar um pouco esse
LG
rigor do CP, o STJ editou a súmula 269: é admissível a adoção do regime prisional
semiaberto aos reincidentes condenados a pena igual ou inferior a 4 anos, se
favoráveis as circunstâncias judiciais. Se o réu é primário, é preciso analisar a
quantidade da pena aplicada. Aí surgem 3 situações (art. 33, § 2º do CP):
IA

a. pena superior a 8 anos – regime fechado;


b. pena superior a 4 anos até 8 anos – regime semiaberto;
c. pena até 4 anos – regime aberto;
ER

Pelo art. 33, § 3º, CP o juiz pode fixar regime prisional mais grave, caso as
circunstâncias judiciais sejam desfavoráveis. Deve-se atentar, porém, para as Súmulas
718 (“A opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui
motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo
AT

a pena aplicada”) e 719 (“A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a
pena aplicada permitir exige motivação idônea”) do STF.
Para a pena de detenção, o regime inicial de cumprimento pode ser: semiaberto ou
aberto. Atenção! Não se admite o regime fechado para início de cumprimento da pena
M

de detenção, mas entende-se possível a regressão para o regime fechado.


Quando o réu é reincidente, o regime da pena de detenção é o semiaberto,
independentemente da quantidade da pena aplicada.
Se o réu é primário, é preciso analisar a quantidade da pena aplicada. Aí surgem 3
situações (art. 33, § 2º do CP):
a. pena superior a 4 anos – regime semiaberto;
b. pena até 4 anos – regime aberto;
Também cabe regime mais gravoso nas circunstâncias desfavoráveis.
Obs.: Atentar para a S. 440/STJ (“Fixada a pena-base no mínimo legal, é vedado o
estabelecimento de regime prisional mais gravoso do que o cabível em razão da

165
sanção imposta, com base apenas na gravidade abstrata do delito”), quando da fixação
da pena base no mínimo legal.
Obs.1: Com relação aos crimes hediondos, há dois aspectos a serem
mencionados:
i. O regime inicial obrigatoriamente fechado para autores de crimes hediondos,
atualmente previsto no Artigo 1º, § 2º - Lei 8.078/90 é inconstitucional (conforme
entendimento do STJ e do Plenário do STF – por violar o princípio da individualização

O
da pena);
ii. O cumprimento total da pena de crime hediondo em regime fechado é
inconstitucional (a lei antes vedava a progressão de regime).Os lapsos de 2/5 e 3/5 de

IT
progressão só são aplicáveis aos crimes praticados após o advento da Lei 11.474/2006
(Súmula Vinculante 26 e S. 471/STJ).

TU
12. E em caso de detração, como deve o juiz de conhecimento determinar o
regime inicial de pena?
Para a fixação do regime inicial de cumprimento de pena, o juiz deve levar em
conta três elementos:

RA
- quantidade de PPL (art. 33, §2º do CP)
- circunstâncias judiciais (art. 33, §3º c.c. art. 59, caput, do CP)
- tempo de prisão provisória (art. 387, §2º do CPP).
Art. 387, §2º, do CPP: “O tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou de
LG
internação, no Brasil ou no estrangeiro, será computado para fins de determinação do
regime inicial de pena privativa de liberdade”.
Como será feito esse cálculo? Há três posicionamentos:
1º) Desconto no tempo da PPL – o regime é determinado pela pena restante, após
IA

descontar o tempo de prisão provisória. Crítica: a fixação do regime não leva em conta
somente a quantidade de pena, mas também as circunstâncias judiciais. O juiz poderá
fazer o desconto, mas fundamentar regime mais severo com base nas circunstâncias
ER

desfavoráveis.A alteração legislativa teve por objetivo evitar a burocracia referente ao


trâmite de expedição de guia de recolhimento provisório, calculo de progressão etc,
que demoravam vários meses após a sentença condenatória. Um sujeito preso em
flagrante por furto acabava cumprindo pena no regime integral fechado porque a
AT

decisão da progressão não saia em tempo.Conferir exposição de motivos da Lei


12.736/2012.
2º) “Progressão” sem requisito subjetivo – se é para afastar o trâmite burocrático,
esse é o melhor entendimento. Na prática, a fixação do regime começa a ser bifásica: -
M

primeira fase: quantidade de pena e circunstâncias judiciais; - segunda fase: requisito


objetivo da progressão (tempo de prisão provisória). Ex: roubo com uma causa de
aumento consumado – pela PPL fixada o juiz poderia fixar o semiaberto, mas entendeu
que a vítima sofreu muitas lesões de natureza grave e considerou isso como
circunstância judicial desfavorável, razão pela qual afastou o semiaberto e fixou o
regime inicial fechado na primeira fase; na segunda fase, considerando o tempo de
prisão provisória o juiz percebe que já cumpriu 1/6 da progressão, fixando, por isso, o
regime semiaberto.
3º) Consideração do tempo nas circunstâncias judiciais

166
Como já dito, o art. 387, §2º do CPP determinou considerar o tempo de prisão
provisória. Portanto, se o sujeito não ficou preso pelo tempo correspondente a 1/6 da
PPL aplicada, não podendo, por isso, “progredir”, o tempo de prisão deve ser
considerado como circunstância judicial favorável. Lembrar que essa é uma norma de
caráter material (pena) e não processual. Logo, se submete aos princípios penais.
Também é um bom posicionamento. Somente o primeiro é desaconselhável.

13. Como se configura a reincidência? Como pode ser comprovada? Quais suas

O
espécies? E o prazo de duração?
A reincidência, descrita no art. 63, CP, é o cometimento de novo crime depois da

IT
condenação definitiva, no Brasil ou no exterior, por crime anterior. Obs.: da leitura do
art. 9º, CP extrai-se que a sentença estrangeira não precisa ser homologada pelo STJ
para produzir efeito no Brasil, basta prova de que ela exista.

TU
Para sua prova, existem duas posições:
a) majoritária (STJ) – certidão cartorária judicial, com todos detalhes da
condenação anterior;
b) minoritária – basta folha de antecedentes (STF já decidiu neste sentido).

RA
A Defensoria questionou ante o STF a constitucionalidade da reincidência,
alegando que configuraria direito penal do autor e bis in idem (duplamente punido pelo
mesmo fato). Todavia, o plenário do Supremo entendeu por sua constitucionalidade no
RE 453.000, sob o fundamento de prevenção especial enquanto finalidade da pena –
LG
que aquele condenado não volte a delinquir (2013, Inf. 700).
Suas espécies podem ser:
(i) quanto à necessidade ou não de cumprimento de pena:
- reincidência real: ocorre quando o agente pratica um crime depois de cumprir
IA

integralmente a pena anterior;


- reincidência presumida ou ficta: ocorre quando o agente pratica novo crime
depois de ser definitivamente condenado pelo crime anterior. É irrelevante se cumpriu
ER

ou não a pena (adotada pelo CP).


A reincidência ficta deveria ser indiferente penal e a real deveria ser causa
atenuante (Juarez Cirino).
(ii) quanto à natureza dos crimes praticados pelo agente:
AT

- genérica: os crimes são diversos, é suficiente para autorizar a agravante genérica;


- específica: os crimes estão previstos no mesmo tipo penal. Em alguns locais, o
CP exige reincidência específica: art. 44, § 3º (reincidência específica impede a
substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos); art. 83, V
M

(reincidência específica em crimes hediondos impede o livramento condicional).


A reincidência subsiste pelo prazo de 5 anos, a partir do cumprimento ou da
extinção da pena. Isso é o que se chama período depurador da reincidência ou
caducidade. O CP adotou o sistema da temporariedade – vale pelo prazo de 5 anos.
Os crimes militares próprios e os políticos não geram reincidência (art. 64, II, CP).
Mas existe reincidência entre crimes militares próprios. Crimes militares próprios são
aqueles previstos no CPM, exclusivamente. Crime político é aquele que tem motivação
política, ou seja, aquele que ofende a segurança e a organização do Estado.

167
Deve-se interpretar o art. 63, CP juntamente com o art. 7º, da Lei de
Contravenções – não será reincidente se comete contravenção anteriormente e depois
comete crime (nem o CP, nem a LCP preveem esta hipótese).
Súmula 241/STJ - a reincidência não pode ser considerada simultaneamente como
circunstância agravante e circunstância judicial. Contudo, admite-se que, se tiver duas
condenações definitivas, uma é considerada agravante genérica e a outra como maus
antecedentes.

O
Críticas: há violação ao nem bis in idem desfavorável; a reincidência é uma
circunstância, não um ato, não uma conduta. Como fragmentar uma circunstancia? O
indivíduo é ou não reincidente. Não importa se “unireincidente” ou “multireincidente”. A

IT
circunstância é única: ser reincidente. Não podemos fracioná-la para uma condenação
servir para majorar a pena-base e outra agravar na segunda fase de aplicação da
pena. As duas ou várias condenações formam uma única circunstância: a reincidência.

TU
Estaríamos utilizando a mesma circunstância duas vezes (que foi o primeiro
argumento); fere o princípio da reserva legal: analogia em desfavor do acusado. Se a
lei penal expressamente define como reincidência não podemos utilizar a analogia para
definir como mau antecedente ou personalidade desvirtuada.Por isso, caso exista a

RA
majoração na primeira fase por uma condenação e na segunda por outra condenação,
devemos pedir que seja afastada a majoração na primeira fase (pena-base) e mantida
a da segunda fase (que tem previsão legal).
LG
14. Fale sobre as penas restritivas de direitos: a) conceito, b) características c)
requisitos, d) duração, e) hipóteses de reconversão f) modalidades, g)
possibilidade em crimes hediondos.
São sanções alternativas ao cárcere que pretendem ressocializar o sentenciado,
IA

por meio da restrição a determinados direitos (política criminal).


Apontam-se as características de medida substitutiva (não é cominada diretamente
pelo tipo penal – exceção L. 11.343/06 – lei de drogas e L. 9.503/97) e autônoma (não
ER

pode ser cumulada com pena privativa de liberdade – exceção, CTB, L. 9503/97, art.
302). Os requisitos para a concessão estão no art. 44, CP:
i. Pena não superior a 4 anos, para doloso. No culposo, não há limite;
ii. Vedada para crimes com violência ou grave ameaça à pessoa – Requisito
AT

reiterado pelo STF (2ª Turma, 2013, Inf. 702 – afastou PRD nos casos do art. 129, § 9º,
CP). Há quem defenda que, se for crime de menor potencial ofensivo, caberia restritiva
(a L. 9099 traz benefícios muito mais amplos que PRD). Para o STJ, se o crime foi
cometido com violência ou grave ameaça, pouco importa o grau de envolvimento do
M

agente – mesmo se de menor importância (art. 29, § 1º), não caberia substituição.
Caso haja emprego de violência imprópria (qualquer meio diverso da violência à
pessoa e à grave ameaça, mas capaz de reduzir à impossibilidade de resistência – ex.:
boa noite Cinderela), há duas correntes: (i) não é possível, pois é modalidade de
violência (majoritária) e (ii) sim, é possível, a lei não proibiu expressamente Obs.: Se for
culposo, é possível substituir qualquer que seja o crime;
iii. Não reincidente em crime doloso. No entanto, se não for reincidente específico e
o juiz entender socialmente recomendável, poderá haver substituição/pena alternativa.
Reincidência em culposo não impede. Destaque para a doutrina de Paulo Queiroz que
critica a absolutização da periculosidade para reincidentes específicos.

168
iv. Culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade, motivos e
circunstâncias (requisito subjetivo) – praticamente repete o art. 59, CP. Trata-se do
princípio da suficiência, relacionado às finalidades da pena. Para o STJ, se a pena-
base foi aplicada acima do mínimo legal é porque as circunstâncias judiciais eram
desfavoráveis e não caberia substituição.
Obs.: Tese de defesa – seria possível PRD para crime com pena inferior a um ano,
ainda que doloso e cometido com violência ou grave ameaça, pela redação do art. 54,

O
CP.
Para a pena igual ou superior a um ano, o juiz deve fixar duas restritivas ou uma
restritiva e multa (até um ano, é uma restritiva ou multa). Até 6 meses, desde que não

IT
seja reincidente em crime doloso e presentes os requisitos subjetivos, aplica-se só a
multa (art. 60, § 2º, CP). Cuidado! Nos crimes ambientais (art. 7º, I, L. 9605), nas
condenações até 4 anos, a privativa de liberdade poderá ser substituída por uma única

TU
restritiva de direitos.
A duração é a mesma da privativa de liberdade substituída (art. 55, CP), para
prestação de serviços à comunidade, interdição temporária de direitos e limitação de
final de semana. Começa com o transito em julgado da condenação (art. 147, LEP),

RA
porém, o STJ já admitiu execução antes do trânsito em julgado, quando comprovado
intuito protelatório da defesa no exercício do direito recursal.
A substituição se opera na sentença condenatória ou acórdão condenatório (art.
59, IV, CP). Contudo, se omisso nestes momentos, poderá ser feita na execução penal
LG
– art. 180, LEP.
A reconversão pode ser obrigatória ou facultativa. Será obrigatória no caso de
descumprimento injustificado da restrição (art. 44, § 4º, CP), exigindo-se contraditório e
ampla defesa, sob pena de nulidade. A parte final prevê um saldo mínimo de 30 dias de
IA

detenção ou reclusão da reconversão (para uma minoria da doutrina, é inconstitucional,


gerando bis in idem de parcela da pena, como também quem está determinando o
cumprimento de tempo de prisão é o legislador).
ER

Será facultativa no caso do art. 44, § 5º - condenação superveniente a pena


privativa de liberdade por outro crime.
Cumpre destacar que é imprescindível a prévia intimação pessoal do reeducando
que descumpre pena restritiva de direitos para que se proceda à conversão da pena
AT

alternativa em privativa de liberdade. Isso porque se deve dar oportunidade para que o
reeducando esclareça as razões do descumprimento, em homenagem aos princípios
do contraditório e da ampla defesa (STJ, 5ª Turma, 2014 – Inf. 536).
Citam-se as modalidades: a) prestação de serviços à comunidade (art. 46, CP); b)
M

limitação de final de semana (art. 48, CP); c) perda de bens e valores lícitos; d)
prestação pecuniária (art. 45, § 1º, CP); e) penas de interdição de direitos (art. 47, CP)
– cabíveis apenas para alguns crimes. Trata-se de rol taxativo.
Seria possível a substituição também em crime hediondo, pois não se confunde a
natureza do crime, seu regime de cumprimento com a própria pena. O art. 44 da lei de
drogas vedava expressamente a substituição, mas foi reconhecido como
inconstitucional pelo pleno do STF e teve a execução suspensa pela Resolução 5/2012
do Senado.

15. Explique como se aplica a pena de multa e como será sua execução.

169
A pena de multa é espécie de sanção penal de índole patrimonial, consistente no
pagamento de determinada quantia em dinheiro em favor do Fundo Penitenciário
Nacional, ou seja, é revertida para a vítima. É cominada em alguns tipos penais,
alternativa ou cumulativamente com a pena privativa de liberdade. Quando não for
cominada ao crime, pode substituir a pena privativa de liberdade.
Quanto à sua aplicação, o CP adota o sistema do dia-multa, fornecendo ao juiz
parâmetros para cálculo da pena de multa. Aplica-se um sistema bifásico:

O
i. o juiz calcula o número de dias-multa: não pode ser inferior a 10, nem superior a
360 dias-multa(no caso do art. 28 da Lei de Drogas – usuário – os dias-multas não
podem ser inferior a 40 e nem superior a 100). Aplica-se o sistema trifásico de

IT
aplicação da pena privativa de liberdade, levando-se em conta as circunstâncias
judiciais, atenuantes/agravantes e as causas de aumento e diminuição;
ii. o juiz calcula o valor do dia-multa: não pode ser inferior a 1/30 do salário mínimo

TU
nem superior a 5 vezes este valor (no caso do art. 28 da Lei de Drogas – usuário – o
valor não pode ser inferior a 1/30 e nem superior a 3 vezes o salário mínimo).
Considera-se exclusivamente a situação econômica do réu. Obs1.: Pode-se triplicar
este valor se for insuficiente (art. 60, CP). Para tanto, há corrente que defende que

RA
triplica o máximo de tudo (máximo de 360 e máximo de 5 s.m.). Obs2.: há legislações
que preveem o aumento até o décuplo (L. 7492, art. 33 – crimes contra sistema
financeiro; L. 11343/06, art. 43, p. único – lei de drogas; L. 9279/96, art. 197 – crimes
contra a propriedade industrial).
LG
Se a multa for irrisória, defende-se a desnecessidade de cobrança, pois não teria
caráter retributivo. Prevalece, contudo, que mesmo a multa irrisória deve ser cobrada –
inderrogabilidade da pena.
Por outro lado, se a multa for excessiva, de acordo com o art. 76, § 1º, L. 9.099/95,
IA

caso sejaa única aplicável o juiz pode reduzi-la até a metade analisada a situação
econômica do agente.
O pagamento deve ocorrer em 10 dias do trânsito em julgado (art. 50, caput, CP).
ER

Depois do trânsito em julgado, a competência é do juízo da execução. Este pagamento


pode ser em parcelas mensais (CP e LEP não definem quantas, cabe ao juiz arbitrar)
ou também mediante desconto em folha de pagamento do condenado (não deve incidir
sobre recursos indispensáveis ao sustento, art. 50, § 2º, CP). De acordo com a LEP
AT

(art. 68, I), o mínimo de desconto é 1/10 da remuneração do condenado e máximo de


1/4.
Atualmente, na execução, se não houver o pagamento, pelo art. 51, CP (com
redação da L. 9268/96), a multa não paga voluntariamente deve ser executada como
M

dívida de valor, quando então, (i) perde sua natureza de pena (minoritária), mas STJ já
adotou em alguns acórdãos; (ii) mesmo cobrada como dívida de valor, continua sendo
pena (art. 5º, XLVI, CF) – majoritária (STF e STJ).
Para pagamento, extrai-se uma certidão e encaminha-se para a Fazenda Pública,
que inscreve na dívida ativa – cobrada pela Procuradoria da Fazenda Nacional, perante
Vara das Execuções Fiscais e conforme lei de execução fiscal.
Obs.: correção monetária incide da data do fato, é mera atualização do valor.
Obs2.: A S. 693/STF veda habeas corpus para decisão condenatória à pena de
multa (v. S. 171/STJ).

170
Atenção: Com relação à multa substitutiva, o art. 60, § 2º, CP preceitua que a PPL
aplicada, não superior a 6 meses, pode ser substituída pela multa, observados os
critérios do art. 44, II e III, devendo-se levar em conta, no caso concreto, se a
substituição será suficiente (pode ter sido cometido com violência ou grave ameaça).
Há posição, atualmente, defendendo que teria sido revogado o art. 60, § 2º pelo
art. 44, § 2º, em que o juiz pode substituir a PPL, caso não ultrapasse um ano, por uma
só pena de multa.

O
Nucci, ainda, propõe uma terceira corrente, para compatibilizar as normas. Em que
a pena igual ou inferior a 6 meses possibilita a substituição por multa (art. 60, § 2º) ou
restritiva (art. 44, § 2º) e a pena superior a 6 meses e igual ou inferior a um ano permite

IT
apenas PRD. Salienta que o art. 60 é especial em relação ao art. 44, que cuida da
aplicação das restritivas, apenas tangenciando a multa. Ele ainda fundamenta que
seria ilógico caber pena de multa para furto simples, cuja pena não ultrapasse um ano,

TU
podendo ser aplicada igualmente apenas uma multa para o furto privilegiado (art. 155,
§ 2º, CP), quando considerado de pequeno valor a coisa subtraída. Estariam sendo
equiparadas situações francamente desiguais.

RA
16. Diferencie prestação pecuniária, perda de bens e valores e multa.
A prestação pecuniária, tal como a perda de bens e valores, é modalidade de pena
restritiva de direitos. Independe da aceitação da pessoa beneficiada, tem caráter
unilateral, cogente e dispositivo. Consiste no pagamento de 1 a 360 salários mínimos,
LG
para a vítima e seus dependentes ou, se não houver vítima, para entidade social (art.
45, § 1º). É a única modalidade que tem caráter misto – civil e penal. Consiste na
antecipação de indenização civil (quando destinada à vítima), feita pelo juízo criminal.
Os requisitos para os salários mínimos a cada réu variam conforme art. 59, CP. Poderá
IA

ser prestação diversa, se a vítima ou entidade social aceitar.


Já a perda de bens e valores lícitos é o caso em que o Estado (Fundo Penitenciário
Nacional) tomará o produto e proveito do crime. O teto é o equivalente ao prejuízo do
ER

crime ou o lucro, o que for maior. Pena alternativa é de cumprimento facultativo e


espontâneo, se não o fizer, converte em privativa de liberdade. O Estado não vai atrás
coercitivamente como ocorreria com a multa. A perda também difere do confisco
(obrigatório, pelo art. 91, II, CP), que não é pena e sim efeito automático da
AT

condenação e recai sobre bens ilícitos, podendo ambos ser cumulados.


No que tange à conversão de ambas as penas para privativas de liberdade, cumpre
destacar que o seu descumprimento injustificado é que acarretará a conversão (art. 44,
§ 3º, CP), sendo necessária prévia oitiva do sentenciado. Atenção: Há tese favorável à
M

defesa no sentido de que, embora não haja expressa previsão legal, a conversão da
pena de perda de bens e valores ou da pena de prestação pecuniária em pena
privativa de liberdade deve ser vedada, em analogia in bonam partem com o que
ocorre com a pena de multa.
Por fim, a multaé revertida ao Fundo Penitenciário Nacional; o valor pago não se
deduz de indenização e não se admite conversão em privativa de liberdade.

17. Sobre o sursis responda: a) qual sua origem? b) qual o limite de pena para
sua concessão? c) e os requistos? d) quais as suas modalidades? e) é cabível

171
em crime hediondos e tráfico de drogas? f) quais as hipóteses de revogação? g)
seria possível aplicação de sursis simultâneos? E sucessivos?
O sursis (ou suspensão condicional da pena) era muito usado, até a edição das
penas restritivas de direito, que acabaram tomando espaço. Dessa forma, ele só será
aplicado quando não couber restritiva, mesmo porque é mais grave.
Prevalece a natureza jurídica de direito subjetivo do condenado (cabendo HC, na
falta de oportunização).

O
Também é um instrumento de política criminal, para evitar o cárcere. Há no direito
penal três sistemas aplicáveis ao sursis: (i) franco-belga ou europeu continental, em
que o agente é processado, reconhecida a culpa e condenado e a execução da pena

IT
fica suspensa (é o adotado no BR); (ii) anglo-americano: o agente é processado,
reconhecido culpado e suspende-se o processo, evitando a condenação e (iii) sistema
do probation of first offenders act, em que o agente é processado, suspende-se o

TU
processo evitando a condenação e reconhecimento de culpa (existe na suspensão
condicional do processo – art. 89, L. 9099, embora não seja o nome tecnicamente mais
preciso, diz-se sursis processual).
Em regra, aplica-se à pena privativa de liberdade não superior a 2 anos, com

RA
período de prova entre 2 e 4 anos ou, excepcionalmente, pena não superior a 4 anos e
período de prova entre 4 e 6 anos no sursis etário ou humanitário– maior de 70 anos ou
razões de saúde. Este limite de pena do art. 77 envolve concurso de crimes. Durante o
período de prova, não corre prescrição (STF, 2ª Turma, 2014, Inf. 744). Para as cortes
LG
superiores, tende a prevalecer que o período de prova deve guardar observância com a
pena privativa de liberdade fixada, ou seja, se esta foi no mínimo legal, também o seria
este lapso.
Além do requisito temporal, tem-se: (i) não ser reincidente em crime doloso, salvo
IA

se a condenação anterior for por pena de multa (súmula 499, STF); (ii) requisitos
subjetivos (tal como art. 59) – culpabilidade, antecedentes etc e (iii) não caber pena
restritiva de direitos. A suspensão não atinge restritivas de direitos e multa (art. 80).
Quanto às condições de cumprimento, o sursis poderá ser:
ER

a) simples (art. 77 e 78, §1º): são os requisitos acima citados e deverá cumprir as
previsões do art. 78, § 1º, no primeiro ano do prazo – prestação de serviços à
comunidade ou limitação de final de semana;
AT

b) especial (art. 77 e art. 78, §2º): além dos requisitos gerais e se as circunstâncias
lhe forem favoráveis, deve ter reparado o dano, salvo impossibilidade. Nesta
modalidade, no primeiro ano do prazo, sujeita-se às condições do art. 78, §2º -
proibição de frequentar lugares, proibição de ausentar-se da comarca, sem autorização
M

do juiz, comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e


justificar suas atividades.
Com relação aos crimes hediondos, a L. 8072/90 não proíbe, logo, preenchidos os
requisitos também caberia (há corrente minoritária que defende ser incompatível o art.
77, II com os hediondos).
Já para o tráfico de drogas, a L. 11343, em seu art. 44 veda expressamente o
benefício, pelo que uma primeira corrente preza pela inaplicabilidade. Uma outra
vertente destaca que a proibição do art. 44, levando em conta tão-somente a gravidade
abstrata do delito é inconstitucional, pois retira do juiz a análise da gravidade da
infração em concreto. Há decisões do STF nos dois sentidos. A vedação do

172
sursisprevalece no STJ (REsp 1.348.147/SP). Esta vedação também pode ser tida por
inconstitucional, sobremaneira à luz do princípio da individualização da pena.
A respeito da revogação, será obrigatória (art. 81, I, II, III):
i. se condenado por sentença irrecorrível em crime doloso;
ii. se frustra, embora solvente, a execução da pena de multa ou não efetua, sem
motivo justificado, a reparação do dano;
iii. descumpre condição imposta do art. 78, §1º (prestação de serviços à

O
comunidade ou limitação de final de semana).
Além disso, há revogação facultativa (art. 81, § 1º):
i. se descumpre outras condições;

IT
ii. se é irrecorrivelmente condenado por crime culposo ou por contravenção a pena
privativa de liberdade ou restritiva de direitos.
Nos casos de revogação facultativa, o juiz poderá (i) revogar, (ii) advertir, (iii)

TU
prorrogar período de prova até o máximo (art. 81, § 3º), (iv) exacerbar as condições.
Obs.: não se confunde revogação com cassação, em que se impede o início do
período de prova – não comparece à audiência admonitória; não aceita as condições
do sursis ou decisão concessiva é reformada pelo tribunal.

RA
Haverá prorrogação do sursis, se processado por outro crime ou contravenção –
até o julgamento definitivo (art. 81, § 2º). A mera instauração de inquérito policial não
serve para prorrogar, deve haver recebimento da denúncia. Durante a prorrogação não
subsistem as condições impostas. O STJentende que a prorrogação independede
LG
decisão judicial, sendo automática (HC 175758/SP, Min. Laurita Vaz, Quinta Turma,
julgado em 04/10/2011).Criticar esse posicionamento!
Atenção! Passado o período de prova sem revogação, considera-se extinta a
punibilidade. Os fatores de descumprimento devem ser analisados durante o
IA

cumprimento. Prevalece a corrente que segue a literalidade do art. 82, CP – expirado o


prazo sem revogação, está extinta a pena, a decisão do juiz não é constitutiva, mas
meramente declaratória. Se, depois do prazo, o MP percebe que houve
ER

descumprimento, já houve extinção da punibilidade.


Entende-se pela possibilidade de sursis simultâneos, quando depois de aplicado o
1º, o 2º também seja concedido, antes da audiência admonitória (a nova condenação
só revoga o sursis se for durante o período de prova). Igualmente, seria cabível sursis
AT

sucessivos, depois de cumprir o sursis, vem a ser condenado por crime culposo ou
contravenção (hipótese de revogação facultativa).

18. Aspectos finais.


M

Elencam-se as demais penas restritivas de direitos:


(i) Genéricas (além das citadas perda de bens e valores e prestação pecuniária)

Prestação de Proibição de Proibição de Limitação de final


serviços à frequentar lugares inscrever-se de semana (art. 48)
comunidade ou (art. 47, IV) em avaliação
entidades públicas de concurso
(art. 46) público (art.
47, V)
Atribuição de tarefas Na prática, ineficaz, Foi trazida pela Pouco utilizada no

173
gratuitas ao por falta de lei 12550/11, Brasil
condenado, em fiscalização; que insere o
escolas, orfanatos, art. 311, CP –
congêneres. Não fraude em
cabe em Igrejas, concurso
templos, pois o público;
Estado é laico.

O
Condenações A lei não define
superiores a 6 quais locais estão
meses vedados.

IT
Tarefas conforme Tem natureza Deveria ser
aptidões do genérica, não cumprida em casa
condenado, 1h se restringe ao de albergado (art.

TU
tarefa/dia de art. 311-A, CP. 94/95, LEP),
condenação e de Não faz muito recolhimento de 5h
modo a não sentido, pois o no sábado e 5h no
prejudicar jornada verdadeiro domingo

RA
normal de trabalho, fraudador não
as tarefas não são é quem presta
remuneradas e não o concurso.
geram vínculo
LG
empregatício (art. 28
e 30 LEP), trabalhos
forçados vedados no
art. 5º, XLVII, c, CF
IA

e prestação de
serviços prevista no
art. 5º, XLVI, d.
ER

Se a pena superior a
1 ano, facultado
cumprir em menor
tempo, nunca
AT

inferior à metade
Competência juízo
execução (art. 149,
LEP)
M

(i) Específicas (só em alguns crimes – interdição de direitos, art. 47, I, II e III)

Proibição do exercício de Proibição do exercício de Suspensão de autorização


cargo, função, ou profissão, atividade ou para dirigir veículo
atividade pública e ofício que dependam de
mandato eletivo habilitação especial, de
licença ou autorização do
poder público

174
Apenas dados crimes do Vida privada do réu Quase integralmente
art. 56, CP, diz respeito à revogada pelo CTB
vida pública do réu. Não é
aplicável apenas nos
crimes contra
administração pública.
Cabe também nos crimes

O
comuns com violação de
dever funcional.
Cabe tanto ao que está na Só é aplicável aos crimes

IT
função pública, como ao culposos de trânsito
que voluntariamente a praticados por
deixou depois da prática. ciclomotores (são veículos

TU
de 2 ou 3 rodas, cuja
velocidade máxima é de
50 km/h – Anexo I do
CTB).

da pena, encerra a fica proibido de exercer a


interdição profissão
RA
Com cumprimento integral Durante o tempo da pena,
LG
19. Quais os efeitos da condenação? São automáticos?
A principal e maior consequência do trânsito em julgado da sentença condenatória
é, sem dúvida, fazer com que o condenado cumpra a pena determinada. No entanto,
IA

existem efeitos secundários gerados pela sentença condenatória transitada em julgado,


que mais se parecem com outra pena, de natureza acessória.
Tais efeitos, considerados extrapenais, estão elencados pelos arts. 91 e 92 do CP.
ER

Tem-se entendido que os efeitos do art. 91 são automáticos, não havendo necessidade
de declaração expressa na sentença. Enquanto os efeitos elencados no art. 92 são
específicos, sobre os quais o juiz deverá, motivadamente, declará-los na sentença.
Os efeitos genéricos previstos pelo art. 91 são:
AT

i. tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime, formando assim
um título executivo de natureza judicial para a vítima
Art. 475-N, CPC. São títulos executivos judiciais:
II – a sentença penal condenatória transitada em julgado;
M

Art. 387, CPP. O juiz, ao proferir sentença condenatória:


IV - fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração,
considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido.
ii. a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-
fé, dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação,
uso, porte ou detenção constitua fato ilícito – É o chamado confisco. Não há que se
falar em perda dos instrumentos destinados à prática de contravenção penal;
iii. a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa
fé, do produto do crime ou valor que constituo proveito auferido pelo agente com a
prática do fato criminoso – também é o chamado confisco.

175
Os efeitos específicos previstos pelo art. 92 são:
I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:
a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um
ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a
Administração Pública;
b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro)
anos nos demais casos.

O
II - a incapacidade para o exercício do pátrio poder, tutela ou curatela, nos crimes
dolosos, sujeitos à pena de reclusão, cometidos contra filho, tutelado ou curatelado;
III - a inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio para a prática de

IT
crime doloso.

TU
PONTO 13
Execução penal: evolução histórica, crise e alternativas.
Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84).
Regras mínimas para o tratamento de pessoas presas: plano

RA
nacional e internacional de proteção.
Indulto e comutação (Decreto 8.380/14).

1. Discorra sobre a evolução histórica da execução penal no Brasil


LG
De acordo com Rodrigo Duque Estrada Roig (em seu Direito e Prática Histórica da
Execução Penal no Brasil), a partir do século XIX a prisão passa a ser anunciada
comoa principal forma de punição institucional no Brasil (e no mundo, remetendo-se
aqui a Foucault), remontando a regulamentação carcerária brasileira à época imperial.
IA

Até tal período, vigorava no Brasil um sistema penal privatístico e corporal, marcado
por punições públicas de senhores sobre seus escravos (açoites) e pela subsistência
das penas de morte na forca, galés (a pena de galés sujeitava os réus a andarem de
ER

calceta nos pés e correntes de ferro, juntos ou separados, e a se empregarem em


trabalhos públicos nas Províncias onde se perpetraram os delitos, conforme se extrai
do art. 44 do Código Criminal de 1830), desterro (impedia o condenado a deixar o lugar
do delito, não podendo entrar em sua residência ou na residência do ofendido no
AT

tempo marcado pela sentença), degredo (a primeira menção feita à prisão no Brasil é
encontrada nas Ordenações Filipinas, que designa a Colônia como presídio de
degredados) e imposição de trabalhos públicos forçados.
Neste período – final do período colonial e início do império – destacavam-se a
M

utilização, como prisões de instalações precárias adaptadas, como ilhas, fortalezas,


quartéis, navios e ainda prisões eclesiásticas, estabelecidas em conventos.
Insta esclarecer que o sistema de controle disciplinar carcerário no Brasil teve seus
contornos traçados no âmago da sociedade escravista brasileira do século XIX, em
especial durante o começo da expansão cafeeira. Especial destaque merece o terror
da capoeira, principalmente na cidade do Rio de Janeiro, sendo a mesma considerada
o flagelo das autoridades responsáveis pela manutenção da ordem pública.
Diante do turbilhão causado pelas agitações sociais da primeira metade do século
XIX e do temor e um insurreição escrava, tornou-se imprescindível a adoção de um
modelo penal policialesco e disciplinatório, capaz de vigiar determinados segmentos da

176
sociedade, de subjugar a população cativa e de reforçar o regresso conservador.
Portanto, na medida em que a prisão representava (e representa) uma importante
instância de controle social, o complexo de normas disciplinares carcerárias foi
marcado pelo vigilantismo (panoptismo), pela adoção do critério da condição social do
apenado como parâmetro para distribuição de punições, pela notória discriminação
entre presos escravos e “comuns” e pela co-existência de modelos penais
ressocializadores e meramente aflitivos, que detinham escopo utilitarista e encarnavam

O
a contradição entre o liberalismo e a escravidão.
Em 1890, logo após o advento da República, a natureza e abundância de sanções
previstas no Código Criminal de 1830 passaram a ser duramente reprimidas, exigindo-

IT
se um sistema penal pátrio adequado às exigências da nova ordem sociopolítica
republicana. Nessa conjuntura, edifica-se o Código Penal de 1890, que rompeu com
certas práticas punitivas do império, tidas como arcaicas e degradantes, como a pena

TU
de morte, galés, açoite e perpétua, subsistindo a prisão celular com trabalho
obrigatório, com a limitação do isolamento absoluto ao período máximo de dois anos e
com o enfoque no trabalho em comum, com segregação noturna e silêncio durante o
dia (art. 45 CP de 1890). Destarte, com o CP de 1890, a pena privativa de liberdade

RA
passa a ser vista como a punição por excelência.
Estabeleceu-se ainda um regime progressivo de cumprimento de pena, desde o
período de prova inicial, onde se estabelecia o confinamento absoluto, passando pela
transferência para uma penitenciária agrícola, até a derradeira obtenção do livramento
LG
condicional.
Em síntese, nesse momento, o regime penitenciário consistia na combinação entre
os sistemas de Auburn e da Filadélfia, com a devida modificação operada pelo método
progressivo irlandês.
IA

De qualquer maneira, como elucidam Nilo Batista e Zaffaroni, os alvos sociais do


sistema penal permaneceram sendo os mesmos. Contudo, houve mudança no
discurso, passando-se a incorporar fortemente o discurso regenerador. Quando ainda
ER

vigia o procedimento escravagista, a prisão detinha a mera função de neutralização da


prisão. Com a consolidação de um mercado de trabalho livre, aproveita-se o meio
carcerário para incutir nos condenados a propensão ao trabalho.
Conforme afirma Rodrigo Roig, desde a edição dos primeiros regulamentos
AT

penitenciários, em meados do século XIX, o Brasil passou a desfrutar de um grande


número de normas regulamentares em âmbito penitenciário. Em lugar de uma
instrução normativa de diretrizes gerais, o que se verificava era a adoção de diferentes
comandos para cada uma das unidades prisionais do país, muitos colidentes entre si, o
M

que implicava na necessidade de unificação do tratamento legal dispensado à questão


carcerária. Inclusive, a partir do X Congresso Penitenciário Internacional, realizado em
Praga no ano de 1930, solidificou-se a exortação da autonomia científica do “Direito
Penitenciário”, o que deu azo a diferentes projetos e anteprojetos de Código
Penitenciário para o Brasil.
O primeiro projeto de Código Penitenciário, que conferiu ao Brasil a condão de
pioneiro na defesa de tripartição dos Códigos em sede penal, foi concebido por
Cândido Mendes, Lemos Brito e Heitor Carrilho. Em 1957, Oscar Stevenson elaborou
um novo anteprojeto de Código, seguido pelo anteprojeto de Roberto Lyra, em 1963.

177
Por fim, em 1970, Benjamin Moraes Filho elaborou o último dos anteprojetos de Código
Penitenciário.
O modelo penitenciário hoje vigorante no Brasil teve muito de seus contornos
traçados a partir do conjunto de transformações sofridas pela sociedade brasileira ao
longo do período de exceção democrática, instaurado pelo golpe de 1964. Após 1964,
o sistema penitenciário retoma com vigor sua utilidade para os fins de repressão
política, reforçando os ideários ditatoriais, notadamente de defensivismo social e o

O
combate à periculosidade individual.
Em 1984 adveio a Lei de Execução penal que, não obstante ter preenchido o hiato
de legalidade penitenciária até então verificado não logrou afastar, em definitivo, os

IT
paradigmas político criminais arraigados no ordenamento jurídico, contribuindo-se para
a perpetuação de uma estrutura correicional autoritária e inquisitiva.
Nem mesmo com o advento da Constituição de 1988 mostrou-se possível desatar

TU
o nó na justiça penal, visto que os regulamentos penitenciários não sofreram a
necessária adequação à nova ordem constitucional.

2. Critique as finalidades retributiva e de prevenção especial positiva da pena.

RA
A Lei de Execução Penal, em seu art. 1º, apresenta para a execução penal a
finalidade de proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado
e do internado. O projeto de elaboração da Lei de Execução Penal se aproximou das
finalidades de retribuição e prevenção especial positiva (harmônica integração social do
LG
condenado e internado). Entretanto, tais finalidades são inconciliáveis.
Conforme se extrai da própria evolução do sistema penitenciário brasileiro,
visualiza-se que, apesar do discurso sedutor da Lei de Execução Penal, o seu cerne
está centrado na seletividade e na inocuização daqueles cidadãos de segunda
IA

categoria. A repressão retributiva é a expressão de um Direito Penal desigual, que


promove a seletiva criminalização dos marginalizados sociais do mercado de trabalho,
reforçando os instrumentos formais e ideológicos de controle social. A imposição de um
ER

mal como mero instrumento de retribuição contraria o objetivo fundamental de


promover o bem de todos, alicerce da República Brasileira.
No que tange à prevenção especial positiva, esta enaltece um papel passivo do
preso através das ideias de tratamento e ressocialização, e ativo das instituições,
AT

sendo resíduo da criminologia positivista. A sanção penal e sua execução não podem
trazer a finalidade de regularização moral dos sujeitos, pois haveria ruptura do princípio
da secularização. Acrescente-se ainda que o encarceramento no Brasil é
absolutamente inócuo para o fim de “ressocialização” do indivíduo, já que o Estado não
M

dispõe de políticas públicas efetivas e duradouras no sentido de integrar socialmente


os egressos, sem contar que o encarceramento por si só já é fator de segregação
familiar, repúdio social, rotulação e dessocialização do indivíduo.
Vale lembrar que a ideia de harmônica integração social pressupõe a existência de
uma sociedade homogênea, justa e não conflitiva, quando na verdade a mesma é
plural, seletiva e palco de conflitos entre ideologias, concepções morais e segmentos
absolutamente díspares.
De acordo com Rodrigo Duque Estrada Roig (em Execução Penal, Teoria Crítica),
a Constituição de 1988 não se curvou à tendência legitimadora da pena Pelo contrário,
as normas constitucionais penais têm como regra e por escopo o estabelecimento de

178
limites ao poder punitivo, sendo possível concluir que as finalidades de retribuição e
prevenção especial positiva não foram recepcionadas pela Constituição de 1988.

3. O que seria a teoria redutora de danos na execução penal? Discorra sobre ela
e a teoria negativa da pena.
Conforme o magistério de Nilo Batista e Zaffaroni, a pena não passa de um ato de
poder que impõe privação de direitos ou dor, sem no entanto reparar, restituir, nem

O
deter lesões em curso ou neutralizar perigos iminentes. Daí não nos resta outra opção
senão reconhecer que a principal função dos juristas e agências jurídicas é a de conter
a ação do poder punitivo e executório do Estado de Polícia em prol do fortalecimento

IT
das bases do Estado de Direito.
A visão redutora de danos visa, através dos agentes da execução penal, não
acentuar ainda mais as características deteriorantes e dessocializantes da

TU
prisionização e oferecer (jamais impor) meios para que os presos tentem diminuir seu
nível de vulnerabilidade ao poder punitivo se assim o desejarem. Compete aos juristas
e às agências jurídicas impedir que a habilitação desmesurada e irracional do poder
punitivo e executório prejudiquem os objetivos de construção de uma sociedade livre,

RA
justa e solidária, a erradicação da marginalização e redução das desigualdades sociais
e a promoção de todos.
A tese central da teoria redutora de danos na execução penal defende a existência
de um autêntico dever jurídico constitucional de redução do sofrimento e
LG
vulnerabilidade das pessoas encarceradas, sejam elas condenadas ou não. A pena
não pode ser um meio para resolver problemas, porque ela mesma é um problema
social, que não anula o dano do crime (dialética hegeliana), mas sim duplica a
danosidade do evento delitivo.
IA

Pode-se dizer que a teoria redutora de danos alberga a teoria negativa, cujo grande
defensor é Zaffaroni, a qual não concede qualquer função positiva à pena, entendo-a
como uma coerção que almeja o controle social, impondo privação de direitos e dor,
ER

sem restituir ou deter lesões em curso, ou ainda neutralizar perigos iminentes. Ela
visualiza a pena e sua execução como um ato de poder, de explicação política,
passível de limitação pelo poder dos juristas e pelas próprias agencias jurídicas.
AT

4. Como alternativa para a mitigação dos danos causados pelo sistema penal e
de execução penal, para o candidato seria eficiente a adoção do sistema do
“numerus clausus”?
A ideia da utilização do numerus clausus foi apresentada pela primeira vez em
M

1989 por Gilbert Bonnemaison, deputado do Partido Socialista Francês, que


encaminhou ao Ministro da Justiça um relatório com diversas propostas para a
modernização do serviço público penitenciário da França e, dentre elas estava o
numerus clausus, que consistia na obrigatoriedade de que o número de presos em um
estabelecimento penal atendesse ao número exato (fechado) de vagas disponíveis, de
modo que, uma vez ultrapassada a capacidade máxima do estabelecimento, deveriam
ser escolhidos os presos com melhor prognóstico de adaptabilidade social, impondo-
lhes a detenção domiciliar com vigilância eletrônica.
No Brasil, em artigo publicado em 1989, intitulado “Reforma penitenciária à
francesa”, Nilo Batista já via comoaudacioso e criativoo remédio donumerus clausus,

179
voltando mais tarde a observar que “a adoção do princípio donumerus clausus, a par
dos óbvios benefícios para a convivência penitenciária, deslocaria os investimentos
estatais da infecunda construção de mais e mais presídios para programas de controle
e auxílio aos egressos (‘clínica da vulnerabilidade’)
Atualmente, um grande defensor da adoção do numerus clausus é o Defensor
Público do Estado do Rio de Janeiro, Rodrigo Duque Estrada Roig, para o qual o
princípio ou sistema numerus clausus busca conter o quadro de superlotação

O
carcerária, afirmando com isso as bases do Estado Republicano e Democrático de
Direito brasileiro;
À primeira vista, é possível identificar ao menos três possíveis modalidades

IT
de numerus clausus (simultaneamente aplicáveis ou não):
a) Numerus clausus preventivo: vedação de novos ingressos no sistema
penitenciário, com a consequente transformação do encarceramento em prisão

TU
domiciliar. Alguns países europeus implementaram um tipo de lista de espera de
entrada no sistema penitenciário, passando o ingresso de presos a ser estritamente
vinculado à abertura de novas vagas. No entanto, não se mostra razoável a mera
suspensão da execução, considerando que o indivíduo não pode permanecer

RA
indefinidamente à mercê da disponibilidade do Estado, fato este que traria clara
insegurança jurídica. Daí a defesa da possibilidade de conversão do encarceramento
em prisão domiciliar, com o consequente cômputo de todo o período de espera.
Como alternativa a essa solução, poder-se-ia conjecturar o sobrestamento do início
LG
da execução penal com o prosseguimento do prazo prescricional – de modo a não
prejudicar o condenado – até a abertura de vagas regulamentares. Tal alternativa, se
por um lado veda qualquer tipo de execução até que sejam disponibilizadas vagas ou
esteja prescrita a pretensão executória, por outro deixa de computar o período de
IA

espera como efetivo tempo de cumprimento de pena. Trata-se, portanto, de um ponto


merecedor de amplo debate. Dessa forma, seja qual for a forma de implementação
do numerus clausus preventivo, por ser este anterior ao próprio encarceramento,
ER

naturalmente não dependeria de requisitos subjetivos ou objetivos, mas apenas da


constatação do excesso de contingente, reparável pela imposição da prisão domiciliar.
No numerus clausus preventivo, todos poderiam ser beneficiados, desde aqueles
que se mantiveram em liberdade durante o processo, mas tiveram ordem de prisão
AT

decretada em virtude do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, passando


por aqueles condenados a penas privativas de liberdade de até 4 anos, não
substituídas por penas restritivas de direito, até os demais condenados, atendendo a
ordem cronológica da prisão ou condenação.
M

b) Numerus clausus direto: deferimento de indulto ou prisão domiciliar àqueles mais


próximos de atingir o prazo legal para a liberdade. A concessão do indulto é um
relevantíssimo instrumento de política criminal e de gerenciamento técnico-jurídico da
superlotação, sendo possível, a partir da verificação do excesso de contingente
encarcerado em cada Estado, identificar o percentual aproximado de presos que
seriam indultados em cada uma das unidades federativas.
Salvo melhor juízo, não se vislumbra aqui ruptura da igualdade federativa,
considerando que cada Estado da Federação, exatamente no âmbito de sua
autonomia, possui escolhas e ideários político-criminais particulares, que produzem
reflexos nos índices de superlotação. Ademais, vale lembrar que a concessão de

180
indulto proporcional nos Estados teria como única função o equacionamento da
superlotação. Se os índices de superlotação por Estado são diferentes, não há como
ser igual o percentual de indultados. Logo, nessa perspectiva, o decreto presidencial de
indulto, além de suas disposições regulamentares, também poderia passar a conter
percentuais de presos a serem indultados em cada Estado, entre aqueles mais
próximos de atingir o prazo legal para a liberdade (notadamente o livramento
condicional).

O
Não sendo possível o deferimento do indulto, a imposição de prisão domiciliar
também se apresenta como alternativa viável à contenção do quadro de superlotação
carcerária. Analisando-se com atenção, é possível perceber que a concessão de prisão

IT
domiciliar como medida reparatória da ilegalidade da prisão sob condições de
superlotação segue as mesmas premissas da autorização de prisão domiciliar diante
da inexistência de Casa de Albergado ou da falta de vagas na mesma.

TU
Tais premissas são basicamente as seguintes: a) por culpa do Estado o condenado
não vem cumprindo sua pena da forma legalmente prevista; b) em respeito à
humanidade das penas, o condenado não pode permanecer em regime mais gravoso,
ou sob condições mais severas, do que foi fixado em decisão judicial. Por fim, no

RA
tocante ao numerus clausus direto, é importante pontuar que os critérios de inclusão
das pessoas presas deveriam ser os mais claros possíveis, de modo a evitar
exagerada subjetivação. Logo, como requisito subjetivo, restaria apenas a verificação
do índice comportamental da pessoa presa, indicado no atestado de conduta
LG
carcerária. Já como requisito objetivo, poderia ser prevista a maior proximidade
temporal de atingimento da liberdade (via livramento condicional).

c) Numerus clausus progressivo: sistema de transferências em cascata (em


IA

cadeia), com a ida de um preso do regime fechado para o semiaberto, de outro do


regime semiaberto para o aberto (ou prisão domiciliar) e, por fim, de alguém que esteja
em uma dessas modalidades para o livramento condicional (uma espécie de
ER

“livramento condicional especial”). Tratar-se-ia de uma operação conjugada, em que


cada transferência operada no regime mais gravoso ensejaria necessariamente outra
no regime menos gravoso, até que o indivíduo que se encontre em regime aberto ou
prisão domiciliar seja “empurrado” para fora do círculo detentivo, ingressando no círculo
AT

de liberdade. Vale destacar que todas as transferências se dariam antes mesmo do


implemento do prazo de progressão de regime (ou livramento condicional, na última
etapa).
Caso contrário, não haveria razão para a implementação do sistema. Para evitar
M

subjetivações e iniquidades, os critérios de inclusão no numerus clausus progressivo


também deveriam ser bem definidos. Como requisito subjetivo restaria então a
verificação do índice comportamental da pessoa presa, presente no atestado de
conduta carcerária (ou, caso a pessoa esteja em prisão domiciliar, a verificação de seu
regular cumprimento). Como requisito objetivo, figuraria a maior proximidade temporal
de atingimento da progressão de regime (ou livramento condicional, para os que se
encontrarem em regime aberto ou prisão domiciliar).

5. O candidato (a) deve estar ciente acerca da repercussão causada quando do


início do julgamento do Recurso Extraordinário de nº 580.252, originário do Mato

181
Grosso do Sul, no qual se discute a responsabilidade civil do Estado por Danos
Morais Causados ao preso por superlotação e condições degradantes de
encarceramento. Nesse julgamento, em voto vista o Ministro Luis Roberto
Barroso em voto vista, expôs sua opinião acerca do tema. O Senhor (a) sabe o
teor? Caso positivo, acredita que tal solução venha ao encontro da política
redutora de danos que se propõe na Execução Penal?
http://s.conjur.com.br/dl/indenizacao-barroso.pdf - voto

O
Sim, Excelência. No caso em análise, que tem repercussão geral, o ministro
entendeu que o Estado é responsável por não garantir as condições necessárias para
o cumprimento da pena. Em suas palavras: “Diferentemente do que alegam as partes,

IT
entendo que, na hipótese em exame, a responsabilidade civil do poder público é por
ação, e não por omissão. Afinal, o Estado, ciente das péssimas condições de detenção,
envia pessoas a cárceres superlotados e insalubres. Ainda que assim não fosse, a

TU
definição da natureza da responsabilidade civil no caso deve considerar a
particularidade de que os presos encontram-se sob a custódia do Estado.
Nessa situação, estão inseridos em uma instituição total, na qual se submetem
inteiramente ao controle do poder público e dependem de agentes estatais para quase

RA
todos os aspectos de sua vida, inclusive para o atendimento de suas necessidades
mais básicas e para sua autoproteção. Como contrapartida, o Estado assume uma
posição especial de garante em relação aos presos, circunstância que lhe confere
deveres específicos de vigilância e de proteção de todos os direitos dos internos que
LG
não foram afetados pela privação de liberdade, em especial sua integridade física e
psíquica, sua saúde e sua vida”.
Após fazer um panorama acerca das péssimas condições do sistema
penitenciário brasileiro, considerações, aliás, que em muito se aproximam àquelas
IA

plasmadas no bojo da ADPF 347, que versa sobre o “Estado de Coisas


Inconstitucional” do sistema penitenciário no Brasil, o ministro sugeriu que o preso
possa ser indenizado pelo Estado com a redução de pena, em vez de receber
ER

indenização pecuniária. Para o ministro, a solução tem vantagens do ponto de vista


carcerário e das contas públicas, diminuindo a superlotação dos presídios e
contribuindo para o ajuste fiscal enfrentado pelos governos estaduais.
Na visão de Barroso, a indenização em dinheiro não resolve o problema, porque a
AT

dignidade humana foi violada. O ministro propôs ainda os cálculos: um dia de redução
para três de cumprimento de pena em casos de violação grave. E remição mínima de
um dia para cada sete de cumprimento penal em caso de violações mais brandas. De
acordo com a proposta do Ministro, só haveria indenização pecuniária se já cumprida a
M

pena:
“Esta solução não afasta inteiramente a indenização pecuniária, mas lhe confere
caráter subsidiário. O ressarcimento em dinheiro dos danos morais será cabível apenas
quando a remição da pena não for possível. Como se verá adiante, isso ocorreria, por
exemplo, no caso de detentos que já tivessem cumprido integralmente a pena ou de
preso provisório que tivesse se sujeitado a condições desumanas de encarceramento,
mas fosse posteriormente absolvido.”
Os argumentos do Ministro são coerentes e louváveis, e tal ideia merece ser
aplicada. Contudo, a remição sugerida pelo Ministro não implica em sua
inacumulabilidade com a indenização in pecúnia pelos danos morais vivenciados pelo

182
detento. Ora, se há pena cumprida em condições degradantes, ainda que diminuída, o
dano não deixa de existir. A ausência de dano só poderia desaparecer com a ausência
da própria pena. Basta um dia no cárcere para o dano já estar configurado.
Portanto, a indenização não desaparece com a remição. Pode apenas diminuir o
valor dos danos morais, mas nunca substituí-lo. Para isso, só a ausência de pena. A
proposta gera um paradoxo no sistema e faz retornar ao ciclo inicial de que, na
realidade, deve-se evitar sim o cárcere para que o dano não ocorra.

O
6. Acerca da execução penal, esclareça se a ideia do Estado de Exceção no
sentido atribuído por Giorgio Agamben se manifesta no sistema penitenciário

IT
brasileiro.
Retirei do artigo do examinador acerca do princípio do “less eligibility” e do artigo
do caio acerca dos acusados de vadiagem em Franca.

TU
Sim. O estado de exceção, de acordo com Agamben permeia o estado de direito,
mostrando o real poder soberano nas brechas onde as normas têm sua vigência
suspensa. O estado de exceção tende cada vez mais a se apresentar como paradigma
de governo dominante na política contemporânea, quando o eclipe dos direitos

RA
fundamentais ocorre sem sua suspensão formal, durante a normalidade constitucional,
legitimado pelo verniz da legalidade. Tal situação pode ser visualizada no sistema
penitenciário brasileiro, onde as condições de aprisionamento demonstram a condição
de cidadão de segunda categoria emprestada à pessoa presa. O cárcere se apresenta
LG
como um locus de relativização da universalidade característica dos direitos humanos,
em verdadeira manifestação do estado de exceção no sentido atribuído por Agamben.

7. Qual a natureza jurídica das normas de execução penal?


IA

Retirado do livro do Rodrigo Roig Duque Estrada (ope cit.).


Chegar a uma conclusão acerca da natureza jurídica das normas de execução
penal é extremamente importante, pois, dependendo da posição defendida, poder-se-á
ER

sustentar, ainda que em detrimento do Estado, a prevalência das garantias


constitucionais do apenado essenciais à contenção do poder punitivo estatal.
Basicamente há 3 correntes acerca do tema:
1-A execução penal possui natureza mista, já que, embora os incidentes do
AT

processo se desenvolvam em âmbito judicial, diversos aspectos da execução


dependem de atuação administrativa, sobretudo da direção, chefia de disciplina e
secretaria dos estabelecimentos penais. Neste sentido, Ada Pellegrini Grinover. Crítica:
a existência de atividades de cunho administrativo no âmbito da execução penal não
M

desnatura sua natureza jurisdicional.


2-A execução penal possui natureza administrativa – ideia fundada na doutrina
política de Montesquieu sobre separação dos poderes. Ainda possui adeptos, mas é
minoritária. Crítica: adotar tal entendimento dá margem à imposição do interesse
estatal sobre o individual.
3-A execução penal possui natureza jurisdicional/penal – é o entendimento que
mais se coaduna com a Constituição. Não há prevalência do interesse estatal sobre o
individual. Reconhecer tal natureza significa entender que todos os atos executivos
realizados na execução penal são sindicáveis pela Jurisdição.

183
8. O que seria o princípio do less eligibility? E a ideia de supremacia especial?
Texto do examinador Patrick intitulado “less eligibility”
Esse princípio, desenvolvido no Reio Unido a partir do Poor Law Amendment Act,
de 1934, determina que as condições de vida no cárcere devem ser acentuadamente
piores que as condições de vida dos mais precários trabalhadores livres para que
preserve seu caráter punitivo e se mantenha devidamente dissuador diante do custo da
opção de delinquir.

O
Posteriormente, ainda tentando legitimar a diferenciação social no tocante à
efetivação de direitos das pessoas presas, foram cunhadas pela doutrina alemã as
“teorias da supremacia especial” (ou teorias das relações especiais de sujeição, das

IT
relações de sujeição especial ou das relações especiais de poder).
As teorias afirmavam a existência de um direito de supremacia do Estado, que se
veiculava de maneiras distintas segundo as diferentes classes ou categoria de

TU
pessoas, ou setores sociais. Existiria um direito de supremacia geral do Estado, dirigido
a todos os cidadãos indistintamente e um direito de supremacia especial exercido
sobre determinadas categorias de pessoas, que mantêm com o Estado relações
particulares de subordinação, como é o caso das pessoas presas. Nestas relações, o

RA
Estado poderia flexibilizar o princípio da legalidade e inobservar direitos fundamentais.
Tais teorias merecem ser rechaçadas em prol da consolidação da
jurisdicionalização da execução penal e a aplicação das garantias jurisdicionais ao
apenado/preso provisório/internado.
LG
9. O verbete sumular de nº 534 do STJ é aplicável à prática de falta grave no
regime fechado? Teor do verbete sumular: “A prática de falta grave interrompe a
contagem do prazo para a progressão de regime de cumprimento de pena, o qual
IA

se reinicia a partir do cometimento dessa infração”.


Resposta embasada no artigo do Patrick “Lessa Eligibility”
A jurisprudência consolidou o entendimento de que, no caso de a pessoa ter
ER

iniciado o cumprimento de pena em regime aberto ou semiaberto, a regressão de


regime poderá determinar o reinício da contagem do lapso temporal, diante da
exigência legal de seu cumprimento no “regime anterior”, expressão contida no art. 112
da LEP, em violação ao princípio da legalidade. Prevaleceu o entendimento de que o
AT

cumprimento de pena no “regime anterior” sempre deve ser renovado para a próxima
progressão de regime, ou seja, o lapso temporal reiniciaria sua contagem como
decorrência lógica de ser o novo regime de cumprimento de pena anterior àquele para
o qual se deseja novamente progredir. Contudo, no caso da prática de falta grave
M

quando o indivíduo ainda cumpre pena no regime fechado não se aplica, por
impossibilidade lógica, a regressão de regime. Com isso, diante da inocorrência da
regressão, o lapso temporal para a progressão de regime não é interrompido, de modo
que se aplicam apenas as consequências legais do cometimento da falta disciplinar. A
admissão de entendimento contrário legitimaria a aplicação da analogia in malam
partem, ainda que o STJ e STF o façam em manifesta violação ao princípio da
legalidade.
Adendo: há tese institucional da DPESP (10/09) que dispõe que “a prática de falta
grave não interrompe o lapso para concessão de benefícios”. Tal entendimento como
se afere da explicação acima, não vem sendo aplicado à progressão de regime,

184
diferentemente do livramento condicional (súmula 441), indulto e comutação (súmula
535)

10. De acordo com a jurisprudência do STF e do STJ, a posse de componentes


isolados de aparelhos telefônicos é abrangida pelo tipo disciplinar previsto no
art. 50, VII da LEP?
De maneira equivocada e descompromissada com o princípio da taxatividade, tanto

O
o STF como o STJ vêm entendendo que o tipo disciplinar do art. 50, VII da LEP
albergam as condutas de possuir, utilizar, fornecer componentes isolados dos
aparelhos telefônicos, como o chip. O STJ, inclusive, possui precedentes ainda mais

IT
absurdos ao admitir que estariam abrangidas pela norma a posse de itens como, por
ex, o carregador. Diferentemente, já há julgados que excluem de tal tipo a posse de
fone de ouvidos.

TU
A postura de tais tribunais é nitidamente arbitrária, pois não condiz com a ratio da
norma, que visa vedar a utilização de aparelho que tenha capacidade de comunicação
com outros presos ou com o ambiente externo, o que não é possível a partir apenas da
posse de componentes de telefone celular.

RA
Adendo: Tese aprovada em 2015 no Encontro de Defensores Públicos de SP:
Súmula:As condutas previstas no artigo 50, inciso VII, da Lei de Execução Penal não
caracterizam falta disciplinar quando praticadas pelo sentenciado que cumpre pena em
regime aberto ou semiaberto.
LG
Tal entendimento é absolutamente coerente, já que os apenados que cumprem
pena em regime aberto e semiaberto estão na maior parte do tempo em meio livre, sem
vigilância, interagindo com a sociedade e necessitando de meios para se fazerem
comunicáveis. Conforme elucida Rodrigo Roig o porte de aparelho celular nos dias de
IA

hoje é medida essencial para a inclusão social do condenado em regime aberto,


facilitando contatos profissionais e gerando novas oportunidades de renda e emprego,
além de estreitar os laços familiares e de amizade.
ER

Além disso, tal entendimento consolida o disposto nas Regras Mínimas para
Tratamento de Reclusos da ONU para as quais, no item 60, o regime do
estabelecimento deve procurar reduzir as diferenças que possam existir entre a vida na
prisão e a vida em liberdade e que o tratamento não deve acentuar a exclusão dos
AT

reclusos da sociedade, mas sim fazê-los compreender que continuam fazendo parte
dela.
De qualquer maneira, tendo em vista que apenas uma ínfima minoria de presos
emprega aparelhos celulares para cometer delitos, a peremptória vedação da posse e
M

uso de aparelhos em âmbito carcerário, para qualquer dos regimes, evidencia a


permanência da ideia de less eligibility e a visão seletiva e discriminatória dos presos.

11. De que maneira o procedimento da revista vexatória viola o princípio da


transcendência mínima?
Extraído do livro do Rodrigo Roig (ope cit)
Inicialmente, insta esclarecer que não existe a intranscendência dos efeitos penais,
já que a pena criminal de algum modo sempre afeta outras pessoas, razão pela qual
dá-se o nome do axioma de princípio da transcendência mínima. Extrai-se desse
princípio que a pena não poderá passar da pessoa do criminoso. Porém, na realidade,

185
sabe-se não ser tal princípio concretizado. Um excelente é exemplo é o caso das
revistas vexatórias dos visitantes nas penitenciárias, inspeção efetuada manualmente
ou detectores com fins de segurança. Apesar da modalidade manual apenas ser
admitida excepcionalmente, inclusive na recente lei estadual 15.552/14, ou seja,
quando houver fundada suspeita de caráter objetivo, na prática tal modalidade é
estabelecida como regra, obrigando-se visitantes, inclusive idosos e crianças, à nudez
e colocação em posições constrangedoras.

O
Frise-se que Em 23 de outubro de 2015, representantes de 22 entidades que lutam
pelo fim da revista vexatória nas prisões das Américas estiveram em Washington, nos
Estados Unidos, para denunciar tal prática sistemática à Comissão Interamericana de

IT
Direitos Humanos. Na audiência, foram apresentados casos de revista vexatória na
Argentina, Brasil, Chile, Guatemala, Honduras e Paraguai. No caso do Brasil, as
organizações denunciaram que mesmo tendo sido proibida em alguns estados, como

TU
São Paulo, tal prática ainda é realizada rotineiramente.

http://carceraria.org.br/entidades-denunciam-a-comissao-interamericana-a-revista-
vexatoria-nas-americas.html#sthash.oZLH4wRQ.dpuf

12.O preso pode votar?


RA
Inicialmente, há que se diferenciar entre o preso provisório e o preso condenado
por sentença judicial transitada em julgado. Em relação ao primeiro, apesar de tal
LG
direito não ser corretamente exercido no âmbito do sistema carcerário brasileiro, o voto
é direito e dever daqueles indivíduos listados no art. 14 § 1º da CRFB. Enquanto não
transitada em julgado a sentença penal condenatória, não haverá suspensão dos
direitos políticos (art. 15, III CRFB a contrario sensu), o que impõe que o Estado
IA

garanta o exercício de tal direito pelo preso provisório. No dia das eleições, urnas
devem ser instaladas nas prisões e unidades de internação do estado de São Paulo.
Adendo: A Defensoria de São Paulo detém cartilha acerca do exercício do direito
ER

ao voto pelo preso produzida pelo Núcleo Especializado de Situação Carcerária e


Núcleo Especializado da Infância e Juventude
Vide:http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/Repositorio/30/Documentos/Artigos%2
0e%20cartilhas/folder_votopresos.pdf
AT

No que tange ao preso definitivamente condenado, a princípio este detém os seus


direitos políticos suspensos, conforme se extrai do art. 15, III da CRFB. Contudo, há
quem discorde de tal dispositivo.
Vejamos a posição de Rodrigo Roig vide: http://www.e-
M

publicacoes.uerj.br/index.php/rfduerj/article/viewFile/1373/1163
“Atualmente ainda predomina o entendimento de que o preso definitivamente
condenado está impossibilitado de votar, uma vez que a expressão “direitos políticos”
do art. 15 abrange não apenas a elegibilidade, mas também o direito de votar. Tal
posição aponta, como fundamento, a necessidade de se conferir ao art. 15, III, um
“mínimo de eficácia”. Entendimento diverso sustenta a possibilidade de voto do preso
definitivamente condenado. Inicialmente argumentou-se que a expressão “direitos
políticos” do art. 15 da CF não teria delimitado o objeto da proibição, mostrando-se
vaga. Ante a vagueza do art. 15 da CF, caberia à Lei Complementar n. 64/90 (que
complementa o art. 14§9º da CF) dar o real alcance à possibilidade de voto. Como os

186
efeitos da Lei Complementar n. 64/90 se restringem apenas à inelegibilidade (e
somente em função de determinados crimes), o direito de voto não estaria alcançado.
A par desse argumento inicial, atualmente podemos formular outros fundamentos.
O primeiro deles parte do pressuposto de que o artigo 15, inciso III, da CF, por
representar uma limitação a um direito fundamental (direito político), deve sofrer uma
interpretação restritiva. Assim, diante da falta de clareza do referido dispositivo
constitucional, a limitação ali prevista não deve englobar o direito de voto. Outro

O
fundamento reside no fato de que a Constituição admite que a legislação
infraconstitucional estabeleça a perda ou a suspensão dos direitos políticos na hipótese
de 5 Art. 1º da LEI COMPL. 64/90. São inelegíveis: I - para qualquer cargo: e) os que

IT
forem condenados criminalmente, com sentença transitada em julgado, pela prática de
crime contra a economia popular, a fé pública, a administração pública, o patrimônio
público, o mercado financeiro, pelo tráfico de entorpecentes e por crimes eleitorais,

TU
pelo prazo de 3 (três) anos, após o cumprimento da pena. 6 “condenação criminal
transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos”.
A lei ordinária (artigo 92, do CP), por sua vez, limita-se a estabelecer como efeito
extrapenal da sentença penal condenatória apenas a perda do mandato eletivo (inciso

RA
I). Não haveria qualquer menção à perda ou suspensão do direito de votar, não sendo
legítima tal restrição. Por fim, são uníssonos os instrumentos internacionais de tutela
dos direitos humanos, quando dispõem, por exemplo, que “toda pessoa tem o direito de
tomar parte no governo de seu país diretamente ou por intermédio de representantes
LG
livremente escolhidos” (artigo XXI, 1, da Declaração Universal dos Direitos Humanos)
ou que “todos os cidadãos devem gozar dos seguintes direitos e oportunidades: a) de
participar da condução de assuntos públicos, diretamente ou por meio de
representantes livremente eleitos; b) de votar e ser eleito em eleições periódicas,
IA

autênticas, realizadas por sufrágio universal e igualitário e por voto secreto, que
garantam a livre expressão da vontade dos eleitores; e c) de ter acesso, em condições
gerais de igualdade, às funções públicas de seu país” (artigo 23 da Convenção
ER

Americana de Direitos Humanos).


Sobre o tema, encontra-se em tramitação a proposta de emenda constitucional n.
65/2003 que revoga o inciso III do art. 15 da CF e acrescenta no rol de votantes
facultativos do art. 14 da CF os sujeitos à condenação criminal transitada em julgado,
AT

enquanto durarem seus efeitos (atualmente, analfabetos, maiores de setenta anos e


maiores de dezesseis e menores de dezoito anos possuem voto facultativo). Apenas a
inelegibilidade dos presos definitivamente condenados é mantida.”
M

13. Diferencie os institutos da permissão da saída da saída temporária:

Permissão de saída – art. 120 LEP Saída temporária – arts. 122/125


Concedida pelo diretor do Concedida pelo juiz da execução
estabelecimento

187
Aplicada a condenados no regime Condenado no regime semiaberto
fechado ou semiaberto e presos
provisórios.
Rodrigo Roig admite para o regime
aberto se o fato urgente ocorrer no
período em que o condenado deva
por lei estar recolhido à Casa de

O
Albergado ou em prisão domiciliar

Hipóteses: quando houver Hipóteses: com a finalidade de obter

IT
falecimento de cônjuge, ascendente, autorização para visitar a família;
descendente ou irmão ou frequência a curso e participação em
necessidade de tratamento médico. atividades que concorram para o retorno

TU
ao convívio social
Sem prazo determinado. Durará o Prazo: concedida por prazo não superior
tempo suficiente à finalidade da a 7 dias, podendo ser renovada por mais
saída. 4 vezes durante o ano, com prazo

RA
mínimo de 45 dias entre uma e outra.
Adendo: saída temporária automatizada
– delegação ao administrador do presídio
LG
da fiscalização das saídas temporárias,
autorizadas pelo magistrado em única
decisão. O STJ não admite tal hipótese,
conforme se visualiza da súmula 520.
Enquanto isso, o STF, através de recente
IA

decisão relatada pelo Min. Gilmar


Mendes entendeu pela inviabilidade de o
magistrado decidir pela concessão do
ER

direito ao apenado dentro de prazo


razoável, admitindo, portanto, a
renovação automática.
AT
M

14. Um indivíduo que foi condenado à pena de 1 ano e 8 meses pela prática do
delito previsto no art. 33 da Lei 11.343/06, tendo-lhe sido aplicada a causa de
diminuição de pena prevista no §4º. Por não preencher os requisitos do art. 44 do
Código Penal, lhe foi negada a substituição da pena privativa de liberdade, fixada
em regime aberto, por restritiva de direitos. Ser-lhe-á possível, quando preencher
o lapso temporal, obter o direito ao livramento condicional?
Pela letra fria da lei – art. 83 do Código Penal – para a concessão do Livramento
Condicional é exigível a fixação de pena mínima em 02 anos. Contudo, tal limitação
não foi recepcionada pela Constituição da República. Fundamentação: vide tese 81 da
DPESP: princípios da igualdade, proporcionalidade, razoabilidade, Direito Penal
mínimo:
188
Não se mostra razoável a sujeição de um direito tão amplo como o livramento
condicional somente aos condenados cuja pena privativa de liberdade seja igual ou
superior a 02 (dois) anos. Segundo autorizado magistério doutrinário a intenção do
legislador foi a de reservar direitos mais amplos que o livramento condicional, tais como
o sursis e a substituição por pena alternativa, para o condenado a pena privativa de
liberdade inferior a 02 (dois) anos.
Olvidou-se o legislador que há hipóteses pelas quais não teria cabimento, em tese,

O
os direitos elencados de maior abrangência, como, por exemplo, o não cabimento do
sursis para o reincidente em crime doloso ou a impossibilidade de substituição da pena
de prisão por uma alternativa no caso de reincidência específica em tais delitos.

IT
“(...) semelhante exclusão – dos condenados à pena inferior a dois anos - é
inteiramente despropositada e ofensiva ao princípio da proporcionalidade, afinal crimes
mais graves terão tratamento mais brando do que crimes menos graves, numa clara

TU
violação ao princípio da proporcionalidade; tal limite, claramente inconstitucional, há de
ser ignorado, portanto. E de lege ferenda deve ser abolido” (Paulo Queiroz). Segundo o
magistério de CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO haverá violação à regra da
isonomia toda vez que, no caso concreto, o exegeta se deparar com a falta de lógica

RA
entre o fato discriminado na norma (discrímen) e a razão jurídica da discriminação.
A discriminação in casu é negativa, pois a lei prestigia melhor o condenado a pena
mais longa e, portanto, praticante de um delito mais grave, em detrimento de um
criminoso de menor periculosidade. Enfim, naqueles casos onde não é cabível o sursis
LG
e a suspensão da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, inexiste lógica
entre o discrímen (pena inferior a dois anos e não cabimento de livramento condicional)
e a razão jurídica da discriminação, modo que o art. 83, caput, apresenta vício material
de inconstitucionalidade por afrontar o princípio da igualdade.
IA

Além do vício apontado, também subsiste o malferimento da razoabilidade que,


num primeiro momento, deve ser analisada em seu aspecto interno, isto é, dentro da
lei; vale dizer é preciso que haja uma relação racional e proporcional entre seu motivo,
ER

meio e fim.

15. A execução penal também abrange a execução das medidas de segurança?


Há muito já restou consolidado o entendimento acerca da natureza sancionatória
AT

das medidas de segurança. Contudo, diante do advento da Lei 10.216/01, que trouxe a
luta antimanicomial, e não diferenciou o indivíduo acometido de transtorno mental que
pratica fato tido como típico e ilícito daquele que não o faz, o melhor entendimento é
pela revogação dos dispositivos arcaicos do Código Penal que tratam do tema pela
M

própria Lei 10.216/01. Esse entendimento é acolhido pela DPESP: Tese: A Lei nº
10.216/01, marco da reforma psiquiátrica no Brasil, derrogou a parte geral do Código
Penal e da Lei de Execuções Penais no que diz respeito à medida de segurança.

16. O estrangeiro tem direito à obtenção de livramento condicional?


Extraído do livro do Rodrigo Roig (ope cit)
O tema é controvertido. Na prática jurisprudencial, faz-se uma distinção tendo
como parâmetro a existência ou não de processo ou decreto de expulsão em desfavor
do apenado. O fundamento utilizado é a incompatibilidade ente as condições legais à
concessão do livramento (ocupação lícita e manutenção de residência fixa) e a

189
existência de inquérito ou decreto de expulsão do estrangeiro, dada a impossibilidade
de sua permanência no país.
O autor entende ilegítima a proibição do LC ao preso estrangeiro, pois tal violaria a
individualização da pena, a isonomia ente brasileiros e estrangeiros e não condiz com a
dignidade humana. Além disso, o Código Penal e a LEP não fazem quaisquer
restrições aos direitos dos estrangeiros que cumprem pena no Brasil. Por fim, cabe
esclarecer que o decreto de expulsão não pode impedir o deferimento do LC, pois as

O
autoridades administrativas podem efetivá-lo após o cumprimento integral da
reprimenda, ou mesmo antes (art. 67 da Lei 6815). Orientando-se em sentido contrário,
estar-se-ia a conceber que a esfera penal se pautasse unicamente no decretado em

IT
âmbito administrativo.
Os Tribunais pátrios não vêm concedendo o LC para estrangeiros já com decreto
de expulsão. Vamos conferir o julgado abaixo colacionado, extraído do TJMS que

TU
elucida o tema, vejamos:
E M E N T A - AGRAVO CRIMINAL - CONCESSÃO DE LIVRAMENTO
CONDICIONAL À ESTRANGEIRA EM SITUAÇÃO IRREGULAR NO BRASIL -
POSSIBILIDADE - AGRAVO IMPROVIDO. É perfeitamente possível, a concessão de

RA
livramento condicional ao estrangeiro em situação irregular no Brasil, desde que não
exista processo ou decreto de expulsão em desfavor do apenado como no caso em
tela, sob pena de violação aos princípios constitucionais da isonomia e da
individualização da pena. Não é necessário para a concessão do livramento
LG
condicional para fins de antecipação de expulsão/deportação que a apenada comprove
antecipadamente que possui ocupação lícita ou mesmo residência fixa, pois a redução
desse tempo de vigilância à qual a estrangeira estaria submetida em outros regimes
aproveita à administração pública, que não possui interesse na recuperação daquele
IA

que aqui não reside. (TJ-MS - EP: 00004216820148120008 MS 0000421-


68.2014.8.12.0008, Relator: Desª. Maria Isabel de Matos Rocha, Data de Julgamento:
22/09/2014, 1ª Câmara Criminal, Data de Publicação: 25/09/2014)
ER

Ver a cartilha de direitos e deveres do preso (a) estrangeiro (a):


http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/repositorio/41/Livreto_presas%20estrangeiras.p
df
AT

17. É possível sustentar o cabimento da audiência de custódia no âmbito da


execução penal?
O professor e Defensor Público Federal Caio Paiva defende o cabimento. A
Resolução 213 do CNJ, recém-publicada, dispõe que a audiência de custódia deve ser
M

realizada também no caso de mandado de prisão definitiva cumprido. Nesse caso, é


claro, a audiência na teria tantas finalidades como têm para a prisão cautelar. Serviria
para verificar se houve maus tratos na prisão e também para passar informações ao
preso sobre a execução.

18. O que são as Regras Mínimas para Tratamento de Reclusos da ONU? essas
regras? Qual a sua natureza jurídica?
Retirado do Curso de Direitos Humanos de André de Carvalho Ramos
Essas regras foram adotadas pelo 1º Congresso das Nações Unidas sobre
Prevenção do Crime e Tratamento de Delinquentes realizada em Genebra em 1955 e

190
foram aprovadas pelo Conselho Econômico e Social da ONU através da resolução 663
C I de 31 de julho de 1957 aditada pela resolução 2076 (LXII) de 13 de maio de 1977.
Em 25 de maio de 1984, através da resolução 1984/47, o Conselho Econômico e
Social aprovou treze procedimentos para a aplicação efetiva das Regras Mínimas
(anexo).
Tais Regras Mínimas possuem natureza de soft law, que consiste no conjunto de
normas não vinculantes de Direito Internacional, mas que podem se transformar em

O
normas vinculantes posteriormente, caso consigam a anuência dos Estados. Contudo,
contêm inúmeros direitos dos presos já previstos em outros tratados, estes sim
vinculantes. No que tange ao estado de São Paulo, o art. 143 da Constituição Estadual

IT
determina a observância de tais Regras pela legislação penitenciária estadual.
Vejamos: Artigo 143 - A legislação penitenciária estadual assegurará o respeito às
regras mínimas da Organização das Nações Unidas para o tratamento de reclusos, a

TU
defesa técnica nas infrações disciplinares e definirá a composição e competência do
Conselho Estadual de Política Penitenciária.
As Regras são compostas por 95 artigos divididos em 3 seções: observações
preliminares, regras de aplicação geral e regras aplicáveis a categorias especiais.

RA
Compulsando as regras é possível visualizar que a maior parte das Regras, apesar
de repetidas no âmbito de dispositivos do Ordenamento Jurídico interno, como a
própria Lei de Execução Penal, não são cumpridas pelo Estado Brasileiro. Insta
exemplificar: Regra 12: instalações sanitárias adequadas para que os presos possam
LG
satisfazer suas necessidades naturais no momento oportuno, de um modo limpo e
decente (o que contrasta com o conhecido “boi”, buraco nas celas em que os presos
utilizam para a satisfação de suas necessidades); Regra 20.2: água potável quando
dela necessitar; Regra 20.1: Direito à alimentação adequada, regular e de boa
IA

qualidade – contrasta com a realidade aferida pela própria Defensoria nos presídios,
que já constatou inclusive alimentos servidos fora do prazo de validade, sem contar
com os dias em que o preso é encaminhado à audiência e permanece horas a fio sem
ER

qualquer alimentação, o que ensejou o ajuizamento de Ação Civil Pública pela DPESP;
Regra 63: individualização do “tratamento”; Regra 63.3: limite máximo do número de
presos por estabelecimento fechado: o número não poderia passar de 500 – o que é
evidente que não vem sendo cumprido pelo Brasil. Regra 60.1: o regime do
AT

estabelecimento prisional deve tentar reduzir as diferenças existentes entre a vida na


prisão e a vida livre – ainda observamos a aplicação evidente da ideia do “Less
Eligibility” e das teorias supremacia especial.
Ressalta-se que recentemente foi editada lei que alterou a Lei de Execução Penal
M

a fim de se adequar ao disposto nas Regras no que tange à separação de presos


condenados, provisórios, reincidentes, dentre outros. Vejamos o art. 84 da LEP recém
alterado pela Lei 13.167/2015:
Art. 84. O preso provisório ficará separado do condenado por sentença transitada
em julgado.
§ 1o Os presos provisórios ficarão separados de acordo com os seguintes
critérios: (Redação dada pela Lei nº 13.167, de 2015)
I - acusados pela prática de crimes hediondos ou equiparados; (Incluído pela Lei
nº 13.167, de 2015)

191
II - acusados pela prática de crimes cometidos com violência ou grave ameaça à
pessoa; (Incluído pela Lei nº 13.167, de 2015)
III - acusados pela prática de outros crimes ou contravenções diversos dos
apontados nos incisos I e II. (Incluído pela Lei nº 13.167, de 2015)
§ 2° O preso que, ao tempo do fato, era funcionário da Administração da Justiça
Criminal ficará em dependência separada.
§ 3o Os presos condenados ficarão separados de acordo com os seguintes

O
critérios: (Incluído pela Lei nº 13.167, de 2015)
I - condenados pela prática de crimes hediondos ou equiparados; (Incluído pela
Lei nº 13.167, de 2015)

IT
II - reincidentes condenados pela prática de crimes cometidos com violência ou
grave ameaça à pessoa; (Incluído pela Lei nº 13.167, de 2015)
III - primários condenados pela prática de crimes cometidos com violência ou grave

TU
ameaça à pessoa; (Incluído pela Lei nº 13.167, de 2015)
IV - demais condenados pela prática de outros crimes ou contravenções em
situação diversa das previstas nos incisos I, II e III.
É interessante ressaltar que a regra 31 proíbe absolutamente como punições por

RA
faltas disciplinares os castigos corporais, a detenção em cela escurae todas as penas
cruéis, desumanas ou degradantes, enquanto a Regra 32 trata da excepcionalidade
das penas de isolamento e redução de alimentação, que não deverão nunca ser
aplicadas, a menos que o médico tenhaexaminado o preso e certificado por escrito que
LG
ele está apto para as suportar.
Acerca do tema, parte da doutrina considera que o Regime Disciplinar
Diferenciado, incluído pela Lei 10.792/03 à LEP viola tais Regras Mínimas pela
segregação prolongada de presos sem a observância dos limites vistos acima. Já no
IA

que tange ao isolamento, novamente o Brasil encontra-se em dissonância com as


Regras Mínimas, já que expressamente admite no art. 53, IV da LEP a sanção
disciplinar de isolamento.
ER

19. As denominadas “Regras de Mandela” detêm alguma relação com as


referidas Regras Mínimas para Tratamento de Reclusos da ONU?
Sim. As Nações Unidas lançaram no dia 07/10/2015 uma revisão as Regras
AT

Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros da ONU, tendo sido tal revisão apelidada
de “Regras de Mandela” em homenagem ao ex-presidente da África do Sul e ex-
presidiário, Nelson Mandela. Vejamos as alterações:
M

192
O
IT
TU
RA
LG

Acerca das presas parturientes algemadas na hora do parto, em São Paulo foi o
decreto nº 57.783, de 10 de fevereiro de 2012, que rechaçou tal prática ao prever:
IA

Artigo 1º - Fica vedado, sob pena de responsabilidade, o uso de algemas durante o


trabalho de parto da presa e no subsequente período de sua internação em
estabelecimento de saúde. Parágrafo único - As eventuais situações de perigo à
ER

integridade física da própria presa ou de terceiros deverão ser abordadas mediante


meios de contenção não coercitivos, a critério da respectiva equipe médica.
Ainda neste tema, vale também conferir as Regras de Bangkok, adotadas por
Resolução da Assembleia Geral da ONU, nº 65 e 06.10.2010, que traz Regras das
AT

Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de


liberdade para mulheres infratoras. A Regra 24 veda o uso de algemas durante o
parto. Vejamos: “Instrumentos de coerção jamais deverão ser usados contra mulheres
prestes a dar a luz, durante trabalho de parto nem no período imediatamente posterior.”
M

Aliás, cabe conferir a cartilha dos direitos e deveres da mulher presa editada pelo
Núcleo Especializado de Situação Carcerária DPESP:
http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/repositorio/34/documentos/cartilhas/cartilha-
mulherpresa.pdf
E a cartilha mãe no cárcere, editada pelo Núcleo Especializado da infância e
juventude:
http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/repositorio/33/documentos/outros/Cartilha%20M
%C3%A3es%20no%20C%C3%A1rcere%20_%20Leitura.pdf
. Adendo: mulher presa e amamentação: Tese 79 da DPESP: A presa gestante ou
lactante tem direito a prisão domiciliar especial quando não houver vaga em
estabelecimento penal adequado. (IV Encontro Estadual - 2010):
193
Fundamentação: Art. 6º, CF: direito social à proteção da maternidade e da
infância; Art. 5º, L, CF: direito das mulheres encarceradas de permanência com seus
filhos durante a fase de amamentação.
Os artigos 83 e 89 da Lei de Execução Penal asseguram, expressamente, às
mulheres presas o direito de cuidar e amamentar seus filhos por, no mínimo, 6 (seis)
meses, prevendo ainda que as penitenciárias de mulheres deverão obrigatoriamente
dispor de espaços adequados ao acolhimento de gestantes e parturientes.

O
O Estatuto da Criança e do Adolescente assegura à gestante o atendimento
médico pré e perinatal, e também acompanhamento no período pós-natal, garantindo,
ainda, o direito à amamentação inclusive no caso de mães privadas da liberdade (art.

IT
7º, 8º, 9º).
A Lei de Execução Penal é enfática ao prever que as pessoas condenadas ao
cumprimento de pena não poderão sofrer nenhuma mitigação de direitos que não tenha

TU
sido determinada na própria sentença ou na lei (“Art. 3º. Ao condenado e ao internado
serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei”).
Diante de casos concretos é que a jurisprudência pátria vem reconhecendo os
direitos das mulheres encarceradas, assegurando-os, sobretudo, quando a presa se

RA
encontra recolhida em unidade que não tenha condições estruturais de possibilitar a
permanência do recém-nascido com a mãe, aplicando, nestes casos, por analogia com
as hipóteses do artigo 117 da LEP, uma espécie de prisão domiciliar especial.
"É notório que a prisão domiciliar só deve ser concedida aos presos condenados
LG
no regime aberto (art. 117, da LEP). Porém, a rigidez da regra deve ser relativizada
quando está em jogo o direito da criança. Estabelece o art. 227 da Constituição que 'é
dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
IA

profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência


familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão'”.
ER

E, havendo a mesma razão, o mesmo deve ser o direito: se não há vaga em


estabelecimento penal adequado à sua condição de lactante ou gestante, deve
a mulher ser colocada em prisão domiciliar, suprindo, dessa forma, a ineficiência do
sistema prisional mantido pelo Estado.
AT

Configura, pois, constrangimento ilegal o encarceramento de mulheres gestantes


ou lactantes em estabelecimento penal inadequado à sua condição especial, cabendo
ao juiz da execução criminal sanar a ilegalidade por meio da concessão, em caráter
especial, de prisão domiciliar, zelando, assim, pelo correto cumprimento da pena (artigo
M

66, VI, da Lei de Execução Penal).

REGRAS MÍNIMAS PARA TRATAMENTO DE RECLUSOS NO BRASIL


Tais Regras foram editadas pelo Conselho Nacional de Política Criminal e
Penitenciária, que é um órgão do Ministério da Justiça, integrado por 13 membros
designados através de ato do Ministério da Justiça, através da Resolução 14/1994. O
CNPCP atua em âmbito federal e estadual, possuindo como função primordial a
propositura de diretrizes da política criminal e de execução penal. Ou seja, também não
detém caráter vinculante.

194
Em seu bojo levam em conta a recomendação das Nações Unidas de adoção de
diretrizes no sentido de garantir os direitos dos presos, seguindo nos mesmos moldes
das Regras Mínimas da ONU. Da mesma forma que esta, não vem sendo cumprida
adequadamente pelo Brasil.

20. Qual é a natureza jurídica da anistia, da graça e do indulto?


São formas de renúncia do Estado ao seu direito de punir.
Classificam-se como causas de extinção da punibilidade (art. 107, II, CP): Art. 107 -

O
Extingue-se a punibilidade:II - pela anistia, graça ou indulto;

IT
21. Quem concede tais benefícios?
A anistia é concedida pelo Poder Legislativo (Congresso Nacional).
A graça e o indulto são concedidos pelo Presidente da República, podendo essa

TU
atribuição ser delegada ao Procurador Geral da República, ao Advogado Geral da União
ou a Ministros de Estado.

22 .Necessidade de decisão judicial:

RA
Vale ressaltar, no entanto, que a anistia, graça ou indulto, mesmo após serem
concedidos, precisam ainda de uma decisão judicial que declare, formalmente, que
houve a extinção da punibilidade, nos termos do art. 107, II, do CP.
O Poder Judiciário irá analisar se aquele condenado preenche os requisitos
LG
exigidos para receber o indulto.
Quadro comparativo entre os institutos:

ANISTIA GRAÇA
INDULTO
IA

(ou indulto
(ou indulto coletivo)
individual)
É um benefício concedido pelo Concedidos por Decreto do Presidente
ER

Congresso Nacional, com a sanção da República.


do Presidente da República (art. 48,
VIII, CF/88) por meio do qual se Apagam o efeito executório da
“perdoa” a prática de um fato condenação.
AT

criminoso.
Normalmente incide sobre crimes A atribuição para conceder pode ser
políticos, mas também pode abranger delegada ao(s):
outras espécies de delito. • Procurador Geral da República
M

• Advogado Geral da União


• Ministros de Estado
É concedida por meio de uma lei Concedidos por meio de um Decreto.
federal ordinária.
Pode ser concedida: Tradicionalmente, a doutrina afirma que
• antes do trânsito em julgado (anistia tais benefícios só podem ser concedidos
própria) após o trânsito em julgado da
• depois do trânsito em julgado condenação. Esse entendimento, no
(anistia imprópria) entanto, está cada dia mais superado,
considerando que o indulto natalino, por

195
exemplo, permite que seja concedido o
benefício desde que tenha havido o
trânsito em julgado para a acusação ou
quando o MP recorreu, mas não para
agravar a pena imposta (art. 6º, II do
Decreto 8.380/2014).
Classificação: Classificação

O
a) Propriamente dita: quando a) Pleno: quando extingue totalmente a
concedida antes da condenação. pena.
b) Impropriamente dita: quando b) Parcial: quando somente diminui ou

IT
concedida após a condenação. substitui a pena (comutação).

a) Irrestrita: quando atinge a) Incondicionado: quando não impõe

TU
indistintamente todos os autores do qualquer condição.
fato punível. b) Condicionado: quando impõe
b) Restrita: quando exige condição condição para sua concessão.
pessoal do autor do fato punível. Ex:

RA
exige primariedade. a) Restrito: exige condições pessoais do
agente. Ex: exige primariedade.
a) Incondicionada: não se exige b) Irrestrito: quando não exige condições
condição para a sua concessão. pessoais do agente.
LG
b) Condicionada: exige-se condição
para a sua concessão. Ex: reparação
do dano.
IA

a) Comum: atinge crimes comuns.


b)Especial: atinge crimes políticos.
Extingue os efeitos penais (principais Só extinguem o efeito principal do crime
ER

e secundários) do crime. (a pena).

Os efeitos de natureza civil


permanecem íntegros. Os efeitos penais secundários e os
AT

efeitos de natureza civil permanecem


íntegros.
O réu condenado que foi anistiado, O réu condenado que foi beneficiado por
se cometer novo crime não será graça ou indulto se cometer novo crime
M

reincidente. será reincidente.


É um benefício coletivo que, por É um benefício É um benefício
referir-se somente a fatos, atinge individual (com coletivo (sem
apenas os que o cometeram. destinatário destinatário certo).
certo). É concedido de ofício
Depende de (não depende de
pedido do provocação).
sentenciado.

196
A anistia pode ser recusada pelo
beneficiário? Para alguns apenas a
anistia condicionada pode ser
recusada. Para outros autores o
beneficiário pode recusá-la sempre
que entender existirem provas de sua
inocência, o que ensejaria sua

O
absolvição. Por isso, o mais acertado
é admitir que o condenado requeira o
sobrestamento dos efeitos da anistia

IT
até o deslinde judicial da questão
(Rodrigo Roig)

TU
23. Mas afinal de contas, o que é o INDULTO NATALINO?
É tradição, no Brasil, que, ao final de cada ano, o Presidente da República edite um
Decreto concedendo indulto coletivo a pessoas condenadas por diversos crimes.
Como esse Decreto é editado nas proximidades do Natal, ficou conhecido como

RA
“indulto natalino”, mas não se trata de uma outra espécie de indulto. É simplesmente o
indulto concedido na época das festas de final de ano.
Em 2014 o indulto natalino foi concedido por meio do Decreto n.°8.380, de 24 de
dezembro de 2014.
LG
O que acontece se a pessoa condenada estiver enquadrada em uma das hipóteses
previstas no art. 1º do referido Decreto?
Nesse caso, significa que a Presidente da República lhe concedeu indulto.
Com o indulto, apaga-se o efeito executório da condenação.
IA

Em outras palavras, extingue-se a pena, caso ainda não tenha sido cumprida.
Logo, a pessoa beneficiada pelo indulto não precisará mais cumprir a pena que lhe
havia sido imposta. O Estado renunciou ao seu direito de punir aquele indivíduo. Ele
ER

está livre do cumprimento da sanção. Foi perdoado.

24. Para que o condenado que foi beneficiado pelo indulto deixe de cumprir a
pena é necessária alguma outra providência ou basta a publicação deste
AT

Decreto?
Juridicamente, o indulto já foi concedido à pessoa por meio do Decreto.
No entanto, conforme já vimos, mesmo após ser publicado o Decreto será
necessária, ainda, uma decisão judicial que declare, formalmente, que houve a
M

extinção da punibilidade, nos termos do art. 107, II, do CP.


O Poder Judiciário irá analisar se aquele condenado preenche os requisitos
exigidos para receber o indulto.

25. Qual órgão do Poder Judiciário declara a extinção da pena pelo indulto?
O juízo das execuções penais (art. 66, II, da Lei n.° 7.210/84).

26. Qual a natureza jurídica da sentença que reconhece o indulto e a comutação?

197
A sentença tem natureza meramente declaratória, na medida em que o direito já
fora constituído pelo decreto presidencial concessivo desses direitos. Compreendendo
tal natureza, entende-se o disposto no art. 5º do Decreto 8.380/14, que dispõe:
Art. 5º A declaração do indulto e da comutação de penas previstos neste Decreto
fica condicionada à inexistência de aplicação de sanção, reconhecida pelo juízo
competente, em audiência de justificação, garantido o direito ao contraditório e à ampla
defesa, por falta disciplinar de natureza grave, prevista na Lei de Execução Penal,

O
cometida nos doze meses de cumprimento da pena, contados retroativamente à data
de publicação deste Decreto.
§ 1º A notícia da prática de falta grave ocorrida após a publicação deste Decreto

IT
não suspende e nem impede a obtenção de indulto ou da comutação de penas.
Assim, caso publicado o decreto e o apenado não tenha sofrido sanção em razão
da prática de falta grave, reconhecida esta pelo juízo competente garantida ampla

TU
defesa e contraditório, fará jus à concessão do indulto caso preencha os requisitos do
decreto ainda que 1 dia após a publicação desse cometa falta grave, isso em razão do
caráter declaratório da sentença que reconhece tal direito.

RA
27. É cabível a concessão de indulto humanitário (art. 1º, XI do Decreto) para
aqueles indivíduos que tenham praticado crimes hediondos e equiparados, para
os quais há vedação para concessão das demais modalidades de indulto (art. 9º
do Decreto)?
LG
Através de uma análise do Decreto é possível sustentar o cabimento do indulto
humanitário ainda que para indivíduos condenados por crimes hediondos ou
equiparados, conforme se extrai do art. 9º Parágrafo único, que dispõe: As restrições
deste artigo e dos incisos I e II do caput do art. 1º não se aplicam às hipóteses
IA

previstas nos incisos X, XI e XII e XIII do caput do art. 1º. Tal entendimento é coerente
já que as razões para tal modalidade de indulto são estritamente humanitárias, não
possuindo qualquer relação com a suposta gravidade abstrata do delito praticado.
ER

Todavia, o Procurador Geral da República ajuizou ADI, de nº 5343, questionando


tal dispositivo sob o fundamento de que o mesmo afronta a Constituição da República.
Tal ação ainda está em trâmite.
Conferir a notícia em: http://www.conjur.com.br/2015-jun-24/janot-stf-indulto-quem-
AT

comete-crime-hediondo

28. E o indulto de Medida de Segurança, é cabível?


Sim, o art. 1º, XII do Decreto de Indulto 8.380/2014 expressamente admite tal
M

possibilidade independentemente da cessação de periculosidade visando impedir que


pessoas permaneçam internadas em estabelecimentos de natureza penal durante
anos, não raramente décadas. Art. 1º, XII: XII - submetidas a medida de segurança,
que, até 25 de dezembro de 2014, independentemente da cessação de periculosidade,
tenham suportado privação da liberdade, internação ou tratamento ambulatorial por
período igual ou superior ao máximo da pena cominada à infração penal
correspondente à conduta praticada ou, nos casos de substituição prevista no art. 183
da Lei de Execução Penal, por período igual ao remanescente da condenação
cominada.

198
Foi neste mesmo sentido que decidiu o STF recentemente (2015) no julgamento do
RE 628.658, apreciado sob repercussão geral. Vejamos a tese fixada por unanimidade:
“Reveste-se de legitimidade jurídica a concessão pelo presidente da República do
benefício constitucional do indulto – Constituição Federal, artigo 84, XII – que traduz
expressão do poder de graça do Estado, mesmo se se tratar de indulgência destinada
a favorecer pessoa que, em razão de sua inimputabilidade ou semi-imputabilidade,
sofre medida de segurança, ainda que de caráter pessoal e detentivo”, fixou o Plenário

O
da Corte. No caso em questão, o Ministério Público do Rio Grande do Sul recorreu ao
STF contra decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) que manteve
o indulto. O MP alegou tratar-se de medida de natureza terapêutica, cuja aferição

IT
dependia de avaliação técnica. Com o julgamento, foi negado provimento ao recurso do
Ministério Público.

TU
29. Os Tribunais Pátrios vêm admitindo a contagem do prazo do SURSIS para
fins de concessão do indulto natalino?
O STF recentemente decidiu em julgamento de HC não ser possível tal contagem.
Após o voto do ministro Teori Zavascki, que reconheceu ser possível considerar o

RA
período de prova do sursis(suspensão condicional da pena) para fins de concessão de
indulto natalino, o julgamento conjunto de quatro Habeas Corpus que discutiam o tema
foi suspenso por um pedido de vista do ministro Dias Toffoli, presidente da Segunda
Turma do Supremo Tribunal Federal (STF).
LG
A matéria voltou a ser julgada quando o ministro Dias Toffoli, presidente da
Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), apresentou, na sessão do dia 17
de novembro de 2015, voto-vista no julgamento conjunto de uma série de habeas
corpus que discutem a possibilidade de se considerar o período de prova do sursis
IA

(suspensão condicional da pena) para fins de concessão de indulto natalino.


Prevaleceu o entendimento de que tal contagem não é possível.
Crítica a tal entendimento: Data vênia de entendimento contrário o sursis é forma
ER

de cumprimento de pena e deve ser levada em conta para concessão do benefício de


indulto. Trata-se de instituto de direito penal com o objetivo de permitir que o
condenado não se sujeite à execução da pena privativa de liberdade de pequena
duração. É um direito público subjetivo do réu. A fiscalização do cumprimento das
AT

condições impostas é atribuída ao serviço social penitenciário patronato, conselho da


comunidade ou instituição beneficiada com a prestação dos serviços. Fonte:
https://jus.com.br/artigos/44694/o-sursis-e-o-indulto.
M

30. O juiz da execução penal pode exigir outros requisitos que não estejam no
decreto presidencial para concessão do indulto?
Não pode fazê-lo, sob pena de violar o princípio da legalidade e invadir a
competência privativa do Presidente da República para conceder indulto e comutação.
Alegações periculosistas ou baseadas em suposta ameaça social não são idôneas a
impedir os direitos. Tampouco há que se exigir exame criminológico para fins de indulto
ou comutação.
Neste sentido há disposto expresso no Decreto de Indulto de 2014, vejamos:
“Art. 10. Para a declaração do indulto e comutação das penas não se exigirá
requisito outro, senão os previstos neste Decreto.”

199
31. Para a declaração do direito ao indulto e à comutação de penas é necessária a
prévia manifestação do Conselho Penitenciário, caso não seja feita esta
exigência pela Presidência da República no decreto concessivo?
Essa pergunta é um desdobramento da pergunta acima. A resposta está plasmada
na tese 102 da DPESP:
Tese 102: Para a declaração do direito ao indulto e à comutação de penas é

O
desnecessária a prévia manifestação do Conselho Penitenciário, caso não seja feita
esta exigência pela Presidência da República no decreto concessivo.(VII Encontro
Estadual - 2014)

IT
Fundamentação:
- Prevê o artigo 84, inciso XII da Constituição Federal que somente o Presidente da
República pode conceder indulto e comutar penas, daí decorrendo que é de atribuição

TU
exclusiva do Chefe do Executivo o estabelecimento das condições para a declaração
do direito. Assim, o artigo 70, I da Lei de Execução Penal – que traz como atribuição do
Conselho Penitenciário a de elaborar parecer sobre indulto e comutação de penas e é
norma infraconstitucional – deve ser interpretado à luz do que dispõe o artigo 84, inciso

RA
XII da CF.
- Art. 10 do Decreto nº 8.380/14.  Para a declaração do indulto e comutação das
penas não se exigirá requisito outro, senão os previstos neste Decreto.
A tese foi criada em virtude de, mesmo diante da expressa dispensa do parecer no
LG
Decreto nº 8.172/13, o Ministério Público continuar solicitando a elaboração do
documento pelo Conselho Penitenciário como condição para a declaração do direito
ao indulto e à comutação de penas, pedido que era atendido pelo juiz atuante na Vara
de Execuções Criminais de Guarulhos. Com tal prática eram gerados imensos
IA

prejuízos ao sentenciado que, apesar de já ter direito ao indulto ou a comutação, era


obrigado a aguardar por meses a elaboração do parecer pelo Conselho Penitenciário
antes de ver declarado seu direito.
ER

PONTO 14
Direito Penal e saúde mental.
AT

Medidas de segurança: evolução histórica, conceito, espécies, execução.


Lei nº 10.216/01. Reforma psiquiátrica.
A antipsiquiatria.
M

Dica de documentário sobre o tema “medida de segurança”: “A casa dos mortos” (está
no youtube e é curtinho)

1) Evolução histórica da medida de segurança

Obs.: perguntas retiradas do livro: “Crítica à execução penal”, coordenado pelo Salo de
Carvalho. Texto utilizado: “As medidas de segurança à luz do Estado Democrático de
Direito: Apontamentos à consecução de uma teoria agnóstica da medida de segurança”
(Vinicius Gil Braga)

200
1. Qual a origem das medidas de segurança?
As medidas de segurança têm a sua origem vinculada ao poder político. O
legislador, no exercício de sua discricionariedade, escolhe os agentes aos quais se
submeterão tais medidas, as circunstâncias e as formas com que elas serão aplicadas
e executadas. Nesse sentido, do mesmo modo que as penas, as medidas de
segurança possuem um discurso legitimador responsável por sua validade social e
jurídica.

O
Nas primeiras decidas do século XX as medidas de segurança agregavam em seu
discurso uma natureza mais humana, progressista e democrática do que a pena. Em
face dos postulados da Escola Positivista Italiana farta pode ser considerada a

IT
produção bibliográfica acerca da temática, bem como de assuntos a ela correlatos.Com
o passar dos anos, não obstante as múltiplas transformações estruturais ocorridas em
nossa sociedade e o nascimento de um conjunto de princípios jurídicos de essência

TU
normativa inerentes ao Estado Democrático de Direito (direitos fundamentais), o tema
foi relegado ao esquecimento.

2. Como se deu o processo histórico de formação do instituto no Brasil?

RA
No Brasil, o processo histórico de formação do instituto apresentou uma
particularidade digna de nota: não se tratou de uma imposição substancial dos
pressupostos teóricos positivistas em relação ao crime, mas estabeleceu-se a partir de
um processo dialógico em relação à escola clássica e igualmente vinculado a uma
LG
disputa de poder em face do contexto histórico de modernização autoritária inerente à
República Velha.
Em nome de uma “necessária modernização do campo”, identificou-se a crescente
participação de psiquiatras, médicos-legistas e peritos no âmbito dos processos e
IA

julgamentos criminais. Desse modo, a medicina mental passou gradativamente a


reivindicar um espaço de intervenção mais amplo junto às práticas do controle social,
em especial na instância jurídica.
ER

Conforme Cristina Rauter, “para a psiquiatria, a questão do crime foi sempre uma
estratégia para a confirmação de sua competência, de seu lugar social. O louco é
alguém potencialmente capaz de cometer um crime – tal foi sempre a lição dos
alienistas. Os loucos são perigosos, ao mesmo tempo que em enfermos e por isso
AT

mesmo vítimas de sua condição. Para proteger simultaneamente o louco e a sociedade


surge a figura do alienista, cuja competência teve certo trabalho para ser reconhecida
no Brasil, no bojo de um lento e sempre inacabado processo de medicalização da
sociedade brasileira”.
M

A responsabilidade por tal circunstância em grande parte pode ser imputada aos
juristas e sua retórica, visto que o distanciamento em relação a uma ética
transdisciplinar, enquanto meio aberto ao diálogo e à crítica, é manifesto.
Criam-se, à exaustão modelos teóricos híbridos cujas circunstâncias fundantes são
revisitadas ou sequer reconhecidas. Destarte, pressupostos teóricos, a exemplo do
positivismo criminológico, ingressam no sistema por aportes discursivos sendo
reproduzidos diuturnamente pelas vias doutrinárias ou jurisprudenciais, de cujo
processo de naturalização vai, gradativamente, tornando-se mais velados e
imperceptíveis.

201
3. Quais críticas podem ser traçadas ao instituto atualmente?
Em termos dogmáticos, o instituto das medidas de segurança carece de um olhar
crítico por parte dos juristas e demais profissionais das ciências afins. Em que peso o
fato de a Reforma Penal de 84 ter incorporado em nosso ordenamento uma série de
alterações substanciais, o cenário atual aponta para um sistema pleno de
incongruências, que marcam de modo diferenciado os planos do ideal e do real.
No que tange ao aspecto formal, as medidas de segurança carecem

O
substancialmente de requisitos objetivos, científicos e coerentes. Prevalecem, como
condicionantes à aplicação da medida, as noções de ação e periculosidade marcadas
pela herança positivista, cuja diferenciação em relação à culpabilidade, em alguns

IT
aspectos, é tênue e imperfeita.
No que diz respeito ao plano do real, subsistem, ainda, os antigos manicômios
judiciários, instituições ineludivelmente voltadas à neutralização e à exclusão social.

TU
2) Reforma psiquiátrica. A antipsiquiatria

Obs.: perguntas retiradas dos artigos “Algumas ideias sobre a psiquiatria, a

RA
antipsiquiatria e busca de um novo modelo de assistência em saúde mental”, de
Rogerio Wolf de Aguiar, e “A Evolução do Movimento da Antipsiquiatria”, de Marcelo
Pio de Almeida Fleck, ambos da Revista de Psiquiatria da Associação Brasileira de
Psiquiatria (Ano 1, nº 4, - Jul/Ago de 2009).
LG
4. Como surgiu o Movimento da Antipsiquiatria?
O Movimento da Antipsiquiatria surgiu e foi-se estruturando ao longo da década de
60 do último século. O termo foi utilizado pela primeira vez por David Cooper em 1967
IA

em sua obra “Psiquiatria e Antipsiquiatria”. Abrigava um conjunto de críticas à


Psiquiatria da época como especialidade médica centrada na prática hospitalar em
“Instituições Totais”.
ER

5. Como esse movimento pode ser definido?


De forma mais abrangente o movimento da Antipsiquiatria pode ser definido como
um movimento social que questionava não só o privilégio de psiquiatras para “prender”
AT

e tratar indivíduos como doenças mentais até mesmo de forma compulsória, mas
também criticava a crescente “medicalização” da doença mental, suas formas de
“tratamento” e em sua posição mais radical a própria existência da doença mental.
M

6. Qual o contexto histórico de seu surgimento?


Para a compreensão do surgimento do movimento da Antipsiquiatria e de sua
evolução, involução e descaracterização é fundamental que se entenda o contexto
histórico de seu surgimento e também as mudanças que ocorreram desde então.
Os anos 60 são anos marcantes da História recente da Humanidade pela intensa
participação social de questionamento amplo dos valores vigentes pelo
“Establishment”. O Mundo Ocidental vivia o período imediatamente Pós-Guerra Uma
nova ordem social era exigida. Eclodiam nas diferentes regiões do planeta movimentos
espontâneos e coordenados que exigiam igualdade de direitos das mulheres
(Feminismo) e de minorias como negros e homossexuais. A Igreja se flexibilizava

202
através do Concílio Vaticano II. Havia protestos contra a Guerra do Vietnã e a Guerra
Fria, ao mesmo tempo que a África e o Caribe começavam a ser descolonizados. A
Revolução Cubana propunha um novo modelo para países pobres.
Ao mesmo tempo, um fantástico avanço tecnológico surgia especialmente na
tecnologia espacial com a chegada á Lua, sondas chegando à Marte e Vênus além do
lançamento de satélites. Nesta mesma época a IBM lança o circuito integrado com as
primeiras gerações de computadores e a Arpanet (o embrião da Internet).

O
O Movimento Hippie com seus ideais de “Paz e Amor” representava a síntese do
pensamento da época radicalizado: a busca por uma vida “natural”, longe das grandes
cidades, o não consumismo e a busca do prazer. A liberalização sexual, a crítica aos

IT
valores da época e à família tradicional monogâmica expandia o conceito de família a
uma vida em comunidade em que tudo era aceito e era “proibido proibir”.
As drogas aumentavam “os limites da percepção”. Toda esta oposição aos valores

TU
e costumes da época sem precedente pode ser sintetizado como o movimento de
“Contracultura”.
É dentro desta visão de mundo dos anos 60 que surge o Movimento da
Antipsiquiatria. Alguns de seus principais representantes foram David Cooper (África do

RA
Sul/Inglaterra), Michel Foucault (França), Ronald Laing (Escócia/Inglaterra), Thomas
Szasz (Hungria/Estados Unidos) e Franco Basaglia (Itállia).

7. Quais as abordagens da saúde mental ao longo dos tempos contemporâneos?


LG
Sucessivamente, a assistência em saúde mental passou pelo modelo
hospitalocêntrico, comunidades terapêuticas, psicoterapia institucional, psiquiatria de
comunidade, psiquiatria de setor ou preventiva, pela reabilitação psicossocial e, nas
últimas décadas, pelo que tem se convencionado chamar de reforma psiquiátrica.
IA

Permeando esses movimentos, acrescentaram-se as contribuições da psicanálise,


das técnicas grupais e dos medicamentos. Por um lado o progresso no campo da
neurociência e, por outro lado, os movimentos de controle social impulsionaram, cada
ER

um por seu turno, a mudança dos modelos de diagnóstico e tratamento.

8. Como era o tratamento dos doentes mentais há décadas atrás?


Há décadas atrás, o tratamento dos doentes mentais foi centralizado nos hospitais.
AT

Os hospícios, manicômios e casas de alienados e de psicopatas acabaram assumindo


a imagem do isolamento, de cronificação e de exclusão social. São mais lembrados
pelos seus altos muros e pelo seu ambiente sombrio do que como casas de
tratamento. Estas imagens concorrem com a herança das contribuições de estudiosos
M

da psicopatologia, como Kraepelin, Kretschmer, Valejo-Nágera e tantos outros.

9. Qual é a proposta das comunidades terapêuticas?


A idéia de que se poderia avançar na reabilitação modificando o sistema de
relacionamento intrahospitalar, entre a equipe técnica e os pacientes, teve seu ápice
com a criação das comunidades terapêuticas.
A partir de 1959, com Maxwell Jones, estas ganharam maior notoriedade. Desde
então, vários hospitais se inspiraram neste modelo.
Propunham participação ativa dos pacientes nas decisões tomadas em práticas
terapêuticas ocupacionais, nos cuidados com a organização e limpeza das

203
enfermarias, na escolha de passeios e jogos, nas assembléias que discutiam
problemas de relacionamento e administrativos.
Além disso, nessas comunidades, também se redirecionou a hierarquia centrada
no médico, que passou a ser distribuída por toda a equipe de saúde mental. A idéia
central era a de que se poderia vivenciar as relações humanas em um ambiente
hospitalar de tal maneira que servisse de aprendizado para a vida na comunidade.
Ainda assim, a dificuldade de transferir esse modelo para a vida extra-hospitalar

O
continuou a limitar a expectativa de cura.
A psiquiatria comunitária, ou de setor, ou preventiva, postulou levar para o
ambiente comunitário, no meio em que as pessoas viviam, o tratamento e mesmo a

IT
identificação de fatores de risco, buscando impedir o aparecimento ou minorar os
efeitos da doença mental.

TU
10. Quais os questionamentos propostos pela Antipsiquiatria acerca da
Psiquiatria e da função do diagnóstico como “rótulo” bem como do uso político e
opressor da Psiquiatria na diferenciação entre o normal e o patológico?
No prefácio da obra “Psiquiatria e Antipsiquiatria”, David Cooper sintetiza algumas

RA
destas posições. Afirma “O que tentei fazer nesta monografia foi dar uma olhada na
pessoa rotulada como esquizofrênica, no sue contexto humano real e pesquisar como
tal rótulo lhe foi colado, quem a colou e o que isto significa, seja para os rotuladores,
seja para o rotulado”.
LG
Quando define Esquizofrenia, embora reconheça-a como uma situação de “crise”
destaca o aspecto arbitrário de reconhecê-la como doença. Para Cooper “Esquizofrenia
é uma situação de crise microssocial na qual os atos e a experiência de determinada
pessoa são invalidados por outras, em virtude de certas razões inteligíveis, culturais e
IA

microculturais (em geral familiais), a tal ponto que essa pessoa é eleita e identificada
como sendo “mentalmente doente” de uma certa maneira e, a seguir, é confirmada (por
processos específicos, mas altamente arbitrários de rotulação) na identidade de
ER

“paciente esquizofrênico” pelos agentes médicos ou quase médicos”.


Quando vê a função da Psiquiatria afirma que “Em nossa sociedade, existem
numerosas técnicas mediante as quais certas minorias são, primeiro, assim designadas
e, a seguir, tratadas ao longo de um continuum de operações que vão da depreciação
AT

insinuada, não aceitação em determinados clubes, exclusão de certas escolas e


empregos e assim por diante, até a sua invalidação total como pessoas, assassínio e
extermínio em massa, no final mais remoto do continuum.”
Ronald Laing junto com David Cooper criaram em 1965 a “Philadelphia
M

Association” que juntou indivíduos com esta visão e buscou aplicar estes pressupostos
em estratégias de “tratamento” que permitiam que a pessoa fizesse uma “Viagem
através da Loucura” sem que isto fosse visto como uma doença e, portanto, sem
necessidade de tratamento tradicional com medicamentos e psiquiatras e suas
abordagens psicoterápicas usuais. O “tratamento” consistia mais de uma experiência
em Comunidade e que os demais membros destas Comunidades eram companheiros
de viagem e o terapeuta um “guia”.

11. Quais às críticas à existência das chamadas “doenças mentais”?

204
Entre as posições mais radicais dentro da Antipsiquiatria é a do Psiquiatra Thomaz
Szasz que foi co-fundador do Citizens Comission on Human Rights em 1969. Szasz
não se vê alinhado do ponto de vista teórico com outros antipsiquiatras. Reconhece,
apenas, que tem “um inimigo em comum”.
Em seu livro “O Mito da Doença Mental” questiona de forma veemente as bases da
existência da Doença Mental, diferenciando de outras doenças na Medicina e da
inexistência de critérios para mantermos alguns comportamentos com o nome de

O
“doença”.

12. Qual a importância da Antipsiquiatria?

IT
Na época do surgimento da Antipsiquiatria, a Psiquiatria apresentava um momento
de transição importante. Na primeira metade do século 20, a Psiquiatria tinha na
Psicanálise seu modelo teórico hegemônico que, por suas características, não era

TU
viável como opção para doentes graves e em saúde pública.
Nos anos 50 com a introdução dos psicofármacos e uma crescente biologização da
Psiquiatria, inúmeros radicalismos foram cometidos pela Psiquiatria Institucional:
supermedicação de pacientes, ausência de critérios de “a quem medicar com o que”,

RA
uso precipitado de tratamentos radicais como a psicocirurgia, uso político da Psiquiatria
na associação com regimes autoritários entre outros.
Dentro deste contexto, tanto macro-cultural (Movimento da Contracultura) e micro-
cultural (crise e arbitrariedades da Psiquiatria Tradicional), o Movimento da
LG
Antipsiquiatria tem um sentido não só histórico, mas determinante do momento da
Psiquiatria atual. Em verdade, o Movimento da Antipsiquiatria teve um componente de
crítica e de oposição à Psiquiatria. Esta distinção é importante, pois a crítica é baseada
em argumentos, é lógica e permite um crescimento mútuo. A oposição é doutrinária, é
IA

movido mais por crenças do que por argumentos, é mais “baseada em adjetivos do que
substantivos” e visa à derrota do opositor e não o enriquecimento mútuo.
Talvez o grande legado das críticas da Antipsiquiatria, foi a crescente hegemonia
ER

do modelo integrador Biopsicossocial da doença mental.


Este modelo, por sua abrangência e complexidade epistemológica deixa pouco
espaço para radicalismos e oposição e abre o espaço para a crítica e o diálogo. Muitas
das críticas da Antipsiquiatria foram verdadeiras e úteis à Psiquiatria. Dois exemplos
AT

entre tantos podem ser lembrados.


O primeiro é a arbitrariedade dos diagnósticos em Psiquiatria. Vários estudos do
final dos anos 60 reconheceram abertamente e cientificamente esta fragilidade. Novos
sistemas classificatórios foram criados, estudos de seguimento foram desenvolvidos
M

para avaliar o impacto destes diagnósticos vistos sobre vários parâmetros psicológicos
e sociais. Modernos instrumentos de neuroimagem permitem identificar potenciais
áreas do cérebro afetadas por estes diagnósticos no sentido de validá-los também do
ponto de vista biológico. Qualquer psiquiatra medianamente atualizado sabe dos limites
e problemas dos diagnósticos em Psiquiatria e sobre a necessidade de evolução desta
área.
Um segundo exemplo é o papel das Internações Psiquiátricas. A Psiquiatria atual é
uma especialidade eminentemente ambulatorial. Os transtornos psiquiátricos são muito
prevalentes e a necessidade de internação é restrita a alguns casos. A internação em
Psiquiatria é voluntária, o paciente participa desta decisão e em casos raros,

205
amparados por lei, ela pode ser compulsória. Todos os psiquiatras medianamente
atualizados sabem disto. Há cinqüenta anos atrás quando o Movimento da
Antipsiquiatria surgiu a realidade era sabidamente outra.
Como qualquer área do conhecimento, a Psiquiatria continua precisando de críticas
para evoluir. Principalmente, das “boas críticas” bem fundamentadas e
contemporâneas. Críticas que possam ser operacionalizadas em medidas práticas e
quepossam ser testadas em relação aos modelos eprocedimentos usuais.

O
13. Como a legislação brasileira trata da saúde mental?
A legislação brasileira em saúde mental tem avançado praticamente através de

IT
portarias do Ministério da Saúde.
Nos últimos vinte anos houve uma redução significativa de leitos psiquiátricos (de
120 mil para menos de 40 mil). Ainda há uma população estimada entre 20 e 30 mil

TU
internos em hospitais psiquiátricos há mais de dois anos, a maioria provavelmente em
condições de alta hospitalar.
Em meados de 2009, o Ministério da Saúde alcançou a marca de mais de 1300
CAPS no Brasil, entre estes os especializados em Dependência Química (CAPSad) e

RA
em Adolescentes e Crianças (CAPSi).
O lançamento do Programa “De Volta para Casa”, em 2003, provê uma bolsa para
as famílias que receberem parentes egressos de internações psiquiátricas com mais de
dois anos de duração consecutiva.
LG
Com várias emendas um substitutivo foi finalmente aprovado no Congresso
Nacional e foi promulgada a chamada “Lei da Reforma” em 6 de abril de 2001.
Entretanto, a aplicação da lei carece de ações efetivas dos gestores da saúde
pública no sentido de dotar a sociedade com os recursos adequados da rede integral
IA

de assistência que ela mesma propõe. A desativação de mais de 80000 (oitenta mil
leitos) em hospitais psiquiátricos nos últimos vinte anos não foi acompanhada pelo
adequado parque de leitos em hospitais gerais. Os serviços comunitários não suportam
ER

a demanda de atendimento psiquiátrico em número suficiente. O resultado deste


descompasso é a superlotação dos serviços de emergência e pronto-atendimento, que
não têm para onde enviar os pacientes que ali estacionam. Estes serviços acabam por
se transformar em pequenos e inadequados hospitais, com insuficiência aguda de
AT

profissionais para o atendimento. As portarias dos hospitais são freqüentemente


pressionadas por ordens judiciais de internação compulsória por falta de vagas,
subvertendo totalmente o fluxo de atendimento.
È absolutamente imprescindível que as organizações de familiares e as entidades
M

psiquiátricas e médicas em geral se unam para combater o desvio da assistência em


saúde mental, intervindo com ações concretas para que a população seja
adequadamente atendida.

3) Lei nº 10.216/01 e atuação do Defensor Público no âmbito de aplicação da


medida de segurança (posicionamento institucional da DPE/SP)

14. Explique os preceitos da Lei Antimanicomial.


A Lei 10.216/01, conhecida como Lei Antimanicomial, redirecionou o modelo
assistencial em saúde mental.

206
O doente mental passa a ser encarado sob outra perspectiva, mais humanizada e
condizente com a medicina moderna.
Em seu art. 1o, a Lei estabelece que os direitos e a proteção das pessoas
acometidas de transtorno mental são assegurados sem qualquer forma de
discriminação quanto à raça, cor, sexo, orientação sexual, religião, opção política,
nacionalidade, idade, família, recursos econômicos e ao grau de gravidade ou tempo
de evolução de seu transtorno, ou qualquer outra.

O
15. Quais são os direitos da pessoa portadora de transtorno mental?
O diploma legal (art. 2o, parágrafo único) prevê que nos atendimentos em saúde

IT
mental, de qualquer natureza, a pessoa e seus familiares ou responsáveis serão
formalmente cientificados dos seguintes direitos da pessoa portadora de transtorno
mental:

TU
I - ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas
necessidades;
II - ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua
saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na

RA
comunidade;
III - ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração;
IV - ter garantia de sigilo nas informações prestadas;
V - ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade
LG
ou não de sua hospitalização involuntária;
VI - ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis;
VII - receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de seu
tratamento;
IA

VIII - ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis;
IX - ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental.

16. Qual é a diferença entre internação voluntária, involuntária e compulsória?


ER

A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico


circunstanciado que caracterize os seus motivos (art. 6º). São considerados os
seguintes tipos de internação psiquiátrica:
AT

I - internação voluntária: aquela que se dá com oconsentimento do usuário –A


pessoa que solicita voluntariamente sua internação, ou que a consente, deve assinar,
no momento da admissão, uma declaração de que optou por esse regime de
tratamento (art. 7º) e o término da internação voluntária dar-se-á por solicitação escrita
M

do paciente ou por determinação do médico assistente (art. 7º, parágrafo único);


II - internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário
e a pedido de terceiro; e
III - internação compulsória: aquela determinada pela Justiça.
A internação voluntária ou involuntária somente será autorizada por médico
devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina - CRM do Estado onde
se localize o estabelecimento (art. 8º).
A internação psiquiátrica involuntária deverá, no prazo de setenta e duas
horas, ser comunicada ao Ministério Público Estadual pelo responsável técnico do

207
estabelecimento no qual tenha ocorrido, devendo esse mesmo procedimento ser
adotado quando da respectiva alta (art. 8º, § 1º).
O término da internação involuntária dar-se-á por solicitação escrita do familiar, ou
responsável legal, ou quando estabelecido pelo especialista responsável pelo
tratamento (art. 8º, § 2º).
A internação compulsória é determinada, de acordo com a legislação vigente, pelo
juiz competente, que levará em conta as condições de segurança do estabelecimento,
quanto à salvaguarda do paciente, dos demais internados e funcionários (art. 9º) – e,

O
para a Defensoria Pública de SP, a medida de segurança é aplicada nesse
contexto.

IT
17. A internação é a regra?
A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os

TU
recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes (art. 4º). E o tratamento
visará, como finalidade permanente, a reinserção social do paciente em seu meio (art.
4º, § 1º).

RA
18. Como deve ser estruturado o tratamento do paciente?
O tratamento em regime de internação será estruturado de forma a oferecer
assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais, incluindo serviços
médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer, e outros (art.
LG
4º, § 2º).
Uma das mais importantes previsões da Lei Antimanicomial (art. 4º, § 3º) é a
vedação à internação de pacientes portadores de transtornos mentais em
instituições com características asilares, ou seja, aquelas desprovidas dos recursos
IA

mencionados no parágrafo acima (art. 4º, § 2º) e que não assegurem aos pacientes os
direitos enumerados no parágrafo único do art. 2 o.
Para o paciente que está há longo tempo hospitalizado ou para o qual se
ER

caracterize situação de grave dependência institucional, decorrente de seu quadro


clínico ou de ausência de suporte social, haverá política específica de alta planejada e
reabilitação psicossocial assistida, sob responsabilidade da autoridade sanitária
competente e supervisão de instância a ser definida pelo Poder Executivo, assegurada
AT

a continuidade do tratamento, quando necessário (art. 5º).

19. Como a atuação do Defensor Público em SP deve ser pautada no âmbito de


aplicação de medida de segurança?
M

Aprovada em 2008, a tese institucional nº 10 estabelece que “A Lei nº 10.216/01,


marco da reforma psiquiátrica no Brasil, derrogou a parte geral do Código Penal e da
Lei de Execuções Penais no que diz respeito à medida de segurança”.
A referida tese tem por escopo orientar a atuação dos Defensores Públicos
atuantes no âmbito criminal, tanto nas Varas Singulares, quanto na Execução Penal, no
que tange à aplicação das medidas de segurança.
É atribuição institucional da Defensoria Pública promover a defesa dos indivíduos
portadores de doença mental que tenham cometido crimes, garantindo-lhe todos o
direitos legalmente previstos.

208
Não se pode olvidar que a aplicação da Lei nº 10.216/01 à medida de segurança
traz importantíssimos avanços em matéria de saúde mental, estendendo-se à medida
de segurança os festejados avanços da reforma psiquiátrica.
Cabe ressaltar que tese similar a esta já está sendo desenvolvida em Goiânia, em
atuação conjunta da Defensoria Pública, Ministério Público e Magistratura.

20. Como se justifica essa atuação do Defensor Público?

O
A Lei nº 10.216/01, fruto de incessante luta do movimento anti-manicomial, trouxe
diversas modificações no que tange ao tratamento de pessoas portadoras de
sofrimento mental.

IT
Repudiando as instituições totais como alternativa terapêutica, a Lei nº 10.216/01
instituiu um novo olhar sobre a loucura.
Ao contrário de analisá-lo como algo inumano, que transcende o próprio indivíduo,

TU
a reforma psiquiátrica passa a conceber o comprometimento mental como algo
completamente humano, introduzindo a noção de cidadania à maneira de se lidar com
a loucura.
Longe de ser a principal alternativa terapêutica, a internação psiquiátrica passa a

RA
ser o derradeiro recurso, buscado tão-somente quando todas as outras alternativas
terapêuticas não institucionais se mostrarem ineficazes. Mais que isso, a internação
psiquiátrica limita-se aos casos de surto e duram exclusivamente o tempo de
permanência do surto.
LG
A prevalência da internação em Hospitais Psiquiátricos dá lugar à internação em
Hospitais Gerais, em leitos comuns ou, no máximo, em ala psiquiátrica de Hospitais
Gerais.
Não há como negar que todas essas importantes mudanças no campo da saúde
IA

mental estendem-se ao instituto da medida de segurança.


Discorre o artigo 1º da Lei nº 10.216/01 que: Art. 1 o. Os direitos e a proteção das
pessoas acometidas de transtorno mental, de que trata esta Lei, são assegurados sem
ER

qualquer forma de discriminação quanto à raça, cor, sexo, orientação sexual, religião,
opção política, nacionalidade, idade, família, recursos econômicos e ao grau de
gravidade ou tempo de evolução de seu transtorno, ou qualquer outra.
Percebe-se que a lei não faz qualquer ressalva no tocante à aplicação de seus
AT

dispositivos, estendendo-os a todo e qualquer indivíduo que padeça de sofrimento


mental, sem distinção de qualquer ordem.
Ademais, a bem da verdade nem se precisaria efetivar tal raciocínio para advogar a
aplicabilidade da Lei nº 10.216/01 à medida de segurança, é que referido instituto
M

encontra-se claramente previsto na lei comentada. Vejamos.


O parágrafo único do art. 6º elenca, de modo exaustivo, três espécies de
internação psiquiátrica: a internação voluntária (a pedido do paciente), a internação
involuntária (contra a vontade do paciente) e a internação compulsória (aquela
determinada pela Justiça).
Ora, fácil perceber que a medida de segurança nada mais é que uma internação
determinada pela Justiça, portanto uma internação compulsória. Também é verdadeiro
o contrário, pois por óbvio a lei não confere ao Poder Judiciário uma “carta branca”
para decretar internações psiquiátricas. Desta feita, entende-se que a internação
compulsória nada mais é (e somente isso) que uma medida de segurança.

209
Demonstrado inequivocamente que a Lei nº 10.216/01 dispõe sobre a medida de
segurança, derrogando assim a parte geral do Código Penal e a Lei de Execuções
Penais no tocante ao tema, vamos às principais implicações desse novo paradigma
legal.

21. Quando se justifica a imposição de medida de segurança?


Assim como qualquer outra modalidade de internação, em respeito aos ditames da

O
reforma psiquiátrica, a medida de segurança somente se justifica em casos de surto,
estando sua duração atrelada à permanência do surto.
Assim, constatado a inimputabilidade penal do indivíduo autor de crime, o juiz

IT
deverá oferecer-lhe o tratamento devido, de acordo com a indicação médica. É o
médico e não o magistrado quem decidirá a melhor terapêutica a ser destinada ao
indivíduo.

TU
22. É possível determinar a espécie de medida de segurança levando em conta a
pena prevista para o crime (detenção ou reclusão)?
Não há mais que se falar em escolha terapêutica de acordo com a espécie de pena

RA
conferida ao crime praticado (detenção ou reclusão). A escolha do tratamento leva em
conta exclusivamente o indivíduo portador do sofrimento mental, sua moléstia e suas
necessidades.
O foco deixa de ser a sociedade, a proteção social, extirpando-se o famigerado
LG
conceito de periculosidade. Os olhares se voltam tão-somente para o indivíduo
portador do transtorno mental, ele como sujeito de direitos e detentor da dignidade da
pessoa humana.
São as necessidades do sujeito portador da moléstia e não a segurança da
IA

sociedade que são levadas em consideração no momento da escolha terapêutica.

23. Onde se efetiva a aplicação da medida de segurança?


ER

A internação compulsória (leia-se medida de segurança), como qualquer outra


modalidade de internação psiquiátrica, será efetivada em Hospital Geral, de acordo
como os paradigmas do SUS (Sistema Único de Saúde) e somente nos casos em que
qualquer outra alternativa terapêutica revelar-se completamente inócua.
AT

Mais que isso, a internação compulsória persistirá enquanto houver indicação


médica para tanto, os critérios de duração são exclusivamente médicos (paciente em
surto).
M

24. O juiz pode decidir, de acordo com seus próprios critérios, sobre a aplicação
de tal medida?
A internação compulsória, justamente por não conferir “carta branca” ao Poder
Judiciário, não será determinada ao alvedrio do juiz. Constatada a inimputabilidade,
somente um laudo médico circunstanciado poderá indicar a internação compulsória.

25. E o procedimento para desinternação? Como funciona?


Já a desinternação sequer será submetida ao crivo do juiz. Realizada a
desinternação por indicação médica, o magistrado ao ser comunicado, deverá,
necessariamente, declarar extinta a medida de segurança. Como já dito, os critérios

210
são exclusivamente clínicos, não havendo o que se falar em quaisquer outros senão
esses. Indiferente a persecução da periculosidade, da permanência da moléstia, ou
inquietação social, a internação durará enquanto presente o surto.

26. É possível falar em duração prévia da medida de segurança?


Da mesma forma, e justamente pelas razões já expostas, não há o que se falar em
duração prévia da medida de segurança. Insiste-se, ela durará enquanto persistente o

O
quadro de surto, enquanto houver indicação médica para tanto, cujo enfoque será
sempre o indivíduo, o seu sofrimento mental, nunca o perigo que ele supostamente
represente para a sociedade.

IT
27. Ainda é possível falar em “modelo terapêutico” de tratamento?
O § 3º do artigo 4º da Lei nº 10.216/00 que, proibindo a internação de pacientes

TU
portadores de transtornos mentais em instituições de características asilares, enterra
definitivamente o falido “modelo terapêutico” dos Hospitais de Custódia e Tratamento.

RA
4) Conceito, espécies e execução da medida de segurança para a doutrina
tradicional e jurisprudência

28. No que consiste a medida de segurança?


LG
Trata-se de modalidade de sanção penal com finalidade exclusivamente
preventiva, de caráter terapêutico, destinada a tratar inimputável e semi-
imputável, com a finalidade de evitar novas práticas de infração penal.
Ainda que tenha aspecto curativo, revela-se como espécie de sanção penal, pois
IA

toda e qualquer privação ou restrição de direitos, para quem o suporta, possui


conteúdo penoso.

29. Aponte distinções entre pena e medida de segurança.


ER

Penas têm finalidades ecléticas, ou seja, retributiva, preventiva especial e


preventiva geral; já as MS destinam-se exclusivamente à prevenção especial.
Penas são aplicadas por períodos determinados; MS só possui limite mínimo (1 a 3
AT

anos), não o máximo – o que é extremamente questionável.


Pena tem como pressuposto a culpabilidade; MS reclama a periculosidade.
Quanto aos destinatários, as penas visam aos imputáveis e semi-imputáveis; as
MS se dirigem aos inimputáveis e aos semi-imputáveis.
M

30. Quais os princípios que regem a medida de segurança?


Legalidade – apenas a lei pode criá-la; Anterioridade – tem de haver previsão
para que se possa aplicá-la; Jurisdicionalidade – só pode ser aplicada pelo poder
judiciário.

31. Quais são as espécies de medida de segurança?


Previstas pelo art. 96 do CP:

211
i. detentiva: consiste na internação em hospital de custódia e tratamento
psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado. Importa privação da
liberdade do agente;
ii. restritiva: é a sujeição a um tratamento ambulatorial. O agente permanece livre,
mas submetido a tratamento médico adequado.
O critério para se escolher qual aplicar é a pena do crime em abstrato. Se for
punida com reclusão, será internado obrigatoriamente; caso seja detenção, o juiz
poderá determinar a internação ou o tratamento ambulatorial, tudo a depender do

O
grau de periculosidade do agente – art. 97, CP.
Obs.: Pela literalidade do CP, se o crime tem pena de reclusão, a medida de

IT
segurança deverá ser de internação, mas se prevista detenção, caberá ao magistrado
optar pela espécie mais adequada. No entanto, é forte o entendimento jurisprudencial
no sentido de afastar a literalidade do CP e aplicar a medida mais adequada por

TU
humanidade e razoabilidade. Há ainda o argumento que o art. 4º, Lei 10.216/01 (lei
antimanicominal) esclarece que “a internação em qualquer de suas modalidades só
será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes”.
Nesse contexto, o art. 17 da Resolução 113 do CNJ estabelece que “O juiz

RA
competente para a execução da medida de segurança, sempre que possível
buscará implementar políticas antimanicomiais, conforme sistemática da Lei nº
10.216, de 06 de abril de 2001”.
LG
32. Quais são os sistemas que regem a medida de segurança?
São 2 sistemas:
i. sistema vicariante ou unitário: o semi-imputável ou cumpre a pena diminuída
ou cumpre a medida de segurança – é o adotado hoje – é impossível cumular pena e
IA

MS;
ii. sistema do duplo binário:era o sistema vigorante no CP antes da reforma da
Lei 7.209/84. Com tal reforma, o sistema passou a ser o vicariante. O duplo binário, ou
ER

dupla via, era o sistema pelo qual o semi-imputável perigoso cumpria inicialmente a
pena privativa de liberdade e, ao final desta, se subsistisse a periculosidade, aplicava-
se a MS.
AT

33. Quais os requisitos para aplicá-la?


Depende de três requisitos, a saber:
i. prática de fato típico e ilícito (tem de haver a certeza da autoria e a prova da
materialidade do fato);
M

ii. periculosidade do agente: o simples fato de ser perigoso, não é suficiente para
aplicá-la. Deve observar o contraditório e a ampla defesa – ex.: um inimputável que
praticou um fato em estado de necessidade não comete um crime, logo não incidirá a
MS;
iii. não tenha ocorrido a extinção da punibilidade: é imprescindível que o Estado
ainda tenha o poder de punir. Extinta a punibilidade, afasta-se a MS aplicada ou
impede que se aplica, caso ainda não tenha sido imposta ao agente.

34. O que é periculosidade?

212
É a efetiva probabilidade, relativa ao agente de infração penal, inimputável ou semi,
de voltar a se envolver em crimes ou contravenções penais. Extrai-se da natureza e da
gravidade dos fatos e das circunstâncias indicadas na legislação penal.
Reclama-se um prognóstico, calcado em conjecturas razoáveis de que o individuo
tornará a cometer infrações penais. Daí falar-se em prognose.
Difere das penas, fala-se em juízo de diagnose.

35. Quais as espécies de periculosidade?

O
Periculosidade ficta ou presumida: é a que ocorre quando a lei expressamente
considera determinado indivíduo perigoso. Essa presunção é absoluta, e o juiz tem a

IT
obrigação de impor ao agente a medida de segurança. Aplica-se aos inimputáveis.
Periculosidade real ou concreta: é a que deve ser provada no caso concreto, isto
é, a lei não presume sua existência. Aplica-se ao semi, previsto no artigo 26, parágrafo

TU
único, do CP. Quando o semi comete uma infração, será tratado como culpável, salvo
se o exame constatar que possui responsabilidade diminuída, passível de diminuição
de pena; ou se constatar periculosidade, recomendando a substituição da pena por
MS.

RA
Obs.: Resolução do Conselho Federal de Psicologia nº 12/2011 – vedação à
aferição da periculosidade do indivíduo pelo psicólogo: art. 4º, § 1º: “Na perícia
psicológica realizada no contexto da execução penal ficam vedadas a elaboração
de prognóstico criminológico de reincidência, a aferição de periculosidade e o
LG
estabelecimento de nexo causal a partir do binômio delito-delinqüente”.

36. Qual a natureza jurídica da sentença que aplica medida de segurança?


Absolutória imprópria. O juiz absolve o agente, porque não cometeu crime
IA

(excludente de culpabilidade) e lhe aplica a MS.

37. Qual o prazo mínimo para a Medida de Segurança?


ER

A sentença deve fixar um prazo mínimo de internação ou tratamento ambulatorial


entre um a três anos. Tal prazo se destina ao exame de cessação da periculosidade.
Atenção ao art. 176 da LEP: “Em qualquer tempo, ainda no decorrer do prazo
mínimo de duração da medida de segurança, poderá o Juiz da execução, diante de
AT

requerimento fundamentado do Ministério Público ou do interessado, seu procurador ou


defensor, ordenar o exame para que se verifique a cessação da periculosidade,
procedendo-se nos termos do artigo anterior”.Mesmo no prazo mínimo da duração
da medida de segurança, pode ser requerida a realização do exame.
M

38. Há prazo máximo?


Pela lei não. Será enquanto perdurar a periculosidade. O fundamento é que tal
medida visa a proteger o responsável de uma infração penal, bem como recuperá-lo do
mal de que padece.
A maioria da doutrina entende pela inconstitucionalidade do prazo indeterminado,
pois levaria a uma espécie de prisão perpétua. Se para o imputável é de 30 anos,
também deveria ser para o inimputável – este é o entendimento do STF:
i. STF, HC 84219/SP – 2009: não se admite sanção penal perpétua no Brasil. Por isso,
a medida de segurança fica jungida ao período máximo de 30 anos;

213
ii. STJ, 5ª Turma, AgRg no HC 160734 / SP, 2013 – prazo máximo de 30 anos;
iii. STJ, 6ª Turma, HC 269377/AL, 2014: o período máximo de internação deve ser
adstrito à pena máxima cominada em abstrato do crime. É a que prevalece no STJ.
Nesse sentido, Súmula 527-STJ: O tempo de duração da medida de segurança não
deve ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito
praticado.

39. Como funciona a prescrição da medida de segurança?

O
Para o STJ, a prescrição da medida de segurança imposta em sentença
absolutória imprópria é regulada pela pena máxima abstratamente prevista para o

IT
delito. Obs.: lembrando que a sentença que aplica medida de segurança, por ser
absolutória, não interrompe o curso do prazo prescricional. STJ. 5ª Turma. REsp
39.920-RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 6/2/2014.

TU
40. Passados quase três anos do recolhimento do réu em estabelecimento
prisional e o Estado não lhe garantiu o direito de cumprir a medida de segurança
estabelecida pelo juízo sentenciante, o que deve ser feito?

RA
Diante da falta de estabelecimento adequado para internação, o condenado
permaneceu custodiado por tempo superior ao que disposto pelo juízo sentenciante e
não foi submetido ao tratamento médico determinado no decreto condenatório. Diante
disso, o STF concedeu HC de ofício para determinar que ele seja incluído em
LG
tratamento ambulatorial, sob a supervisão do juízo da execução criminal. STF. 2ª
Turma. HC 122670/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 5/8/2014 (Info
753).
IA

41. É possível a manutenção da prisão de acusado que vem a receber medida de


segurança de internação ao final do processo, ainda que se alegue ausência de
vagas em estabelecimentos hospitalares adequados à realização do tratamento?
É ilegal a manutenção da prisão de acusado que vem a receber medida de
ER

segurança de internação ao final do processo, ainda que se alegue ausência de


vagas em estabelecimentos hospitalares adequados à realização do tratamento.
STJ. 6ª Turma. RHC 38.499-SP, Rel. Min. Maria Thereza De Assis Moura, julgado em
AT

11/3/2014.

42. Cabe indulto da medida de segurança?


Indulto é um ato do Presidente da República (art. 84, XII, da CF/88), materializado
M

por meio de um Decreto, por meio do qual é extinto o efeito executório da condenação
imposta a alguém. Em outras palavras, mesmo havendo ainda pena a ser cumprida, o
Estado renuncia ao seu direito de punir, sendo uma causa de extinção da punibilidade
(art. 107, II, CP).
Tradicionalmente, o indulto é concedido a pessoas que receberam uma pena
por terem sido condenadas pela prática de infração penal.
No entanto, é possível que o indulto seja concedido a pessoas que receberam
medida de segurança.
Sobre o tema, o STF definiu a seguinte tese:

214
"Reveste-se de legitimidade jurídica a concessão, pelo Presidente da República, do
benefício constitucional do indulto (CF, art. 84, XII), que traduz expressão do poder de
graça do Estado, mesmo se se tratar de indulgência destinada a favorecer pessoa que,
em razão de sua inimputabilidade ou semi-imputabilidade, sofre medida de segurança,
ainda que de caráter pessoal e detentivo." STF. Plenário. RE 628658/RS, Rel. Min.
Marco Aurélio, julgado em 4 e 5/11/2015 (Info 806).

43. Como se dá a execução das medidas de segurança?

O
Dá-se com o trânsito em julgado da sentença que aplica a MS. O juiz expedirá a
guia de execução – artigo 171 da LEP. Somente com tal guia pode-se internar o

IT
absolvido impropriamente.

44. Como se analisa a cessação da periculosidade?

TU
Um mêsantes do término do prazo mínimo de duração da MS, será feito um
exame de condições pessoais do agente: a autoridade administrativa remeterá ao juiz
da execução minucioso relatório, instruído com laudo psiquiátrico, que o habilite a
resolver sobre a revogação ou permanência da medida – art. 175, I, LEP.

RA
OBS: o juiz pode excepcionalmente antecipar o exame de cessação de
periculosidade, caso o MP ou o interessado requeiram – art 176, LEP. Admite-se que o
juiz possa antecipar tal exame e eventual análise, antes de decorrer o prazo mínimo,
de ofício.
LG
Caso conclua que cessou a periculosidade, o juiz suspenderá a execução da
medida de segurança, determinando a desinternação ou a liberação.

45. Da decisão que manda cessar a internação cabe recurso?


IA

Sim, cabível o agravo em execução, com efeito suspensivo. “Art. 179. Transitada
em julgado a sentença, o Juiz expedirá ordem para a desinternação ou a liberação”.
Trata-se da única hipótese de agravo em execução com efeito suspensivo. Crítica: para
ER

a Defensoria essa previsão é inconstitucional.


A desinternação ou liberação serão sempre condicionadas, pois o juiz imporá ao
agente as mesmas condições do livramento condicional (art. 178, LEP).
AT

46. Quais as condições obrigatórias impostas pelo juiz?


Art. 132, § 1º, LEP:
i. ocupação lícita, se for apto ao trabalho;
ii. comunicar periodicamente ao juiz sua ocupação;
M

iii. não mudar de comarca sem prévia autorização judicial.

47. E as facultativas?
Art. 132, § 2º, LEP:
i. não mudar de residência sem comunicação ao juiz e à autoridade incumbida da
observância cautelar e de proteção;
ii. recolher-se à habitação com hora determinada;
iii. não frequentar determinados lugares.

48. Quando se dá a revogação da desinternação?

215
Dá-se se o agente, antes do prazo de um ano, praticar fato, e não necessariamente
infração penal, indicativo da manutenção da sua periculosidade (art. 97, § 3º, CP).

49. O que é egresso?


Trata-se do internado ou o submetido a tratamento ambulatorial que foi liberado
pelo período de um ano, a contar da saída do estabelecimento.

50. O que é medida de segurança provisória ou preventiva?

O
Trata-se de medida cautelar instituída pela Lei 12.403/2011, que alterou o CPP,
prevista no artigo 319, VII, e é de cunho pessoal. Para sua incidência basta: crime

IT
praticado com violência ou grave ameaça; perícia e risco de reiteração.

51. É possível a conversão do tratamento ambulatorial em internação?

TU
Sim, se tal medida for necessária para fins curativos. Ou também no caso de se
verificar a incompatibilidade do tratamento (art. 97, § 4º).

52. E a desinternação progressiva? Admite-se?

RA
É o inverso, ou seja, conversão da internação para o tratamento ambulatorial.
Perfeitamente possível. É a posição do STJ e STF.

53. Se no cumprimento de pena o condenado ficar doente mental?


LG
Deverá converter a pena em MS. Apesar da controvérsia existente, o prazo de tal MS
deverá ser o prazo fixado na sentença criminal, quando o agente teve sua condenação
decretada. Isso significa que a MS terá um prazo mínimo para verificar a cessação da
periculosidade, de um a três anos, sem que o seu máximo ultrapasse o fixado na
IA

sentença penal condenatória. Vale lembrar q apenas o transtorno perene converte a


pena em medida de segurança. O transtorno passageiro é tratado durante a pena
como qualquer outro problema de saúde.
ER

PONTO 15
Crimes contra a pessoa.
AT

1. Qual é o marco temporal que diferencia os crimes contra a vida? O lapso é o


mesmo para o parto natural e o cirúrgico?
A vida intrauterina é tutelada pelo aborto. A vida extrauterina é tutelada pelo
M

homicídio, participação no suicídio e pelo infanticídio. O limítrofe da subsunção é o


termo “durante o parto” que consta do infanticídio. Iniciado o parto, rompe-se com a
tutela do crime de aborto. O parto natural inicia-se com o rompimento da bolsa
amniótica. Por outro, o parto cirúrgico inicia-se com a primeira incisão.

2. Qual o conceito de morte? Confunde-se com a mera morte cerebral?


O conceito de morte é trazido pelo art. 3º da Lei 9434/97, sendo composto pela
parada total e irreversível da atividade eletro encefálica.

3. A docimasia hidroestática de Galeno configura prova plena da vida?

216
O referido meio de prova faz presumir a respiração, mas não indica, com
segurança, a ausência de atividade encefálica.

4. A prática de relação sexual desprotegida - com a qual o sujeito quer ou aceita


o risco de transmitir o vírus HIV - pode permitir a imputação do crime de
homicídio?
O STF, no julgamento do HC 98.712, assentou que “descabe, ante previsão
expressa quanto ao tipo penal, partir-se para o enquadramento de ato relativo à

O
transmissão de doença grave como a configurar crime doloso contra a vida”.
Sem embargo da falta de previsão pela Corte Superior da exata tipificação da

IT
conduta, é interessante pontuar passagem do voto vista do Ministro Ayres Britto:
“noutro falar, a criminalização da transmissão do HIV é de ser orientada pelos
clássicos princípios penais da subsidiariedade e da lesividade. Pelo que o

TU
necessário controle estatal dos casos de contágio do vírus HIV tem nas políticas
conscientização, prevenção e tratamento da doença o seu locus central”.

5. O homicídio privilegiado é hediondo?

RA
O regime jurídico da hediondez demanda a atenção ao princípio da taxatividade.
Nesta toada, por expressa falta de previsão legal, não há como considera-lo hediondo.
No mais, também pode ser apontada um conflito axiológico a impedir a fusão das
duas figuras. Deveras o valor que permeia a hediondez do delito não se coaduna com
LG
os anseios que motivaram o legislador a tornar mais branda a pena na forma
privilegiada.

6. Diferencie eutanásia em sentido estrito de ortotanásia e de distanásia.


IA

Eutanásia: é o modo comissivo de abreviar a vida de pessoa portadora de doença


grave, em estado terminal e sem previsão de cura ou recuperação pela ciência médica.
É também denominada de homicídio piedoso, compassivo, médico, caritativo ou
ER

consensual.
Ortotanásia: é a eutanásia pela omissão, também chamada de eutanásia moral ou
eutanásia terapêutica. O médico abstém providências necessárias para prolongar a
vida de doente terminal, portador de moléstia incurável e irreversível.
AT

Distanásia: é a morte vagarosa e sofrida de um ser humano, prolongada pelos


recursos oferecidos pela medicina.

7. Homicídio qualificado pela paga, promessa de recompensa ou outro motivo


M

torpe. O que é torpe neste cotejo? Qual o recurso interpretativo que deve nortear
a exegese da qualificadora? O contratante também responderá pela
exasperação?
No desencadeamento de uma interpretação analógica, o termo torpe tão só pode
ter um cunho egoístico, por ser posterior aos termos “paga e promessa de
recompensa”. Vale lembrar que se o benefício foi prometido em momento posterior à
conduta, não haverá incidência da elevação da pena.
A qualificadora tem natureza subjetiva, não sendo extensível no concurso de
pessoas, por força do art. 30 do Código Penal.

217
8. Vingança qualifica o homicídio? E a falta de motivo? Ciúmes?
Nenhuma das circunstâncias tem o condão de, por si só, alavancar a pena do
delito. Insta salientar que todo crime tem motivo, de tal modo que cabe a acusação
comprova-lo, sob o risco de subsistir apenas a figura simples.

9. Qual a diferença entre tortura com o resultado morte e homicídio qualificado


pela tortura?

O
O homicídio qualificado pela tortura é caracterizado pelo dolo no resultado morte,
constituindo a tortura o meio para alcançar referido fim.
A tortura com o resultado morte é crime essencialmente preterdoloso (praeter dolo,

IT
ou seja, além do dolo). O agente almeja torturar o ofendido, mas a morte sobrevém a
título culposo.

TU
10. Em que consiste o homicídio doloso circunstanciado? Explique os conceitos
de milícia privada e grupo de extermínio.
Art. 121, § 4º, 2ª parte, CP: se o homicídio é praticado contra menor de 14 anos ou
maior de 60 anos. A idade da vítima deve ser considerada ao tempo do crime. Aumento

RA
de 1/3.
Art. 121, § 6º, CP: se o homicídio for praticado por milícia privada, sob o pretexto
de prestação de serviço de segurança, ou por grupo de extermínio. Aumento de 1/3 a
1/2.
LG
Milícia privada: é o agrupamento estruturado e armado de civis (inclusive com a
participação de militares fora de serviço), com alegada finalidade de restaurar a
segurança em locais controlados pela criminalidade, em face da omissão do Poder
Público.
IA

Grupo de extermínio: é a associação, composta de particulares e também


(principalmente) por policiais que se intitulam “justiceiros”, que buscam eliminar
pessoas etiquetadas como perigosas ou inconvenientes aos interesses da coletividade.
ER

São causas de aumento de pena e não são hipóteses de homicídio qualificado.

11. Explique a figura do homicídio culposo.


Art. 121, § 3º, CP.
AT

O homicídio culposo é um crime de médio potencial ofensivo: pena mínima de 1


ano, ou seja, cabe a suspensão condicional do processo (art. 89, Lei 9.099/95).
No homicídio doloso e no homicídio culposo, o desvalor do resultado é o mesmo.
Mas a pena no homicídio culposo é muito menor tendo em vista o menor desvalor da
M

ação.
O homicídio culposo está previsto em um tipo penal aberto: é aquele que não
contém uma descrição detalhada da conduta criminosa. O tipo penal aberto sempre
apresenta um ou mais elementos normativos (aquele cuja compreensão reclama um
juízo de valor).
O homicídio culposo não admite tentativa, porque os crimes culposos não admitem,
em regra, tentativa – o crime culposo é logicamente incompatível com a tentativa. Há
exceções, como: culpa imprópria que, na verdade, é dolo, mas, por questões de
política criminal, o legislador decidiu punir a título de culpa (art. 20, § 1º, CP).

218
Cuidado com o art. 302 do CTB (Lei 9.503/97): “praticar homicídio culposo na
direção do veículo automotor” – trata-se de uma 2ª modalidade de homicídio culposo (a
regra geral é do CP, mas deve-se aplicar esse artigo quando o agente estiver NA
DIREÇÃO do veículo). A pena é de detenção de 2 a 4 anos – não cabe suspensão
condicional do processo. Segundo o STF, RE 428864 (Informativo 524): essa pena é
proporcional, tendo em vista a alta mortalidade no trânsito brasileiro, o que não passa
imune a críticas.

O
12. Em que consiste a figura do homicídio culposo circunstanciado? E o perdão
judicial?

IT
É uma causa de aumento da pena no homicídio culposo. Art. 121, § 4º, 1ª parte:
i. inobservância de regra técnica de profissão, de arte ou de ofício – essas
causas de aumento da pena somente se aplicam ao profissional que pratica um

TU
homicídio culposo. Essa inobservância de regra técnica não é a imperícia? O legislador
não estaria punindo 2 vezes a imperícia?
1ª C – Sim, trata-se de bis in idem que viola o princípio da proporcionalidade.
2ª C – Não, STF, HC 95078/RJ (Informativo 538): essa inobservância de regra

RA
técnica convive com a imperícia. Ex.: ortopedista resolve operar o coração de um
paciente (imperícia) e não lavou a mão (inobservância de regra técnica). Essa
inobservância de regra técnica, portanto, não importa em bis in idem, pois são 2
comportamentos distintos;
LG
ii. se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima – essa causa de
aumento da pena é aplicável ao sujeito que praticou o homicídio culposo e, na
sequência, deixa de prestar socorro à vítima. Atenção! O terceiro que não praticou o
homicídio culposo e deixou de prestar socorro comete o crime previsto no art. 135,
IA

parágrafo único, in fine, CP. O fundamento dessa causa de aumento da pena é o


chamado princípio da solidariedade humana. Não se aplica essa causa de aumento da
pena no caso de morte instantânea incontestável. Também não se aplica essa causa
ER

de aumento da pena se o agente está numa situação de impossibilidade de prestar


socorro. O CTB prevê uma causa de aumento da pena análoga para o crime de
homicídio culposo praticado na direção de veículo automotor – art. 302, parágrafo
único, CTB.
AT

* Neste ponto, vale lembrar que o órgão especial do TJSP declarou a


inconstitucionalidade do art. 302, parágrafo único, por violação ao princípio do nemo
tenetur se detegere.
iii. quando o agente não procura diminuir as conseqüências do seu ato;
M

iv. se o autor foge para evitar a prisão em flagrante – essa causa de aumento
de pena é de constitucionalidade duvidosa.
O perdão judicial está previsto pelo art. 121, § 5º, CP. Só se admite a figura do
perdão judicial para homicídio culposo. Natureza jurídica: trata-se de causa extintiva da
punibilidade (art. 107, IX, CP). Ex.: pai/mãe que esquece o filho no carro e este morre
asfixiado. Súmula 18 do STJ: a sentença que aplica o perdão judicial não é
condenatória, nem absolutória, mas sim DECLARATÓRIA DA EXTINÇÃO DA
PUNIBILIDADE. O perdão judicial é um ato unilateral porque independe da aceitação
do réu.

219
13. À luz da crítica à esquerda punitivista, critique o feminicídio.
Nas palavras de Karam, “não obstante a ausência de qualquer impacto da Lei
11340/2006 na prevenção de mortes de mulheres resultantes de agressões – os
índices de homicídios contra mulheres permaneceram praticamente os mesmos nos
períodos 2001/2006 e 2007/2011 (5,28 e 5,22 por 100 mil mulheres respectivamente) –
grande parte de ativistas e movimentos feministas insistem na mesma suposta ‘solução
penal’, agora aplaudindo a Lei 13104/2015, que inutilmente acresce às circunstâncias
qualificadoras do homicídio o dito ‘feminicídio’”. “A finalidade das normas garantidoras

O
dos direitos humanos fundamentais, em sua relação com leis penais criminalizadoras,
é, portanto, restringir a violência, os danos e as dores que necessariamente resultam

IT
de qualquer intervenção do poder do estado de punir. Essas mesmas normas não
podem ser usadas para impulsionar esse mesmo violento, danoso e doloroso poder”.
O uso do sistema penal é meramente repressivo, incapaz de realizar alterações

TU
positivas no mundo dos fatos. O Estado se abstém de formular políticas públicas para,
num discurso ilusório e simbólico, lançar mão da repressão penal apenas contra um
seleto grupo de vulneráveis marginalizados. Vale lembrar que o simbólico, por
definição, não é real.

RA
14. A Convenção Interamericana de Direitos Humanos dispõe que o direito à vida
deve ser em geral protegido desde o momento da concepção. Tal norma impõe
uma obrigação de criminalizar o aborto?
LG
Karam nos adverte que “o sistema penal nunca atua efetivamente na proteção de
direitos. A expressão ‘tutela penal’, tradicionalmente utilizada é manifestamente
imprópria, na medida em que as leis penais criminalizadoras, na realidade, nada
tutelam, nada protegem, não evitam a ocorrência das condutas que criminalizam,
IA

servindo tão somente para materializar o exercício do enganoso, violento, danoso


e doloroso poder punitivo”.
Além disso, vale pontuar que o Direito Penal não pode ser utilizado como forma de
ER

tornar uma determinada concepção moral como dominante, como prescreve o princípio
da lesividade e da exclusiva proteção de bens jurídicos.
Veda-se também uma proibição de criminalização simbólica ou promocional. De
igual modo, proíbe-se a criminalização de comportamentos frequentes ou aceitos
AT

socialmente por parcela significativa da população.


O meio punitivo é inidôneo para combater o problema social que branda combater,
existindo estimativa pelo Ministério da Saúde da realização de cerca de 1 milhão de
abortos provocados por ano, gerando um custo ao setor público de, no mínimo, R$ 142
M

milhões.
A seletividade penal também é escancarada, pois o procedimento é realizado de
forma clandestina pelo segmento mais vulnerável que não tem acesso à informação e
meios preventivos. Apenas os casos mais grosseiros são levados a cabo pela
criminalização secundária.
Tampouco há racionalidade na punição, ponderando-se os benefícios (quais?) e os
custos sociais da medida proibicionista. Patrícia Schulz destacou que “existem 1 milhão
de casos ilegais e 250 mil mulheres sendo internadas por complicações”, alertou. “O
que é que o governo está fazendo para humanizar essa situação?”, cobrou, lembrando
que as mulheres mais pobres são as mais afetadas pela situação. “A classe média e

220
rica sempre vai encontrar boas soluções”, afirmou, na ocasião em que a ONU cobrou
posição do governo brasileiro durante a 51ª sessão do Comitê para a Eliminação de
Discriminação Contra as Mulheres.
Além disso, o princípio da subsidiariedade demanda a comprovação de que não
existem alternativas para a solução da celeuma. O foco da política pública deve ser
ações preventivas (medidas contraceptivas, valorização de programas de planejamento
familiar, capacitação de profissionais sanitários) e de educação em direitos.
Para finalizar, arrebatou Belloque: “Não se pode fechar os olhos para a realidade

O
brasileira, na qual a morte por abortos inseguros é uma das principais causas de
mortalidade materna. A restrição excessiva ao aborto legal tem gerado mortes de

IT
mulheres em número inaceitável. Questionar a punição criminal ao aborto é também
proteger a vida. Quando a sociedade entender que descriminalizar não significa
fomentar condutas, estará mais aparelhada para discutir o assunto. Em vários países

TU
nos quais houve a descriminalização, pesquisas apontam para a redução das taxas de
aborto, as mulheres são acolhidas pelo sistema de saúde, orientadas sobre
planejamento familiar, e não voltam à prática. A proteção à vida passa pelo
desenvolvimento de políticas de planejamento familiar eficientes por parte do Estado”.

ser realizado com base na ADPF 54?


RA
15. É possível o abortamento doloso em casos de microcefalia? O aborto pode

1ª C – Não, o precedente firmado pelo STF na ADPF 54 não admite a prática, pois
LG
não se confunde a anencefalia, que é a má-formação do tubo neural, caracterizada
pela ausência parcial do encéfalo e da calota craniana, que resulta na pouca
expectativa de vida, com a microcefalia, em que há chance de vida, porém com
dificuldades cognitivas, motoras, de aprendizado, em consequência da má-formação
IA

cerebral, fazendo com que a criança nasça com a circunferência da cabeça menor que
32 cm. Vale lembrar que o procedimento exigido para a antecipação terapêutica do
parto prescinde de autorização judicial e está regulado pela Resolução do Conselho
ER

Federal de Medicina nº 1.989/2012.


2ª C – Reiteram-se e renovam-se as críticasà criminalização do abortamento.
Destaca-se que o dano psicológico concreto a que está sujeita a mulher se sobrepõe à
frágil expectativa de vida do feto, constituindo causa de inexigibilidade de conduta diversa.
AT

No mais, a debilidade estatal no combate às causas do epidêmico problema social


confere ainda maior força à tese que prestigia a dignidade da gestante.

16. É possível participação genérica em suicídio?


M

A participação em suicídio deve dirigir-se à pessoa determinada ou pessoas


determinadas. Com efeito, não é punível a participação genérica.

17. Cabe tentativa na participação em suicídio?


A doutrina clássica entende que não é possível a tentativa da participação em
suicídio, pois a lei só pune o crime se o suicídio se consuma, ou se da tentativa de
suicídio resulta lesão corporal de natureza grave. Cuida-se de crime condicionado, em
que a punibilidade está sujeita à produção de um resultado legalmente exigido.

221
18. Critique a legitimidade reconhecida pelo STF para a iniciativa da ação penal
que veicula o crime de lesão corporal leve no contexto da violência doméstica
contra a mulher.
Segundo Karam, mas, no comentado julgamento, o Supremo Tribunal Federal,
paradoxalmente aplaudido por grande parte de ativistas e movimentos feministas, foi
além: negou eficácia àquela regra da Lei 11340/2006, para, indevidamente se
substituindo ao Poder Legislativo, pura e simplesmente afastar a exigência da

O
representação e assim tornar incondicionada a iniciativa do Ministério Público no
exercício da ação penal.
Emoldurada por discursos pretensamente voltados para a proclamação da

IT
dignidade da mulher, tal decisão do Supremo Tribunal Federal constituiu, na realidade,
uma clara reafirmação da supostamente combatida ideologia patriarcal e um exemplo
cabal de discriminação contra a mulher. No afã de propiciar, a qualquer custo,

TU
condenações de apontados agressores, o pronunciamento do Supremo Tribunal
Federal retirou qualquer possibilidade de protagonismo da mulher no processo,
reservando-lhe uma posição passiva e vitimizante; inferiorizando-a; considerando-a
incapaz de tomar decisões por si própria; colocando-a em situação de desigualdade

RA
com todos os demais ofendidos a quem é garantido o poder de vontade em relação à
instauração do processo penal.
O pronunciamento do Supremo Tribunal Federal negou à mulher a liberdade de
escolha, tratando-a como se coisa fosse, submetida à vontade de agentes do Estado
LG
que, tutelando-a, pretendem ditar o que autoritariamente pensam seria o melhor para
ela. Difícil encontrar manifestação mais contundente de machismo.
Em sua cega e paradoxal adesão ao sistema penal, ativistas e movimentos
feministas, como outros ativistas e movimentos de direitos humanos, encobrem seus
IA

desejos punitivos com uma distorcida leitura das normas garantidoras dos direitos
humanos fundamentais, delas pretendendo extrair supostas obrigações
criminalizadoras.
ER

* Na contramão de um pensamento simbólico, vale pontuar que a Lei Minha Casa


Minha Vida traz exemplo concreto de verdadeiro empoderamento da mulher ao
prescrever que a preferência será pela titulação da mulher – art. 35, art. 35-A, art. 48,
inciso V, art. 58, §2º - tanto que o art. 73-A chega até mesmo a dispensar a outorga
AT

marital.

PONTO 16
M

Crimes contra o patrimônio.


Crimes contra a propriedade imaterial.

1. O furto de uso de veículo é crime? E se fosse roubo de uso?


Inicialmente, cumpre destacar que, via de regra, o furto de uso é conduta atípica,
uma vez que ausente o elemento subjetivo do tipo (animus furandi). Entretanto, para
sua caracterização, segundo a doutrina e jurisprudência majoritárias, não basta a
ausência de dolo. Nesse sentido, apontam-se como requisitos para caracterização do
furto de uso: intenção, desde o início, de uso momentâneo da coisa subtraída; coisa
não consumível; restituição integral à vítima.

222
Destarte, pode-se afirmar que o furto de uso de veículo, desde que preenchido os
requisitos já mencionados, não é crime. Ressalva-se, contudo, o entendimento de
parcela da doutrina no sentido de que a conduta seria típica, uma vez que haveria o
consumo de combustível e desgaste do bem. Parece-nos, todavia, que tal
entendimento não deve prevalecer haja vista a mínima ofensividade da conduta.
Já em relação ao roubo de uso, a questão é mais tormentosa. A jurisprudência
majoritária entende que se trata de crime, em razão do emprego de violência ou grava

O
ameaça. Parece-nos, contudo, que razão assiste a doutrina e jurisprudência
minoritárias para as quais a ausência do animus furandi impediria o reconhecimento da
figura típica prevista no art. 157, do CP. Nesse sentido, a lição de Rogério Greco: “Se

IT
houver violência na subtração levada a efeito pelo agente, que não atua com a vontade
de ter a coisa para si ou para terceiro, mas tão somente de usá-la por um período curto
de tempo, a fim de devolvê-la logo em seguida, poderíamos raciocinar com o tipo penal

TU
do art. 146 do diploma repressivo, que prevê o delito de constrangimento ilegal, pois
que, ao tomar a coisa à força, o agente impede que a vítima faça com ela aquilo que a
lei permite, vale dizer, usá-la da forma que melhor lhe aprouver”.

RA
2. Quais são os requisitos exigidos pela jurisprudência para o reconhecimento do
estado de necessidade no furto famélico?
(a) fato praticado para saciar a fome; (b) único e derradeiro recurso do agente –
inevitabilidade da conduta; (c) subtração de coisa capaz de diretamente contornar a
LG
emergência; (d) insuficiência de recursos adquiridos pelo agente com o trabalho ou
impossibilidade de trabalhar.

3. Em relação à consumação do delito de furto, quais são as principais correntes


IA

doutrinárias? Explique-as, indicando qual delas vem prevalecendo na


jurisprudência dos tribunais superiores.
Existem 04 correntes principais quanto ao momento de consumação do delito de
furto. (a) contrectatio: a consumação se dá pelo simples contato do sujeito om a coisa
ER

alheia; (b) amotio/appehensio: a consumação se dá com a passagem da coisa alheia


para o poder do agente mesmo que por um curto espaço de tempo. Esta é a corrente
adotada pelo STF e STJ; (c) ablatio: a consumação se dá quando o sujeito apodera-se
AT

da coisa e a desloca de um lugar para outro; (d) ilatio: a consumação ocorre quando a
coisa é levada ao local desejado pelo sujeito.

4. Comente sobre a súmula 511 do STJ: “É possível o reconhecimento do


M

privilégio previsto no § 2o do art. 155 do CP nos casos de crime de furto


qualificado, se estiverem presentes a primariedade do agente, o pequeno valor
da coisa e a qualificadora for de ordem objetiva”.
O §2º, do art. 155, do CP prevê causa de redução ou substituição da pena privativa
de liberdade nos casos em que o agente for primário e for de pequeno valor a coisa
subtraída. Ocorre que referido dispositivo encontra-se topograficamente em posição
superior ao furto qualificado, daí porque parcela da doutrina e jurisprudência defendem
que seus benefícios não poderiam ser aplicados às espécies previstas no §4º. O STJ,
contudo, sumulou entendimento em sentido contrário, mas limitado às qualificadoras de
ordem objetiva. Para o STJ a qualificadora do abuso de confiança seria de natureza

223
subjetiva e, portanto, incompatível com o reconhecimento do privilégio previsto no §2º
do art. 155, do CP. Porém, parece-nos que todas as qualificadoras previstas no §4º são
de natureza objetiva, vez que relacionadas ao meio/modo de execução do crime.
Nesse sentido, o entendimento de Rogério Sanches. Assim, em que pese o
entendimento sumulado pelo STJ, é possível pleitear o reconhecimento do privilégio
previsto no §2º do art. 155, do CP ao furto qualificado pelo abuso de confiança.

5. Aplica-se a qualificadora de destruição ou rompimento de obstáculo no caso

O
de quebra de vidros para subtração de toca fitas no interior do veículo?
Em que pese o recente entendimento do STJ, no sentido de que se aplica a

IT
qualificadora de destruição ou rompimento de obstáculo a casos tal como o narrado no
enunciado, é defensável o entendimento em sentido contrário. Isto porque, a aplicação
da qualificadora acarreta em ofensa ao princípio da proporcionalidade, vez que pode

TU
resultar em pena superior à prevista para quem subtrai o próprio veículo, e não apenas
seu toca fitas.

6. A luz do princípio da proporcionalidade, analise a pena prevista para o furto

RA
qualificado pelo concurso de agentes (art. 155, §4º, IV do CP) e para o roubo
qualificado pelo concurso de agentes (art. 157, §2º, II, do CP).
O art. 155, §4º, IV, do CP prevê que, em caso de concurso de agentes, a pena
aplicada será de 2 a 8 anos, o que corresponde ao dobro da pena aplicada à pena pela
LG
prática do furto simples. Tal previsão apresenta manifesta desproporcionalidade em
relação à pena prevista para o caso de roubo praticado em concurso de agentes. Isto
porque, no caso do roubo, a pena base é acrescida de 1/3 a ½, e não dobrada como no
caso do furto. Assim, diante da ofensa ao princípio da proporcionalidade, defende-se a
IA

não aplicação da pena prevista no §4º, IV, do art. 155, do CP no caso de furto
qualificado pelo concurso de agentes, mas sim a majorante prevista para o roubo
cometido em semelhante situação fática. Este, contudo, não é o entendimento dos
ER

tribunais superiores. Há inclusive súmula do STJ (SSTJ 442) no sentido de que “É


inadmissível aplicar, no furto qualificado, pelo concurso de agentes, a majorante do
roubo”.
AT

7. Diferencie roubo próprio de roubo impróprio?


A diferença entre roubo próprio e impróprio reside no momento da prática da
violência ou grave ameaça. No primeiro (caput do art. 157,do CP), a violência ou grave
ameaça antecede a subtração; já no segundo (§1º), é praticada logo após a subtração,
M

com a finalidade de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa para si


ou para terceiro.
Ademais, no roubo impróprio não há previsão da violência imprópria como no roubo
próprio.

8. A ameaça com arma de brinquedo impõe o reconhecimento da majorante


prevista no art. 157, §2º, I, do CP? E o uso de arma ineficiente?
Em relação ao uso de arma de brinquedo, os tribunais superiores pacificaram o
entendimento no sentido de que não deve ser aplicada a majorante do art. 157, §2º, I,

224
do CP. Entende-se que o uso da arma de brinquedo, embora caracterize grave
ameaça, não possui capacidade lesiva suficiente para justificar a majoração da pena.
Já, em relação ao uso de arma ineficiente, a jurisprudência majoritária entende que
a majorante não será aplicada quando, devidamente periciada a arma, restar
comprovada sua inaptidão para disparos. Todavia, nos casos em que referida arma
não for encontrada, sendo demonstrado por outros meios de prova sua utilização, a
majorante deve ser reconhecida. Este posicionamento, entretanto, ofende ao princípio

O
da não-culpabilidade/presunção da inocência, expressamente previsto pela CF/88. Ora,
cabe à acusação comprovar a realização da conduta típica e, por consequência, a
utilização da arma de fogo apta a provocar disparos. Daí porque, na dúvida acerca da

IT
eficiência da arma de fogo ou da existência da mesma, deve ser afastada a majorante
do art. 157, §2º, I, do CP.

TU
9. Se “A” tenta subtrair o carro de “B”, mediante violência da qual resulta a morte
de “B” fica caracterizada a prática do latrocínio consumado?
Segundo o entendimento sumulado pelo STF, sim. A Súmula 610 do referido
Tribunal dispõe que: “Há crime de latrocínio, quando o homicídio se consuma, ainda

RA
que não se realize o agente a subtração de bens da vítima.” Isto porque, deve-se dar
prevalência ao bem jurídico vida, de modo que, se esta foi ceifada, o latrocínio deve ser
considerado consumado mesmo sem a efetiva subtração do patrimônio da vítima.
Contudo, tal posicionamento contraria o disposto no art. 14, I, do CP. O latrocínio é
LG
crime complexo, de modo que para sua consumação devem ser preenchidos todos os
tipos penais que o compõe, daí porque no caso em questão “A” deveria responder tão
somente pelo latrocínio tentado. Nesse sentido, o entendimento de Rogério Greco.
IA

10. Há concurso formal de crimes quando, mediante uma única ação, o agente
subtrai patrimônio de vítimas diferentes? E no caso de latrocínio, há concurso
quando subtrai-se um único patrimônio, mas há ofensa à integridade física de
mais de uma pessoa?
ER

Diversas pessoas e patrimônios configuram diversos crimes. No entanto, quando


o patrimônio for único, p. ex., patrimônio familiar, não há que se falar em concurso. Isto
porque, fundado numa única ação. O desapossamento é dirigido à comunhão, à
AT

sociedade; não é voltado individualmente aos parceiros. Este é o entendimento do


STF. O STJ, por outro lado, tem posicionamento em sentido contrário. Cita-se, por
exemplo, o seguinte caso concreto: agente invadiu a residência de um casal, de lá
subtraindo diversos bens, dentre eles as alianças de casamento. Para o STJ,
M

houve subtração de mais de um patrimônio, já que foram levados bens


personalíssimos (alianças de casamento). Logo, entendeu haver dois crimes de
latrocínio em concurso formal.
Para o STF, julgando o HC contra essa decisão do STJ, o dolo do agente
era o de subtrair patrimônio único e que o fato de a legislação considerar a
aliança como bem particular de cada cônjuge não serve, no direito penal, para
afirmar que houve atingimento de bens diversos. Desse modo, entendeu ter havido
único crime de latrocínio. (d.j. 7/5/2013, Inf. 705).
Na hipótese do latrocínio, se o agente deseja subtrair patrimônio único e
causa pluralidade de mortes: haverá um só crime de latrocínio. O fato de ter

225
havido mais de uma morte servirá para agravar a pena na 1ª fase da dosimetria, com
base nas “conseqüências do crime”, circunstância judicial prevista no art. 59 do CP.
Se o agente deseja subtrair pluralidade de patrimônios e causa pluralidade
de mortes: haverá pluralidade de latrocínios cometidos em concurso formal.

11. Diferencie os crimes de extorsão e constrangimento ilegal?


Para Rogério Sanches a diferença reside na finalidade que orienta os delitos de

O
extorsão e de constrangimento ilegal. Neste, “busca-se a restrição da liberdade (eis o
fim almejado); na extorsão, o enriquecimento do agente (o constrangimento aqui é
meio).”

IT
12. O delito previsto no art. 158 é material ou formal? Explique apontando as
consequências.

TU
A meu ver, trata-se de crime material, consumando-se apenas com a obtenção da
vantagem indevida. Ora, o bem jurídico tutelado pelo tipo penal é o patrimônio, não por
outro motivo está inserido no capítulo “Dos crimes contra o patrimônio”. Assim, sem a
obtenção da vantagem indevida não há que se falar em consumação do delito de

RA
extorsão. Este, contudo, não é o entendimento da doutrina e jurisprudência majoritária.
Para eles, o crime é formal, consumando-se no momento em que o agente emprega os
meios aptos a constranger a vítima a lhe proporcionar a vantagem indevida, colocando
em perigo o bem jurídico tutelado: patrimônio. A obtenção da vantagem seria mero
LG
exaurimento. Nesse sentido a Súmula 96, do STJ: “O crime de extorsão consuma-se
independentemente da obtenção da vantagem indevida”.
Essa classificação é de suma importância para fixação do termo inicial da
prescrição, bem como sobre a caracterização do flagrante. Sobre o tema, ensina
IA

Rogério Sanches: “Se entendermos o crime como formal, a prescrição começa a correr
da indevida exigência, não admitindo, em regra, flagrante no recebimento (mero
exaurimento); se material, o lapso prescricional inicia-se no enriquecimento, admitindo,
ER

também nesse momento, a prisão em flagrante”. (p. 269).

13. Diferencie a extorsão mediante restrição da liberdade da vítima ou sequestro-


relâmpago da extorsão mediante sequestro. (Questão retirada dos pontos da
AT

DPE PA)
Na extorsão com restrição da liberdade da vítima não há privação, mas restrição
da liberdade. Na extorsão mediante sequestro a vítima é colocada no cárcere, e sua
liberdade é negociada com o pagamento de indevida vantagem como condição ou
M

preço do resgate; no sequestro-relâmpago, por sua vez, não há encarceramento da


vítima nem a finalidade de recebimento do resgate para sua soltura, mas sim o desejo
de obter, em face do constrangimento, e não da privação da liberdade, uma indevida
vantagem econômica.

14. Analise as penas cominadas o delito de extorsão qualificada pela restrição de


liberdade a luz do princípio da proporcionalidade.
As penas cominadas aos delitos acima mencionados ofendem o princípio da
proporcionalidade, vez que igual ou até superior a cominada a outros delitos, cujos

226
bens jurídicos possuem valor superior. Nesta trilha, podemos citar os seguintes
exemplos:
- art. 158, §3º do CP x art. 121, do CP: A reprimenda mínima prevista para o delito
no artigo 158, § 3° do Código Penal é a mesma que é determinada para o crime de
homicídio simples (06 anos). Ora, o legislador deu o mesmo valor jurídico às condutas
de “matar” e “sequestrar”, o que é totalmente desarrazoado.
- art. 158, §3º x art. 129, §2º, do CP: A pena mínima cominada ao crime de

O
sequestro relâmpago (6 anos) é triplamente superior à pena mínima proposta para o
caso de lesão corporal gravíssima (02 anos). Ocorre que a perda ou inutilização de
membro, sentido ou função, ou deformidade permanente é manifestamente mais grave

IT
que a mera restrição momentânea da liberdade da vítima.
- art; 158, §3º x art. 157, §2º, V, do CP: No roubo com privação da liberdade da
vítima a reprimenda mínima é de cinco anos e quatro meses de reclusão. Já no

TU
sequestro relâmpago é de 06 anos. Ora, considerando que tanto o roubo com privação
da liberdade e o sequestro relâmpago atingem bens jurídicos idênticos e têm modo de
execução idêntico, não se justifica pena distinta. Em relação a este ponto há, inclusive,
tese institucional da Defensoria Pública: Tese 67: Cabe ao defensor público pleitear

RA
nos casos em que há a apuração do delito tipificado no artigo 158, § 3° [extorsão
qualificada pela restrição da liberdade da vítima – “sequestro relâmpago”] do Código
Penal, a aplicação da pena prevista para o crime previsto no artigo 157, § 2° [roubo
majorado pela restrição da liberdade], inciso V do Código Penal. (III Encontro Estadual
LG
- 2009)

15. Quais os requisitos para delação premiada no caso de extorsão mediante


sequestro?
IA

O § 4º do art. 159, do CP permite a delação premiada, tendo como requisitos:


Crime cometido em concurso de pessoas (partícipe pode ser delator); Queum dos
concorrentes preste informações; Facilitar a libertação do sequestrado (eficaz).
ER

Estes requisitos são cumulativos.


A redução prevista é de 1/3 a 2/3 – diretamente proporcional ao maior ou menor
auxílio prestado. Para Rogério Sanchez, todas as delações premiadas antes da L. 9807
agora podem ter como consequência também permitir perdão judicial.
AT

16. O preso que destrói ou danifica a cela para fugir responde pelo crime de
dano?
A doutrina e jurisprudência divergem sobre o tema, sendo possível apontar 02
M

correntes: Pela primeira, há crime de dano qualificado, pois basta a destruição,


inutilização ou deterioração de coisa alheia, prescindindo-se do fim de prejudicar o
patrimônio alheio. Já pela 2ª corrente, a configuração do crime de dano depende da
vontade ser voltada para causar prejuízo patrimonial ao dono da coisa (animus
nocendi). Dessa forma, o preso que destrói ou inutiliza as grades da cela onde se
encontra, com o intuito exclusivo de empreender fuga, não comete crime de dano.

17. Comente sobre o delito de apropriação indébita.


Trata-se de crime material, em que o sujeito ativo (qualquer pessoa) apropria-se de
coisa alheia móvel da qual tem a posse ou detenção (art.1196 e 1198 do CC). Para sua

227
consumação é indispensável o preenchimento dos seguintes requisitos: entrega
voluntária da coisa pela vítima + posse ou detenção desvigiada + ação deve recair
sobre coisa alheia móvel + inversão do ânimo da posse.

18. Diferencie o delito de apropriação indébita do estelionato.


A diferença reside no dolo. Na apropriação indébita o dolo é subsequente ou
sucessivo. O sujeito recebe de boa-fé a posse ou a detenção desvigiada da coisa

O
alheia móvel, e só posteriormente inverte seu ânimo em relação ao bem, decidindo
dele se apropriar. Por seu turno, no estelionato o dolo é antecedente ou ab initio. O fim
de apropriação da coisa alheia móvel já estava presente antes de o agente alcançar

IT
sua posse ou detenção.

19. No caso em que o ardil usado pelo sujeito para induzir a vítima à erro e com

TU
isso obter vantagem ilícita for documento falso, há concurso entre os delitos de
estelionato e uso de documento falso?
A doutrina e jurisprudência não são unânimes quanto ao tema. Assim, temos que
quando o falso se esgota no estelionato – em outras palavras, o documento foi utilizado

RA
exclusivamente para a prática do estelionato, o delito contra a fé pública é absorvido
pelo patrimonial, não se falando, portanto, em concurso. Já quando o falso é utilizado
também para outros fins haveria, segundo os tribunais superiores, concurso entre o
estelionato e o uso de documento falso. Nesta hipótese, para o STJ seria concurso
LG
material, vez que os bens jurídicos tutelados seriam diferentes, o STF, por sua vez,
entende que é concurso formal, vez que haveria uma conduta dividida em dois atos.

20. Quando o agente, mediante engodo, consegue obter da vítima, não dinheiro
IA

ou coisa de valor econômico imediato, mas título de crédito, tem-se crime


consumado ou tentado?
Sobre o tema, Rogério Sanches ensina que “Há divergências. Para uns,
ER

considerando que a obrigação assumida pela vítima, com a emissão do título, já é um


proveito adquirido pelo estelionatário, trata-se de delito perfeito (consumado). Outros,
não sem razão, lembra que, enquanto o título não é convertido em valor material, não
há efetivo proveito do agente, podendo ele, por circunstâncias alheias a sua vontade,
AT

ser impedido de convertê-lo em numerário, respondendo apenas pela tentativa de


estelionato”.

21. Se o furtador vender a coisa como se própria fosse pratica qual(is) crime(s)?
M

Em que pese o entendimento em sentido contrário – concurso material entre furto e


estelionato – há jurisprudência entendendo que o furto constitui post factum impunível,
a venda do bem seria mero exaurimento da conduta anterior,

22. Uma das formas mais comuns de estelionato é a prevista no §2º, VI, do art.
171, consistente na emissão de cheque sem suficiente provisão de fundos em
poder do sacado ou lhe frustra o pagamento. Discorra sobre o referido tipo penal.
A fraude no pagamento por meio de cheque pode ocorrer em duas situações: a)
emissão do cheque sem provisão de fundos e colocação dele em circulação; b)

228
frustração do pagamento, por meio de contraordem, encerramento da conta etc. Em
ambas as situações exige-se a fraude, nesse sentido a SSTF 246.
No caso de cheque pós-datado, considerando que o mesmo perde sua natureza de
cheque, não há como caracterizar o crime do §2º, VI do 171. Não obstante, se o sujeito
ativo sabe que o título não possuirá fundos na data aprazada para apresentação
poderá responder pelo delito previsto no caput do art. 171, do CP. Também não
caracteriza a figura em análise quando o sujeito falsifica a assinatura do titular da conta

O
corrente.
Por razões de política criminal, o STF entende que o pagamento do cheque antes
do recebimento da inicial obsta a instauração da ação penal (SSTF 554). Trata-se de

IT
hipótese de perdão judicial.
Quanto ao Juízo competente para processar e julgar o delito, tem-se que é o da
comarca em que houve a recusa do título por insuficiência de fundos (SSTF 521 e

TU
SSTJ 244).

23. Diferencie receptação imprópria e receptação própria.


A diferença entre receptação própria e imprópria reside no tipo objetivo e na

RA
consumação.
Em relação ao tipo objetivo, verifica-se que, na receptação própria, consiste em
adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar coisa que sabe ser produto de crime,
já na imprópria consiste em influir para que terceiro de boa-fé adquira, receba ou oculte
LG
a coisa.
Quanto ao momento de consumação, verifica-se que a receptação própria é crime
material- instantâneo no caso de adquirir e receber, bem como permanente nas demais
hipóteses – e, na receptação imprópria, é formal, ou seja, não é necessário que o
IA

terceiro adquira, receba ou oculte a coisa, basta que o sujeito ativo o influencie.

24. Analise a constitucionalidade do preceito secundário da receptação


qualificada (art. 180, §1º, do CP), apontando o entendimento do STF sobre o tema.
ER

Questiona-se a constitucionalidade do preceito secundário da receptação


qualificada, uma vez que ele ofenderia os princípios da proporcionalidade e da
individualização da pena.
AT

Aqueles que entendem que o preceito secundário é inconstitucional defendem que


a forma qualificada prevê apenas o dolo eventual. Assim, no caso de dolo direto, a
conduta típica seria a do caput. Ocorre que a pena prevista no caput é inferior à pena
prevista para a forma qualificada. Ou seja, o legislador teria cominado uma pena maior
M

a conduta menos grave (dolo eventual). Em razão disso, o disposto no art. 180, §1º, do
CP não deveria ser aplicado.
Por outro lado, aqueles que entendem pela constitucionalidade do preceito
secundário, reconhecendo as imperfeições do texto legal, defendem a adoção de uma
interpretação corretiva, ainda que dela resulte modificações no texto da lei. Para eles, a
mens legis é que a receptação qualificada abarca não só o dolo eventual, como
também o dolo direto. Assim, não haveria qualquer ofensa ao princípio da
proporcionalidade, vez que se estaria cominando uma pena maior àquela conduta mais
reprovável, consistente na receptação praticada no exercício de atividade comercial.

229
Atualmente, vem prevalecendo na jurisprudência a corrente favorável à
constitucionalidade da receptação qualificada, contudo esta não parece ser a melhor
solução. Afinal, ainda que a mens legis seja cominar uma pena mais grave aquele que
pratica a receptação no exercício de atividade comercial, seja com dolo direto ou
eventual, o fato é que no §1º o legislador tratou apenas do dolo eventual e, em direito
penal, é vedada a analogia em desfavor dos réus.

25. Na receptação culposa a quais indícios a lei vincula a presunção de origem

O
criminosa da coisa?
- Natureza do objeto – ex. aquisição de veículo automotor com o chassi de

IT
identificação grosseiramente adulterado ou sem o respectivo certificado de registro.
- Desproporção entre o valor de mercado e o preço pago – o preço muito reduzido
e ínfimo em relação ao valor real do bem indica sua origem ilícita.

TU
- Condição do ofertante: ex. agente reconhecidamente voltado à prática de crimes
no meio em que vivia; usuário compulsivo de drogas.

26. Disserte sobre a independência típica do delito de receptação.

RA
A receptação é crime acessório, isto é, pressupõe outro para sua existência.
Contudo, para sua caracterização não é necessário que o autor do crime pretérito seja
condenado, basta a prova da ocorrência do injusto penal, conforme dispõe o§4º, do art.
180, do CP. Daí se falar na independência típica da receptação, que nada mais é que a
LG
desvinculação do delito de receptação do delito antecedente.

27. O legislador visando a harmonia da entidade familiar trouxe no capítulo VIII


do Título II do CP hipóteses de escusas absolutória e relativa aplicáveis aos
IA

crimes contra o patrimônio. Aponte quais são elas, bem como as respectivas
exceções.
São escusas absolutórias, isto é, isentam o sujeito de pena, quando o crime é
ER

praticado contra cônjuge ou companheiro, na constância da sociedade conjugal, bem


como contra ascendente ou descendente, sendo irrelevante a origem do parentesco.
São escusas relativas, isto é, o crime só se procede mediante representação,
quando for cometido em prejuízo de cônjuge divorciado, irmão, tio ou sobrinho com
AT

quem coabite.
Entretanto, referidas escusas/imunidades não se aplicam nas seguintes hipóteses:
- crime de roubo, extorsão ou com emprego de grave ameaça ou violência à
pessoa.
M

- ao estranho que participa do crime.


- se o crime é praticado contra idoso.
Obs.: em relação à aplicação das escusas no caso de violência doméstica contra a
mulher há controvérsia. Para Maria Berenice Dias não deveriam ser aplicadas.
Contudo, há de se considerar que o direito penal veda a analagia.

28. Comente sobre a aplicação do princípio da adequação social no caso de


venda de CDs e DVDs piratas.
Formalmente, a conduta de vender CDs e DVD piratas caracteriza o crime de
violação de direito autoral qualificado (art. 184, §2º, do CP). Todavia, não se pode

230
negar que tal conduta é socialmente aceita, tolerada e, até mesmo, incentivada em
virtude dos altos preços de CDs e DVDs originais. Daí porque, aplicando-se o princípio
da adequação social, a venda de CDs e DVDs piratas deveria ser considerada atípica.
Este, contudo, não é o entendimento dos tribunais superiores. Há inclusive súmula
do STJ reconhecendo a tipicidade da conduta de expor à venda CDs e DVDs piratas
(SSTJ 501). Para eles não se aplica o princípio da adequação social haja vista a
gravidade do prejuízo causado pela conduta. A venda de CDs e DVDs piratas seria

O
responsável por enormes prejuízos ao fisco, à indústria fonográfica e aos comerciantes
regularmente estabelecidos.

IT
29. O preceito secundário dos §§ 1º, 2ºe 3º do art. 184, do CP foi modificado pela
lei 10.695/2003, a qual elevou as penas cominadas de 1-4 anos para 2-4 anos de
reclusão. Tal modificação é constitucional?

TU
Os tribunais superiores já se manifestaram pela constitucionalidade da atual
redação do preceito secundário dos §§ 1º, 2º e 3º, do art. 184, do CP, porém nos
parece este entendimento não está em consonância com a CF/88.
Alega-se que a pena mais grave cominada pelo legislador tenciona desestimular de

RA
forma mais severa a prática de pirataria. Ocorre que há muito tempo se sabe que a
cominação de penas mais graves não é suficiente para redução da delinquência, razão
pela qual referido argumento é falacioso e insuficiente para sustentar a
constitucionalidade do preceito secundário ora em análise. Até porque, é manifesta a
LG
ofensa dele aos princípios da proporcionalidade e da igualdade. Sobre o tema há
inclusive tese da Defensoria Pública de São Paulo (tese 44).
Ora, a Lei nº 9.609/1998, ao dispor “sobre a proteção da propriedade intelectual de
programas de computador, sua comercialização no País, e dá outras providências”,
IA

comina pena de 01 a 04 anos de reclusão para o sujeito que expõe a venda programa
de computador produzido com violação de direito autoral, ou seja, a pena mínima
cominada é inferior a pena cominada para aquele que expõe a venda CD ou DVD
ER

pirata, o que é totalmente desarrazoado.


“As duas normas tutelam penalmente a mesma objetividade jurídica, qual seja, o
direito autoral, ou mais amplamente a propriedade intelectual; ambas têm como sujeito
passivo o autor ou outro titular do direito imaterial; as duas dispõem de redações
AT

praticamente idênticas. Diferem somente em uma coisa: no preceito secundário, na


pena, vulnerando drasticamente, assim, primeiramente o princípio da igualdade, ao
tratar desigualmente criminosos em situações totalmente isonômicas, ou seja, que
pratiquem condutas que dispõem do mesmo desvalor intrínseco, isto com graves
M

consequências de ordem penal e processual penal, dentre as quais aquelas atinentes


ao benefício do sursis processual”
(http://defensorpotiguar.blogspot.com.br/2011/09/seis-teses-sobre-violacao-de-
direitos_20.html).
Se não bastasse isso, há de se considerar também que a violação autoral,
enquanto delito contra o direito de propriedade, não deve apresentar a mesma
reprimenda que, por exemplo, um homicídio simples tentado, uma indução a suicídio
que se consuma, um infanticídio, uma lesão corporal gravíssima, ou um abandono de
recém nascido com resultado morte.

231
Assim, entendemos que os preceitos secundários dos §§ 1º, 2º e 3º do art. 184, do
CP é inconstitucional.

PONTO 17
Crimes contra a dignidade sexual.
Crimes contra a paz pública.

O
1. Quais os bens jurídicos tutelados pelos crimes sexuais previstos no Código
Penal?

IT
A partir do advento da lei 12.015/09, o Título VI do Código Penal passou a ser
nominado como “Crimes contra a dignidade sexual”, tendo sido suprimida a
superada terminologia “crimes contra os costumes”.

TU
A respeito do bem jurídico tutelado pelos crimes previstos no referido Título VI do
CP, Cézar Roberto Bittencourt leciona que o termo dignidade sexual abrange todos os
aspectos relacionados à faculdade do indivíduo de exercer com consciência e
voluntariedade sua sexualidade, por meio do direito inviolável de escolha do parceiro

RA
e preservação de sua intimidade e privacidade.
Com efeito, a depender do tipo penal enfocado, o bem jurídico tutelado pela
norma penal incriminadora poderá ser a liberdade sexual, entendida esta como o
poder conferido unicamente ao indivíduo de consentir sobre a disposição e exercício da
LG
própria sexualidade (p. ex. crimes previstos no art. 213 e art. 216-A). Por vezes, o que
se busca proteger é a incapacidade de consentir a respeito da própria sexualidade,
bem como a ausência de discernimento bastante para entendimento da natureza e
consequências do ato sexual (p.ex. crimes previstos no art. 217-A e art. 218-B).
IA

Finalmente, pode-se proteger o próprio valor da pessoa humana que é submetida ao


que Fernando Capez chama de “mercado carnal”, incriminando-se as condutas
previstas no Art. 227 e seguintes do CP.
ER

2. Há previsão de crimes contra a dignidade sexual no rol dos crimes hediondos?


Sim. Estão previstos tanto o estupro (inciso V), quanto o estupro de vulnerável
(inciso VI) e, recentemente, pela Lei 12.978/2014, foi incluído o favorecimento da
AT

prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de


vulnerável (art. 218-B, caput, e §§ 1º e 2º) neste rol. Falando no tema, convém salientar
que a causa de aumento de pena, prevista no art. 9º da Lei dos Crimes Hediondos não
tem mais aplicabilidade, pois o aumento se referia à prática de crimes contra vítimas
M

que estivessem em uma das hipóteses previstas no art. 224 do CP, que tratava do
chamado “estupro com violência presumida”, que não está mais em vigor (foi revogado
pela Lei 12.015/2009).

3. Defina o crime de estupro consoante sistemática atual do Código Penal.


O crime de estupro, previsto no art. 213 do Código Penal, tem como conduta típica
“constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou
praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”, sendo cominada pena
de 06 a 10 anos de reclusão.

232
A lei 12.015/09 promoveu ampliação da tutela penal do crime de estupro, na
medida em que inseriu na redação típica do art. 213 a abrangência de todo e qualquer
ato libidinoso, além da proteção da liberdade sexual tanto do homem quanto da
mulher.
É dizer, a partir da sistemática trazida ao CP pela lei 12.015/09, é possível a
ocorrência de crime de estupro praticado em face de indivíduo do sexo masculino,
sendo igualmente possível a sua prática, como sujeito ativo, por pessoa do sexo

O
feminino, além de abranger a tipificação de qualquer ato libidinoso, não se restringindo
à conjunção carnal.
Destaca-se, ainda, que o crime em referência possui como verbonuclear a

IT
conduta de “constranger”, que consiste em forçar, obrigar, praticar ou permitir que
consigo se pratique ato libidinoso contra a própria vontade.
Por fim, entende-se por atolibidinoso aquele ato de naturezasexual que visa ao

TU
desafogo da concupiscência, à satisfação da lascívia do indivíduo.

4. A “contemplação lasciva” configura crime de estupro?


Segundo a doutrina, nãoincorrenodelitodeestupro aquele sujeito que obriga a

RA
vítima a assistiratosexualpraticadoporterceiro, ainda que para tanto se valha de
violência ou grave ameaça. O crime de estupro pressupõe o
envolvimentocorpóreodavítima, que pratica ou permite que seja praticado com ela
qualquer ato libidinoso.
LG
No caso da contemplação lasciva, o agente poderá responder pelo
crimesubsidiário, qual seja o de constrangimentoilegal (art. 146 do CP) ou, se a
vítima for menor de 14 anos, ao crime de “satisfação de lascívia mediante presença
de criança e adolescente (art. 218-A)”.
IA

Diferentemente, ocorre sim estupro na hipótese em que o agente obriga a vítima a


praticar ato sexual em si mesma, para contemplação do próprio ofensor, porquanto no
presente cenário fático há evidente envolvimento corpóreo da vítima.
ER

5. O crime de estupro exige a satisfação da lascívia?


Não. O agente pode estuprar a vítima por vingança, para ganhar uma aposta, por
“brincadeira”.
AT

6. Que crime comete o agente que realiza, mediante violência, conjunção carnal
com vítima no dia em que ela completa 14 anos?
Comete o estupro naformasimples (pena: 6 a 10 anos).
M

Se a vítima é maior de 14 e menor de 18 anos, o estupro será qualificado (pena: 8


a 12 anos);
Caso seja menor de 14 anos, o crime será estupro de vulnerável (pena: 8 a 15
anos);
Trata-se de um grave equívoco legislativo, que não se referiu à vítima que conta
com exatos 14 anos quando da prática do ato. Sendo assim, a conduta se enquadra na
forma simples (proibição da analogia in malam partem e princípio da taxatividade
penal).

233
7. Com o advento da Lei 12.015/09, pode-se dizer que houve “abolitio criminis”
em relação ao delito de atentado violento ao pudor?
Não houve a abolitio criminis do atentado violento ao pudor: houve apenas a
revogação formal do tipo penal, mas não houve a supressão material do fato criminoso.
O que antes era atentado violento ao pudor agora é estupro. Princípio da
continuidade normativa ou da continuidade típico-normativa – posição do STF acerca
desse tema (transmutação geográfica do tipo penal).
8. Diante da prática da conduta consistente em forçar a vítima a manter

O
conjunção carnal e, no mesmo contexto, outros atos libidinosos, qual deverá ser
o enquadramento típico da conduta do agente?

IT
A respeito do tema, após o advento da Lei 12.015/09, formaram-se duas
correntes.
Um primeiro entendimento sustenta haver concurso material de crimes, havendo

TU
tantos delitos quantos forem os diversos atos de libidinagem praticados naquele
contexto fático. Tal corrente sustenta que no tipo penal do art. 213 do CP haveria um
tipomistocumulativo, envolvendo a descrição de vários verbos-núcleos, sendo que o
agente responderia por tantos crimes conforme o número de núcleos em que ele

RA
incorrer.
Outra corrente, entretanto, defende que há crimeúnico, na medida em que o tipo
misto previsto do art. 213 do CP não seria cumulativo, e sim alternativo. Assim,
haveria conflito aparente de normas solucionado pelo princípio da alternatividade,
LG
sendo certo que os verbos-núcleos separados na redação típica pela conjunção
alternativa ‘ou’ se mostram, cada um deles, suficientes para configuração do delito,
havendo crime único na hipótese de o agente praticar mais de um verbo em face do
mesmo objeto material, no mesmo contexto fático, a exemplo do que ocorre no art. 33
IA

da Lei de Drogas. Haveria, no caso, apenas consideração das circunstâncias do caso


concreto no momento da dosimetria da pena, nos termos do art. 59 do CP.
O STJ adota essa segunda posição, entendendo haver crime único por se tratar de
ER

tipo penal misto alternativo.


Nesse sentido: STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1262650/RS, Rel. Min. Regina
Helena Costa, julgado em 05/08/2014. STJ. 6ª Turma. HC 212.305/DF, Rel. Min.
Marilza Maynard (Des. Conv. TJ/SE), julgado em 24/04/2014.
AT

9. E no caso de crimes de estupro e atentado violento ao pudor praticados em um


mesmo contexto e anteriormente ao advento da Lei 12.015/09, qual deverá ser o
tratamento jurídico?
M

A doutrina e jurisprudência entendiam que, anteriormente ao advento da Lei


12.015/09, os delitos de estupro e atentado violento ao pudor eram autônomos e não
podiam ser considerados crimes de mesma espécie, razão pela qual prevalecia o
entendimento segundo o qual, no contexto fático acima exposto, haveria concurso
material de crimes, malgrado se tivesse notícia de posicionamento minoritário que
defendia a existência de crime continuado.
Após a nova sistemática legal, todavia, tendo em vista o entendimento atual da
jurisprudência do STJ, prevaleceu a tese que sustenta a existência de crime único,
na hipótese de constrangimento à prática de conjunção carnal e de outros atos
libidinosos, no mesmo contexto fático. Com efeito, por ser mais favorável ao

234
agente, deverá essa orientação ser estendida aos fatos ocorridos anteriormente à
vigência da Lei 12.015/09, reconhecendo-se a retroatividade desta última por se tratar
de evidente caso de novatio legis in mellius.
Antes da Lei 12.015/09- concurso material de crimes;
Após a Lei 12.105/2009- crime único.

10. Caso reconhecida a retroatividade da Lei 12.015/09 aos fatos praticados


anteriormente à sua vigência, bem como a ocorrência de crime único na hipótese

O
de condenado em sentença definitiva por crime de estupro e atentado violento ao
pudor em face da mesma vítima, no mesmo contexto fático, como deve proceder

IT
o Defensor Público?
Deverá manejar pedido de aplicação da lei mais benéfica junto ao Juízo das
Execuções Penais, com base no art. 66 da LEP e consoante Súmula 611 do STF

TU
(“Transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao Juízo das execuções a
aplicação de lei mais benigna”).

11. Quais são as formas qualificadas do crime de estupro?

RA
Segundo dispõem os §§ 1º e 2º do art. 213, aplica-se pena de 08 a 12 anos de
reclusão quando do estupro resulta lesão corporal de natureza grave (circunstância que
abrange também a lesão gravíssima), ou se a vítima for pessoa com idade maior de 14
anos e menor de 18 anos. Por outro lado, se do fato resulta morte, a pena será de 12 a
LG
30 anos.

12. Em que consiste a chamada “violência ficta”?


O CP, na redação dorevogado art. 224, definia como violência ficta a hipótese em
IA

que havia presumida violência na prática de ato sexual de pessoa com idade não
superior a 14 anos, alienada ou débil mental, ou quando não pudesse, por qualquer
causa, oferecer resistência.
ER

Segundo a doutrina, o legislador tinha em vista situações em que a vítima, seja


pela imaturidade, seja por ausência de suficiente discernimento, ou mesmo em
decorrência de circunstância que lhe privasse da capacidade de resistir a investida do
agressor, não detinha capacidade para consentir validamente para a prática do ato
AT

sexual.
O art. 224 do CP era norma de extensão que tinha por fim superar a necessidade
de verificação no caso concreto da elementar “violência” prevista no tipo de estupro (e
do antigo atentado violento ao pudor) quando a vítima encontrava-se em circunstâncias
M

de vulnerabilidade.
Com o advento da Lei 12.015/09, foi revogado o art. 224 do CP, tendo sido
prevista, no art. 217-A do CP, figura típica autônoma que incrimina a conduta
consistente na prática de qualquer ato libidinoso com pessoa menor de 14 anos (caput)
ou com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário
discernimento para a prática do ato ou, ainda, pessoa que, por qualquer causa, não
pode oferecer resistência (§1º).
A partir da nova sistemática trazida pela lei acima apontada, não se fala mais em
violência ficta ou presumida, e sim em tipificação do ato de estupro envolvendo vítima
vulnerável.

235
13. Na hipótese de vítima que tinha idade inferior a 14 anos, é absoluta a
presunção de sua vulnerabilidade, sendo sempre inválido o consentimento para
o ato sexual?
Inicialmente, destaque-se que não se está a tratar da hipótese em que o sujeito
desconhece a condição da vítima de pessoa menor de 14 anos, situação que deve ser
tratada como erro de tipo, na forma do art. 20 do CP.

O
No que concerne à natureza da presunção, se absoluta ou relativa, anteriormente
ao advento da Lei 12.015/09 havia duas correntes na doutrina e jurisprudência que
discutiam sobre o tema.

IT
Com a inclusão do estupro de vulnerável em tipo autônomo e consequente
revogação da norma de extensão que tratava da violência presumida (art. 224 CP),
restou fortalecida a posição doutrinária de a vulnerabilidade teria abolido a figura da

TU
presunção de violência nos crimes sexuais. Essa vulnerabilidade é objetiva – o
discernimento para o consentimento da vítima é irrelevante.
Todavia, existe corrente na jurisprudência (minoritária, mas condizente com a
Defensoria Pública) que vem adotando sistematicamente o entendimento segundo o

RA
qual a vulnerabilidade prevista no art. 217–A do CP implica em uma presunção legal
relativa, podendo sim ser afastada pelo intérprete quando, p.ex., se tratar de ato sexual
consentido, praticado por vítima menor de 14 anos com quem detinha relacionamento
afetivo. A título de exemplo, seguem abaixo os seguintes arestos jurisprudenciais:
LG
APELAÇÃO CRIMINAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. VÍTIMA
ADOLESCENTE MENOR DE 14 ANOS. PRESUNÇÃO RELATIVA DE
VULNERABILIDADE. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. MANUTENÇÃO. 1. O art.
217-a do Código Penal deve ser interpretado sistematicamente com a Lei nº
IA

8.069/90, sendo desarrazoado que o adolescente menor de 14 anos, não


obstante detenha maturidade reconhecida em Lei para ser apenado com
medida socioeducativa, caso venha a praticar ato infracional, seja
presumido destituído de capacidade de autodeterminação sexual. 2.
ER

Confirma-se o juízo absolutório do processado do cometimento do delito de


estupro de vulnerável quando os elementos informativos e probatórios colhidos
revelam que a vítima nutria sentimentos afetivos por aquele agente, sendo a
AT

diferença de idade entre ambos diminuta e a adolescente menor de 14 anos


praticou a relação sexual de maneira espontânea, consciente e consentida,
porquanto o direito penal, como ultima ratio da intervenção estatal na dignidade
humana, objetiva tutelar a liberdade, e não a moralidade sexual (pudor). Apelo
M

conhecido e improvido. (TJGO; ACr 0365244-53.2011.8.09.0141; Santa Cruz de


Goias; Primeira Câmara Criminal; Rel. Des. Jairo Ferreira Júnio; DJGO
07/08/2013; Pág. 629)

14. Quais são as espécies de estupro?


Espécies de estupro: em todas as modalidades a seguir o estupro é crime
hediondo, consumado ou tentado:
(i). estupro simples – art. 213, caput, CP.
(ii). estupro qualificado pela lesão corporal grave – art. 213, § 1º, primeira parte,
CP;

236
(iii). estupro qualificado pela idade da vítima – art. 213, § 1º, parte final, CP;
(iv). estupro qualificado pela morte – art. 213, § 2º, CP;
(v). estupro de vulnerável – art. 217-A, CP.

15. Qual a objetividade jurídica do crime de estupro?


O estupro é um crime pluriofensivo, ou seja, ofende mais de um bem jurídico,
quais sejam:
i. liberdade sexual – é o direito de escolher o parceiro ou a parceira sexual;

O
ii. integridade física ou liberdade individual.

IT
16. O beijo pode ser considerado um ato libidinoso e caracterizar crime de
estupro?
Considera-se libidinoso todo e qualquer ato com conotação sexual (sexo oral, sexo

TU
anal, masturbação, toques íntimos).
Um simples beijo na face ou na boca (selinho) não é considerado ato libidinoso.
Todavia, parte da doutrina entende caracterizar crime de estupro o beijo lascivo
dado à força. Tradicionalmente entende-se lascivo o beijo com intensa volúpia,

RA
carregado de conotação sexual.
Para o nosso concurso (DPESP) podemos estabelecer criticamente as seguintes
premissas em relação ao entendimento tradicional:
* O conceito de beijo lascivo é extremamente subjetivo e de difícil delimitação;
LG
* Ainda que se admitisse essa espécie de beijo como ato libidinoso, a adequação
típica ao crime de estupro restaria prejudicada em razão do princípio da
proporcionalidade. Neste sentido a lição de Bitencourt (aplicável também aos demais
atos libidinosos de menor gravidade):
IA

“Com efeito, a diferença do desvalor da ação que há no sexo anal e oral (e suas
variáveis), praticados com violência, e nos demais atos libidinosos, menos graves, é
incomensurável. Se naqueles a gravidade da sanção cominada (mínimo de seis anos
ER

de reclusão) pode ser considerada razoável, o mesmo não ocorre com os demais atos,
que, confrontados com a gravidade da sanção referida, beiram às raias da
insignificância. Nesses casos, quando ocorrem em lugar público ou acessível ao
público, devem ser desclassificados para a contravenção penal do art. 61 (LCP). Caso
AT

contrário, deve-se declarar sua inconstitucionalidade por violar os princípios da


proporcionalidade, da razoabilidade e da lesividade do bem jurídico”.

17. É possível o estupro no âmbito do matrimônio?


M

Antigamente, entendia-se que não haveria crime porque o homem estaria no


exercício de regular do direito, uma vez que ao celebrar o casamento passava a existir
o débito conjugal. A mulher só podia recusar o marido quando houvesse justa causa
para tanto. Tal entendimento, sufragado por doutrina ultrapassada, representa clara
afronta aos direitos das mulheres.
Evidentemente essa posição não mais se sustenta. O interessante a destacar é
que tal circunstância (estupro contra cônjuge ou companheiro) configura causa de
aumento de pena (art. 226, II).

18. Quem é o sujeito passivo?

237
O estupro é um crime bicomum – é crime comum quanto ao sujeito ativo e comum
também quanto ao sujeito passivo. Ou seja, qualquer pessoa pode estuprar e
qualquer pessoa pode ser estuprada. Antes da Lei 12.015/09, o estupro era crime
bipróprio: só podia ser praticado pelo homem (sujeito ativo) contra a mulher (sujeito
passivo).

19. Como se dá a consumação?


O estupro é crime material ou causal – consuma-se com a efetiva prática da

O
conjunção carnal ou do outro ato libidinoso.

IT
20. Cabe tentativa no crime de estupro?
O estupro é crime plurisubsistente – conduta composta por vários atos, logo
admite a tentativa. Na análise da tentativa do estupro é preciso analisar qual é o dolo

TU
do agente.
A ejaculação precoce configura tentativa de estupro, desde que não tenha
ocorrido a conjunção carnal. Caso praticados outros atos libidinosos o estupro é
consumado.

RA
Disfunção erétil (impotência coeunde) X crime impossível = se o agente
apresenta uma disfunção erétil e esta é comprovada por perícia médica, há crime
impossível (se a conduta pela qual o agente estiver respondendo for penetração). Mas
o agente pode responder por outros atos libidinosos.
LG
Impotência generandi = é a incapacidade reprodutiva e não afeta a configuração do
crime de estupro.

21. Como se dá a prova da autoria e da materialidade do estupro?


IA

O estupro é um crime que pode deixar vestígios materiais e, nesse caso, há


necessidade do corpo de delito (art. 158, CPP). Por ser um crime praticado na
clandestinidade, normalmente não há testemunhas. Dessa forma, a prova por
ER

excelência é a palavra da vítima – art. 201, CPP.

22. O que é a síndrome da mulher de Potifar?


Essa teoria serve para analisar a credibilidade da palavra da vítima no Direito
AT

Penal, especialmente nos crimes sexuais. Muitas vezes uma pessoa rejeitada
sexualmente tenta prejudicar aquela que a rejeitou.

23. Qual espécie de ação penal é cabível para processo envolvendo crime de
M

estupro? Faça comparação entre a sistemática atual e a anterior à Lei 12.015/09.


A antiga redação do art. 225 do CP dispunha que a ação cabível nos casos de
crime de estupro e atentado violento ao pudor era, em regra, privada. É dizer, o
legislador deixava a decisão de promover a persecução penal em juízo sob o crivo do
juízo e oportunidade e conveniência a ser exercido pela vítima.
Sob a égide do regramento anterior, excepcionalmente admitia-se outra forma de
persecução:
* por meio de ação pública condicionada à representação quando a vítima não
podia prover as despesas do processo; ou

238
* pública incondicionada nos casos de crime cometido com abuso do poder familiar
(ou da qualidade de padrasto, tutor ou curador) ou quando resultava violência real
(efetiva lesão na vítima).
A lei 12.015/09 alterou sensivelmente a sistemática, o art. 225 do CP prevê que o
crime de estupro é processado mediante ação penal pública condicionada à
representação, como regra geral. Excepcionalmente, tem-se a imposição de ação
penal pública incondicionada, quando a vítima for pessoa menor de 18 anos ou
vulnerável (conforme jurisprudência recente do STJ -HC 276.510, DJ 11.11.2014- para

O
que a vulnerabilidade transforme a ação em publica incondicionada, a incapacidade
para oferecer resistência à prática dos atos libidinosos deve ser permanente, e não

IT
passageira).
A polêmica surge quando se analisa a hipótese de violência real decorrente do
estupro. A rigor, nos termos da Lei 12.015/2009, a violência não está dentre as

TU
circunstâncias que ensejam a transmutação da ação penal de publica condicionada
para incondicionada.
Todavia, parte da doutrina entende que essa extensão (para admitir ação
incondicionada) é possível diante do teor do artigo 101 do CP 7 e da súmula 608 STF8.

RA
No entanto, o melhor entendimento para a DPESP, ao menos em relação às
lesõesleves, é no sentido do afastamento do art. 101 do CP (e da súmula 608 STF)
para os casos de estupro, pois a lei 12.015/2009 é posterior e trata especificamente
dos crimes contra a dignidade sexual (lei posterior especial derroga lei anterior geral).
LG
Outra discussão existente na doutrina diz respeito à ação penal cabível no crime de
estupro que resulta lesão grave ou morte, parte considerável da doutrina entende ser
cabível ação penal pública incondicionada, apesar do silêncio do CP. Neste sentido, a
PGR ajuizou a ADI 4301 contra o art. 225 do CP, tendo em vista a violação do
IA

princípio da proporcionalidade (proibição do excesso e proibição da proteção


deficiente), pleiteando a interpretação conforme do art. 225 do CPpara que a ação
seja pública incondicionada nos casos de lesão grave e morte (esta ADI aguarda
ER

julgamento).

24. Ainda a respeito da ação penal cabível no crime de estupro, a Lei 12.015/09
deverá retroagir para ser aplicada aos fatos ocorridos anteriormente à sua
AT

vigência?
Apesar de tratar do tema referente à ação penal, a nova lei tem inegável natureza
penal, na medida em que influencia na aplicação de prazos decadenciais para
exercício de direito de queixa ou representação, além de hipótese de extinção da
M

punibilidade pela decadência, perdão do ofendido, perempção etc. Desta feita, deve a
lei nova retroagir tão somente para beneficiar o réu, nos termos do art. 5º, inc. XL, da
CF e art. 2º do CP.
A partir desta constatação, podemos extrair duas premissas:
a) no caso de crime sexual cujo processamento se dava mediante ação penal
privada anteriormente ao advento da lei 12.015/09, não deverá a nova lei retroagir, pois

7
Art. 101. Quando a lei considera como elemento ou circunstância do tipo legal fatos que, por si mesmos,
constituem crimes, cabe ação pública em relação àqueles, desde que, em relação a qualquer destes, se deva
proceder por iniciativa do Ministério Púbico.
8
No crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação é pública incondicionada.

239
mais gravosa ao acusado na medida em que passa a impor ação penal de natureza
pública;
b) na hipótese de ser à época cabível ação penal pública incondicionada (ex. crime
de estupro com lesão leve), deve ser aplicada retroativamente a Lei 12.015/09, na
medida em que passou a prever a necessidade de representação da vítima para
exercício da ação penal pública. Nesse particular, entende Victor Eduardo Rios
Gonçalves que o juiz deverá intimar a vítima para que ela ofereça a representação,

O
salvo se for possível aferir, a partir de seu depoimento colhido em qualquer fase do IP
ou da ação penal, a vontade inequívoca de ver processado o agente.

IT
25. O que se entende por “estelionato sexual”?
A doutrina denomina “estelionato sexual” a hipótese em que o agente se utiliza de
fraude para obter a anuência da vítima para prática de ato libidinoso ou para dificultar a

TU
sua livre manifestação de vontade a respeito da prática do ato sexual.
O art. 215 do CP prevê o crime de “violação sexual mediante fraude”, cuja conduta
típica consiste em “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém,
mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade

RA
da vítima”, sendo cominada pena de 02 a 06 anos de reclusão, cumulando-se à pena
privativa de liberdade a pena de multa, caso o crime seja obtido com o fim de obter
vantagem econômica.
É importante destacar que a Lei 12.015/09 revogou o crime previsto no art. 216 do
LG
CP (atentado ao pudor mediante fraude), tendo havido o fenômeno da continuidade
normativo-típica, posto que a conduta anteriormente tipificada naquele dispositivo legal
passou a ser abarcada pela nova redação típica do art. 215 do CP.
IA

26. Qual a diferença entre o estupro de vulnerável e a violação sexual mediante


fraude?
Esta é a resposta que encontrei no material dos pontos DPE-MG: “O estupro é
ER

crime de violência sexual, enquanto que a violação é crime de abuso sexual. No


estupro de vulnerável (art. 217-A, parágrafo 1º, CP), a vítima já se encontra em alguma
situação que lhe impede de oferecer resistência (idade, deficiência mental ou qualquer
outra causa), enquanto que na violação sexual mediante fraude (art. 215, CP), o agente
AT

se utiliza de uma fraude ou de qualquer outro meio que impeça ou dificulte a livre
manifestação de vontade da vítima. Em outras palavras, no estupro, é a vítima que já
se encontra, por ato dela (exemplo, por ter-se embebedado) ou por deficiência mental,
incapacitada ou com dificuldade de oferecer resistência, enquanto que na violação
M

mediante fraude, a vítima é colocada em uma situação que lhe impede ou dificulte a
resistência (ex.: um sonífero, um “boa noite Cinderela”). Este exemplo é bastante
importante para rebater acusações de estupro quando a pessoa é colocada pelo
agressor em situação que lhe impede ou dificulte a reação: a depender do meio
empregado para tanto (ex.: confiar no médico, que pratica conjunção carnal durante a
anestesia geral), o crime pode caracterizar o do art. 215 do CP e não estupro”.
Pesquisei na doutrina, mas não encontrei semelhante posição. Todavia, decidi
manter a resposta, pois me parece uma razoável tese de defesa.
No entanto, cumpre apresentar a advertência de Bitencourt: “a fraude não pode
anular a capacidade de entendimento ou mesmo de resistência da vítima. Nessa linha,

240
exemplifica Rogério Sanches Cunha, in verbis: ‘A fraude utilizada na execução do
crime não pode anular a capacidade de resistência da vítima, caso em que estará
configurado o delito de estupro de vulnerável (art. 217-A do CP)’”.
Diante do teor dos tipos penais, é possível estabelecer que se a conduta do agente
se prestar a dificultar o impedir a manifestação livre de vontade da vítima o crime será
de violação sexual mediante fraude9; se, por outro lado, visar o agente obstar a
capacidade de resistência estaremos diante de estupro de vulnerável 10.

O
27. A prostituição é considerada crime?
Não, mas tirar proveito desta prostituição é crime de rufianismo (art. 230 do CP).

IT
A exploração sexual ou favorecimento da prostituição de criança e adolescente é
crime hediondo, conforme art. 218-B do CP c.c art. 1º, VII, da Lei 8.072.
A manutenção de casa de prostituição (com ou sem intenção de lucro) está

TU
tipificada no art. 229, não obstante a tolerância da sociedade e de algumas autoridades
públicas. No concurso da DPESP é possível defender a tese atipicidade material.
Todavia, é bom ressaltar que a jurisprudência entende em pleno vigor tal artigo.

RA
28. Aquele que induz criança ou adolescente (menor de 14 anos) a praticar ato
libidinoso com outrem, é partícipe do crime de estupro?
Não. Em análise do artigo 213 com os artigos 218 e 218-B do CP, nota-se que há
exceção pluralista à teoria monista, ou seja, aquele que induz criança ou adolescente a
LG
satisfazer lascívia de outrem comete crime do artigo 218 ou 218-B (este último se no
contexto de prostituição), enquanto quem realiza o ato sexual pratica estupro de
vulnerável, se a vítima tiver menos de 14 anos.
IA

29. No que consiste a chamada Lei Joanna Maranhão? Qual sua aplicabilidade no
tempo?
Trata-se da Lei 12.650 de 2012 que alterou o artigo 111, V, do Código Penal para
estabelecer que nos crimes contra a dignidade sexual de criança e adolescente, o
ER

cômputo do prazo prescricional da pretensão punitiva somente inicia-se quando a


vítima completar 18 anos, salvo se já proposta a ação penal.
Por se tratar de “lex gravior” não retroage, ou seja, somente se aplica aos crimes
AT

praticados após a sua vigência (é exceção à regra de que a prescrição se inicia com a
consumação do crime).

30. Em que consiste o delito de incitar, publicamente, a prática de crime? Qual o


M

objeto Jurídico?
Consiste em excitar (incitar), publicamente, a prática de crime (congtravencao não
configura). Abrange o induzimento e a instigação. A incitação deve ser feita em público,
de modo a ser percebida por um número indefinido de pessoas e deve ser de um crime
determinado (a incitação genérica não é crime).

31. Desfigura o crime de incitação se o agente não comete o crime?

9
Médico que, a pretexto de realizar exame de coluna, pede para a vítima deitar com as costas para cima e acaricia
seus órgãos genitais.
10
Durante intervenção cirúrgica, médico pratica conjunção carnal com paciente sedada.

241
Não desfigura o delito a circunstância de ninguém, em face da incitação, vir a
cometer o crime visado pelo indutor.

32. Qual o Momento consumativo. É possível tentativa?


A consumação ocorre com a percepção, por indeterminado número de pessoas, da
incitação ao crime. É irrelevante que o crime ao qual foram as pessoas incitadas seja
ou não praticado. Trata-se de crime formal. Se cometido, o incitador é partícipe ou
coautor (art. 29, caput, do CP). É admissível a tentativa.

O
33. Explique o crime de "Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de

IT
autor de crime":
O objeto jurídico é a paz pública. • Sujeito ativo Qualquer pessoa. Sujeito
passivo A coletividade. • Conduta típica Consiste em fazer, publicamente, apologia de

TU
autor de crime ou de fato criminoso (o fato crimininoso deve ser individualizado). Fazer
apologia significa exaltar, enaltecer, elogiar.

34. Aquele que faz apologia ou incita a prática de delito culposo comete crime?

RA
Não, pois não pode haver instigação, direta ou indireta, à prática de um ato
involuntário.

35. Para a caracterização do crime previsto no art. 287 do CP é necessária a


LG
existência de sentença condenatória irrecorrível contra o autor do crime
elogiado?
Para Delmanto, sim. Para Hungria, tal circunstância não deve ser exigida, pois não
consta do tipo.
IA

36. A “marcha da maconha” é lícita?


O STF, na ADPF 187, assentou que sim, por tratar-se de movimento social
ER

espontâneo que reivindica, por meio da livre manifestação de pensamento, a


possibilidade de discussão democrática do modelo proibicionista e dos efeitos que esse
modelo produz em termos de incremento de violência. A DPESP tem atuação de
destaque para garantir a realização de tal ato (mandado de segurança coletivo, ACP,
AT

etc).

37. Aponte as diferenças entre o antigo crime de quadrilha ou bando e a


associação criminosa (Lei n. 12.850/2013)?
M

Diferenças do artigo 288 do Código Penal (Decreto-Lei 2.848)

Redação nova - Associação Redação antiga - Quadrilha


Criminosa ou bando

Art. 288. Associarem-se Art. 288 - Associarem-se


trêsoumais pessoas, para o fim maisdetrêspessoas, em quadrilha
específico de cometer crimes. ou bando, para o fim de cometer
crimes.

242
Diferenças do artigo 288 do Código Penal (Decreto-Lei 2.848)

Pena - reclusão, de um a três Pena - reclusão, de um a três


anos. anos.

Parágrafo único. A pena Parágrafo único - A pena aplica-


aumenta-se até a metade se a se emdobro, se a quadrilha ou

O
associação é armadaou se houver bando é armado.
a participação de criança ou
adolescente.

IT
38. Qual diferença entre associação criminosa e organização criminosa?

TU
a) Quanto ao número de participantes
1- Associação: mínimo três;
2- Organização: mínimo quatro.
b) Quanto ao especial fim de agir

RA
1- Associação: cometimento de crimes;
2- Organização: obtenção de vantagem por meio da prática de infrações penais
(crime ou contravenção) cuja pena máxima sejam superiores a 4 anos ou que sejam
transnacionais;
LG
c) Quanto à estrutura/relação entre os componentes
1- Associação: basta a estabilidade e de permanência;
2- Organização: exige-se também estrutura ordenada e caracterizada pela divisão
de tarefas.
IA

49. Qual diferença entre associação criminosa e associação para o tráfico?


O crime de associação criminosa, para ser tipificado, precisar existir no mínimo 3
ER

(três) pessoas, enquanto que no crime de associação para o tráfico precisa de no


mínimo 2 (duas) pessoas. A outra diferença é que o crime de associação criminosa
pode ser praticado em crimes no geral, mas isso não acontece com a associação ao
tráfico, que só pode ser praticado nos crimes definidos nos arts. 33, caput e § 1º, 34 e
AT

36 da Lei de Drogas. Ambos exigem estabilidade e permanência.

40. Quais as distinções entre associação criminosa e concurso de pessoas (art.


29 deste Código)?
M

1ª) na associação criminosa os seus membros associam-se de forma estável e


permanente, ao passo que na codelinquência os sujeitos se associam de forma
momentânea; 2ª) na codelinquência os participantes associam-se para a prática de
determinado crime, antes individuado, ao passo que na associação criminosa os seus
componentes se associam para a prática de indeterminado número de crimes.

41. Qual a diferença entre associação criminosa e concurso de pessoas?


O crime de associação criminosa distingue-se do concurso de pessoas (coautoria
ou participação). Pois no primeiro as pessoas reúnem-se de forma estável, enquanto
no concurso elas se associam de forma momentânea. Além disso, na associação os
agentes visam cometer número indeterminado de infrações, existindo, portanto,
243
intenção de reiteração delituosa; já no concurso, visam à prática de um crime
determinado.

42. A associação de pessoas para a prática reiterada de contravenção penal (jogo


do bicho, por exemplo) constitui o crime?
Não constitui crime de associação, já que o art. 288 se refere expressamente à
união para a prática de crimes.

O
43. Momento consumativo?
Crime formal, consumando-se independentemente da concretização do fim visado.

IT
44. Quais os elementos subjetivos do tipo?
O primeiro é o dolo, vontade de associarem-se, mais de duas pessoas, em

TU
associação criminosa. Exige-se outro, consubstanciado na expressão “para o fim
específico de cometer crimes”, reveladora de um especial fim de agir.

45. Quando haverá causa de aumento decorre da “associação armada” referida

RA
pelo parágrafo único do art. 288 CP?
Não é necessário que todos estejam armados, porém é indispensável demonstrar,
no caso concreto, a maior periculosidade e temibilidade da associação graças ao
emprego de arma.
LG
46. Como ficará se os agentes cometerem também o delito de porte ilegal de
arma de fogo em concurso de crimes?
De acordo com o STJ: “Evidenciado, na hipótese, que os crimes de porte ilegal de
IA

armas e de quadrilha, qualificado pelo uso de armas, se afiguram absolutamente


autônomos, inexistindo qualquer relação de subordinação entre as condutas, resta
inviabilizada a aplicação do princípio da consunção, devendo o réu responder por
ER

ambas as condutas”.

47. Quais condutas compõem o conceito do delito Constituição de Milícia


Privada, do artigo 288-A CP?
AT

As condutas descritas no tipo são: organizar, integrar, manter ou custear


organização paramilitar, milícia particular, grupo ou esquadrão com a finalidade de
praticar qualquer dos crimesprevistosnesteCódigo.
M

48. Quantas pessoas devem integrar, no mínimo, a organização paramilitar,


milícia particular, grupo ou esquadrão (art. 288-A, CP)?
O texto é silente. A primeira corrente é no sentido de que segue a regra da
associação criminosa (mínimo 3). A segunda corrente sustenta que segue a regra da
organização criminosa (mínimo 4).

49. O tipo abrange crimes definidos fora do Código Penal?


A norma só abrange delitos descritos no CP. Assim, ficam de fora os crimes
definidos na legislação extravagante. Houve falha do legislador, pois crimes graves
ficaram fora do alcance do crime do art. 288-A deste Código.

244
PONTO 18
Crimes contra a fé pública.
Crimes contra a administração pública.

Crimes contra a fé pública.

O
1. De quem é a competência para o julgamento de crime de moeda falsa (art. 289,
cp)?

IT
Justiça Federal.

2. É aplicável o princípio da insignificância ao crime de moeda falsa?

TU
Segundo o STF e o STJ, não, uma vez que o bem jurídico tutelado é a fé pública.

3. Qual a diferença entre o crime de moeda falsa e o estelionato?


Se a falsificação for grosseira, configura-se estelionato, de competência estadual

RA
(Súmula 73, STJ). Se a falsificação for de boa qualidade, configura o crime de moeda
falsa, de competência federal.

4. O que significa imitativo veri?


LG
É a aptidão da falsificação da moeda para enganar terceiros.

5. É necessária a constatação em perícia sobre a possibilidade da falsificação da


moeda enganar terceiros?
IA

Existe precedente do STJ dizendo que não. No STF não foi encontrada decisão a
respeito.
ER

6. Qual o momento consumativo dos delitos de moeda falsa?


Com exceção do §3º, do art. 389, prevalece que os delitos são formais. Ou seja, a
mera prática do verbo típico configura o crime, independentemente de qualquer
resultado. Quanto à forma qualificada do art. 389, § 3º, do CP, que trata do delito de
AT

“funcionário público ou diretor, gerente, ou fiscal de banco de emissão que fabrica,


emite ou autoriza a fabricação ou emissão de moeda com título ou peso inferior ao
determinado em lei, e; de papel-moeda em quantidade superior à autorizada” existe
divergência doutrinária sobre ser o crime formal ou material.
M

7. Falsificação de traveller’s check configura o delito de moeda falsa?


Não, pois o cheque de viagens não é moeda.

8. Falsificação de moeda estrangeira configura o delito de moeda falsa?


Sim, o tipo penal fala de moeda de curso legal no estrangeiro.

9. Apor números e letras de cédulas verdadeiras sobre outra configura do tipo do


art. 289, do CP (moeda falsa), ou o tipo do art. 290, do CP (crimes assimilados ao
de moeda falsa)?

245
Existe divergência doutrinária a respeito. Nelson Hungria, em posicionamento
seguido por Rogério Sanches, diz que o art. 289, do CP ocorre quando a moeda é
forjada ex integro ou alterada, enquanto que o art. 290 ocorre a formação de moeda
pela utilização de pedaços de outra nota. Dessa feita, por esse entendimento, a
conduta de alterar nota verdadeira configuraria o art. 289, do CP. Essa corrente é pior
par ao réu, porque o art. 290 tem penas menores. Assim, é mais interessante defender
que se houve a utilização de fragmentos de moeda na falsificação, a conduta configura

O
o art. 290, do CP.

10. O uso de vales e fichas por estabelecimento comercial, representativos de

IT
mercadorias a serem entregues ao cliente (vale 1 salgado, vale 1 refrigerante,
etc), são típicas do art. 292, do CP (emissão de título ao portador sem permissão
legal)?

TU
Não, o tipo legal exige que o título represente obrigação de pagar dinheiro. Ou seja,
não se tipifica a conduta por não terem a atribuição legal de função de crédito.

11. Em relação ao crime de falsificação de falsificação de documento público (art.

RA
297, CP), o que é documento formal e substancialmente público?
É o documento emanado de agente público no exercício de suas funções e seu
conteúdo diz respeito à questões inerentes ao interesse público (atos legislativos,
executivos e judiciários).
LG
12. Em relação ao crime de falsificação de documento público (art. 297, CP), o
que é documento formalmente público, mas substancialmente privado?
Neste caso, o interesse é de natureza privada, mas o documento é emanado de
IA

entes públicos (atos praticados por escrivães, tabeliães).

13. A substituição de fotografia em documento público configura o crime do art.


297, CP?
ER

Para uns, o fato melhor se ajusta ao art. 307 do CP (falsa identidade), vez que o
documento permanece autêntico (não foi forjado). Para outros, como o retrato é parte
integrante do documento, a sua arbitrária e ilícita substituição gera o falso material (art.
AT

297 do CP).

14. O que é documento particular para fins do delito previsto no art. 298, CP?
Por exclusão, documento particular é aquele que foi confeccionado sem a
M

intervenção de funcionário público, mas que por sua natureza e relevância, deve ser
objeto de tutela penal.

15. Cartão de crédito ou débito é documento público ou particular para fins


penais?
Art. 298, parágrafo único: Para fins do disposto no caput, equipara-se a documento
particular o cartão de crédito ou débito.

16. A simulação, estabelecida no cc como causa de nulidade do negócio jurídico,


dá ensejo à falsidade ideológica (art. 299, CP)?

246
A depender do caso concreto, sim. Exemplo: o agente, com propósito de doar bem
imóvel à amante, simula contrato de compra e venda com terceiro, sobre o qual é
lavrada escritura e, posteriormente, o bem é transmitido gratuitamente a quem
efetivamente era destinado (amante). Pela lei civil, o negócio jurídico é nulo. Também
haverá crime de falsidade ideológica, porque no ato em que foi lavrada a escritura,
inseriu-se em documento público declaração falsa (que o imóvel seria transmitido por
compra e venda) com o fim de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante (que

O
se dava a transmissão a título gratuito a pessoa que não poderia receber o bem
naquelas condições).

IT
17. Há crime de falsidade ideológica quando o sujeito firma declaração inverídica
de pobreza para fins processuais?
O STJ tem reiteradamente decidido que não há crime nesses casos, porque o

TU
conteúdo do documento está sujeito à fiscalização da autoridade judicial (HC n.
217.657/SP). OBS.: A falsidade material, bem como a falsidade ideológica, devem ser
aptas a iludir, caso contrário, o fato será atípico.

RA
18. Se o usuário de documento falso é a mesma pessoa que falsificou o
documento, haverá concurso de crimes?
Se o usuário foi quem falsificou o documento, teremos apenas o crime de falso
(arts. 297 a 302, CP), ficando o crime de uso (art. 304, CP), absorvido (post factum
LG
impunível).

19. De quem é a competência para processar a julgar os crimes de falsificação e


uso de documento falso relativo a estabelecimento particular de ensino? E
IA

quanto ao uso de passaporte falso? E quanto à falsificação e uso de CIR ou CHA


expedidas pela marinha?
Súmula 104/STJ: Compete à justiça estadual o processo e julgamento dos crimes
ER

de falsificação e uso de documento falso relativo a estabelecimento particular de


ensino. Súmula 200/STJ: O juízo federal competente para processar e julgar acusado
de crime de uso de passaporte falso é o do lugar onde o delito se consumou.
Súmula Vinculante 36: Compete à Justiça Federal comum processar a julgar civil
AT

denunciado pelos crimes de falsificação e de uso de documento falso quando se tratar


de falsificação Caderneta de Inscrição e Registro (CIR) ou de Carteira de Habilitação
Amador (CHA), ainda que expedidas pela Marinha do Brasil. OBS.: Súmula 155/STJ: A
competência para o processo e julgamento por crime de contrabando ou descaminho
M

define-se pela prevenção do juízo federal do lugar da apreensão dos bens. Súmula
244/STJ: Compete ao foro do local da recusa processar e julgar o crime de estelionato
mediante cheque sem provisão de fundos. Súmula 48/STJ: Compete ao juízo do local
da obtenção da vantagem ilícita processar e julgar crime de estelionato cometido
mediante falsificação de cheque.

20. O princípio da autodefesa alcança aquele que atribui a si falsa identidade


perante autoridade policial a fim de evitar prisão ou ocultar maus antecedentes?
STF (repercussão geral - STF. Plenário. RE 640139 RG, Rel. Min. Dias Toffoli,
julgado em 22/09/2011) e STJ possuem entendimento pacificado no sentido de que é

247
típica a conduta de atribuir-se falsa identidade no intuito de evitar prisão ou ocultar
maus antecedentes. Tais condutas não estão abrangidas pelo princípio da autodefesa
(STF: HC 112846/MG, STJ: REsp 1291312/RS).

21. A pessoa que recebe veículo com sinal identificador adulterado pratica o
crime do art. 311, CP (adulteração de sinal identificador de veículo automotor)?
A pessoa que recebe veículo já adulterado, sabendo dessa circunstância, não

O
pratica o delito do art. 311 do CP, mas sim receptação. Se recepta o veículo e, em
seguida, promove a adulteração, será responsabilizado por ambos os crimes em
concurso material.

IT
22. A colocação de fita adesiva para altarerar a placa de veículo é conduta típica?
Sim, o STF já decidiu que a conduta é típica (art. 311, CP – RHC 116371/DF). As

TU
placas automotivas são sinais identificadores externos dos veículos e sua alteração é
capaz de frustrar a fiscalização.

23. A simples substituição de placas de um veículo pelas de outro (sem adulterar

RA
ou remarcar número) configura crime?
O STJ entende que sim (HC 285.208/SP). No mesmo sentido é a jurisprudência do
STF (HC 86424/SP).
LG
24. A cola eletrônica, antes tida como atípica pelos tribunais superiores, passou a
ser crime (art. 311-A)?
Rogério Sanches: Apesar de muitos acreditarem que a cola eletrônica, agora,
passou a ser crime, pensamos que a tipicidade vai depender da análise do caso
IA

concreto. Se o modo de execução envolve terceiro que, tendo acesso privilegiado ao


gabarito da prova, revela ao candidato do concurso público as respostas aos quesitos,
pratica, junto com o candidato, o crime do art. 311-A, CP (aquele por divulgar, e este,
ER

por utilizar o conteúdo secreto em benefício próprio). Já nos casos em que o candidato,
com ponto eletrônico no ouvido, se vale de um terceiro expert para lhe revelar as
alternativas corretas, permanece o fato atípico (apesar de seu grau de reprovação
social), pois os sujeitos envolvidos (candidato e terceiro) não trabalharam com
AT

conteúdo sigiloso (o gabarito continuou secreto para ambos). Em resumo: valendo-se


de conteúdo sigiloso – art. 311-A, CP; não valendo-se de conteúdo sigiloso – fato
atípico.
M

Dos Crimes contra a Administração Pública.

1. Qual o panorama da jurisprudência atual quanto a aplicação do princípio da


insignificância aos crimes contra a Administração Pública?
No STJ prevalece que não se aplica, em regra, o princípio da insignificância aos
crimes contra a Administração Pública, ainda que o valor da lesão possa ser
considerado ínfimo, uma vez que a norma visa resguardar não apenas o aspecto
patrimonial, mas, principalmente, a moral administrativa.

248
Há, contudo, uma exceção: admite-se o princípio da insignificância ao crime de
descaminho, que, topograficamente, está inserido no Título XI do Código Penal, que
trata sobre os crimes contra a administração pública. Segundo o STJ, “a insignificância
nos crimes de descaminho tem colorido próprio, diante das disposições trazidas na Lei
n. 10.522/2002”, o que não ocorre com outros delitos, como o peculato etc. No STF, há
julgados mais antigos da 2ª Turma admitindo a aplicação do princípio, como foi o caso
do HC 107370, julgado em 26/04/2011.

O
2. Quais são as espécies de peculato previstas no CP?
O art. 312 do Código Penal contém quatro espécies de peculato, três dolosas e

IT
uma culposa: (a) peculato apropriação (caput, 1ª parte); (b) peculato desvio (caput,
parte final); (c) peculato furto (§ 1º); e (d) peculato culposo (§ 2º).
As duas primeiras (apropriação e desvio) são também conhecidas como peculato

TU
próprio, enquanto a terceira é doutrinariamente classificada como peculato impróprio.
Por sua vez, o art. 313 do Código Penal prevê o peculato mediante erro de outrem,
também chamado de “peculato estelionato”. E, finalmente, o art. 313-A do Código
Penal contempla o crime de inserção de dados falsos em sistemas de informações,

RA
apelidado de “peculato eletrônico”.

3. O que é peculato apropriação?


O peculato, em sua essência, nada mais é do que a apropriação indébita cometida
LG
por funcionário público como decorrência do abuso do cargo ou infidelidade a este. No
peculato apropriação o núcleo do tipo é “apropriar-se”, ou seja, posicionar-se em
relação à coisa como se fosse seu proprietário (animus domini). O sujeito comporta-se
como se fosse dono do objeto material, retendo-o, consumindo-o, destruindo-o,
IA

alienando-o etc.

4. O que é peculato desvio?


ER

No peculato desvio o núcleo do tipo é “desviar”, equivalente a distrair ou


desencaminhar. O sujeito confere à coisa destinação diversa da inicialmente prevista:
ao contrário do destino certo e determinado do bem de que tem a posse, o funcionário
público lhe dá outro, em proveito próprio ou de terceiro. Este proveito pode ser material
AT

ou moral. O desvio há de ser em proveito do funcionário público ou de terceiro, pois, se


a beneficiária for a própria Administração Pública, incidirá o crime de emprego irregular
de verbas ou rendas públicas (art. 315 do CP).
M

5. O que é peculato estelionato?


Consiste na captação indevida, por parte do funcionário público, de dinheiro ou
qualquer outra utilidade mediante o aproveitamento ou manutenção do erro alheio. O
“peculato estelionato” nada mais é do que uma modalidade especial de apropriação de
coisa havida por erro, diferenciada pelo sujeito ativo, ou seja, um funcionário público
prevalecendo-se das facilidades proporcionadas pelo exercício da função pública.

6. O que é o chamado “peculato eletrônico”?


Este crime foi introduzido no Código Penal pela Lei 9.983/2000. A denominação
atribuída ao delito se deve a duas razões: (a) cuida-se de crime funcional, cujas penas

249
são as mesmas cominadas ao peculato em seu tipo primário (CP, art. 312); e (b) a
conduta diz respeito à atuação do funcionário público que insere dados falsos, altera ou
exclui indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados
da Administração Pública, revelando a ligação deste crime com meios eletrônicos ou
automatizados.

7. O que é peculato furto?

O
Trata-se de modalidade de peculato que se assemelha ao furto, razão pela qual é
chamado de peculato furto ou peculato impróprio. Constitui-se, em crime funcional
impróprio: ausente a condição de funcionário público, desaparece o peculato, mas

IT
subsiste intacto o delito de furto. Os núcleos do tipo são “subtrair” e “concorrer” para a
subtração. Cuida-se de crime de concurso necessário, pois reclama a presença de ao
menos duas pessoas: o particular que subtrai a coisa móvel, ciente da colaboração do

TU
funcionário público, e o funcionário público, que conscientemente concorre para a
subtração alheia. Há necessidade de imputação do peculato a todos os sujeitos que de
qualquer modo concorram para o crime, sejam eles funcionários públicos (intraneus) ou
particulares (extraneus) – a qualidade de funcionário público, ainda que de natureza

RA
pessoal, comunica-se a todos os agentes, por se tratar de elementar do delito (art. 30
do CP). A colaboração para a subtração alheia deve ser dolosa. Se ocorrer
colaboração por imprudência ou negligência, haverá peculato culposo para o
funcionário público (art. 312, § 2º, do CP) e furto (art. 155 do CP) para o particular, não
LG
se podendo falar, nesse caso, em concurso de pessoas, pois ausente o vínculo
subjetivo entre os envolvidos.

8. O que acontece se há reparação do dano em caso de peculato culposo?


IA

A reparação do dano pode manifestar-se sob duas formas: (a) devolução do objeto
material do crime; e (b) ressarcimento do prejuízo causado ao ofendido. Se a
reparação do dano for anterior ao trânsito em julgado da sentença condenatória, estará
ER

caracterizada uma causa extintiva da punibilidade, prevista fora do rol exemplificativo


do art. 107 deste Código. Se a reparação do dano ocorrer depois do trânsito em
julgado da condenação, importará na redução da pena pela metade. Em ambos os
casos – extinção da punibilidade e redução da pena pela metade – a reparação do
AT

dano deve ser completa e não exclui eventual sanção administrativa contra o
funcionário público.

9. Como se posiciona a jurisprudência em caso de peculato de uso?


M

Segundo a doutrina e jurisprudência majoritárias, é atípico o uso momentâneo de


coisa infungível, sem a intenção de incorporá-la ao patrimônio pessoal ou de terceiro,
seguido da sua integral restituição a quem de direito. A jurisprudência aponta uma
exceção, qual seja, se o agente é Prefeito, haverá crime porque existe expressa
previsão legal nesse sentido no art. 1º, II, do Decreto-Lei n.° 201/67. Por fim, vale
mencionar que tramita no Congresso Nacional um projeto de lei para tornar típica a
conduta do peculato de uso.

10. Conceitue o crime de concussão.

250
A concussão é crime em que o funcionário público, valendo-se do respeito ou
mesmo receio que sua função infunde, impõe à vítima a concessão de vantagem a que
não tem direito. Há violação da probidade do funcionário público e abuso da autoridade
ou poder de que dispõe. São, portanto, elementos da concussão: (a) exigência de
vantagem indevida; (b) que esta vantagem tenha como destinatário o próprio
concussionário ou então um terceiro; e (c) que a exigência seja ligada à função do
agente, mesmo que esteja fora dela ou ainda não a tenha assumido.

O
11. Qual a distinção entre concussão e corrupção passiva?
Concussão e corrupção passiva (CP, art. 317) são crimes semelhantes. Ambos

IT
estão no capítulo pertinente aos crimes praticados por funcionário público contra a
Administração em geral, e nos dois delitos a finalidade do agente é alcançar, para si ou
para outrem, uma vantagem indevida, ainda que fora da função ou antes de assumi-la,

TU
mas em razão dela. Entretanto, na concussão há uma ameaça, imposição ou
intimidação; na corrupção passiva, um pedido, recebimento ou anuência quanto ao
recebimento da vantagem indevida.

RA
12. Quando há a consumação do crime de concussão?
Firmou-se em sede jurisprudencial o entendimento no sentido de tratar-se de crime
formal, de consumação antecipada ou de resultado cortado: consuma-se com a
exigência – que deve chegar ao conhecimento da vítima – pelo funcionário público,
LG
para si ou para outrem, da vantagem indevida, prescindindo-se do seu recebimento.

13. Quais são as espécies de corrupção passiva citadas pela doutrina?


A doutrina separa a corrupção passiva em quatro espécies distintas, divididas em
IA

dois blocos: (a) própria e imprópria; e (b) antecedente ou subsequente. a) Corrupção


passiva própria e imprópria – O fator de diferenciação é a licitude ou ilicitude do ato
funcional sobre o qual incide a venalidade do agente. Na corrupção passiva própria, o
ER

funcionário público negocia um ato ilícito. Na corrupção passiva imprópria, o ato sobre
o qual recai a transação é lícito. b) Corrupção passiva antecedente e subsequente – O
critério de distinção diz respeito ao momento da negociação da vantagem indevida.
Corrupção passiva antecedente é aquela em que a vantagem indevida é entregue ou
AT

prometida ao funcionário público em vista de uma ação ou omissão futura. Na


corrupção passiva subsequente, a recompensa relaciona-se a um comportamento
pretérito.
M

14. Como se configura a corrupção passiva?


Quanto ao nucleo do tipo “solicitar”, o funcionário público limita-se a manifestar
perante outrem seu desejo de receber alguma vantagem indevida, e o particular pode
ou não atendê-lo, pois não se sente atemorizado. Se cede aos anseios do corrupto, o
faz por deliberada manifestação de vontade, uma vez que pretende obter benefícios
em troca da vantagem prestada. “Receber” é entrar na posse de um bem, aceitando a
entrega efetuada por outrem.
A oferta de vantagem indevida emana de uma terceira pessoa, e o funcionário
público não só a aceita, como também a recebe. ”Aceitar” a promessa significa o
comportamento do funcionário público de anuir com o recebimento da vantagem

251
indevida. Há uma proposta concretizada por terceira pessoa (extraneus), com a qual
concorda o intraneus. Importante destacar, porém, que não se opera o efetivo
recebimento da vantagem indevida, pois nesse caso aplica-se o núcleo anterior
(“receber”).

15. O que se entende por corrupção passiva exaurida?


Trata-se da ocorrência da causa de aumento da pena. A maior reprovabilidade da

O
conduta repousa na efetiva violação do dever funcional, consistente no retardamento
ou abstenção de ato de ofício, ou prática de ato contrário à função pública. Nas duas
primeiras hipóteses, o ato é lícito (corrupção passiva imprópria), mas retardado ou

IT
omitido pelo agente; na última, o ato é ilícito (corrupção passiva própria), e mesmo
assim o funcionário público o pratica. A corrupção passiva é crime formal, mas o
legislador deixou claro que a superveniência do resultado naturalístico apresenta

TU
relevância jurídica. De fato, com o exaurimento surge a causa de aumento em
comento, razão pela qual este crime já foi chamado pelo STF de corrupção passiva
exaurida.

RA
16. Qual a diferença entre a corrupção passiva privilegiada e a prevaricação?
A diferença reside no elemento subjetivo específico que norteia a atuação do
funcionário público. Na corrupção passiva privilegiada, o agente pratica, deixa de
praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou
LG
influência de outrem. Visualiza-se a intervenção de um terceiro, ainda que indireta ou
até mesmo desconhecida por este, no comportamento do funcionário público. Já na
prevaricação o agente retarda ou deixa de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou o
pratica contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento
IA

pessoal. Fica nítido, portanto, a ausência de intervenção de qualquer outra pessoa


neste crime, pois o móvel do funcionário público é o interesse ou sentimento pessoal.

17. Como o candidato conceitua o crime de prevaricação?


ER

Prevaricação é a infidelidade ao dever de ofício, à função exercida. É o não


cumprimento pelo funcionário público das obrigações que lhe são inerentes, em razão
de ser guiado por interesses ou sentimentos próprios. Nosso Código Penal
AT

compreende a omissão de ato funcional, o retardamento e a prática, sempre contrários


à disposição legal. O funcionário público, utilizando seu cargo para a busca da
satisfação de interesse ou sentimento pessoal, afronta o princípio da impessoalidade
(CF, art. 37, caput), cujo conteúdo “significa basicamente que o agente de governo, no
M

exercício de sua função, deve mover-se por padrões objetivos, e não por interesses ou
inclinações particulares, próprias ou alheias”.

18. O que é a prevaricação imprópria?


Trata-se do crime previsto no art. 319-A do CP, consistente em “deixar o Diretor de
Penitenciária e/ou agente público, de cumprir o seu dever de vedar ao preso o acesso
a aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros
presos ou com o ambiente externo”.

19. Qual o conceito de funcionário público trazido pelo CP?

252
De acordo com o código, considera-se funcionário público, para os efeitos penais,
quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou
função pública. Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou
função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço
contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração
Pública.

20. Qual a distinção entre os crimes de resistência e desobediência?

O
O crime de desobediência apresenta pontos em comum com o delito de resistência
(CP, art. 329), mas deste se diferencia pela ausência de emprego de violência ou

IT
ameaça ao funcionário público competente, daí resultando o tratamento menos severo
dispensado pelo legislador. Esta é razão pela qual a desobediência também é
chamada de “resistência passiva”, enquanto a resistência é conhecida como

TU
“desobediência belicosa”.

21. Qual o entendimento da jurisprudência quanto à cumulatividade do crime de


desobediência com sanção de outra natureza?

RA
A doutrina e a jurisprudência firmaram-se no sentido de que, quando alguma lei
comina determinada sanção civil ou administrativa para o descumprimento de ordem
legal de funcionário público, somente incidirá o crime em análise se a mencionada lei
ressalvar expressamente a aplicação cumulativa do delito de desobediência. Incide na
LG
espécie o princípio da independência das instâncias civil, administrativa e penal. Nesse
sentido:
538 – STJ - DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA DE URGÊNCIA
PREVISTA NA LEI MARIA DA PENHA.
IA

O descumprimento de medida protetiva de urgência prevista na Lei Maria da


Penha (art. 22 da Lei 11.340/2006) não configura crime de desobediência (art. 330
do CP). De fato, o art. 330 do CP dispõe sobre o crime de desobediência, que
ER

consiste em “desobedecer a ordem legal de funcionário público”. Para esse crime,


entende o STJ que as determinações cujo cumprimento seja assegurado por
sanções de natureza civil, processual civil ou administrativa retiram a tipicidade do
delito de desobediência, salvo se houver ressalva expressa da lei quanto à
AT

possibilidade de aplicação cumulativa do art. 330 do CP (HC 16.940-DF, Quinta


Turma, DJ 18/11/2002). (...) Vale ressaltar que, a exclusão do crime em questão
ocorre tanto no caso de previsão legal de penalidade administrativa ou civil como
no caso de penalidade de cunho processual penal. Assim, quando o
M

descumprimento da medida protetiva der ensejo à prisão preventiva, nos termos do


art. 313, III, do CPP, também não há falar em crime de desobediência.

22. Quais são os requisitos para a configuração do crime de desacato?


A realização de uma conduta objetivamente capaz de menosprezar a função
pública exercida por determinada pessoa. Em outras palavras, ofende-se o funcionário
público com a finalidade de humilhar a dignidade e o prestígio da atividade
administrativa. Cuida-se de crime de forma livre, compatível com os mais diversos
meios de execução (palavras, gestos, ameaça, vias de fato, bem como qualquer outro
meio indicativo do propósito de ridicularizar o funcionário público). É pressuposto do

253
desacato seja a ofensa proferida na presença do funcionário público, pois somente
assim estará evidenciada a finalidade de inferiorizar a função pública.

23. Qual a distinção entre desacato e injúria contra funcionário público?


O crime de injúria pode ser cometido na presença ou na ausência da vítima, desde
que a ofensa chegue ao seu conhecimento, com potencialidade para arranhar sua
honra subjetiva (o juízo que cada pessoa faz de si própria). Essa é a regra geral,

O
excepcionada quando o ofendido é funcionário público. Nesse caso, se a ofensa é
realizada na presença do funcionário público, no exercício da função ou em razão dela,
não se trata de simples agressão à sua honra, mas de desacato, arrolado pelo

IT
legislador entre os crimes contra a Administração Pública. Na injúria, por sua vez, a
ofensa não é lançada na presença do funcionário público, relacionando-se, todavia, à
função pública por ele exercida.

TU
24. O crime de desacato é convencional?
A DPE-SP apresentou uma denúncia à CIDH alegando a violação aos arts. 7 (2) e
13 da CADH. Ademais, a Relatoria para Liberdade de Expressão da Comissão

RA
Interamericana de Direitos Humanos já concluiu que as leis nacionais que estabelecem
crimes de desacato são contrárias ao artigo 13 da CADH. Desta forma, ninguém
poderia ser condenado criminalmente e ter a sua liberdade pessoal restringida por uma
norma de direito interno que colidisse com a Convenção.
LG
25. No que consiste o crime de corrupção ativa?
Trata-se de crime do particular contra a administração pública, consistente em
oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a
IA

praticar, omitir ou retardar ato de ofício. A corrupção ativa é crime formal, de


consumação antecipada ou de resultado cortado: consuma-se com a oferta ou
promessa de vantagem indevida ao funcionário público, independentemente da sua
ER

aceitação. É prescindível a prática, omissão ou retardamento do ato de ofício.

26. Qual a diferença entre contrabando e descaminho?


Contrabando é a importação ou exportação de mercadorias cuja entrada no País
AT

ou saída dele é absoluta ou relativamente proibida. Sua incriminação encontra-se na 1ª


parte do art. 334, caput, do Código: “Importar ou exportar mercadoria proibida (...)”. Por
sua vez, descaminho, também conhecido como “contrabando impróprio”, é a fraude
utilizada para iludir, total ou parcialmente, o pagamento de impostos de importação ou
M

exportação. Está descrito na parte final do citado dispositivo legal: “(...) ou iludir, no
todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída
ou pelo consumo de mercadoria”.

27. Aplica-se o princípio da insignificância ao crime de descaminho?


Em face da natureza tributária do crime de descaminho, é possível a incidência do
princípio da insignificância, como causa supralegal de exclusão da tipicidade, nas
hipóteses em que, embora realizada a conduta legalmente descrita (tipicidade formal),
não houver risco de lesão ao bem jurídico penalmente tutelado (ausência de tipicidade
material).

254
A jurisprudência criou a tese de que nos crimes tributários, para decidir se incide ou
não o princípio da insignificância, será necessário analisar, no caso concreto, o valor
dos tributos que deixaram de ser pagos. Tradicionalmente, esse valor era de 10 mil
reais. Esse valor foi fixado pela jurisprudência tendo como base o art. 20 da Lei n.
10.522/2002, que determina o arquivamento das execuções fiscais cujo valor
consolidado for igual ou inferior a R$ 10.000,00.
Recentemente, foi publicada a Portaria MF nº 75, de 29/03/2012, na qual o Ministro

O
da Fazenda determinou, em seu art. 1º, inciso II, “o não ajuizamento de execuções
fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado seja igual ou inferior
a R$ 20.000,00 (vinte mil reais).” Diante desse aumento produzido pela Portaria,

IT
começou a ser defendida a tese de que o novo parâmetro para análise da
insignificância penal nos crimes tributários passou de 10 mil reais (de acordo com o art.
20 da Lei n. 10.522/2002) para 20 mil reais (com base na Portaria MF 75). A

TU
jurisprudência encontra-se dividida. Para o STJ o valor máximo para aplicação do
princípio da insignificância no caso de crimes contra a ordem tributária (incluindo o
descaminho) continua sendo de 10 mil reais. Por outro lado, para o STF o fato de as
Portarias 75 e 130/2012 do Ministério da Fazenda terem aumentado o patamar de 10

RA
mil reais para 20 mil reais produz efeitos penais. Logo, o novo valor máximo para fins
de aplicação do princípio da insignificância nos crimes tributários passou a ser de 20
mil reais.
LG
28. Qual a competência para o julgamento dos crimes de contrabando e
descaminho?
Os crimes de contrabando e descaminho são de competência da Justiça Federal,
pois ofendem interesses da União. Enquadram-se, portanto, na regra prevista no art.
IA

109, IV, da CF.

29. É necessária a constituição do crédito tributário para a persecução penal pelo


crime de descaminho?
ER

Duas correntes:
“A Turma entendeu que não há justa causa para a ação penal quanto ao crime de
descaminho quando o crédito tributário não está devidamente constituído. Apenas com
AT

a sua constituição definitiva no âmbito administrativo realiza-se a condição objetiva de


punibilidade sem a qual não é possível a instauração de inquérito policial ou a
tramitação de ação penal” (STJ: RHC 31.368/PR, 5ª Turma, j. 08.05.2012, Informativo
497)
M

“O crime de descaminho se perfaz com o ato de iludir o pagamento de imposto


devido pela entrada de mercadoria no país. Não é necessária, assim, a apuração
administrativo-fiscal do montante que deixou de ser recolhido para a configuração do
delito. Trata-se, portanto, de crime formal, e não material, razão pela qual o resultado
da conduta delituosa relacionada ao quantum do imposto devido não integra o tipo
legal. Em suma: a configuração do crime de descaminho, por ser formal, independe da
apuração administrativo-fiscal do valor do imposto iludido, embora este possa orientar a
aplicação do princípio da insignificância quando se tratar de conduta isolada” (STJ: HC
218.961/SP, rel. 5ª Turma, j. 15.10.2013)

255
30. Quando há alteração do preço da mercadoria para iludir o pagamento de
tributo, o agente responde por qual crime?
Responderá apenas pelo crime de descaminho, e não por este em concurso com o
de falsidade ideológica, o agente que, com o fim exclusivo de iludir o pagamento de
tributo devido pela entrada de mercadoria no território nacional, alterar a verdade sobre
o preço desta. Isso porque, na situação em análise, a primeira conduta realizada pelo
agente, com adequação típica no art. 299 do CP, serve apenas como meio para

O
alcançar o fim pretendido, qual seja, a realização do fato previsto como crime no art.
334 do CP. Trata-se, pois, de uma das hipóteses em que se aplica o princípio da
consunção, quando um crime é meio necessário ou normal fase de preparação ou de

IT
execução de outro crime. Nesse contexto, evidenciado o nexo entre as condutas e
inexistindo dolo diverso que enseje a punição do falso como crime autônomo, fica este
absorvido pelo descaminho” (STJ: RHC 31.321/PR, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 5ª

TU
Turma, j. 16.05.2013, noticiado no Informativo 523).

31. Qual o conceito de funcionário público estrangeiro trazido pelo CP?


De acordo com o Código, considera-se funcionário público estrangeiro, para os

RA
efeitos penais, quem, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo,
emprego ou função pública em entidades estatais ou em representações diplomáticas
de país estrangeiro. Além disso, equipara-se a funcionário público estrangeiro quem
exerce cargo, emprego ou função em empresas controladas, diretamente ou
LG
indiretamente, pelo Poder Público de país estrangeiro ou em organizações públicas
internacionais.

32. Qual a diferença entre os crimes de denunciação caluniosa e calunia?


IA

Principais diferenças entre os delitos: 1) quanto ao bem jurídico penalmente


tutelado: a calúnia é crime contra a honra; a denunciação caluniosa atenta contra a
Administração da justiça; 2) no plano da tipicidade, na calúnia o sujeito se limita a
ER

imputar a alguém, falsamente e perante terceira pessoa, a prática de fato definido


como crime, com o objetivo de ofender a honra objetiva da vítima; na denunciação
caluniosa ele não apenas atribui à vítima, falsamente, a prática de um delito, mas leva
esta imputação ao conhecimento da autoridade pública, movimentando a máquina
AT

estatal mediante a instauração de investigação policial, de processo judicial,


instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade
administrativa; 3) a calúnia pressupõe a imputação falsa de crime; a denunciação
caluniosa admite a imputação falsa de crime ou de contravenção penal (art. 339, § 2º,
M

do CP); 4) na denunciação caluniosa a ação penal sempre é pública incondicionada; na


calúnia a ação penal em regra é privada; e 5) a denunciação caluniosa é crime de
elevado potencial ofensivo, incompatível com as disposições da Lei 9.099/1995, salvo
na imputação falsa de contravenção penal, hipótese em que desponta como crime de
médio potencial ofensivo; a calúnia, em sua modalidade fundamental (art. 138, caput,
do CP), é infração penal de menor potencial ofensivo.

33. No que consiste o crime de falso testemunho?

256
Consiste em fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha,
perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito
policial, ou em juízo arbitral.

34. Existe alguma peculiaridade quando o crime de falso testemunho é cometido


em sede de ação penal no Tribunal do Juri?
Se o crime foi cometido no bojo de ação penal de competência do Tribunal do Júri,

O
o falso testemunho ou falsa perícia deverá ser analisado pelo Conselho de Sentença
que, em resposta a quesito especial elaborado pelo juiz presidente, irá reconhecer ou
negar a prática do delito. Uma vez reconhecido pelos jurados o crime definido no § 1º

IT
do art. 342 do CP, o magistrado não poderá condenar imediatamente a testemunha ou
perito, sob pena de proferir sentença sem prévia acusação formal e possibilidade de
defesa, em manifesta violação a diversos princípios constitucionais, a exemplo do

TU
contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV e LV). Na
verdade, o juiz deverá remeter cópia do depoimento falso e da decisão do Conselho de
Sentença, além de outras peças pertinentes à Delegacia de Polícia, para instauração
de inquérito policial.

RA
35. Qual a diferença entre estelionato e fraude processual?
O estelionato e a fraude processual apresentam um ponto em comum: o emprego
da fraude (artifício) como meio de execução. Daí a razão de o crime em análise ser
LG
também conhecido como “estelionato processual”. O estelionato (art. 171 do CP) é
crime contra o patrimônio, razão pela qual o sujeito ativo induz ou mantém alguém em
erro para obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita em prejuízo alheio. A fraude
processual é crime contra a Administração da justiça. O agente inova artificiosamente
IA

no processo com o escopo de induzir a erro o juiz ou o perito, pois a prova falsa se
destina a obter um julgamento favorável ou prejudicial, dependendo do seu interesse
no caso concreto.
ER

36. No que consiste o crime de favorecimento pessoal?


O favorecimento pessoal, também conhecido como homizio, consiste no auxílio
prestado para que o autor de crime não seja alcançado pela autoridade pública,
AT

mediante a dissimulação do criminoso ou facilitação de sua fuga. A incriminação limita-


se, portanto, à assistência prestada ao autor de fato delituoso para subtrair-se da ação
do representante do Estado. A análise do tipo deixa claro que o favorecimento pessoal
depende da prática anterior de um crime. Trata-se, pois, de crime acessório, de fusão
M

ou parasitário.

37. Quais são as espécies de favorecimento pessoal?


Qualquer crime anterior abre ensejo ao surgimento do favorecimento pessoal.
Entretanto, a natureza (e não a quantidade) da pena cominada ao delito antecedente
autoriza a divisão do crime tipificado no art. 348 do Código Penal em duas espécies: (a)
Favorecimento pessoal simples: ao crime anterior é cominada pena de reclusão
(caput); (b) Favorecimento pessoal privilegiado: ao crime anterior não é cominada pena
de reclusão, podendo ser detenção ou de natureza diversa.

257
38. Se quem presta o auxílio é ascendente, descendente, cônjuge ou irmão do
autor do fato delituoso, o que acontece?
Fica isento de pena, incidindo escusa absolutória prevista no §2º do art. 348 do CP.

39. No que consiste o favorecimento real?


Consiste em prestar ao autor de fato delituoso, fora dos casos de coautoria ou de
receptação, auxílio destinado a tornar seguro o proveito do crime. Cuida-se de delito

O
acessório, de fusão ou parasitário, pois reclama a prática de um crime anterior, de
qualquer natureza. Todavia, ao contrário do que se verifica no favorecimento pessoal
(art. 348), aqui o agente não se preocupa em proteger a pessoa autora do delito – o

IT
auxílio é efetuado com o propósito de tornar seguro o proveito do crime, como medida
de gentileza ou de amizade com o autor do delito antecedente.

TU
40. Quais as principais diferenças entre favorecimento real e pessoal?
a) não foi prevista escusa absolutória, ou seja, a circunstância de ser o sujeito ativo
parente próximo ou cônjuge do favorecido não importa em isenção da pena; b) é
irrelevante, para fins de caracterização do crime, o fato de o favorecido ser inculpável,

RA
de já ter se operado a extinção da punibilidade (salvo nas hipóteses de abolitio criminis
e anistia, que levam ao desaparecimento do crime antecedente) ou de possuir em seu
favor, relativamente ao delito anterior, uma escusa absolutória; c) não há favorecimento
real quando o crime antecedente permaneceu na esfera da tentativa, pois nesse caso
LG
não há proveito a assegurar; e d) o crime anterior deve proporcionar ao seu autor
algum proveito, ao passo que no favorecimento pessoal o delito antecedente pode ser
de qualquer natureza.
IA

41. Tabela:

Concussão Corrupção Corrupção Prevaricaçã Peculato


passiva ativa o
ER

Previs Art. 316, CP Art. 317, CP Art. 333, CP Art. 319, CP Art. 312, CP
ão
Pena 2 a 8 anos e 2 a 12 anos e 2 a 12 anos e 3 meses a 1 2 a 12 anos e
AT

multa (reclusão) multa (reclusão) multa ano e multa multa (reclusão)


(reclusão) (detenção)
Tipo Funcionário Funcionário Particular Funcionário Funcionário
penal público EXIGE público OFERECE público público DESVIA
M

para si ou para SOLICITA ou ou RETARDA ou APROPRIA-


outro, vantagem RECEBE PROMETE ou DEIXA DE SE de dinheiro,
indevida em vantagem vantagem PRATICAR, valor ou
razão do cargo indevida em indevida a indevidament qualquer bem,
que ocupa – razão do cargo funcionário e, um ato que público ou
ainda que fora da que ocupa – público para deveria particular, de
(f) ainda que fora que ele obrigatoriame que tem posse
+ pode configurar da (f) pratique, nte fazer, ou em função do
modalidade + 1/3 se retarda atrase ou quando cargo, em
excesso de ou deixa de deixe de pratica um proveito próprio

258
exação exige praticar ato de praticar ato de ofício ou de outra
tributo ou oficio ou pratica determinado contra pessoa
contribuição infringindo ato que é seu disposição Mesma pena se
social que sabe dever dever expressa de não tem posse
ou deveria saber + privilegiado lei, para mas concorre
indevido ou 3m a 1 a deixa + 1/3 se satisfazer para que seja
emprega meio de praticar ou retarda ou interesse ou subtraído em

O
vexatório – 3-8 e retarda ato de deixa de sentimento proveito próprio
multa ofício com praticar ato pessoal ou de 3º
+ se desvia em infração de de oficio ou + Modalidade

IT
proveito próprio dever – pedido pratica culposa 3m – 1ª
ou de outrem o ou influencia de infringindo – se reparação
que recebeu alguem dever do dano anterior

TU
indevidamente os à sentença
cofres públicos 2- extingue
12ª e multa punibilidade*
posterior – reduz

RA
pena
Art. 313 tipo
autônomo
peculato
LG
mediante erro de
outrem
IA

Observações:
i. a concussão diferencia-se da corrupção passiva, em que também pode
haver solicitação de vantagem, porque neste caso é uma exigência que causa
ER

temor de represálias, em função o cargo exercido pelo funcionário público.


Embora a concussão seja, em regra, mais grave que a corrupção passiva, a
pena é menor em função de modificação legislativa ocorrida em 2003 (que
aumentou a pena para o crime de corrupção passiva, mas não alterou a pena do
AT

crime de concussão);
ii. é possível a responsabilização do particular por crime funcional quando ele
pratica o crime:
a. juntamente com o funcionário público;
M

b. e desde que ele tenha conhecimento desta situação.


Se ele não sabe que o sujeito é funcionário público ou se ele pratica sozinho o
crime, ele não pode ser responsabilizado por crime funcional.

PONTO 19
Crime organizado (Lei nº 12.850/13).
Abuso de autoridade (Lei nº 4.898/65),

259
1. Qual o conceito legal de organização criminosa? Diferencie associação
criminosa de organização criminosa. Quem apenas integra a organização
criminosa, responde autonomamente por esse delito? E quem comanda a
organização?
A despeito da profusão de referências legislativas ao termo organizações
criminosas, sempre houve controvérsia acerca da existência desse conceito legal no
ordenamento pátrio.

O
A revogada Lei 9.034/95 (antiga lei de organizações criminosas) não trazia uma
definição legal de organizações criminosas. Dessa forma, o conceito era extraído da
Convenção de Palermo (posicionameno do STJ, no HC 77.771). Trata-se de uma

IT
Convenção da ONU contra o crime organizado transnacional, que foi incorporada pelo
Brasil através do Decreto 5.015/2004, cujo art. 2º dispõe: “grupo estruturado de três ou
mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito

TU
de cometer uma ou mais infrações graves enunciadas na presente Convenção, com a
intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício
material”.
No entanto, o STF entendeu que o conceito de organizações criminosas não pode

RA
ser extraído da Convenção de Palermo, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade.
Pois, em se tratando de matéria penal, este só pode ser regulamentado pelo
Congresso Nacional. Apesar do Congresso ratificar a Convenção, ele não pode
discutir ou alterar seus termos. E um tratado internacional jamais poderia criar
LG
crimes ou cominar penas (STF, HC 96.007 – não é possível extrair o conceito de
organizações criminosas da Convenção de Palermo – princípio da legalidade e da
Lex Populi: o direito penal só pode ser tratado pelo Congresso Nacional).
Face a decisão do Supremo, o Congresso Nacional se viu obrigado a legislar
IA

sobre o assunto, daí emergindo a Lei 12.694/12, que trata da formação do juízo
colegiado para o julgamento de crimes praticados por organizações criminosas no
seguinte sentido: “(...) considera-se organização criminosa a associação, de 3 (três) ou
ER

mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda


que informalmente, com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de
qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou
superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional”.
AT

Tal conceito introduzido pela Lei 12.694/12 teve vida curta. Isso porque a Lei
12.850/13 introduziu o seguinte conceito (art. 1º, § 1º): “Considera-se organização
criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e
caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter,
M

direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de


infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que
sejam de caráter transnacional”.

Lei 12.850/13 (art. 1º, § 1º c/c


Lei 12.694/12 (art. 2º)
art. 2º, caput)
Associação estável e Associação estável e permanente
Número de
permanente de 3 ou mais de 4 ou mais pessoas
integrantes
pessoas
Finalidade Obtenção de vantagem de Obtenção de vantagem de

260
qualquer natureza mediante a qualquer natureza mediante a
prática de CRIMES cuja pena prática de INFRAÇÕES PENAIS
máxima seja IGUAL ou superior (crimes ou contravenções) cuja
a 4 anos, ou de caráter pena máxima seja superior a 4
transnacional anos, ou de caráter transnacional
Não era um tipo penal Trata-se de tipo penal
incriminador, já que sequer incriminador, previsto no art. 2º,

O
havia cominação de pena. caput, da Lei 12.850/13, ao qual
Funcionava apenas como uma é cominada pena de reclusão de
Natureza
forma de se praticar crimes, 3 a 8 anos, e multa

IT
jurídica
sujeitando o agente a certos
gravames (como o RDD,
formação de juízo colegiado

TU
etc.)

Parte minoritária da doutrina sustenta que há dois conceitos distintos de


organizações criminosas no ordenamento pátrio: um para fins de formação do juízo

RA
colegiado, nos termos do disposto no art. 2º da Lei 12.694/12; outro para fins de
aplicação das técnicas especiais de investigação regulamentadas pela nova Lei das
Organizações Criminosas, cuja definição consta do art. 1º, § 1º, da Lei 12.850/13.
No entanto, esse posicionamento não deve prosperar. Por mais que a Lei
LG
12.850/13 não faça qualquer referência à revogação parcial da Lei 12.694/12,
especificamente no tocante ao conceito de organizações criminosas, é no mínimo
estranho aceitar a superposições de conceitos distintos para definir tema de tamanha
importância para o Direito Penal. Apesar de o art. 26 da Lei 12.850/13 ter revogado
IA

expressamente a Lei 9.034/95, e não ter falado nada acerca da Lei 12.694/12, a falta
de técnica do legislador não pode justificar a convivência de normas jurídicas
incompatíveis entre si, tratando do conceito de organizações criminosas de maneira
ER

conflitante.
É importante destacar que os demais dispositivos da Lei 12.694/12 permanecem
em plena vigência. O objeto dos 2 diplomas é distinto:
i. Lei 12.694/12: dispõe sobre a formação do juízo colegiado para o julgamento de
AT

crimes praticados por organizações criminosas;


ii. Lei 12.850/13: define o crime de organização criminosa, infrações penais correlatas,
regulamentando a investigação criminal e os meios de obtenção de prova.
Da análise dos tipos penais de organização criminosa e da associação criminosa,
M

verificam-se diferenças marcantes. A organização criminosa demanda associação de 4


(quatro) ou mais pessoas, ao passo que a associação criminosa pressupõe a presença
de 3 (três) ou mais agentes. A organização criminosa deve ser estruturalmente
ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, ao passo
que a tipificação do crime do art. 288 do CP dispensa a organização, sendo indiferente
a posição ocupada por cada associado. A organização criminosa tem como finalidade a
obtenção de vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais
cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou de caráter transnacional.
A associação criminosa tem como finalidade a prática de uma série indeterminada de

261
crimes, que pode ser de igual natureza (ou homogênea) ou de natureza diversa (ou
heterogênea), pouco importanto a quantidade de pena a eles cominada.
Nota-se que, com a Lei nº 12.850/13, ao contrário das legislações anteriores sobre
o tema, há agora um tipo penal independente para a organização criminosa, de modo
que aquele que integra tal organização responde pelo delito previsto no art. 2º da Lei nº
12.850/13, desde que preenchidos os outros requisitos.
Deve-se atentar também para a agravante prevista no parágrafo 3º do art. 2º ao

O
dispor que “a pena é agravada para quem exerce o comando, individual ou coletivo, da
organização criminosa, ainda que não pratique pessoalmente os atos de execução.

IT
2. No número mínimo de 4 integrantes são computados eventuais inimputáveis?
Prevalece na doutrina e na jurisprudência que sim. Luiz Flávio Gomes entende que
não importam se os integrantes são imputáveis ou inimputáveis. No entanto, se os

TU
menores apenas são utilizados pelo grupo organizado como “instrumentos”, não devem
ser considerados para o número mínimo legal (quatro pessoas). Instrumento não é
“sujeito ativo” do delito. O crime requer no mínimo quatro sujeitos ativos (não sujeitos
instrumentos). A utilização ou participação de menores no crime (crianças ou

RA
adolescentes) configura causa de aumento de pena, nos termos do art. 2º, § 4º, da
Lei 12.850/13.
No mesmo sentido, entende Renato Brasileiro: “Evidenciada a presença de pelo menos
4 (quatro) pessoas, é de todo irrelevante que um deles seja inimputável - qualquer que
LG
seja a causa da inimputabilidade penal (v.g., menoridade, doença mental,
desenvolvimento mental incompleto ou retardado) -, que nem todos os integrantes
tenham sido identificados, ou mesmo que algum deles não seja punível em razão de
alguma causa pessoa de isenção de pena”.
IA

3. Quais as demais possibilidades de aplicação da Lei 12.850/13?


A Lei 12.850/13 não tem aplicação restrita às organizações criminosas. Seu art. 1º,
ER

§ 2º, deixa evidente que todos os meios de obtenção de prova e técnicas especiais de
investigação por ela regulamentados também são aplicáveis nas seguintes hipóteses,
mesmo que estas infrações penais não sejam praticadas por intermédio de
organizações criminosas:
AT

i. infrações penais previstas em tratado ou convenção internacional quando, iniciada a


execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou
reciprocamente;
ii. às organizações terroristas internacionais, reconhecidas segundo as normas de
M

direito internacional, por foro do qual o Brasil faça parte, cujos atos de suporte ao
terrorismo, bem como os atos preparatórios ou de execução de atos terroristas,
ocorram ou possam ocorrer em território nacional.

4. Se os membros da organização criminosa praticarem as infrações penais para


as quais se associaram, deverão responder pelo crime do art. 2º, caput, da Lei
12.850/13. em concurso material (art. 69, CP) com os demais ilícitos por eles
perpetrados?

262
Sim. Nesse sentido, basta atentar para o preceito secundário do próprio art. 2º, que
prevê a pena de reclusão, de 3 a 8 anos, e multa, “sem prejuízo das penas
correspondentes às demais infrações penais praticadas”.

5. Como é tipificado o crime de organização criminosa?


De acordo com o artigo 2º desta lei, caracterizam crime de organização criminosa
as condutas de promovê-la, constituí-la, financiá-la ou integrá-la, pessoalmente ou por

O
interposta pessoa.
O bem jurídico protegido consiste na paz pública, aspecto específico da
incolumidade pública.

IT
Saliente-se que o agente promove, constitui, financia ou integra a associação de 4
(quatro) ou mais pessoas. Na verdade, o legislador sugeriu quatro formas pelas quais
quatro ou mais pessoas podem se associar. Note-se que a caracterização do crime

TU
depende da união entre quatro ou mais pessoas, independentemente do papel formal
de cada uma no contexto associativo (como integrante, como financiador, etc.).
Esta associação deve ter caráter estável e duradouro, uma vez que é caracterizada
pela estrutura ordenada e divisão de tarefas, ainda que informalmente e que busca um

RA
resultado claro: obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza,
mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4
(quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional. A essência da organização
criminosa, portanto, está na gravidade das infrações penais às quais ela se propõe a
LG
praticar.
Os quatro verbos acima, núcleos do tipo penal incriminador, separados pela
conjunção alternativa “ou” caracterizam um tipo misto alternativo, crime de ação
múltipla ou de conteúdo variado, no qual, a prática de mais de um verbo no mesmo
IA

contexto fático caracteriza crime único. Vale dizer que é difícil o concurso de crimes,
mas não impossível (desde que as condutas ocorram em contextos fáticos distintos, o
que é raro vislumbrar).
ER

O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, o que caracteriza um crime comum ou
geral. Ademais, o tipo penal reforça a prescindibilidade da presença física do agente na
composição de uma organização criminosa, poderá agir por meio de interposta pessoa.
Todavia, trata-se de crime plurissubjetivo, plurilateral ou de concurso necessário, ou
AT

seja, a pluralidade agentes (quatro ou mais) é essencial na caracterização deste crime.


Especificamente, constitui crime plurissubjetivo de condutas paralelas, posto que todos
os agentes cooperam para o mesmo resultado, qual seja, obter, direta ou
indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais
M

cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter
transnacional. a
O sujeito passivo é a coletividade, o que caracteriza um crime vago.
Trata-se de um crime formal, de consumação antecipada ou de resultado cortado,
cuja consumação verifica-se a partir da simples atividade de promover, constituir,
financiar ou integrar a organização criminosa.

6. Há condutas equiparadas ao crime de organização criminosa que recebem as


mesmas penas?

263
Quem impede ou embaraça a investigação de infração penal que envolva
organização criminosa, incorre nas mesmas penas (art. 2º, § 1o).

7. Em quais situações a pena do crime de organização criminosa será


aumentada?
As penas aumentam-se até a metade se na atuação da organização criminosa
houver emprego de arma de fogo (art. 2º, § 2o).
A pena é aumentada de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços) nas cinco situações

O
seguintes (art. 2º, § 4o):
i. se há participação de criança ou adolescente;

IT
ii. se há concurso de funcionário público, valendo-se a organização criminosa dessa
condição para a prática de infração penal;
iii. se o produto ou proveito da infração penal destinar-se, no todo ou em parte, ao

TU
exterior;
iv. se a organização criminosa mantém conexão com outras organizações criminosas
independentes;
v. se as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade da organização. De

RA
acordo com Nucci, A causa de aumento pela transnacionalidade caracteriza bis in
idem, pois a transnacionalidade é elemento da organização criminosa.

8. É possível a tentativa em crime de organização criminosa?


LG
Não admite tentativa, posto que a conduta associativa é unissubsistente e
demanda, além do mais, a presença de, no mínimo, quatro pessoas. Vale dizer que,
havendo somente duas ou três pessoas, buscando por uma quarta, não há que se falar
em crime.
IA

9. A lei prevê alguma medida cautelar que poderá ser imposta pelo juiz aos
funcionários públicos que integrem organização criminosa?
ER

De acordo com o art. 2º, § 5º, quando houver indícios suficientes de que o
funcionário público integra organização criminosa, poderá o juiz determinar seu
afastamento cautelardo cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração,
quando a medida se fizer necessária à investigação ou instrução processual.
AT

Portanto, o que vincula o juiz em relação a esta possibilidade de afastamento


cautelar é a necessidade da medida diante da investigação ou instrução processual e
não a ligação direta entre o crime e a função pública exercida pelo agente.
M

10. Quais os efeitos da condenação por crime de organização criminosa em


relação aos agentes públicos?
É importante relembrar os efeitos da condenação previstos pelo art. 92 do CP que
não são automáticos e exigem motivação do juiz:
I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:
a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano,
nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a
Administração Pública;
b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos
nos demais casos.

264
No entanto, segundo o art. 2º, § 6º da Lei 12.850/13, no caso da condenação do
funcionário público por crime de organização criminosa haverá, enquanto efeito
secundário extrapenal e automático, a perda do cargo, função, emprego ou mandato
eletivo e a interdição para o exercício de função ou cargo público pelo prazo de 8 (oito)
anos subsequentes ao cumprimento da pena.
Como se percebe, não consta do dispositivo legal qualquer exigência quanto à
quantidade de pena imposta ao agente. Logo, independentemente da pena cominada,

O
o trânsito em julgado de sentença condenatória irrecorrível acarretará a perda do
cargo, função ou mandato eletivo.
Especificamente quanto à perda do mandato eletivo de Senadores e Deputados,

IT
especial atenção deve ser dispensada ao art. 55, § 2º da CF segundo o qual no caso
de condenação criminal em sentença transitada em julgado, a perda do mandato será
decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado, por maioria absoluta (a EC

TU
76/13 tirou o voto secreto).
O STF tem diferentes interpretações acerca desse dispositivo:
i. Pleno, AP 470/MG, j. em 17/12/2012: concluiu que, com o trânsito em julgado da
decisão condenatória, a suspensão dos direitos políticos (art. 15, III, CF) teria o condão

RA
de acarretar a perda do mandato eletivo dos então deputados federais condenados no
referido processo, nos termos do art. 55, VI e § 2o, da CF. Na decisão, o STF assinalou
que as hipóteses de perda ou suspensão de direitos políticos seriam taxativas (CF, art.
15) e que o Poder Legislativo poderia decretar a perda de mandato de deputado federal
LG
ou senador, com fundamento em perda ou suspensão de direitos políticos, bem assim
em condenação criminal transitada em julgado (art. 55, IV e VI, CF). Ressaltou-se que
esta previsão constitucional estaria vinculada aos casos em que a sentença
condenatória não tivesse decretado perda de mandato, haja vista não estarem
IA

presentes os requisitos legais (art. 92, CP) ou por ter sido proferida anteriormente à
expedição do diploma, com o trânsito em julgado ocorrente em momento posterior.
ii. Pleno, AP 565/RO, j. em 7/8/2013: concluiu que compete ao Senado deliberar sobre
ER

a eventual perda do mandato parlamentar do acusado, nos termos do art. 55, VI e § 2o


da CF;
iii. Pleno, AP 396/RO, j. em 3/10/2013: concluiu que tanto a suspensão quanto a perda
do cargo seriam medidas decorrentes da condenação criminal e imediatamente
AT

exequíveis após seu trânsito em julgado, sendo irrelevante se o réu exercia ou não
cargo eletivo ao tempo do julgamento.

11. E se há o envolvimento de policiais com organizações criminosas?


M

Havendo indícios de participação de policial nos crimes de que trata a Nova Lei de
Organizações Criminosas, a Corregedoria de Polícia instaurará inquérito policial e
comunicará ao MP, que designará membro para acompanhar o feito até a sua
conclusão (art. 2º, § 7º).

12. Quais os meios de obtenção de prova previstos nesta lei?


São admitidos oito meios de obtenção da prova na apuração de organização
criminosa, a saber (art. 3º):
I - colaboração premiada;
II - captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos;

265
III - ação controlada;
IV - acesso a registros de ligações telefônicas e telemáticas, a dados cadastrais
constantes de bancos de dados públicos ou privados e a informações eleitorais ou
comerciais;
V - interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas, nos termos da legislação
específica;
VI - afastamento dos sigilos financeiro, bancário e fiscal, nos termos da legislação

O
específica;
VII - infiltração, por policiais, em atividade de investigação, na forma do art. 11;
VIII - cooperação entre instituições e órgãos federais, distritais, estaduais e municipais

IT
na busca de provas e informações de interesse da investigação ou da instrução
criminal.

TU
13. Em que consiste a colaboração premiada? Qual a sua natureza jurídica?
A colaboração premiada (art. 4º), também denominada de delação premiada ou
delação eficaz, consiste em instituto que confere um benefício ao agente que colabora
com a Justiça. Trata-se de uma técnica especial de investigação por meio da qual o

RA
coautor e/ou partícipe da infração penal, além de confessar seu envolvimento no fato
delituoso, fornece aos órgãos responsáveis pela persecução penal informações
objetivamente eficazes para a consecução de um dos objetivos previstos em lei,
recebendo, em contrapartida, determinado prêmio legal.
LG
Portanto, ao mesmo tempo que o investigado (ou acusado) confessa a prática
delituosa, abrindo mão do seu direito de permanecer em silêncio, assume o
compormisso de ser fonte de prova para a acusação acerca de determinados fatos
e/ou corréus. Evidentemente, essa colaboração deve ir além do mero depoimento do
IA

colaborador em detrimento dos demais acusados, porquanto não se admite a prolação


de um decreto condenatório baseado única e exclusivamente na colaboração
premiada.
ER

Não se pode confundir a colaboração premiada com os prêmios legais dela


decorrentes. Dessa forma, a sua natureza jurídica é de técnica especial de
investigação, um meio de obtenção de prova.
AT

14. Quais os requisitos da colaboração premiada nesta lei?


Previstos pelo art. 4º.
1) Colaboração voluntária.
2) Análise da personalidade do colaborador, da gravidade, da natureza, das
M

circunstâncias e da repercussão social do fato criminoso.


3) Eficácia efetiva da colaboração, viabilizando um OU mais dos seguintes
resultados:
i. a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das
infrações penais por eles praticadas;
ii. a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização
criminosa;
iii. a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização
criminosa;

266
iv. a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais
praticadas pela organização criminosa;
v. a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.

15. Quem detém legitimidade para realizar a colaboração premiada nesta lei?
A colaboração premiada depende de requerimento e o Juiz não participa das
negociações entre as partes, que serão feitas entre (art. 4º, § 2º):

O
i. o delegado de polícia e o investigado e seu defensor, no inquérito policial, ouvido
Ministério Público;
ii. o Ministério Público a qualquer tempo e o investigado ou acusado e seu defensor.

IT
16. Qual é a função do Juiz diante de acordo de colaboração premiada nesta lei?
O magistrado não deve presenciar ou participar das negociações (art. 4º, § 6º),

TU
enfim, não deve assumir um papel de protagonista das operações referentes ao acordo
de colaboração premiada, sob pena de evidente violação do sistema acusatório (art.
129, I, CF).
Após elaborado o termo de acordo de colaboração, será remetido ao juiz para

RA
homologação, acompanhado das declarações do colaborador e de cópia da
investigação (art. 4º, § 7º).
O Juiz deverá verificar a regularidade, legalidade e voluntariedade do termo de
acordo, podendo para este fim, sigilosamente, ouvir o colaborador, na presença de seu
LG
defensor (art. 4º, § 7º).
O Juiz poderá recusar homologação à proposta que não atender aos requisitos
legais, ou adequá-la ao caso concreto (art. 4º, § 8º).
"A homologação não representa juízo de valor sobre as declarações eventualmente
IA

já prestadas pelo colaborador à autoridade judicial ou ao Ministério Público." (Min. Dias


Toffoli, no HC 127483/PR). Ou seja, quando o juiz homologa o acordo de colaboração
premiada, não significa que esteja concordando ou afirmando que as declarações
ER

prestadas pelo colaborador são verdadeiras. Tais declarações ainda serão objeto de
apuração.

17. Quais as consequências jurídicas da colaboração premiada nesta lei?


AT

Os primeiros dispositivos legais que cuidaram a colaboração premiada no


ordenamento jurídico pátrio previam apenas um prêmio legal: uma diminuição de pena
de 1 a 2/3. Tais dispositivos são:
i. art. 8º, parágrafo único, da Lei 8.072/90 (Lei de Crimes Hediondos);
M

ii. art. 159, § 4º, CP (extorsão mediante sequestro);


iii, art. 6º da revogada Lei 9.034/95 (antiga lei de organizações criminosas);
iv. art. 25, § 2º, Lei 7.492/86 (crimes contra o SFN);
v. art. 16, parágrafo único, Lei 8.137/90 (crimes contra a ordem tributária).
Fácil perceber, portanto, o motivo pelo qual o coautor ou partícipe do fato delituoso
não se sentia encorajado a colaborar com as autoridades estatais.
Foi exatamente essa a grande inovação trazida pela Lei de Lavagem de Capitais
(art. 1º, § 5º, Lei 9.613/98), que trazia em sua redação original que a pena devia ser
reduzida de 1 a 2/3 e começar a ser cumprida em regime aberto, podendo o juiz deixar
de aplicá-la ou substituí-la por pena restritiva de direitos, se o autor, coautor ou

267
partícipe colaborasse espontaneamente com as autoridades, prestando
esclarecimentos que conduzissem à apuração das infrações penais e de sua autoria ou
à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime.
Com o advento da Lei 12.683/12, o art. 5º, § 1º da Lei 9.613/98 sofreu uma
sensível modificação: “A pena poderá ser reduzida de 1 a 2/3 e ser cumprida em
regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la ou substituí-
la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor, coautor ou partícipe

O
colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que
conduzam à apuração das infrações penais, à identificação dos autores, coautores e
partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime“.

IT
Na esteira da Lei 12.683/12, a nova Lei de Organizações Criminosas também
ampliou o leque de opções de prêmios legais passíveis de concessão ao colaborador.
A depender do caso concreto, a Lei 12.850/13 prevê os seguintes prêmios legais, que

TU
poderão ser concedidos mesmo no caso de inexistir a formalização de qualquer acordo
de colaboração premiada:
i. diminuição da pena em até 2/3;
ii. substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos;

RA
iii. perdão judicial e consequente extinção da punibilidade;
iv. sobrestamento do prazo para oferecimento da denúncia ou suspensão do processo
com a consequente suspensão da prescrição;
v. não oferecimento de denúncia (ver questão abaixo);
LG
vi. causa de progressão de regime (ver questão abaixo).
O STF entende que, caso a colaboração seja efetiva e produza os resultados
almejados, o colaborador tem direito subjetivo à aplicação das sanções premiais
estabelecidas no acordo, inclusive de natureza patrimonial (HC 127483/PR).
IA

18. Em quais situações o Ministério Público poderá deixar de oferecer denúncia


contra o colaborador?
ER

O Ministério Público poderá deixar de oferecer denúncia se o colaborador (art. 4º, §


4º):
i. não for o líder da organização criminosa;
ii. for o primeiro a prestar efetiva colaboração nos termos deste artigo.
AT

19. Quais os direitos do colaborador?


O artigo 5º da lei estabelece os seguintes direitos do colaborador:
i. usufruir das medidas de proteção previstas na legislação específica, qual seja, a Lei
M

n. 9.807/1999 (Lei de proteção a vítimas e testemunhas);


ii. ter nome, qualificação, imagem e demais informações pessoais preservados;
iii. ser conduzido, em juízo, separadamente dos demais coautores e partícipes;
iv. participar das audiências sem contato visual com os outros acusados;
v. não ter sua identidade revelada pelos meios de comunicação, nem ser fotografado
ou filmado, sem sua prévia autorização por escrito;
vi. cumprir pena em estabelecimento penal diverso dos demais corréus ou condenados.

20. Quando a colaboração premiada ocorrer após a sentença, haverá alguma


consequência?

268
Se a colaboração for posterior à sentença, a pena poderá ser reduzida até a
metade ou será admitida a progressão de regime ainda que ausentes os requisitos
objetivos (art. 4º, § 5º).

21. O que deve conter no acordo de delação premiada? É possível a retratação do


acordo?
O termo de acordo da colaboração premiada deverá ser feito por escrito e conter

O
(art. 6º):
I - o relato da colaboração e seus possíveis resultados;
II - as condições da proposta do Ministério Público ou do delegado de polícia;

IT
III - a declaração de aceitação do colaborador e de seu defensor;
IV - as assinaturas do representante do Ministério Público ou do delegado de polícia,
do colaborador e de seu defensor;

TU
V - a especificação das medidas de proteção ao colaborador e à sua família, quando
necessário.
Antes da homologação do acordo pela autoridade judiciária competente, é
perfeitamente possível que as partes resolvam se retratar da proposta, nos termos do

RA
art. 4º, § 10, hipótese em que as provas autoincriminatórias produzidas pelo
colaborador não poderão ser utilizadas em seu desfavor.
Logo, caso a expectativa de receber o perdão judicial não se concretize, é possível a
retratação. Segundo Renato Brasileiro: “Como se percebe, ante a possibilidade de ser
LG
beneficiado por um dos prêmios legais previstos na nova Lei de Organizações
Criminosas, o colaborador opta pelo não exercício do direito ao silêncio, sujeitando-se
às consequências de sua confissão. Assim, com a expectativa de receber determinado
prêmio legal, o colaborador identifica os demais coautores e partícipes do fato
IA

delituoso, contribui para a localização da vítima com sua integridade física preservada,
etc. Frustrada a proposta em virtude da retratação por uma das partes, seria no mínimo
injusto que todo esse acervo probatório fosse contra ele utilizado. Como não houve
ER

renúncia ao direito ao silêncio, mas simples não exercício dessa prerrogativa diante da
expectativa de receber determinado prêmio legal, na hipótese de as partes se
retratarem do acordo (v.g., o colaborador altera seu depoimento em juízo), as provas
autoincriminatórias produzidas pelo colaborador não poderão ser utilizadas
AT

exclusivamente em seu desfavor, embora possam ser úteis, na medida de sua


veracidade, contra os demais agentes, que não podem ser beneficiados pelo exercício
do direito ao silêncio titularizado pelo colaborador”.
M

22. É possível a retratação do acordo por parte do Ministério Público?


Como a Lei não faz qualquer restrição em relação ao responsável pela retratação -
"as partes podem retratar-se da proposta " -, tanto o Ministério Publico quanto o
acusado podem se arrepender da proposta formulada. “À evidência, esta retratação só
pode ocorrer até a homologação judicial do acordo. Fosse possível a retratação após
sua homologação judicial, o Ministério Público poderia celebrar um falso acordo de
colaboração premiada, obtendo, por consequência da homologação judicial, todas as
informações necessárias para a consecução de um dos objetivos listados nos incisos
do art. 4° da Lei nº 12 . 850/13 para, na sequência, retratar-se do acordo, privando o
colaborador da concessão do prêmio legal acordado” (Renato Brasileiro).

269
23. Qual é a consequência em revelar a identidade do colaborador, sem sua
autorização?
Caracteriza crime previsto no artigo 18, punido com reclusão de 1 (um) a 3 (três)
anos, e multa, as condutas de revelar a identidade, fotografar ou filmar o colaborador,
sem sua prévia autorização por escrito.

24. Qual a crítica que se faz quanto à eticidade do instituto da colaboração

O
premiada?
Há que se questionar a moralidade de tal instituto, já que o Estado ao se utilizar da

IT
figura do colaborador, "premia" o participante de organização criminosa que "trai" os
demais. Neste sentido, leciona Zaffaroni que: "(...) a impunidade de agentes encobertos
e dos chamados ‘arrependidos’ constitui uma séria lesão à eticidade do Estado, ou

TU
seja, ao princípio que forma parte essencial do Estado de Direito: (...) o Estado está se
valendo da cooperação de um delinquente, comprada ao preço da sua impunidade
para ‘fazer justiça’, o que o Direito Penal liberal repugna desde os tempos de Beccaria".
Salo de Carvalho é contrário ao instituto, mas, partindo de sua dogmática de

RA
redução de danos, propõe o estabelecimento de requisitos mínimos de admissibilidade
da delação: a) desnecessidade de confissão; b) ser confirmada por outras provas; c)
ser pública aos sujeitos processuais; d) ser espontânea e voluntária; e) obrigação do
juiz dos prêmios dispostos na lei; f) redimensionamento da confissão (podendo ser
LG
aplicada a ela os mesmos prêmios da delação - “O diferencial, em termos éticos,
demandaria, inclusive, que os efeitos da confissão fossem mais benéficos que os da
delação, pois nesta há assunção de responsabilidade e naquela isenção“).
IA

25. Caso concreto julgado pelo STF


HC impetrado contra decisão que homologou o acordo de colaboração
premiada - "EMF", um dos réus na operação Lava-Jato, impetrou no STF habeas
ER

corpus contra ato do Min. Teori Zavascki, que homologou o acordo de delação
premiada de Alberto Youssef. No HC, a defesa do réu alegou, dentre outras teses, que
o colaborador não teria idoneidade para firmar o acordo e que, por isso, as informações
por ele repassadas não seriam confiáveis. Afirmou-se, ainda, que ele já descumpriu um
AT

outro acordo de colaboração premiada, demonstrando, assim, não ter compromisso


com a verdade. Em razão disso, o acordo seria ilícito e todas as provas obtidas a partir
dele também seria ilícitas por derivação, devendo ser anuladas. O STF concordou
com o HC? A ordem foi concedida? NÃO. O STF indeferiu o habeas corpus. STF.
M

Plenário. HC 127483/PR, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 26 e 27/8/2015 (Info 796).
Principais afirmações e conclusões expostas pelos Ministros durante o julgamento: (i)
O acordo de colaboração não se confunde com os depoimentos prestados pelo
colaborador com o objetivo de fundamentar as imputações a terceiros; (ii) O ato
homologatório de delação premiada é simples fator de eficácia do acordo, limitando-se
à pronúncia sobre sua regularidade, legalidade e voluntariedade; (iii) O STF entendeu
que o acordo não pode ser impugnado por terceiro, mesmo que seja uma pessoa
citada na delação. Assim, eventual coautor ou partícipe dos crimes praticados pelo
colaborador não pode impugnar o acordo de colaboração. Isso porque o acordo é
personalíssimo e, por si só, não vincula o delatado nem afeta diretamente sua situação

270
jurídica. O que poderá atingir eventual corréu delatado são as imputações posteriores,
constantes do depoimento do colaborador. Negar ao delatado a possibilidade de
impugnar acordo de colaboração premiada assinado por outro acusado não significa
negar-lhe direito ao contraditório, pois a lei estabelece que nenhuma sentença
condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente
colaborador. O que deve ser assegurado ao delatado é o direito de defesa e de
contraditar as informações do acordo, inclusive com a possibilidade de efetuar

O
perguntas ao colaborador; (iv) A personalidade do colaborador ou o fato de ele já ter
descumprido um acordo anterior de colaboração premiada não têm o condão de
invalidar o acordo atual. Não importa a idoneidade do colaborador, mas sim a

IT
idoneidade das informações que ele fornecer e isso ainda será apurado no decorrer do
processo.

TU
26. No que diz respeito aos meios de obtenção de prova previstos na Lei nº
12.850/13 (Organização criminosa), em que consiste a denominada “ação
controlada”? A “ação controlada” é prevista em outras leis? É necessária
autorização judicial?

RA
O art. 3º, III, da Lei nº 12.850/13 elenca a ação controlada como um dos meios de
obtenção de prova. Baltazar Júnior leciona que a ação controlada “representa uma
relativização do dever policial de ação imediata ante o flagrante delito e parte da
concepção chamada long haul, em contraposição ao short strike, representado pela
LG
ação policial imediata. (...) Em outras palavras, cuida-se de uma técnica de
investigação que relativiza o dever policial de agir diante do flagrante delito, em nome
da maior utilidade da investigação, em medida bastante pragmática, sempre que não
representar risco maior para a vida de vítimas, policiais, terceiros ou envolvidos
IA

(Crimes Federais. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 1305). O art. 8º da Lei
nº12.850/13 também a define: “Consiste a ação controlada em retardar a intervenção
policial ou administrativa relativa à ação praticada por organização criminosa ou a ela
ER

vinculada desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida
legal se concretizE no momento mais eficaz à formação de provas e obtenção de
informações”.
A ação controlada é prevista também na Lei nº 11.343/06, cujo art. 53, II, permite,
AT

mediante autorização judicial e ouvido o Ministério Público, “a não-atuação policial


sobre os portadores de drogas, seus precursores químicos ou outros produtos
utilizados em sua produção, que se encontrem no território brasileiro, com a finalidade
de identificar e responsabilizar maior número de integrantes de operações de tráfico e
M

distribuição, sem prejuízo da ação penal cabível”. E o art. 4º-B da Lei nº 9.613/98, com
redação dada pela Lei nº 12.683/12, que “A ordem de prisão de pessoas ou as
medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores poderão ser suspensas pelo juiz,
ouvido o Ministério Público, quando a sua execução imediata puder comprometer as
investigações”. A principai diferença encontrada na Lei de Lavagem de Capitais (Lei nº
9.613/98) é que ela não prevê o retardamento da ação policial para efetivar a prisão em
flagrante, mas somente a prisão determinada por decisão judicial.
O art. 8º, parágrafo 2º da Lei nº 12.850/13 prevê que: “O retardamento da
intervenção policial ou administrativa será previamente comunicado ao juiz competente
que, se for o caso, estabelecerá os seus limites e comunicará o MP”. Logo, não há

271
necessidade de AUTORIZAÇÃO, mas apenas de PRÉVIA COMUNICAÇÃO (Baltazar
Júnior, apresenta entendimento diverso na obra supracitada). Vale ressaltar que a Lei
de Drogas e a Lei de Lavagem de Capitais exigem expressamente autorização judicial
para que seja praticada a ação controlada.

27. Qual é a consequência decorrente do descumprimento da determinação de


sigilo das investigações que envolvam a ação controlada?

O
Caracteriza crime previsto no artigo 20, punido com reclusão de 1 (um) a 4 (quatro)
anos, e multa, a conduta de descumprir determinação de sigilo das investigações que
envolvam a ação controlada.

IT
28. Em que consiste a infiltração de agentes de polícia?
Trata-se de um instituto polêmico, consistente na infiltração de agentes de polícia

TU
em tarefas de investigação, diante da principal questão que dela decorre: a prática de
crimes pelo agente policial infiltrado no grupo criminoso (art. 10 da Lei 12.850/13).
A inovação foi trazida na legislação pátria com a Lei n. 10.217/2001, que alterava a
antiga Lei n. 9.034/1995, ora revogada, e, laconicamente, estabelecia a “infiltração de

RA
agentes de polícia ou de inteligência, em tarefas de investigação, constituída pelos
órgãos especializados pertinentes, mediante circunstanciada autorização judicial”
(artigo 2º, inciso V).
A Lei n. 11.343/2006 (Lei de Drogas), igualmente, acompanhou a inovação e previu
LG
“a infiltração por agentes de polícia, em tarefas de investigação, constituída pelos
órgãos especializados pertinentes”, em qualquer fase da persecução criminal, mediante
autorização judicial e ouvido o Ministério Público (artigo 53, inciso I).
Percebe-se, pois, que nada se dizia sobre outros aspectos importantes,
IA

notadamente sobre requisitos para a concessão da autorização, o papel


desempenhado pelo agente policial no grupo e o seu risco de vida.
Ainda que de forma acanhada, a nova lei regulamenta mais precisamente a
ER

presente medida.
De acordo com Renato Brasileiro, “para o cômputo dos 4 (quatro) agentes
necessários para a tipificação do crime de organização criminosa, não se pode querer
incluir o agente infiltrado. A uma porque a própria infiltração está condicionada à prévia
AT

existência de organização criminosa (Lei nº 1 2 . 850/13, art. 10, §2°). A duas porque o
agente infiltrado não age com o necessário animus associativo. Visa, na verdade, à
identificação de fontes de prova e à colheita de elementos de informação capazes de
contribuir para o desmantelamento da sociedade criminosa”.
M

29. Quem detém legitimidade para pedir a infiltração de agente policial na


organização criminosa?
A infiltração de agente policial na organização criminosa depende de pedido, após
manifestação técnica do delegado de polícia, quando solicitada no curso de inquérito
policial, e será:
i. representada pelo delegado de polícia, ouvido Ministério Público;
ii. requerida pelo Ministério Público a qualquer tempo;
iii. o requerimento do Ministério Público ou a representação do delegado de polícia para
a infiltração de agentes conterá a demonstração da necessidade da medida, o alcance

272
das tarefas dos agentes e, quando possível, os nomes ou apelidos das pessoas
investigadas e o local da infiltração.

30. Quais os requisitos da infiltração policial nesta lei?


a. Haver indícios de crime de organização criminosa;
b. A prova não puder ser produzida por outros meios disponíveis.

31. Qual é a função do Juiz diante de pedido de infiltração policial nesta lei?

O
A infiltração policial será precedida de circunstanciada, motivada e sigilosa
autorização do Juiz competente, que estabelecerá seus limites tais como, a duração

IT
(respeitado o limite máximo de cada período de seis meses), locais de infiltração etc.
Entretanto, trata-se de aspecto questionável, uma vez que o agente infiltrado, uma vez
integrado ao grupo criminoso, muitas vezes fica sem opção de escolha, diante da

TU
movimentação criminosa da organização.

32. Qual é o prazo da infiltração policial nesta lei? Poderá haver prorrogação?
A infiltração policial nunca terá prazo indeterminado, estabelecendo a lei sua

RA
duração. A infiltração será autorizada pelo prazo de até 6 (seis) meses, sem prejuízo
de eventuais renovações, desde que comprovada sua necessidade.

33. Quais os direitos do agente policial?


LG
O artigo 14 da lei estabelece os seguintes direitos do agente de polícia:
i. recusar ou fazer cessar a atuação infiltrada;
ii. ter sua identidade alterada, aplicando-se, no que couber, as medidas previstas na Lei
n. 9.807/1999 (Lei de proteção a vítimas e testemunhas), notadamente a alteração de
IA

seu nome completo e de seus familiares;


iii. ter seu nome, sua qualificação, sua imagem, sua voz e demais informações
pessoais preservadas durante a investigação e o processo criminal, salvo se houver
ER

decisão judicial em contrário;


iv. não ter sua identidade revelada, nem ser fotografado ou filmado pelos meios de
comunicação, sem sua prévia autorização por escrito.
AT

34. Qual é a consequência decorrente do descumprimento da determinação de


sigilo das investigações que envolvam a infiltração de agentes?
Caracteriza crime previsto no artigo 20, punido com reclusão de 1 (um) a 4 (quatro)
anos, e multa, a conduta de descumprir determinação de sigilo das investigações que
M

envolvam a infiltração de agentes.

35. Em que consiste o acesso a registros, dados cadastrais, informações e


documentos previstos nesta lei?
Finalizando, esta Lei (art. 15) permite acesso ao delegado de polícia e ao Ministério
Público, independentemente de autorização judicial, apenas aos dados cadastrais do
investigado que informem exclusivamente a qualificação pessoal, a filiação e o
endereço mantidos pela Justiça Eleitoral, empresas telefônicas, instituições financeiras,
provedores de internet e administradoras de cartão de crédito.

273
Ademais, para reforçar a investigação de crimes praticados em organização
criminosa as empresas de transporte possibilitarão, pelo prazo de 5 (cinco) anos,
acesso direto e permanente do juiz, do Ministério Público ou do delegado de polícia aos
bancos de dados de reservas e registro de viagens.
Da mesma forma, as concessionárias de telefonia fixa ou móvel manterão, pelo
prazo de 5 (cinco) anos, à disposição das autoridades mencionadas no art. 15,
registros de identificação dos números dos terminais de origem e de destino das

O
ligações telefônicas internacionais, interurbanas e locais.

36. Qual é a consequência decorrente da mau uso dos registros, dados

IT
cadastrais, informações e documentos fornecidos com base nesta lei?
Caracteriza crime previsto no artigo 21, caput, punido com reclusão de 6 (seis)
meses a 2 (dois) anos, e multa, as condutas omissivas de recusar ou omitir dados

TU
cadastrais, registros, documentos e informações requisitadas pelo juiz, Ministério
Público ou delegado de polícia, no curso de investigação ou do processo. Nas mesmas
penas acima incorre quem, de forma indevida, se apossa, propala, divulga ou faz uso
dos dados cadastrais de que trata este meio de obtenção de prova.

RA
37. Qual é o procedimento a ser adotado nos crimes previstos nesta lei? A lei
define prazo para o término da instrução criminal? Este prazo poderá ser
prorrogado?
LG
Os crimes previstos nesta Lei e as infrações penais conexas serão apurados
mediante procedimento comum ordinário, do Código de Processo Penal (art. 22).
Entretanto, a instrução criminal deverá ser encerrada em prazo razoável, o qual
não poderá exceder a 120 (cento e vinte) dias quando o réu estiver preso,
IA

prorrogáveis em até igual período, por decisão fundamentada, devidamente motivada


pela complexidade da causa ou por fato procrastinatório atribuível ao réu (art. 22,
parágrafo único).
ER

38. A lei do crime organizado (Lei nº 12.850/13) tem natureza penal ou processual
penal? No que tange às normas processuais penais elas se aplicam a processos
que tramitam em relação a fatos anteriores à edição da nova lei? As regras de
AT

colaboração premiada têm natureza processual ou material? Podem retroagir? O


sigilo dos acordos de delação premiada até a denúncia é norma processual ou
material?
A Lei nº12.850/13 tanto tipifica delitos como trata de procedimento criminal, tendo,
M

portanto, caráter misto, ou seja, com regras de direito material e processual.


É certo que as normas de direito processual se aplicam aos procedimentos em
curso, em virtude do disposto no art. 2ºdo CPP.
No que tange ao instituto da colaboração premiada nos crimes de organização
criminosa, que possui características materiais e processuais, como apenas foi previsto
na Lei nº 12.850/13, e como é matéria mais benéfica ao acusado, seria possível sua
aplicação retroativa para favorecê-lo. Entretanto, deve o candidato argumentar que a
retroatividade do benefício da delação premiada não pode prejudicar o corréu, motivo
pelo qual não poderia tal prova ser utilizada contra os outros investigados, em face da
irretroatividade da lei que prejudica o acusado. Salo de carvalho afirma que a

274
colaboração premiada tem um aspecto de direito material e um aspecto de direito
processual, pois esse meio de prova (processual) pode tanto prejudicar os delatados,
como pode beneficiar o delator (instituto de direito material).
Já em relação ao sigilo dos acordos previsto no parágrafo 3º do art. 7º, esta norma
tem eminentemente caráter processual, devendo ser aplicada aos processos em curso,
inclusive, em homenagem ao princípio da ampla defesa. De fato em recente julgado o
STJ entendeu que “Nada impede aplicação da norma que afasta o sigilo dos acordos

O
de delação premiada, no estágio em que a ação penal se encontra, pois, além de já ter
sido recebida a denúncia, momento que a lei exige para que seja afastado o sigilo, o
Código de Processo Penal adotou, em seu art. 2º, o sistema de isolamento dos atos”

IT
(HC 282.253).

Abuso de autoridade (Lei nº 4.898/65),

TU
1. O ato de abuso de autoridade enseja quais tipos de responsabilidade?
Segundo o art. 1º da Lei nº 4.898/65: o ato de abuso de autoridade enseja uma
tríplice responsabilidade:

RA
i. administrativa;
ii. civil;
iii. penal.
No que tange à responsabilidade civil, a lei só traz um dispositivo: art. 6º, § 2º: “A
LG
sanção civil, caso não seja possível fixar o valor do dano, consistirá no pagamento de
uma indenização de quinhentos a dez mil cruzeiros” – a responsabilidade civil depende
da propositura de uma ação cível e será regulada pelas leis civis, uma vez que a
redação do dispositivo constante da Lei de Abuso de Autoridade não tem
IA

aplicabilidade.
Quanto à responsabilidade administrativa, o art. 6º, § 1º, da Lei de Abuso de
Autoridade traz apenas a previsão do rol das sanções administrativas cabíveis. Dessa
ER

forma, aplicam-se então as normas de processo administrativo, uma vez que a lei não
traz a forma pela qual tais sanções serão aplicadas. As sanções administrativas
previstas são:
a) advertência;
AT

b) repreensão;
c) suspensão do cargo, função ou posto por prazo de cinco a cento e oitenta
dias, com perda de vencimentos e vantagens;
d) destituição de função;
M

e) demissão;
f) demissão, a bem do serviço público.
Embora essa lei não seja puramente penal, ela é essencialmente penal. Só os 2
parágrafos mencionados acima regulam responsabilidade que não a penal.

2. Qual o bem jurídico protegido no crime de abuso de autoridade?


O bem jurídico principal ou imediato é a proteção dos direitos e garantias
individuais e coletivos das pessoas físicas e jurídicas, enquanto o bem jurídico
secundário ou mediato é a regularidade e lisura dos serviços públicos. Aquele que
está abusando da autoridade está prestando serviço de forma irregular.

275
3. Quais formas de conduta podem ser praticadas?
Pode ser praticado por meio de ação (comissão) ou omissão.

4. Qual o elemento subjetivo do crime de abuso de autoridade?


Exige-se o dolo e a finalidade específica de abusar, de agir com arbitrariedade. A
linha que distingue discricionariedade e a arbitrariedade é muito tênue. Dessa forma, o
crime de abuso de autoridade só ocorre se existir a finalidade específica de agir

O
abusivamente Não admite forma culposa. Deste modo, se a autoridade, na justa
intenção de cumprir seu dever e proteger o interesse público, acaba cometedo

IT
excesso, o ato é ilegal, mas não há crime de abuso de autoridade. Ex.: um delegado de
polícia, convicto da situação de flagrante, lavra um auto de prisão em flagrante e
recolhe a pessoa para a cadeia. O promotor de justiça e o juiz, ao receberem a

TU
comunicação do flagrante, entendem que essa prisão foi ilegal e, portanto, a prisão é
relaxada e o preso é solto. O delegado não praticou abuso de autoridade – ele agiu na
intenção de cumprir seu dever.

RA
5. Quem pode ser sujeito ativo dos crimes de abuso de autoridade? O mesário
eleitoral, o jurado, o curador, o tutor e o inventariante podem cometer crimes de
abuso de autoridade?
É crime próprio – exige condição especial do sujeito ativo. O sujeito ativo é a
LG
autoridade pública para fins penais, definida no art. 5º da Lei nº 4.898/65 como aquele
que exerce cargo, emprego ou função pública, de natureza civil ou militar, ainda que
transitoriamente e sem remuneração. Assim, tanto o mesário eleitoral quanto o jurado
podem cometer crimes de abuso de autoridade, porque são autoridades para fins
IA

penais (entendimento do TJ/SP). Já o curador, o tutor e o inventariante não podem ser


sujeitos ativos do crime de abuso de autoridade, porque não são consideradas
autoridades as pessoas que exercem múnus público, ou seja, encargo imposto pela lei
ER

ou pelo juiz para defender interesses privados. Como a proteção é de interesse


particular, não se pode falar em autoridade. Outros exs.: administrador de falência,
depositário judicial, advogado (o Estatuto da OAB diz que o advogado exerce múnus
público).
AT

6. O particular que não exerce nenhuma função pública pode responder por
abuso de autoridade?
Sozinho não, mas pode cometer o crime em concurso de pessoas com uma
M

autoridade e nesse caso responderá, desde que saiba da qualidade de autoridade do


comparsa. Ou seja, a condição pessoal da autoridade do comparsa tem que entrar no
dolo do particular – a fundamentação técnica está no art. 30 do CP, ou seja, a condição
pessoal de autoridade é elementar do crime de abuso de autoridade e, dessa forma,
transmite-se ao particular.

7. Qual o sujeito passivo nos crimes de abuso de autoridade?


É crime de dupla subjetividade passiva.
Pode ser:
i. imediato ou principal = é a pessoa física ou jurídica que sofre a conduta abusiva;

276
ii. mediato ou secundário = é a administração pública cuja regularidade do serviço
foi comprometida pelo abuso.

8. O art. 12 da Lei nº 4.898/95 prevê que a ação penal será iniciada


independentemente de inquérito policial ou justificação, por denúncia do MP,
instruída com a representação da vítima do abuso. Deste modo, é possível
afirmar que os crimes de abuso de autoridade são de ação penal pública
condicionada à representação?

O
A CF/88 proclama no art. 5º: “XXXIV - são a todos assegurados,
independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes

IT
Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder”.
Então, para se considerar que a Lei 4.898/65 foi recepcionada, é preciso interpretar
o “direito de representação” por ela instituído, como o direito de petição em defesa de

TU
direitos, assegurado pela constituição. Não se deve, pois, entender que a
“representação” de que trata a lei seria aquela no sentido processual penal, porque
assim ela não seria recepcionada.
A primeira parte do art. 12 (dispensabilidade do inquérito) apenas repetiu a

RA
precisão do CPP. Já a segunda parte do dispositivo (“por denúncia do MP instruída
com a representação da vítima”) é que gera polêmica. A ação penal é PÚBLICA
INCONDICIONADA.
A palavra “representação” pode significar condição de procedibilidade = condição
LG
necessária para que exista a ação penal.
Também pode significar o direito de petição contra abuso de poder – art. 5º,
XXXIV, CF. É esse o significado utilizado pelo art. 12 da Lei de Abuso de
Autoridade.
IA

Ademais, o art. 1º da Lei nº 5.249/67 afasta qualquer interpretação diversa: “Art. 1º


A falta de representação do ofendido, nos casos de abusos previstos na Lei nº 4.898,
de 9 de dezembro de 1965, na obsta a iniciativa ou o curso de ação pública.”
ER

E, obviamente, é cabível ação penal privada subsidiária da pública – é direito


fundamental, previsto no art. 5º da CF.

9. É possível o concurso de crimes (abuso de autoridade com outros tipos


AT

penais)?
É pacífico na doutrina e na jurisprudência que o abuso de autoridade não absorve e
não é absorvido pelas infrações a ele conexas.
Ex. 1: o policial militar desfere um tapa no rosto da pessoa = abuso + injúria real.
M

Ex. 2: juiz xinga o advogado na audiência = abuso + injúria real + difamação (STJ já
decidiu dessa forma).
Nucci entende que as vias de fato são absorvidas pelo abuso.
Atenção! A TORTURA ABSORVE O CRIME DE ABUSO DE AUTORIDADE. A
justificativa da doutrina é no sentido de que o abuso de autoridade é meio de execução
da tortura. Silvio Maciel entende que é possível o concurso de crimes nesse caso:
policiais torturam um preso para obter confissão – o preso torturado confessa o crime.
Depois, os policias exibem o preso como réu confesso, contra a sua vontade, na
televisão. Nesse último caso, há o concurso material entre o abuso de autoridade e a
tortura. Esse é o entendimento do CESPE.

277
10. O julgamento de um crime de abuso de autoridade cometido por um militar é
da competência da Justiça Militar?
O processo e julgamento de crime de abuso de autoridade, ainda que praticado por
militar em serviço, não incumbem à Justiça Castrense, mas sim à Justiça Comum, pois
é conduta que não encontra correspondência em nenhuma das figuras típicas do CPM.
A CF/88 diz, no título da Organização dos Poderes, no capítulo do Poder Judiciário,

O
na seção Dos Tribunais e Juízes Militares: “Art. 124. À Justiça Militar compete
processar e julgar os crimes militares definidos em lei”.
Então a Justiça Militar da União – da estadual falaremos adiante – só é competente

IT
para julgar os crimes militares definidos do Código Penal Militar, que por sua vez não
tipifica o crime de abuso de autoridade. Aliás, o CPM, no art. 176, prevê uma espécie
de abuso de autoridade praticado por militar (Ofensa aviltante a inferior – Art. 176.

TU
Ofender inferior, mediante ato de violência que, por natureza ou pelo meio empregado,
se considere aviltante: Pena - detenção, de seis meses a dois anos), que é julgado pela
Justiça Militar da União). Trata-se de crime praticado por um militar em relação a outro
militar, em ambiente castrense (ex: tenente contra cabo)

RA
Há inclusive súmula do STJ nesse sentido: Súmula 172 “Compete a justiça comum
processar e julgar militar por crime de abuso de autoridade, ainda que praticado em
serviço”.
A justiça comum estadual se ocupa de “processar e julgar os militares dos Estados,
LG
nos crimes militares definidos em lei” (CF 125 §4º). Essa lei é o CPM, que não prevê
abuso de autoridade.
A pena máxima de prisão é de 6 meses. É infração de menor potencial ofensivo.
Competência do JECRIM.
IA

Abuso de autoridade praticado contra servidor federal –competência do JECRIM


Federal. Súmula 147 do STJ: “Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes
praticados contra funcionário público federal, quando relacionados com o exercício da
ER

função”.
Abuso de autoridade praticado por servidor federal – se o servidor federal está
praticando abuso de autoridade ele está prejudicando a regularidade do serviço público
federal, portanto a competência é do JECRIM Federal.
AT

Caso específico: um delegado da polícia federal foi ao hospital e exigiu prontuários


médicos de pacientes para fins pessoais. A médica disse: “Não posso entregar, só com
ordem judicial”. O delegado de polícia se identificou como delegado e exigiu que a
médica entregasse. Ela não entregou. Então, ele agrediu a médica. O STJ entendeu
M

que o delegado de polícia praticou o abuso de autoridade em razão da função (ele


disse que era delegado para a médica), mas ele não cometeu crime no exercício da
função, portanto ele não prejudicou a regularidade do serviço público federal e, dessa
forma, não há interesse da União: a competência é do JECRIM Estadual. STJ, HC
102.049.

11. E se houver conexão entre o crime de abuso de direito praticado por militar e
outro crime militar?

278
Separam-se os processos, ressalvada a competência do tribunal do júri. Súmula 90
STJ: “Compete à Justiça Estadual Militar processar e julgar o policial militar pela prática
do crime militar, e à Comum pela prática do crime comum simultâneo àquele.”

12. Como se dá a prescrição dos crimes previstos pela lei?


A Lei de Abuso não traz regras específicas sobre prescrição. Dessa forma,
aplicam-se subsidiariamente as regras do CP.

O
13. Quais são as penas previstas pela lei?
Estão previstas pelo art. 6º da Lei.

IT
Deve-se desconsiderar os artigos mencionados do CP, pois são referentes ao CP
antigo.
As penas previstas podem ser aplicadas isoladamente ou cumulativamente. O juiz

TU
pode aplicar uma delas, duas delas ou as três.
1) Multa
É calculada na forma do art. 49, CP.
2) Detenção de 10 dias a 6 meses

RA
Infração de menor potencial ofensivo.
3) Perda do cargo e inabilitação para qualquer função pública por até 3 anos

Lei de Abuso de Autoridade Lei de Tortura


LG
Art. 6º, § 3º: Perda do cargo ou Art. 1º, § 5º: Perda do cargo e interdição
inabilitação para qualquer função pública para o exercício de qualquer função pública
por até 3 anos pelodobro do prazo da condenação
A perda do cargo e a inabilitação são A perda do cargo e a interdição são efeitos
IA

penas – o juiz pode ou não aplicá-las automáticos da condenação, mesmo que o


juiz não os declare na sentença.
ER

4) Proibição de exercer função de policial civil ou militar no município do


crime pelo prazo de 1 a 5 anos.
Não pode ser aplicada para qualquer autoridade – só pode ser aplicada para
policiais civis ou militares que cometam abuso de autoridade – art. 6º, § 5º, da Lei.
AT

14. Se o juiz aplicar a pena de multa e a de detenção por 6 meses, ele pode
substituir a detenção por multa e aplicar duas multas – art. 60, § 2º, CP?
NÃO. Súmula 171 do STJ (“Cominadas cumulativamente, em lei especial, penas
M

privativa de liberdade e pecuniária, é defeso a substituição da prisão por multa”). Dessa


forma, temos 2 situações:
i. se o tipo penal comina prisão + multa – o juiz pode substituir a prisão por multa, se o
tipo penal estiver no CP;
ii. se o tipo penal está na legislação penal especial o juiz não pode substituir a prisão
por multa.

15. O crime de abuso de autoridade, em todas as suas modalidades, é infração de


menor potencial ofensivo? O autor do crime de abuso de poder está sujeito às

279
medidas despenalizadoras previstas na lei que dispõe sobre os juizados
especiais criminais?
Ao analisarmos a pena máxima do delito de abuso de autoridade (parágrafo 3º do
artigo 6º da Lei 4.898/65), verificamos que a pena máxima é inferior a 2 anos,
viabilizando a conclusão de que se trata de infração de menor potencial ofensivo.
Após as alterações efetivadas no ano de 2006, o artigo 61 da Lei dos Juizados
Especiais passou a prever que, mesmo para delitos para os quais haja procedimento

O
especial desenhando em lei específica, o caráter de infração de menor potencial
ofensivo não pode ser afastado, revelando-se de rigor a aplicação das medidas
despenalizadoras previstas no diploma.

IT
Art. 61. “Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os
efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima
não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa. (Redação dada pela Lei nº

TU
11.313, de 2006)”.

16. É cabível transação penal para o delito de abuso de autoridade?


1ª corrente = NÃO. Porque a pena de perda do cargo é incompatível com a

RA
transação penal – Nucci e Cezar Roberto Bittencourt. Esse entendimento não tem
cabimento, pois a pena transacionada nunca é a pena cominada pelo crime – o objeto
da transação não é a pena cominada no tipo legal. A transação é sobre multa ou pena
restritiva de direitos;
LG
2ª corrente = SIM. Porque se trata de infração de menor potencial ofensivo – essa é
a corrente que prevalece.

17. Quais são os crimes previstos pela Lei 4.898/65?


IA

Art. 3º. Constitui abuso de autoridade qualquer atentado:


a) à liberdade de locomoção;
b) à inviolabilidade do domicílio;
ER

c) ao sigilo da correspondência;
d) à liberdade de consciência e de crença;
e) ao livre exercício do culto religioso;
f) à liberdade de associação;
AT

g) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício do voto;


h) ao direito de reunião;
i) à incolumidade física do indivíduo;
j) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional. (Incluído pela
M

Lei nº 6.657,de 05/06/79)


Art. 4º Constitui também abuso de autoridade:
a) ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades
legais ou com abuso de poder;
b) submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não
autorizado em lei;
c) deixar de comunicar, imediatamente, ao juiz competente a prisão ou detenção de
qualquer pessoa;
d) deixar o Juiz de ordenar o relaxamento de prisão ou detenção ilegal que lhe seja
comunicada;

280
e) levar à prisão e nela deter quem quer que se proponha a prestar fiança, permitida
em lei;
f) cobrar o carcereiro ou agente de autoridade policial carceragem, custas,
emolumentos ou qualquer outra despesa, desde que a cobrança não tenha apoio em
lei, quer quanto à espécie quer quanto ao seu valor;
g) recusar o carcereiro ou agente de autoridade policial recibo de importância recebida
a título de carceragem, custas, emolumentos ou de qualquer outra despesa;

O
h) o ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando
praticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal;
i) prolongar a execução de prisão temporária, de pena ou de medida de segurança,

IT
deixando de expedir em tempo oportuno ou de cumprir imediatamente ordem de
liberdade. (Incluído pela Lei nº 7.960, de 21/12/89)

TU
18. Em relação ao art. 3º da Lei 4.898/65: ele é constitucional? Como se dá a
consumação dos crimes por ele previsto? É possível tentativa?
1) Constitucionalidade do art. 3º
Art. 1º do CP: princípio da reserva legal (“sem lei”), anterioridade (“anterior”) e

RA
taxatividade (“que o defina”).
Problema do art. 3º: redação genérica, pois fala em “qualquer atentado”.
1ª corrente: o art. 3º é inconstitucional, porque tem redação genérica, vaga e
imprecisa.
LG
2ª corrente: o art. 3º não é inconstitucional, porque é impossível ao legislador
prever todas as situações concretas de abuso de autoridade e descrevê-las no tipo
penal. É um tipo penal aberto. É o mesmo problema dos crimes culposos: é impossível
que o legislador preveja todas as hipóteses de imprudência, imperícia e negligência. É
IA

a corrente que prevalece.


Pelo princípio da taxatividade, a norma incriminadora deve definir, ou seja, expor
com precisão, com exatidão, qual é a conduta criminosa. A norma incriminadora vaga,
ER

genérica, imprecisa é inconstitucional por violação ao princípio da taxatividade.


Os tribunais superiores nunca declaram a inconstitucionalidade incidental desse
artigo.
2) Consumação e tentativa
AT

É possível resultado naturalístico – mas não é necessário. Dessa forma, os crimes


previstos nesse artigo são crimes formais ou de consumação antecipada: consumam-
se com a conduta, ainda que não ocorra o resultado naturalístico da efetiva violação ao
direito protegido.
M

Não é possível tentativa: o simples atentado ao direito protegido já configura crime


consumado (Rogério Greco entende que crime de atentado é, na verdade, uma
tentativa, mas é punido com a mesma pena que o crime consumado).

19. Explique as condutas previstas pelo artigo 3º.


1) “Qualquer atentado à liberdade de locomoção”
Obs. 1: a liberdade de locomoção inclui o direito de ir, o direito de vir e o direito de
permanecer.

281
Obs. 2: não existe direito fundamental absoluto. Dessa forma, as legítimas
restrições à liberdade de locomoção não configuram abuso de autoridade – são atos de
poder de polícia.
Obs. 3: distinção entre detenção momentânea e prisão para averiguação.
Detenção momentânea Prisão para averiguação
É a retenção da pessoa pelo tempo É prisão para investigar formal ou
estritamente necessário para uma fiscalização informalmente, sem que exista ordem judicial

O
ou verificação e sem que exista situação de flagrante
É ato legítimo – é exercício do poder policial. Abuso de autoridade

IT
Ex.: bloqueio de trânsito.
Obs: cumpre ressaltar que a Defensoria Pública do Estado de São Paulo,
juntamente com o Instituto Práxis de Direitos Humanos ajuizaram ação civil pública em

TU
face do Estado de São Paulo em 2013 pleiteando a confirmação da obrigação de não
fazer, impondo-se ao Estado, sob pena da multa arbitrada, a proibição da prática das
“prisões para averiguação” nas manifestações capitaneadas pelo Movimento do Passe
Livre, bem como pagamento de indenização por danos morais a todas as pessoas que

RA
tenham sido ou venham a ser vítimas de “prisão para averiguação”. Referido pedido foi
julgado improcedente em primeira instância e encontra-se pendende de julgamento em
grau recursal.11
2) “Qualquer atentado à inviolabilidade do domicílio”
LG
O que é domicílio? É qualquer local não aberto ao público, onde alguém exerce
qualquer atividade, um trabalho ou moradia, ainda que momentânea.
O art. 150, § 2º, CP: previsão do delito de violação de domicílio, com causa de
aumento de pena se praticado por agente público.
IA

O agente público que invade o domicílio pratica o crime do CP ou da Lei de Abuso


de Autoridade? Segundo Nucci, pelo princípio da especialidade, aplica-se a Lei de
Abuso. Como não é possível punir a pessoa 2 vezes pelo mesmo crime, o art. 150, §
2º, do CP está tacitamente revogado pela Lei de Abuso, no que tange à violação do
ER

domicílio por agente público.


Cumpre ressaltar que o STF, no recente julgamento do Recurso Extraordinário
(RE) 603616, com repercussão geral reconhecida, e, por maioria de votos, firmou a
AT

tese de que “a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo
em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas
a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob
pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de
M

nulidade dos atos praticados”. O risco da adoção dessa tese é de que a partir de uma
simples suposição, se coloque em segundo plano a garantia constitucional da
inviolabilidade do domicílio.
3) “Atentado ao sigilo da correspondência”
O tipo penal só protege correspondências fechadas.
Correspondências abertas perdem o caráter sigiloso.
É unânime que o sigilo da correspondência não é absoluto. Apesar do art. 5º, XII,
CF, dar a entender que seja.

11 Processo nº 0024010-95.2013.8.26.0053, 14ª Vara da Fazenda Pública da Capital.

282
Em situações excepcionais, de relevantíssimo interesse público, a Administração ou
o agente público podem violar a correspondência sem que isso configure abuso de
autoridade – STF, HC 70.814,
4) “Atentado à liberdade de culto e de crença”
Novamente, não existe direito fundamental absoluto.
O excesso na liberdade de consciência, de crença e de cultos, pode e deve ser
proibido.

O
Ex.: culto religioso com sacrifício de pessoas – isso é homicídio. Culto religioso com
som alto às 3h da manhã do lado do hospital – é contravenção penal.
5) “Atentado à liberdade de associação”

IT
Sem comentários relevantes acerca desse dispositivo.
6) “Atentado ao exercício do direito de voto”
Esse crime também pode ocorrer durante um referendo ou um plebiscito.

TU
Fernando Capez diz que não há conflito entre esse dispositivo e o Código Eleitoral.
Segundo ele, no Código Eleitoral não há nenhuma conduta que se assemelhe ao
abuso de autoridade.
No entanto, esse entendimento não deve prevalecer. O CE estabelece, por

RA
exemplo, que é crime o juiz impedir a pessoa de se inscrever como eleitora sem motivo
justificado – o juiz está, indevidamente, impedindo uma pessoa de se inscrever como
eleitora, ou seja, ele está atingindo o exercício do direito de voto. Há evidente conflito
de normas.
LG
Dessa forma, o artigo 3º, “g” da Lei de Abuso, é crime subsidiário, ou seja, ele se
aplica se o fato não configurar nenhum crime eleitoral.
7) “Atentado ao direito de reunião”
O art. 5º da CF garante o direito de reunião, mas exige requisitos para esse direito
IA

seja exercido: deve ser pacífico, sem armas, se for em local público, se houver aviso
prévio à autoridade e se a reunião não tem por finalidade frustrar outra reunião já
marcada para o mesmo local.
8) “Atentado à integridade ou incolumidade física da pessoa”
ER

Discussão se esse tipo penal está protegendo somente a integridade física ou se


protege também a psíquica.
Art. 322, CP: previsão do crime de violência arbitrária. Esse dispositivo está
AT

tacitamente revogado pelo artigo 3º, “i”, da Lei de Abuso de Autoridade? STF: disse
que não (RHC 95.617/MG) – o art. 322 do CP permanece vigente.
9) “Atentado às prerrogativas profissionais”
Ex.: o delegado, abusivamente, proíbe o advogado de consultar o inquérito
M

(violação da súmula vinculante 14).


Esse dispositivo é norma penal em branco, complementada pela norma que garante
as prerrogativas profissionais.

20. A atitude de policiais que expulsam prostitutas da rua configura crime de


abuso de autoridade?
Sim, nos termos do art. 3º, a da Lei nº4.898/95, porque elas têm o direito à
liberdade de locomoção e também porque prostituição não é crime (apenas a sua
exploração permanece tipificada como delito).

283
21. Explique as condutas previstas pelo artigo 4º.
1) “Ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as
formalidades legais ou com abuso de poder”
O tipo penal prevê a conduta de ordenar ou executar medida privativa da liberdade
individual sem as formalidades legais ou com abuso de poder.
No verbo “ordenar”, o crime é formal ou de consumação antecipada – o crime se
consuma com a simples ordem dada, ainda que ela não seja executada. Se o crime foi

O
executado, será mero exaurimento do crime praticado por aquele que ordenou. Dessa
forma, é possível o resultado naturalístico com a execução da ordem. Segundo a
doutrina, esse crime admite tentativa desde que na forma escrita: se a ordem não

IT
chegar ao destinatário por razões contrárias à vontade de quem ordenou.
No verbo “executar”, o crime é material ou de resultado – o crime se consuma com
a efetiva execução da ordem e a tentativa é perfeitamente possível. Esse crime pode

TU
ser praticado de 2 formas:
i. pelo descumprimento de formalidades legais – ex.: o delegado de polícia manda
recolher para a prisão uma pessoa que está em situação de flagrante, porém sem
lavrar o auto de prisão em flagrante;

RA
ii. pela prisão abusiva – ex.: prender alguém sem estar em situação de flagrante ou
sem ordem judicial, ou seja, prisão para averiguação. Atenção! Esse crime também
configura um atentado contra liberdade de locomoção, visto acima. E aí? Prender uma
pessoa sem situação de flagrante e sem decisão judicial pode configurar crime do art.
LG
3º e do art. 4º? A doutrina propõe que, havendo conflito entre o art. 3º e o art. 4º da lei,
prevalece o art. 4º, porque a redação do art. 3º é genérica, vaga e aberta, já a redação
do art. 4º é mais restritiva, mais garantista.
Atenção! Súmula vinculante 11: algemas somente são permitidas no caso de: i.
IA

resistência; ii. fundado receio de fuga; iii. risco à integridade física própria ou alheia.
Fora desses casos, o uso de algemas configura abuso de autoridade, segundo a
súmula (quando fala em responsabilidade penal).
ER

Atenção! Se o sujeito passivo dessa conduta (prisão abusiva) for criança ou


adolescente, temos o crime do art. 230 do ECA: apreensão abusiva. Art. 230, parágrafo
único, ECA: se o delegado apreender o adolescente em situação de flagrante sem
lavrar o auto de apreensão ou boletim de ocorrência circunstanciado incide no mesmo
AT

crime do 230. Nucci entende que esse dispositivo deve prevalecer sobre o tipo do art.
4º, a da Lei 4989/65 por ser mais específico, uma vez que estabelece não somente o
sujeito passivo (criança e adolescente), como também se refere à modalidade de
privação da liberdade (apreensão).
M

2) “Submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a


constrangimento não autorizado em lei”
Sujeito ativo: não é qualquer autoridade, é somente a autoridade que detém a
custódia ou a guarda da pessoa. Se o vexame for legal (algemar uma pessoa havendo
necessidade, por exemplo), não há crime. Mas se for ilegal (exibir a imagem do
indivíduo contra a sua vontade) é crime.
Art. 232, ECA: se a vítima é criança ou adolescente não é abuso de autoridade,
mas sim o crime previsto no art. 232.
3) “Deixar de comunicar, imediatamente, ao juiz competente a prisão ou
detenção de qualquer pessoa”

284
A comunicação da prisão deve ser imediata – aquela feita no primeiro momento
possível, consideradas as circunstâncias do caso concreto.
A demora injustificada na comunicação configura abuso de autoridade. Ex.:
delegado efetua prisão no sábado, quando tinha juiz de plantão, mas só comunica na
segunda-feira.
A comunicação feita propositalmente ao juiz incompetente configura abuso de
autoridade. Ex.: delegado propositalmente comunica o juiz errado para atrasar o

O
controle judicial sobre a prisão.
O art. 231 do ECA prevê comunicação ao juiz competente e à família do
adolescente.

IT
O art. 306 do CPP diz que a comunicação deve ser feita ao juiz competente, à
família e ao MP.

TU
Lei de Abuso de Autoridade ECA
Deixar de comunicar: Deixar de comunicar:
O juiz – crime de abuso de autoridade; O juiz – é crime
A família – fato atípico A família – é crime

RA
O MP – fato atípico O MP – é fato atípico
E se o juiz é comunicado da prisão, constata que E se o juiz é comunicado da apreensão,
é ilegal e não relaxa? Ele comete crime de abuso constata que é ilegal e não relaxa? Ele
de autoridade – art. 4º, “d” comete o crime do artigo 237 do ECA
LG
4) “Deixar o juiz de ordenar o relaxamento de prisão ou detenção ilegal que
lhe seja comunicada”
5) “Levar à prisão e nela deter quem quer que se proponha a prestar fiança,
permitida em lei”
IA

Sem comentários relevantes acerca desse dispositivo.


6) “Cobrar o carcereiro ou agente de autoridade policial carceragem, custas,
emolumentos ou qualquer outra despesa, desde que a cobrança não tenha
ER

apoio em lei, quer quanto à espécie, quer quanto ao seu valor”


Sem comentários relevantes acerca desse dispositivo.
7) “Recusar o carcereiro ou agente de autoridade policial recibo de
AT

importância recebida a título de carceragem, custas, emolumentos ou de


qualquer outra despesa”
Sem comentários relevantes acerca desse dispositivo.
8) “O ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica,
M

quanto praticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência


legal”
O ato pode ser:
i. legal – fato atípico. Ex.: fiscais da vigilância sanitária interditam um restaurante;
ii. ilegal – fato típico.
A lei fala em ato lesivo, o que significa dizer que esse crime é material e se
consuma com a efetiva lesão à honra ou ao patrimônio. A tentativa é perfeitamente
possível.
Ex: A Defensoria Pública de SP enviou na última semana ofícios à Prefeitura da
Capital solicitando que sejam devolvidos os bens, objetos pessoais e carroças aos
seus donos, pessoas em situação de rua que tiveram tais pertences apreendidos pelos
285
guardas civis metropolitanos durante as operações que aconteceram na região da
Cracolância no final do mês de abril/2015.De acordo com os Defensores Públicos, a
apreensão administrativa das carroças e objetos pessoais destas pessoas é ilegal e
inconstitucional, e fere o direito de posse e propriedade. "É de rigor que se faça não
apenas a devolução dos bens, objetos pessoais e instrumentos de trabalho, como
também se apure as circunstâncias em que as apreensões ocorreram, que podem
caracterizar, inclusive, o crime de abuso de autoridade".

O
9) “Prolongar a execução de prisão temporária, de pena ou de medida de
segurança, deixando de expedir em tempo oportuno ou de cumprir

IT
imediatamente ordem de liberdade”
Ele estabelece uma ação e uma omissão. Não admite a tentativa.
O crime consiste em “prolongar indevidamente prisão temporária, pena ou medida

TU
de segurança”.
E prolongar indevidamente prisão preventiva não é crime? Sim, art. 4º, “d”
(submeter o preso a constrangimento ilegal).
Art. 350, CP: exercício arbitrário e abuso de poder. Esse artigo foi tacitamente

RA
revogado por essa lei? STF (nesse mesmo sentido STJ, HC 65499): o art. 350 foi
parcialmente revogado:
i. caput – revogado pela lei;
ii. inciso I – vigente;
LG
iii. nciso II – revogado pela lei;
iv. inciso III – revogado pela lei;
v. inciso IV – vigente.
IA

22. Qual o prazo para o oferecimento da denúncia na hipótese de abuso de


autoridade?
Por expressa previsão legal, a denúncia no crime de abuso de autoridade terá
ER

prazo “especial” em detrimento ao fixado genericamente no CPP, uma vez que o artigo
13 assim dispõe: “Art. 13. Apresentada ao Ministério Público a representação da
vítima, aquele, no prazo de quarenta e oito horas, denunciará o réu, desde que o
fato narrado constitua abuso de autoridade, e requererá ao Juiz a sua citação, e, bem
AT

assim, a designação de audiência de instrução e julgamento. § 1º A denúncia do


Ministério Público será apresentada em duas vias.”

23. Dê exemplos de situações práticas relacionadas com as atividades da


M

Defensoria Pública que podem configurar crime de abuso de autoridade.


Diretor de presídio que impede a entrada de Defensor Público na penitenciária (art.
3º, j); Delegado de polícia que não permite acesso aos autos de inquérito policial (art.
3º, j e súmula vinculante nº 14); Delegado que manda recolher uma pessoa à prisão em
flagrante sem lavrar o respectivo auto (art. 4º, a); Delegado que executa prisão com
abuso de poder, ao utilizar algemas sem necessidade (art. 4º, a e súmula vinculante nº
11); Diretor de presídio que impede o preso, sem motivo, de receber visitas (art. 4º, b);
Diretor de presídio que expõe a imagem do preso na imprensa sem sua autorização
(art. 4º, b); Delegado de Polícia que deixa de comunicar imediatamente a prisão do
preso ao juiz (art. 4º, b).

286
24. Como compatibilizar o fim específico de agir com os abusos de autoridade
ocorridos em manifestações pacíficas?
Nucci chama atenção para a linha tênue entre uma violência legal e um excesso,
configurador do abuso de autoridade, o que depende da verificação do elemento
subjetivo específico.
A partir disso, questiona-se o espectro de discricionariedade das autoridades

O
públicas na atuação diante de manifestações populares. Nesse sentido: “Saliente -se, a
este propósito, que tal como sucede com o artigo 1º, este artigo 5º (DL 406/74)
concede uma ampla discricionariedade aos agentes administrativos, no momento da

IT
definição, na prática, dos limites do exercício desse direito. Ora, tal revela-se contrário
à reserva de lei que impera nessa área, como já nos referimos. Na verdade, Vieira de
Andrade salienta que os termos concretos da intervenção administrativa nesta matéria

TU
deve, portanto, constar da lei e não é legítimo que dependam de um juízo de
oportunidade e conveniência da própria autoridade administrativa que não é previsível
ou mensurável pelos particulares nem controlável (senão negativamente) pelos
Tribunais. (...) Já afirmava CAETANO, Marcello, que a polícia deve actuar sobre o

RA
perturbador da ordem e não sobre aquele que legitimamente use seu direito. (...) Os
poderes da polícia não devem ser exercidos de modo a impor restrições e a usar de
coacção além do estritamente necessário. A acção da polícia deve medir a sua
intensidade e extensão pela gravidade dos actos que ponham em risco a ordem social
LG
(...). O emprego imediato de meios extremos contra ameaças hipotéticas ou mal
desenhadas constitui abuso de autoridade”.12
Marcelo Semer chama atenção para o papel da audiência de custódia na
contenção do abuso de autoridade: “A audiência de custódia resgata um déficit de
IA

legitimidade de um processo penal que é garantia apenas na teoria, e procura


estabelecer algum limite, ainda que tênue, para os excessos do poder punitivo. (...) Em
um país com recordes de violência policial, é inusitado que tenhamos tantos processos
ER

por desacato contra eles e tão poucos por abuso de autoridade, quase nenhum por
tortura. A violência policial se oculta, inclusive, com a omissão de Ministério Público e
Judiciário, repletos de arquivamentos e absolvições sumárias. De outro lado, a
liberdade de expressão é tolhida com a prevalência da autoridade”.13
AT

Obs: questão permeada pela discussão acerca da inviabilidade de utilização do


Direito Penal como meio de proteção e promoção dos direitos humanos versus
contenção do abuso de autoridade enquanto meio de persecução criminal desenfreada
e ilimitada.
M

Bibliografia:
Pontos DPE-MS
Pontos DPE-PA
Material CEI DPE-CE (oral)
Dizer o Direito
LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada. 2ª ed. Juspodivm.
2014

12 Trecho retirado da ACP da DPESP contra prisão por averiguação.


13 http://justificando.com/2015/10/16/depois-da-custodia-o-desacato/

287
PONTO 20
Violência doméstica (Lei nº 11.340/06),

1. O fato de a vítima ser figura pública renomada afasta a competência do


Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher?

O
Não. A competência de tal vara foi fixada pela Lei n. 11.343/06, popularmente
conhecida com Lei Maria da Penha. Esta lei, elaborada após recomendações da
Comissão Interamericana de Direitos Humanos em razão da omissão do Estado, busca

IT
coibir a violência contra a mulher. A tutela que a lei busca efetivar considera a mulher
inserida no meio social brasileiro, que é extremamente machista e opressor. Esta lei
reconhece a mulher como sujeito de direitos e em pé de igualdade com os homens,

TU
mas reconhece também a sua vulnerabilidade. Conforme decidiu o STJ, não é a
condição concretamente considerada de determinada mulher, que seja empoderada e
com visibilidade pública, que deve determinar a competência da Vara Especial, sob
pena de esvaziar os objetivos da lei. A competência é fixada em razão da condição da

RA
vítima em relação a seu contexto social. O precedente do STJ está fundado no
argumento de que “a vulnerabilidade deve ser aferida na própria relação de afeto, onde
o homem é, e sempre foi, o mais forte”, sendo presumida a sua vulnerabilidade pela
própria lei. Embora o argumento seja igualmente machista, é certo que a competência
LG
do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher não pode ser afastada
pela simples fato de a vítima ser figura pública.

2. Qual a ação penal no caso de lesão corporal leve ou culposa, praticada com
IA

violência doméstica e familiar contra a mulher? (colisão entre o artigo 41 da lei


11.340/06 e 88 da Lei 9.099/95).
Diz a Lei dos Juizados Especiais, Lei Federal nº 9.099/95, que: "Art. 88. Além das
ER

hipóteses do Código Penal e da legislação especial, dependerá de representação a


ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas". Em uma
interpretação literal, fácil perceber que a norma pretende influir não apenas quando a
lesão corporal, leve ou culposa, for de menor potencial ofensivo (art. 129, caput e §6º,
AT

inclusive com eventual aumento de pena do §7º, todos do CP), como também quando a
lesão leve estiver capitulada no art. 121, §9º, do CP (inclusive com possível
incidência do §11). No entanto, diz a Lei Maria da Penha, Lei Federal nº 11.340/2006,
que: "Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher,
M

independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei nº 9.099, de 26 de setembro


de 1995". Com o advento do mencionado artigo da Lei Maria da Penha surgiu uma
dúvida: a previsão do art. 88 da Lei nº 9.099/95, aplica-se, ou não, aos casos de lesões
corporais leves e culposas, quando o fato estiver sob a proteção da Lei Maria da
Penha? Duas correntes tentaram responder ao questionamento. Para a primeira, o art.
88 da Lei nº 9.099/95 tem caráter geral, aplicando-se para o sistema jurídico pátrio
como um todo, motivo pelo qual não pode ser excepcionado pelo art. 41 da Lei Maria
da Penha. Reforçando tal entendimento, sustentavam que a própria Lei Maria da
Penha, contém dispositivo se referindo à representação da ofendida nos crimes de
ação penal pública condicionada à representação. Vejamos: "Art. 16. Nas ações penais

288
públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será
admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente
designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério
Público."
Por outro lado, uma segunda corrente, que se sagraria vencedora, como
veremos adiante, sustentou que a interpretação correta do art. 41 da Lei Maria da
Penha deve excluir, por completo, a aplicação da Lei nº 9.099/95, inclusive no que

O
atine ao regrado no art. 88. Assim, a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais
leves e lesões corporais culposas, quando cometidos nas circunstâncias retratadas
pela Lei nº 11.340/2006, seriam de ação penal pública incondicionada. Na sessão do

IT
dia 09/02/2012 o Supremo Tribunal Federal julgou, por maioria de votos, procedente
ação proposta pelo Procurador Geral da República, sagrando a tese de que o
Ministério Público pode dar início a ação penal sem necessidade de representação da

TU
vítima.

3. Quais os requisitos que, cumulativamente, devem estar presentes para fazer


atrair a incidência da Lei 11.340/2006?

RA
Primeiro, releva notar que o STJ, em julgado de 2013, entendeu que seriam três os
elementos que, cumulativamente, deveriam se apresentar: (i) relação íntima de afeto
(ainda que não haja coabitação), (ii) motivação de gênero e (iii) situação de
vulnerabilidade (que é presumida).
LG
A doutrina, aqui representada por Renato Brasileiro, indica outros três requisitos: 1)
sujeito passivo mulher; 2) prática de violência física, psicológica, sexual, patrimonial ou
moral: para fins de incidência da Lei Maria da Penha, basta o cometimento de qualquer
uma das hipóteses de violência previstas nos incisos I a V do art. 7°; 3) violência dolosa
IA

praticada no âmbito da unidade doméstica, no âmbito da família, ou em qualquer


relação íntima de afeto: estas situações em que se presume a maior vulnerabilidade da
mulher também são alternativas; logo, para fins de incidência da Lei Maria da Penha,
ER

basta a presença de uma delas, e não sua cumulação.


Vê-se que, para a doutrina, e conforme previsto no art. 5 da lei, a relação íntima de
afeto não é obrigatória, podendo a violência dolosa ser praticada em contexto familiar,
doméstico ou em relação íntima de afeto.
AT

4. Descumprir medida protetiva configura o delito de desobediência?


Não. O entendimento é da quinta turma do STJ. De acordo com a decisão, o
tribunal afasta a tipicidade da conduta nos casos em que o descumprimento da ordem
M

é punido com sanção específica de natureza civil ou administrativa. A própria Lei Maria
da Penha determina que, nos casos em que ocorre descumprimento das medidas
protetivas de urgência aplicadas ao agressor, é cabível a requisição de força policial e
a imposição de multas, entre outras sanções, não havendo ressalva expressa no
sentido da aplicação cumulativa do artigo 330 do Código Penal. Portanto, em
homenagem ao princípio da intervenção mínima que vige no âmbito do direito penal,
não há que se falar em tipicidade da conduta, na linha dos precedentes do STJ.

5. Qual o instrumento processual cabível para discutir a imposição de medidas


protetivas?

289
A quinta turma do STJ, em decisão recentíssima, entendeu cabível o HC em
relação ao mandado de distanciamento. Em caso levado à corte pela Defensoria
Pública de Alagoas, sustentou-se que a legislação não prevê recurso contra a decisão,
e que o mandado de distanciamento afetaria o direito de ir e vir do paciente, suposto
agressor, ainda mais ao se considerar que o descumprimento de qualquer medida
protetiva pode atrair a solução da prisão preventiva, o que foi acatado pelo STJ.

6. Fale um pouco sobre a origem da Lei Maria da Penha.

O
Esta lei ficou conhecida como Lei Maria da Penha em virtude da grave violência de
que foi vítima Maria da Penha Maia Fernandes: em 29 de maio de 1983, na cidade de

IT
Fortaleza, a farmacêutica Maria da Penha, enquanto dormia, foi atingida por disparo de
espingarda desferido por seu próprio marido. Por força desse disparo, que atingiu a
vítima em sua coluna, Maria da Penha ficou paraplégica. Porém, as agressões não

TU
cessaram. Uma semana depois, a vítima sofreu nova violência por parte de seu então
marido, tendo recebido uma descarga elétrica enquanto se banhava. O agressor foi
denunciado em 28 de setembro de 1984. Devido a sucessivos recursos e apelos, sua
prisão ocorreu somente em setembro de 2002.

RA
Por conta da lentidão do processo, e por envolver grave violação aos direitos
humanos, o caso foi levado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que
publicou o Relatório n° 54/2001, no sentido de que a ineficácia judicial, a impunidade e
a impossibilidade de a vítima obter uma reparação mostra a falta de cumprimento do
LG
compromisso assumido pelo Brasil de reagir adequadamente ante a violência
doméstica. Cinco anos depois da publicação do referido relatório, com o objetivo de
coibir e reprimir a violência doméstica e familiar contra a mulher e superar uma
violência há muito arraigada na cultura machista do povo brasileiro, entrou em vigor a
IA

Lei n° 11.340/06, que ficou mais conhecida como Lei Maria da Penha.

7. Por qual motivo o caso não foi levado à Corte Interamericana de Direitos
Humanos?
ER

O Brasil somente aceitou se submeter à jurisdição contenciosa da Corte em 1998,


tendo ressalvado desde logo que qualquer situação anterior a tal data não poderia ser
levada ao órgão judicial do sistema interamericano.
AT

8. Qual será a competência para o julgamento de crimes dolosos contra a vida


praticados no contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher?
Desde que praticada no contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher,
M

toda e qualquer infração penal poderá ser julgada pelo Juizado de Violência Doméstica
e Familiar contra a Mulher. Especificamente em relação aos crimes dolosos contra a
vida praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, como o art. 14 da
Lei Maria da Penha dispõe que os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a
Mulher serão criados pelos Estados, caberá à Lei de Organização Judiciária local
dispor sobre o assunto.
Pelo menos em tese, desde que respeitada a competência do Júri para o efetivo
julgamento do crime doloso contra a vida, a Lei de Organização Judiciária local pode
outorgar aos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher a
competência para a supervisão das investigações (v.g., deferimento de medidas

290
cautelares, convalidação judicial da prisão em flagrante) e para primeira fase do
procedimento bifásico do Júri (judicium accusationis), culminando com uma possível
decisão de pronúncia, absolvição sumária, desclassificação ou impronúncia.
A propósito, ressalvando a competência do Júri exclusivamente para o julgamento
do crime doloso contra a vida, o STJ já teve a oportunidade de concluir que é
perfeitamente possível que norma de organização judiciária local autorize o
processamento de crime doloso contra a vida perante o Juizado de Violência

O
Doméstica e Familiar contra a Mulher até a fase de pronúncia.

9. Como interpretar os arts. 27 e 28 da lei e relacioná-los com a Defensoria

IT
Pública [Art. 27. Em todos os atos processuais, cíveis e criminais, a mulher em
situação de violência doméstica e familiar deverá estar acompanhada de
advogado, ressalvado o previsto no art. 19 desta Lei. Art. 28. É garantido a toda

TU
mulher em situação de violência doméstica e familiar o acesso aos serviços de
Defensoria Pública ou de Assistência Judiciária Gratuita, nos termos da lei, em
sede policial e judicial, mediante atendimento específico e humanizado]? Trata-se
de atuação obrigatoriamente vinculada ao papel de assistente de acusação?

RA
De início, bom lembrar que a LC 80/94 prevê como função institucional da DP
exercer a defesa dos direitos individuais e coletivos lato sensu de grupos sociais
vulneráveis, incluindo expressamente as mulheres em violência doméstica. Partindo da
leitura da CF, com a modificação implementada pela EC 80, que coloca a instituição
LG
em novo patamar, atribuindo-se à Defensoria a função de promover os direitos
humanos de todos os necessitados, e passando-se pela análise da LC 80 e do art. 28
da Lei Maria da Penha, possível a interpretação de que a Defensoria deve atender toda
e qualquer mulher vítima de violência doméstica, principalmente atendendo suas
IA

demandas de urgência.
A Defensoria de SP, no entanto, regulamentou a questão por meio da Deliberação
CS 89/2008 (com alterações posteriores), aparentemente optando por utilizar o critério
ER

econômico como aplicável também nesses casos, pois o art. 2, §16, da referida
deliberação, prevê que o Defensor Público deve verificar, em cada situação, se há
elementos que permitam concluir não ter acesso o usuário, mesmo que
transitoriamente, aos recursos financeiros próprios ou da família, hipótese em que
AT

deverá ser prestado o atendimento, notadamente nos casos de violência doméstica e


familiar contra a mulher, bem como, no § 18, para dizer que nos casos de violência
doméstica contra a mulher, mesmo que se trate de hipótese de denegação do
atendimento, deve ser prestada orientação sobre os direitos e ser adotadas as medidas
M

de urgência para garantia da incolumidade física da mulher.


A deliberação CS 138/2009, por sua vez, determina que a situação de violência
doméstica e familiar contra a mulher terá tramitação prioritária no âmbito da DPSP.
Ainda a respeito dos enunciados normativos previstos na lei maria da penha, vale
destacar a obrigação de a Defensoria receber a vítima de violência por meio de todos
os seus serviços, não só a atuação jurídica, razão pela qual acionar o CAM em tais
situações permitirá o atendimento humanizado e integral determinado pela lei.
Quanto ao art. 27, a atuação da Defensoria em todos os atos dos processos
criminais e cíveis não significa uma atuação como assistente de acusação,
necessariamente, mas, sim, em verdade, um atuar na condição de representante da

291
vítima, para fins de atender as suas demandas urgentes, durante toda a tramitação
(como a solicitação de medidas protetivas e até mesmo a prisão preventiva em virtude
de seu descumprimento), bem como para ter total ciência da situação de violência, o
que permitirá melhor instruir pedidos de natureza cível (pois a vara de violência
doméstica tem competência híbrida). O objetivo não é o de ser assistente de acusação,
mas, sim, a defesa dos direitos da vítima, principalmente na esfera cível, além de
garantir a tutela dos direitos fundamentais da mulher na esfera criminal, especialmente

O
no tocante às medidas protetivas.
[Fonte: artigo do temas aprofundados vol. 2].

IT
10. Direito de retratação da representação. Há alguma peculiaridade na lei maria
da penha? Cite dois crimes que precisam dessa representação no contexto da
violência doméstica e familiar contra a mulher?

TU
Há algumas peculiaridades. Primeiro, será necessário que a retratação seja
ratificada perante o judiciário e o ministério público, em audiência especialmente
designada para tanto. Ademais, pode ser feita até o recebimento (e não o
oferecimento) da denúnia.

RA
Muito embora as lesões culposas e simples, no contexto de violência doméstica e
familiar contra a mulher, tenham a ação penal como pública incondicionada, há crimes
que ainda precisarão da representação, tais como a ameaça e crimes contra a
dignidade sexual.
LG
11. A audiência acima referida é obrigatória em todo caso que a mulher
apresentou representação?
No procedimento de crimes praticados no contexto de violência doméstica e
IA

familiar que dependem de representação (v.g., ameaça, estupro), não é obrigatória a


designação de audiência a fim de que a vítima possa manifestar sua retratação ou
ratificar a representação anteriormente oferecida. Tal audiência também não é uma
ER

condição de abertura da ação penal em relação a tais delitos. Em síntese, sua


realização não pode ser determinada de ofício pelo juiz como forma de se constranger
a vítima a ratificar representação anteriormente oferecida.
Na verdade, sua realização só deve ser determinada pela autoridade judiciária nos
AT

casos de crime de ação penal pública condicionada à representação (v.g., ameaça,


estupro, etc.) quando tiver havido prévia manifestação da parte ofendida perante a
autoridade policial ou o Promotor de Justiça antes do recebimento da denúncia
demonstrando sua intenção de retratar-se.
M

12. O juiz pode substituir a pena privativa de liberdade por uma restritiva de
direitos em casos envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher?
Antes do advento da Lei Maria da Penha, quando ainda era possível a aplicação da
Lei dos Juizados às hipóteses de violência doméstica e familiar contra a mulher, esta
espécie de violência era mensurada de acordo com o valor da pena de multa ou
consoante a quantidade de cestas básicas a que o acusado havia sido condenado.
Essa transformação da violência doméstica e familiar contra a mulher em pecúnia era
muito questionada porquanto permitia que eventual agressão física, psicológica,
patrimonial, sexual ou moral contra o sexo feminino fosse sancionada com o simples

292
pagamento de determinada quantia em dinheiro. Com o objetivo de pôr fim ao princípio
de que, para bater na esposa ou companheira, bastava pagar, o art. 17 da Lei Maria da
Penha passou a dispor que, nos crimes praticados com violência doméstica e familiar
contra a mulher, é vedada a aplicação de penas de cesta básica ou outra que implique
somente o pagamento de pecúnia, a exemplo do que ocorre com a pena restritiva de
direito de prestação pecuniária (CP, art. 45, §§ 1 o e 2°), bem como a substituição de
pena que implique o pagamento isolado de multa.

O
Interpretando-se a contrario sensu o dispositivo sob comento, conclui-se que é
perfeitamente possível a aplicação de pena privativa de liberdade ou restritiva de
direitos diversa da prestação pecuniária (v.g., prestação de serviços à comunidade),

IT
cumuladas (ou não) com eventual pena de multa, já que o art. 17 veda apenas a
substituição de pena que implique o pagamento isolado da multa, e não sua aplicação
cumulativa com outras espécies de pena.

TU
13. As medidas protetivas de urgência são aplicáveis apenas à mulher em
situação de violência doméstica?
O art. 22 da Lei n° 11.340/06 faz referência à adoção de tais medidas apenas

RA
quando constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher. No
entanto, ante a nova redação conferida ao art. 313, inciso III, do CPP, pela Lei n°
12.403/11, além da mulher, tais medidas também podem ser concedidas de modo a
coibir a violência doméstica e familiar contra a criança, adolescente, idoso, enfermo ou
LG
pessoa com deficiência.

14. Qual a natureza jurídica das medidas protetivas? As medidas protetivas são
vinculadas, necessariamente, a um processo criminal?
IA

A despeito de certa controvérsia na doutrina quanto a sua natureza jurídica, como o


próprio legislador se refere a elas como medidas protetivas de urgência, prevalece o
entendimento de que estamos diante de medidas cautelares.
ER

No entanto, não é esse o entendimento a ser utilizado em certos casos, conforme


tese institucional 117 da DPSP.
De acordo com a tese, as medidas protetivas de urgência previstas na Lei
11.340/2006 são providencias de caráter “cível” (fixação de alimentos provisórios ou
AT

provisionais, suspensão ou restrição de visitas), penal (proibição de contato ou


aproximação, decretação de prisão preventiva) e administrativo-penal (suspensão do
porte de armas), que objetivam tutelar a mulher em situação de violência doméstica e
familiar.
M

Para a sua concessão, nos termos do que preconiza o art. 22 do referido diploma
legislativo, deve-se comprovar apenas a ocorrência da violência doméstica e familiar.
Estabeleceu-se tratamento diferenciado à mulher, em razão de ao longo dos anos, esta
ter ocupado uma posição de subalternidade em relação ao homem (em decorrência do
reforço da ideologia patriarcal), de modo que a busca pela chamada igualdade material
justifica a adoção de instrumentos de proteção especial aptos a prevenir e erradicar a
discriminação da mulher em razão do gênero.
As medidas protetivas de urgência são provimentos aptos a garantir a integridade
da mulher em situação de violência, com vistas a impedir a continuidade ou repetição
do ilícito. Portanto, as referidas medidas, de acordo com a tese 117, não possuem

293
natureza jurídica de cautelares, pois não são dotadas das características de
instrumentalidade, referibilidade e provisoriedade, comuns as “cautelares propriamente
ditas”.
Os provimentos jurisdicionais, previstos no art. 22 da Lei 11.340/2006, não se
destinam a eficácia da decisão jurisdicional a ser proferida em outro processo (no caso,
em feito de natureza criminal), o objetivo das medidas protetivas é a defesa dos direitos
da paz, habitação e inviolabilidade da integridade física e psicológica da mulher, de

O
forma que não se prestam para garantir a efetividade de um processo criminal, por
exemplo.
Não se pode concluir, de forma apriorística que, ao fim do processo criminal, as

IT
medidas protetivas de urgência deixam de ser úteis, sobretudo, nos casos em que a
violência não cessou.
Em relação ao tema o Superior Tribunal de Justiça, já decidiu (STJ – RECURSO

TU
ESPECIAL Resp 1419421 GO 2013/0355585-8) que as medidas protetivas previstas
na Lei n. 11.340 /2006, observados os requisitos específicos para a concessão de cada
uma, podem ser pleiteadas de forma autônoma para fins de cessação ou de
acautelamento de violência doméstica contra a mulher, independentemente da

RA
existência, presente ou potencial, de processo-crime ou ação principal contra o suposto
agressor. Nessa hipótese, as medidas de urgência pleiteadas terão natureza de
cautelar cível satisfativa, não se exigindo instrumentalidade a outro processo cível ou
criminal, haja vista que não se busca necessariamente garantir a eficácia prática da
LG
tutela principal.
Com a argumentação expendida não se pretende defender a validade ad aeternum
das Medidas Protetivas, mas tão só que sua duração não se condicione nem se limite à
existência de um processo principal de natureza criminal.
IA

15. Quem tem legitimidade para pedi-las?


De acordo com o art. 19, caput, da Lei Maria da Penha, as medidas protetivas de
ER

urgência poderão ser concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a


pedido da ofendida. Uma das grandes novidades introduzidas pela Lei Maria da Penha
foi permitir que a aplicação de medidas protetivas de urgência seja postulada pela
própria vítima perante a autoridade policial. Com efeito, ao fazer o registro de uma
AT

violência doméstica e familiar contra a mulher, a vítima pode requerer pessoalmente a


separação de corpos, alimentos provisionais ou provisórios, distanciamento do
agressor, etc., providências estas que podem ser pleiteadas mesmo sem estar ela
representada por profissional da advocacia. Por mais que a Lei n° 11.340/06
M

expressamente assegure à mulher em situação de violência acesso aos serviços da


Defensoria Pública ou da Assistência Judiciária Gratuita (art. 28), o pedido por ela
formulado de decretação de medida protetiva de urgência em sede policial não precisa
ser necessariamente subscrito por advogado. Tanto é verdade que o próprio art. 27
dispõe que a mulher em situação de violência deverá estar acompanhada de advogado
em todos os atos processuais, cíveis e criminais, salvo na hipótese do art. 19 da Lei n°
11.340/06, exatamente o dispositivo legal que lhe outorga legitimidade para o
requerimento de decretação das medidas protetivas de urgência.

16. Há contraditório prévio na fixação de medida protetiva?

294
No processo penal, sempre prevaleceu o entendimento de que não seria possível
conceber e admitir a intervenção defensiva do investigado e/ou de seu advogado em
momento anterior à decretação das medidas cautelares, sob pena de frustração da
eficácia da medida cautelar pleiteada. Assim, as medidas cautelares eram sempre
aplicadas inaudita altera pars, ou seja, sem a oitiva da parte contrária. A defesa,
portanto, somente teria condições de interferir na decretação dessas medidas em
momento posterior, questionando sua legalidade por meio de habeas corpus, isto é, o

O
contraditório era diferido. Aliás, a Lei Maria da Penha dispõe expressamente que as
medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas de imediato,
independentemente de audiência das partes e de manifestação do Ministério Público,

IT
devendo este ser prontamente comunicado.
Com a entrada em vigor da Lei n° 12.403/11, alterando o Código de Processo
Penal, todavia, parte da doutrina elabora nova reflexão. Explica-se: na esteira da

TU
moderna legislação europeia, o art. 282, § 3°, do CPP, passou a prever o contraditório
prévio à decretação da medida cautelar. Em face desse preceito, pelo menos em regra,
a parte contrária deverá ser chamada para opinar e contra argumentar em face da
representação da autoridade policial, do requerimento do Ministério Público, do

RA
querelante ou do assistente, confiando-se ao juiz a ponderação plena e com
visibilidade, em face da presença de mais uma e justificada variável, de todos os
aspectos que tangenciam a extensão da medida, permitindo-lhe chegar a um
convencimento mais adequado sobre a necessidade (ou não) de adoção da medida
LG
cautelar pleiteada. De fato, as razões apresentadas pela defesa técnica podem levar o
juiz a não adotar a medida cautelar pretendida, não só em uma hipótese de eventual
erro quanto à qualificação do verdadeiro autor do delito, como também na hipótese em
que ele conseguir demonstrar a desnecessidade do provimento cautelar, ou, ainda, a
IA

possibilidade de adoção de medida menos gravosa.


A despeito da Lei n° 12.403/11 ter inserido esse contraditório prévio como regra
apenas no Código de Processo Penal, não há justificativa razoável para o tratamento
ER

desigual previsto pela Lei Maria da Penha, que ainda faz referência ao contraditório
diferido como regra. Com efeito, se a decretação de medidas cautelares de natureza
pessoal previstas no CPP, invariavelmente mais gravosas que aqueles provimentos
previstos na Lei Maria da Penha, passa a ter esse contraditório prévio como regra,
AT

seria de todo desarrazoado não aplicar o mesmo raciocínio às medidas protetivas de


urgência inseridas nos arts. 22, 23 e 24 da Lei n° 11.340/06.
Como a observância do contraditório prévio passa a ser a regra em virtude do art.
282, § 3°, do CPP, se o juiz entender que não deve dar prévia ciência ao acusado da
M

possibilidade de imposição de medida cautelar de natureza pessoal contra sua pessoa,


deve fazer constar da motivação de sua decisão a situação de urgência ou de perigo
de ineficácia da medida que justificou a imposição da cautelar inaudita altera pars. Em
síntese, o motivo que deu ensejo ao afastamento do contraditório prévio deve fazer
parte da fundamentação da decisão.

17. Necessário boletim de ocorrência prévio para que se possa postular as


medidas protetivas de urgência?

295
As medidas protetivas de urgência da Lei 11.340/06 não exigem, para sua
concessão e manutenção, a existência de Boletim de Ocorrência, representação
criminal ou procedimento criminal (tese institucional 117).

PONTO 21
Crimes de trânsito (Lei nº 9.503/97),
Estatuto do desarmamento (Lei nº 10.826/03 e Decreto nº 5.123/04)

O
CRIMES DE TRÂNSITO (LEI Nº 9.503/97)

IT
1. A Lei 9.099/95 é aplicável aos crimes de trânsito?
A lei 9.099/95 aplica-se aos crimes dos artigos 304, 305 e 307 a 312 – tais

TU
delitos não possuem pena máxima superior a dois anos, ou seja, dos 11 crimes do CTB
08 são Infrações de menor potencial ofensivo (IMPO).
“No que couber”. Para estes crimes é cabível: a. Julgamento pelo
JECRIM; b. Transação penal (art. 76); c. Composição civil de danos se houver vítima

RA
(at. 74); d. Suspensão condicional do processo (art. 89);
Quanto ao crime do art. 306 (embriaguez ao volante - pena de 06 meses a 03
anos), por não ser infração de menor potencial ofensivo (IMPO), não se aplica a lei
9.099/95, a não ser a suspensão condicional do processo, já que este instituto aplica-
LG
se às infrações com pena mínima igual ou inferior a 01 ano.
Quanto ao crime do art. 302 (homicídio culposo - pena de 02 a 04 anos), não se
aplica a lei 9.099/95, pois não é infração de menor potencial ofensivo; tampouco a
suspensão condicional do processo, já que a pena mínima cominada é de 02 anos.
IA

Quanto ao crime do art. 303 (lesão corporal culposa - pena de 06 meses a 02


anos), em regra aplica-se a lei 9.099/95, pois é infração de menor potencial ofensivo
(IMPO). Obs. Notar, no entanto, que há exceções:
ER

 “Hipóteses do artigo 291, §1º, I a III”. Lesão corporal culposa (art. 303)
praticada na situação de: a. Embriaguez; b. Racha; c. Hipótese de o condutor estar
trafegando a 50 km/h ou mais da velocidade máxima permitida.
Nestas 03 hipóteses o crime continua sendo de menor potencial (pena máxima 02
AT

anos), no entanto, não é cabível transação penal e nem composição civil de danos.
Nestes casos notar ainda que a ação é pública incondicionada.
Ademais, a investigação é feita por inquérito policial e não por
termo circunstanciado (inclusive por auto de prisão em flagrante se for o caso). Art.
M

291, §2º, CTB.


Visto isto, conclui-se que nas situações do art. 291, §1º, I a III somente é cabível
a suspensão condicional do processo (pena mínima inferior a 01 ano).
CONCLUSÃO: a lei 9.099/95 não se aplica aos crimes de embriaguez ao
volante (art. 306); homicídio culposo (art. 302); lesão corporal culposa (art. 303)
quando praticada na situação de embriaguez, racha, nas hipóteses de o condutor estar
trafegando a 50 km/h ou mais da velocidade máxima permitida e nos casos de lesão
corporal agravada (art. 303, § único c/c art. 302, § único CTB), já que a pena máxima
de 02 anos será aumentada de ¹/3 até a metade.

296
2. Discorra sobre o tema: prisão em flagrante x crimes de trânsito
Sobre o referido tema ver art. 301, CTB. Sendo assim, este artigo somente se
aplica ao homicídio culposo e a lesão culposa. Nestas infrações, se o condutor não
prestar socorro à vítima, podendo prestar, duas são as consequências:
A) Possibilidade de ser autuado em flagrante.
B) Constitui causa de aumento de pena.
A “contrario sensu” prestando pronto e integral socorro a vítima ele não poderá
ser autuado em flagrante e da mesma forma não haverá causa de aumento de pena.

O
Obs. “Prestar socorro”: Significa prestar socorro pessoalmente ou solicitar
socorro à autoridade competente.

IT
No caso de terceiros se anteciparem ao socorro do condutor ele também não
poderá ser preso e flagrante e da mesma forma não incide a causa de aumento de
pena (autoriza-se os benefícios do art. 301, CTB).

TU
Se o condutor não presta socorro porque não é possível prestar (ex. Ameaça de
linchamento ou ficou gravemente ferido) também não se prende em flagrante e não
incide a causa de aumento de pena.
CONCLUSÃO: somente há possibilidade de prisão em flagrante em crimes do

RA
CTB nos casos de homicídio culposo e lesão culposa quando o agente não houver
prestado pronto e integral socorro à vítima.

3. Quando será iniciado o cumprimento da penalidade de suspensão ou de


LG
proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo
automotor?
O cumprimento da penalidade terá início após o sentenciado, por efeito de
condenação penal, deixar o estabelecimento prisional.
IA

Arts. 292 a 296.


Suspensão = é aplicada ao condutor já habilitado ou com permissão para
dirigir.
Proibição = é aplicada ao condutor não habilitado ou sem permissão para
ER

dirigir.
A suspensão e a proibição do direito de dirigir são penas aplicadas na sentença
penal condenatória por crime de trânsito.
AT

E são, também, medidas cautelares diversas da prisão.


Arts. 302; 303; 306; 307 e 308 – a suspensão e a proibição estão cominadas no
tipo penal, cumulativamente com a pena de prisão. Ou seja, as penas de suspensão
e proibição são penas restritivas de direitos principais, não são aplicadas
M

substitutivamente.
Arts. 304; 305; 309 a 312 – a suspensão e a proibição não estão cominadas no tipo
penal, mas devem ser aplicadas cumulativamente com a prisão se o condenado é
reincidente específico em crime do CTB (art. 296)
Não há previsão do prazo da pena de suspensão ou proibição nesses artigos, que
está previsto no art. 293 (2 meses a 5 anos – exceto no art. 307, que deve ser a
mesma do crime anterior que foi descumprida). Observações:
i. Essa pena não é executada enquanto o condenado estiver
preso;

297
ii. O descumprimento dessa pena de suspensão ou proibição
configura outro crime – art. 307, CTB –é a única hipótese na lei brasileira
em que o descumprimento de uma pena acarreta um novo crime;
iii. O STJ entende que a pena de suspensão ou proibição do
direito de dirigir deve ser proporcional à pena de prisão aplicada (por
ex., se for aplicada a pena de prisão mínima, não é possível aplicar a pena
máxima para a suspensão ou para a proibição de dirigir) – resp 737.306/RO;
O juiz pode substituir a pena de prisão por 2 restritivas de

O
iv.
direitos cumulando-as com a suspensão ou proibição do direito de
dirigir – o réu cumprirá 3 penas restritivas de direitos, sendo 2 substitutivas e

IT
1 principal – não há problemas, segundo o STJ (resp 628.730);
v. Suspensão do direito de dirigir aplicada para motoristas
profissionais – como envolve o “ganha pão” da pessoa, a questão é

TU
polêmica e temos 2 correntes:
a. A suspensão do direito de dirigir para motoristas profissionais é
inconstitucional – porque fere o direito ao trabalho e ao próprio sustento –
ferindo, consequentemente, a dignidade da pessoa humana. Esse é o

RA
entendimento de vários tribunais estaduais (SP, PR, SC, RS, RJ, MG);
b. A suspensão do direito de dirigir para motoristas profissionais é
constitucional, porque é pena cominada em lei que não pode deixar de ser
aplicada – entendimento positivista: a lei prevê a pena e não abre exceção para
LG
motoristas profissionais. Adotado pelo STJ: resp 754038/SC.
Atenção: essa questão será decidida pelo STF (RE 607.107 – já reconheceu
repercussão geral).
IA

4. A suspensão ou de proibição de se obter a permissão ou a habilitação para


dirigir veículo automotor pode ser imposta como medida cautelar?
Sim. Em qualquer fase da investigação ou da ação penal, havendo necessidade
ER

para a garantia da ordem pública, poderá o juiz, de ofício, ou a requerimento do


Ministério Público ou ainda mediante representação da autoridade policial, decretar, em
decisão motivada, a suspensão da permissão ou da habilitação para dirigir veículo
automotor, ou a proibição de sua obtenção.
AT

Contra a decisão que deferir ou rejeitar a medida, será cabível recurso em sentido
estrito, sem efeito suspensivo.
Art. 319, CPP – alterado em 2011 – estabelece medidas cautelares diversas da
prisão.
M

Além das medidas previstas no CPP, também existem medidas previstas em lei
especial, como é o caso das medidas cautelares de suspensão ou proibição do direito
de dirigir.
Art. 294, CTB: essas medidas são decretadas quando:
i. Na fase investigatória ou na ação penal;
ii. Para a garantia da ordem pública = leia-se “garantia da ordem de
trânsito”;
iii. Podem ser decretadas de ofício pelo juiz, por requisição do MP,
na fase investigatória e da ação penal.

298
Problema: o CPP, desde 2011, proíbe que o juiz decrete medidas
cautelares de ofício na fase de investigação. As leis especiais que
permitem a decretação de medidas cautelares de ofício pelo juiz na fase
investigatória foram tacitamente revogadas por essa nova regra do CPP?
2 correntes: (i) as normas de legislação penal especial que permitem ao
juiz decretar cautelar de ofício nas investigações foram tacitamente
revogadas pela reforma do CPP – o juiz é o mesmo – se ele não pode no

O
processo regulado pelo CPP, ele não pode no processo regulado por lei
especial. A razão dessa reforma é evitar que o juiz se comprometa com as
investigações e fique com a sua imparcialidade comprometida. Esse cuidado

IT
deve ocorrer em QUALQUER processo. Entendimento de LFG, Silvio Maciel
e Rogério Sanches; (ii) as normas da legislação penal especial que permitem
ao juiz decretar cautelar de ofício nas investigações continuam em vigor,

TU
porque são normas especiais que prevalecem sobre a norma geral –
posicionamento oficial do MP/SP.

5. O CTB elenca algumas circunstâncias que sempre agravam a penalidade dos

RA
crimes nele previstos. Quais são elas?
Tais circunstâncias agravantes, que não se aplicam quando constituírem a própria
estrutura do tipo penal ou figurarem como causa especial de aumento de pena, são as
seguintes. Ter o condutor do veículo cometido a infração:
LG
(a) com dano potencial para duas ou mais pessoas ou com grande risco de grave
dano patrimonial a terceiros;
(b) utilizando veículo sem placas, com placas falsas ou adulteradas;
(c) sem possuir Permissão para Dirigir ou Carteira de Habilitação;
IA

(d) com Permissão para Dirigir ou Carteira de Habilitação de categoria diferente da


do veículo;
(e) quando a sua profissão ou atividade exigir cuidados especiais com o transporte
ER

de passageiros ou de carga;
(f) utilizando veículo em que tenham sido adulterados equipamentos ou
características que afetem a sua segurança ou o seu funcionamento de acordo com os
limites de velocidade prescritos nas especificações do fabricante; e
AT

(g) sobre faixa de trânsito temporária ou permanentemente destinada a pedestres.

6. O artigo 302 do CTB prevê, no caput, o crime de homicídio culposo na direção


de veículo automotor e seu em seu § 1º traz causas especiais de aumento de
M

pena. Quais são elas?


As causas de aumento de pena no homicídio culposo no trânsito são: (i) não
possuir Permissão para Dirigir ou Carteira de Habilitação; (ii) praticá-lo em faixa de
pedestres ou na calçada; (iii) deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem
risco pessoal, à vítima do acidente; e (iv) no exercício de sua profissão ou atividade,
estiver conduzindo veículo de transporte de passageiros.

7. Qual o crime cometerá o agente que praticar homicídio culposo no trânsito


quando conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em

299
razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa ou quando
participar de “racha” ou “pega” ou, ainda, de exibição de perícia em manobra?
A Lei nº 12.971/2014 (que entrou em vigor no dia 1/11/2014) alterou o CTB,
acrescentando ao artigo 302 um § 2º, que traz o enunciado da pergunta como hipótese
de homicídio culposo qualificado, cuja pena, ao contrário do caput, é de reclusão.
Segundo Leonardo Schmitt de Bem, com essa inovação legislativa, não mais será
possível falar de concurso entre o homicídio culposo de trânsito (art. 302) e a

O
embriaguez ao volante (art. 306). A infração de perigo, portanto, será subsidiária em
relação ao principal crime de dano. Nesse caso, o agente responderá por homicídio
culposo qualificado.

IT
8. Em se tratando de acidente de trânsito, quantas espécies de omissão de
socorro podem ser verificadas? Explique cada uma delas.

TU
Podem ocorrer três espécies distintas de omissão de socorro, a saber:
1) quando o condutor omitente é o causador do acidente (agiu com culpa) e deixa
de prestar socorro à vítima e esta morre. Nesse caso, estará configurado o crime do
artigo 302, § 1º, III, do CTB: “No homicídio culposo cometido na direção de veículo

RA
automotor, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) à metade, se o agente (...) Deixar de
prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à vítima do acidente”
(homicídio culposo com causa de aumento de pena por omissão de socorro).
2) quando o condutor omitente não é o causador do acidente (não agiu com culpa),
LG
mas nele está envolvido. Assim, estará configurado o crime do artigo 304 do CTB:
“Deixar o condutor do veículo, na ocasião do acidente, de prestar imediato socorro à
vítima, ou, não podendo fazê-lo diretamente, por justa causa, deixar de solicitar auxílio
da autoridade pública” (omissão de socorro por motorista envolvido em acidente com
IA

vítima).
3) quando o omitente não é o causador do acidente e também nele não está
envolvido. Tem o dever genérico de assistência. Nesse caso, estará configurado o
ER

crime do artigo 135 do CP: “Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem
risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao
desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da
autoridade pública”.
AT

9. O artigo 305 do CTB traz o seguinte tipo penal: “Afastar-se o condutor do


veículo do local do acidente, para fugir à responsabilidade penal ou civil que lhe
possa ser atribuída”. Este dispositivo é constitucional?
M

Luiz Flávio Gomes, reportando-se a julgados dos TJSP, TJMG e TJRS, sustenta
que é firme o entendimento de que o artigo 305 do CTB é inconstitucional, por conflitar
com o princípio do nemo tenetur se detegere, segundo o qual o acusado não é
obrigado a produzir prova contra si mesmo.
Acrescenta que a Constituição Federal assegura ao acusado o direito não ser
compelido pelo Estado a fazer prova contra si e o dispositivo em apreço faz
exatamente essa exigência reprovada pelo sistema constitucional. Ao incriminar a
conduta daquele que abandona o local dos fatos, o legislador compele a pessoa a
colaborar com o Estado de maneira que a Lei Maior não exige. Não se trata de
omissão de socorro, tampouco de fraude processual. O tipo incrimina a conduta de

300
abandonar o local dos fatos, o que de fato é forçoso para o Direito Penal, sobre o qual
recai o princípio da intervenção mínima.

10. O crime de “racha” ou “pega”, descrito pelo artigo 308 do CTB como
“Participar, na direção de veículo automotor, em via pública, de corrida, disputa
ou competição automobilística não autorizada pela autoridade competente,
gerando situação de risco à incolumidade pública ou privada”, é de perigo ou de
dano? Justifique sua resposta.

O
Para a corrente doutrinária e jurisprudencial majoritária, o citado delito é de perigo
concreto, de forma que, para que se configure, é necessária a demonstração da

IT
potencialidade lesiva. A alteração do dispositivo pela Lei nº 12.971/2014 não modificou
esse entendimento.

TU
11. O delito de participação em competição não autorizada prevê qualificadoras?
Com a modificação implementada no CTB pela Lei nº 12.971/2014, o artigo 308
passou a contar com duas qualificadoras (§§ 1º e 2º), a saber, se o agente, com o
“racha”, causar lesão corporal de natureza grave ou a morte da vítima. As penas serão,

RA
respectivamente, de reclusão, de 3 a 6 anos, e de reclusão, de 5 a 10 anos, sem
prejuízo das demais penais previstas no caput.

12. Em relação ao período anterior à Lei nº 12.971/2014, como a jurisprudência


LG
tipifica a conduta do motorista que, ao participar de “racha”, atropela e mata um
pedestre?
O STF tem entendimento prevalente de que o condutor que participa de “racha” em
via movimentada e causa a morte de um pedestre age com dolo eventual. Logo, ele
IA

responde por crime doloso.

13. O crime previsto no artigo 309 do CTB (“Dirigir veículo automotor, em via
pública, sem a devida Permissão para Dirigir ou Habilitação ou, ainda, se
ER

cassado o direito de dirigir, gerando perigo de dano”) é de perigo concreto ou


abstrato?
Consoante pacificado pelo STJ e pelo STF, o tipo textualmente exige que, para
AT

restar caracterizado o crime de direção sem permissão ou habilitação, é necessária a


ocorrência de perigo real ou concreto.

14. O crime previsto no artigo 310 do CTB (“Permitir, confiar ou entregar a


M

direção de veículo automotor a pessoa não habilitada, com habilitação cassada


ou com o direito de dirigir suspenso, ou, ainda, a quem, por seu estado de saúde,
física ou mental, ou por embriaguez, não esteja em condições de conduzi-lo com
segurança”) é de perigo concreto ou abstrato?
A jurisprudência do STJ já definiu que o crime previsto no artigo 310 do CTB é de
perigo abstrato, não exigindo a demonstração da efetiva pontecialidade lesiva da
conduta daquela a quem foi permitida, confiada ou entregue a direção de veículo
automotor.

301
Cabe aqui a crítica de que os crimes de perigo concreto são inconstitucionais, por
ferirem princípios como da lesividade, fragmentariedade e intervenção mínima do
direito penal.

15. O crime de embriaguez ao volante (artigo 306 do CTB) é de perigo concreto


ou abstrato?
Majoritariamente entende-se que o crime é de perigo abstrato. O STF pacificou que
“No tipo penal sob análise, basta que se comprove que o acusado conduzia veículo

O
automotor, na via pública, apresentando concentração de álcool no sangue igual ou
superior a 6 decigramas por litro para que esteja caracterizado o perigo ao bem jurídico

IT
tutelado e, portanto, configurado o crime” (HC 109269/MG).
Obs: cabem as mesmas criticas da questão anterior.

TU
16. Como pode ser constatada a alteração da capacidade psicomotora do
condutor do veículo para configurar o delito de embriaguez ao volante? E quais
os meios de prova admitidos?

RA
A alteração da capacidade psicomotora é aferida pela concentração igual ou
superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3
miligrama de álcool por litro de ar alveolar ou, também, por sinais que indiquem, na
forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora.
LG
Como instrumentos de prova são admitidos os testes de alcoolemia ou toxicológico,
exame clínico, perícia, vídeo, prova testemunhal ou outros meios de prova
consentâneos com o ordenamento jurídico, sempre respeitado o direito à contraprova.
IA

17. Quais as prinicipais alterações no crime de homicidio culposo trazidas pela


Lei 12.971/2014?
ER

A Lei n.° 12.971/2014 transformou (renumerou) o antigo parágrafo único em § 1º e


acrescentou um § 2º ao art. 302, com a seguinte redação:
Art. 302 (...)
(...)
AT

§ 2º Se o agente conduz veículo automotor com capacidade psicomotora alterada


em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine
dependência ou participa, em via, de corrida, disputa ou competição automobilística
ou ainda de exibição ou demonstração de perícia em manobra de veículo
M

automotor, não autorizada pela autoridade competente:


Penas - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e suspensão ou proibição de se
obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
Houve assim a inclusão de uma qualificadora do homicídio culposo, qual seja, sua
ocorrência quando por influencia de álcool ou outra substancia psicotiva ou
participando do denominado “racha”. Quanto ao dispositivo secundário, houve somente
a substituição da pena de detenção pela reclusão, já que os patamares de pena
permaneceram iguais ao do caput do artigo.

302
18. Quais as principais mudanças quanto ao crime do art. 308 CTB (participar de
corrida em via pública, sem autorização da autoridade competente)?
No caput do art. 308, houve duas modificações:
1ª) A expressão “desde que resulte dano potencial à incolumidade pública ou
privada” foi substituída por “gerando situação de risco à incolumidade pública ou
privada”.
O art. 308 do CTB é um crime de perigo. Logo, realmente é mais adequado falar

O
em “situação de risco” (perigo) do que em dano potencial.
Para a corrente majoritária, o art. 308 é crime de perigo concreto, de forma que,
para que se configure, é necessária a demonstração da potencialidade lesiva (STJ 5ª

IT
Turma. Resp 585.345/PB, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 16/12/2003) (STJ 1ª
Turma. HC 101.698, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 18/10/2011). A alteração legislativa,
a meu ver, não altera essa conclusão. Em outras palavras, o “racha” continua sendo

TU
um crime de perigo concreto.
2ª) A pena máxima prevista passou de 2 anos para 3 anos.
Com isso, o delito deixa de ser crime de menor potencial ofensivo.
Se o agente, com a corrida, causar LESÃO CORPORAL de natureza grave:

RA
A Lei n.° 12.971/2014 acrescenta, nos §§ 1º e 2º, duas qualificadoras ao art. 308.
Esses dois novos parágrafos podem ser classificados como sendo crimes qualificados
pelo resultado, na modalidade preterdolosa. A participação no racha é punido a título
de dolo e o resultado agravador (lesão grave ou morte), como culpa.
LG
Veja o que diz o novel § 1º do art. 308:
§ 1º Se da prática do crime previsto no caput resultar lesão corporal de natureza
grave, e as circunstâncias demonstrarem que o agente não quis o resultado nem
assumiu o risco de produzi-lo, a pena privativa de liberdade é de reclusão, de 3 (três) a
IA

6 (seis) anos, sem prejuízo das outras penas previstas neste artigo.
Assim:
1) Se o agente queria causar a lesão corporal (agiu com dolo direto quanto ao
ER

resultado): deverá responder pelo delito do art. 308, caput, do CTB em concurso formal
com o art. 129, §§ 1º ou 2º, do CP.
Ex: o condutor percebeu que seu inimigo estava assistindo ao “racha” na calçada e
joga o veículo contra ele com a intenção de lhe causar lesões corporais.
AT

2) Se o agente assumiu o risco de causar a lesão corporal (agiu com dolo eventual
quanto ao resultado): deverá responder pelo delito do art. 308, caput, do CTB em
concurso formal com o art. 129, §§ 1º ou 2º, do CP.
3) O agente não queria nem assumiu o risco de causar a lesão corporal de
M

natureza grave, mas apesar disso atuou de forma negligente, imprudente ou imperita
(agiu com culpa): deverá responder pelo delito do art. 308, § 1º do CTB.
Se o agente, com a corrida, causar MORTE:
Confira agora o § 2º do art. 308:
§ 2º Se da prática do crime previsto no caput resultar morte, e as circunstâncias
demonstrarem que o agente não quis o resultado nem assumiu o risco de produzi-lo, a
pena privativa de liberdade é de reclusão de 5 (cinco) a 10 (dez) anos, sem prejuízo
das outras penas previstas neste artigo.

303
19. Qual a polêmica que envolve a mudança legislativa no CTB feita pela Lei
12.791/2014 no que se refere ao homicídio culposo qualificado (art.302§2º CTB) e
o resultado morte decorrente da pratica de racha (art. 308 §2º CTB)?
A Lei n.° 12.971/2014 gera uma antinomia, uma contradição em si:
• § 2º do art. 302 afirma que condutor que participa de “racha” e causa morte de
forma culposa responde a pena de 2 a 4 anos;
• § 2º do art. 308 afirma que condutor que participa de “racha” e causa morte de

O
forma culposa responde a pena de 5 a 10 anos
Há duas interpretações possíveis para a resolução desta antinomia:
1) Deve-se aplicar a interpretação mais favorável ao réu, de forma que, em caso de

IT
homicídio culposo na direção de veículo automotor enquanto o condutor participava de
“racha”, ele será punido na forma do §2º do art. 302 do CTB (pena mais branda) e o §
2º do art. 308 do CTB (pena mais alta) será “letra morta”. Deve ser adotada pela

TU
defesa.

2) Considerando que não se pode negar vigência (transformar em “letra morta”) o §


2º do art. 308 do CTB e tendo em vista que a interpretação entre os dispositivos de

RA
uma mesma lei deve ser sistêmica, será possível construir a seguinte distinção:
• Se o condutor, durante o “racha”, causou a morte de alguém agindo com culpa
INCONSCIENTE: aplica-se o § 2º do art. 302 do CTB;
• Se o condutor, durante o “racha”, causou a morte de alguém agindo com culpa
LG
CONSCIENTE: aplica-se o § 2º do art. 308 do CTB.
Deve ser rechaçada já que em nenhum momento o legislador fez referencia à
classificações de culpa, devendo-se aplicar o principio do favor rei, interpretando-se de
maneira mais benéfica ao réu.
IA

20. O homicídio praticado na direção de veículo automotor sob a influência de


drogas / alcóol ou em disputa de “racha” é doloso ou culposo?
ER

A pergunta não pode ser respondida de maneira abstrata. É necessário analisar o


ânimo do agente, o elemento subjetivo da conduta. Quanto ao consumo de
drogas/álcool, há muito o STF já vinha decidindo no sentido da impossibilidade de se
determinar, aprioristicamente, se houve dolo ou culpa. O Tribunal afastou a teoria da
AT

actio libera in causa, limitando sua aplicação aos crimes dolosos praticados em estado
de embriaguez preordenada. Ademais, o crime de homicídio culposo na direção de
veículo automotor é qualificado quando o agente está sob o efeito daquelas
substâncias, o que demonstra que nem sempre será doloso (o raciocínio foi construído
M

quando havia causa de aumento de pena e não qualificadora).


Já no que tange ao “racha”, o STF vinha reconhecendo a existência de dolo
eventual. Todavia, tal entendimento não mais pode prosperar, seja porque não analisa
verdadeiramente o elemento subjetivo, seja porque a Lei 12.971/14 também qualificou
o homicídio culposo praticado na direção de veículo automotor durante a disputa de
“racha”, o que impõe a aplicação do mesmo raciocínio exposto acima. OBS1: a
qualificadora citada não aumenta a pena (2 a 4 anos), apenas a transforma de
detenção para reclusão.

21. Relacione a imputação objetiva aos crimes de trânsito

304
A imputação objetiva tem destacada aplicação no que tange aos crimes de trânsito.
Seja através da verificação de que não se criou ou incrementou um risco proibido
(Roxin), seja por não violação ao princípio da confiança (Jakobs), tem-se que quando o
motorista se comporta de acordo com o esperado pelo restante da sociedade,
respeitando as regras de tráfego, da sua conduta não pode advir o resultado, pois há
exclusão do nexo de causalidade. Assim, antes de se perquirir o elemento subjetivo do
tipo (dolo ou culpa) ou de se verificar a presença dos elementos da culpabilidade, o

O
operador do direito deve analisar se houve criação / incremento de risco ou violação ao
princípio da confiança e, caso negativo, excluir a própria tipicidade da conduta.

IT
22. O crime de dirigir embriagado/sob influência de substância psicoativa é
constitucional?
1ª corrente: Sim. Os crimes de perigo abstrato são constitucionais, assim, não há

TU
qualquer problema na tipificação da conduta (Tribunais Superiores). 2ª corrente: Os
crimes de perigo abstrato são inconstitucionais porque violam o princípio da lesividade.
Aqui há ainda alguns argumentos de reforço: i) pode-se sustentar, mesmo após a
alteração legislativa, que os métodos para aferição da alteração da capacidade

RA
psicomotora não são eficazes (ex: prova testemunhal); ii) existe diferença biológica
entre as pessoas, assim, determinada quantidade de álcool pode causar grandes
efeitos em uma e sequer alterar o estado de outra; iii) a conduta seria tolerada porque o
consumo de álcool está arraigado em nossa sociedade e é, inclusive, incentivado.
LG
23. É cabível perdão judicial nos crimes de trânsito?
A norma do CTB que previa o perdão judicial foi vetada pelo Presidente. Ele, nas
suas razões, expressamente consignou que estava vetando para que continuasse
IA

sendo aplicado o perdão judicial do CP, que era mais amplo14.


Assim, é pacífico ser cabível o perdão judicial nos casos de homicídio culposo e
lesão culposa (art. 302 e 303 do CTB), aplicando-se por analogia o perdão judicial do
ER

Código Penal.

24. Como deve ser feita a denuncia nos casos de crime de homicídio culposo?
É inepta a denúncia que imputa a prática de homicídio culposo na direção de
AT

veículo automotor (art. 302 da Lei n. 9.503/1997) sem descrever, de forma clara e
precisa, a conduta negligente, imperita ou imprudente que teria gerado o resultado
morte, sendo insuficiente a simples menção de que o suposto autor estava na direção
do veículo no momento do acidente. Isso porque é ilegítima a persecução criminal
M

quando, comparando-se o tipo penal apontado na denúncia com a conduta atribuída ao


denunciado, não se verificar o preenchimento dos requisitos do art. 41 do CPP,
necessários ao exercício do contraditório e da ampla defesa. Não se pode esquecer
que o homicídio culposo se perfaz com a ação imprudente, negligente ou imperita do
agente, modalidades de culpa que devem ser descritas na inicial acusatória, sob pena
de se punir a mera conduta de envolver-se em acidente de trânsito, algo irrelevante
para o Direito Penal. A imputação, sem a observância dessas formalidades, representa

14
A norma do CTB previa o perdão judicial se as consequencias da infração atingissem o próprio infrator, cônjuge ou companheiro ou parentes
até 2º grau, não podendo o juiz aplicar o perdão se as consequencias atingissem outras pessoas como namorado etc.

305
a imposição de indevido ônus do processo ao suposto autor, ante a ausência da
descrição de todos os elementos necessários à responsabilização penal decorrente da
morte da vítima. Configura, ademais, responsabilização penal objetiva, derivada da
mera morte de alguém, em razão de acidente causado na direção de veículo
automotor. (Informativo 553 STJ)

ESTATUTO DO DESARMAMENTO (LEI Nº 10.826/03 E DECRETO Nº 5.123/04)

O
1. Qual a competência para o julgamento dos crimes previstos no estatuto
do desarmamento?

IT
Tal questão fora apreciada pelo STJ, o qual entendeu serem os crimes do
estatuto do desarmamento, em regra, da competência da justiça estadual. Só será
da competência da justiça federal se atingir interesse direto e específico da

TU
União. Fundamentos:
-Os crimes do estatuto atingem interesse apenas genérico e indireto da União.
Não atingem interesse específico e direto da União que justifique a competência da
justiça federal.

RA
-O bem jurídico protegido nestes crimes é a segurança pública – bem que
pertence à coletividade e não à União.
Obs. O crime de tráfico internacional de armas (art. 18) é da competência
da justiça federal (genuinamente da competência da justiça federal). Art.
LG
109, V, CR/88.

2. Qual é o sujeito passivo nos crimes previstos no estatuto do desarmamento?


O Sujeito passivo nos crimes previstos no estatuto do desarmamento é a
IA

coletividade, razão pela qual muitos doutrinadores enquadram tais crimes como
exemplo de CRIMES VAGOS, ou seja, aqueles em que não há vítima determinada.

3. O que é abolitio criminis temporária? Como ela se aplica ao ED?


ER

A abolitio criminis é fenômeno de direito penal intertemporal ou de conflito de leis


no tempo e ocorre quando lei posterior extingue um crime. Alguns autores chamam
abolitio criminis temporalis os casos em que a lei possibilita ao agente regularizar, num
AT

prazo determinado, a sua situação jurídico-penal, isentando-o de responsabilidade.


Também é chamada de descriminalização temporária, atipicidade momentânea e
vacatio legis indireta.
O Estatuto do Desarmamento, com o intuito de estimular a regularização das
M

armas existentes no país, trouxe a possibilidade de aqueles que tivessem armas ilegais
pudessem resolver tal situação (art. 30). Assim, o Estatuto estabeleceu que os
possuidores e proprietários de arma de fogo de uso permitido não registradas teriam
um prazo de 180 dias após a publicação da Lei (que ocorreu em 23/12/2003) para
solicitar o registro da arma.
Se a arma tivesse sua numeração raspada ou fosse de uso restrito e, assim, não
pudesse ser regularizada, o indivíduo tinha a opção de entregá-la à Polícia Federal,
sendo indenizado por isso (art. 32 que também se aplicava às armas de uso permitido).
Durante o período previsto na Lei, a pessoa que fosse encontrada em sua casa ou
trabalho com uma arma de fogo de uso permitido ou de uso restrito não cometia os

306
crimes dos arts. 12 ou 16 do Estatuto. Havia uma abolitio criminis temporária (também
chamada de descriminalização temporária ou vacatio legis indireta).
Segundo a redação inicial do Estatuto (arts. 30 e 32), a pessoa tinha o prazo de
180 dias para regularizar ou entregar a arma. Esse prazo foi sendo ampliado por
diversas leis que se sucederam. Todas as vezes em que ia chegando ao fim o prazo,
era editada uma MP ou uma lei ampliando esse limite. No período compreendido entre
23/12/2003 a 23/10/2005, a abolitio criminis temporária abrangia as condutas de posse

O
de arma de fogo de uso permitido (art. 12) e de posse de arma de uso restrito (art. 16),
incluindo as condutas equiparadas (art. 16, parágrafo único). A partir de 23/10/2005 até
31/12/2009, a abolitio passou a incidir somente sobre a conduta de posse de arma de

IT
fogo de uso permitido (art. 12). Neste sentido, tratando especificamente do crime do
artigo 16, parágrafo único, V, foi editada a súmula 511 do STJ: “a abolitio criminis
temporária prevista na Lei n. 10.826/2003 aplica-se ao crime de posse de arma de fogo

TU
de uso permitido com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação
raspado, suprimido ou adulterado, praticado somente até 23/10/2005”.
OBS1: atualmente não há mais abolitio criminis temporária para os crimes de
posse de arma de fogo, todavia, o artigo 32 estabelece que aqueles que entregarem

RA
tais armas terão sua punibilidade extinta. Isto significa que a conduta é típica, ilícita e
culpável, mas no caso de entrega espontânea não será punível.
OBS2: para alguns doutrinadores, a nova redação do artigo 32 pode levar o
intérprete a erro ao falar em extinção da punibilidade. Na verdade, o dispositivo teria
LG
criado um direito de entregar a arma de fogo, assim, tem natureza jurídica de
descriminante (exercício regular de direito).
OBS2: a súmula citada acima vem sendo criticada, pois o STF já decidiu (RE
768494/GO), em sede de repercussão, geral que o fato de a Lei n. 11.706/2008 (MP
IA

417/2008) ter reaberto o prazo para que as pessoas pudessem registrar ou renovar o
registro de suas armas de fogo de uso permitido não significou abolitio criminis.
O argumento é que se trata de lei temporária e, por isso, irretroativa. Em outras
ER

palavras, as pessoas que foram condenadas por fatos posteriores à última prorrogação
e anteriores à 31/01/2008 (Lei n. 11.706/2008) não têm o direito de ter extinta sua
punibilidade. A reabertura do prazo trazida pela Lei n. 11.706/2008 é irretroativa,
aplicando-se somente aos delitos praticados até 23/06/2005.
AT

Para nosso concurso devemos adotar a posição do STJ.

4. É possível a tentativa no crime de omissão de cautela?


Não. É impossível a tentativa deste crime previsto no art. 13, caput do estatuto
M

por dois motivos: 1. Estamos diante de um crime culposo, os quais não admitem
tentativa; 2. Estamos diante de um crime omissivo puro (omissivo próprio), os
quais tb não admitem tentativa.

5. Porte de arma de fogo desmuniciada configura crime?


A questão sempre fora muito controvertida na jurisprudência e, durante muito
tempo, havia uma “racha” entre as turmas dos tribunais superiores. Enquanto a 1ª
turma do STF e a 5ª turma do STJ consideravam tal conduta como criminosa, por
estarmos diante de um delito de perigo abstrato, a 2ª turma do STF e a 6ª turma do
STJ tinham posicionamento diametralmente oposto.

307
No entanto, mais recentemente, parece que tal celeuma não mais existe, ao menos
em sede jurisprudencial, já que tanto a 2ª turma do STF, quanto a 6ª turma do STJ,
proferiram decisões no sentido de considerar típica a conduta de porte de arma de
fogo desmuniciada.
Adotar a corrente capitaneada por Luiz Flávio Gomes que sustenta que
a arma desmuniciada não é crime pela falta de potencialidade lesiva (haveria afronta
ao princípio da lesividade).

O
6. Porte de munição sem arma é crime?
Tal questionamento remonta a mesma discussão da assertiva anterior, qual seja, o

IT
porte de munição sem arma, assim como o porte de arma sem munição, afronta ou não
ao princípio da lesividade?
Há divergência jurisprudencial em sede de tribunais superiores. No entanto, em

TU
provas de Defensoria Pública deve-se defender que o fato é atípico.

7. A apreensão de arma de fogo encontrada no interior de caminhão dirigido


por motorista profissional configura crime de posse (por ser considerado local

RA
de trabalho) ou porte?
A jurisprudência entende que se a arma de fogo é encontrada no interior do
caminhão dirigido por motorista profissional, trata-se de crime de PORTE de arma de
fogo (art. 14 do Estatuto do Desarmamento). O veículo utilizado profissionalmente NÃO
LG
pode ser considerado “local de trabalho” para tipificar a conduta como posse de arma
de fogo de uso permitido (art. 12). Notar que este não é o melhor entendimento a ser
seguido pela defesa caso nosso assistido seja o caminhoneiro (pena para posse: 01 a
03 anos; pena para o porte: 02 a 04 anos).
IA

8. Quais são os bens jurídicos tutelados pelo ED?


O bem jurídicos imediato/principal é a incolumidade/segurança pública; os
ER

mediatos/secundários são a segurança individual, a integridade física, a liberdade e o


patrimônio.

9. Discorra sobre a natureza jurídica dos crimes do ED e discussão acerca da sua


AT

(in) constitucionalidade.
Os crimes do ED são de perigo abstrato ou presumido, ou seja, para a sua
configuração não é necessário que haja colocação do bem jurídico em situação
concreta de perigo, consumando-se com a prática da conduta, automaticamente.
M

Diferenciam-se dos crimes de perigo concreto por dispensarem a efetiva


comprovação, no caso concreto, da ocorrência da situação de perigo. Há
entendimento no sentido da inconstitucionalidade dos crimes de perigo abstrato,
em razão da ausência da ofensividade da conduta. O princípio da
ofensividade/lesividade diz que não há infração penal quando a conduta não tiver
oferecido ao menos perigo de lesão ao bem jurídico, manifestando a exigência de
delimitação do Direito Penal em casos nos quais não ocorre o dano ou risco de dano
ao bem jurídico. Ou seja,“não basta a conduta e seu desvalor para a existência do
crime. Fundamental é a existência do resultado” (LFG). Segundo os tribunais
superiores, porém, os crimes de perigo abstrato/presumido/de mera desobediência são

308
constitucionais, pois dizem respeito à discricionariedade política do legislador para
antecipar a tutela penal para a fase da mera prática de condutas comprovadamente,
pelas regras de experiência, perigosas.

10. Qual a posição dos Tribunais Superiores quanto à necessidade de pericia da


arma de fogo? E se houver pericia e for constata sua falta de potencial lesivo?
Qual a critica que se pode fazer a este posicionamento?

O
Para que haja condenação pelo crime de posse ou porte NÃO é necessário que a
arma de fogo tenha sido apreendida e periciada. Assim, é irrelevante a realização de
exame pericial para a comprovação da potencialidade lesiva do artefato. Isso porque os

IT
crimes previstos no arts. 12, 14 e 16 da Lei 10.826/2003 são de perigo abstrato, cujo
objeto jurídico imediato é a segurança coletiva.
No entanto, se a perícia for realizada na arma e o laudo constatar que a arma não

TU
tem nenhuma condição de efetuar disparos não haverá crime. Para o STJ, no julgado
noticiado neste Informativo, não está caracterizado o crime de porte ilegal de arma de
fogo quando o instrumento apreendido sequer pode ser enquadrado no conceito
técnico de arma de fogo, por estar quebrado e, de acordo com laudo pericial,

RA
totalmente inapto para realizar disparos. STJ. 5ª Turma. Agrg no aresp 397.473-DF,
Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 19/8/2014 (Info 544).
Esse entendimento pode ser criticado por vários motivos:
I – questão do perigo abstrato (já tratada acima);
LG
II – arma é instrumento com potencial poder vulnerante. Se a arma não funciona,
não pode ser considerada arma, por não ter esse poder vulnerante. A criminalização da
conduta de quem possuiu uma arma que não está apta para disparar viola a legalidade.
Viola também o principio da lesividade (na medida em que a arma desmuniciada ou
IA

quebrada não oferece o mesmo risco que um pedaço de ferro; nenhum), e os princípios
da igualdade e proporcionalidade (na medida em que vc criminaliza, da mesma forma,
a conduta de quem porta uma arma que não funciona e uma arma que funciona).
ER

III – a arma de fogo quebrada tem a mesma eficácia de uma arma de brinquedo:
nenhuma. Desta maneira, o entendimento contraria o entendimento jurisprudencial
dominante de que a arma de brinquedo não se presta para qualificar o roubo;
IV – ao dizer que não é necessária a apreensão e perícia da arma, mas afirmar que
AT

se a perícia for feita e se provar que a arma não tem condições de efetuar disparos, o
STJ transfere o ônus da prova para a defesa, em clara violação ao princípio da
presunção de inocência e ao sistema acusatório.
V – admitir prova testemunhal no caso de não encontrada a arma, é criticável, pois
M

permite que o gravame seja imposto ao réu sem a prova material do delito. É possível,
p. ex., que a arma utilizada fosse um mero simulacro, o que é fato/circunstância atípica.
Se a arma for apreendida, todavia, o exame pericial é indispensável. Caso seja
verificado que a arma é imprestável, haverá crime impossível por absoluta
impropriedade do objeto, ou afastamento de eventual qualificadora/causa de aumento

11. A arma desmuniciada é objeto idôneo para a configuração de crime do ED? E


a arma imprestável?
Há divergência entre as 5ª e 6ª do STJ a esse respeito. Para a 1ª, há crime pela
natureza de crime de perigo abstrato dos delitos do ED. O mesmo entendimento

309
justifica a caracterização de crime quando há porte/posse de munição, apenas. Porém,
para a 2ª, só há crime se houver condições de pronto municiamento, ou seja, se a
munição estiver ao alcance do agente. Ressalte-se, porém, que, em abril deste ano, a
Terceira Seção do STJ, que reúne ambas as turmas, pacificou o entendimento no 1º
sentido15.
Por sua vez, a arma imprestável, despida de potencialidade lesiva, não pode ser
objeto do crime.

O
12. Admite-se a aplicação do princípio da insignificância nos delitos de
porte/posse?

IT
Tradicionalmente, os tribunais superiores não admitem a aplicação do princípio
pela sua incompatibilidade com o bem jurídico tutelado, que é a segurança pública,
a qual não é passível de ser mensurada, tampouco a lesão a ela 16. Todavia, em 2012,

TU
a T6/STJ admitiu a aplicação do princípio, o que acena a abertura da jurisprudência
para esse entendimento. Em relação ao tráfico internacional, os precedentes são
uniformes pela não aplicação.17

RA
13. A abolitio criminis temporária se aplica à arma com numeração raspada?
Após longa divergência, foi editada a Súm. 513-STJ, segundo a qual a abolitio
criminis temporária prevista na Lei 10.826/03 aplica-se ao crime de posse de arma de
LG
15 1. Este Tribunal firmou seu entendimento no sentido de que o porte darma desmuniciada se insere no
tipo descrito no art. 14, Lei 10.826/03, por ser delito de perigo abstrato, cujo bem jurídico é a segurança
pública e a paz social, sendo irrelevante a demonstração de efetivo caráter ofensivo por meio de laudo
pericial. 2. Incidência do disposto na Súm. 168/STJ (não cabem embargos de divergência, quando a
jurisprudência do tribunal se firmou no mesmo sentido do acórdão embargado). (…) AgRg nos EAREsp
IA

260.556/SC, 3/4/14.
16 Notas retiradas do site do STJ: Princípio da insignificância: não aplicado à posse ilegal de 7
munições; não aplicado à importação de 01 espingarda de pressão; não aplicado ao crime de posse
ER

ilegal de 2 munições de uso restrito; não aplicado ao crime de porte ilegal de munição; Não se aplica o
princípio da insignificância ao delito de porte de munição sem autorização e em desacordo com
determinação legal ou regulamentar, mesmo na hipótese em que não haja apreensão de arma de fogo
compatível com os projeteis. Isso porque, segundo a orientação do STJ, não há falar em ausência de
lesividade da conduta praticada, considerando, notadamente, que o bem jurídico tutelado é a segurança
AT

pública e a paz social.


17 (...) 1. O princípio da insignificância não pode ser aplicado ao delito de contrabando de munição de
arma de fogo, em razão do alto grau de reprovabilidade da conduta delituosa e da potencialidade lesiva
do objeto. 2. Ainda que a mercadoria proibida não possa ser aferida economicamente, há de se dar
maior importância à sua natureza do que ao seu valor econômico. O ingresso proibido de munição põe
M

em risco a incolumidade pública, a segurança nacional e a paz social, pois um único projétil apto a uso e
com perfeito desempenho é capaz de produzir efeitos negativos irreparáveis. (...) STJ, HC 45099 AC,
15/08/06, T5. (...) I A objetividade jurídica da norma penal transcende a mera proteção da incolumidade
pessoal, para alcançar também a tutela da liberdade individual e do corpo social como um todo,
asseguradas ambas pelo incremento dos níveis de segurança coletiva que a lei propicia. II No caso em
exame, a proibição da conduta pela qual o paciente está sendo processado visa, especialmente,
combater e prevenir o tráfico internacional de armas e munições, cuja maior clientela é o crime
organizado transnacional, que, via de regra, abastece o seu arsenal por meio do mercado ilegal, nacional
ou internacional, de armas. III Mostra-se irrelevante, no caso, cogitar-se da mínima ofensividade da
conduta (em face da quantidade apreendida), ou, também, da ausência de periculosidade da ação,
porque a hipótese é de crime de perigo abstrato, para o qual não importa o resultado concreto da ação, o
que também afasta a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância. (...) STF, HC 97777 MS,
26/10/10, T1.

310
fogo de uso permitido com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação
raspado, suprimido ou adulterado, praticado somente até 23/10/05. Tal entendimento
se justifica pelo fato de arma raspada ser equiparada, para fins de aplicação da lei, à
arma de uso proibido.

14. A posse/porte de arma de fogo é absorvido pelo delito de homicídio?


A posse/porte de arma de fogo pode ser absorvido pelo crime de homicídio caso a

O
1ª conduta tenha ocorrido apenas para a prática da 2ª, como seu meio.
Nesse caso, pela aplicação do princípio da consunção/absorção, segundo o qual
o fato mais amplo e mais grave absorve os demais menos amplos e graves, só quais

IT
atuam como meio normal de preparação ou execução daquele, ou ainda como seu
mero exaurimento. Caso a posse/porte existisse independentemente do homicídio, há
concurso.

TU
15. O que diferencia os delitos de porte e de posse de arma de fogo?
Os tipos se diferenciam pelo elemento espacial do tipo da posse, que exige que a
arma esteja dentro da residência do infrator ou no seu local de trabalho, neste caso,

RA
desde que seja o responsável legal pelo estabelecimento

16. Porte/posse de arma de fogo desmuniciada é crime?


(Mesmo raciocínio para munição ou acessório sem arma)
LG
Segundo os Tribunais Superiores há crime, pois o delito é de mera conduta e de
perigo abstrato, tendo como objeto jurídico a segurança pública e a paz social.
Ademais, o simples fato de portar arma em desacordo com o determinado pela
legislação viola também o SINARM.
IA

Em sentido contrário, pode-se defender a inconstitucionalidade dos crimes de


perigo abstrato ou, como pretendem alguns, sua releitura para que no caso concreto
seja necessário demonstrar que o bem jurídico tutelado realmente foi exposto a perigo
ER

ou ao menos poderia sê-lo. Neste sentido, se a arma está desmuniciada e o agente


não tem munição à mão (ou tem munição sem arma), ainda que quisesse, ele não
poderia causar qualquer lesão à incolumidade pública. Ou seja, não há sequer perigo
abstrato de lesão.
AT

OBS: necessário perceber que o fato de se tratar de crime de perigo abstrato não
autoriza concluir que condutas sem nenhuma potencialidade lesiva são abrangidas
pelo Estatuto. É por isso que o porte/posse arma de fogo uma arma de fogo
absolutamente inapta para efetuar disparos não configura infração penal. Na verdade,
M

se a arma jamais poderia ser disparada, sequer pode ser tida por arma de fogo. Trata-
se de verdadeira hipótese de crime impossível (art. 17 do CP).

17. Qual a diferença entre arma de fogo de uso permitido, restrito e proibido?
Uso permitido: pode ser utilizada por pessoas físicas e jurídicas em geral.
Uso restrito: pode ser utilizada apenas pelas forças armadas, algumas instituições
de segurança pública e por pessoas físicas e jurídicas habilitadas (ex: colecionadores,
praticantes de tiro ao alvo). Uso proibido: é o artefato que não pode ser vendido,
possuído ou portado por ninguém. Nem mesmo o exército pode autorizar tais condutas.

311
18. Cabe liberdade provisória e fiança nos crimes do estatuto do desarmamento?
Sim, os dispositivos que vedavam tais benefícios foram declarados
inconstitucionais.

19. Há alguma tese institucional sobre a questão?


Sim, a tese 67 que afirma que é atípico o porte de arma branca.
Fundamentação: Conforme art. 19, da Lei de Contravenções Penais, é infração

O
penal “trazer consigo arma fora de casa ou de dependência desta, sem licença da
autoridade”, sujeitando o infrator à pena de “prisão simples, de 3 (três) meses a 1 (um)
ano, ou multa, ou ambas cumulativamente, se o fato não constitui crime contra a ordem

IT
política ou social”.
Tal artigo sempre foi aplicado para o porte de arma de fogo, quando ainda não
havia legislação específica sobre o tema. A respeito do porte de arma branca (faca, por

TU
exemplo), não raramente o órgão acusatório denuncia o cidadão que pratica esta
conduta, acreditando que esta se subsume ao art. 19, da Lei de Contraven- ções
Penais.
Ocorre que se formos fazer uma leitura detida e concentrada neste artigo,

RA
verificamos que na parte final exige: “sem licença da autoridade”. Trata-se de norma
penal em branco, exigindo-se um complemento normativo que faça previsão dos casos
em que a autoridade competente aferirá licença ao cidadão para o porte de arma
(branca). Tal “complemento normativo”, no Brasil, apenas existe quanto à restrição
LG
sobre espadas e espadins das Forças Armadas e Auxiliares, consideradas privativas
destas segundo o regulamento de produtos controlados do Exército (R-105). Nada
mais juridicamente válido existe sobre o assunto. Consequentemente e segundo a
regra constitucional, no Brasil o porte de faca ou qualquer tipo de lâmina não é proibido
IA

pela legislação, salvo a exceção acima mencionada (espadas e espadins das For- ças
Armadas e Auxiliares), podendo qualquer indivíduo mentalmente sadio portar sua faca
para defesa ou trabalho, independentemente de qualquer autorização para tanto.
ER

É a regra do Estado de Direito, constituindo abuso de autoridade qualquer medida


policial coercitiva contra o porte de lâminas. Ressalte-se que a jurisprudência do
Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo, em julgamento de 13 de janeiro
de 2000, proferido pela 7.ª Câmara, ao apreciar uma apelação (processo 1175279/8),
AT

decidiu que não configura infração penal o porte de arma branca. Confira-se: “LEI DE
ARMAS. PORTE DE ARMA BRANCA. PUNIBILIDADE. INOCORRÊNCIA: - O portar
arma branca não tem nenhuma significação em termos de punibilidade, por não se
tratar de instrumento cujo porte esteja condicionado à autorização de autoridade
M

competente, conforme a Lei n.º 9437/97, que disciplina, exclusivamente, o uso de


armas de fogo, sendo certo que viola o princípio da reserva legal a tentativa de incluir
as armas brancas na categoria daquelas cujo porte é disciplinado normativamente, ou
supor para essa hipótese a manutenção do art. 19 da LCP, com suporte em decreto
estadual de patente inconstitucionalidade.” Nem se diga que o Decreto Estadual n.
6.911/55, que proíbe o porte de faca com lâmina de 12,5 cm, preencheria o requisito do
tipo “sem licença da autoridade”. Isso porque, é certo que referida norma não disciplina
a LICENÇA PARA PORTE DE ARMA BRANCA, sendo tal imprescindível pela leitura
do art. 19, da LCP. Defendendo este ponto de vista, vem Silvio Maciel (in Legislação
Penal Especial, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 77/78): Sem

312
embargo da discussão que há sobre esse decreto (se foi ou não recepcionado pela
Constituição de 1988; qual seu âmbito espacial de aplicação etc.) a verdade é que ele
não dispõe sobre nenhuma licença para porte de arma branca. Também não serve,
portanto, como complemento para aplicação do dispositivo em estudo. (sem grifo no
origina).
Ainda que se entenda, em último caso, que o Decreto de alguma forma estaria
tratando de LICEN- ÇA, a Constituição da República Federativa do Brasil determina

O
que matéria penal deve ser disciplinada pela UNIÃO (art. 22, I, da CRFB), e não pelos
ESTADOS!!!
A este respeito, vejamos o entendimento de Guilherme de Souza Nucci: “Não há lei

IT
regulamentando o porte de arma branca de que tipo for. Logo, é impossivel conseguir
licença da autoridade para carregar consigo uma espada. Segundo o disposto no art.
5º, II, da Consituição Federal, ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma

TU
coisa senão em virtude de lei. Há outro ponto importante. Cuida-se de tipo penal
incriminador, razão pela qual não pode ficar ao critério do operador do direito aplicá-lo
ou não, a seu talante.(...) Não desconhecemos que há argumentos sustentando a
vigência do Decreto 6.911/35, que proíbe o porte de „armas brancas destinadas

RA
usualmente à ação ofensiva, como punhais ou canivetes-punhais, ou facões em forma
de punhal; e também as bengalas e gaurda-chuvas ou quaisquer outros objetos
contendo punhal, espada, estilete ou espingarda‟, além de „facas cuja lamina tenha
mais de 10 centimetros de comprimento e navalhas de qualquer dimensão...‟ (art. 5º)
LG
(...) Não pode um decreto disciplinar matéria penal, que é, nos termos do atual texto
constitucional, assunto privativo da União (art. 22, I, CF)”. (Leis Penais e Processuais
Penais Comentadas, 2ª edição, 2007, Ed. RT, p. 152) Por estas razões, inexistindo
complemento normativo da União, tratase de fato atípico.
IA

PONTO 22
ER

Crimes ambientais (Lei nº 9.605/98),

1. Qual é o objeto de proteção da Lei de Crimes Ambientais?


O objeto jurídico é o meio ambiente, enquanto espaço ocupado pelos seres vivos.
AT

Por outro lado, tem o objeto material, que é a pessoa ou coisa sobre a qual recai a
conduta criminosa, com o estabelecimento de uma série de condutas delitivas.

2. O que significa ultima ratio da tutela penal ambiental.


M

Ultima ratio da tutela penal ambiental significa que esta é chamada a intervir
somente nos casos em que as agressões aos valores fundamentais da sociedade
alcancem o ponto do intolerável ou sejam objeto de intensa reprovação do corpo social.

3. Em sede de crimes ambientais, é possível a denominada denúncia genérica? E


a denúncia geral?
Não, para evitar a responsabilidade penal objetiva de sócios, diretores, gerentes etc.
o STFe o STJ vêm repudiando as denominadas denúnciasgenéricas.

313
“Denúncia genérica”: é aquela que não estabelece o mínimo vínculo entre o
fatocriminoso narrado e o denunciado. Inclui a pessoa no polo passivo apenas por
sustentar a qualidade desócio, diretor, gerente, preposto da pessoajurídica.
Tais denúncias violam a um sótempo:
 Princípio do contraditório e ampladefesa
 Princípio do devido processolegal
 Princípio da dignidade da pessoahumana

O
Notar que tanto o STF e o STJ vêm fazendo uma diferenciação entre denúncia
genéricae denúnciageral:
Denúnciageral:narra ofatocriminosocomtodasassuascircunstânciaseoimputaa

IT
todos os acusado indistintamente e simultaneamente. Tal denúncia é válida – não
éinepta. Se todos os denunciados participaram do fato criminoso é matéria de prova a
serverificado durante a instruçãoprocessual.

TU
Denúnciagenérica:O MPnarraváriascondutascriminosaseasimputa
genericamentea todos os acusados sem que se possa saber quais delas praticou esta
ou aquela conduta(não há como individualizar as condutas). Eugênio Pacelli e STJ
fazem esta distinção. Esta denúncia éinepta.

ambiente?
Duas são ascorrentes:
RA
4. É aplicável o princípio da insignificância aos crimes cometidos contra o meio
LG
1ª corrente: Não é aplicável porque toda lesão ao meio ambiente afetao
Ecossistema. Logo, toda lesão ao meio ambiente é de extremarelevância.
2ª corrente: Cabe a aplicação desse princípio nos crimes ambientais(corrente
majoritária).
IA

Nesse sentido, assim dispõe o STF:


AÇÃO PENAL. Crime ambiental. Pescador flagrado com doze camarões e rede de
pesca, em desacordo com a Portaria 84/02, do IBAMA. Art. 34, parágrafo único, II, da
ER

Lei nº 9.605/98. Rei furtivae de valor insignificante. Periculosidade não considerável do


agente. Crime de bagatela. Caracterização. Aplicação do princípio da insignificância.
Atipicidade reconhecida. Absolvição decretada. HC concedido para esse fim. Voto
vencido. Verificada a objetiva insignificância jurídica do ato tido por delituoso, à luz das
AT

suas circunstâncias, deve o réu, em recurso ou habeas corpus, ser absolvido por
atipicidade do comportamento.
(STF - HC: 112563 DF, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de
Julgamento: 21/08/2012, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-241 DIVULG 07-
M

12-2012 PUBLIC 10-12-2012)

5. O SURSIS é aplicável nos crimes previstos na lei de crimes ambientais? Há


diferença a ser apontada?
Sim, é aplicável, mas configura exceção à regra geral do quantum de pena não
superior a dois anos, já que o art. 16 da Lei de Crimes Ambientais prevê cabível o
direito se a condenação não for superior a 3 anos.

6. É possível a responsabilidade penal das pessoas jurídicas por crimes


ambientais?

314
O art. 225, § 3º, CF/88 prevê o seguinte:
Art. 225 (...) § 3º As condutas e atividades consideradas lesivas
ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou
jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente
da obrigação de reparar os danos causados.

A Lei n.° 9.605/98, regulamentando o dispositivo constitucional, estabeleceu:


Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas

O
administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei,
nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu

IT
representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no
interesse ou benefício da sua entidade.
Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não

TU
exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do
mesmo fato.

Mesmo com essa previsão expressa na CF/88 e na Lei n.° 9.605/98, surgiram

RA
quatro correntes para explicar a possibilidade (ou não) de responsabilização penal da
pessoa jurídica:

1ª CORRENTE:
LG
NÃO. A CF/88 não previu a responsabilidade penal da pessoa jurídica, mas apenas
sua responsabilidade administrativa.
É a corrente minoritária.
Os defensores desta primeira corrente fazem a seguinte interpretação do § 3º do art. 225
IA

da CF/88: os infratores pessoas físicas estão sujeitos a sanções penais e os infratores


pessoas jurídicas a sanções administrativas.
Assim, quando o dispositivo constitucional fala em sanções penais ele está apenas se
ER

referindo às pessoas físicas.


Adotam essa corrente: Miguel Reale Jr., Cézar Roberto Bitencourt, José Cretela Jr.
É minoritária.
AT

2ª CORRENTE:
NÃO. A ideia de responsabilidade da pessoa jurídica é incompatível com a teoria do
crime adotada no Brasil.
É a posição majoritária na doutrina.
M

Conforme explica Silvio Maciel, esta segunda corrente baseia-se na Teoria da ficção
jurídica, de Savigny, segundo a qual as pessoas jurídicas são puras abstrações,
desprovidas de consciência e vontade (societas delinquere non potest). Logo, “são
desprovidas de consciência, vontade e finalidade e, portanto, não podem praticar condutas
tipicamente humanas, como as condutas criminosas.” (Meio Ambiente. Lei 9.605,
12.02.1998. In: GOMES, Luiz Flávio; CUNHA, Rogério Sanches (Coord.). Legislação
Criminal Especial. São Paulo: RT, 2009, p. 691).
As pessoas jurídicas não podem ser responsabilizadas criminalmente porque não têm
capacidade de conduta (não têm dolo ou culpa) nem agem com culpabilidade (não têm

315
imputabilidade nem potencial consciência da ilicitude).
Além disso, “é inútil a aplicação de pena às pessoas jurídicas. As penas têm por
finalidades prevenir crimes e reeducar o infrator (prevenção geral e especial, positiva e
negativa), impossíveis de serem alcançadas em relação às pessoas jurídicas, que são
entes fictícios, incapazes de assimilar tais efeitos da sanção penal.” (idem, p. 692).
Adotam essa corrente: Pierangelli, Zafaroni, René Ariel Dotti, Luiz Regis Prado, Alberto
Silva Franco, Fernando da Costa Tourinho Filho, Roberto Delmanto, LFG, entre outros.

O
3ª CORRENTE:
SIM. É plenamente possível a responsabilização penal da pessoa jurídica no caso

IT
de crimes ambientais porque assim determinou o § 3º do art. 225 da CF/88.
A pessoa jurídica pode ser punida penalmente por crimes ambientais ainda que não
haja responsabilização de pessoas físicas.

TU
O principal argumento desta corrente é pragmático e normativo: pode haver
responsabilidade penal porque a CF/88 assim determinou.
Vale ressaltar que o § 3º do art. 225 da CF/88 não exige, para que haja responsabilidade

RA
penal da pessoa jurídica, que pessoas físicas sejam também, obrigatoriamente,
denunciadas.
Esta corrente é defendida, dentre outros, por Vladimir e Gilberto Passos de Freitas:
“(...) a denúncia poderá ser dirigida apenas contra a pessoa jurídica, caso não se descubra
LG
a autoria das pessoas naturais, e poderá, também, ser direcionada contra todos. Foi
exatamente para isto que elas, as pessoas jurídicas, passaram a ser responsabilizadas. Na
maioria absoluta dos casos, não se descobria a autoria do delito. Com isto, a punição
findava por ser na pessoa de um empregado, de regra o último elo da hierarquia da
corporação. E quanto mais poderosa a pessoa jurídica, mais difícil se tornava identificar os
IA

causadores reais do dano. No caso de multinacionais, a dificuldade torna-se maior, e o


agente, por vezes, nem reside no Brasil. Pois bem, agora o Ministério Púbico poderá
imputar o crime às pessoas naturais e à pessoa jurídica, juntos ou separadamente. A opção
ER

dependerá do caso concreto.” (Crimes Contra a Natureza. São Paulo: RT, 2006, p. 70).

4ª CORRENTE:
AT

SIM. É possível a responsabilização penal da pessoa jurídica, desde que em


conjunto com uma pessoa física.
Era a posição do STJ.
O STJ possuía o entendimento de que seria possível a responsabilidade penal da pessoa
M

jurídica em crimes ambientais, desde que houvesse a imputação simultânea do ente


moral e da pessoa natural que atua em seu nome ou em seu benefício.
Nesse sentido: EDcl no REsp 865.864/PR, Rel. Min. Adilson Vieira Macabu
(Desembargador Convocado do TJ/RJ), Quinta Turma, julgado em 20/10/2011)
Assim, o Ministério Público não poderia formular a denúncia apenas contra a pessoa
jurídica, devendo, obrigatoriamente, identificar e apontar as pessoas físicas que, atuando
em nome e proveito da pessoa jurídica, participaram do evento delituoso, sob pena da
exordial não ser recebida (REsp 610.114/RN).
Este entendimento baseia-se na redação do art. 3º da Lei n.° 9.605/98:
Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente

316
conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão
de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou
benefício da sua entidade.
Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas
físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.
Veja o que explica Silvio Maciel:
“Pelo referido dispositivo é possível punir apenas a pessoa física, ou a pessoa física e a

O
pessoa jurídica concomitantemente. Não é possível, entretanto, punir apenas a pessoa
jurídica, já que o caput do art. 3º somente permite a responsabilização do ente moral se
identificado o ato do representante legal ou contratual ou do órgão colegiado que ensejou

IT
a decisão da prática infracional. Assim, conforme já expusemos acima, não é possível
denunciar, isoladamente, a pessoa jurídica já que sempre haverá uma pessoa física (ou
diversas) co-responsável pela infração. Em relação aos entes morais, os crimes

TU
ambientais são, portanto, delitos plurissubjetivos ou de concurso necessário (crimes de
encontro).” (ob. cit., p. 702-703).
Na doutrina, essa é a posição, dentre outros, de Édis Milaré.

RA
Qual é a posição do STF e o STJ sobre o tema?
Atualmente, o STJ e o STF adotam a 3ª corrente.
É possível a responsabilização penal da pessoa jurídica por delitos ambientais
LG
independentemente da responsabilização concomitante da pessoa física que agia em
seu nome.
Resumindo:
No Brasil, existe a responsabilidade penal das pessoas jurídicas por crimes
ambientais?
IA

1ª corrente: NÃO 2ª corrente: NÃO 3ª corrente: SIM 4ª corrente: SIM

A CF/88 não previu a A responsabilidade É possível porque há É possível, desde


ER

responsabilidade da pessoa jurídica é previsão expressa na que em conjunto com


penal da pessoa incompatível com a CF. uma pessoa física.
jurídica, mas apenas teoria do crime A pessoa jurídica Chamada de teoria
pode ser punida da dupla imputação.
AT

sua responsabilidade adotada no Brasil.


administrativa. É a posição penalmente por Era a antiga posição
É amplamente majoritária na crimes ambientais da jurisprudência.
minoritária. doutrina. ainda que não haja
responsabilização de
M

pessoas físicas.
É a posição do STJ e
STF.

Caso concreto:
O MPF formulou denúncia por crime ambiental contra a pessoa jurídica
Petrobrás e também contra “L” (superintendente de uma refinaria).
A denúncia foi recebida. No entanto, o acusado pessoa física foi absolvido
sumariamente, prosseguindo a ação penal apenas contra a pessoa jurídica.
317
Como a pessoa física foi afastada da ação penal, a defesa da Petrobrás, invocando
a teoria da dupla imputação (4ª corrente), sustentou que a pessoa jurídica deveria também
ser, obrigatoriamente, excluída do processo.
O STJ, invocando precedente do STF, não acolheu a argumentação.
Segundo o entendimento atual da jurisprudência, é possível a responsabilização
penal da pessoa jurídica por delitos ambientais independentemente da
responsabilização concomitante da pessoa física que agia em seu nome.
Em suma:

O
É possível a responsabilização penal da pessoa jurídica por delitos ambientais
independentemente da responsabilização concomitante da pessoa física que agia

IT
em seu nome.
A jurisprudência não mais adota a chamada teoria da "dupla imputação".
STJ. 6ª Turma. RMS 39.173-BA, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em

TU
6/8/2015 (Info 566).
STF. 1ª Turma. RE 548181/PR, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 6/8/2013 (Info 714).

*Resposta retirada do site Dizer o Direito (http://www.dizerodireito.com.br/2015/10/e-

RA
possivel-responsabilizacao-penal-da.html)

Complementando, o anterior entendimento do STJ era do sentido de ser impossível


a aplicação da responsabilidade única da pessoa jurídica, pois se entendia que o art.
LG
3º, caput da Lei 9605/98, seguindo o modelo francês, teria adotado adenominada
responsabilidade por ricochete (por via reflexa), pela qual é impossível punir o ente
moral sema comprovação de que a pessoa física (ou pessoas físicas) responsável pela
pessoa jurídica praticouocrime ou decidiu pela suaprática.
IA

O recente posicionamento do STF emsentido contrário que fora fortemente


criticada pela doutrina abalizada sobre o tema. Vejamos uma crítica feita pelo Prof.
Sílvio Maciel sobre taldecisão:
“A responsabilização penal dos entes morais já exige um “contorcionismo
ER

jurídico” imenso,tendo em vista que a teoria do crime existente em nosso ordenamento


penal é totalmenteincompatível com a natureza não humana das pessoas coletivas
(vontade, consciência,imputabilidade, exigibilidade de conduta diversa etc são
AT

pressupostos exclusivamente humanos,incompossíveis, pois, com a natureza das


pessoas jurídicas). O Brasil não seguiu os passos da França que lácriou uma Lei de
Adaptação para viabilizar a responsabilidade criminal das pessoas jurídicas.Agora com
essa decisão do STF o “contorcionismo” deverá ser ainda maior, porque seránecessário
M

“driblar” (leia-se: ignorar) até mesmo o art. 3º da Lei 9605/98 que claramenteimpede
responsabilização isolada do entemoral”.

7. É possível a reponsabilização da pessoa jurídica de direito público?


Duas são as corrente sobre otema:
1ª corrente: Sim, uma vez que a CF e a Lei Ambiental não fez qualquer distinção
entrea pessoa jurídica de direito público e de direito privado na responsabilização penal
porcrime ambiental. Sendo assim, não caberia ao intérprete tal diferenciação. É o
entendimentode Nucci, LFG e Paulo AfonsoMachado.
2º corrente: Não, uma vez que o Estado não pode punir a si mesmo, pois já

318
possuio monopólio do direito de punir. Além disso, as duas penas possíveis de serem
aplicadasà pessoa jurídica (multa e restritiva de direitos) são inviáveis em relação às
pessoasjurídicas de direito público. É o posicionamento defendido por Gilberto Passos
de Freitas. Amulta recairia sobre os próprios cidadãos, pois será paga com o dinheiro
dos cofrespúblicos. Ademais as penas restritivas de direito, por sua vez, seriam inúteis,
pois já é obrigaçãodo Estado a prestação de serviços àsociedade.

8. Qual é a esfera de responsabilização da pessoa física? Quais as penas

O
aplicadas na esfera criminal?
É pacífico na doutrina que uma pessoa física pode ser responsabilizada civil,

IT
administrativa e criminalmente por um dano ambiental, podendo inclusive, responder
conjuntamente e receber punição em todas as esferas. Na esfera criminal podem ser
aplicadas: penas privativas de liberdade, restritiva de direitos e multa.

TU
9. É aplicável responsabilidade penal objetiva nos crimes ambientais? Quais são
os requisitos legais para a responsabilidade dos representantes da pessoa
jurídica?

RA
Não vigora no direito penal a responsabilidade objetiva, aplicável na
responsabilidade civil por dano ao meio ambiente. Penalmente torna-se imprescindível
a comprovação do elemento subjetivo da conduta- dolo ou culpa- do agente. Os
requisitos que impedem a responsabilização objetiva dos representantes da pessoa
LG
jurídica são:
a) Que a pessoa (diretor, administrador, auditor, gerente, membro do conselho etc.)
tenha ciência da existência da conduta criminosa de outrem;
b) Que a pessoa possa agir para impedir o resultado (omissão penalmente
IA

relevante)

10. É possível utilização de Habeas Corpus para pessoa jurídica?


ER

Como é cediço na jurisprudência do STJ habeas corpus não se presta para


amparar reclamados de pessoa jurídica, na qualidade de paciente, eis que restrito à
liberdade ambulatorial.
AT

11. Discorra sobre a desconsideração da pessoa jurídica


Em 1998, a Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998), no seu art. 4º, visando a
conferir maior âmbito de proteção aos bens jurídicos tutelados, reproduziu, grosso
modo, o § 5º do art. 28 do CDC, permitindo, então, a desconsideração da
M

personalidade jurídica sempre que, de qualquer modo, for empecilho ao ressarcimento


dos danos causados ao meio ambiente. Assim, a falta de bens suficientes da pessoa
jurídica para ressarcir o dano ambiental causado, enseja a possibilidade da
desconsideração da personalidade jurídica, sendo necessária a mera insolvência da
sociedade. Privilegiou-se, nesse caso, a coletividade, a proteção ao meio ambiente, em
detrimento da existência própria pessoa jurídica e do patrimônio pessoal dos seus
sócios.

12. Quais são as penas aplicáveis à pessoa jurídica?

319
Podem ser aplicadas isoladas ou cumulativamente: suspensão parcial ou total das
atividades; interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade; proibição de
contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou
doações. Bem como a prestação de serviços à comunidade pela pessoa jurídica
consistirá em: custeio de programas de projetos ambientais; execução de obras de
recuperação de áreas degradadas; manutenção de espaços públicos e contribuições a
entidades ambientais ou culturais públicas.

O
13. Com relação à liquidação forçada, qual é o entendimento doutrinário?
A pessoa jurídica constituída ou utilizada, preponderantemente, com o fim de

IT
permitir, facilitar ou ocultar a prática de crime definido nesta Lei terá decretada sua
liquidação forçada, seu patrimônio será considerado instrumento do crime terá
decretada sua liquidação forçada, e como tal perdido em favor do Fundo Penitenciário

TU
Nacional. Para que o art. 24 da Lei ambiental não padeça do vício da
inconstitucionalidade, a doutrina majoritária (porém não unânime) entende que tal efeito
não possui natureza jurídico-penal, mas sim administrativa/cível.

RA
14. Como ocorre a suspensão condicional da pena nos crimes ambientais?
A lei de crimes ambientais possibilita a aplicação da suspensão condicional da
pena, em condenações a pena privativa de liberdade não superior a três anos. O sursis
especial, será realizado mediante laudo de reparação do dano ambiental ambiente,
LG
salvo impossibilidade, e as condições a serem impostas pelo juiz deverão relacionar-se
com a proteção ao meio

15. Como ocorre a suspensão condicional do processo nos crimes ambientais?


IA

Nos crimes ambientais será cabível o benefício da suspensão condicional do


processo nos crimes de menor potencial ofensivo, com as seguintes peculiaridades:
a) A declaração de extinção da punibilidade dependerá de laudo de constatação de
ER

reparação do dano ambiental, ressalvada eventual impossibilidade;


b) Na hipótese de o laudo de constatação comprovar não ter sido completa a
reparação, o prazo de suspensão do processo será prorrogado, até o período máximo
previsto, acrescido de mais de um ano, com suspensão do prazo da prescrição;
AT

c) Esgotado o prazo máximo de prorrogação a declaração de extinção de


punibilidade dependerá de laudo de constatação que comprove ter o acusado tomado
as providências necessárias a reparação do dano.
M

16. É cabível transação penal nos crimes ambientais?


É cabível transação penal nos crimes ambientais de menor potencial ofensivo, a
qual deverá ser precedida da reparação do dano, salvo em caso de comprovada
impossibilidade.

17. Quais são as hipóteses excludentes de antijuridicidade nos crimes de abate


de animal?
Quando realizado:
a) Em estado de necessidade, para sacrificar a fome do agente ou de sua família;
b) Para proteger lavouras, pomares e rebanhos da ação predatória ou destruidora

320
de animais, desde que legal e expressamente autorizado pela autoridade competente;
c) Por ser nocivo o animal, desde que assim caracterizado pelo órgão
correspondente.

18. Quais as peculiaridades quanto às agravantes mencionadas na lei?


Circunstâncias agravantes – aquelas que aumentam a pena privativa de liberdade
– especiais dos crimes ambientais estão elencadas no art. 15 da dita lei. Este traz um

O
enorme rol de situações em que, se o agente ou o ato estiver ali encaixado, a pena
privativa de liberdade será aumentada, em um quantum a critério do juiz. Neste rol se
encontra a reincidência, o intuito de auferir vantagem pecuniária, a coação de outrem

IT
para a execução material do crime, ter sido cometido por funcionário público no
exercício de suas funções, dentre outros. O mais peculiar, todavia, dá-se nas situações
elencadas nas alíneas “h” e “i” do dito artigo. Segundo estas, a pena será agravada se

TU
o crime for cometido “em domingos ou feriados” ou “à noite”, respectivamente. O intuito
do legislador foi aumentar a pena privativa de liberdade nos crimes cometidos quando
se dá menos fiscalização por parte do Poder Público – em suma, é o velho “jeitinho
brasileiro”: precisa coibir o crime; ao invés de aumentar a fiscalização, aumenta-se a

RA
pena quando a fiscalização é menor.

19. Quais críticas podem ser destinadas ao crime estipulado no art. 49 e


parágrafo único da Lei?
LG
Art. 49. Destruir, danificar, lesar ou maltratar, por qualquer modo ou meio, plantas
de ornamentação de logradouros públicos ou em propriedade privada alheia:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa, ou ambas as penas
cumulativamente.
IA

Parágrafo único. No crime culposo, a pena é de um a seis meses, ou multa.


Tutelar a proteção à planta de ornamentação de logradouro público ou particular
não deveria ser matéria de crime ambiental – no mais, de crime contra a propriedade,
ER

na qual já existe a figura do dano do art. 163 do Código Penal. Já em função do


maltratar (e pior, de qualquer modo ou meio), não deveria sequer existir no Direito
Administrativo como infração, quiçá como crime. Imagina alguém sofrer as sanções
penais (três meses a um ano de detenção, ou multa; lembrando-se que para receber
AT

transação penal ou suspensão condicional do processo necessita da reparação integral


do dano e de laudo de constatação de recuperação do dano sofrido, respectivamente,
conforme visto anteriormente) por que chutou a planta do vizinho? Seria cômico se não
fosse trágico. Literalmente.
M

E o pior de tudo ainda está por vir: admite-se a forma culposa, com pena de um
a seis meses de detenção, ou multa. Ou seja, o agente ainda pode ser processado
criminalmente porque, em um ato de descuido, maltratou, destruiu, lesionou ou
danificou planta, de logradouro público ou privado. É o ápice da sandice legislativa.
Como bem leciona Guilherme de Souza Nucci, em seu livro “Leis Penais e Processuais
Penais Comentadas”: “em função do princípio da intervenção mínima, não se pode
admitir um penal incriminador que diga respeito a, por exemplo, maltratar plantas
ornamentais de forma culposa, sem qualquer intenção, mas em virtude de pura
negligênia. Seria o ápice do abuso do Estado no intervencionismo na vida privada de
cada um. Diz Miguel Reale Júnior que “para total espanto, admite-se também a forma

321
culposa. Assim, tropeçar e pisar por imprudência na begônia do jardim do vizinho é
crime” (A Lei Hedionda dos Crimes Ambientais. Folha de S. Paulo, Tendências e
Debates, dia 6 de abril de 1998)” (NUCCI, 2010, p. 993). Houve, portanto, um grave
excesso legislativo.

PONTO 23
Crimes hediondos (Lei nº 8.072/90),

O
Lei de tortura (Lei nº 9.455/97),

IT
1. Existe previsão constitucional acerca de crimes hediondos ou equiparados?
Sim. O art. 5º, XLIII, impõe um regime jurídico mais gravoso aos
crimes de tortura, tráfico de entorpecentes e terrorismo, assim como aos delitos

TU
definidos como crimes hediondos. A aplicabilidade deste preceito está
condicionada à definição dessa novel categoria de infrações penais pelo legislador
comum, o que foi feito pelo legislador com a Lei 8.072/92.

RA
2. Quais os sistemas de classificação das infrações penais como hediondas? E
qual o sistema adotado no Brasil?
Há diversas formas de classificação de determinado delito como crime hediondo, a
saber:
LG
a) sistema legal: por meio desse sistema, cabe ao legislador enunciar, de forma
exaustiva (numerus clausus), os crimes que devem ser considerados hediondos.
Não se confere ao juiz qualquer discricionariedade para atestar a natureza hedionda do
delito. O aspecto positivo desse primeiro sistema é a segurança na aplicação da lei. O
IA

ponto negativo é que, por meio desse sistema, o Congresso Nacional goza de ampla
liberdade para definir qualquer infração penal como hedionda, sendo livre para elevar à
referida categoria um delito qualquer, simplesmente em virtude da pressão exercida
ER

pela mídia ou pela população;


b) sistema judicial: levando-se em consideração os elementos do caso concreto,
confere-se ao magistrado ampla liberdade para identificar a natureza hedionda de
determinada conduta delituosa, a depender das circunstâncias gravosas do caso
AT

concreto. O ponto positivo desse critério é que o magistrado não fia adstrito a um rol
taxativo fiado em abstrato pelo legislador, o que acaba por permitir maior flexibilidade
na classificação (ou não) de determinada conduta delituosa como hedionda, tudo a
depender das circunstâncias fáticas do caso concreto. No entanto, esse modelo acaba
M

por trazer certa insegurança jurídica, porquanto os critérios adotados por cada
magistrado são subjetivos, o que poderia dar ensejo a uma possível violação ao
princípio da legalidade;
c) sistema misto: ao invés de preestabelecer um rol taxativo de crimes hediondos,
o legislador apresenta apenas um conceito, fornecendo alguns traços peculiares
dessas infrações penais. Este modelo também confere certa liberdade ao juiz para
aferir a natureza hedionda de determinada conduta delituosa à luz das circunstâncias
fáticas do caso concreto. Porém, este sistema também traz consigo certa insegurança
jurídica, já que, dificilmente, seria possível a elaboração, por parte do legislador, de um
conceito de crime hediondo imune a dúvidas e críticas.

322
d) O sistema denominado de “mais justo” é que vem sendo aplicado pelo STF.
Segundo ele, compete ao legislador enumerar, num rol taxativo, os crimes hediondos,
mas o juiz deve atestar/confirmar a hediondez na análise do caso concreto.
Este sistema não se confunde com o misto, pois o juiz não pode completar o rol de
hipóteses, que é taxativo, mas pode atestar a hediondez no caso concreto.

3. Há alguma mudança no tratamento no caso de crime hediondo tentado?


O art. 1º, caput, da Lei nº 8.072/90 deixa evidente que, para fins de reconhecimento

O
de sua natureza hedionda, pouco importa que o delito seja consumado ou tentado.

IT
4. Existe homicídio simples hediondo?
Sim, o homicídio simples praticado em atividade típica de grupo de extermínio, de
acordo com a LCH.

TU
5. Como compatibilizar o homicídio praticado por grupo de extermínio e a
causa de aumento de pena prevista no § 6º do art, 121 (Lei 12.720/12)?
À época em que a Lei nº 8.930/94 entrou em vigor, ao invés de arrolar a prática do

RA
crime de homicídio em atividade típica de grupo de extermínio como qualificadora
desse delito, acrescentando mais um inciso ao §2º do art. 121, ou até mesmo como
uma causa de aumento de pena, enfim, criando um tipo penal especial de homicídio
simples, o legislador simplesmente optou por tachar essa figura delituosa com o
LG
rótulo da hediondez. Daí por que grande parte da doutrina se referia a esse crime
como homicídio condicionado, pois o reconhecimento de sua natureza hedionda
dependia da verificação de um requisito (ou condição): que o ilícito tivesse sido
praticado em ação típica de grupo de extermínio.
IA

Por força da Lei nº 12.720/12, foi introduzida uma nova causa de aumento de
pena no §6º do art. 121. O crime de homicídio ser praticado por grupo de
extermínio passou a vigorar como causa de aumento de pena do referido delito.
Veja que fato de o crime de homicídio ser praticado por milícia privada, sob o
ER

pretexto de prestação de serviço de segurança, ou por grupo de extermínio,


passa a funcionar como circunstância do crime de homicídio, autorizando a
incidência da causa de aumento de 1/3 (um terço) até metade, quantum este de
AT

majoração que pode incidir inclusive nos crimes de homicídio qualificado (CP,
art. 121, §2º).
Evidentemente, cuida-se de novatio legis in pejus, daí por que esta causa de
aumento de pena e o novel crime do art. 288-A (milícia privada) poderão incidir apenas
M

em relação aos fatos delituosos cometidos por milícias privadas ou por grupos de
extermínio a partir do dia 28 de setembro de 2012, data da vigência da Lei nº
12.720/12.

6. O homicídio qualificado-privilegiado é crime hediondo?


É dominante o entendimento no sentido da possibilidade de reconhecimento da
figura do homicídio qualificado-privilegiado. As qualificadoras porventura reconhecidas
neste homicídio qualificado--privilegiado devem, obrigatoriamente, ter natureza
objetiva. Na hipótese de os jurados reconhecerem a existência de homicídio
qualificado-privilegiado, tal crime jamais poderá ser considerado hediondo.

323
Primeiro, porque o art. 1°, I, da Lei n° 8.072/90, é claro ao afirmar que somente serão
rotulados como hediondos o homicídio simples (art. 121) praticado em atividade típica
de grupo de extermínio, e o homicídio qualificado (art. 121, §2°, I, II, III, IV e V). Não há,
portanto, qualquer referência ao homicídio privilegiado. Demais disso, seria incoerente
rotular como hediondo (leia-se, repugnante) um crime de homicídio cometido, por
exemplo, mediante valor moral ou social.

7. Considerando que a LCH veda a concessão de fiança, é possível conceder

O
liberdade provisória aos acusados por crimes hediondos?
Sim, é perfeitamente possível. Segundo decidido pelo STF, a liberdade provisória

IT
não pode ser vedada tendo em vista somente o crime em abstrato, de modo que o juiz,
no caso concreto, pode conceder a liberdade provisória a quem é acusado da prática
de crime hediondo, sem imposição de fiança.

TU
8. Nos termos da Constituição Federal, quais são os crimes equiparados a
hediondos?
Guardar os três T´s: tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e terrorismo.

RA
Insere-se no conceito de tráfico de drogas o financiamento ao tráfico (art. 36,
11343), excluindo-se o art. 35 (associação para o tráfico).
Para a maioria da doutrina e para os tribunais superiores, a simples de uma causa
de diminuição de pena em relação a tais delitos, como ocorre, por exemplo, com o
LG
chamado tráfico privilegiado, previsto no art. 33, §4°, não tem o condão de afastar sua
natureza hedionda. Posição da Defensoria: tráfico privilegiado não é hediondo.
Usar a mesma lógica do homicídio qualificado-privilegiado! Não há porque
distinguir.
IA

Não são rotulados como tráfico ou equiparados a hediondos: os crimes previstos


nos arts. 28 (porte ou cultivo de drogas para consumo próprio), 33, §2° (auxílio ao uso),
33, §3° (uso compartilhado), 38 (prescrição ou ministração culposa) e 39 (condução de
ER

embarcação ou aeronave após o uso de drogas). Por mais que a Lei n° 11.343/06 não
defina expressamente quais seriam os crimes de tráfico de drogas, não se pode perder
de vista que a palavra tráfico está vinculada à ideia de comércio, mercancia, trato
mercantil, negócio fraudulento, etc. Assim, não se pode querer atribuir a natureza de
AT

tráfico de drogas à conduta daquele que divide com outrem um cigarro de maconha
(Lei n° 11.343/06, art. 33, §3°), sob pena de rotularmos como equiparado a hediondo
um crime cuja pena cominada é de detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano.
Há controvérsia na doutrina acerca da tipificação do terrorismo no Brasil, com uma
M

corrente entendendo que o terrorismo está tipificado na Lei de Segurança Nacional,


enquanto outra sustenta que a LSN não foi recepcionada pelo CF. O mais prudente é
sustentar a inexistência do tipo penal de terrorismo.

9. A redação original da LCH vedava a progressão de regime. Todavia, o STF, em


2006, declarou que tal dispositivo era inconstitucional. Posteriormente, em 2007,
a LCH foi alterada permitindo a progressão de regime, mas impondo requisitos
mais severos do que os aplicados aos crimes em geral (2/5 para os não
reincidentes e 3/5 para os reincidentes). Como fica a situação daqueles que
foram condenados por crime hediondo antes da referida alteração da lei?

324
Aqueles que foram condenados por crimes hediondos antes da alteração da lei
(2007) têm direito à progressão de regime, pois a vedação foi julgada inconstitucional
pelo STF. Alémdisso, nessa situação, a progressão ocorrerá em 1/6 (regra geral), pois
não estava vigente a alteração da lei, sem falar que a alteração prejudicial ao réu é
irretroativa.

10. Qual a interpretação mais adequada para o §3° do art. 2° da LCH, que diz que,
em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu

O
pode apelar em liberdade?
A interpretação mais adequada, sob a égide do princípio da presunção de

IT
inocência, é no sentido de que o réu só deve ser preso excepcionalmente, se estiverem
presentes os requisitos da prisão preventiva ou no caso de trânsito em julgado da
sentença condenatória.

TU
Obs.: Os Tribunais vêm entendendo que é desproporcional determinar que o réu
aguarde o julgamento da apelação em regime mais gravoso que aquele fixado no
decreto condenatório (princípio da homogeneidade das prisões cautelares). Por
exemplo, fixado o regime inicial semiaberto para o cumprimento da pena, o acusado

RA
tem o direito de aguardar o julgamento do recurso aplicando-se as regras do respectivo
regime.

11. A Lei da Prisão Temporária (Lei 7.960/1989) prevê que a prisão temporária terá
LG
o prazo de 5 dias, prorrogáveis por mais 5. A LCH, por sua vez, prevê que o prazo
de prisão temporária será de 30 dias, prorrogáveis por mais 30. Muitos crimes
estão previstos em ambas as leis. Como fica o prazo para esses crimes?
Nos crimes previstos somente na Lei de Prisão Temporária, o prazo será de 5+5.
IA

Nos crimes previstos em ambas as leis, o prazo será de 30+30.

12. A LCH, ao alterar o CP, vedou o livramento condicional para o reincidente


específico nos crimes hediondos. O que significa isso?
ER

Há três correntes sobre o assunto. A primeira entende que reincidente específico é


aquele que cometeu crime hediondo ou equiparado, não importa qual dos crimes. A
segunda corrente defende que reincidente específico é aquele que cometeu crime
AT

hediondo ou equiparado que tutelava o mesmo bem jurídico. E a terceira corrente, mais
favorável ao réu, interpreta que a reincidência específica somente ficará configurada
caso haja condenação no mesmo crime hediondo.
M

13. O sequestro relâmpago com resultado morte é crime hediondo?


Não, porque o tipo (§3° do art. 158 do CP) não consta no rol taxativo do art. 1° da
LCH.

14. Ainda é válida a fixação de regime inicialmente fechado automaticamente


para crimes hediondos e equiparados ?
Não há um regime inicial predeterminado. Em recente julgado, o Plenário do
Supremo declarou, incidentalmente, a inconstitucionalidade do §1° do art. 2° da
Lei n° 8.072/90, na parte em que contida
a obrigatoriedade de fixação de regime fechado para início de cumprimento de

325
reprimenda aos condenados pela prática de crimes hediondos ou equiparados. Para o
Supremo, se a Constituição quisesse a fixação do regime inicial fechado com base no
crime em abstrato, teria incluído a restrição no tópico inscrito no art. 5°, XLIII, da CF, o
que não ocorreu, já que referido preceito afasta somente a fiança, a graça e a anistia,
para, no inciso XLVI, assegurar, de forma abrangente, a individualização da pena.
O Supremo passou a admitir a possibilidade de fixação de regime diverso do
fechado para os condenados pela prática de crimes hediondos e equiparados,

O
considerando o total da pena estabelecida não excedente a oito anos, a ausência de
circunstâncias judiciais desfavoráveis e inocorrência da reincidência, declarando,
incidentalmente, a inconstitucionalidade do art. 2°, § 1°, da Lei n° 8.072/90, alterada

IT
pela Lei n° 11.464/07, com efeito ex nunc a contar de 27/06/2012, deve ser admitida a
possibilidade de fixação do regime inicial semiaberto para condenados por tráfico de
drogas, em que, na primeira fase, estabeleceu-se a pena no mínimo legal, não sendo

TU
reconhecido fato concreto que justifique regime mais gravoso.

15. É possível a substituição da PPL por PRD no caso de crimes hediondos?


Em se tratando de crimes dolosos, alguns requisitos devem ser preenchidos pelo

RA
acusado, a saber: 1) Pena não superior a 4 (quatro) anos; 2) Crime cometido sem o
emprego de violência ou grave ameaça contra a pessoa (CP, art. 44, I, in fine); 3)
Acusado não reincidente específico em crime doloso (ou preterdoloso): 4)
Circunstâncias judiciais favoráveis.
LG
Apesar de a Lei n° 8.072/90 não vedar expressamente a possibilidade de
substituição da pena de prisão por restritiva de direitos, grande parte da doutrina
posiciona-se contrariamente a essa possibilidade. Ocorre que, ao apreciar o HC
97.256, o plenário do Supremo declarou, incidentalmente, com efeito ex nunc, a
IA

inconstitucionalidade da expressão vedada a conversão em penas restritivas de


direitos, constante do §4° do art. 33, e da parte final do art. 44, ambos da Lei de
Drogas (Lei n° 11.343/2006). Para o Supremo, a vedação, em abstrato, da
ER

possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos


seria incompatível com o princípio da individualização da pena, porquanto subtrai da
instância julgadora a possibilidade de se movimentar com certa discricionariedade nos
quadrantes da alternatividade sancionatória. Ora, diante desse entendimento, não há
AT

como negar a possibilidade, pelo menos em tese, de substituição da pena


privativa de liberdade por restritiva de direitos em relação aos crimes hediondos.
Afinal, se o tráfico de drogas, que é crime equiparado a hediondo por força da própria
Constituição Federal (art. 5°, XLIII), admite essa possibilidade, não há como não
M

estendê-la às demais infrações do mesmo gênero.

16. É possível a concessão de sursis aos autores de crimes hediondos?


Em relação à concessão do sursis ao condenado pela prática de crimes hediondos
e equiparados, não há qualquer vedação expressa constante da Constituição Federal,
nem tampouco
da Lei n° 8.072/90. A partir do momento em que os Tribunais Superiores reconheceram
a inconstitucionalidade do regime integral fechado para o cumprimento da pena pela
prática de crimes hediondos (STF, HC 82.959/SP), passando a admitir, em tese, a
substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos (STF, HC

326
97.256/RS), houve inevitável mudança de orientação jurisprudencial em relação à
concessão do sursis, cuja aplicação vem sendo admitida inclusive em relação a
crimes hediondos, desde que preenchidos os requisitos objetivos e subjetivos
do art. 77 do Código Penal.

17. Qual o juiz competente para a execução no caso de transferência para


presídios federais

O
Como deixa entrever a súmula n° 192 do STJ (Compete ao Juízo das Execuções
Penais do Estado a execução das penas impostas a sentenciados pela Justiça Federal,
Militar ou Eleitoral, quando recolhidos a estabelecimentos sujeitos à administração

IT
estadual), prevalece o entendimento de que a competência do Juízo da Execução é
determinada em virtude da natureza do estabelecimento prisional em que o preso se
encontra recolhido. Nesse sentido, o art. 2º da Lei 11.671/08, que dispõe sobre a

TU
transferência e inclusão de presos em estabelecimentos penais federais de segurança
máxima.
Por sua vez, o art. 4°, caput, e seus §§1° e 2° estabelecem 3 premissas
fundamentais:

RA
c) a admissão do preso, condenado ou provisório, dependerá de decisão prévia e
fundamentada do juízo federal competente, após receber os autos de transferência
enviados pelo juízo responsável pela execução penal ou pela prisão provisória;
d) a execução penal da pena privativa de liberdade, no período em que durar a
LG
transferência, ficará a cargo do juízo federal competente;
e) apenas a fiscalização da prisão provisória será deprecada, mediante carta
precatória, pelo juízo de origem ao juízo federal competente, mantendo aquele juízo a
competência para o processo e para os respectivos incidentes
IA

18. Como deve ser interpretado o artigo 9º DA LCH (cometimento de crime contra
vítima nas situações do revogado art. 224, CP?
ER

Na hipótese de um dos crimes listados no art. 9° da Lei 8.072/90 18 ser cometido


contra vítima que estivesse em uma das situações previstas no revogado art. 224 do
CP, dar-se-ia o aumento da pena de metade, respeitado o limite superior de 30 anos de
reclusão. Antes de ser revogado pela Lei n° 12.015/09, o art. 224 cuidava das
AT

hipóteses de violência presumida: vítima não maior de catorze anos, alienada ou débil
mental ou que não pudesse, por qualquer outra causa, oferecer resistência.
Essa causa de aumento de pena outrora prevista no art. 9° da Lei 8.072/90
provocou diversas controvérsias, as quais, hoje, perderam relevância, pois, diante da
M

revogação expressa do art. 224 do CP pelo art. 70 da Lei no 12.015/09, grande parte
da doutrina entende que o art. 9° da Lei dos Crimes Hediondos também foi tacitamente

18 Roubo qualificado pelo resultado lesão grave ou morte (CP, art. 157, §3°), extorsão qualificada
pela lesão grave ou morte (CP, art. 158, §2°), extorsão mediante sequestro, em qualquer uma de suas
modalidades (CP, art. 159, caput, e seus §§1°, 2° e 3°), estupro e atentado violento ao pudor,
independentemente da modalidade (CP, art. 213, caput e sua combinação com o art. 223, caput e
parágrafo único, revogado art. 214 e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único).

327
revogado19.
A nosso juízo, a revogação dessa causa de aumento de pena é exemplo de novatio
legis in mellius, devendo retroagir para beneficiar os fatos delituosos praticados antes
da entrada em vigor da Lei n° 12.015 (10/08/2009). O STF já decidiu nesse sentido (HC
111246, Rel. Min. Dias Toffoli, 1ª T, j. 11/12/2012).

LEI DE TORTURA (Lei nº 9.455/97)

O
19. Qual o conceito de tortura?
Para a Convenção Contra a Tortura, o termo "tortura" designa qualquer ato pelo

IT
qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a
uma pessoa a fim de obter, dela ou de uma terceira pessoa, informações ou
confissões; de castigá-la por ato que ela ou uma terceira pessoa tenha cometido ou

TU
seja suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou
por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais
dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no
exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou

RA
aquiescência. Não se considerará como tortura as dores ou sofrimentos que sejam
conseqüência unicamente de sanções legítimas, ou que sejam inerentes a tais sanções
ou delas decorram.
LG
20. Qual o bem jurídico tutelado pela lei de tortura?
A dignidade da pessoa humana, a integridade física e psíquica.

21. Quando se consuma o delito de tortura?


IA

Nos delitos comissivos previstos na Lei 9455, a consumação ocorre com o


sofrimento físico ou mental pela vítima (crime formal). No delito omissivo, a
consumação ocorre com a omissão do agente. Ou seja, em nenhum dos casos o crime
ER

é material.

22. De quem é a competência para julgar o crime de tortura? E se o autor for


policial militar, a competência é da justiça militar estadual?
AT

Em regra da justiça comum estadual. Se a tortura for cometida por militar estadual,
a competência remanesce no juízo comum, uma vez que a tortura não é crime militar.
M

19 Apenas a título ilustrativo, menciono duas das controvérsias relatadas pelo autor: a) extorsão
mediante sequestro contra ofendido não maior de 14 (catorze) anos e incidência da majorante do art. 9°
da Lei n° 8.072/90 - na hipótese de a não ser maior de 14 anos, se a idade fosse utilizada pelo juiz para
fins de tipificação do crime do art. 159, §1°, do CP, não era possível a incidência da causa de aumento
de pena do art. 9° da Lei n° 8.072/90, sob pena de bis in idem; b) estupro com violência presumida e
incidência da causa de aumento de pena do art. 9° da Lei n° 8.072/90: assim como na hipótese anterior,
haveria bis in idem. Na doutrina, era firme o entendimento no sentido de que o aumento de pena do art.
9° da Lei 8.072/90 só era aplicável quando houvesse violência real; mas, sempre prevaleceu no STF a
tese de que a incidência da majorante aos crimes sexuais cometidos com violência presumida não
caracterizava bis in idem.

328
A competência pode ser da justiça federal no caso de tortura em estabelecimento
federal, por exemplo.

23. E no caso de tortura conexa com homicídio?


O tribunal do júri exerce a vis attractiva Art. .78, I CPP.

24. Particular pode ser sujeito ativo do crime de tortura?

O
Não há qualquer óbice nesse sentido, ou seja, a resposta é sim. O crime de tortura
é um crime comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa, não exigindo
qualidades especiais do sujeito. O crime de tortura por omissão, (art. 1º, § 2º da Lei

IT
9455) exige condições especiais do agente, o qual para ser sujeito ativo deveria ser
pessoa na condição de garantidor do bem jurídico, ou seja, alguém obrigado a evitar a
tortura e se omitiu.

TU
Obs § 1 do art. 1º e art. 1º, II submeter pessoa sob guarda, presa ou
submetida a medida de segurança a sofrimento físico ou mental o sujeito ativo deve
ter a guarda da pessoa ou ter posição de autoridade (pode ser funcionário público ou
não)

direitos, é possível?
RA
25. Crime de tortura e substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de

STF entende que não (HC 129446). STJ da mesma maneira (HC 70910). Posição
LG
da Defensoria deve ser feita análise caso a caso. A proibição de PRD no caso de
crimes cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, sem análise do caso
concreto, viola o princípio da individualização da pena.
IA

26. Qual papel a Defensoria Pública pode exercer no que diz respeito à tortura
praticada por agentes públicos?
O CNJ criou um Grupo de Trabalho para o levantamento e apuração de abuso de
ER

autoridade, tortura e qualquer outro tipo de violência perpetrado por agentes públicos
contra presos e adolescentes em conflito com a lei, em 2010, através da Portaria 82 do
CNJ. O GT tem as seguintes atribuições: identificar todos os procedimentos
administrativos, inquéritos e acoes relacionados a casos de tortura e abuso de
AT

autoridade,; propor a requisição de instauração de processo administrativo contra


suspeitos que já respondem a inquéritos e acções; concitar o Ministério Público a
mover ações de improbidade contra os suspeitos e concitar a Defensoria Pública a
ingressar com ações de indenização contra o Estado em favor das vítimas. Assim,
M

uma das possíveis atuações da DPE seria o ingresso de ações de indenização contra o
Estado, em favor das vítimas de tortura estatal.

27. Imagine que um determinado agente, motivado por discriminação quanto à


orientação sexual de uma pessoa transexual, imponha a esta intensos
sofrimentos físicos e psicológicos, como espancamento, queimaduras de
cigarros, etc, esta conduta configura qual crime?
Vários crimes poderiam ser imputados ao agente como cárcere privado, lesão
corporal, constrangimento ilegal, a depender da análise dos fatos detalhados. Contudo,
não é possível a imputação de crime de tortura, uma vez que a discriminação sexual

329
não está inserida no tipo penal do art. 1º, III da Lei 9455, não podendo ser realizada
analogia in malam partem.

28. Quais os efeitos da condenação por tortura? Existe alguma diferença para
com os efeitos previstos no CP?
A condenação acarretará a perda do cargo, função ou emprego público e interdição
para seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada. Este efeito é automático

O
No CP o efeito não é automático e não há interdição para exercício da função
pública.

IT
29. Existe alguma diferença de tratamento legislativo entre o condenado por
tortura e os condenados por crimes hediondos ou equiparados no que diz
respeito à concessão de graça, anistia ou indulto.

TU
Sim. No caso da Lei de Tortura, o legislador não incluiu a polêmica vedação à
concessão de indulto incluída na LCH. Por ser lei especial e posterior, vale a lei de
tortura neste particular, sem prejuízo das discussões a respeito da possibilidade do
legislador ter restringido inconstitucionalmente o direito ao indulto dos condenados por

RA
crimes hediondos ou equiparados.

30. Quais são as “espécies” de tortura previstas em nosso ordenamento?


Há três “espécies” de tortura previstas no art. 1, inciso I da lei nº 9.455/97:
LG
Tortura PROVA: Com o fim de obter informação (declaração ou confissão). Ex.
Policial que tortura suspeito para confessar um crime (alínea a)
Tortura PARA AÇÃO CRIMINOSA: para provocar ação criminosa. Ex. Réu que
tortura testemunha presencial para proferir falso testemunho (alínea b).Obs.O
IA

torturador, na hipótese de tortura para ação criminosa, responde pelo crime de tortura
em concurso material com o crime praticado pelo torturado (na forma de autoria
mediata).
Tortura PRECONCEITO: é a forma de tortura em razão de discriminação racial
ER

ou religiosa (alínea c).Não há que se falar em crime de tortura no caso de


discriminação sexual.
AT

31. Aponte as diferenças entre o crime de tortura castigo (art. 1º, II) e o crime de
maus tratos (art. 136, CP).
Uma das diferenças da tortura para o crime de maus-tratos está exatamente na
intensidade do sofrimento da vítima. Assim, se não houver o intenso sofrimento físico
M

ou mentalrestará configurado, ao invésdo crime de tortura castigo do art. 1º inciso II, o


crime de maus tratos previsto no art. 136 do CP.
Ademais, podemos afirmar que o crime de tortura distingue-se do delito do artigo
136, CP pela natureza do dolo que, em tese, no crime de maus tratos é sempre de
perigo.

PONTO 24
Lei de drogas (Lei nº 11.343/06).

330
1. O STF reconheceu a repercussão geral no RE em que se discute a
inconstitucionalidade do porte de drogas para uso próprio. Que princípios
penais poderiam ser usados para fundamentar uma decisão que reconhecesse a
inconstitucionalidade do referido tipo?
(1) alteridade: o Estado não pode se envolver na esfera privada para determinar o
que a pessoa vai consumir, se deste consumo só decorrem consequências imediatas
para a própria pessoa; (2) lesividade/ofensividade: a situação problemática está
muito distante de configurar qualquer dano à saúde pública; (3) exclusiva proteção

O
do bem jurídico;(4) responsabilidade pelo fato; (5) fragmentariedade às avessas.

IT
2. Que princípios constitucionais poderiam fundamentar a mesma decisão?
(1) privacidade, intimidade, autonomia; (2) proporcionalidade: (a) há vedação
ao excesso nos mandados de criminalização; (b) impacto desproporcional; (3)

TU
Isonomia: (a) não há um critério objetivo para se diferenciar a droga lícita da droga
ilícita; (b) não há um critério objetivo para diferenciar o traficante do usuário; (4)
princípio da reserva legal: a criminalização das drogas ocorre por intermédio de
portarias, infringindo o princípio democrático.

RA
3. É possível controle de constitucionalidade de normas penais? Em caso
positivo, quais os critérios que podem ser usados na realização do referido
controle e em que eles consistem?
LG
Segundo Gilmar Mendes (voto do RE descriminalização das porte/posse para
consumo próprio) e de acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal
Alemão, os critérios são: (1) controle de evidência (criminalização é inidônea a
prevenir o tráfico); (2) controle de justificabilidade (não há estudos que demonstrem
IA

ligação entre repressão do uso e redução do tráfico); (3)controle material de


intensidade da criminalização nos direitos fundamentais afetados pela medida.
OBS: esses critérios são utilizados pela jurisprudência alemã para controle de
ER

constitucionalidade de normas penais (não necessariamente ligadas à criminalização


das drogas).

4. Qual a relação que se pode estabelecer entre a politica criminal de guerra às


AT

drogas e o direito penal subterrâneo?


A política de guerra as drogas é uma política criminal genocida que mata parcela
da população pobre e negra (Nilo Batista). O poder punitivo pode ser dividido em: (1)
Formal; (2) Informal/Subterrâneo (execuções sumárias, torturas, violações de
M

domicilio). Assim, sendo pode-se dizer que a política de guerra às drogas amplia o
direito penal subterrâneo, aumentando-se a possibilidade de agências de controle
formal (v.g. policiais) incorrerem em ilegalidades.

5. Qual a relação que se pode estabelecer entre a politica criminal de guerra às


drogas e o direito penal do inimigo?
Do mesmo modo que o dissidente politico foi considerado inimigo,o traficante
também o foi. Inimigo que deve ser combatido em prol da segurança nacional
(dissidentes políticos = inimigos = devem ser eliminados) e da defesa social (direito
penal = evitar crimes = proteger a sociedade). Com o término da ditadura no Brasil, por

331
exemplo, aideologia da segurança nacional foi eliminada, em tese. Entretanto,
resquícios dela ainda permanecem, sobretudo em relação à figura do traficante. O
direito penal do inimigo, pode-se dizer, é o discurso que dá sustentação jurídica para a
ideologia da segurança nacional em relação à repressão ao tráfico. (Salo de Carvalho)

6. Qual a sua opinião sobre a técnica normativa utilizada pela L. 11.343 para
criminalização das drogas?
A lei de drogas traz normas penais em branco heterogêneas: tipos penais que

O
dependem de complemento previsto em ato normativo infralegal. Em relação a essa
técnica são duas as correntes que se colocam: (1ª corrente): a maior parte da doutrina

IT
e jurisprudência diz que essas normas são compatíveis com a legalidade penal. Os
argumentos pautam-se na necessidade de um procedimento mais célere para
acompanhar os avanços da sociedade, incluindo em sua algibeira a descoberta de

TU
novas substâncias. Crítica: uma norma de política acaba por vencer um princípio penal.
(2ª corrente): normas penais em branco heterogêneas ofendem a legalidade. O
principio da legalidade exige que somente membros eleitos pelo povo possam
criminalizar atos. Com a técnica das normas penais em branco heterogêneas quem

RA
acaba por criminalizar uma conduta é o poder executivo. (Nilo Batista, Salo de
Carvalho, Zaffaroni).

7. Qual é o bem jurídico tutelado pela Lei de Drogas?


LG
Duas são as correntes que se colocam: (1ª corrente): é majoritário que o bem
jurídico tutelado pela Lei de Drogas é a saúde pública (proteção da coletividade).
Segundo essa corrente, tratar-se-ia de crime de dano. (Damásio; LFG). (2ª
corrente): Não é correto dizer que os crimes tipificados na lei de drogas visam a
IA

proteger a saúde pública. O que se visa a tutelar com a indigitada lei, em última
instância, é a saúde individual (evitar que uma pessoa morra em virtude da utilização
da droga). Deste modo, se a criminalização primária operada não exige ocorrência de
ER

efetiva lesão (crime de dano), nem a comprovação da geração de situação de risco


(crime de perigo concreto) há, sem dúvida, crime de perigo abstrato (situação de perigo
presumida pela lei). (Luís Greco). Com base nessa corrente pode-se arguir a
inconstitucionalidade do crime de porte/posse para uso próprio. Pode-se ainda
AT

argumentar pela inconstitucionalidade da pena do tráfico, sobretudo por ofensa ao


princípio da lesividade e da proporcionalidade. Não é proporcional que um crime de
perigo abstrato (cujo resultado lesivo é bastante distante do bem jurídico tutelado pela
norma) tenha penas mais elevadas que alguns crimes de dano (resultado lesivo
M

aproxima-se do bem jurídico tutelado pela norma). (v.g. Tráfico - pena 5a - 15a. Lesão
Corporal - pena: 3m -1a).

8. A diferença entre o porte/posse para uso próprio e o tráfico é a finalidade de


disseminação da droga. Sobre quem deve recair esse ônus probatório? Quais
são os critérios legais que norteiam essa diferenciação? Na sua opinião, esses
critérios são constitucionais?
O princípio da presunção de inocência (como regra de julgamento) determina que é
do Ministério Público esse ônus, sobretudo em razão de ser tal circunstância elemento
do tipo penal.

332
O artigo 28, §2º, da lei de drogas enuncia: “Para determinar se a droga destinava-
se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância
apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias
sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente”.
Começa-se a discutir na doutrina hoje que os critérios elencados pela Lei
11.343/2006 para a diferenciação discutida ocasionariam uma espécie de
discriminação indireta/impacto desproporcional (violação da proporcionalidade e

O
igualdade). Diante de certa discricionariedade das agências de controle, pessoas de
baixa renda, escolaridade e afrodescendentes seriam consideradas traficantes,
enquanto pessoas da alta sociedade seriam consideradas usuários.

IT
9. O uso de drogas é crime?
A lei não usa o verbo usar. Isso significa que o uso em si não é crime.

TU
10. Qual é a natureza jurídica do porte/posse para uso próprio?
(1ª Corrente): Não se trata de infração penal, mas sim de uma infração "sui
generis" porquanto a Lei de Introdução do CP considera crime a infração penal que a

RA
lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou
cumulativamente com a pena de multa.
(2ª Corrente): Segundo a jurisprudência do STJ, trata-se de infração penal. O
simples afastamento da pena de prisão não caracterizaria o fenômeno da
LG
descriminalização, mas apenas e tão somente despenalização/descarcerização.

11. Eventual condenação com trânsito em julgado por porte/posse para uso
próprio pode servir para fins de reincidência? Qual a relação dessa discussão
IA

com o fenômeno do "efeito aprisionador indireto"?


(1ª corrente): Para o STJ a condenação com trânsito em julgado no país ou no
estrangeiro pelo porte de drogas para consumo próprio pode gerar reincidência se
ER

antes do esgotamento do período depurador o agente praticar nova infração.


(2ª corrente): Há tese institucional da DPE/SP em sentido contrário: a condenação
pelo artigo 28 da lei de drogas não gera reincidência e outros efeitos secundários (1)
vedação ao efeito aprisionador indireto: se diretamente o artigo 28 não prevê pena
AT

de prisão, é ilegítimo que indiretamente esta pena seja aplicada; (2) analogia in
bonam partem com a contravenção penal: se a pratica de contravenção anterior
não configura reincidência, a prática de uma infração menos grave que a contravenção
(artigo 28), por uma questão de proporcionalidade e isonomia, também não pode
M

configurá-la.
Sobre o efeito aprisionador indireto: Se se considerar o art. 28 crime, há uma série
de consequências negativas: dosimetria da pena; fixação de regime inicial de
cumprimento; execução penal. Um exemplo: se uma pessoa é condenada pelo art. 28
e posteriormente comete crime de furto não poderá se valer do furto privilegiado, nem
do regime aberto; nem da conversão em restritiva de direitos (salvo a especifica
hipótese do 44§ 3º). Ou seja, diretamente não foi presa pelo art. 28. Mas o foi
indiretamente. Além disso a pratica de crime é considerada falta grave na execução
criminal. Para a jurisprudência gera a interrupção do lapso temporal para progressão e
importa em revogação obrigatória do sursis.

333
12. Quais as sanções (medidas educativas) previstas para a figura do porte/posse
para uso pessoal?
(1) advertência (se exaure num único ato); (2) prestação de serviços à
comunidade (máximo de 5 meses ou máximo de 10 meses no caso de reincidência);
(3) comparecimento a programas ou cursos educativos (máximo de 5 meses ou
máximo de 10 meses no caso de reincidência).

O
13. É possível a configuração do crime de desobediência em face do
descumprimento das sanções do art. 28 da Lei. 11.343?

IT
Não. O crime de desobediência só existe quando a própria lei não prevê outra
sanção jurídica para o caso. No caso, prevê-se admoestação verbal ou multa, não
sendo possível o processo por crime de desobediência.

TU
14. Cabe tentativa do art. 28? É possível punir pessoa que tenta adquirir droga
para consumo próprio mas não alcança seu objetivo por circunstâncias alheias à
sua vontade?

RA
Se já é difícil sustentar a satisfação dos princípios da lesividade e da ofensividade
na figura consumada, com muito maior razão na figura tentada. Deste modo, seria
defensável a impossibilidade de ocorrência de tentativa em relação a essa infração.
LG
15. O Jurisprudência do STJ e STF admitem a aplicação do princípio da
insignificância na figura do porte/posse para uso próprio?
A jurisprudência oscila nessa temática.
(1ª corrente) STF (1ª Turma) (possível): precedente de 2012 aplicou o princípio
IA

da insignificância ante ao porte de 0,6g de maconha. O direito penal não deveria se


ocupar de condutas cujo desvalor não represente expressivo prejuízo ao titular do bem
jurídico ou à integridade da ordem social.
(2ª corrente) STJ (6ª Turma) (não é possível): precedente de 2014 afasta o
ER

princípio da insignificância ainda que ínfima a quantidade de droga apreendida. Disse-


se, ainda, que o porte para drogas é crime de perigo abstrato ou presumido, não se
fazendo necessária a ocorrência de efetiva lesão ao bem jurídico protegido (haveria
AT

presunção de perigo ao bem jurídico tutelado). Ainda, ao adquirir droga para uso
próprio, o usuário realimenta o comércio ilícito, contribuindo para difusão de tóxicos.
Por fim, entendeu-se que a reduzida quantidade de drogas integra a própria essência
do crime de porte para consumo próprio.
M

16. O art. 5 da CRFB consagra em relação ao tráfico de drogas um mandado de


criminalização. Essa norma, para além de determinar a criminalização primária da
conduta, prescreve um tratamento mais rigoroso, consagrando a
inafiançabilidade e a insuscetibilidade de graça ou anistia em relação a essa
infração. No cumprimento desse intento do poder constituinte originário, a Lei
11.343, em seu art. 44, realiza um juízo de equiparação de condutas que devem
receber um tratamento tão rigoroso quanto o tráfico. Esse recrudescimento é
reiterado na Lei de Crimes Hediondos. Quais as infrações, na sua opinião, a lei
indevidamente equipara ao tráfico e, consequente, aos crimes hediondos?

334
As condutas de associação para o tráfico (art. 35) e colaboração como
informante (art. 37) não devem ser tidas como equiparadas ao crime de tráfico e aos
crimes hediondos. O STJ possui precedente nesse sentido em relação à infração de
associação para o tráfico.
Pode-se defender ainda (corrente minoritária) que algumas condutas do próprio
tipo do art. 33 não configurariam tráfico. Isso ocorreria, v.g., com o verbo do tipo
"possuir". O tráfico de drogas é um conceito constitucional que restringe drasticamente

O
direitos. Se restringe drasticamente direitos, a interpretação tem que ser a mais restrita
possível. A palavra "tráfico" implica na circulação de bens. Se tráfico pressupõe
circulação, o mero "possuir" não configura tráfico. O legislador não pode inverter a

IT
natureza das coisas e dizer que o mero "possuir" se equipararia a tráfico. (Salo de
Carvalho)

TU
16.1 É legitimo o tratamento mais gravoso conferido pela lei em relação ao
mandado de criminalização do tráfico gizado pela CRFB?
A CRFB prevê que o tratamento mais gravoso dispensado ao tráfico deve
compreender a proscrição de: (1) fiança; (2) graça ou anistia. A Lei 8072, a Lei 11.343

RA
e o CP acrescem às limitações constitucionais (1) a vedação do indulto; (2)
daconversão em restritiva de direitos; (3) da liberdade provisória; (4) do sursis; (5) do
livramento condicional ao reincidente específico por crime hediondo ou equiparado.
(1) Em que pese a jurisprudência majoritária entenda que o executivo não pode
LG
conceder indulto a autores de crimes hediondos e equiparados, inclusive indulto
humanitário, deve-se registrar precedente do STJ a reconhecer a possibilidade indulto
em relação a pena de multa.
(2) A inconstitucionalidade vedação da conversão em restritiva de direitos também
IA

já foi reconhecida pelo STF, tendo o Senado suspendido os efeitos da norma em


questão.
(3) A inconstitucionalidade de vedação da liberdade provisória já foi reconhecida
ER

pelo STF.
(4) Segundo STF e TJ/SP a vedação do sursis é legitima nos crimes da lei de
drogas (Resp 1358147/SP; STF, HC 101919). Deve-se defender que essa postura é
incongruente. Se o STF entende ser inconstitucional a vedação abstrata de conversão
AT

em restritiva de direitos, não se pode vedar em abstrato o sursis.


(5) Para STF é possível a vedação do livramento condicional ao reincidente
específico por crime hediondo. Deve-se defender que essa postura viola a
individualização na fase executória. Isso é incongruente com o próprio STF, que
M

entende ser inconstitucional o regime inicial necessariamente fechado.

17. É possível a aplicação do princípio da insignificância no tráfico?


(1ª Corrente): Prevalece no STJ e no STF, o entendimento de que afigura-se
inaplicável o princípio da insignificância ao delito de tráfico ilícito de drogas, pois trata-
se de crime de perigo presumido ou abstrato, onde mesmo a pequena quantidade de
droga revela risco social relevante.
(2ª Corrente): O Tribunal Supremo da Espanha, de forma reiterada, manifesta-se
positivamente quanto à possibilidade de incidência do princípio da insignificância junto
ao delito de tráfico de drogas. A argumentação utilizada gira em torno do binômio

335
quantidade-qualidade da droga apreendida. A análise pauta-se em uma dupla
valoração. (1) de um lado, a valoração da estrutura típica: o tipo penal não pode ser
desmesuradamente ampliado a ponto de alcançar condutas que, em função da ínfima
quantidade da droga, careçam de efeitos potencialmente danosos, os quais funcionam
como fundamento da proibição penal. (2) de outro, a valoração do princípio da
lesividade ou exclusiva proteção dos bens jurídicos: o fato de o delito de tráfico de
drogas se tratar de um delito de perigo e, nessa direção, da necessidade de serem

O
afastadas dele todas as condutas que não possuam condição de possibilidade para
gerar perigo ou, efetivamente, lesionar a saúde pública, bem jurídico tutelado.
Ainda, a concepção do fim do tipo penal como veículo de proteção de bens

IT
jurídicos não deve se restringir à análise meramente quantitativa da droga presente no
caso concreto. Por tal razão, o Tribunal Espanhol adotou posicionamento de que, ao
lado da quantidade, a qualidade da substância também deve ser sopesada para uma

TU
aplicação racional, objetiva e igualitária do referido artigo. No caso, a substância
entorpecente, necessariamente, deve se mostrar apta a produzir os efeitos psicoativos
que lhe são próprios. (v.g. o Tribunal Espanhol admite a incidência da insignificância ao
tráfico das seguintes substâncias nas especificadas quantidades:Heroína – 0,66

RA
miligramas; Cocaína – 50 miligramas; Haxixe – 10 miligramas; Mdma – 20 miligramas;
Morfina – 0,002 gramas; Lsd – 0,000002 gramas).

18. Quais são os requisitos de configuração do tráfico privilegiado?


LG
(1) primariedade; (2) bons antecedentes; (3) não fazer parte de organização
criminosa;(4) não se dedicar a atividades criminosas.
Critica à jurisprudência do STJ: STJ entende que a condenação por
associação ao tráfico torna impossível a incidência da minorante. Entendimento deve
IA

ser revisto em face da nova lei de crime organizado, que conceituou o que é uma
organização criminosa, sendo agora possível demonstrar que a associação e
organização são conceitos distintos. Assim, seria defensável que o afastamento da
ER

causa de diminuição na hipótese de "fazer parte de organização criminosa" exigiria


condenação por essa infração. Por fim, é importante lembrar que só em 2012 é que
surgiu, no Brasil, a definição do que seria organização criminosa. Para o STF, até a
referida data, a Convenção de Palermo não se aplicava para definir organização
AT

criminosa. Se algum juiz vedasse a redução com base nesse argumento, estaria
ferindo o princípio da reserva legal.

19. A literalidade da minorante do tráfico privilegiado exige a primariedade do


M

réu. De que argumentos você lançaria mão para fazer incidir essa minorante ao
réu reincidente?
(1) Inconstitucionalidade e inconvencionalidade da reincidência por violação à
dupla punição pelo mesmo fato; (2) a incidência dessa causa de diminuição tem um
peso muito grande, podendo reduzir em mais de três anos a pena do réu primário
(redução de 3a e 4 m). Assim, estaríamos aplicando de forma indireta uma pena de
mais de 3 anos pelo simples fato de o réu ser reincidente. Esta desproporção é
inconstitucional, ainda, porque aprecia para a dosagem da pena valor maior aos fatos
pretéritos do que à própria acusação em questão. Ao aceitar-se como válida a
ampliação ao infinito do peso da reincidência, estaríamos admitindo a aplicação do

336
direito penal do autor e não do fato – punição fundada preponderantemente em quem o
agente é (em face de seus antecedentes) e não em razão do que o agente faz.
(Marcelo Semer)

20. O denominado tráfico de entorpecentes privilegiado é crime hediondo?


Após o Supremo Tribunal Federal haver declarado a inconstitucionalidade (1) do
regime inicial fechado obrigatório; (2) do recolhimento à prisão para apelar e; (3) da

O
vedação das penas alternativas no delito de tráfico de entorpecentes, o efeito prático
da classificação do crime como hediondo diz respeito basicamente a: (1) prazo de
prisão temporária; (2) possibilidade de concessão de fiança; (3) graça; (4) indulto; (5)

IT
frações de cumprimento de pena necessários à progressão de regime e à liberdade
condicional.
Ao classificar o tráfico de entorpecentes como crime hediondo, o art. 2º, da Lei nº

TU
8.072/1990 não distingue as espécies de conduta típica descritas na Lei nº
11.343/2006.
A despeito do princípio da legalidade e o seu consectário de vedação de analogia
in malam partem, o STJ editou preceito sumular cujo conteúdo consigna ser também

RA
hediondo o tráfico privilegiado (SSTJ 512).
O Plenário do STF, mais recentemente (2015), iniciou o julgamento de “habeas
corpus” em que se discute a possibilidade de afastamento da incidência da Lei
8.072/1990 em caso de tráfico de drogas privilegiado (Lei 11.343/2006, art. 33, § 4º), a
LG
fim de que seja permitido o livramento condicional e a progressão de regime nos
moldes da Lei 7.210/1984 (LEP). A Ministra Cármen Lúcia acompanhada do Ministro
Roberto Barroso consignou que a previsão legal do tráfico privilegiado permitiria
maior flexibilidade na gestão da política de drogas, pois autorizaria o juiz a
IA

avançar sobre a realidade pessoal de cada autor. Além disso, teria inegável
importância do ponto de vista das decisões de política criminal. No caso do tráfico
privilegiado, a decisão do legislador fora no sentido de que o agente, nessa
hipótese, deveria receber tratamento distinto daqueles sobre os quais recairia o
ER

alto juízo de censura e de punição pelo tráfico de drogas. As circunstâncias legais


do privilégio demonstrariam o menor juízo de reprovação e, em consequência, de
punição dessas pessoas. Não se poderia, portanto, chancelar-se a essas condutas
AT

a hediondez, por exemplo. Assentou, ainda, que a etiologia do crime privilegiado


seria incompatível com a natureza hedionda. O Ministro Roberto Barroso salientou
alguns problemas decorrentes do atual combate às drogas, como o encarceramento
excessivo, o que seria agravado se o tráfico privilegiado recebesse a pecha de
M

hediondez. Em divergência, os Ministros Edson Fachin, Teori Zavascki, Rosa Weber e


Luiz Fux denegaram a ordem.

21. Que relação você poderia estabelecer entre a infração de falsificação,


corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou
medicinais e o crime de tráfico de drogas?
A constitucionalidade da pena cominada ao crime previsto no art. 273 § 1º-B, V do
CP, desde a criação da figura tipica, em 1998, vem sendo questionada. É que a pena
mínima de 10 anos e máxima de 15 anos, se cotejadas com demais preceitos
secundários do ordenamento nacional, revelariam patente desproporcionalidade do

337
legislador. O STJ, instado a se pronunciar sobre a questão, declarou incidentalmente
a inconstitucionalidade do preceito, determinando a aplicação dos limites mínimo
e máximo previstos no art. 33 da L. 11.343, sem prejuízo de eventual incidência da
causa de diminuição incidente sobre o tráfico privilegiado (art. 33 §4º, L. 11.343). Se
por um lado o posicionamento, em essência, destoa da norma contida no preceito
sumular da da indigitada Corte, que proscreve a combinação de leis penais (sumula
501 STJ), por outro, representa importante passo em direção à conformação de um
direito penal que melhor racionalize o poder punitivo. A atividade legislativa que

O
concretiza os mandados constitucionais de criminalização (art. 5, inc. XLI) não é imune
ao necessário crivo de proporcionalidade (devido processo material, art. 5, inc. LIV).

IT
22. Fixada a pena-base acima do mínimo legal ao tráfico de drogas em sentença
que pesou negativamente as circunstâncias do art. 42, da Lei n. 11.343/2006,

TU
pode ser negada a incidência do percentual máximo de diminuição do § 4o do art.
33 da Lei 11.343/2006, também com base no art. 42?
A natureza, a quantidade de drogas, a personalidade e a conduta social do agente
são circunstâncias que desempenham importante papel na dosimetria da pena das

RA
infrações previstas na Lei 11.343/06. Isso porque as indigitadas circunstâncias podem
ser invocadas em dois momentos distintos atinentes à dosimetria. (1) São previstas no
cálculo da pena base (art. 42, L. 11.343); (2) são previstas como critérios a ser levados
em consideração para afastamento do tráfico privilegiado (art. 33 § 4º). Diante desse
LG
contexto, por muito tempo, a jurisprudência do STJ chancelou como legal e não
violadora do bis in idem a utilização da quantidade e a natureza da droga
repetidamente: agravando a pena base e afastando o tráfico privilegiado. Mais
recentemente o STF colocou uma pá de cal na questão. Para a referida Corte,
IA

considerar as circunstâncias negativamente para agravar a pena base e para afastar o


tráfico privilegiado importa em bis in idem. Nada obsta, entretanto, que recaiam
alternadamente na primeira ou na terceira fase.
ER

23. A figura da mula do tráfico, por si só, impediria a aplicação da figura do


tráfico privilegiado?
O STF reputouinidônea a fundamentação para a afastar a aplicação da minorante
AT

prevista no artigo 33, §4º, da Lei 11.343/2006. Asseverou-se que estaria embasada
em mera suposição sobre a dedicação do recorrente às atividades criminosas, em face
da quantidade de droga apreendida e da sua possível participação em organização
voltada para a prática de crimes.
M

24. É possível combinar a causa de diminuição do tráfico privilegiado da Lei


11.343 com a pena mínima cominada pela antiga lei de tóxicos?
STJ vem entendendo que não é possível aplicar a redutora da Lei 11.343/06 à
pena do tráfico cominada na lei antiga. Ainda, há preceito sumular da Corte que
referenda o entendimento: Súmula 501, STJ: “É cabível a aplicação retroativa da lei
11.343/2006, desde que o resultado da incidência das suas disposições, na íntegra,
seja mais favorável ao réu do que o advindo da aplicação da Lei n.6.368/1976 sendo
vedada a combinação de leis”.

338
25. Na sua opinião, a criminalização de instrumentos para o tráfico (maquinário,
aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação,
produção ou transformação de drogas, sem autorização ou em desacordo com
determinação legal ou regulamentar) é constitucional?
Em que pese a doutrina majoritária posicione-se pela constitucionalidade do art. 34
da L. 11.343, Salo de Carvalho entende que a punição pelo artigo 34 é
constitucionalmente inviável pelo princípio da ofensividade – seria um ato
preparatório de um crime de perigo abstrato. Ainda, haveria ofensa ofensa ao

O
princípio da legalidade/taxatividade: “ou qualquer objeto”. Poder-se-ia invocar ainda
aplicação analógica do precedente do STF que reconheceu a inconstitucionalidade da

IT
contravenção penal de porte, depois de condenado, por crime de furto ou roubo [...]
quando conhecido como vadio ou mendigo, gazuas, chaves falsas [...]. Isso feriria a
presunção de inocência e o direito penal do fato.

TU
26. Permite-se a configuração de concurso material entre tráfico (art. 33) e
financiamento ao tráfico (art. 36) no contexto de autofinanciamento?
Não! Segundo o STJ (6ª Turma) o legislador, ao prever como delito autônomo a

RA
atividade de financiar ou custear o tráfico estabeleceu uma exceção à teoria monista,
punindo diversamente o agente que não tem participação direta na execução do tráfico.
Assim, na hipótese de autofinanciamento, não há que se falar em concurso material
entre as indigitadas infrações, podendo, entretanto, o agente ser condenado às penas
LG
do crime de tráfico com incidência das causas de aumento previstas na lei (art. 40, VII)

27. Se duas pessoas se unem, em um dado momento, para transportar droga,


essa situação, por si só, permite a caracterização da figura típica de associação
IA

para o tráfico?
Não! A situação narrada, em que pese possa configurar concurso de agentes não
caracteriza por si só associação para o tráfico. Embora a figura típica da associação
ER

para o tráfico preveja a adequação típica nas situações em que os agentes tenham o
fim de praticar atos previsto nos arts. 33 caput e §1 º e art. 34 da Lei 11.343, doutrina e
jurisprudência são pacíficas no sentido da necessidade de ‘estabilidade’ para
caracterização da infração em questão.
AT

28. Diferencie associação para o tráfico (art. 35, L. 11.343); associação criminosa
(art. 288, CP) e organização criminosa (art. 1 § 1º, L. 12.850/13)?
Associação para o tráfico: (1) 2 pessoas; (2) Exige finalidade específica
M

relacionada ao tráfico ou petrechos; (3) ainda que a lei diga reiteradamente ou não" o
STJ tem jurisprudência pacífica no sentido de se exigir a estabilidade;
Associação criminosa: (1) 3 ou mais pessoas; (2) prática de qualquer crime -
não exige finalidade específica; (3) exige-se estabilidade;
Organização criminosa (1) 4 ou mais pessoas; (2) prática de crime cujas penas
máximas sejam > 4 ou que sejam de caráter transnacional; (3) Estabilidade marcada
(4) Hierarquia; (5) divisão de tarefas;

339
29. O que é determinante para a subsunção da conduta de colaboração de um
informante a um grupo, organização ou associação voltada ao tráfico no tipo
autônomo de informante ou como partícipe do tráfico?
A figura típica autônoma do informante reflete o princípio da especialidade
(exceção pluralista à teoria monista) e pune com menor rigor o agente cuja conduta é
insignificante para a organização criminosa, podendo ser facilmente substituído. Assim,
não demonstrada a estabilidade da colaboração do informante, sua conduta

O
caracterizará o art. 37 (informante) e não participe do art. 33 ou associação para o
tráfico (art. 35). Ainda, se o informante colabora eventualmente com uma única pessoa,
o princípio da analogia in bonam partem determina também a subsunção à figura

IT
autônoma do art. 37.

30. É possível a configuração de concurso material da figura de colaboração

TU
como informante e associação para o tráfico?
Não, pois a figura da colaboração como informante é subsidiária em relação à
figura da associação para o tráfico. Assim, se o agente integra associação e nela atua
como informante, somente restará caracterizada a figura da associação para o tráfico,

RA
não podendo haver cúmulo material com o art. 37 da L. 11.343, sob pena de revelar-se
indevido bis in idem.

31. A mera utilização de transporte público para o carregamento de droga gera a


LG
incidência da causa de aumento prevista na L. 11.343 (art. 40, III)?
Em que pese ainda haja divergência entre a 5ª e 6ª Turmas do STJ sobre a
incidência da causa de aumento do transporte público, o STF (2ª Turma) possui
recente precedente (2014) no sentido de que a mera utilização de transporte público
IA

não acarreta a referida consequência. É que a finalidade da punição mais gravosa em


discussão direciona-se à efetiva comercialização de drogas em locais de aglomeração
de pessoas.
ER

32. A caracterização da causa de aumento em razão da tráfico entre Estados


exige a transposição de fronteiras?
Não. A 2ª Turma do STF entende que a configuração da interestadualidade
AT

prescinde da efetiva transposição de fronteiras bastando a existência de elementos que


sinalizem a destinação da droga para além dos limites estaduais.

33. Em razão da dependência de entorpecente, Tiago furtou uma bicicleta. Ele era
M

absolutamente incapaz de conhecer a ilicitude dessa conduta e determinar-se de


acordo com ela. É possível que ele receba uma medida de segurança em relação
a essa infração?
Não, pois a lei de drogas trouxe uma nova excludente de culpabilidade e neste
caso ela não prevê a imposição de medida de segurança. (art. 45 da lei 11.343/06). De
acordo com a lei 11.343 o agente será isento de pena, não havendo referencia, em
nenhum momento, da imposição de medida de segurança. Lei especial derrogou o
CP nesse aspecto. Logo, se o juiz aplicar medida de segurança nesse caso ele ferirá
o princípio da legalidade.

340
PONTO 25
Crimes contra o consumidor (Lei nº 8.078/90),
Crimes contra a ordem tributária (Leis nºs 8.137/90, 9249/95, 9.430/96 e 10.684/03),
Lavagem de dinheiro (Lei nº 9.613/98),

1. A tutela do Direito do Consumidor no âmbito penal também é preventiva ou


apenas repressora?

O
O Direito Penal do Consumidor não busca apenas reprimir condutas indesejáveis e
causadoras de danos, mas, sobretudo, busca prevenir a ocorrência de tais condutas de
forma a evitar o dano, amparando com mais eficiência os consumidores (Princípio da

IT
Precaução).

2. Os crimes previstos no CDC são crimes de dano ou crimes de perigo ou os

TU
dois? De quem é a competência para julgamento?
As condutas tipificadas no sistema consumerista constituem “crimes de perigo”,
uma vez que não se exige para a sua verificação, nem constitui elemento constitutivo
do delito a ocorrência do efetivo dano ao consumidor. Basta a simples verificação da

RA
conduta para caracterizar a sua ilicitude.
Todos os crimes previstos pelo CDC são de menor potencial ofensivo, sendo de
competência do JECRIM.
LG
3. Os crimes previstos no CDC são apenas comissivos, ou ali constam crimes
omissivos?
O CDC prevê crimes diversos, incluindo crimes omissivos, como os dos artigos 64,
69, 73 e 74.
IA

4. No que tange aos crimes em espécie, qual a diferença elementar do modelo


criminal tradicional do CP e do modelo consumerista?
ER

No direito criminal tradicional, cuja base, no caso brasileiro, é o Código Penal de


1940, os tipos penais e as respectivas sanções têm como base as relações individuais,
típicas do direito privado. Ainda que, como se sabe, a política criminal que instituiu essa
legislação penal tenha levado em consideração – aliás como sempre leva e deve levar
AT

– a gravidade da conduta criminosa e o efeito e riscos que elas causam à sociedade


como um todo, o delito tal como está lá definido pressupõe vítima ou vítimas
determinadas e, logo, individualmente identificadas. Assim é, por exemplo, com crimes
de realce como o homicídio (art. 121 do CP), ou o estupro (art. 213 da mesma lei).
M

Acontece que o legislador consumerista entendeu que era preciso dar conta de
condutas que poderiam ser criminalizadas, mas cujo dano efetivo ou potencial se
apresentasse com relevo quando atingisse mais pessoas simultaneamente. Quis o
legislador regrar ações que atingissem os direitos metaindividuais, que não só já
existiam de fato, como estavam sendo regrados no microssistema da Lei n. 8.078/90.
Com isso, pretende dar mais proteção ainda aos direitos difusos e coletivos.

5. Os crimes contra as relações de consumo estão previstos apenas no CDC?


Não, nos termos do art. 61 do CDC, as infrações tipificadas no CDC se
harmonizam com outras previstas no CP e leis especiais. Há um sistema integrado.

341
Como exemplo de matéria de legislação de proteção ao consumidor, deve-se
lembrar que incide não só a antiga legislação que define crimes contra a economia
popular (Lei n. 1.521, de 26-12-1951), como a Lei n. 8.137 de 27 de dezembro de 1990
(crimes contra a ordem tributária – que abarcou parte dos tipos penais da Lei de
Economia Popular).

6. O Art. 62. do CDC foi vetado pelo Presidente; tal dispositivo tinha a seguinte
redação “Colocar no mercado, fornecer ou expor para fornecimento produtos ou

O
serviços impróprios: (...)”. Quais foram as razões do veto?
As razões do veto presidencial são as seguintes:

IT
“Em se tratando de norma penal, é necessário que a descrição da conduta vedada
seja precisa e determinada.
Assim, o dispositivo afronta a garantia estabelecida no art. 5º, inc. XXXIX, da

TU
Constituição”.
Era um caso de norma penal em branco, prevista pelo legislador consumerista
como completável pelas hipóteses do próprio CDC. Com efeito, o produto impróprio e
os serviços impróprios vêm definidos pelo § 6º do art. 18 e § 2º do art. 20,

RA
respectivamente.
Todavia, a complementação in casu, a nosso ver, efetivamente manteria uma
indeterminação bastante grande, pois a própria redação dos citados dispositivos que
tratam da impropriedade dos produtos e serviços é por demais aberta, permitindo
LG
ampla gama de interpretações.

7. Os tipos penais, em geral, do CDC recebem da doutrina duras críticas a


respeito de seu conteúdo. Quais seriam essas críticas?
IA

Segundo Rizzato Nunes, grande parte dos tipos penais do CDC padecem em razão
da amplitude de seu conteúdo, ausência de clareza e precisão da conduta típica.
Analisando o art. 63 do CDC, o autor aponta:
ER

“Art. 63. Omitir dizeres ou sinais ostensivos sobre a nocividade ou periculosidade


de produtos, nas embalagens, nos invólucros, recipientes ou publicidade:
Pena – Detenção de seis meses a dois anos e multa.
§ 1º Incorrerá nas mesmas penas quem deixar de alertar, mediante
AT

recomendações escritas ostensivas, sobre a pericu-losidade do serviço a ser


prestado.
§ 2º Se o crime é culposo:
Pena – Detenção de um a seis meses ou multa.
M

1. Repetição de problemas
A hipótese legal é de difícil aplicação, uma vez que as palavras utilizadas na sua
redação são por demais imprecisas, tirando os casos-limites em que a omissão soe
evidente; nas demais hipóteses acabam valendo os mesmos argumentos que
trouxemos nos comentários anteriores. Nesses casos estar-se-á numa situação que
coincide com as razões do veto presidencial ao art. 62: a garantia constitucional
insculpida no inciso XXXIX do art. 5º do texto máximo não pode ser violada de forma
alguma e muito menos por elementos linguísticos, interpretados no ato decisório de
aplicação de qualquer norma penal.

342
A definição de que fala a Constituição Federal deve ser tal que o fato apontado
como caracterizador do delito seja claro e preciso. Se o legislador ordinário pretende
criminalizar certa ação e/ou conduta deve fazê-lo de maneira que não dê margem à
dúvida da hipótese legal tipológica de incidência. Existindo mais de uma alternativa
possível, sob o ponto de vista da linguagem resultante da interpretação, para definir o
ato ou conduta como hipótese criminalizada na lei, esta estará eivada de
inconstitucionalidade por afronta ao princípio da reserva legal.

O
O que acontece nas hipóteses do art. em comento, como se verá, é que muitas
vezes não se poderá apontar a ação consciente do agente como o ilícito que se
pretendia caracterizar.

IT
(...)
3. O tipo criminal não pode mesmo ser tão aberto
E àqueles que entendem de aplicar o texto deixando a solução do problema ao

TU
intérprete, lembre-se que o legislador não só deveria ter redigido o texto de forma
adequada, como é assim mesmo que se faz.
Rizzato Nunes tece críticas semelhantes, apontando amplitude indevida dos tipos
penais dos art. 64, 65, 66, 71, 72, entre outros do CDC.

8. Quais são os crimes tipificados pelo CDC?


RA
Art. 63. Omitir dizeres ou sinais ostensivos sobre a nocividade ou periculosidade de
produtos, nas embalagens, nos invólucros, recipientes ou publicidade:
LG
Pena - Detenção de seis meses a dois anos e multa.
§ 1° Incorrerá nas mesmas penas quem deixar de alertar, mediante
recomendações escritas ostensivas, sobre a periculosidade do serviço a ser
prestado.
IA

§ 2° Se o crime é culposo:
Pena - Detenção de um a seis meses ou multa.
ER

Art. 64. Deixar de comunicar à autoridade competente e aos consumidores a


nocividade ou periculosidade de produtos cujo conhecimento seja posterior à sua
colocação no mercado:
Pena - Detenção de seis meses a dois anos e multa.
AT

Parágrafo único. Incorrerá nas mesmas penas quem deixar de retirar do mercado,
imediatamente quando determinado pela autoridade competente, os produtos
nocivos ou perigosos, na forma deste artigo.
M

Art. 65. Executar serviço de alto grau de periculosidade, contrariando determinação


de autoridade competente:
Pena Detenção de seis meses a dois anos e multa.
Parágrafo único. As penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das
correspondentes à lesão corporal e à morte.

Art. 66. Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a
natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho,
durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços:
Pena - Detenção de três meses a um ano e multa.

343
§ 1º Incorrerá nas mesmas penas quem patrocinar a oferta.
§ 2º Se o crime é culposo;
Pena Detenção de um a seis meses ou multa.

Art. 67. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou
abusiva:
Pena Detenção de três meses a um ano e multa.

O
Parágrafo único. (Vetado).

Art. 68. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser capaz de

IT
induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa a sua saúde
ou segurança:
Pena - Detenção de seis meses a dois anos e multa:

TU
Parágrafo único. (Vetado).

Art. 69. Deixar de organizar dados fáticos, técnicos e científicos que dão base à
publicidade:

RA
Pena Detenção de um a seis meses ou multa.

Art. 70. Empregar na reparação de produtos, peça ou componentes de reposição


usados, sem autorização do consumidor:
LG
Pena Detenção de três meses a um ano e multa.

Art. 71. Utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento


físico ou moral, afirmações falsas incorretas ou enganosas ou de qualquer outro
IA

procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira


com seu trabalho, descanso ou lazer:
Pena Detenção de três meses a um ano e multa.
ER

Art. 72. Impedir ou dificultar o acesso do consumidor às informações que sobre ele
constem em cadastros, banco de dados, fichas e registros:
Pena Detenção de seis meses a um ano ou multa.
AT

Art. 73. Deixar de corrigir imediatamente informação sobre consumidor constante


de cadastro, banco de dados, fichas ou registros que sabe ou deveria saber ser
inexata:
M

Pena Detenção de um a seis meses ou multa.

Art. 74. Deixar de entregar ao consumidor o termo de garantia adequadamente


preenchido e com especificação clara de seu conteúdo;
Pena Detenção de um a seis meses ou multa.

Art. 75. Quem, de qualquer forma, concorrer para os crimes referidos neste código,
incide as penas a esses cominadas na medida de sua culpabilidade, bem como o
diretor, administrador ou gerente da pessoa jurídica que promover, permitir ou por
qualquer modo aprovar o fornecimento, oferta, exposição à venda ou manutenção

344
em depósito de produtos ou a oferta e prestação de serviços nas condições por ele
proibidas.

Atenção! Somente os crimes previstos nos arts. 63 e 66 apresentam a modalidade


culposa.

9. A norma do art. 74 do CDC dispõe que aquele que “Deixar de corrigir


imediatamente informação sobre consumidor constante de cadastro, banco de

O
dados, fichas ou registros que sabe ou deveria saber ser inexata” é punido com
pena de “detenção de um a seis meses ou multa”. Por que a doutrina

IT
consumerista aponta que essa norma é esdrúxula, chegando a ser
inconstitucional?
Sobre o tema, leciona Rizzato Nunes que, inicialmente, deve-se esclarecer que a

TU
garantia contratual não é obrigatória; logo, oferecer garantia contratual para produtos e
serviços é direito subjetivo do fornecedor, é prerrogativa, poder seu. Fixada a garantia,
o fornecedor a faz ser representada em termo escrito e o entrega ao consumidor.
Mesmo sem o tipo penal do art. 74 e, ainda que o fornecedor não entregue o termo

RA
de garantia, o consumidor não perde seus direitos; assim, segundo o referido autor, a
verdade é que não há bem jurídico a ser tutelado:
“Ora, se o fornecedor, uma vez decidido a dar a garantia, o que fará no termo
escrito, esquecer de entregá-la ao consumidor, como é que poderia cometer crime?
LG
Como é que alguém pode ser punido criminalmente por ter exercido um direito
subjetivo, pelo simples fato de não ter entregue um pedaço de papel, que representava
exatamente o exercício desse direito subjetivo?
É absurdo!”
IA

(...)
“Caminhamos para mais um absurdo. Já vimos que oferecer garantia é
prerrogativa, direito subjetivo do fornecedor. Pergunta-se: por que é que o fornecedor
ER

iria fixar a garantia e não entregar o termo correspondente? Se não era para dar a
garantia, bastava não fixá-la.
O fato é que, quando ocorre a não entrega do termo, isso se dá por falha humana
muito corriqueira: o esquecimento.
AT

Digamos que alguém esqueça de pagar a conta do cartão de crédito e depois


tenha que pagar multa. Mas, criar um crime só por causa do esquecimento é ir longe
demais.
O direito não pode, de maneira alguma, punir criminalmente alguém pelo simples
M

fato de ter esquecido algo tão singelo como não entregar um pedaço de papel. E que,
no caso, conforme vimos, ainda por cima de tudo, não causa prejuízo ao comprador. É
mais outro motivo para deixar clara a inconstitucionalidade do tipo”.

10. Aponte 3 circunstâncias agravantes previstas no CDC aplicáveis apenas aos


crimes ali previstos?
Art. 76. São circunstâncias agravantes dos crimes tipificados neste código:
I - serem cometidos em época de grave crise econômica ou por ocasião de
calamidade;
II - ocasionarem grave dano individual ou coletivo;

345
III - dissimular-se a natureza ilícita do procedimento;
IV - quando cometidos:
a) por servidor público, ou por pessoa cuja condição econômico-social seja
manifestamente superior à da vítima;
b) em detrimento de operário ou rurícola; de menor de dezoito ou maior de
sessenta anos ou de pessoas portadoras de deficiência mental interditadas ou não;
V - serem praticados em operações que envolvam alimentos, medicamentos ou

O
quaisquer outros produtos ou serviços essenciais.

11. Além das penas privativas de liberdade, o CDC prevê quais outras?

IT
Art. 78. Além das penas privativas de liberdade e de multa, podem ser impostas,
cumulativa ou alternadamente, observado odisposto nos arts. 44 a 47, do Código
Penal:

TU
I - a interdição temporária de direitos;
II - a publicação em órgãos de comunicação de grande circulação ou audiência, às
expensas do condenado, de notícia sobre os fatos e a condenação;
III - a prestação de serviços à comunidade.

RA
12. Todos os crimes previstos no CDC são afiançáveis? Existe exceção?
Sim, a lei determina expressamente no art. 79 a fixação de fiança em todos os
crimes nela previstos, de tal modo que será sempre possível ao acusado, nos crimes
LG
relativos à relação de consumo, pagar fiança, isto é, oferecer garantia ou caução para
permanecer solto durante o período que durar o processamento e julgamento do
inquérito e da ação penal.
Art. 79. O valor da fiança, nas infrações de que trata este código, será fixado pelo
IA

juiz, ou pela autoridade que presidir o inquérito, entre cem e duzentas mil vezes o
valor do Bônus do Tesouro Nacional (BTN), ou índice equivalente que venha a
substituí-lo.
ER

Parágrafo único. Se assim recomendar a situação econômica do indiciado ou réu, a


fiança poderá ser:
a) reduzida até a metade do seu valor mínimo;
b) aumentada pelo juiz até vinte vezes.
AT

13. Caso o MP deixe de propor a ação penal relativa aos crimes previstos no
CDC, quem pode fazê-lo?
Nos termos da previsão do art. 80 do CDC, os legitimados indicados no art. 82,
M

inciso III e IV do CDC, podem atuar como assistentes do MP, bem como propor ação
penal subsidiária, se a denúncia não for oferecida no prazo legal.
Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente:
III - as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda
que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos
interesses e direitos protegidos por este código;
IV - asassociações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que
incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos
por este código, dispensada a autorização assemblear.

346
Art. 80. No processo penal atinente aos crimes previstos neste código, bem como
a outros crimes e contravenções que envolvam relações de consumo, poderão
intervir, como assistentes do Ministério Público, os legitimados indicados no art. 82,
inciso III e IV, aos quais também é facultado propor ação penal subsidiária, se a
denúncia não for oferecida no prazo legal.
A regra, como se viu, é o oferecimento da denúncia pelo Parquet. Todavia, a lei
permite, caso ela não seja oferecida no prazo legal, que os legitimados acima indicados

O
possam fazê-lo. Tanto os do inciso III e IV do art. 82 como o ofendido, seu
representante legal, cônjuge ou sucessores, conforme indicados, estes por força dos
§§ 2º, 3º e 4º do art. 100 do Código Penal.

IT
14. Os crimes contra a relação de consumo são crimes de perigo concreto ou
abstrato?

TU
A jurisprudência já foi muito vacilante quanto ao tema, mas o entendimento foi
revisto e hodiernamente o STJ pacificou o tema no sentido de que as condições
impróprias para o consumo não podem ser presumidas, necessitando de laudo pericial
que ateste essas condições. Sem a prova pericial não se demonstra a materialidade

RA
delitiva.

15. Os crimes contra Ordem Tributária protegem qual bem jurídico?


O bem jurídico protegido é o interesse do Estado na arrecadação dos tributos
LG
(ordem tributária)

16. O autor do crime precisa ser responsável pelo pagamento?


O autor não precisa ser o contribuinte ou responsável. Na maioria das vezes o
IA

autor do crime é o contribuinte ou o responsável pelo tributo. No entanto, é possível


que outras pessoas também pratiquem o delito. Ex: o contador da pessoa jurídica pode
ser o autor do delito mesmo não sendo o sujeito passivo do tributo.
ER

17. Pessoa jurídica pode ser sujeito ativo?


Pessoa jurídica não pode ser sujeito ativo. Algumas vezes o delito é praticado por
meio da pessoa jurídica. Ocorre que a CF/88 não autoriza a responsabilidade penal da
AT

pessoa jurídica por crimes tributários (isso é possível no caso de crimes ambientais).
Logo, nessa hipótese, quem responderá penalmente é o administrador e outras
pessoas físicas que tenham tomados as decisões.
M

18. O STJ aplica a teoria do fato nos crimes tributários? Há alguma exigência
para denunciar o sócio da pessoa jurídica?
Nos crimes tributários é muito comum a invocação da teoria do domínio do fato.
Isso porque na maioria dos casos quem pratica a conduta de suprimir ou reduzir tributo
é o empregado, gerente ou contador da pessoa jurídica.
No entanto, a orientação para que fosse feito dessa forma partiu de um sócio -
administrador da empresa. Pela teoria tradicional, o autor é aquela pessoa que pratica
o verbo nuclear do tipo. Logo, o empregado, gerente ou contador seriam os autores do
delito. A teoria do domínio do fato, criada na Alemanha em 1939 por Hans Welzel, teve
a finalidade de ampliar o conceito de autor. Por força dessa teoria, pode também ser

347
considerado autor aquele que, mesmo não realizando o núcleo do tipo, domina
finalisticamente todo o seu desenrolar.
Welzel dizia que autor é o “senhor do fato”. Dessa forma, pela teoria do domínio do
fato o autor seria o sócio - administrador que decidiu e determinou que fossem
praticados os atos necessários à supressão ou redução do tributo.
Deve haver prova de alguma conduta do agente O simples fato de o acusado ser
sócio e administrador da empresa constante da denúncia não pode levar a crer,

O
necessariamente, que ele tivesse participação nos fatos delituosos, a ponto de se ter
dispensado ao menos uma sinalização de sua conduta, ainda que breve, sob pena de
restar configurada a repudiada responsabilidade criminal objetiva. STJ. 6ª Turma. HC

IT
224.728/PE, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 10/06/2014

19. Todos crimes contra a Ordem Tributária praticados por particulares são

TU
crimes materiais?
Não. Os crimes dos incisos I a IV do art. 1º da Lei n.8.137/90 são materiais. Assim,
para que se configurem é indispensável a constituição definitiva do crédito tributário,
nos termos da SV 24-STF, que exige, antes da tipificação do crime, o lançamento

RA
definitivo do tributo.
A SV 24 - STF não se aplica (não se exige constituição definitiva) para os o delitos
do Art. 1º, inciso V.
LG
20. É possível decretar medidas cautelares antes do lançamento do crédito
tributário?
Não. Antes da constituição definitiva do crédito tributário não existe crime de
sonegação. Logo, não é lícito que a autoridade policial inicie investigação para apurar
IA

esse fato e não é possível que o juiz decrete medidas cautelares penais (exs: quebra
de sigilo, busca e apreensão etc.). Nesse sentido: (...) Não existindo o lançamento
definitivo do crédito tributário, revela-se ilegal a concessão de medida de busca e
ER

apreensão e de quebra de sigilo fiscal, em procedimento investigatório, visando apurar


os crimes em apreço. (...) Ordem concedida de ofício, para reconhecer a ilicitude da
prova obtida mediante a aludida cautelar,bem como determinar a devolução dos
objetos apreendidos na empresa e na residência do ora paciente e levantar a quebra
AT

do sigilo bancário, que restou igualmente deferido. (STJ. 5ª Turma. HC 211.393/RS,


julgado em 13/08/2013)

21. A superveniente constituição definitiva convalida o vício inicial proposta


M

antes do lançamento definitivo?


NÃO. A constituição do crédito tributário após o recebimento da denúncia não tem
o condão de convalidar a ação penal que foi iniciada em descompasso com as normas
jurídicas vigentes e com a SV24 do STF. Desde o nascedouro, essa ação penal é nula
porque referente a atos desprovidos de tipicidade (STJ. 5ª Turma. HC 238.417/SP, Rel.
Min. Laurita Vaz, julgado em 11/03/2014). Trata-se de vício processual que não é
passível de convalidação (STF. 1ª Turma. HC 97854, Rel. Min. Roberto Barroso,
julgado em 11/03/2014)

348
22. A prescrição para Fazenda cobrar o crédito tributário, no curso da ação penal,
importa em absolvição do réu?
NÃO, segundo o STJ. Trata-se de tema polêmico, mas existem precedentes do
STJ decidindo que não. Confira: (...) As instâncias administrativo - tributária, cível e
penal são independentes, o que reflete no reconhecimento da prescrição da pretensão
punitiva estatal. Desse modo, a extinção do crédito tributário pela prescrição não
implica, necessariamente, a extinção da punibilidade do agente. (...) STJ. 5ª Turma.

O
AgRg no AREsp 202.617/DF, julgado em 11/04/2013.Posição a ser combatida pela
DPE.

IT
23. Admite-se o princípio da insignificância nos crimes tributários?
Sim. A discussão gira em torno do valor considerado insignificante.Para o STJ são
10 mil reais com base no art. 20 da Lei n.10.522/2002). Já para o STF, o valor seria 20

TU
mil reais, baseando-se no art. 1º, II, da Portaria MF n.75/2012). Esse valor não inclui
juros e multa.O valor a ser considerado para fins de aplicação do princípio da
insignificância é aquele fixado no momento da consumação do crime, vale dizer, da
constituição definitiva do crédito tributário, e não aquele posteriormente alcançado com

RA
a inclusão de juros e multa por ocasião da inscrição desse crédito na dívida ativa (STJ.
6ª Turma. REsp 1306425/RS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em
10/06/2014).
Importante ressaltar que esse valor é considerado insignificante apenas para
LG
tributos federais, é o valor que a União considera insignificante. Para fins de crimes de
sonegação fiscal que envolvam tributos estaduais ou municipais, deve ser analisado se
há lei estadual ou municipal dispensando a execução fiscal no caso de tributos abaixo
de determinado valor. Esse será o parâmetro para a insignificância.
IA

Figura em alguns julgados do Supremo Tribunal Federal como ação constitutiva


(STF MI 689) , e, em outros, como mandamental (STF MI 721), posição que atualmente
prevalece. Não possui, definitivamente, natureza condenatória (STF MI 689) ou
ER

declaratória de omissão (STF MI 721).

24. O falso sempre será absorvido no crime de sonegação fiscal?


Em regra, somente pela sonegação. Se a falsidade é o meio necessário para a
AT

consumação do crime de sonegação fiscal, fica por este absorvida. Aplica-se, no caso,
o princípio da consunção. Mas para o STJ, esse entendimento vale tão somente para o
IRPF. Ao contrário do IRPF, no caso de sonegação fiscal envolvendo IRPJ, o STJ tem
normalmente refutado o princípio da consunção e aplicado o concurso de crimes,
M

especialmente porque nesses casos a falsidade é mais complexa e envolve uma série
de atos, diferentemente do caso do IRPF.

25. Em que consiste o crime de lavagem de dinheiro?


Lavagem de dinheiro é:
> a conduta segundo a qual a pessoa
> oculta ou dissimula
> a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade
> de bens, direitos ou valores
> provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal

349
> com o intuito de parecer que se trata de dinheiro de origem lícita.
Em palavras mais simples, lavar é transformar o dinheiro “sujo” (porque oriundo
de um crime) em dinheiro aparentemente lícito. Desse modo, a criminalização da
lavagem de dinheiro está diretamente relacionada com o combate ao tráfico de drogas,
ao crime organizado, aos crimes contra a ordem tributária, aos crimes contra o sistema
financeiro, aos crimes contra a administração pública e a outros delitos que geram para
seus autores lucros financeiros. Inclusive, a Lei nº 9.613/98 foi editada em cumprimento

O
a tratado internacional assinado pelo Brasil, no qual se comprometeu a reprimir a
lavagem de capitais - Convenção contra o tráfico ilícito de entorpecentes e substância
psicotrópicas (Convenção de Viena).

IT
Atenção! Antes da Lei nº 12.683/2012, que alterou a Lei nº 9.613/98, havia um
rol taxativo de crimes antecedentes, indispensáveis para a configuração do delito de
lavagem de dinheiro. Atualmente, basta a prática de qualquer infração penal

TU
antecedente – crime ou contravenção penal (ex. jogo do bicho).

26. Como é classificada a lavagem de dinheiro?


A lavagem de dinheiro é classificada como um crime derivado, acessório ou

RA
parasitário, considerando que se trata de delito que pressupõe a ocorrência de uma
infração penal anterior.

27. Quais são as gerações das legislações sobre lavagem de dinheiro?


LG
Como vimos, a lavagem de dinheiro sempre pressupõe uma infração penal
antecedente. Essa infração penal antecedente varia de acordo com a legislação de
cada país. Com base nessas diferenças entre as diversas leis, a doutrina construiu a
ideia de que existem três “gerações” de leis sobre lavagem de dinheiro no mundo:
IA

Primeira geração:
São os países que preveem apenas o tráfico de drogas como crime antecedente da
lavagem – em regra, porque suas leis foram editadas logo após a “Convenção de
ER

Viena” que determinava que os países signatários tipificassem como crime a lavagem
ou ocultação de bens oriundos do tráfico de drogas.
Segunda geração:
São as leis que surgiram posteriormente e que, além do tráfico de drogas,
AT

trouxeram um rol de crimes antecedentes ampliando a repressão da lavagem.


Como exemplos desse grupo podemos citar a Alemanha, Portugal e o Brasil (até a
edição da Lei n.° 12.683/2012).
Terceira geração:
M

Este grupo é formado pelas leis que estabelecem que qualquer ilícito penal pode
ser antecedente da lavagem de dinheiro. Em outras palavras, a ocultação ou
dissimulação dos ganhos obtidos com qualquer infração penal pode configurar lavagem
de dinheiro.
É o caso agora do Brasil com a alteração promovida pela Lei n.° 12.683/2012.

28. O processo e julgamento do crime de lavagem de dinheiro depende do


processo e julgamento da infração penal antecedente?
Segundo o art. 2º, II, Lei de Lavagem de Dinheiro,não se
exige condenação prévia da infração penal antecedente para que seja iniciada a ação

350
penal pelo delito de lavagem de dinheiro. Para que seja recebida a denúncia pelo crime
de lavagem, deve haver, no mínimo, indícios da prática da infração penal antecedente.
Por essa razão, o julgamento da infração penal antecedente e do crime de lavagem
não precisa ser feito, necessariamente, pelo mesmo juízo.
A intenção original da Lei n.° 9.603/98 era consagrar uma autonomia absoluta entre
o processo e julgamento do crime de lavagem de dinheiro e o da infração penal
antecedente. Ocorre que a jurisprudência afirmou que essa autonomia é relativa, ou

O
seja, é o juiz quem irá analisar se é conveniente ou não a reunião dos processos, de
acordo com as circunstâncias do caso concreto – tal posição foi consolidada pela Lei
n° 12.683/2012.

IT
29. Para que se configure o crime de lavagem de dinheiro, é necessária
condenação prévia pela infração penal antecedentes?

TU
Segundo a lei de lavagem de dinheiro, art. 2º, II, §1º, a simples existência de
indícios da prática da infração penal antecedente autoriza a instauração de ação penal
para apurar a ocorrência do delito de lavagem de dinheiro, não sendo necessária a
prévia punição dos autores do ilícito antecedente (ex.: desconhecido ou isento de pena

RA
o autor da infração penal) e ainda que esteja extinta a punibilidade da infração penal
anterior.

30. O que ocorre se o acusado não comparecer nem constituir advogado?


LG
Nos termos do CPP, em regra, a citação do acusado é feita pessoalmente, por
meio de mandado de citação, que é cumprido pelo Oficial de Justiça. Se o réu não for
encontrado para ser citado pessoalmente, mesmo tendo se esgotado todos os meios
disponíveis para localizá-lo, ele será citado por edital, com o prazo de 15 dias. Se o
IA

acusado citado por edital não comparecer nem constituir advogado, o processo e o
curso da prescrição ficarão suspensos, podendo o juiz determinar apenas a produção
antecipada de provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão
ER

preventiva do acusado.
No entanto, segundo previsão expressa do art. 2º, § 2º da Lei n.° 9.613/98, o art.
366 do CPP não se aplica no caso do processo pelo crime de lavagem de dinheiro, de
modo que o feito prosseguirá até julgamento com a nomeação de defensor dativo.
AT

31. A vedação imposta pelo art. 2º, §2º, Lei nº 9.613/98 é constitucional?
1ª corrente: NÃO. O dispositivo é inconstitucional por violar o princípio da ampla
defesa. Nesse sentido: Marco Antônio de Barros.
M

2ª corrente: SIM. Trata-se de opção legislativa legítima para este tipo de


criminalidade. É a opinião de José Paulo Baltazar Júnior e Gilmar Mendes. Há julgados
do TRF 3 seguindo esta corrente.

32. O crime de lavagem de dinheiro é suscetível de fiança e liberdade provisória?


Sim, após a Lei 12.683/12, não há qualquer óbice à fiança e liberdade provisória
em caso de lavagem de dinheiro.

33. Pode haver ação controlada nas investigações envolvendo Lavagem de


Dinheiro?

351
A redação original do art. 4º, § 4º, Lei nº 9.613/98, previa expressamente a
possibilidade de ser adotada a ação controlada nas investigações envolvendo Lavagem
de Dinheiro.
A ação controlada “consiste no retardamento da intervenção policial, que deve
ocorrer no momento mais oportuno do ponto de vista da investigação criminal ou da
colheita de provas” (LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. Vol. 1,
Niterói: Impetus, 2012, p. 1278).

O
Com a Lei nº 12.683/2012, a ação controlada continua a ser prevista na Lei de
Lavagem. No entanto, passa a ser prevista no art. 4ºB:

IT
Art. 4º-B. A ordem de prisão de pessoas ou as medidas
assecuratórias de bens, direitos ou valores poderão ser suspensas
pelo juiz, ouvido o Ministério Público, quando a sua execução

TU
imediata puder comprometer as investigações.

34. Como deve ser feita a aplicação do CPP na apuração dos crimes de lavagem
de dinheiro?

RA
A aplicação do CPP deve ocorrer de modo subsidiário, ou seja, somente em casos
de lacunas e omissões.
LG
35. O delegado de polícia e o MP necessitam de autorização judicial para
requisitar os dados cadastrais do investigado a empresas de telefonia,
instituições financeiras, provedores de internet etc.?
NÃO! Nos termos do art. 17-B, o delegado de polícia e o membro do Ministério
IA

Públicopoderão requisitar diretamente (ou seja, sem necessidade de autorização


judicial) das empresas de telefonia, das instituições financeiras, dos provedores de
internet e das administradoras de cartão de crédito e da Justiça Eleitoral, os dados
ER

cadastrais do investigado que contenham a sua qualificação pessoal, filiação e


endereço.

36. Os referidos dados cadastrais estão protegidos por alguma espécie de sigilo
AT

que somente possa ser afastado pelo Poder Judiciário? O acesso aos dados
cadastrais é cláusula de reserva de jurisdição?
A resposta é NÃO. Os dados cadastrais, como endereço, qualificação, filiação e
número de telefone dos investigados não estão abrangidos pelo sigilo das
M

comunicações telefônicas previsto no inciso XII do art. 5º da CF. Nesse sentido há


precedentes do STJ: (EDcl no RMS 25.375/PA, Rel. Min. Felix Fischer, Quinta Turma,
julgado em 18/11/2008, DJe 02/02/2009) e (HC 131.836/RJ, Rel. Min. Jorge Mussi,
Quinta Turma, julgado em 04/11/2010, DJe 06/04/2011).
Ressalte-se, contudo, que o dispositivo trata especificamente de dados cadastrais,
não abrangendo os registros telefônicos (chamadas efetuadas e recebidas). Assim, os
registros telefônicos não estão incluídos na autorização desse artigo.
Ainda, cabe frisar que há quem entenda que esta previsão do art. 17-B pode ser
estendida para as investigações de outros crimes que não apenas os de lavagem de
dinheiro, sendo comando de caráter geral.

352
37. Em caso de indiciamento de servidor público por crime de lavagem de
dinheiro, pode este ser afastado?
Nos termos do art. 17-D da Lei de Lavagem de Dinheiro, sim:
Art. 17-D. Em caso de indiciamento de servidor público, este
será afastado, sem prejuízo de remuneração e demais
direitos previstos em lei, até que o juiz competente autorize,
em decisão fundamentada, o seu retorno.

O
38. A previsão do art. 17-D é constitucional?

IT
NÃO!
Indiciamento é o ato do Delegado de Polícia apontando alguém como possível
autor do delito que está sendo investigado, devendo este indiciamento ser comunicado

TU
ao investigado, salvo se estiver ausente injustificadamente, ocasião em que o
indiciamento será indireto.
O CPP menciona a palavra indiciado em alguns momentos. Apesar disso, não
disciplina como deveria ser a formalidade do ato de indiciamento, seus requisitos etc.

RA
Algumas polícias regulamentam internamente as formalidades para o indiciamento,
mas em outros locais, devido à ausência de lei, trata-se de ato amplamente
discricionário da autoridade policial.
Como no inquérito policial, segundo a concepção majoritária, não existe
LG
contraditório nem ampla defesa, a pessoa investigada não sabe, formalmente, de
antemão, que pode vir a ser indiciada não dispondo de qualquer meio de se defender
desse ato ou de tentar refutar esta intenção da autoridade policial.
Ainda, o Ministério Público não está em nada atrelado ao indiciamento, podendo,
IA

por exemplo, requerer o arquivamento do inquérito policial em relação à pessoa


indiciada pelo delegado, ajuizando a ação penal contra outro indivíduo que não havia
sido indiciado.
ER

Diante da explicação da fragilidade jurídica do ato de indiciamento, é de se concluir


que o afastamento do servidor público unicamente por ele ter sido indiciado em crime
de lavagem de dinheiro é medida completamente desproporcional e que viola
claramente o devido processo legal. Além do indiciamento ser circunstância
AT

extremamente precária, pode acontecer de o referido servidor possuir um cargo que


nada tem a ver com o suposto crime de lavagem que teria cometido. Logo, seu
afastamento geraria prejuízo ao interesse público até mesmo porque não haveria
nenhum risco em ele continuar trabalhando.
M

A melhor solução legal seria o juiz, ao receber a denúncia, diante do pedido


expresso do Ministério Público com a demonstração da necessidade, decidir se seria
caso de afastar cautelarmente ou não o servidor público que fosse acusado de
lavagem de dinheiro. Essa foi, aliás, a opção adotada pela Lei de Drogas (art. 56, § 1º,
da Lei n.° 11.343/2006).

PONTO 26
Crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor (Lei nº 7.716/89),
Estatuto do idoso (Lei nº 10.741/03),

353
Crimes previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8069/90),

1. Qual é o bem jurídico tutelado?


Na presente lei, o legislador pretendeu proteger a dignidade da pessoa humana,
positivada como princípio e fundamento da República, bem como o direito à igualdade,
erigido à categoria de princípio fundamental.

2. Discorra sobre a previsão constitucional.

O
A vedação ao tratamento discriminatório e o garantia do direito à igualdade estão
previstos nos seguintes artigos da Constituição Federal:

IT
a) Art. 1º, III – Um dos fundamentos da República é a dignidade da pessoa
humana;
b) Art. 3º IV- Um dos objetivos da República é promover o bem de todos, sem

TU
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação;
c) Art. 4º VIII- Um dos princípios das relações internacionais é o repúdio ao
terrorismo e ao racismo.

RA
3. A imprescritibilidade e inafiançabilidade previstas no texto constitucional
abrangem todas as formas de discriminação prevista na Lei 7.716/1989?
Tendo em contra a gravidade do delito, o legislador constitucional entendeu por
LG
bem impedir que o instituto da prescrição penal atingisse tal delito, possibilitando ao
Estado Brasileiro soberano, a qualquer momento, exercer o jus puniendi, contra o autor
do delito. A Constituição apenas fez menção expressa ao racismo como sendo
imprescritível e inafiançável nada dispondo em relação às demais formas de
IA

discriminação prevista na lei (cor, etnia, religião ou procedência nacional), sob pena de
incidência em analogia in malam partem.
Vale ressaltar que segundo entendimento dos STF, os crimes de racismo exigem
ER

tipificação penal, não bastando a previsão de mandados constitucionais de


criminalização.

4. A Constituição ao prever que o crime de racismo é inafiançável, veda a


AT

concessão de liberdade provisória?


Não, pois é possível a concessão de liberdade provisória sem fiança no crime de
racismo. O fato de ser inafiançável não obsta, por si só, a concessão de liberdade
provisória, desde que preenchido os requisitos para tanto.
M

5. Diante da proteção do diploma legal, o que se entende por: discriminação,


preconceito, raça, cor, etnia, religião, procedência nacional?
a) Discriminação: Discriminar significa diferenciar, distinguir, tratar de forma
diferente e prejudicial.
b) Preconceito: Conceito, opinião, sentimento ou juízo antecipado, formado pela
pessoa antes de possuir ou formar dados e elementos adequados para formar um
conceito ou uma opinião, independentemente de qualquer razão.

354
c) Raça: É o conjunto dos indivíduos identificados pela semelhança de
características corporais, como estrutura, cor, da pele, forma física, etc. como produto
de sua hereditariedade.
d) Cor: Denotar a tonalidade da peça da pessoa.
e) Etnia: Conjunto de pessoas identificadas pela similitude de linguagem, cultura,
traços físicos e mentais e tradição comuns.
f) Religião: É a crença (em relação a uma divindade ou a sua adoração) ou

O
doutrina religiosa.
g) Procedência nacional: É o elemento identificador da origem da pessoa.

IT
6. Judeu pode ser considerado raça para fins do crime de racismo?
Sim, conforme decidido em emblemático caso no STF, que decidiu que a liberdade
de expressão não pode ensejar a incitação ao repúdio a determinada raça, no caso

TU
concreto, os judeus. (vide questão 14)

7. A homofobia pode ser enquadrada no crime de racismo?


Não, porque não há lei, menção à discriminação ou preconceito em razão da opção

RA
sexual.

8. Cite uma característica comum a todos os tipos penais previstos nesta lei.
Todos os tipos penais da lei possuem um especial fim de agir, consistente na
LG
discriminação de alguém em razão de raça, cor, etnia, religião e procedência nacional.
Ausente o especial fim de agir, a conduta será atípica, como na hipótese de uma
brincadeira feita entre amigos, em que não há a vontade específica de discriminar.
IA

9. Qual a diferença entre o crime tortura discriminatória previsto no art. 1º, I,


alínea c da Lei 9.455/97 dos crimes previstos na Lei 7.716/89?
Se o dolo do agente for causar sofrimento físico ou mental na vítima, por meio de
ER

violência ou grave ameaça, movido por motivo de discriminação racial ou religiosa, a


sua conduta estará tipificada na lei de tortura.

10. Quais as diferenças entre o crime de injuria racial previsto no art. 140 §3º do
AT

CP, e o crime de racismos previsto no art. 20 da Lei 7.716/89?

Injúria Racial – Art. 140 Racismo- Art. 20 da Lei


§3º do CP 7.716/89
M

Bem jurídico Honra subjetiva Igualdade e pluralidade da


tutelado sociedade
Ofensa É dirigida à honra subjetiva Não é dirigida a uma pessoa
de uma pessoa determina
determinada
Sujeito passivo Pessoa ofendida em sua Toda a sociedade, a qual
honra subjetiva interessa o respeito à
igualdade e à pluralidade
Crime Afiançável e prescritível Inafiançável e imprescritível
Ação penal Pública condicionada à Pública incondicionada

355
representação

11. De acordo com os bens jurídicos a serem protegidos quais são os crimes
tutelados?
a) Igualdade no acesso a cargos públicos, que pune a conduta de impedir ou
obstar o acesso de alguém ou sua promoção funcional, a qualquer cargo da

O
Administração Direta ou Indireta, bem como das concessionárias de serviços públicos.
b) Igualdade na relação de trabalho, que pune aquele que deixar de conceder os
equipamentos necessários ao empregado em igualdade de condições com os demais

IT
trabalhadores ou impedir a ascensão funcional do empregado ou obstar outra forma de
benefício profissional, ou ainda aquele que proporcionar ao empregado tratamento
diferenciado no ambiente de trabalho, especialmente quanto ao salário;

TU
c) Igualdade nas relações de consumo, punindo diversas condutas nas relações
consumeristas em casos de recusas ou impedimento de acesso e serviços em
determinados estabelecimentos.
d) Igualdade nas relações sociais, que pune aquele que impedir o acesso às

RA
entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais e elevadores ou escada de
acesso aos mesmos, ou ainda que impedir o acesso ou uso de transportes públicos.
e) Igualdade nas forças armadas, que pune aquele que impedir ou obstar o acesso
de alguém ao serviço em qualquer ramo das Forças Armadas.
LG
f) Igualdade no direito de família, que pune aquele que impedir ou obstar, por
qualquer meio ou forma, o casamento ou convivência familiar e social.

12. Qual foi o tipo penal acrescentado pela “novel” Lei 8.018/1990? Qual a sua
IA

relação com o hate speech?


Foi acrescentada a criminalização da conduta de “praticar, induzir, ou incitar pelos
meios de comunicação social ou por publicação de qualquer natureza, a discriminação
ER

ou preconceito de raça, religião, etnia ou procedência nacional”. Hate speech (discurso


de ódio) consiste na manifestação de valores discriminatórios, que ferem a igualdade,
ou incitação à discriminação, violência ou a outros atos de violação de direitos de
outrem. O STF no “Caso Ellwanger” decidiu, dentre outros temas, que o preceito
AT

fundamental de liberdade de expressão não consagra o ‘direito à incitação ao racismo’,


dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas
ilícitas, como sucede com a da igualdade jurídica. Tendo sido adotado na doutrina a
visão de liberdade de expressão responsável, com limites explícitos e implícitos (como
M

p. ex: ponderação com os demais direitos, como no caso da divulgação de ideias


racistas, vulnera o direito à igualdade).

13. Quais são os efeitos da condenação específicos desta lei?


Constitui efeito da condenação a perda do cargo ou função pública, para o servidor
público, e a suspensão do funcionamento do estabelecimento particular por prazo não
superior a três meses. Porém tais efeitos não são automáticos, devendo ser
motivadamente declarados na sentença condenatória.

356
14. Discorra sobre o estatuto constitucional punitivo do racismo e o
posicionamento do STF no caso do antissemitismo e outras práticas
discriminatórias.
O conceito restrito de racismo, que seria apenas baseado na cor da pele e outros
traços fenótipos, foi abandonado pelo STF no julgamento do HC. 82.244. Julgado no
qual se discutiu se a conduta de publicação de obras antissemitas poderia ser
encaixada no crime de racismo, cujo estatuto constitucional punitivo é severo. A defesa

O
alegou que não se configurava racismo, pelo fato de judeus não constituírem uma raça.
Contudo, a maioria dos Ministros adotou o chamado ‘conceito amplo de racismo’, pelo
qual o crime é realizado contra grupos humanos com características culturais próprias.

IT
Assim, o racismo é uma construção social, uma vez que só há uma raça, a humana.
Pois não há diferenças biológicas entre os seres humanos, por sermos todos iguais na
essência. Ainda, para o STF a divisão dos seres humanos em raças resulta de um

TU
processo de conteúdo meramente político-social, e deste pressuposto origina-se o
racismo. Por fim, o STF decidiu que a ausência de prescrição nos crimes de racismo
justifica-se como ‘alerta grave para as gerações de hoje e de amanhã, para que impeça
a restauração de velhos e ultrapassados conceitos que a consciência jurídica e

RA
histórica não mais admite.

15. O rol de crimes trazido pelo ECA é exemplificativo ou taxativo?


Exemplificativo, há crimes que tutelam a criança e o adolescente no CP, por
LG
exemplo, ex. abandono de incapaz (art. 133).

16. O ECA traz o procedimento de apuração de crimes?


Não, ele traz o procedimento de apuração de atos infracionais. Com relação aos
IA

crimes, o ECA faz remissão expressa às disposições do CPP.

17. Existe algum crime no ECA cuja ação seja condicionada à representação?
ER

Não, segundo o art. 227, ECA, os crimes deste Estatuto são de ação pública
incondicionada.

18. O crime de "privar a criança ou adolescente de sua liberdade, procedendo à


AT

sua apreensão sem estar em flagrante de ato infracional ou inexistindo ordem


escrita da autoridade judiciária competente", art. 230, ECA, prevalece sobre a Lei
de Abuso de Autoridade? O crime do ECA é próprio ou comum?
Por se tratar de tipo penal específico, o art. 230, ECA prevalece sobre a Lei de
M

Abuso de Autoridade. Há divergência sobre ser próprio ou comum, uma vez que, não
somente as autoridades policiais podem apreender um adolescente ou criança.

19. A autoridade policial responsável que comunica imediatamente à autoridade


judiciária a apreensão do adolescente, mas, dolosamente, não comunica à família
deste a sua apreensão, comete crime?
Sim, não basta comunicar ao juiz, deve-se comunicar, também, a família do
apreendido ou a pessoa por ele indicada. Segundo o art. 231, ECA.

357
20.Descumprir, injustificadamente, prazo fixado no ECA em benefício de
adolescente privado de liberdade é crime?
Sim, por exemplo, aquele que não libera o adolescente internado provisoriamente
quando este completa 45 dias de privação.

21. O ECA só traz crimes de menor potencial ofensivo?


Não, há crimes cuja pena máxima ultrapassa 2 anos. Ex.: "subtração de criança ou

O
adolescente com o fim de colocá-lo em família substituta contrariando lei ou ordem
judicial" (art. 237).

IT
22. No crime "Subtrair criança ou adolescente ao poder de quem o tem sob sua
guarda em virtude de lei ou ordem judicial, com o fim de colocação em lar
substituto" pode ser aplicado o perdão judicial do art. 249, § 2º (No caso de

TU
restituição do menor ou do interdito, se este não sofreu maus-tratos ou
privações, o juiz pode deixar de aplicar pena)?
Há doutrinadores que entendem que sim, pois em que pese o ECA prever a
aplicação da parte geral do CP, nada impede que seja aplicado, também, dispositivo da

RA
Parte Especial em benefício do réu.

23. No crime de "filmar cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo


criança ou adolescente", não havendo a prática de sexo entre os atores, há a
LG
configuração do delito?
Sim, pois o tipo penal prevê cena pornográfica, uma cena pornográfica não
necessariamente envolve a prática de sexo.
IA

24.A conduta de divulgar vídeos ou imagens pornográficas de crianças e


adolescentes configura qual crime?
Art. 241-A do ECA: Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou
ER

divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático,
fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica
envolvendo criança ou adolescente:
AT

25. Se esse delito for praticado por meio da internet, de quem é a competência
para julgá-lo?
Justiça Federal, com base no art. 109, V, da CF:
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
M

V - os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a


execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou
reciprocamente;
Obs.: não basta o crime estar previsto em tratado / convenção internacional, tem
que haver a transnacionalidade do delito (iniciada a execução no País, o resultado
tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente)

26. Quais as razões para que essa competência seja da Justiça Federal?

358
Trata-se de crime previsto em tratado ou convenção internacional (Convenção
sobre Direitos da Criança, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas,
aprovada pelo Decreto legislativo 28/90 e pelo Decreto 99.710/90);
A publicação do vídeo ou das imagens ocorreu no Brasil, no entanto, poderão ser
visualizados em qualquer computador do mundo. Verifica-se, portanto, a
transnacionalidade do delito.
Trata-se de entendimento consolidado no STJ: "(...) 3. No presente caso, há

O
hipótese de atração da competência da Justiça Federal, uma vez que o fato de haver
um usuário do Orkut, supostamente praticando delitos de divulgação de imagens
pornográficas de crianças e adolescentes, configura uma das situações previstas pelo

IT
art. 109 da Constituição Federal.4. Além do mais, é importante ressaltar que a
divulgação de imagens pornográficas, envolvendo crianças e adolescentes por meio do
Orkut, provavelmente não se restringiu a uma comunicação eletrônica entre pessoas

TU
residentes no Brasil, uma vez que qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo,
desde que conectada à internet e pertencente ao dito sítio de relacionamento, poderá
acessar a página publicada com tais conteúdos pedófilos-pornográficos, verificando-se,
portanto, cumprido o requisito da transnacionalidade exigido para atrair a competência

RA
da Justiça Federal. (...)" (CC 111.338/TO, Rel. Ministro Og Fernandes, Sexta Turma,
julgado em 23/06/2010)

27. Como será definida a competência territorial nesse caso?


LG
A competência territorial é da Seção Judiciária do local onde o réu publicou as
fotos, não importando o Estado onde se localize o servidor do site. STJ: A consumação
do ilícito previsto no art. 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente ocorre no ato de
publicação das imagens pedófilo-pornográficas, sendo indiferente a localização do
IA

provedor de acesso à rede mundial de computadores onde tais imagens encontram-se


armazenadas, ou a sua efetiva visualização pelos usuários. (CC 29.886/SP, Min. Maria
Thereza De Assis Moura, Terceira Seção, julgado em 12/12/2007)
ER

28. E se o réu publicou as fotos no exterior?


Esse crime poderá ser julgado pelo Brasil por se enquadrar na hipótese prevista no
art. 7º, II, do Código Penal:
AT

Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro:


II - os crimes:
a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir;
Nesse caso, a aplicação da lei brasileira depende do concurso das condições
M

previstas no próprio art. 7º, § 2º.

29. Em sendo preenchidos esses requisitos, o delito seria julgado no Brasil pela
Justiça Federal de qual seção judiciária?
Seção Judiciária da capital do Estado onde o acusado por último morou ou, se
nunca residiu aqui, será competente a Seção Judiciária do Distrito Federal. Essa regra
encontra-se prevista no art. 88 do CPP

30. Troca, por email, de imagens pornográficas de crianças entre duas pessoas,
ambas residentes no Brasil. A competência será da Justiça Federal ou Estadual?

359
No caso acima, não há transnacionalidade do delito, em que pese ser este previsto
em tratado / convenção da qual o Brasil é signatário. Assim, a competência é da
Justiça Estadual.
STJ: Comprovado que o crime de divulgação de cenas pornográficas envolvendo
criança não ultrapassou as fronteiras nacionais, restringindo-se a uma comunicação
eletrônica entre duas pessoas residentes no Brasil, a competência para julgar o
processo é da Justiça Estadual. Inteligência do art. 109, V da CF. Precedentes do

O
STJ.(CC 99.133/SP, Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, julgado em
05/12/2008)

IT
31. Segundo o ECA, aquele que faz o download de um vídeo com pornografia
infantil comete crime?
Sim, art. 241-B. Adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia,

TU
vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica
envolvendo criança ou adolescente.

32. Há alguma causa de exclusão de ilicitude prevista no ECA para este delito?

RA
Sim, a saber:
§ 2o Não há crime se a posse ou o armazenamento tem a finalidade de comunicar
às autoridades competentes a ocorrência das condutas descritas nos arts. 240, 241,
241-A e 241-C desta Lei, quando a comunicação for feita por:
LG
I – agente público no exercício de suas funções;
II – membro de entidade, legalmente constituída, que inclua, entre suas finalidades
institucionais, o recebimento, o processamento e o encaminhamento de notícia dos
crimes referidos neste parágrafo;
IA

III – representante legal e funcionários responsáveis de provedor de acesso ou


serviço prestado por meio de rede de computadores, até o recebimento do material
relativo à notícia feita à autoridade policial, ao Ministério Público ou ao Poder
ER

Judiciário.
Atenção: segundo o ECA e Nucci, tal excludente não pode ser utilizada por
qualquer particular, somente por aqueles previstos no rol acima.
AT

33. Se a quantidade do material apreendido com o agente do crime é pequena há


algum benefício ao réu previsto pelo ECA?
Sim, a pena será diminuída nos termos do parágrafo 1º.
M

34. Aquele que faz montagem, colocando o rosto de uma criança numa fotografia
pornográfica pratica crime segundo o ECA?
Sim. Art. 241-C. Simular a participação de criança ou adolescente em cena de
sexo explícito ou pornográfica por meio de adulteração, montagem ou modificação de
fotografia, vídeo ou qualquer outra forma de representação visual

35. Aquele que alicia adolescente, através de sala de bate-papo na internet, com
o fim de praticar ato libidinoso, pratica crime?
Não, o ECA, em seu art. 241-D só traz a criança como sujeito passivo de tal crime,
isso porque, como explica Guilherme de Souza Nucci (edição de 2010), o adolescente

360
possui maturidade para evitar tal aliciamento e, além do mais, ainda que ocorra a
prática de ato libidinoso com adolescente maior de 14 anos, tal conduta, sequer
configuraria crime, se houver consentimento. Para o doutrinador citado, agiu bem o
legislador.

36. O ECA conceitua o que é "cena de sexo explícito ou pornográfica"?


Sim, art. 241-E. "Para efeito dos crimes previstos nesta Lei, a expressão “cena de

O
sexo explícito ou pornográfica” compreende qualquer situação que envolva criança ou
adolescente em atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas, ou exibição dos
órgãos genitais de uma criança ou adolescente para fins primordialmente sexuais."

IT
Nucci critica tal atuação do legislador pois entende que se restringiu demais o
conceito. Para o autor, a pornografia pode envolver atividades sexuais implícitas e
poses sensuais, sem a expressa mostra dos órgãos genitais. (edição de 2010)

TU
37. O crime de "vender, fornecer ainda que gratuitamente ou entregar, de
qualquer forma, a criança ou adolescente arma, munição ou explosivo" encontra-
se revogado pelo Estatuto do Desarmamento?

RA
Para alguns doutrinadores, sim, pois, além de o Estatuto do Desarmamento ser
norma especial, é posterior. Outros entendem que o ECA continua sendo aplicável para
armas brancas.
LG
38. Vender cola de sapateiro a criança ou adolescente configura crime? Se sim,
crime previsto no ECA ou na Lei de Drogas?
Segundo Guilherme Freire de Melo Barros, a venda de cola de sapateiro amolda-se
na conduta criminalizada pelo art. 243 do ECA.
IA

39. Venda de bebida alcoólica para criança ou adolescente configura crime?


A rigor, não configura crime, segundo o STJ, mas, sim, contravenção penal. Art. 63,
ER

I da Lei de Contravenções Penais. STJ RHC 28.689 de fev. 2011.

40. A venda de substância entorpecente prevista na portaria n. 344 do Ministério


da Saúde, a adolescente ou criança, configura crime do ECA?
AT

Não, aplicar-se-á a Lei de Drogas, art. 33 cumulado com o art. 40, VI da mesma lei
(causa de aumento para crimes que envolvam ou visem a crianças ou adolescentes).

41. Aquele que vende ou fornece, ainda que gratuitamente, a criança ou


M

adolescente, estalinhos (biribinhas) pratica crime?


Estalinhos ou biribinhas: pequeninas bombinhas com quantidade ínfima de pólvora,
cercada por pedrinhas e envoltas em papel que, atiradas ao chão ou contra outro
objeto, estouram, produzindo barulho reduzido.
Segundo, Nucci, não configura crime.

42. O crime de submeter criança ou adolescente à prostituição ou exploração


infantil previsto no ECA foi revogado por aquele previsto no CP (art. 218-B)? Se
sim, revogação tácita ou expressa?
Sim, houve revogação tácita, conforme assinala Nucci.

361
43. Quais as diferenças entre prostituição e exploração sexual?
Cleber Masson assinala as seguintes diferenças:
Prostituição: é espécie de exploração sexual; pressupõe o contato físico.
Exploração sexual: é gênero; não pressupõe o contato físico (ex. disque sexo,
striptease). É elemento normativo de conteúdo cultural.
Obs.: ver perguntas do ponto de Direito Penal que abranja o art. 218-B

O
44. O crime de corrupção de menores previsto no art. 244-B do ECA (Corromper
ou facilitar a corrupção de menor de 18 (dezoito) anos, com ele praticando

IT
infração penal ou induzindo-o a praticá-la) é crime formal ou material para o STJ?
Formal, segundo entendimento sumulado pelo STJ, independe de prova da efetiva
corrupção do menor. A simples participação do menor em crime praticado por agente

TU
imputável configura o crime. Parcela da doutrina discorda do STJ e entende que se
trata de crime material, sendo necessária a demonstração do resultado (efetiva
corrupção do menor).

RA
45. Aquele que induz menor de 18 anos à prática de mendicância, comete
corrupção de menores?
Não, a mendicância não é mais infração penal, foi abolida em 2009. Logo, se o menor
de 18 anos foi induzido a praticar fato atípico, não há corrupção de menores. STF HC
LG
103.787

PONTO 27
IA

Lei das contravenções penais (Decreto-Lei nº 3688/41).

1. Como se distinguem crimes e contravenções?


ER

O Código Penal brasileiro adota o sistema dualista, em a infração penal é o gênero


do qual são espécies o crime (delito) e a contravenção penal (crime anão ou delito
liliputiano).
Segundo a Lei de Introdução ao Código Penal: “Considera-se crime a infração
AT

penal a que a lei comina pena de reclusão ou detenção, quer isoladamente, quer
alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração a que a
lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa
ou cumulativamente” (Art. 1° do Decreto-Lei n° 3.914/41).
M

Nota-se que o conceito é essencialmente formal, já que não existe uma


diferença ontológica entre crimes e contravenções penais. A distinção está no
tratamento dado pelo legislador:

Crimes Contravenções
A ação penal pode ser pública ou A ação penal é sempre pública
privada (art. 100 CP) incondicionada (art. 17 LCP)
Podem ser punidos, Não podem ser punidas as
excepcionalmente, os crimes contravenções cometidas no
cometidos no estrangeiro (art. 7º do estrangeiro (art. 2º LCP)

362
CP)
Admitem tentativa (em regra) – art. 14 Não se pune a tentativa em hipótese
CP alguma (art. 4º LCP)
É punível com pena privativa de É punível com pena privativa de prisão
reclusão ou detenção (art. 33 CP) simples (além de multa) (art. 6º LCP)
O limite máximo para execução da O limite máximo é de 5 anos (art. 10
pena privativa é de 30 anos (art. 75 LCP)

O
CP)
O período de prova do sursisé de 2 a O período de prova é de 1 a 3 anos
4 anos (art. 77 CP) (art. 11 LCP)

IT
2. A condenação anterior por contravenção penal transitada em julgado a menos
de 5 anos gera reincidência em condenação posterior por crime?

TU
De acordo com o art. 63 do Código Penal, a reincidência pressupõe: a) a
condenação por crime anterior; b) trânsito em julgado da condenação anterior; e c)
prática do novo crime após transitar em julgado a condenação anterior – portanto, a
nova conduta criminosa deve ser posterior ao trânsito em julgado da condenação

RA
anterior.
Dessa forma, a condenação anterior por contravenção penal transitada em julgado
a menos de 5 anos não pode gerar reincidência mas, segundo o STJ, pode ser
LG
avaliada de maneira negativa na pena-base, como mau antecedente (RHC 20.951/RJ,
Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 04/02/2014, DJe 24/02/2014).

Crime Crime Reincidência


(art. 63, CP)
IA

Contravenção Contravenção Reincidência


(condenação no (art. 7º, LCP)
Brasil)
ER

Crime Contravenção Reincidência


(art. 7º, LCP)
Contravenção Crime Não gera
reincidência
AT

(art. 63, CP)

3. O princípio da consunção se aplica às contravenções penais?


O princípio da consunção é aplicável quando um delito de alcance menos
M

abrangente praticado pelo agente for meio necessário ou fase preparatória ou


executória para a prática de um delito de alcance mais abrangente. Com base nesse
conceito, em regra geral, a consunção acaba por determinar que a conduta mais grave
praticada pelo agente (crime-fim) absorve a conduta menos grave (crime-meio).
O STF decidiu que o agente que faz uso de carteira falsa da OAB pratica o crime
de uso de documento falso, não se podendo admitir que esse crime seja absorvido
(princípio da consunção) pela contravenção penal de exercício ilegal da profissão (art.
47 do DL nº 3.688/41). Não é possível que um crime tipificado no Código Penal seja
absorvido por uma infração tipificada na Lei de Contravenções Penais. STF. 1ª Turma.
HC 121652/SC, rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 22/4/2014 (Info 743).

363
4. Segundo o art. 1º da Lei n. 6.242/75, o exercício da profissão de guardador e
lavador autônomo de veículos automotores (“flanelinha”) depende de registro na
Delegacia Regional do Trabalho competente. Caso a pessoa exerça a profissão
de “flanelinha” sem registro, ela poderá ser denunciada pela prática da
contravenção prevista no art. 47 da Lei de Contravenções Penais?
Não. Segundo recente jurisprudência do STF, o dispositivo em questão visa

O
garantir que as profissões sejam exercidas por profissionais habilitados, como ocorre
no caso de médicos, engenheiros, professores de educação física, advogados etc. No
caso em questão, não se afigura proporcional a exigência de registro na

IT
Superintendência Regional do Trabalho e Emprego para o exercício da atividade de
“flanelinha”, que não exige maiores habilidades técnicas. Criminalizar tal conduta (ainda
que em sede de lei de contravenções penais) feriria o princípio da intervenção mínima,

TU
segundo o qual só devem ser criminalizadas condutas que efetivamente lesem bens
jurídicos e quando esses bens jurídicos não puderem ser protegidos por outros meios
menos lesivos ao cidadão. Com efeito, segundo o entendimento do Supremo Tribunal
Federal, se houver ilícito, este se aproxima de um ilícito administrativo, e não penal.

RA
Nesse sentido: “O guardador ou lavador autônomo de veículos automotores não
registrado na Superintendência Regional do Trabalho e Emprego – SRTE, nos termos
fixados pela Lei 6.242/75, não pode ser denunciado pela suposta prática de exercício
ilegal da profissão (Lei das Contravenções Penais: “Art. 47. Exercer profissão ou
LG
atividade econômica ou anunciar que a exerce, sem preencher as condições a que por
lei está subordinado o seu exercício”). Reputou-se minimamente ofensiva e de reduzida
reprovabilidade a conduta. Destacou-se que a tipificação em debate teria por finalidade
garantir que as profissões fossem exercidas por profissionais habilitados e, no caso
IA

daqueles conhecidos por “flanelinhas”, a falta de registro no órgão competente não


atingiria, de forma significativa, o bem jurídico penalmente protegido. Nessa senda,
considerou-se que, se ilícito houvera, aproximar-se-ia do de caráter administrativo”
ER

(STF, 2ª Turma, HC 115.046 – 19/03/2013).

5. A contravenção penal de vadiagem (art. 59, LCP) é constitucional?


O art. 59 da LCP é flagrantemente inconstitucional, por violar o princípio da
AT

lesividade.
Punir um indivíduo sem que este cause lesão ou perigo de lesão a bem jurídico
significa abandonar o Direito Penal do Fato e adotar o Direito Penal do Autor, punindo o
autor não por aquilo que ele fez, mas pelo o que ele é, causando evidente insegurança
M

jurídica. Ademais cumpre destacar que a repreensão sobre a pessoa do autor carece
de materialidade, comprometendo-lhe, por conseguinte, a própria tipicidade.
Ferrajoli afirma que o direito penal não pode impor ou reforçar uma determinada
moral, mas somente obstar o cometimento de ações danosas a terceiros. Segundo
Paulo Queiroz é inconstitucional, por conta disso, a punição, por exemplo da vadiagem
(prevista na lei de contravenções). Isso é nitidamente querer impor uma moral.

364

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